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Solução desenvolvida por startup paulista permite monitorar a presença de agentes capazes de alterar o sabor e o aroma da bebida em todas as etapas da produção e nos pontos de venda (foto: divulgação/EasyOmics)

Sistema detecta microrganismos que comprometem a qualidade da cerveja

20 de fevereiro de 2024

Roseli Andrion  |  Pesquisa para Inovação – Com ajuda da biologia molecular, a bebida alcoólica mais consumida no Brasil, especialmente durante o verão, poderá chegar ao consumidor com maior grau de pureza. Por meio de técnicas dessa área, que permite estudar a estrutura física e química de macromoléculas, pesquisadores da startup paulista EasyOmics estão desenvolvendo um sistema para detectar a presença de microrganismos deteriorantes que podem comprometer o sabor e o aroma da cerveja.

Concebida com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, a ferramenta poderá ser empregada pelas indústrias cervejeiras em todas as etapas da produção da bebida e nos pontos de venda.

“As cervejarias já costumam monitorar a presença de microrganismos deteriorantes não apenas no produto final, mas também em amostras da bebida coletadas em pontos críticos da linha de produção”, diz Rene Aduan Junior, biotecnólogo e mestre cervejeiro da EasyOmics. “Com a ferramenta que estamos desenvolvendo será possível fazer isso em diversas outras etapas e locais do processo: da matéria-prima ao ponto de venda. Isso vai permitir identificar a presença de deteriorantes com mais rapidez, sensibilidade e precisão”, afirma.

De acordo com Aduan, as provas de conceito do dispositivo já foram realizadas e permitem prever que a pesquisa aplicada comece a ocorrer dentro das cervejarias ainda neste ano.

“Estamos a caminho de finalizar o protótipo que vai poder ser aplicado nas empresas.”

Segundo ele, um dispositivo convencional para essa finalidade custa hoje entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. “Queremos ter uma opção mais barata para chegar às cervejarias menores. Apesar de a maior parte do mercado ser dominada pelas grandes empresas, com algo como 90%, queremos oferecer soluções para médias, pequenas e microempresas. Sabemos que é importante levar a inovação aonde ela não existe.”

Os pesquisadores da startup querem desenvolver um sistema simples e compacto, que pode ser deslocado facilmente para onde for necessário. Além disso, pode ser operado por qualquer profissional, mesmo aqueles sem experiência prévia no segmento de microbiologia, de forma intuitiva. “Basta que o trabalhador faça a coleta da amostra – algo que ele já faz normalmente”, diz Aduan.

Decisões mais rápidas

O pesquisador explica que, como o equipamento permite conduzir uma análise rápida e eficiente dos agentes deteriorantes presentes no líquido, a tomada de decisões por parte da cervejaria pode ser feita com maior agilidade. O resultado do diagnóstico sai em uma hora, enquanto o de um teste convencional demora de sete a 15 dias para ficar pronto. Evitam-se, assim, adversidades futuras no processo de produção da bebida.

“Quanto mais rápido isso ocorrer, melhor, porque enquanto o líquido está parado no tanque a cerveja deixa de ser fabricada”, explica Aduan.

Assim, se uma coleta antes do envase mostrar uma quantidade pequena de microrganismos, é possível eliminá-los (ou deixá-los inertes) com algo em torno de sete ou oito unidades de pasteurização (UPs) – uma unidade de medida de controle e padronização do processo de pasteurização. “Se a contaminação for maior, no entanto, será preciso aumentar a quantidade de UPs empregadas no processo.”

De acordo com o pesquisador, a pasteurização é uma etapa crítica na produção da cerveja. Além de consumir muita energia, quando não realizada de maneira correta pode causar transtornos após o envase do produto – incluindo a redução no prazo de validade da cerveja.

Com a solução elaborada pela startup, as cervejarias podem dimensionar a intensidade da pasteurização de acordo com o grau de contaminação da bebida. Dessa forma, otimizam os custos normalmente associados a esse processo de preservação da cerveja e maximizam o tempo de prateleira do produto.

É possível, assim, ter estabilidade microbiológica com menos gasto de energia. “Ou seja, posso ter um produto melhor e, ainda, economia de processo. Para o consumidor final, a bebida produzida com o uso da ferramenta chega com menos microrganismos, já que o processo é mais controlado”, afirma Aduan.

Gestão da qualidade

Atualmente, a startup tem acordos com algumas cervejarias e busca aprimorar a calibração do sistema a partir de comparativos com o processo convencional. “Essa etapa é complexa porque cada empresa tem um sistema específico de gestão de qualidade. Então, a tecnologia não pode ser fechada. A partir daí, vamos fazer a transferência do conhecimento diretamente no ambiente industrial.”

Inicialmente, a ideia é oferecer a solução para a principal dificuldade do cervejeiro e, em seguida, adicionar ferramentas associadas à gestão de qualidade. “Queremos ganhar mais intimidade com os diferentes setores da cervejaria e criar uma normatização. Vai ser um aprendizado não só para a cerveja, mas para o vinho e outras bebidas.”

Para aproveitar melhor a solução da startup, a cervejaria precisa ter um processo de qualidade já estruturado, aponta Aduan. Experiente no controle de qualidade em cervejarias, o profissional sublinha a importância de ter soluções integradas que permitam a análise global do processo.

Essa cultura de qualidade do produto, na opinião dele, ainda está em formação no Brasil – embora o país seja o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, com 1.729 cervejarias registradas, segundo dados do Anuário da Cerveja 2022, elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Quase 200 milhões de litros da bebida são exportados anualmente e a participação da indústria cervejeira no Produto Interno Bruto (PIB) nacional chega a 2%.

“Atualmente, não existe essa integração. Com isso, há um descompasso entre as cervejarias e as necessidades do processo cervejeiro, especialmente no que se refere a tempo.”

A meta é que, no futuro, o dispositivo da EasyOmics seja usado, ainda, fora da cervejaria – tanto antes quanto depois da produção. É possível começar a análise nas matérias-primas utilizadas na fabricação da bebida: malte, água e lúpulo. “Muito do processo pode ser conjugado com o setor de qualidade da fábrica”, aponta Aduan. “Já no ponto de venda, pode-se fazer testes diretamente nas torneiras e estabelecer uma nova etapa de controle de qualidade na cadeia de valor”, indica.

Outro aspecto interessante é que o conceito pode ser usado em ferramentas para outros segmentos dentro do setor de alimentos. “A empresa pode, então, pivotar ou associar mercados ao primeiro escolhido – as cervejarias – nesse processo de desenvolvimento.”

Do campo à mesa

A ideia de desenvolver a ferramenta surgiu durante uma conversa regada a cerveja entre Aduan e seus sócios, Regina Oliveira, Daniela Jabes e Fabiano Menegidio (todos pesquisadores nas áreas de microbiologia e bioinformática), enquanto discutiam possibilidades de soluções para o setor de alimentos com uso de biologia molecular.

“A indústria de alimentos pode se beneficiar do uso de processos biotecnológicos. No setor cervejeiro, ainda há pouca associação da tecnologia com o processo fabril. Queremos fazer essa ponte”, diz.

Aduan conta que, com o apoio da FAPESP, a empresa pôde chegar à validação da ideia. “Além dos recursos financeiros, obtivemos orientação, sobretudo no programa PIPE Empreendedor. Isso tornou nosso trabalho mais simples”, sublinha.

“A prova de conceito da bancada é diferente da prova de conceito no ambiente industrial. Na indústria ouvimos mais, nos aprofundamos mais e o produto ganha mais impacto. As pesquisas que fiz no mercado mostram que existe demanda para essa solução.”