Desafios da educação de jovens e adultos - Construindo práticas de alfabetização
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Desafios da educação de jovens e adultos - Construindo práticas de alfabetização - Eliana Borges Correia de Albuquerque
ORGANIZAÇÃO
Telma Ferraz Leal
Eliana Borges Correia de Albuquerque
Alexsandro da Silva
Andréa Tereza Brito Ferreira
Artur Gomes de Morais
Eliane Nascimento S. de Andrade
Ester Calland de Souza Rosa
Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo Barbosa
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Construindo práticas de alfabetização
Apoio
MEC/SESU
APRESENTAÇÃO
Numa mesma perspectiva sócio-histórica de aprendizagem que perpassa a proposta pedagógica para alfabetização de jovens e adultos que vimos discutindo em outra obra (ALBUQUERQUE; LEAL, 2004), defendemos uma ação pedagógica de formação do professor e da professora pautada na construção dos conhecimentos pelos docentes e pelas docentes em interação com os pares em situações problematizadoras. Defendemos, pois, que não basta levar o profissional ou a profissional a refletir sobre os objetos de conhecimento que ele ou ela ensinam, ou sobre as melhores maneiras de ensinar ou mesmo sobre concepções gerais sobre escola, educação, ensino, aprendizagem, conhecimento, sociedade; o professor precisa, acima de tudo isso, cultivar atitudes de reflexão sobre sua prática.
Consideramos fundamental, portanto, valorizar a experiência do professor em formação. Tomamos como pressuposto que se deve partir dos conhecimentos e experiências já acumulados pelo profissional em exercício ou enquanto desempenhando o papel de aluno, assim como das suas experiências como leitor e produtor de textos.
Atendendo a todos esses pressupostos, a metodologia de trabalho no Projeto Mobilização e alfabetização de jovens e adultos: rede de solidariedade para a cidadania
, no âmbito do Programa Brasil Alfabetizado, realizado pela Prefeitura do Recife, pautou-se em situações que levavam o professor e a professora a teorizarem sobre a ação cotidiana, refletindo sobre os modelos teóricos que serviam de suporte para tal teorização. Foi imprescindível, então, a valorização das formas de trabalho coletivo e ação autônoma dos professores e das professoras, com envolvimento desses em planos sistemáticos de estudo individual e coletivo.
Nesse Projeto, que serviu de fonte de inspiração para a escritura dessa obra, a formação dos professores foi realizada através de um curso inicial, encontros pedagógicos, seminários de formação e seminário final.
O curso inicial foi realizado na semana anterior ao começo das aulas. Neste curso, os professores foram informados acerca do funcionamento geral do projeto e tiveram acesso a discussões sobre os princípios gerais que deveriam nortear a ação docente. Após o curso inicial, eles tiveram encontros semanais de quatro horas e seminários mensais.
O encontro pedagógico tinha como objetivo o aprofundamento teórico, planejamento didático, avaliação e socialização de experiências. Cada conjunto de 40 professores teve um coordenador de grupo que era responsável pelo acompanhamento das atividades, planejamento dos encontros e orientação dos docentes. As atividades de formação foram diversificadas, incluindo-se análise dos cadernos de registro dos professores, elaboração de relatos de experiência (que estão disponíveis no Portal Educativo do Projeto: www.ce.ufpe.br/brasilalfabetizado), análise de programas em fitas de vídeo sobre alfabetização de jovens e adultos; análise de atividades, análise de provas diagnósticas dos alunos, planejamento refletido, dentre outras.
Os seminários foram organizados para discussão de temáticas ligadas à educação de jovens e adultos e à educação popular, a fim de instrumentalizar os professores para outras leituras da realidade, auxiliando-os a melhor entender a sala de aula e a sociedade em que estavam inseridos, com participação de outros interlocutores externos ao grupo que pudessem trocar idéias com os que executavam o Projeto. Diferentes interlocutores externos foram convidados a dialogar com o grupo em formação: Magda Soares, Leôncio Soares e Vera Masagão.
O seminário final foi destinado à avaliação da primeira etapa do projeto e foi organizado de modo que palestrantes participantes do grupo e palestrantes externos discutiram sobre temas ligados à alfabetização de jovens e adultos (diversidade textual e alfabetização de jovens e adultos, afrodescendência e alfabetização de jovens e adultos, a questão do gênero na EJA, currículo de EJA e alfabetização, alfabetização e letramento, dentre outros) e alfabetizadores apresentaram relatos de experiência cujos textos foram disponibilizados no Portal Educativo do Projeto.
Nos encontros pedagógicos e nos seminários, tínhamos a pretensão de discutir temas relevantes para a formação do professor-alfabetizador de jovens e adultos. Assim, as temáticas de formação que guiaram todo o processo foram:
1) O aluno adulto (O perfil do aluno jovem e adulto; O acesso ao texto escrito pelo alfabetizando jovem e adulto; Condições de vida do alfabetizando adulto; Fracasso escolar, baixa auto-estima e exclusão social; Representações do adulto sobre escola, leitura/escrita, aluno e professor; Representações sobre o eu analfabeto
; Expectativas e aspirações em relação à alfabetização).
2) Educação de jovens e adultos (História da EJA no Brasil; História do analfabetismo no Brasil; história das campanhas pró-alfabetização no Brasil; Trabalho e escola; A evasão do aluno adulto e suas múltiplas causas).
3) Concepções de linguagem, ensino e alfabetização (Concepções sobre língua e gramática; Concepções sobre ensino; Concepções sobre alfabetização e letramento; A construção dessas concepções no percurso pessoal de alfabetização e escolarização; Variação lingüística).
4) Os processos de ensino e aprendizagem da notação escrita (O sistema alfabético; A construção dos conhecimentos sobre o sistema alfabético: hipóteses sobre leitura e escrita; Os processos de aprendizagem da escrita pelo aluno adulto; Os objetivos e atividades que promovem a reflexão sobre o sistema alfabético).
5) Leitura e produção de textos na alfabetização de jovens e adultos (Relações entre alfabetização, letramento e escola; Os gêneros textuais como instrumento de interação social; Os diferentes gêneros textuais e a seleção de textos na alfabetização; Relações entre oralidade e escrita; Produção de textos: contexto de produção e processos de ensino e aprendizagem; O leitor e as práticas sociais de leitura na sociedade).
6) Planejamento do ensino e papel do professor (A organização do tempo e da rotina da sala de aula; A organização dos arquivos de atividades e dos cadernos de registro; Seleção de atividades e organização dos recursos didáticos; O uso do livro didático e outros materiais de leitura).
7) Avaliação e ensino (Os objetivos do ensino e o processo avaliativo; O diagnóstico do aluno e o planejamento do ensino; Caderno de acompanhamento do aluno como registro de aprendizagem).
8) Interação em sala de aula (O professor enquanto mediador entre o aluno / objeto de conhecimento e sociedade; Interação aluno-aluno e o papel do professor como coordenador: solidariedade, tolerância, poder, competição...).
O projeto pedagógico que orientou o Programa Brasil Alfabetizado em Recife foi elaborado por professores e alunos de pós-graduação da UFPE, que hoje constituem o Centro de Estudo em Educação e Linguagem (www.ce.ufpe.br/ceel), no Centro de Educação. A execução de toda a formação continuada dos professores-alfabetizadores foi realizada por professores e alunos de pós-graduação das universidades públicas do Recife (UFPE, UFRPE e UPE).
Foi a partir dessa experiência, e com os dados coletados durante a realização do Projeto¹ , que os diversos autores encontraram os temas que aqui discutem. Para melhor situar o leitor, esclarecemos que tínhamos alunos-bolsistas que faziam observações de aula, com elaboração de relatórios; coletavam e digitavam relatos de experiência dos professores, observavam e faziam relatórios dos encontros pedagógicos, coletavam e digitavam depoimentos e questionários de avaliação. Muitos desses materiais estão disponíveis na página do Projeto e foram inseridos nos textos que aqui estão postos.
No primeiro capítulo, Ester Rosa recupera as memórias dos professores e das professoras para discutir sobre a importância dessas lembranças na prática docente. A autora, utilizando extratos de textos coletados em sua Tese de Doutorado e de textos elaborados em uma atividade de formação realizada no âmbito do Projeto aqui descrito (escrita das memórias como alunos alfabetizandos), indicia o quanto as experiências iniciais dos professores e professoras como leitores / leitoras podem ser relevantes no processo de formação, levando-os (as) a tomar consciência de atitudes e formas de ação pedagógica nem sempre disponíveis à consciência imediata.
Maria Lúcia Barbosa, no segundo capítulo, discute sobre a construção da identidade desses(as) docentes em formação, explicitando a importância disso no processo pedagógico. A autora evidencia os valores e princípios que os (as) docentes assumem como norteadores para um profissional da educação e os processos de construção dessa identidade, as tensões e os modos de superação das dificuldades. Os dados foram coletados através de filmagem de uma turma do Brasil Alfabetizado e de entrevistas realizadas pela própria autora. O tema se reveste de grande importância para entendermos a complexa rede de processos que estão constantemente em jogo durante a construção dos conhecimentos e habilidades docentes.
O terceiro capítulo, escrito por Andréa Brito, retoma a questão da identidade profissional, tendo como eixo de reflexão a questão do gênero. A mulher professora, a mulher aluna e a mulher alfabetizanda jovem ou adulta são objetos de discussão. Os modos como as representações sobre a situação da mulher na sociedade interferem sobre o processo pedagógico são enfocados pela autora de modo consistente e desafiador. Utilizando dados coletados através de entrevistas com as educadoras, Andréa põe na mesa
as tensões oriundas das posições que as mulheres assumem no campo profissional.
Eliana Albuquerque, no quarto capítulo, traz um estudo de caso de uma alfabetizadora, através do qual são discutidos os processos de construção dos conhecimentos que ocorreram durante a formação continuada. As desconfianças da professora acerca das abordagens teóricas assumidas pelas formadoras, as conquistas, os recuos, a influência dos diferentes interlocutores e a busca dos saberes constituem centros de atenção neste capítulo. As concepções de alfabetização e de letramento que permearam os encontros pedagógicos e as concepções anteriormente desenvolvidas pela docente são focalizadas, assim como as tensões oriundas das exigências feitas quanto à conciliação entre esses processos durante a alfabetização dos jovens e adultos. Os resultados provisórios da formação são expostos ao público de maneira franca e transparente.
Para discutir mais um pouco sobre a construção dos conhecimentos dos professores durante a formação continuada, Telma Leal traz, no capítulo seguinte, reflexões sobre as estratégias de formação adotadas pelo grupo do Projeto Mobilização e alfabetização de jovens e adultos
, centrando a atenção nos momentos de planejamento pedagógico. Extratos de relatos de experiência de alfabetizadores são analisados, buscando-se encontrar as marcas da formação. A autora buscou apreender os efeitos e benefícios do planejamento coletivo, reflexivo e socializado sobre a prática cotidiana dos professores. Por outro lado, assistimos, neste capítulo, a uma socialização da proposta de rotina elaborada no projeto e das estratégias didáticas dos educadores para executar essa rotina. Bons exemplos de situações didáticas são utilizados para ilustrar tal tema.
Alexsandro da Silva e Eliane Andrade também abordam as estratégias de formação. No capítulo seis, eles discutem sobre a importância da avaliação para a alfabetização, tomando como eixo de discussão a necessidade de compreensão acerca de como os alunos pensam sobre a escrita para melhor planejamento da prática cotidiana. Apresentam um estudo de caso, com a evolução de dois grupos-classe quanto aos conhecimentos sobre a escrita alfabética, apontando algumas estratégias didáticas utilizadas pelas professoras, através dos relatos delas, planejadas a partir das discussões nos encontros de formação. Os autores salientam, ainda, a importância de realizarmos, nos encontros pedagógicos, atividades centradas nos trabalhos dos alunos, como, por exemplo, nas provas diagnósticas construídas pelo grupo e nas fichas de acompanhamento como instrumento de reflexão acerca dos progressos alcançados.
No sétimo capítulo, Artur Morais seleciona um dos temas discutidos durante a formação dos professores para evidenciar aspectos essenciais da alfabetização que vêm sendo, em algumas propostas, negligenciados. A questão da consciência fonológica é trazida como núcleo do capítulo, com evidências dos progressos alcançados pelos alunos a partir de reflexões que foram feitas durante os encontros pedagógicos. Exemplos de situações de sala de aula são usados para mostrar a possibilidade de um trabalho com base em abordagens sócio-interacionistas que consideram o desenvolvimento da consciência fonológica sem recair no mecanicismo e repetitividade próprios dos métodos fônicos.
Todos esses capítulos foram construídos numa perspectiva de socializar um trabalho coletivo em que muitas mãos escreveram o que muitas cabeças e corpos fizeram durante os primeiros seis meses do Programa Brasil Alfabetizado em Recife.
Telma Ferraz Leal
Eliana Borges Correia de Albuquerque
1 Este projeto contou com o apoio do Ministério da Educação (MEC / SESu), que financiou todo o trabalho de acompanhamento e avaliação do Programa Brasil Alfabetizado em Recife, a criação do Portal Educativo e a produção de material para formação de professores-alfabetizadores de jovens e adultos.
Relatos autobiográficos
de leitura e alfabetização:
ouvindo professores para entender
como pensam sobre o que ensinam
Ester Calland de Sousa Rosa
"A vida não é a que a gente viveu,
e sim a que a gente recorda,
e como recorda para contá-la."
Gabriel García Márques
Apresentação
O texto trata de relatos autobiográficos de professores, com foco em suas histórias de leitura e de alfabetização. Inicialmente parte de um levantamento acerca do que vem sendo pesquisado nesta área, para, em seguida, apresentar brevemente resultados de uma pesquisa envolvendo um grupo de alfabetizadoras do Recife, destacando, em suas falas, a reconstituição de suas trajetórias como leitoras e as imagens construídas sobre o que é ser leitor e sobre o seu papel enquanto mediadoras na formação de novos leitores. A terceira parte do texto consiste em relatos coletados como parte do acompanhamento e formação de um grupo de estudantes universitários envolvidos no Programa Brasil Alfabetizado, em Recife, em que foram identificadas algumas tendências quanto a suas memórias do processo de alfabetização. O argumento central defendido é que ouvir relatos autobiográficos, quer em processos de pesquisa, quer em programas de formação de professores, pode ajudar a identificar o que alfabetizadores pensam sobre seu objeto de trabalho e assim contribuir para ajudá-los a reorientar como são tratados o leitor e a leitura na escola.
Por que estudar a história de leitura
e de alfabetização de alfabetizadores?
Todos vivemos vidas narradas
(CONNELLY; CLANDININ, 1995), e, como diz o escritor colombiano na epígrafe deste texto, o que importa não é tanto o que vivemos e sim o que recordamos e como conseguimos relatar aquilo que compõe a nossa memória. Isso porque, ao contar histórias sobre si mesmas, as pessoas