O choro da chuva
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O choro da chuva - Olga de Benoist
O choro da chuva
SETE VEZES IDIOTA
MEU NOVO AMIGO FRANCÊS, UM MORENO DE aproximadamente trinta anos de idade, com longos cílios escuros, ombros largos e mãos pequenas, disse-me duas coisas como um relâmpago: Você é linda, princesa!
e Você vai se dar bem comigo
.
A primeira declaração me levou a uma ligeira irritação. Ahhh, homens, homens! Por que insistem em cantadas baratas?! Mas a segunda frase me causou curiosidade. Então, eu dei corda.
No dia seguinte, ele me levou para Saint-Germain. Nós andamos pelos bosques e me abraçou pela cintura. Achei um tanto quanto exagerado. Mas permiti.
Era um lindo outono! E só por isso valeu a pena largar tudo e estar em Paris naquela estação. O ar estava claro e brilhante. A paisagem era pintada por um castelo. O sol agradável cheirava intenso. Muitas folhas no chão. Perfumes e aromas deliciosos passeavam pelo ar. Eu remexia as chaves de metal no meu bolso direito. Eu também sentia o cheiro masculino exalando. Tudo ali era a vida.
Nossa conversa fluía. Falamos sobre a França, sobre os animais, sobre os costumes, sobre as mulheres, sobre sexo, sobre o sul, sobre a situação política na Rússia, um documentário russo sobre Stalingrado. Ele é muito inteligente, irresistível. Também fala bem.
Então, depois de tanto falatório, ele me puxou, segurando-me pela cabeça, e me beijou. Eu comecei a rir. Ele não entendeu o que estava acontecendo. Ele riu e eu ri ainda mais. Ele me pediu perdão por invadir meu espaço, meu corpo.
Eu era uma garota com pouca experiência na vida. Ele quis saber por que eu não usava roupas mais ousadas, mais curtas, sexy. Eu gosto de jeans, tênis e camiseta. Na França, milhões de mulheres gastam muito dinheiro em roupas sexy da moda, em cosméticos, maquiagem, salão de beleza… Eu sou diferente, mais simples. Não me importo com isso. O que me importa é meu bem-estar, minha consciência. Meu objetivo não é atrair homens nem estar casada. Quero a felicidade. Ele quis falar sobre sexo, mas cortei. Achei um abuso dele falar disso.
Saímos da pequena floresta, atravessamos o parque, que encontrava uma Cafeteria. Entramos.
– Cerveja, vinho, café?
– Estou dirigindo. Prefiro Coca-Cola.
Ficamos em silêncio. Depois de uns minutos, ele disse que queria ficar comigo, que queria me conhecer melhor, porque sou inteligente e bonita, e ele me adorava. Você entende o que é ficar?
, ele insistia.
Através da janela, eu olhei para as ruas iluminadas por postes de luz, e, quanto mais ele falava, mais tinha asco daquele desnecessário lixo verbal, de cantadas baratas. Ele me levou para casa e disse que ligaria no dia seguinte. Eu sentia falta de quem estava longe.
Seu nome era Soem. Ele me mostrou Paris quase toda. Paris à tarde, Paris pela manhã, Paris à noite. A cada parada, uma bebida. Eu na cerveja, ele na Coca-Cola. Nas cafeterias, ele corrigia meus erros gramaticais, enquanto que, por debaixo da mesa, tentava acariciar meus joelhos e minhas pernas. Não permiti.
Conversamos sobre a África e ele tentou me beijar. Não permiti de novo. Ele falou que eu era estranha. Ele disse que me amava e me perguntou se eu o amava. Eu respondi que não. Lógico! Ele riu. Eu forcei meu riso, fazendo careta. Riso amarelo. Cantei músicas francesas, disse palavras confusas e ele me corrigindo.
Estava chovendo, meu humor estava estragado. Os dias estavam feios e me contaminavam. Senti que Soem estava começando a ficar aborrecido comigo. Calamos um tempo.
Ele queria me apresentar seus familiares no Natal.
Fiquei ansiosa e incomodada. Senti-me como se alguém estivesse tentando me embrulhar como uma múmia de museu, colocando-me num sarcófago, cuja única visão seria através de um vidro à frente do meu rosto. Eu disse a ele que o principal traço da minha personalidade é o amor pela liberdade.
Soem era muito, muito liberal. Disse-me que eu poderia fazer tudo o que eu quisesse, ou seja, até ficar com outros caras. Para ele, isso não o incomodava. Bastava eu permitir que ele estivesse presente na minha vida. Eu amava minha liberdade, mas não significava que eu era libertina. Fiquei indignada!
Dirigimos pelas ruas molhadas. Estreitei meus olhos, mal contendo a raiva pela indelicadeza dele, e perguntei:
– Me diga alguns sinônimos para a idiota.
Ele me deu sete, explicando pacientemente a diferença de cada um deles.
– Obrigada. – eu respondi com gratidão verdadeira.
– Estas são palavras você precisa sabê-las de cor, guardando-as no bolso.
– Guardei-as na minha cabeça, seu idiota!
– O quê?! – ele me perguntou assustado sem entender.
– É isso mesmo o que você ouviu, seu tremendo idiota! E quero que você vá para o inferno com os sete significados da palavra idiota, seu idiota!
Eu o fiz parar o carro e saltei, batendo a porta e olhando para o seu rosto confuso. Comecei a rir sem propósito como uma mulher louca e segui caminhando. Eu ria. As pessoas me olhavam como se eu fosse louca. Fazia tempo que eu não me divertia tanto. Que sorte ele não saber onde eu moro. Sabe apenas meu nome e celular, e eu, naturalmente, nunca mais vou atender suas ligações. Eu fiquei entediada. No celular, alterei o nome dele para Idiota.
Idiota, idiota, idiota, idiota, idiota, idiota, idiota.
MINHA AMIGA POLINA
I – O FARAÓ SONHADOR E A PORTA NA NOITE
Naquele verão memorável, passei todas as minhas noites de sexta-feira com um copo de kup ou cyrus¹ e um livro sobre a história francesa. Depois do trabalho, eu esperava por minha amiga Polina. Sentei-me a uma mesa perto da janela e esperei findar o expediente dela. Fomos para casa juntas.
Não era nem um bar, mas um restaurante italiano perto de Opera e Lafayette. O dono do lugar, o bigodudo Bektash, não falava uma palavra em italiano e seu francês era bem ruim. Bektash era um homem estranho: os ombros ossudos e os quadris estreitos, como se tivesse sido embrulhado na infância e colocado por vários anos em um sarcófago egípcio, cabeça estendida, nariz longo e fino e olhos sonhadores e próximos. Quando ele parou na porta do restaurante, com sua camisa branca, olhou pensativo para a escuridão chuvosa brilhante com um meio sorriso nos lábios, ele parecia quase como um poeta. No entanto, o sublime nele não era suficiente: na verdade, ele estava olhando para os visitantes e reviveu à vista de todos os turistas que cruzavam o limiar do restaurante. À noite, Bektash contava atento à féria, eu vi a mesma expressão sonhadora em seu rosto.
O restaurante chamava-se Il Gusto. Alimentei-me bem. Eles serviam vinte tipos de pizza, bem como saladas, sopas de legumes, peixe frito e bifes à moda de Milão. Havia aperitivos, vinhos e bebidas espirituosas. Quando a máquina de café quebrava, e quebrava muitas vezes, o café recebia um sabor intragável.
A atmosfera dali não era muito diferente de outros bistrôs parisienses. Na rua havia mesas e cadeiras de vime. Nas paredes do interior, pendiam pinturas escabrosas com paisagens bucólicas. Polina segurava uma enorme tela de TV. Turistas ingleses, escoceses, entre outros, reuniramse no Il Gusto durante a Copa do Mundo de Futebol. Eles gritavam, batiam nos pratos e, tomados pela paixão e pelas emoções, bebiam tudo de líquido e alcoólico disponível no bar. Confusão e alegria geral. Os turistas esbarravam nas garçonetes, atrapalhando o trabalho delas. Vendo aquela confusão, Bektash cruzou os braços sobre o peito, pensando que conseguira ajeitar os filhos perdidos para uma vida correta. Seus olhos brilhavam.
Durante a apuração das eleições, o público mudou. Agora eram os eleitores franceses que fixavam olhares na tela. Geralmente, os visitantes comiam entradas, depois o prato principal. Regado a tudo isso, Chianti pediu profiteroles, sorvete, bebeu café, franziu a testa ao gosto, brigou com Bektash, e, durante todo esse tempo, eles discutiam em voz alta sobre o debate