Política Social e Desigualdades: A Educação em Destaque
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Política Social e Desigualdades - Silvia Cristina Yannoulas
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
PREFÁCIO
Com esta publicação, mais uma vez a comunidade acadêmica e o público em geral são brindados com uma produção da lavra de pesquisadores do Grupo de Estudos Tedis, do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB). Grupo este que, tal como seus congêneres do mesmo Programa, hoje em número de 12, é credenciado e certificado, respectivamente, no Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB e no Diretório dos Grupos de Pesquisa (DGP) do CNPq, compondo, nessa instituição, o inventário nacional dos grupos de pesquisa científica e tecnológica em atividade no Brasil.
Tendo como denominação uma temática instigadora, referenciada nas categorias analíticas Trabalho, Educação e Discriminação, o Tedis, seja pela sua lotação institucional básica – em um Departamento de Serviço Social historicamente questionador; seja pelo momento de sua criação, em 2007 – ano da crise financeira que explicitou, em 2008, a crise estrutural capitalista iniciada nos fins dos anos 1970; seja ainda pelas questões que o entrelaçamento dessas categorias sugere, não poderia deixar de participar da atual batalha de ideias que já entrou pelos quarenta anos. Melhor dizendo: não poderia deixar de assumir, nessa batalha, postura antineoliberal/antineoconservadora traduzida em resistência intelectual contra-hegemônica a inéditas formas de dominação de signo neoimperial.
Guiados pela perspectiva crítica que contraria falsas verdades burguesas, propagadas por slogans que reforçam a ardilosa ideia de eternização da ordem do capital, os autores dessa coletânea alinham-se às fileiras dos que defendem a construção de alternativas a essa tática de poder, baseados em evidências factuais. Assim, contra mantras neoliberais-neoconservadores – como o que vaticinava o fim da história
, de autoria do economista nipo-americano Francis Fukuyama; ou o que, orquestrado pela ex-Primeira Ministra inglesa Margareth Thatcher, insistia no lema do não há alternativa
, as narrativas dessa obra têm o aval da história. E mais, não fogem ao enfrentamento analítico com contradições dialéticas que, indefectivelmente, permeiam as categorias fundantes do Tedis, as quais ressurgem ressignificadas nas simultâneas relações de antagonismo e de reciprocidade que se entrecruzam em cada texto.
Não por acaso, o livro tem como problema de pesquisa um desafio que hoje se inscreve, dilematicamente, nos Anais das grandes baixas
nas conquistas civilizatórias da humanidade: aquele que põe em xeque a atual relação capitalista entre Política social e desigualdade
, tendo como pedra de toque a política pública de educação. E cuja repercussão na sociedade capitalista contemporânea tem sido de correspondência recíproca, passando, por isso, a requerer: reação coletiva, guiada por princípios, critérios e valores democráticos, além de – parafraseando Alcock (1997) – indignação acadêmica acompanhada de contestação a sua existência. Portanto a relação em apreço não apenas se coloca como objeto de estudo a ser desvendado e explicado dentro dos cânones científicos, mas também como alvo de combates nos quais o próprio conhecimento científico deverá funcionar como arma intelectual.
A escolha da educação como unidade de aferimento analítico de processos macros no campo da política social constitui, nesta coletânea, um recurso heurístico que não dispensa a contribuição de outras políticas, relações, tendências e determinações. Isso porque, nenhuma política social é autossuficiente ou situada na estratosfera. Os conteúdos expressos nos cabeçalhos dos capítulos que compõem o compêndio, já dão uma amostra dessa interatividade. Se não, observe-se: política social versus educação, comunicação pública, pobreza, desigualdade, trabalho docente, classe social, reprodução do capital, direitos, empreendedorismo, workfare, educação infantil, produção de alimentos, alimentação escolar. Isso sem falar de não-ações ou omissões do Estado, implicitamente denunciadas, que, no atual estágio capitalista, não deixam de ser um projeto político ou estratégia do bloco no poder para alcançar objetivos pretendidos, mas ocultados. Que o diga, a título de exemplo, a atual prática da recém-chamada necropolítica neoliberal, a qual, embora produto do ideário darwinista social oitocentista, tem função exterminadora de pessoas consideradas inúteis do ponto de vista econômico, sob a forma de violência discreta. Isto é, sob a capa de omissões e austeridades burocráticas adotadas pelos poderes públicos que, intencionalmente, deixam morrer todos os que não podem comprar o seu próprio bem-estar. Trata-se, pois, de uma política mortífera, empiricamente impactante, mas que interage com metas e fins legitimados por um sistema escancaradamente desumano.
A imperiosa interatividade que se dá no seio da política social e desta com a economia, a cultura, a cidadania e a democracia, indica que essa política é, por natureza, relacional e, portanto, interdisciplinar. Mas, é também um processo internamente contraditório, dada a sua faculdade de atender, ao mesmo tempo, a dois senhores com interesses antagônicos: o capital e o trabalho. Logo, essa política é produto de lutas de classes, e desempenha funções sociais forjadas no calor dessas lutas que têm raízes fincadas no lócus da produção. Por isso, a sua maior ou menor atenção às demandas e necessidades da classe que vive da venda de sua força de trabalho, depende, decisivamente, da correlação de forças historicamente prevalecente em contexto socioeconômico político, cívico e cultural determinado.
Além disso, a maior ou menor serventia da política social para os trabalhadores depende, nos tempos presentes, da correlação de forças sociais processada no terreno da batalha de ideias já mencionada, cujos efeitos deletérios sobre a política social solidária, do segundo pós-guerra, não têm precedentes. Afinal, essa batalha resulta da avassaladora extensão capitalista do controle da produção para o do consumo, com o objetivo de manipular, por inteiro, comportamentos e ideias, por meio de propagandas massivas, operadas por poderosos meios de comunicação. E o resultado dessa investida comunicacional tem elevado as questões culturais a níveis de importância tais que a luta ideológica operada em torno delas tornou-se fato não desprezível ou o fantasma do momento.
Esses desafios fazem parte da pauta de preocupações dos autores dessa coletânea que, em sua totalidade, lançam mão da arma da crítica fundamentada em estudos e pesquisas consistentes. Na tentativa de corresponder a esse comportamento, eu, na qualidade de componente do Grupo Tedis, atrevo-me, no curto espaço deste prefácio, a fazer um adendo reflexivo sobre as características dessa batalha que, seguramente, inaugura, desde a chamada Guerra Fria, um novo jeito
de dominação burguesa. E o faço por acreditar que, na história do desenvolvimento capitalista, as ideias que fazem parte da atual e das anteriores maneiras de dominação não são meros epifenômenos do que acontece na esfera da produção material. Os processos extra econômicos, identificados como ideológicos, culturais e políticos, utilizados para fortalecer o domínio do capital sobre o trabalho, são prenhes de potenciais e consequências que também interferem no funcionamento da economia. É o caso, dentre outros, da política social.
Com efeito, o período da chamada Guerra Fria que sucedeu, em 1945, a Segunda Guerra Mundial e, no qual, até os fins dos anos 1970, a política social conheceu seus melhores momentos em termos de possibilidade de concretizar direitos sociais, constitui o marco inicial estratégico da virada pelo avesso dessa nobre missão.
Durante a Guerra Fria, a divisão do mundo em dois blocos de influência paritária liderados, no Ocidente, pelos Estados Unidos (EUA), e, no Oriente, pela então União Soviética (URSS), fez com que as grandes tensões mundiais fossem diplomaticamente reguladas até 1991, quando ocorreu a autodissolução da URSS. Entretanto, desde este surpreendente episódio, os EUA tornaram-se não apenas a única superpotência mundial, mas um novo tipo de Império com função arbitral de última instância sobre situações conflituosas em qualquer lugar do planeta. Esse acontecimento extraordinário desencadeou, conforme Perry Anderson (2003), retóricas, posturas e estratégias de dominação inéditas, assim construídas:
No curso da Guerra Fria, quando a URSS ainda existia, o bloco capitalista, representado pelos Estados Unidos, não admitia ser chamado de capitalista e, portanto, discordava do entendimento geral de que esse conflito bélico, aparentemente pacificado, tinha como opositores o capitalismo e o comunismo. Isso porque, o termo capitalismo denotava, para os próprios capitalistas, um qualificativo pejorativo, sem apelo altruísta, além de ter sido etiquetado pelos comunistas, como uma espécie de crítica ao sistema do capital que, de fato, era e é arbitrário. Por isso, no Ocidente, onde o capitalismo reinava, a Guerra Fria foi renomeada, ideologicamente. Passou a ser propagada e reinterpretada como um conflito entre democracia (estadunidense) e totalitarismo (soviético). E para dar coerência à sua fabricada identificação com as liberdades democráticas, o capitalismo tratou de se autodenominar livre empresa
ou mundo livre
e não mundo capitalista
;
Entretanto, com o fim da Guerra Fria e a derrota da URSS, os representantes do capitalismo mudaram radicalmente de atitude. Pela primeira vez em sua história, proclamaram-se em alto e bom som em todo o globo, como capitalistas, inaugurando dessa forma uma ideologia inteiramente nova, compatível com a sua inédita condição de única potência imperial. Esta proclamação, segundo Perry Anderson, tinha a intenção de anunciar mundialmente o triunfo esmagador do capitalismo contra ao que designava de forças obscurantistas e totalitárias do comunismo e de se fazer valer como a melhor e insubstituível ordem social. Em vista disso, procurava difundir, de forma reiterada, o que Fukuyama e Margareth Thatcher pretenderam legitimar com os seus slogans. O primeiro, ressalta Anderson, não titubeou em dar a mais ampla e ambiciosa expressão teórica
a essa ideologia, sob a forma de um livro acadêmico – O fim da história
- que repercutiu dentro e fora das hostes acadêmicas. Prova disso foi o fato de o discurso, segundo o qual, com a destruição do comunismo, alcançava-se o ponto final do desenvolvimento social baseado em mercados livres, para além do qual não haveria melhorias substanciais
, ter ganhado ampla aceitação. O mesmo pode ser dito do slogan de Thatcher que, em essência, pontificava que o capitalismo de livre mercado seria uma fatalidade contra a qual não haveria alternativa (there is no alternative); e que, por isso, ele se afigurava como o destino universal e final da humanidade no seio do qual se formou, de fato, o núcleo do credo neoliberal-neoconservador atualmente hegemônico.
Dessa reconstituição sintética do processo de construção da batalha de ideias que se tem hoje pela frente, o que importa destacar é o poder destruidor que a combinação do status de potência imperial dos Estados Unidos com a jactância fanfarrona de um capitalismo desregulado como o melhor dos mundos
, exerceu sobre a cultura cooperativa ou solidária da política social, principalmente a partir de 2007. E que, desde então, com a turbulência dos mercados financeiros mundiais, desencadeados pelo fiasco hipotecário estadunidense, a ética que passou a fundamentar essa política tem sido a do individualismo possessivo; uma ética que, ao privilegiar como norma comportamental o indivíduo sobre a sociedade e a responsabilidade individual sobre a coletiva, produziu a seguinte deformação na índole da política social: ela tornou-se a-social, quando não antissocial. Consequentemente, seus princípios de liberdade, igualdade e solidariedade foram revistos e submetidos à prédica do autointeresse, adotada tanto como filosofia, quanto como hybris egoísta.
Disso decorreram: i) a supremacia do indivíduo possessivo sobre a sociedade, visto que tal indivíduo passou a ser o único proprietário de suas habilidades e capacidades transformadas em mercadorias negociadas em um mercado livre de regulações; ii) a concepção de sociedade como uma simples soma de indivíduos empreendedores, consumistas racionais e responsáveis por si mesmos, cuja independência pessoal está acima de quaisquer outras considerações; iii) a preponderância da liberdade negativa, que nega a interferência do Estado nas escolhas, decisões e ações individuais, sobre a liberdade positiva que, ao contrário, convoca a proteção do Estado contra riscos sociais causados pelo sistema dominante. Além disso, iii) é pelo trabalho assalariado ou remunerado, regido pela lógica do lucro incessante do capital, que o indivíduo auferirá recursos para prover suas necessidades, o que exige a substituição, na linguagem da política social, do termo welfare (bem-estar como direito de cidadania) pelo termo workfare (bem-estar em troca de trabalho). Essa substituição, por sua vez, tem a ver com a mudança programada da postura passiva
do Estado de Bem-estar e, portanto, paternalista
ou populista
, para outra postura, ativa
e incentivadora da aurorresponsabilização do indivíduo pelo seu sustento e desenvolvimento. Logo, caberá ao Estado burguês, tão somente, ativar os demandantes da proteção social pública para, por meio de treinamentos específicos, inserirem-se no mercado de trabalho altamente competitivo e desprotegido socialmente.
Esse é, em largos traços, o cenário em que a dilemática, porém não fatal, relação contemporânea entre política social e desigualdade se encontra e se movimenta dialeticamente, e sobre o qual haveria muito a dizer e a predizer. Porém, nesse ponto, passo a palavra aos autores deste livro que tive a honra e a liberdade de prefaciar, convidando os leitores a beberem na fonte de seus saberes especializados que, no seu conjunto, me serviram de inspiração.
Potyara Amazoneida P. Pereira
Professora emérita – Universidade de Brasília
Brasília, Península Norte, agosto de 2019.
REFERÊNCIAS
ALCOCK, Pete. Understanding poverty. 2. ed. London: MacMillan, 1997.
ANDERSON, Perry. A batalha de ideias na construção de alternativas. Conferência proferida na Conferência Geral do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO), La Habana, Cuba, 30 out. 2003. Disponível em: https://www.resistir.info/cuba/perry_anderson_havana_port.html. Acesso em: 2 ago. 2019.
Sumário
prefácio 5
Potyara Amazoneida P. Pereira
INTRODUÇÃO 13
Silvia Cristina Yannoulas
CAPÍTULO 1
A PRESENÇA DE PAULO FREIRE NO SERVIÇO SOCIAL – DA EDUCAÇÃO POPULAR À COMUNICAÇÃO PÚBLICA 15
Kênia Augusta Figueiredo
CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL – UMA ANÁLISE DAS PRODUÇÕES BIBLIOGRÁFICAS DA INICIATIVA EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL 31
Adir Valdemar Garcia
Silvia Cristina Yannoulas
CAPÍTULO 3
TRABALHO DOCENTE USURPADO – EMPREENDEDORISMO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E SUA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE REPRODUÇÃO AMPLIADA DO CAPITAL 69
Silvana Aparecida Souza
CAPÍTULO 4
TRABALHADORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL - HISTÓRIA E ATUALIDADE DA DOCÊNCIA NA PRIMEIRA INFÂNCIA 87
Tiago Grama de Oliveira
Lívia Maria Fraga Vieira
CAPÍTULO 5
TRABALHO DOCENTE – PADRONIZAÇÃO E RESISTÊNCIA 139
Ana Paula de Matos Oliveira
CAPÍTULO 6
O DIREITO À ALIMENTAÇÃO E A EDUCAÇÃO – UM ESTUDO SOBRE A PRESENÇA DE ALIMENTOS ORGÂNICOS NO PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR DO DF DE 2009 A 2018 185
Terena Peres de Castro
SOBRE OS AUTORES 229
Índice Remissivo 233
INTRODUÇÃO
A coletânea que ora apresentamos procura dar visibilidade aos elos entre política social e desigualdades sociais, na sua expressão fenomênica no campo da educação. Ela é fruto de pesquisas recentes de doutorado e pós-doutorado do Grupo de Pesquisa Tedis, criado em 2007 no contexto da Universidade de Brasília.
As pesquisas do Grupo Tedis sistematicamente tentam construir pontes entre áreas disciplinares conexas, especialmente entre o serviço social e as ciências da educação, pensando na relação de integralidade entre políticas sociais setoriais. Intersetorialidade e multidisciplinariedade constituem enfoques metodológicos e heurísticos fundantes da reflexão coletiva do Tedis, bem como das atividades de pesquisa, docência e extensão dos e das participantes do grupo. Destarte, os autores e as autoras da coletânea, provenientes de diversas áreas disciplinares e inserções institucionais no Distrito Federal e outras Unidades da Federação, procuram desenvolver um olhar apurado sobre diferentes tópicos que compõem a agenda educacional brasileira.
Assim, a coletânea aborda temas tais como: comunicação pública e educação popular na história do Serviço Social, análise da atual produção bibliográfica sobre educação e pobreza, o lugar do empreendedorismo na escola pública, trabalho docente e educação infantil, a resistência e a padronização do trabalho docente no contexto da alfabetização escolar, e a alimentação escolar e a produção orgânica de alimentos. Se, num primeiro olhar, percebe-se multiplicidade de temas, a leitura da obra permitirá desvendar alguns eixos em comum que passamos a explicitar, a unidade na diversidade.
As e os autores defendem o direito à educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada como forma de garantir acesso aos conhecimentos histórica e socialmente produzidos, necessários à compreensão da sociedade e às lutas voltadas à construção de uma nova ordem social, que possibilite a verdadeira emancipação humana. Para tanto, é necessário ter clareza dos limites estruturais da ordem do capital para o estabelecimento de lutas que visem garantir o máximo de direitos sociais objetivando à máxima diminuição das desigualdades sociais, bem como para alcançar uma nova ordem social em que cada um possa oferecer aquilo que é a sua possibilidade e receber aquilo que é a sua necessidade. A partir das temáticas estudadas, os autores e as autoras que participam dessa coletânea, apontam claramente os limites da sociedade de classes, buscando mostrar a distância entre o discurso em defesa da sociedade justa
e às ações efetivas para a sua construção, deixando claro que a justiça (educacional e social) pretendida não se concretiza no interior do capitalismo.
O Tedis apresenta seus resultados de pesquisa regularmente em eventos locais, nacionais e internacionais, e divulga as publicações em seu sítio¹, em que podem ser consultados livros, artigos de revistas científicas, artigos de divulgação, teses de doutorado, dissertações de mestrado e trabalhos de conclusão de curso de especialização e de graduação. No caso dessa coletânea, todos os capítulos são inéditos e foram aprovados, oportunamente, como trabalhos de conclusão ou relatórios de pesquisa por bancas de especialistas ou pareceristas ad hoc das agências de fomento que financiaram, individualmente, os estudos aqui contemplados.
Esta publicação fundamenta-se na experiência desenvolvida pelo Tedis ao longo dos anos, num espaço universitário de formação de assistentes sociais, com a participação de pesquisadores de diversas áreas disciplinares e de universidades brasileiras e estrangeiras. Almeja contribuir com os debates em torno da política social educacional universal, numa sociedade marcada pelas desigualdades sociais.
Se o livro é uma obra coletiva acalentada durante anos de árduo trabalho acadêmico, gostaríamos de agradecer o esforço constante de todos e todas os/as participantes do Grupo Tedis, que com seus comentários e sugestões contribuíram para pensar e repensar os sentidos e práticas do direito à educação na contemporaneidade.
Esperamos que os leitores e as leitoras sejam inspirados pela leitura!
Silvia Cristina Yannoulas
Professora associada III – Universidade de Brasília
Organizadora
Brasília, novembro de 2019
CAPÍTULO 1
A PRESENÇA DE PAULO FREIRE NO SERVIÇO SOCIAL – DA EDUCAÇÃO POPULAR À COMUNICAÇÃO PÚBLICA
Kênia Augusta Figueiredo
Introdução²
Neste capítulo da coletânea do Tedis apresentamos algumas reflexões sobre os elos entre Serviço Social e Educação, considerando especialmente a influência do educador Paulo Freire na história do Serviço Social, que por razões diversas deixou de ser apontada nas últimas décadas. Importa esclarecer aos leitores que esse texto não tem por objetivo discutir as razões desse distanciamento, nem tão pouco negar a importância dos fundamentos históricos teóricos metodológicos da profissão inscritos no campo marxista. Almeja-se dar visibilidade aos registros científicos não hegemônicos, mas elaborados por pessoas que fizeram e viveram a história da origem da relação e influências de Paulo Freire no Serviço Social. Portanto, esse texto navega principalmente em produções que ocorreram durante e pós-efervescência do Método BH da Universidade Católica de Minas Gerais, atualmente Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG. Importa assim situar historicamente a profissão, bem como a contribuição substanciosa de Paulo Freire para o Serviço Social crítico e comprometido com a organização política da classe trabalhadora.
Ainda que se tenham muitos estudos sobre esse momento da profissão é certo que não se esgotaram as possibilidades de aprendizados uma vez se tratar de um período de muitas discussões e experiências marcadas por período de opressão do Estado e ausência de democracia. Como apontou Netto (1996) o Movimento de Reconceituação é caracterizado pelo seu caráter heteróclito, por ter tido uma mescla de tendências (conservadorismo, modernizadores, intenção de ruptura) e por lapso temporal extremamente reduzido. Contudo é atual e determinante para a profissão, sendo necessários reencontros com sua história e produção como quer tratar esse texto sobre a presença de Paulo Freire no movimento de Reconceituação e na contemporaneidade do Serviço Social.
Ao considerarmos que Paulo Freire constituiu-se como referência acadêmica, política e ética para a área da Educação por se colocar na linha de frente do combate às injustiças e opressões, contribuindo para a compreensão das conflituosas relações entre educação, trabalho e pobreza e desenvolvendo um novo paradigma de consciência crítica há de se perguntar, visto ser de conhecimento geral sua presença na área, sobre como Paulo Freire contribuiu para o Serviço Social critico, se há alguma atualidade e qual seria.
Com base nessas questões elegemos duas contribuições na história do Serviço Social, em que pese profundas diferenças no contexto, no processo de construção, na participação e envolvimento dos pares. A primeira situação que elegemos reconhecer a contribuição de Paulo Freire tem como referência o Movimento de Reconceituação quando o Serviço Social toma para si a função de educador popular e cria alguns documentos que apontam definições, objetivos e metodologias de trabalho para o assistente social. A outra referência, já na contemporaneidade, parte da compreensão de Iamamoto (2003) que considera o conhecimento e a linguagem como instrumento de trabalho do assistente social, possibilitando de alguma forma a vinculação com a comunicação, em especial com a comunicação pública, como uma possível referência técnico-operativa para a profissão.
1 Educador/a Popular: uma função do assistente social reconceituado/a
A bibliografia especializada indica que para melhor situar historicamente o Movimento de Reconceituação é necessário buscar no ano de 1965 na cidade de Porto Alegre o Primeiro Seminário Latino–Americano de Serviço Social. A pauta foi sobre a realidade política e social vivida pelos países da América latina, sendo os assistentes sociais conclamados a encontrar seu próprio caminho, procurando desvencilhar de influências estrangeiras norte-americanas e europeias para encontrar soluções para a realidade latino-americana.
A partir daí novos seminários foram realizados, sendo seis eventos até 1972, sempre nos países do sul do continente: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Bolívia, sendo a preocupação a mesma: a de buscar um Serviço Social próprio para os países da América Latina.
Entre os seminários realizados no período de 1965 a 1972, embora no Brasil os seminários ocorridos em Araxá- MG (1967) e Teresópolis-RJ (1970) e outros tenham muita importância no processo de discussão interna é o IV Seminário, realizado em 1969, na cidade de Concepción