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Paragens
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E-book190 páginas4 horas

Paragens

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Sobre este e-book

Jorge quer ser livre e independente. Quer escapar de vez ao controlo do pai, com quem nunca teve a relação que sente que devia ter tido, e crescer por si mesmo, sem as regras que o pai e a sociedade lhe querem impor.

Quanto o destino lhe concede o desejo, Jorge dá consigo à deriva, confrontado com um dia a dia para o qual não está preparado. Descobrindo por acaso a existência de Madalena, uma mulher importante no passado do seu pai, vê-se forçado a reavaliar tudo aquilo que presumira sobre o seu passado. E à medida que a sua vida e a de Madalena se vão imiscuindo uma na noutra, ambos vão aprendendo que liberdade não implica rebeldia, e independência não implica isolamento. Que erros são lições, para quem os comete e para quem os vê cometidos.

E acima de tudo, que quando a vida nos pára, precisamos de quem nos empurre no sentido certo.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de jan. de 2013
ISBN9781301572342
Paragens
Autor

Luis Filipe Alves

Luís Filipe Alves has been a writer all his life, it just took him until 2005 to notice. And he still forgets sometimes. He was one of the first podcasters in Portugal, with the weekly-ish music show Armário das Calças (which translates as The Pants Closet; don’t ask), a name he kept using with his blog long before the podcast closed doors. The blog itself was closed in early 2012, replaced by the portuguese version of LuisFilipeAlves.com. Luís also co-founded the flash fiction blog Palavras Contadas (Counted Words), and was part of the team of Outro Lado dos Comics (The Other Side Of Comics), a comics news and analysis blog. He still hasn’t formally quit, but trust us, he doesn’t work there anymore. His daily (portuguese language) newsletter Obviamente (Obviously) hasn’t missed a single weekday since it started in June 2012. Luís is justifiably proud of that, but less so of its actual content on most days. He’s since published the first year of it as a book. It looks good on his shelf. He’s self-published six ebooks in portuguese, and intends to release at least as many in 2014, while also translating them all into english. And whatever else he’s doing right now, he should stop it, and just write some more.

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    Paragens - Luis Filipe Alves

    1

    Orientas-me o dinheiro ou não?

    Fialho já não tinha energia para discutir mais com o filho. Há muito tempo que todas as conversas entre os dois terminavam em discussão, e o facto de frequentemente acontecerem quando Fialho voltava do emprego não ajudava nada.

    Invariavelmente, o resultado era o mesmo. Ou Jorge cedia, mas ficava uma semana sem falar ao pai, ou cedia Fialho, e Jorge acabava por não passar tempo suficiente em casa para falarem.

    Fialho não se lembrava da última vez em que realmente conversara com o filho.

    Toma lá a merda do dinheiro. Agora desaparece-me da frente… Não havia raiva na voz de Fialho, nem qualquer ressentimento. Só mesmo uma enorme resignação. As coisas eram como eram, e já desistira sequer de procurar como mudá-las.

    Foda-se, estava a ver que não… O resmungo de Jorge, dito ao passar pela porta da rua, foi quase inaudível. Não era, obviamente, dirigido a Fialho, mas este respondeu mesmo assim.

    Olha a merda da língua! Eu aturo-te muito, mas não tenho que te aturar ordinarices, ouviste?

    Jorge não ouviu a frase toda, atirara com a porta a meio. Mas Fialho terminou-a ainda assim. Com a relação deles, não podia fazer muito mais que gozar as pequenas vitórias.

    Esperou uns segundos até o filho acabar de descer as escadas do prédio, e como fazia desde que ele era miúdo e ia para a terceira classe, foi à janela, vê-lo ir-se embora. Quando era pequeno, Jorge fazia questão que Fialho mantivesse esse ritual, mas essa insistência já desaparecera há muito. Mas Fialho mantinha-o. Sempre. Jorge já ia ao fundo da rua com o Miguel e o Tobias, os dois amigos do costume. Nem olhou para trás.

    Mais uma vez, Fialho pensou no que teria feito de errado. Queria descobrir em que ponto a relação entre Jorge e Fialho se deteriorara, mas não era fácil. Crescer sem mãe tinha prejudicado Jorge, sem dúvida, mas acreditava ter feito tudo o que podia e sabia pelo filho. Por mais que tentasse, não encontrava um ponto em particular que gritasse Estás a ver? Foi isto que fizeste mal! Talvez tivessem sido coisas pequenas, daquelas que se dizem e fazem sem pensar que se está a dizer e fazer mal. Talvez tivesse sido uma vida inteira delas.

    O miúdo é um rebelde, e pronto, pensou. Na idade dele, é natural. Mas na idade dele, já deviam começar a ver-se sinais de alguma consciência, alguma noção de que se tem um futuro pela frente.

    Jorge não dava nenhuns desses sinais. Muito pelo contrário, Fialho até podia jurar que o filho ainda não tinha posto os pés na escola naquele período.

    Mas que podia ele fazer? Quando Jorge fora mais novo bem o tentara castigar, mas isso só fizera com que o rapaz se afastasse mais. Mais tarde, aprendeu a esquivar-se aos castigos, o que piorou a situação. Agora, com 16 anos, dificilmente se deixava convencer fosse do que fosse.

    Jorge precisava de endireitar a vida, mas Fialho não podia fazer grande coisa.

    E no entanto, não podia deixar de tentar. Não deixava de ter esperança.

    Não te preocupes, Fialho. Deixa-o lá. Ele ainda é novo, há-de crescer. É só uma fase.

    2

    Jorge e os amigos riam tanto, que tiveram que sair da paragem e ir esperar do outro lado da rua. Se tivessem ficado, as pessoas que estavam à espera do autocarro podiam reparar que algo estava errado.

    A ideia tinha sido do Tobias. Os outros não a receberam muito bem.

    ‘Tás é maluco, disseram, alguma vez isso vai resultar? Deve ser verdade… Depois de alguma insistência, Jorge lá começou a ver algum mérito na ideia, apesar de não acreditar que funcionasse. Mas a verdade é que não tinham muito mais para fazer, e mesmo tendo que aturar os protestos de Miguel, lá foram.

    Esperaram pelas quatro da manhã, numa zona pouco frequentada da cidade, e dirigiram-se a uma paragem de autocarro. Então, com algum esforço e algumas ferramentas (mas menos do que esperavam das duas coisas), arrancaram a paragem do chão, inteira, com cobertura e banco, e levaram-na em braços até uma rua próxima, onde sabiam que passaria muita gente de manhã a caminho do trabalho, mas onde não havia paragem nenhuma.

    Ou melhor, não havia antes. Agora já havia. E para inaugurar a nova paragem, nada melhor que passageiros à espera, pelo que Jorge, Tobias e Miguel lá se sentaram ao amanhecer, à espera de um autocarro que sabiam que não viria, curiosos por saber se alguém esperaria com eles ou não.

    Miguel estava convencido que ninguém cairia nisso. Só se forem muito estúpidos! Jorge aceitava a possibilidade de uma ou outra pessoa acreditar que a paragem tinha sido ali instalada, mas não que ficassem à espera. Tobias, no entanto, acreditava que à hora de ponta haveria ali uma fila.

    Tinha razão. Começaram a chegar pessoas, a perguntar se a paragem estava já a funcionar, ao que os rapazes respondiam que sim, que estava a funcionar desde a véspera, mas que só tinham instalado a cobertura naquele dia. Essa resposta parecia chegar, e as pessoas iam ficando, aparentemente não reparando na contradição entre o facto de a paragem ser supostamente nova, e o facto de já estar bastante maltratada, com pinturas, pastilhas coladas, e restantes adereços urbanos.

    Quantas mais pessoas se juntavam, mais os rapazes se tinham que esforçar para não rir, pelo que foram observar para o café no lado oposto.

    Passaram lá umas boas horas.

    A média que as pessoas aguentavam à espera do autocarro, contaram eles, era de hora e meia. Houve quem aguentasse só 20 minutos, mas alguns deixaram-se ficar mais de duas horas.

    Eram já quase onze, quando Tobias menciona que o que teria mesmo piada seria ver o pai de Jorge à espera na paragem. Foi o suficiente para fazer Jorge parar de rir de vez.

    O comentário de Tobias não era inocente. Tobias era um provocador, daqueles tipos que adora moer a paciência dos amigos, e Jorge sabia-o. Não o fazia com má intenção, por isso não era costume darem importância às provocações. Mas Tobias sabia sempre os pontos fracos de toda a gente, e no caso de Jorge era o pai.

    Não tinha piada nenhuma. Tobias fez silêncio por um momento, e Jorge continuou. Já me chega ter que aturar o meu pai em casa, a última coisa que me apetece é ter que levar com ele agora, mesmo ao longe. E também não me apetece nada ter que ouvir falar dele, ouviste, Tó? Tobias nem respondeu. Não era o único que sabia os pontos fracos dos outros, e Jorge sabia que tratá-lo por Tó calava-o sempre. Tobias detestava o nome.

    O estrago, no entanto, estava feito. O que Jorge queria era não ter que pensar no pai, nem em nada que o preocupasse, e agora bastara ouvir falar nele para já não conseguir tirá-lo da cabeça.

    Não faltes à escola, Jorge!

    Na escola é que se aprende, Jorge!

    Não andes a vadiar com os teus amigos, Jorge!

    Tens que pensar no teu futuro, Jorge!

    Era curioso como Fialho nunca lhe dissera nenhuma daquelas frases exactas, mas de alguma maneira parecia não saber dizer outra coisa. E Jorge já não aguentava mais ter alguém que falhara na vida a dizer-lhe a ele como vencer!

    É verdade que Fialho era quem punha a comida na mesa. Mas era um gerente de supermercado, caramba. Uma vida inteira, e só tinha conseguido isso? Era esse o futuro para o qual queria preparar Jorge?

    O futuro viria por si. Se era esse o que o aguardava, Jorge preferia gozar o presente. Fialho podia ser a sua única família, mas Jorge preferia que não fosse. Preferia não ter família nenhuma.

    Mas vais passar o resto do dia de trombas, é? Perguntou Tobias, salvando o amigo dos seus pensamentos.

    Jorge sorriu.

    Vou. É no que dá passar muito tempo contigo. Jorge deu um soco leve no ombro de Tobias, e todos sorriram, enquanto duas pessoas esperavam pelo autocarro na paragem em frente.

    3

    Ainda não eram 11 horas da noite, mas o Bairro já começava a encher. Era a altura preferida de Jorge. Já havia movimento suficiente para tornar o ambiente interessante, mas ainda se podia andar pelas ruas sem constantes encontrões. Tobias e Miguel já estavam um pouco bêbedos, mas Jorge ainda nem por isso, apesar das quatro cervejas pretas que já tinha bebido. Ou três e meia, ainda tinha metade no copo.

    Olhou os amigos, e pensou no que teriam dito aos seus próprios pais para saírem naquela noite. Tobias provavelmente teria inventado alguma peta, algo tão simples como eu volto cedo, ou tão complicado como… Bom, Jorge nem conseguia imaginar. Tobias era capaz de criar autênticos enredos se precisava de mentir.

    Já Miguel era mais intrigante. Dos três, era o que tinha melhor relação com os pais. Certa vez, Jorge chegou a perguntar-lhe sobre o assunto.

    Digo só que vou sair com os meus amigos. Gosto de ser sincero.

    A resposta surpreendeu Jorge. Mas os teus pais confiam assim tanto em nós?

    Não. Respondeu Miguel. Eles confiam em MIM! A vocês não vos curtem nem um bocadinho…

    Mesmo assim, Jorge suspeitava que Miguel teria que pelo menos mentir por omissão. Se contasse aos pais tudo o que fazia, de certeza que teria problemas.

    Por outro lado, Miguel era o único do grupo que, muito embora não aparentasse, já era maior de idade. Talvez não fizesse grande diferença na relação com a família, mas Jorge suspeitava que fazia.

    Pela sua parte, Jorge não precisava de mentir. Fialho já não lhe fazia perguntas há muito tempo.

    Os seus dois amigos trocavam piadas ordinárias, mas Jorge estava demasiado distraído para as ouvir. Quando tentou, voltou a distrair-se, mas desta vez por outro motivo: pareceu-lhe reconhecer alguém no final da rua.

    Era David, o único verdadeiro amigo que conhecia a Fialho.

    Jorge gostava de David. Não era uma pessoa particularmente constante, parecia estar sempre a meter-se em coisas novas de que depois simplesmente deixava de falar. Mas era simpático, e quando se encontravam no Bairro pagava sempre um copo.

    David! O grito chegou ao seu alvo, e David olhou na direcção de Jorge, que respondeu com um aceno e um sorriso. Por sua vez, David dirigiu-se na direcção dos três rapazes.

    Quando se aproximou deles, parecia mais sisudo do que era costume, e Jorge percebeu que algo estava errado.

    Então, homem? Que se passa? Acho que nunca te vi tão em baixo…

    Sim… David hesitou visivelmente antes de continuar. Fui a tua casa de manhã, mas não estavas lá.

    Pois, tenho andado um bocado ocupado. A resposta de Jorge pareceu tornar o rosto de David ainda mais pesado. Mas a sério, que se passa? Estás a deixar-me preocupado…

    Eu vim cá mesmo à tua procura, Jorge. O teu pai… Teve um acidente.

    Ai sim? De carro? A frieza de Jorge surpreendeu até Miguel e Tobias.

    Sim. O teu pai… Jorge, o teu pai morreu.

    O Bairro pareceu silenciar-se naquele momento, até que David voltou a falar.

    Não se sabe o que aconteceu, ele ia para o trabalho, o carro saiu da estrada… Uma daquelas coisas, e pronto… Jorge, eu tenho tanta pena…

    Ok, então. Obrigado por me teres procurado, David. Jorge estendeu a mão a David. Os rostos dos outros mostravam um misto de incredulidade e de pesar.

    De nada. David acedeu ao aperto de mão, sabendo bem que a conversa com Jorge terminara, mas sem conseguir esconder a sua surpresa. Não te preocupes com os pormenores, que eu estou a tratar de tudo, está bem? E se precisares de alguma coisa, nem que seja de conversar…

    Não, deixa estar. Mas obrigado por tudo, David. Jorge quebrou o aperto de mão. Agora sim, a conversa tinha acabado. Até um dia destes.

    David não disse adeus, apenas acenou ligeiramente com a cabeça, e foi-se embora. Miguel e Tobias estavam claramente sem palavras. Vamos lá ver o que é que vai sair daqui, pensou Jorge.

    Pá… Eu nem sei o que te dizer… Miguel sabia sempre reconhecer o óbvio. Então não digas nada, foi a resposta de Jorge. Nem ele próprio compreendia muito bem como conseguia permanecer tão natural.

    Ouve, mas tu nem perguntaste onde é o funeral, nem nada… A dúvida de Tobias tinha a sua pertinência, mas Jorge só tinha uma resposta possível:

    Não me interessa. Eu não vou.

    4

    David não estava ansioso pelo

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