Hans Hoppe e a insustentável defesa do Estado
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Hans Hoppe e a insustentável defesa do Estado - Dennys Garcia Xavier
Conselho Acadêmico da LVM
Adriano de Carvalho Paranaiba
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG)
Alberto Oliva
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
André Luiz Santa Cruz Ramos
Centro Universitário IESB
Dennys Garcia Xavier
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Fabio Barbieri
Universidade de São Paulo (USP)
Marcus Paulo Rycembel Boeira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Mariana Piaia Abreu
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Ubiratan Jorge Iorio
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Vladimir Fernandes Maciel
Universidade Presbiteriana Mackenzie
São Paulo | 2019
Impresso no Brasil, 2019
Copyright © 2019 Dennys Garcia Xavier
Os direitos desta edição pertencem à
LVM Editora
Rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, 1098, Cj. 46
04.542-001. São Paulo, SP, Brasil
Telefax: 55 (11) 3704-3782
contato@lvmeditora.com.br · www.lvmeditora.com.br
Editor Responsável | Alex Catharino
Editor Assistente | Pedro Henrique Alves
Coordenador da Coleção | Dennys Garcia Xavier
Revisão ortográfica e gramatical | Márcio Scansani / Armada
Preparação dos originais | Dennys Garcia Xavier, Pedro Henrique Alves & Alex Catharino
Índice remissivo e onomástico | Márcio Scansani / Armada
Produção editorial | Alex Catharino
Capa | Mariangela Ghizellini
Projeto gráfico, diagramação e editoração | Carolina Butler
Pré-impressão e impressão | Exklusiva
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
H221
Hans Hoppe e a insustentável defesa do estado: Breves Lições / coordenado por Dennys Garcia Xavier. –– São Paulo : LVM Editora, 2019.
304 p. (Coleção Breves Lições)
Vários autores
Bibliografia
ISBN: 978-65-50520-19-9
1. Ciências sociais 2. Ciência política 3. Filosofia 4. Economia
5. Liberalismo 6. Hoppe, Hans-Hermann, 1949- I. Xavier, Dennys Garcia
CDD 300
19-2962
Índices para catálogo sistemático:
1. Ciências sociais 300
Reservados todos os direitos desta obra.
Proibida toda e qualquer reprodução integral desta edição por qualquer meio ou forma, seja eletrônica ou mecânica, fotocopia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução sem permissão expressa do editor.
A reprodução parcial e permitida, desde que citada a fonte.
Esta editora empenhou-se em contatar os responsáveis pelos direitos autorais de todas as imagens e de outros materiais utilizados neste livro. Se porventura for constatada a omissão involuntária na identificação de algum deles, dispomo-nos a efetuar, futuramente, os possíveis acertos.
Sumário
EXÓRDIO 9
UMA NOVA VISÃO DA REALIDADE, SOB OS AUSPÍCIOS DE HANS HOPPE 9
Dennys Garcia Xavier 9
APRESENTAÇÃO 17
HOPPE E A INTRANSIGENTE DEFESA DA LIBERDADE
E DA PROPRIEDADE PRIVADA 17
Alex Catharino 17
Capítulo 1 25
HANS-HERMANN HOPPE: UMA BIOGRAFIA 25
Gustavo Henrique de Freitas Coelho 25
04/12/2005 Hans-Hermann Hoppe 48
Capítulo 2 71
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA FILOSOFIA DE HOPPE 71
Dennys Garcia Xavier 71
Capítulo 3 91
DIREITO DE PROPRIEDADE NO SOCIALISMO AO ESTILO RUSSO, AO ESTILO SOCIAL-DEMOCRATA E AO ESTILO CONSERVADOR 91
Gabriel Oliveira de Aguiar Borges
Dennys Garcia Xavier 91
Capítulo 4 105
ANÁLISE ECONÔMICA, SOCIALISMO DE ENGENHARIA SOCIAL E SUSTENTABILIDADE DO DIREITO DE PROPRIEDADE 105
José Luiz de Moura Faleiros Júnior 105
Capítulo 5 125
O QUE DEVE SER FEITO, SEGUNDO HOPPE 125
Adriano de C. Paranaíba 125
Capítulo 6 137
REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DO ESTADO À LUZ DOS FUNDAMENTOS SOCIOPSICOLÓGICOS DO SOCIALISMO 137
Dennys Garcia Xavier
José Luiz de Moura Faleiros Júnior 137
Capítulo 7 153
CENTRALIZAÇÃO E SOCIALISMO: RELAÇÕES ENTRE A ATIVIDADE ESTATAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 153
João Paulo Silva Diamante
João Vitor Conti Parron 153
Capítulo 8 175
OS IMPACTOS DA PREFERÊNCIA TEMPORAL SOBRE OS GESTORES PÚBLICOS
EM ESTADOS DEMOCRÁTICOS 175
Francisco Ilídio Ferreira Rocha 175
Capítulo 9 189
A QUESTÃO DA IMIGRAÇÃO EM UMA SOCIEDADE LIVRE 189
Dennys Garcia Xavier
Marco Felipe dos Santos 189
Capítulo 10 199
UMA BREVE LIÇÃO DE COMO A DEMOCRACIA VIOLA A PROPRIEDADE PRIVADA 199
Renato Ganzarolli 199
Capítulo 11 215
SEGURANÇA COLETIVA BASEADA NO ESTADO: UM MITO A SER SUPERADO 215
Daniel Colnago Rodrigues
Renan Braghin 215
Capítulo 12 233
OS DESAFIOS CAPITALISTAS DESVELADOS PELAS PROBLEMÁTICAS DOS BENS PÚBLICOS E DOS MONOPÓLIOS 233
Dennys Garcia Xavier
José Luiz de Moura Faleiros Júnior 233
Capítulo 13 249
CONSERVADORISMO, LIBERTARIANISMO E LIBERALISMO: ERROS FATAIS E COMO CORRIGI-LOS EM DIREÇÃO À LIBERDADE 249
Rafael Medeiros Hespanhol 249
Epílogo 269
AS VANTAGENS DA MONARQUIA ABSOLUTA SOBRE A DEMOCRACIA: ENTRE HOPPE E HOBBES 269
Lucas Berlanza 269
SOBRE OS AUTORES 285
ÍNDICE REMISSÍVO E ONOMÁSTICO 291
EXÓRDIO
UMA NOVA VISÃO DA REALIDADE, SOB OS AUSPÍCIOS DE HANS HOPPE
Dennys Garcia Xavier
A RAZÃO DE SER DESTE LIVRO
Este livro segue a linha editorial adotada para a série Breves Lições , que tenho o prazer de coordenar. Após livros dedicados à divulgação de alguns dos elementos da vida e da obra de F. A. Hayek, Ayn Rand e Thomas Sowell – sempre com um inesperado sucesso, motivo de profunda gratidão aos nossos leitores – é chegada a hora de evocarmos um dos mais polêmicos pensadores da liberdade: Hans-Hermann Hoppe.
Antes de irmos às suas lições, no entanto, cabe aqui registrar, como sempre faço nos exórdios da Coleção, o desígnio que nos move nas Breves Lições.
Há tempos a Universidade brasileira virou as costas para a sociedade que a mantém. Há uma série de fatores que explicam tal fato, sem, entretanto, justificá-lo minimamente. Talvez seja o caso de elencar, mesmo que em termos sinópticos, alguns deles, para que o nosso escopo reste devidamente esclarecido.
Em primeiro lugar, a estrutura pensada para as Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) é o que poderíamos denominar entrópica
. Com isso quero dizer que passam mais tempo a consumir energia para se manter em operação do que a fornecer, como contrapartida pensada para a sua existência, efetivo aperfeiçoamento na vida das pessoas comuns, coagidas a bancá-las por força de imposição estatal. Talvez fosse desnecessário dizer, mas o faço para evitar mal-entendidos: não desconsidero as contribuições pontuais e louváveis que, aqui e ali, conseguimos divisar no interior das IPES. No entanto, não é esse o seu arcabouço procedimental de sustentação. Os exemplos de desprezo pelo espírito republicano e pelo real interesse da nação se multiplicam quase que ao infinito: universidades e cursos abertos sem critério objetivo de retorno, bolsas e benefícios distribuídos segundo regras pouco claras – muitas vezes contaminadas por jogos internos de poder político –, concursos e processos seletivos pensados ad hoc para contemplar interesses dificilmente confessáveis, entre outros. Em texto que contou com grande repercussão, o Prof. Paulo Roberto de Almeida esclarece o que aqui alego:
Não é segredo para ninguém que as IPES funcionam em bases razoavelmente privadas
– isto é, são reservadas essencialmente para uma clientela relativamente rica (classes A, B+, BB, e um pouco B-, com alguns merecedores representantes da classe C), que se apropria dos impostos daqueles que nunca terão seus filhos nesses templos da benemerência pública. Na verdade, essa clientela é a parte menos importante do grande show da universidade pública, que vive basicamente para si mesma, numa confirmação plena do velho adágio da torre de marfim
. Não se trata exatamente de marfim, e sim de uma redoma auto e retroalimentada pela sua própria transpiração, com alguma inspiração (mas não exatamente nas humanidades e ciências sociais). A Capes e o CNPq, ademais do próprio MEC, asseguram uma confortável manutenção dos aparelhos que mantém esse corpo quase inerme em respiração assistida, ainda que com falhas de assistência técnica, por carência eventual de soro financeiro.
Nessa estrutura relativamente autista, a definição das matérias, disciplinas e linhas de pesquisa a serem oferecidas a essa distinta clientela não depende do que essa clientela pensa ou deseja, e sim da vontade unilateral dos próprios guardiães do templo, ou seja, os professores, inamovíveis desde o concurso inicial, independentemente da produção subsequente. A UNE, os diretórios estudantis, os avaliadores do Estado, os financiadores intermediários (planejamento, Congresso, órgãos de controle) e últimos de toda essa arquitetura educacional (isto é, toda a sociedade) e, sobretudo os alunos, não têm nenhum poder na definição da grade curricular, no estabelecimento dos horários, na determinação dos conteúdos, na escolha da bibliografia, no seguimento do curso, enfim, no desenvolvimento do aprendizado, na empregabilidade futura da clientela
, que fica entregue à sua própria sorte. Sucessos e fracasso são mero detalhe nesse itinerário autocentrado, que não cabe aos professores, às IPES, ao MEC responder pelos resultados obtidos (ou não), que de resto são, também, uma parte relativamente desimportante de todo o processo (ALMEIDA, 2017).
Jamais questione, portanto, pelos motivos expostos, os tantos gênios
produzidos e alimentados pela academia brasileira. No geral, pensam ser nada mais do que uma obviedade ter alguém para sustentar as suas aventuras autoproclamadas científicas, os seus exercícios retóricos de subsistência e o seu esforço em fazer parecer importante aquilo que, de fato, especialmente num país pobre e desvalido, não tem qualquer importância (e me refiro com ênfase distintiva aos profissionais das áreas de Humanidades). Tem razão, portanto, Raymond Aron quando diz:
Quando se trata de seus interesses profissionais, os sindicatos de médicos, professores ou escritores não reivindicam em estilo muito diferente do dos sindicatos operários. Os quadros defendem a hierarquia, os diretores executivos da indústria frequentemente se opõem aos capitalistas e aos banqueiros. Os intelectuais que trabalham no setor público consideram excessivos os recursos dados a outras categorias sociais. Empregados do Estado, com salários prefixados, eles tendem a condenar a ambição do lucro (ARON, 2016, p. 224-225).
Estamos evidentemente diante do renascimento do acadêmico egghead ou cabeça de ovo
, segundo roupagem brasileira, naturalmente¹. Indivíduo com equivocadas pretensões intelectuais, frequentemente professor ou protegido de um professor, marcado por indisfarçável superficialidade. Arrogante e afetado, cheio de vaidade e de desprezo pela experiência daqueles mais sensatos e mais capazes, essencialmente confuso na sua maneira de pensar, mergulhado em uma mistura de sentimentalismo e evangelismo violento. O quadro, realmente, não é dos mais animadores.
Depois, vale ressaltar outro elemento que configura o desprezo do mundo das IPES pela sociedade. A promiscuidade das relações de poder que se formam dentro dela, sem critério de competência, eficiência ou inteligência, o que a tornam problema a ser resolvido, em vez de elemento de resolução de problemas:
A despeito de certos progressos, a universidade pública continua resistindo à meritocracia, à competição e à eficiência. Ela concede estabilidade no ponto de entrada, não como retribuição por serviços prestados ao longo do tempo, aferidos de modo objetivo. Ela premia a dedicação exclusiva, como se ela fosse o critério definidor da excelência na pesquisa, ou como se ela fosse de fato exclusiva. Ela tende a coibir a osmose
com o setor privado, mas parece fechar os olhos à promiscuidade com grupos político-partidários ou com movimentos ditos sociais. Ela pretende à autonomia operacional, mas gostaria de dispor de orçamentos elásticos, cujo aprovisionamento fosse assegurado de maneira automática pelos poderes públicos. Ela aspira à eficiência na gestão, mas insiste em escolher os seus próprios dirigentes, numa espécie de conluio democratista
que conspira contra a própria ideia de eficiência e de administração por resultados. Ela diz privilegiar o mérito e a competência individual, mas acaba deslizando para um socialismo de guilda, quando não resvalando num corporativismo exacerbado, que funciona em circuito fechado.
Tudo isso aparece, de uma forma mais do que exacerbada, na eleição
, e depois na escolha
, dos seus respectivos reitores
, que não deveriam merecer esse nome, pois regem pouca coisa, preferindo seguir, por um lado, o que recomenda o Conselho Universitário – totalmente fechado sobre si mesmo – e, por outro, o que mandam as ruas
, no caso, os sindicatos de professores e funcionários. Algumas IPES chegaram inclusive a conceder o direito de voto igualitário a professores, alunos e funcionários, uma espécie de assembleísmo que é o contrário da própria noção de democracia, se aplicada a uma instituição não igualitária, como deve ser a universidade (ALMEIDA, 2017).
Talvez esse seja um dos mais graves entraves a ser enfrentado no âmbito da educação brasileira de nível superior: o seu compromisso ideológico com o erro, com o que evidentemente não funciona, com uma cegueira volitiva autoimposta que a impede de enxergar o fundamento de tudo o que é: a realidade, concreta, dura, muitas vezes injusta, mas... a realidade. Trata-se de uma máquina que se retroalimenta com a sua própria falência e que, por isso mesmo, atingiu estágio no qual pensar a si mesma, se reinventar, é quase um exercício criativo de ficção. Fui, eu mesmo, vítima/fautor complacente da realidade que aqui descrevo. Seduzido pelo que julgava ser a minha superior condição intelectual num país de analfabetos funcionais, promovi eventos, obras e diversas doutas iniciativas sem necessariamente pensar em como ajudá-los, mas em como ventilar alta ciência para poucos eleitos, poliglotas, frequentadores de conselhos, grupos e sociedades assim consideradas prestigiosas. O caminho não é esse: ao menos não apenas esse.
Certo, não podemos abrir mão de ciência de alto nível, de vanguarda, de um olhar ousado para o futuro. Isso seria reduzir a Universidade a uma existência utilitária
no pior sentido do termo: e não é disso que estou falando nesta sede. Digo mais simplesmente que é passado o momento de darmos resposta a anseios legítimos da população, à necessidade de instruirmos com ferramentas sérias e comprometidas um vasto grupo humano muitas vezes alijado de conteúdos basilares, elementares, que permeiam a sua existência. A ideia que sustenta o nascimento deste livro, ou da coleção da qual faz parte, se alimenta dessa convicção, ancorada num olhar mais cuidadoso com o outro, com alguma frequência alheio às coisas da ciência.
Não busquem aqui, portanto, contribuição original ou revolucionária ao pensamento de Hoppe. Esta obra não se confronta contínua e rigorosamente – o que devia ter feito, fosse outro o seu propósito – com a fortuna crítica/técnica que a precede, com os múltiplos especialistas em temas específicos ou transversais que contempla ou com textos que, sincrônica ou diacronicamente, se referem ao nosso autor. Ela deseja enfatizar, isso sim, a importância de um pensador para a compreensão das crises pelas quais passamos, e sublinhar algumas das soluções e alternativas apontadas por ele, autor de uma arquitetônica filosófica indispensável que rivaliza, paradoxalmente, com o fato de ter sido posto de parte pela intelligentsia brasileira, sem qualquer pudor ou constrangimento. A obra é o resultado de um esforço conjunto de pesquisadores brasileiros que, sob minha direção, assumiram a tarefa não só de estudar Hoppe mais a fundo, de compreender as articulações compositivas da sua linha argumentativa, mas de dar a conhecer a um público leitor mais amplo a sua estratégica presença. Adotamos como regra geral evitar, tanto quanto possível, a linguagem hermética, pedante ou desnecessariamente tecnicista, nem sempre com o sucesso desejado. Queremos falar a homens letrados, não exclusivamente a círculos especializados, homens das mais diversas formações. Não obstante isso, fomos intransigentes na ajustada apropriação e na interpretação dos conceitos do autor. Longe de nós, ademais, o intuito de operar leitura teorética do texto, vale dizer, usar o eixo doutrinário de Hoppe para propósitos outros que não o da sua estrita compreensão. É isso: avançamos aqui com leitura eminentemente histórica, sem nuances subjetivas ou julgamentos apriorísticos, para oferecer ao leitor uma visão geral e calibrada de alguns elementos fundantes da filosofia do nosso autor. O passo seguinte, caso seja dado, cabe ao leitor, não a quem oferece o texto... ao menos este texto.
Esta é nossa modesta (mas criteriosa) contribuição ao movimento de saída de uma condição de hibernação ideológica crônica experimentada em nosso país. O reexame proposto aqui, ainda que não desenhe qualquer revolução hermenêutica, pode ser útil não só para alinhar os termos do debate hodierno, mas também para publicizar a doutrina de um pensador de primeira grandeza, portanto.
Pois avancemos. Não se trata mais de mero capricho intelectual, mas de proposição mesma de novos tempos para o país.
São Paulo, outubro de 2019.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, P. R. DE. (2017). Cinco coisas que aprendi dando aula numa universidade pública brasileira. Disponível em:
ARON, Raymond. (2016). O ópio dos intelectuais. Tradução de Jorge Bastos. São Paulo: Três Estrelas.
CROSSMAN, Richard H.S. (1952). New Fabian Essays. Londres: Turnstile Press.
APRESENTAÇÃO
HOPPE E A INTRANSIGENTE
DEFESA DA LIBERDADE
E DA PROPRIEDADE PRIVADA
Alex Catharino
Libertários em quase todos os países, incluindo o Brasil, encontram no pensamento do filósofo, sociólogo e economista alemão Hans-Hermann Hoppe os fundamentos para uma intransigente defesa da liberdade e da propriedade privada. No entanto, os escritos desse intelectual polêmico e contestador deveriam ser lidos, também, por defensores de outros visões políticas, especialmente pelos socialistas e pelos conservadores, pois uma das principais características desses provocadores trabalhos, na maioria das vezes, é levar o leitor ao questionamento muitas ilusórias crenças estabelecidas acerca de temas éticos, históricos, políticos e econômicos, implodindo falsos consensos. Ao combinar a teoria da ação humana, a denominada praxiologia, do filósofo e economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973) com o libertarianismo individualista do filósofo e economista norte-americano Murray N. Rothbard (1926-1995) o pensador aqui apresentado criou uma aparato teórico mais sólido para a doutrina libertária anarcocapitalista, ao fundamentar as proposições políticas e econômicas desta em critérios filosóficos mais precisos, além de ter desenvolvido uma ética da argumentação
, amparada em teorias da ética do discurso dos filósofos alemães Karl-Otto Apel (1922-2017) e Jürgen Habermas (1929- ). De acordo com o economista norte-americano Jeffrey M. Herbener, professor do Groove City College, um dos grandes méritos de Hoppe foi ter demonstrado " as alturas intelectuais que podem ser alcançadas ao ensinar suas lições com uma mente brilhante, com devoção fervorosa à verdade e com coragem moral inabalável " (HERBENER, 2009, p. 301).
O pensamento hoppeano abrange diversas áreas do conhecimento, unificadas com rigor lógico, força argumentativa e extrema clareza em uma das mais potentes defesas do libertarianismo. As escolhas feitas ao longo da própria trajetória intelectual de Hans-Hermann Hoppe são um fator importante para melhor se entender o compromisso moral do autor com as ideias que defende. Nascido em 2 de setembro de 1949, na cidade Peine, no estado da Baixa Saxônia, na época território da Alemanha Ocidental, aderiu ao pensamento socialista e foi estudante de Filosofia, Sociologia, Economia e Estatística na Universität des Saarlandes, em Saarbruecken, além de ter cursado o mestrado em Sociologia e o doutorado em Filosofia na Goethe University, em Frankfurt. Sob a orientação do filósofo Jürgen Habermas recebeu em 1974 o título de Doutor em Filosofia. Entre os anos de 1976 e 1978 foi aluno de pós-doutorado em Sociologia e em Economia na University of Michigan, em Ann Arbor, nos Estados Unidos. Obteve em 1981 pela Goethe University a habilitação em Fundamentos da Sociologia e da Economia. Os inúmeros estudos realizados, o fizeram abandonar as convicções socialistas para se tornar um ardoroso defensor dos ideais libertários, ao assumir a posição inicial de discípulo, em seguida de colaborador, e finalmente de sucessor de Murray N. Rothbard, tendo trabalhado com ele desde 1986, quando emigrou da Alemanha para os Estados Unidos, até a morte prematura do mestre em 1995. Lecionou na Universität Wuppertal, na Technische Universität Braunschweig, na Università di Bologna, na Johns Hopkins University e na University of Nevada, sendo Professor Emérito de Economia desta última instituição de ensino superior. Foi editor do The Journal of Libertarian Studies e co-editor do Review of Austrian Economics e de The Quarterly Journal of Austrian Economics. É autor de inúmeros artigos e de diversos livros, muitos lançados em português. Atualmente reside em Istambul, na Turquia, com sua esposa Gülçin. É pesquisador do Ludwig von Mises Institute e membro fundador da The Property & Freedom Society. Acerca da personalidade de Hans-Hermann Hoppe, o fundador e CEO do Ludwig von Mises Institute, sediado na cidade de Auburn no Alabama, o economista norte-americano Llewellyn H. Rockwell Jr. escreveu o seguinte:
Ele é um homem de coragem e convicção. Teve diversas oportunidades de se vender por boa promoção, mas manteve o rumo, comprometido com as ideias de verdade, de liberdade e de o livre-mercado de. É um lutador duro e implacável que todos podem admirar. Não teme a verdade. Tudo isso é porque posso prever com confiança que ele sempre sairá da batalha como o campeão (ROCKWELL JR., 2009, p. 6).
Uma leitura parcial de alguma das obras é suficiente para apreender e a coragem deste autor que não tem medo de contrapor a tirania das confortáveis opiniões dominantes ao assumir uma posição contestadora e polêmica. Antes mesmo do final da Guerra Fria, publicou em língua inglesa no ano de 1989 o livro Uma teoria do socialismo e do capitalismo, no qual apresentou uma definição precisa do que seria o regime capitalista, fundado na liberdade individual, na propriedade privada, nos contratos voluntários e nas livres trocas, diferenciando-o das distintas modalidades socialistas, até mesmo as defendidas, em maior ou menor grau, por social-democratas e por conservadores. Ao longo dos quinze ensaios da coletânea The Economics and Ethics of Private Property, lançada pela primeira vez em inglês no ano de 1993 e a ser publicada em língua portuguesa pela LVM Editora em 2020, o autor discorre sobre inúmeros temas econômicos e filosóficos abordando temas como as falácias da teoria dos bens públicos e a produção de segurança, a economia e a sociologia da tributação, as teorias de classe marxista e austríaca, a praxiologia e os fundamentos praxiológicos do libertarianismo, a ética libertária e a justiça da eficiência econômica, dentre outros, sendo uma visão ampla das principais linhas do pensamento hoppeano. No breve A Ciência Econômica e o Método Austríaco, de 1995, apresenta os fundamentos praxiológicos que devem orientar a Economia em oposição à arrogante pretensão de cientificidade da metodologia positivista adotada pela demais escolas econômicas. A transcrição de uma palestra ministrada em 1997 foi publicada na forma do livreto O Que Deve Ser Feito, um verdadeiro programa libertário, com o diagnóstico dos mais graves problemas políticos de nossa época e a solução prática para nos libertarmos dessas mazelas. Indubitavelmente, o trabalho mais conhecido de Hoppe é o livro Democracia, o Deus que Falhou, uma coletânea de treze ensaios que oferecem uma defesa provocadora, mas extremamente lúcida e bem encadeada, da defesa de uma ordem natural de leis privadas, sendo essencialmente uma interpretação econômica e filosófica da história, que ao assumir uma postura revisionista pretende evidenciar, por um lado, o efeito de descivilização decorrente de qualquer monopólio territorial com poder de tributação, em especial o existente na democracia moderna, e procura demonstrar, por outro lado, que as grandes mudanças que abalaram a legitimidade de governos foram oriundas na força das ideias de uma elite intelectual, bem como na capacidade de tais ideias influenciarem a opinião pública. Uma Breve História do Homem, de 2015, relata, em um primeiro momento, as origens e os desenvolvimentos da propriedade privada e da família, desde o início da Revolução Agrícola, há aproximadamente onze mil anos, até o final do século XIX, para, na segunda parte, elucidar o surgimento da Revolução Industrial há cerca de apenas 200 anos, demonstrando como esta libertou a humanidade das condições apresentadas na análise malthusiana, ao possibilitar que o crescimento populacional não ameaçasse mais os meios de subsistência disponíveis, mas sendo um instrumento do crescimento econômico, para, finalmente no terceiro e último capítulo, desvendar a gênese e a evolução do Estado como uma instituição com o poder monopolístico de legislar e de cobrar impostos dos habitantes de determinado território, relatando a transformação do Estado monárquico, com os reis absolutos
, no Estado democrático, com o povo absoluto
. O mais recente trabalho do autor é Getting Libertarianism Right, publicado em 2018 e com previsão de lançamento em português pela LVM Editora em 2020, no qual se busca reafirmar os princípios fundamentais do libertarianismo diante do atual contexto de desculturação
das sociedades democráticas, além de reafirmar a necessidade dos libertários ocuparem o espaço político que na luta contra o esquerdismo tem sido tomado por grupos de direita, além de ressaltar a importância do pensamento rothbardiano nessa tarefa.
Costumo encerrar o meu curso de Filosofia Política na Pós-Graduação em Escola Austríaca do Instituto Mises Brasil (IMB) com a análise da obra Democracia, o Deus que Falhou, após ter discorrido acerca da evolução histórica do pensamento ocidental, desde os gregos antigos, no sexto século antes de Cristo até os nossos dias, com ênfase nas tensões modernas entre liberalismo e democracia, para discutir de modo mais detido as diferenças e as similitudes entre as reflexões hoppeanas e as contribuições apresentadas ao debate nas obras Liberalismo e Ação Humana, de Ludwig von Mises; O Caminho da Servidão, Os Fundamentos da Liberdade e na trilogia Direito, Legislação e Liberdade, de F. A. Hayek (1899-1992); e Governo e Mercado, de Murray N. Rothbard. As discussões com os alunos acerca do livro de Hans-Hermann Hoppe não apenas servem como uma espécie de síntese de toda a explanação das quatro aulas de quatro horas do curso, mas, também, esclarecem o ponto central do moderno conceito de Soberania
, que na perspectiva hoppeana pode ser entendido como o monopólio estatal sobre a segurança, a justiça e a tributação em um determinado território. Na condição de um defensor da tradição conservadora anglo-saxã, na linhagem que vai desde Edmund Burke (1729-1797) até Russell Kirk (1918-1994), tendo a ser um pouco mais otimista, ou talvez mais ingênuo, do que Hoppe, depositando ainda um pouco de minhas crenças, mesmo que ilusórias, no processo político, desde que limitado pelos princípios da moral judaico-cristã e pela manutenção tanto do Estado de Direito quanto da economia de livre-mercado. Todavia, o estudo do pensamento hoppeano, muitas vezes, me faz lembrar da necessidade dos conservadores manterem um diálogo constante com os libertários anarcocapitalistas, visto a maior ameaça à defesa da tradição moral que defendemos é oriunda das forças monopolísticas estatais, que tendem a atacar tudo o que é Verdadeiro, Bom e Belo em nome da expansão do poder governamental sobre a pessoa humana e sobre as comunidades orgânicas, na constante tentativa de controle social. As críticas do filósofo, sociólogo e economista alemão, em muitos aspectos, oferecem uma dimensão mais ampla sobre o problema tratado pelo pensamento kirkiano no livro A Política da Prudência, em seu capítulo sobre a nefasta ideologia do democratismo
. Os escritos de Hoppe, também, são um alerta sobre os riscos do crescimento da ordem imanente externa dos governos se tornar o principal antagonista da Ordem moral, transcendente e interna, da liberdade individual e de consciência, e da justiça, valores fundamentais do conservadorismo. Nas palavras do economista russo Yuri N. Maltsev, professor do Carthage College:
Hans-Hermann Hoppe é o defensor mais ardente da liberdade em nosso tempo. Ele fez mais para avançar nossa compreensão dos aspectos filosóficos, legais, econômicos e culturais da liberdade e da propriedade privada que qualquer outro intelectual vivo. Como um dos alunos favoritos e amigo próximo de Murray N. Rothbard, foi quem melhor desenvolveu a tradição anarcocapitalista da Escola Austríaca de Economia após a morte prematura de seu mentor. Escritor prolífico, grande professor e orador muito popular, Hoppe atraiu dezenas de milhares de pessoas