SAPEA-Água: Educação Ambiental e Gestão das Águas
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SAPEA-Água - Alessandra Chacon
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO SUSTENTABILIDADE, IMPACTO, DIREITO, GESTÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Dedicamos esta obra à população mais vulnerável que, em última análise, sofre as consequências dos impactos de ações antrópicas que prescindem da sustentabilidade ambiental ou não a priorizam.
Também aos nossos familiares, em especial aos nossos filhos que, com demonstrações de amor e carinho, depositam em nós confiança e consolidam seu apoio, sem os quais o desenvolvimento deste livro não teria sido possível.
AGRADECIMENTOS
Às Agências de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (Finep/MCT) que, direta ou indiretamente, forneceram apoio financeiro de várias formas em diferentes etapas dos estudos e desenvolvimento do Sapea-Água.
Agradecemos, também, aos colegas, professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente (PPG-MA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pelo incentivo, apoio e troca de ideias, em vários momentos, que contribuíram, sobremaneira, para o aperfeiçoamento do Sapea-Água.
Aos colegas que, gentilmente, apreciaram a primeira versão do Sapea-Água e, por meio de suas valiosas experiências, puderam criticar e fazer sugestões para que o sistema pudesse ser aprimorado, antes mesmo de sua publicação.
Aos professores que compuseram a Banca de Avaliação da tese de doutorado, na qual este livro se baseia, por apresentarem críticas e sugestões que contribuíram para o aperfeiçoamento da versão final da tese e que foram, muitas vezes, aproveitadas no livro.
Ao Professor Dr. Harry Alberto Bollmann e Nicole Accioly, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), por suas dedicações nas entrevistas para aplicação do SAPEA-Água no Projeto Carste, buscando em todos os momentos fidelidade ao processo de avaliação. Essa aplicação foi fundamental para a elaboração deste livro, pois permitiu o aperfeiçoamento do sistema, assim como a confirmação da sua aplicabilidade em programas e projetos de educação ambiental no contexto da gestão das águas.
APRESENTAÇÃO
As projeções indicam que o aquecimento global terá desdobramentos no ciclo hidrológico. Presume-se que ocorram impactos nas ofertas hídricas e nas necessidades de consumo, podendo tornar os sistemas atuais de abastecimento público insuficientes e menos eficazes. Sem o correto planejamento estratégico, pode até haver comprometimento desses mananciais por usos emergenciais. As secas, que poderão ser mais críticas, sobretudo com maior duração em muitas regiões do planeta nesses tempos de mudanças climáticas, devem aumentar a pressão sobre reservas subterrâneas estratégicas e os conflitos na governança das águas. No Brasil, em 2015, foi muito grave a crise hídrica que atingiu vários estados brasileiros, principalmente nas Regiões Sudeste e Nordeste, onde está concentrada a maior parte da população do país. Cinco anos depois, em janeiro de 2020, os moradores do Estado do Rio de Janeiro relataram que a água captada pela Estação de Tratamento de Água Guandu e distribuída pela Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro (Cedae) saía turva das torneiras e filtros, com cheiro e gosto de terra, principalmente nas zonas norte e oeste do Rio de Janeiro.
Esse cenário de escassez ou ineficiência do abastecimento de água instigou-nos a pensar na educação ambiental como um instrumento capaz de estimular uma reflexão crítica sobre os fatores geradores dessa crise e que também pode contribuir, junto à comunidade local e a diversos setores da sociedade, para a busca de soluções da problemática hídrica.
No entanto, pesquisando diversos estudos, deparamo-nos com a fragilidade metodológica dos programas/projetos de educação ambiental voltados para a gestão de recursos hídricos. Percebemos que vários programas/projetos em desenvolvimento não especificam a vertente de educação ambiental que adotam e privilegiam práticas educativas pontuais e reducionistas. Nessa perspectiva, desenvolvemos um conjunto de indicadores e meios de verificação para a avaliação de programas/projetos de educação ambiental para gestão integrada de recursos hídricos, a partir da fundamentação teórico-metodológica crítica e emancipatória. Chamamos essa proposta de Sistema de Avaliação de Programas e Projetos de Educação Ambiental para Gestão de Recursos Hídricos (Sapea-Água).
Nossa aposta na criação desse sistema é que o Sapea-Água amplie a quantidade, a qualidade e a efetividade de programas/projetos de educação ambiental no âmbito da gestão das águas.
O livro é uma adaptação da tese de doutorado intitulada Sistema de avaliação de programas e projetos de educação ambiental para gestão de recursos hídricos (SAPEA-Água)
, de autoria da professora Alessandra Chacon e das orientadoras Luciene Pimentel da Silva e Elza Neffa, e desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente (PPG-MA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Nesse processo, buscamos tornar o texto mais consolidado e objetivo, permitindo o uso da obra tanto pelo público acadêmico como pelos atores envolvidos na práxis da gestão e governança das águas e da educação ambiental, essencial à preservação das reservas hídricas, minimização dos problemas de escassez e insuficiência do abastecimento de água, assim como dos conflitos que, geralmente, emergem nessas circunstâncias. A obra também contribui de forma transversal para a Agenda da ONU para 2030 e seus objetivos e metas para o desenvolvimento sustentável.
As autoras
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Sumário
INTRODUÇÃO 19
CAPÍTULO 1 31
1.1 APLICAÇÃO DO Sapea-Água 40
1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA CONSTRUÇÃO DO
SAPEA-ÁGUA 43
1.3 DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE 50
CAPÍTULO 2
VALIDAÇÃO DO Sapea-Água, SEUS INDICADORES E MEIOS DE VERIFICAÇÃO 87
2.1 AVALIAÇÃO POR MEIO DE INDICADORES 87
2.2 INDICADORES NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL 99
2.3 DEFINIÇÃO DOS INDICADORES E DOS MEIOS DE VERIFICAÇÃO DO Sapea-Água 114
2.4 VALIDAÇÃO DO Sapea-Água 116
CAPÍTULO 3
BASES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O Sapea-Água 119
3.1 TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL 127
3.2 MARCOS REGULATÓRIOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA GESTÃO
DAS ÁGUAS 135
CAPÍTULO 4
BASES CONCEITUAIS DA GESTÃO INTEGRADA DAS ÁGUAS INCORPORADAS AO Sapea-Água 141
4.1 MARCOS REGULATÓRIOS DA GESTÃO INTEGRADA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL 145
4.2 COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNIDADES DE GESTÃO 150
4.3 PROGRAMAS E PROJETOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ÂMBITO
DA GESTÃO DAS ÁGUAS 152
4.4 PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A GESTÃO INTEGRADA DOS RECURSOS HÍDRICOS 158
CAPÍTULO 5
ESTUDO DE CASO: AVALIAÇÃO DO PROJETO Carste 167
5.1 APRESENTAÇÃO DO PROJETO Carste 167
5.2 AVALIAÇÃO DO PROJETO Carste 176
5.3 RESULTADO FINAL DO PROJETO Carste 216
5.4 O PROJETO Carste E O SAPEA-ÁGUA 217
APÊNDICE A – Carta de apresentação aos especialistas 221
APÊNDICE B – Questionário aos especialistas sobre a
versão preliminar do SAPEA-Água 223
ANEXO – Questionário da pesquisa O que fazem as escolas que dizem que fazem educação ambiental?
(TRAJBER; MENDONÇA, 2006) 249
REFERÊNCIAS 257
INTRODUÇÃO
Desde o início da civilização, em todo o mundo, o desenvolvimento dos recursos hídricos tomou muitas formas e direções. Os seres humanos têm procurado, há muito tempo, diferentes maneiras de captar, armazenar, tratar e adequar a qualidade das águas, assim como, gerir os recursos hídricos com o propósito de reduzir a vulnerabilidade hídrica, regularizar as vazões e adequar os sistemas à variabilidade hidrológica natural (GLEICK, 2000; KAYGUSUZ, 2002; IORIS et al., 2008; YÜKSEL, 2012).
Apesar do conhecimento adquirido ao longo da trajetória civilizatória em torno da gestão dos recursos hídricos, as tensões entre os recursos hídricos disponíveis e as demandas sociais têm crescido em muitos espaços do mundo (MADANI, 2014).
Taylor (2014) reflete sobre a análise global feita por Wada et al. (2014) e revela uma crescente dependência da sociedade em relação ao uso de água doce derivada de reservas de água subterrâneas a taxas maiores do que as de recarga desses mananciais, o que pode levar a um esgotamento dessas reservas e o agravamento da escassez de água no futuro.
O uso de água doce aumentou em 50% entre 1960 e 2010, devido à expansão da agricultura em diversos países do mundo. Esse aumento é atribuído, principalmente, às retiradas de água subterrâneas para irrigação de cultivos, sobretudo em áreas que estão sobrepostas a essas reservas. As projeções futuras indicam que as mudanças climáticas irão impactar os regimes pluviométricos. Durante estiagens mais prolongadas, uma intensificação do uso de água subterrânea pode, muitas vezes, exceder as taxas naturais de recarga desses sistemas. A situação pode ser crítica no caso de áreas de plantio sobrepostas à aquíferos de baixa recarga, e.g. Mediterrâneo, na África do Sul, nos Estados Unidos, no México e no Oriente Médio. Estima-se que a utilização desses recursos aumentará em um terço até o fim do século XXI e corresponderá a 40% do consumo humano de água (WADA et al., 2014), dado que em um planeta em aquecimento, as estiagens deverão ser mais prolongadas (ALLAN et al., 2010).
Aos possíveis impactos decorrentes das mudanças climáticas somam-se o fenômeno da urbanização e o aumento nos níveis de produção e de consumo de milhões de habitantes concentrados em torno das regiões metropolitanas. Os novos produtores e consumidores vêm sendo incorporados aos diversos mercados de bens e serviços por força dos ganhos de produtividade decorrentes da Terceira Revolução Científica e Tecnológica, do surgimento do socialismo de mercado chinês e da maior distribuição de renda em muitos países emergentes (BRASIL, 2008).
É preciso entender, também, como os riscos climáticos associam-se à vulnerabilidade socioambiental em certas áreas, assim como perceber se a redução da pobreza pode diminuir essa vulnerabilidade frente a eventos extremos (O’NEILL, 2014). Tal questão demanda investigação sobre os resultantes sócio-político-econômicos das políticas climáticas sobre aqueles que se beneficiam ou são afetados negativamente e as influências de poderosos grupos de interesse (HALLEGATTE; MACH, 2016).
Em 2015, a Agência Nacional de Águas (ANA) dedicou um encarte especial para abordar a crise hídrica com enfoque para a seca que atingiu significativamente as regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Desde 2012, a gradativa e intensa redução nos índices pluviométricos, em algumas regiões do país, tem prejudicado, de forma significativa, a oferta de água destinada ao abastecimento público, em especial, no semiárido brasileiro e nas regiões metropolitanas dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Além disso, setores como o de irrigação e de energia hidrelétrica também estão sendo afetados pelos baixos índices de chuva e pelo menor volume de água armazenado nos reservatórios.
De acordo com a ANA (2015), as causas dessa crise vão além da estiagem, visto que envolvem outros fatores relacionados à gestão da demanda e à garantia da oferta. Um exemplo encontra-se na região Sudeste onde a criticidade hídrica deve-se, principalmente, a problemas relacionados à alta demanda e à poluição hídrica de algumas bacias hidrográficas, mais do que a fatores naturais relacionados à disponibilidade de água doce. Tal fato ocorre porque a maior concentração populacional registra-se nessa região, onde residem 42% de toda população brasileira (IBGE, 2010), com cerca de 92% fixadas em áreas urbanas. A isso soma-se a necessidade de revitalização de áreas degradadas para melhoria das reservas subterrâneas que mantêm os escoamentos durante a estiagem, o que tem sido foco de atuação da Agência Nacional de Água (ANA) no Programa Produtor de Água¹. Segundo a ANA (2015), a compreensão da crise hídrica que atualmente se apresenta, a valorização do recurso hídrico como bem público finito e a conscientização da necessidade de um uso mais racional e sustentável da água são essenciais para que se tenha maior garantia da oferta hídrica para os usos múltiplos. Apoiar e aprimorar técnicas de reuso da água, reduzir o desperdício pelos diferentes setores usuários (na irrigação, na indústria, na distribuição e no consumo residencial, por exemplo), além de implementar ações de conservação de mananciais são medidas, entre outras, que devem ser priorizadas e fomentadas.
Assim, a crise hídrica aponta para a necessidade urgente de investimentos em conservação de nascentes e mananciais, adoção de medidas públicas para melhor gerenciamento da distribuição de água potável e da utilização de águas de reuso, do tratamento de efluentes, de mudanças de estratégia no setor elétrico e de educação ambiental. No entanto, essa crise, que afeta a vários estados brasileiros, não tem convergido de um ponto específico, sendo resultante do descaso dos gestores públicos, da falta de investimentos no setor hídrico, do consumo indiscriminado de água; fatores esses contribuintes do agravamento do cenário hídrico (SILVA et al., 2016).
Apesar de a Constituição Federal estabelecer que cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, o Brasil tem vivenciado a omissão da administração pública estatal em relação à solução dos problemas relacionados à crise hídrica, além da ausência de um planejamento para evitar crises futuras de água (SOUZA; MOURA, 2015). Diante da necessidade de uma gestão hídrica eficiente, este estudo concentra-se na busca de alternativas envolvendo a educação ambiental, com vistas a contribuir para a minimização ou resolução de problemas e perdas geradas pela falta d’ água.
A educação ambiental apresenta-se como instrumento capaz de contribuir para a compreensão dos fatores geradores da crise hídrica, para a sensibilização sobre a necessidade de haver uma utilização mais racional e sustentável com base na valorização da água. A educação ambiental é um processo pelo qual as pessoas aprendem como funciona o ambiente, sua dependência dele, como o afetam e como podem promover a sua sustentabilidade (DIAS, 2004).
Essa educação diferencia-se da educação, em geral, por acrescentar uma especificidade: identificar as relações sociedade-natureza e intervir sobre os problemas e conflitos socioambientais, contribuindo para uma mudança de valores e de atitudes (CARVALHO, 2004).
O pensamento de Reigota (1994) complementa essas ideias ao considerar que a educação ambiental deve ser entendida como uma educação política por preparar os cidadãos para reivindicar justiça social, autogestão e ética nas relações sociais e nas que estabelece com a natureza, em sua luta pela sobrevivência e pela conquista da cidadania.
Quintas e Gualdas (1995) apontam que a educação ambiental assume o papel de articulação da sociedade por meio da participação social. Dessa forma, a educação ambiental para a gestão participativa das águas insere-se no processo de instrumentalização social para a ação política capaz de compreender a dinâmica da crise hídrica e de contribuir na mediação dos conflitos que envolvem os múltiplos usos da água.
Os Comitês de Bacia Hidrográfica possuem papel predominante na gestão democrática dos recursos hídricos, pois são espaços colegiados nos quais a sociedade civil organizada, os usuários e o setor público compartilham a governança das águas. No entanto,
a qualidade dessa participação e do controle público nas políticas hídricas depende do diálogo democrático, inclusivo e das ações formativas da educação ambiental, capacitação, comunicação e mobilização social (WOLKMER; PIMMEL, 2013).
Outro aspecto a ser considerado diz respeito aos programas/projetos que os Comitês de Bacia Hidrográfica podem apoiar para o enfrentamento da crise hídrica. Dentre eles, destacam-se os programas/projetos de educação ambiental capazes de capacitar, mediar conflitos e dialogar diretamente com atores sociais envolvidos na problemática socioambiental da bacia hidrográfica. Essas iniciativas objetivam prevenir e mitigar conflitos e impactos em torno dos recursos hídricos e precisam estar em consonância com a Resolução n.º 98 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (BRASIL, 2009), que estabelece princípios, fundamentos e diretrizes para a educação, o desenvolvimento de capacidades, a mobilização social e a informação para a Gestão Integrada de Recursos Hídricos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). De acordo com essa Resolução, os programas em gestão integrada de recursos hídricos são
[...] processos de ensino-aprendizagem que contribuem para o desenvolvimento de capacidades, de indivíduos e grupos sociais visando a participação e o controle sociais, na gestão integrada de recursos hídricos e na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, bem como a qualificação das instituições do SINGREH. (BRASIL, 2009, p. 2).
Berlinck et al. (2003) indicam que os conflitos pelos usos múltiplos da água vêm se acentuando, potencializados pela própria opção de gerenciar as bacias hidrográficas como unidades territoriais. Os autores consideram que a educação ambiental, no contexto da gestão participativa das águas,
[...]