Textos anarquistas
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Textos anarquistas - Mikhail Alexandrovich Bakunin
A revolução de fevereiro de 1848 vista por Bakunin1
Michael Bakunin, emigrado russo, apressou-se em chegar a Paris à época da revolução de fevereiro:
A revolução de fevereiro eclodiu. Quando soube que havia luta em Paris, consegui, para prevenir qualquer eventualidade, um passaporte com uma pessoa de minhas relações e parti para Paris. Mas o passaporte foi inútil: A República foi proclamada em Paris
, estas foram as primeiras palavras que ouvimos na fronteira. Diante desta notícia, senti um arrepio; cheguei a pé a Valenciennes, devido à interrupção da estrada de ferro. Por toda parte, multidões, gritos entusiasmados, bandeiras vermelhas em todas as ruas, em todas as praças e em todos os prédios públicos. Fui obrigado a fazer um desvio; como a estrada de ferro estava impraticável em muitos pontos, só cheguei a Paris em 26 de fevereiro, três dias depois da proclamação da República. No caminho, tudo me divertia.
Esta cidade enorme, centro da cultura européia, tornara-se, de repente, um Cáucaso selvagem: em cada rua, quase em toda parte, barricadas erguidas como montanhas elevando-se até os tetos; sobre estas barricadas, entre as pedras e os móveis estragados, como georgianos em seus desfiladeiros, operários com blusas pitorescas, negros de pó e armados até os dentes; comerciantes com as feições alteradas pelo pavor olhavam cheios de medo pelas janelas; nas ruas e nas avenidas, nenhum carro: desapareceram todos os velhos arrogantes, todos os dandys de monóculo e, em seu lugar, meus caros operários, massas entusiastas e triunfantes agitando bandeiras vermelhas, cantando canções patrióticas, embriagados pela vitória.
No meio desta alegria sem limites, desta embriaguez, todos estavam de tal modo ternos, humanos, compassivos, honestos, modestos, polidos, amáveis e espirituosos, coisa que só pode acontecer na França e, especificamente, em Paris. Em seguida, durante mais de uma semana, morei com operários na caserna da rua Tournon, a dois passos do palácio de Luxemburgo. Esta caserna, anteriormente ocupada pela guarda municipal, transformara-se, como muitas outras, em uma fortaleza republicana, servindo de acantonamento ao exército de Cassidière. Eu havia sido convidado a morar aí por um amigo democrata que comandava um destacamento de quinhentos operários.
Tive, portanto, oportunidade de ver os operários e de estudá-los da manhã à noite. Nunca e em nenhum lugar, em nenhuma outra classe social, encontrei tanta abnegação, tanta integridade, verdadeiramente comovente, tanta delicadeza de maneiras e jovialidade unidas ao heroísmo como entre estas pessoas simples sem cultura, que sempre valeram e sempre valerão mil vezes mais que seus chefes.
O que comove neles é o seu profundo instinto de disciplina; nas suas casernas não podia haver nem ordem estabelecida, nem leis, nem imposições; mas foi vontade de Deus que todo soldado regular soubesse obedecer com exatidão, adivinhar os desejos de seus chefes e manter a ordem tão estritamente quanto os homens livres. Eles pediam chefes, obedeciam com minúcia, com paixão; no seu penoso serviço durante dias inteiros, passavam fome e não deixavam de ser amáveis e sempre alegres. Se estas pessoas, se estes operários franceses tivessem encontrado um chefe digno deles, capaz de compreendê-los e amá-los, este chefe teria realizado, com eles, verdadeiros milagres.
(...) Este mês passado em Paris (...) foi um mês de embriaguez para a alma. Não apenas eu estava embriagado, mas todos: uns de medo, outros de êxtase louco, de esperanças insensatas. Levantava-me às quatro ou cinco horas da manhã e deitava-me às duas horas, ficando todo o dia em pé, indo a todas as assembléias, reuniões, clubes, passeatas ou demonstrações; em suma, eu respirava por todos os sentidos e por todos os poros a embriaguez da atmosfera revolucionária.
Era uma festa sem começo e sem fim; eu via todo o mundo e não via ninguém, pois cada indivíduo se perdia na multidão incontável e errante; eu falava com todo mundo sem lembrar nem das minhas palavras nem das dos outros, pois a atenção estava absorvida a cada passo por acontecimentos novos, por notícias inesperadas.
Esta febre geral não era mantida mediocremente e era reforçada por notícias chegadas de outras partes da Europa; ouviam-se apenas palavras como estas: Luta-se em Berlim; o rei fugiu depois de ter pronunciado um discurso! Lutou-se em Viena, Metternich fugiu, a república foi proclamada! Levante em toda a Alemanha; os italianos triunfaram em Milão e Veneza; os austríacos sofreram uma vergonhosa derrota! A república foi proclamada; toda a Europa torna-se República. Viva a República!
Parecia que o universo inteiro havia mudado; o inacreditável tornava-se habitual; o impossível, possível; e o possível e o habitual, insanos. Em uma palavra, o estado de espírito era tal que, se alguém viesse dizer: Deus acaba de ser expulso do céu onde a República foi proclamada!
, todo mundo teria acreditado e ninguém teria se surpreendido. E os democratas não eram os únicos a sentirem-se inebriados, ao contrário: foram os primeiros a acordar, forçados a começar o trabalho e a consolidar um poder que lhes coube contra toda expectativa e como que por milagre.
O partido conservador e a oposição da dinastia, que se tornou em um dia mais conservadora que os próprios conservadores, enfim todos os homens do antigo regime acreditavam mais que os democratas em todos os milagres e em todas as coisas inverossímeis; eles deixaram de acreditar que dois e dois são quatro e o próprio Thiers declarou: Só nos resta uma coisa, fazer com que nos esqueçam
. Apenas este fato bastaria para explicar a prontidão e a unanimidade com que todas as cidades do interior e todas as classes, na França, reconheceram a República.
1 Extraído de Confession (carta ao czar), 1857, Paris, 1932. (Nota de Daniel Guérin.)
Bakunin, por James Guillaume2
Depois de sua curta passagem por Paris durante a Revolução de 1848, Bakunin, eletrizado pelo exemplo que teve diante de si, foi participar do levante popular de Dresden (3 de maio de 1849). Por isso foi condenado à morte em Saxe, depois na Áustria, em 1850, sendo finalmente libertado pela Áustria durante o governo russo. Ele sofreu em seu país de origem um longo e duro cativeiro. Depois conseguiu fugir da Sibéria em 1861 e chegar a Londres. Foi após a revolta da Polônia contra o império czarista (1863 -1864) e também sem dúvida em conseqüência de seus encontros com Proudhon, em Paris, em fins de 1864 – um Proudhon perto do fim –, que Bakunin tornou-se anarquista. Apresentamos aqui a biografia de Bakunin por James Guillaume apenas a partir deste novo rumo que tomou sua vida.
(...) Quando eclodiu, em 1863, a insurreição polonesa, Bakunin tentou unir-se aos homens de ação que a dirigiam, mas a organização de uma legião russa fracassou, a expedição de Lapinski não pôde chegar a um resultado e Bakunin, que fora a Estocolmo (onde sua mulher o encontrou) com a esperança de obter uma intervenção sueca, teve que voltar a Londres (outubro) sem ter tido sucesso em nenhuma das démarches. Voltou à Itália de onde partiu, em meados de 1864, para uma segunda viagem à Suécia, regressando por Londres, onde reviu Marx, e por Paris, onde reviu Proudhon.
Após a guerra de 1859 e da heróica expedição de Garibaldi, em 1860, a Itália acabava de nascer para uma nova vida: Bakunin permaneceu nesse país até o outono de 1867, detendo-se primeiramente em Florença, depois em Nápoles e nos arredores. Ele havia concebido o plano de uma organização internacional secreta de revolucionários, com vistas à propaganda, e, quando chegasse o momento, à ação, e a partir de 1864 conseguiu agrupar um certo número de italianos, franceses, escandinavos e eslavos nesta sociedade secreta que chamou-se Fraternidade Internacional
ou Aliança dos Revolucionários Socialistas
.
Na Itália, Bakunin e seus amigos dedicaram-se sobretudo a lutar contra os mazzinianos3, que eram republicanos autoritários e religiosos, tendo por divisa Dio e popolo. Um jornal, Libertá e Giustizia, foi fundado em Nápoles, no qual Bakunin desenvolveu seu programa. Em julho de 1886, anunciava a Herzen e a Ogareff4 a existência da sociedade secreta à qual consagrava, havia dois anos, toda sua atividade, comunicando seu programa que, segundo ele próprio, escandalizou dois de seus antigos amigos. Neste momento, a organização na Noruega, na Dinamarca, na Inglaterra, na Bélgica, na França, na Espanha, na Itália e na Suécia possuía adeptos, segundo testemunho de Bakunin, contando também com poloneses e russos entre seus membros.
Em 1867, os democratas burgueses de diversas nações, principalmente franceses e alemães, fundaram a Liga da Paz e da Liberdade e convocaram, em Genebra, um congresso que teve ampla repercussão. Bakunin nutria ainda algumas ilusões em relação aos democratas: foi a este congresso onde pronunciou um discurso, tornou-se membro do comitê central da Liga, fixou residência na Suíça, perto de Vevey, e, durante o ano seguinte, esforçou-se em trazer seus colegas do comitê para o socialismo revolucionário. No segundo congresso da Liga, em Berna (setembro de 1868), fez, com alguns amigos, membros da organização secreta fundada em 1864, (...) uma tentativa de fazer votar na Liga resoluções francamente socialistas, mas, depois de vários dias de debates, os socialistas revolucionários, em minoria, declararam que se separariam da liga (25 de setembro de 1868), fundando, no mesmo dia, sob o nome de Aliança Internacional da Democracia Socialista, uma nova associação da qual Bakunin redigiu o programa.
Este programa, que resumia as concepções às quais seu autor havia chegado, ao fim de uma longa evolução começada na Alemanha em 1842, afirmava entre outras coisas: A Aliança se declara atéia; ela quer a abolição definitiva e completa de classes e a igualdade política, econômica e social dos indivíduos de ambos os sexos; ela quer que a terra, os instrumentos de trabalho, bem como qualquer outro capital, tornando-se propriedade coletiva de toda a sociedade, possam ser utilizados somente pelos trabalhadores, isto é, pelas associações agrícolas e industriais. Ela reconhece que todos os Estados políticos autoritários atualmente existentes, restringindo-se cada vez mais a simples funções administrativas dos serviços públicos em seus países, deverão desaparecer na união universal das associações livres, tanto agrícolas como industriais
.
Constituindo-se, a Aliança Internacional da Democracia Socialista havia declarado seu desejo de tornar-se um ramo da Associação Internacional dos Trabalhadores, cujos estatutos gerais ela aceitaria.
Em 1o de setembro de 1868 surgira em Genebra o primeiro número de um jornal russo, Narodnoé Diélo, redigido por Michel Bakunin e Nicolas Jukovsky; ele continha um programa intitulado Programa da democracia socialista russa
, idêntico quanto ao conteúdo ao programa adotado alguns dias mais tarde pela Aliança Internacional da Democracia Socialista. Mas, a partir de seu segundo número, o jornal mudou de redação, passando para as mãos de Nicolas Outine5, que imprimiu-lhe uma direção totalmente diferente.
A Associação Internacional dos Trabalhadores havia sido fundada em Londres a 28 de setembro de 1864; mas sua organização definitiva e a adoção de seus estatutos dataram de seu primeiro congresso realizado em Genebra, de 3 a 8 de setembro de 1866.
Em sua passagem por Londres em outubro de 1864, Bakunin, que não revia Karl Marx desde 1848, recebeu sua visita: Marx vinha explicar-se com ele a respeito de uma calúnia6, outrora acolhida pela Neue Rheinische Zeitung, que jornalistas alemães puseram em circulação em 1853. Mazzini e Herzen colocaram-se então em defesa do caluniado aprisionado em uma fortaleza russa. Marx, na ocasião, declarara ao jornal inglês Morning Advertiser que não acreditava nesta calúnia, acrescentando que Bakunin era seu amigo e isto ele repetiu-lhe.
Após esta conversa, Marx instou Bakunin a juntar-se à Internacional, mas este, uma vez de regresso à Itália, preferiu dedicar-se à organização secreta já mencionada; a Internacional, no início, era representada fora do Conselho Geral de Londres apenas por um grupo de operários mutualistas de Paris e nada levava a prever a importância que iria adquirir. Foi somente depois de seu segundo congresso em Lausanne