Alfabetização: O quê, por quê e como
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Alfabetização - Silvia M. Gasparian Colello
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Sumário
Introdução – Para um tema complexo, uma abordagem multifacetada
Parte I – Alfabetização: teoria e prática
1. Por que a aquisição da língua escrita é transformadora?
2. A contribuição de Vigotski
3. A abordagem histórico-cultural: a escrita como trabalho
4. A contribuição de Bakhtin
5. Concepções de leitura e suas implicações pedagógicas
6. Alfabetização, letramento e as implicações de alfabetizar letrando
7. As contribuições de Piaget e Emília Ferreiro e o desafio de ajustar o ensino à aprendizagem
8. As dimensões do ler e escrever na sociedade contemporânea e na revisão dos paradigmas escolares
Parte II – Alfabetização: ensino e aprendizagem
9. A construção do conhecimento e da língua escrita
10. Quando se inicia a aprendizagem da leitura e da escrita?
11. A aprendizagem da língua escrita como constituição do sujeito interlocutivo
12. Alfabetização: dos princípios às práticas pedagógicas
Parte III – Alfabetização: mecanismos do não aprender e perspectivas de formação docente
13. Analfabetismo e baixo letramento no Brasil. Por quê?
14. Por que as crianças, do seu ponto de vista, aprendem a ler e escrever?
15. O ser ou não ser da formação de professores alfabetizadores
Considerações finais
Referências
Apêndice – Materiais complementares
Introdução – Para um tema complexo, uma abordagem multifacetada
O tema da alfabetização é sempre oportuno e, hoje, mais do que necessário. Em um momento político no qual as diretrizes oficiais apontam para o método fônico como caminho para a aquisição proficiente da língua, estamos, todos nós – educadores, professores, especialistas de áreas afins, estudantes, pesquisadores e comunidade –, convocados a enfrentar os problemas do analfabetismo e do baixo letramento no país pela compreensão ampla desse desafio e pela revisão de posturas pedagógicas. Obviamente, não se trata de criticar os adeptos do referido método por simples oposição ideológica, mas de colocar em evidência, no plano político-pedagógico, o sentido educativo da alfabetização e as concepções de língua e de aprendizagem, assim como as diretrizes que subsidiam a formação de sujeitos efetivamente leitores e produtores de texto.
Em face dos aportes das ciências linguísticas, da psicologia, da sociologia e da própria educação sobre o assunto, fica evidente que, enquanto não mudarem as concepções relacionadas com o ensino da língua, estaremos ensinando a ler e escrever apenas para que os sujeitos dominem o sistema e as regras da língua escrita; estaremos perpetuando práticas pedagógicas distantes da realidade de nossos alunos e dos apelos da sociedade moderna. Perseguindo metas mais amplas, é possível defender que a (re)consideração de princípios, objetivos, diretrizes e práticas pedagógicas passa, necessariamente, pelo balanço de estudos que, por diferentes lentes e com diferentes ênfases, vêm transformando a pedagogia da língua escrita.
No Brasil, os questionamentos acerca do ensino da língua escrita têm o seu primeiro grande marco na década de 1960, com a pedagogia crítica de Paulo Freire (1921-1997). Tendo alfabetizado cerca de 300 adultos no Rio Grande do Norte em apenas 45 dias (experiência que ficou conhecida como As 40 horas de Angicos
), o educador chamou a atenção para a natureza política desse processo e denunciou as práticas alienantes do ensino. Pela primeira vez na história da educação brasileira, a leitura superou a dimensão técnica do sistema para se assumir na relação do sujeito com seu mundo.
A didática que se vale do diálogo e do processo de conscientização do aluno é fortalecida no país com a chegada das ciências linguísticas nos anos 1980, que defendem o respeito ao sujeito falante e a legitimidade das diferentes manifestações linguísticas no seu contexto social. Por essa via, torna-se possível combater as práticas autoritárias e discriminatórias que, centradas no modelo da norma culta como a única possibilidade legítima de manifestação linguística, acabava por silenciar a grande maioria da população – não raro, gerando também o fracasso escolar.
Nessa mesma década, os estudos liderados por Emília Ferreiro (1937-) e a tradução dos trabalhos coordenados por Lev Vigotski¹ (1896-1934) enfatizam, com suas respectivas abordagens, as relações entre aprendizagem, processos cognitivos na construção da escrita e práticas sociais. A partir daí, fica evidente o abismo entre a alfabetização tipicamente escolar e a alfabetização necessária para a vida cidadã.
Ao desvendar os mecanismos de elaboração mental que sustentam a construção da língua escrita, Ferreiro e Teberosky (1984) abrem novas perspectivas para a alfabetização, chamando a atenção para a necessidade de se conciliar os processos de ensino aos de aprendizagem e, ao mesmo tempo, colocam em xeque as práticas mecanicistas que costumam se reduzir ao treinamento de habilidades perceptuais e motoras ou a exercícios de codificação e decodificação. Em oposição a essas práticas, proclamam a aprendizagem da língua como um processo construtivo, no qual o sujeito, partindo de suas concepções prévias, é constantemente convidado a (re)construir hipóteses com base em práticas contextualizadas e significativas (verdadeiras provocações para a elaboração mental!).
Na mesma linha de crítica ao sistema de ensino, Vigotski e seus colaboradores (Vygotsky, 1987, 1988; Vigotskii, Luria e Leontiev, 1988) partem da certeza de que o ensino das letras deve se submeter ao ensino da língua. Como as relações do sujeito com o mundo são decisivas nesse processo de aprendizagem, o ensino, superando o conhecimento estrito do sistema linguístico, deve incidir sobre o reposicionamento do sujeito aprendiz em face do outro, dos modos de comunicação e das práticas sociais da escrita.
Calcado no mesmo referencial histórico-cultural, Mikhail Bakhtin (1895--1975), compatriota e contemporâneo de Vigotski, rechaça as concepções monológicas centradas na língua em si ou no autor do texto e chama a atenção para a natureza essencialmente dialógica da língua. Marcada pelas relações interdiscursivas e intertextuais, a produção linguística se faz necessariamente como uma ponte entre sujeitos que se integram desde o início da produção linguística em determinado contexto e com determinado propósito. Essa concepção fundamenta uma didática do ensino da língua centrada nas ações com a linguagem e sobre a linguagem – isto é, a sala de aula como espaço de interlocução, de produção, de exploração e de negociação de sentidos, de busca das melhores formas de dizer e das muitas estratégias para compreender e interpretar.
A partir da última década do século XX, em função dos apelos da nossa sociedade, das transformações no mercado de trabalho e da abertura política no Brasil, os estudos sobre o letramento empreendidos por diversos autores, mas especialmente por Magda Soares (1932-), ganharam força, mostrando que a aprendizagem da língua escrita, em uma perspectiva mais ampla, remete a uma verdadeira transformação do estado e da condição do sujeito ou de um grupo social, uma nova forma de ser e de lidar com a realidade. Mais do que a aquisição de uma tecnologia, a alfabetização, na sua conotação mais ampla, diz respeito à constituição do sujeito, do cidadão e da sociedade democrática.
A despeito de suas diferenças (e até divergências) epistemológicas, essas contribuições, ampliadas por tantos outros pesquisadores, não podem ser desconsideradas no cenário complexo da sala de aula e das políticas educacionais; mais do que nunca, as intrincadas relações entre teoria e prática devem subsidiar a construção de um ensino de qualidade. Assim, vale reconhecer a pedagogia da alfabetização no contexto de uma verdadeira revolução conceitual que, a partir de novos
e diversos referenciais, engrossaram os debates educacionais, dialogando, ainda, com outros temas emergentes no cenário pedagógico: o ideal de formação integral do sujeito, a educação em valores, o protagonismo do aluno nas metodologias ativas, as práticas interativas e cooperativas, os desafios das metodologias assentadas na resolução de problemas, o ensino voltado para a formação de competências, a valorização da interdisciplinaridade e da transversalidade, a necessária assimilação das tecnologias no processo educacional, a pertinência dos projetos de trabalho como prática de ensino, a progressão continuada e a organização da escola por ciclos, assim como a implantação do ensino fundamental em nove anos.
Ao situar a alfabetização como um objeto que merece ser considerado por diferentes óticas, este trabalho pretende contribuir para os debates acerca do ensino da língua escrita, apontando para possíveis articulações entre o que se ensina quando se ensina a ler e escrever, por que se ensina a ler e escrever e como se ensina (ou deveria se ensinar) a ler e escrever. Na dialética constituída pelas relações entre teorias e práticas, princípios e diretrizes, fica o desafio de compreender bem para melhor ensinar (Colello, 2017b). Nessa direção, a presente obra reúne textos que, mesmo constituídos de modo autônomo, dialogam
recursivamente entre si com base nos seguintes tópicos de abordagem que perpassam todo o trabalho:
Significados, propósitos e metas da alfabetização.
A língua escrita no contexto da alteridade.
Concepções de língua e de língua escrita.
A língua em uma perspectiva discursiva e dialógica.
Letramento, cultura escrita e ensino.
Concepção do sujeito-aprendiz e relações na escola.
Concepções de conhecimento.
Desafios do ensino da língua escrita na sociedade contemporânea.
A escrita no contexto das novas tecnologias.
O papel do professor no ensino da língua.
A construção do conhecimento.
Processos cognitivos na construção da língua escrita.
Diferenças sociais e a construção do conhecimento.
Produção textual e leitura como resolução de problemas.
Leitura e literatura.
Diretrizes pedagógicas, frentes de ensino e práticas de alfabetização.
A compreensão das crianças sobre o papel da língua escrita e a relação com essa aprendizagem.
Vícios das práticas de ensino e condicionantes do fracasso escolar.
Analfabetismo e baixo letramento.
Perspectivas de transformação da escola e do ensino da língua escrita.
Assimilação de referenciais teóricos e caminhos para a formação docente.
Considerando as relações possíveis entre os referidos conteúdos e suas implicações pedagógicas, justifica-se o interesse de possíveis costuras
, isto é, a busca de complementaridade entre capítulos – sejam elas sugeridas pelos próprios temas, sejam tecidas a critério do leitor. Isso porque, dada a complexidade do ensino e aprendizagem da língua escrita, o risco está em se tomar a parte pelo todo, contentando-se com algumas ideias básicas em detrimento de tantas outras, ou abrigando-se nos guetos
de determinadas correntes teóricas, desconsiderando a contribuição de diversas lentes, olhares e pontos de vista. De fato, quando se considera o tema da alfabetização, não se trata de ver cada tijolo, mas de vislumbrar a catedral
que, hoje, representa o conjunto de nossos desafios e metas.
Na primeira parte do trabalho, partimos de uma reflexão sobre o potencial transformador da língua escrita (Capítulo 1), o que se justifica nos seis capítulos seguintes, os quais enfocam, respectivamente, as principais contribuições teóricas sobre o tema da alfabetização. Fechamos essa parte com o oitavo capítulo, que sintetiza a complexidade da língua escrita e suas implicações para o trabalho em sala de aula.
A segunda parte da obra concentra-se nos mecanismos de ensino e aprendizagem, procurando radiografar aspectos mais específicos da construção cognitiva (Capítulos 9, 10 e 11) para, finalmente, situar a engrenagem da alfabetização na sala de aula: princípios educativos, diretrizes pedagógicas, paradoxos do ensino, modalidades didáticas, eixos de intervenção e atividades práticas (Capítulo 12).
A problematização dos mecanismos do não aprender é o objeto da terceira parte do trabalho, desenvolvido tanto com base em uma resenha sobre o que se tem dito, no país, sobre as dificuldades da alfabetização (Capítulo 13), como na perspectiva dos próprios estudantes vítimas dessas mesmas dificuldades (Capítulo 14). Acreditando que o trabalho dos professores é um dos caminhos para a superação de tantos problemas, o Capítulo 15 fecha esse debate, apontando para novas perspectivas de formação docente.
No conjunto da obra, trata-se de uma abordagem multifacetada que busca, por diferentes vias, reconstituir o mosaico da alfabetização como objeto de estudo, de reflexão e de trabalho pedagógico. Por isso, ao longo do trabalho, valemo-nos tanto de abordagens explicativas sobre diversos autores e linhas de contribuição teórica, como da análise dos temas por meio de pesquisas, vivências, estudos de caso e exemplos.
No sentido de apoiar (e, certamente, de incentivar) o leitor que se inicia ou se aprofunda no tema, procuramos também fazer um levantamento bibliográfico (um proposital e meticuloso esforço de indicar as fontes e obras relacionadas), que favorece a expansão dos estudos; cada capítulo remete a muitas outras obras e textos que, em conjunto, apontam para a amplitude desse grande mosaico que é a alfabetização. Por fim, seguindo o mesmo propósito, anexamos um elenco de produções eletrônicas que, dando continuidade à interlocução aqui proposta, pode complementar a leitura de cada capítulo.
Fica aqui o convite para um diálogo que, certamente, aqui não se encerra.
Silvia M. Gasparian Colello
Parte I
Alfabetização:
teoria e
prática
Talvez, ensinar a língua escrita também signifique ensinar que a vida não está pronta, não está acabada e que sempre há um horizonte para aquilo que virá.
(Geraldi, 2009, p. 227)
1. Por que a aquisição da língua escrita é transformadora?
²
Introdução: uma pergunta que gera perguntas
No campo educacional, afirmar que a aquisição da língua é transformadora parece uma obviedade. A rigor, professores, pais, estudantes e até mesmo os discursos do senso comum compartilham a certeza de que a alfabetização é um saber necessário: se não fosse pelo vexame de ter mais de 12 milhões de analfabetos no país (7,2% da população) e um imenso contingente de analfabetos funcionais (cerca de um terço dos brasileiros)³, seria pelo consenso de que as novas gerações não podem perpetuar os históricos problemas sociais de marginalização e desigualdade. Afinal, como vivemos em uma sociedade letrada, como as tecnologias da comunicação pressupõem um trânsito no universo linguístico, como a sobrevivência digna depende da inserção produtiva das pessoas no mercado de trabalho, o ensino da língua escrita parece uma obrigação primeira da escola, constituindo-se, simultaneamente, como meta (o objetivo de aprender a ler e escrever) e meio (o objetivo de aprender a ler e escrever para que, simultânea e posteriormente, se possa aprender outros conteúdos previstos pelos sistemas de ensino ou imprevisíveis no curso da vida).
No entanto, mesmo ao admitir certezas e obviedades, somos conduzidos a um campo nebuloso justamente pela confusão (ou dispersão) de argumentos sobre o impacto da alfabetização na formação humana e na constituição da sociedade. Sob a lente de um olhar mais apurado, a necessidade de se conhecer o sistema de escrita já nos anos iniciais da escolaridade tende a ficar diluída por lemas políticos e pedagógicos que circulam tanto nos documentos oficiais como nas diretrizes didático-metodológicas, sem que haja propriamente um consenso sobre por quê
, o que
e como
ensinar a língua escrita. Na sombra de belas palavras (alfabetização para a libertação
, para a autonomia
, para a formação do senso crítico
, para a convivência na sociedade letrada
, para a constituição do cidadão
e para a formação da sociedade democrática
), os discursos circulantes escondem uma diversidade de concepções de língua, de objetivos de aprendizagem, de posturas sobre o processo cognitivo e, finalmente, de projetos de ensino.
Nesse cenário, renova-se o interesse em responder à pergunta original (por que a aquisição da língua escrita é transformadora?
) com muitas outras perguntas: quais são os objetivos do ensino da língua escrita? Em função desses objetivos, qual é o significado da alfabetização no projeto educativo? Em função desse significado, como se explica o impacto transformador da aquisição da língua escrita e qual é o seu alcance?
Justifica-se aí o interesse em problematizar aspectos (nem sempre) tão óbvios.
As metas da alfabetização
Desde o final do século XVIII, a alfabetização e o letramento carregam dois sentidos paralelos: de um lado, a vertente dominadora, nascida das críticas à leituromania
, isto é, o movimento que procurava alertar sobre os perigos da leitura em excesso (consideradas particularmente prejudiciais na formação de valores ou de comportamentos femininos); de outro, o pensamento iluminista, que valorizava a leitura pela possibilidade de difusão do saber e de emancipação intelectual (Zilberman, 2009).
A partir de meados do século XX, essas mesmas tendências são retomadas à luz de uma nova configuração de mundo. Em face dos apelos econômicos (participação no mercado competitivo de trabalho), sociais (crescente urbanização e convivência em contextos de cultura escrita), tecnológicos (uso do aparato cada vez mais sofisticado de comunicação) e geopolíticos (a globalização sustentada pelo sistema capitalista e pela formação do amplo mercado de consumidores) de nosso mundo, as metas de alfabetização superam a histórica exigência de escrever o próprio nome e passam a ser defendidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como instrumentos para a vida e para o trabalho. Sem desmerecer a necessária dimensão funcional da língua escrita, diversos autores (Britto, 2007; Colello, 2015, 2017a; Colello e Lucas, 2017; Freire, 1983; Frigo e Colello, 2018; Geraldi, 1993; Mariani, 2002; Yunes, 2002; Zaccur, 1999; Zilberman, 2009) chamam a atenção para a vertente ideológica que subsidia essa concepção dominante: a alfabetização para a qualificação do trabalhador, o aumento da produtividade e a sustentação do mercado consumidor.
Em contraposição ao princípio de alfabetizar para instrumentalizar o trabalhador e para adaptá-lo ao sistema, o Fórum Mundial de Educação rechaça a ideia do ensino como mercadoria para defender a alfabetização como um direito de todos, como uma estratégia para diminuir as diferenças sociais rumo à construção da paz e de uma sociedade mais justa. Entre muitos educadores e pesquisadores que defendem essa postura (por exemplo, os autores acima mencionados), destaca-se o ideal linguístico de um mundo polifônico
postulado por Bakhtin:
Vivendo em um mundo pesadamente monológico, Bakhtin [...] se pôs a sonhar também com a possibilidade de um mundo polifônico, de um mundo radicalmente democrático, pluralista, de vozes equipolentes, em que, dizendo de modo simples, nenhum ser humano é reificado; nenhuma consciência é convertida em objeto de outra; nenhuma voz social se impõe com a última e definitiva palavra. Um mundo em que qualquer gesto centrípeto será logo corroído pelas forças vivas do riso, da carnavalização, da polêmica, da paródia, da ironia. (Faraco, 2009, p. 79)
Como se pode observar, com base nessa concepção, a alfabetização ganha um significado político, assumindo como objetivo garantir o direito à voz, à palavra e à possibilidade de livre expressão. Em princípio, é por esse motivo que se pode defender o sentido transformador da aquisição da escrita.
A alfabetização no projeto educativo
A língua é, indiscutivelmente, constitutiva do ser humano. Para Bakhtin (1988, 1992), viver é participar do grande simpósio universal, no qual as práticas discursivas dão sentido à existência. A melhor forma de compreender isso é pela via inversa, isto é, pela consideração da condição humana na eventual ausência de comunicação e interação entre as pessoas. A esse respeito, vale lembrar a célebre obra Robinson Crusoé, na versão de Tournier⁴ (1985, p. 46-47), na qual o conhecido náufrago se vê em uma ilha desabitada, vivendo na mais absoluta solidão:
A solidão não é uma situação imutável em que eu me encontraria mergulhado desde o naufrágio do Virginie. É um meio corrosivo que age em mim lentamente, mas sem pausa, e num sentido puramente destrutivo.
No primeiro dia, eu transitava ente duas sociedades humanas igualmente imaginárias: o pessoal de bordo desaparecido e os habitantes da ilha, pois julgava-a povoada. Encontrava-me ainda quente de todos os contatos com os meus companheiros de bordo. Prosseguia imaginariamente o diálogo interrompido pela catástrofe. A ilha, depois, revelou-se deserta. Caminhei numa paisagem sem alma viva.
Atrás de mim, mergulhava na noite o grupo dos meus infelizes companheiros. Já as suas vozes tinham há muito silenciado quando