A incorporação do sistema de precedentes no Direito Brasileiro: uma análise a partir da (in)constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância
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A incorporação do sistema de precedentes no Direito Brasileiro - Paula Alves de Amorim
INTRODUÇÃO
Diante da multiplicidade de perspectivas teóricas e metodológicas, pensar a realização prática do direito tem se tornado uma tarefa cada vez mais complicada, sobretudo quando se está diante de uma decisão jurídica. Sabe-se que o momento atual do poder judiciário é caracterizado pela constante provocação em decidir sobre qualquer assunto, seja jurídico ou não.
Esse processo de judicialização da vida política, administrativa, social, econômica e até cultural, tem gerado uma excessiva carga de trabalho perante os órgãos jurisdicionais. A fim de garantir uma prestação jurisdicional mais eficiente e célere, e com o intuito de assegurar o estabelecimento de maior uniformidade nas decisões, passou-se a apostar em modelos de padronização decisória.
Nesse sentido, a incorporação de um pretenso sistema de precedentes pelo ordenamento jurídico brasileiro tem ganhado força nos últimos anos, tendo em vista que a comunidade jurídica passou a observá-lo como a solução contra a crescente tomada de decisões conflitantes em casos semelhantes. Para entender tal processo, necessário se faz demonstrar que há, em nosso ordenamento, uma confusão gerada entre decisões com efeitos vinculantes e precedentes judiciais.
Com efeito, por meio do método indutivo, utilizando-se da decisão paradigamática proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, no qual firmou-se a tese da possibilidade do início do cumprimento da pena sem o trânsito em julgado da condenação, busca-se identificar o que a comunidade jurídica brasileira entende por precedente. Ainda, faz-se necessário analisar se a incorporação desse instituto vem sendo realizada de maneira adequada ou se pode ser considerada uma deturpação do precedente genuíno do common law.
Para tanto, o primeiro capítulo se propõe a apresentar os principais argumentos jurídicos adotados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do HC 126.292/SP, o qual entendeu pela possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau. Após, será analisada a (in)constitucionalidade da citada decisão.
Nesse momento, faço uma pequena ressalva para esclarecer que quando esse trabalho foi concluído, em meados de outubro de 2019, estavam em julgamento as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, que foram votadas dois dias antes da defesa oral relativa a esse trabalho. Em razão disso, fez-se necessário realizar alguns apontamentos quanto ao julgamento das ADCs 43, 44 e 54, os quais foram elencados no primeiro capítulo. Analisar tal decisão é importante no presente trabalho. Primeiro, porque as ações aqui citadas possuem íntima relação com o HC 126.292/SP, e também, considerando que o julgamento das ADCs pode corroborar ou refutar o que foi defendido em um primeiro momento nesse trabalho.
Já o segundo capítulo tem como objetivo fazer uma conceituação do precedente judicial. Assim, buscou-se analisar o instituto de acordo com o entendimento dos ordenamentos jurídicos que adotam o sistema do common law, apresentando o conceito e a função da ratio decidendi e do obter dictum, bem como das técnicas de distinguishing (distinção) e overruling (superação). É importante destacar que a necessidade de realizar uma conceituação embasada no sistema do common law não se deu por considerar tal sistema superior ao civil law (até mesmo porque acredito que não haja um sistema superior ao outro), mas sim, tendo em vista que o instituto de precedentes é originário daquele sistema e não deste.
Feita a conceituação, o terceiro capítulo se volta para problematizar o modo como a comunidade jurídica brasileira compreende o efeito vinculante atribuído às decisões das Cortes Superiores, bem como os desdobramentos dessas decisões nas demais instâncias dos órgãos jurisdicionais. Demais disso, procura entender como nosso ordenamento jurídico tem incorporado o sistema de precedentes genuíno do common law, e, ainda, diferenciar o precedente judicial das decisões com efeito vinculante, para então identificar se a decisão proferida no HC 126.292/SP pode ser considerada um precedente judicial.
Por fim, tendo como base a Teoria do Direito como Integridade formulada por Ronald Dworkin, procura-se verificar se o processo de padronização decisória tem efetivamente garantido a tomada de decisões que asseguram coerência, integridade, estabilidade e segurança jurídica, ou se esse mecanismo se configura como um verdadeiro retrocesso hermenêutico pela retirada da possibilidade jurisdicional de construção de decisões mais adequadas ao caso concreto.
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ANÁLISE DA DECISÃO DO HC 126.292/SP PROFERIDA PELO STF
O presente capítulo busca realizar uma análise da decisão proferida nos autos do HC nº 126.292/SP julgado em 17 de fevereiro de 2016 pelo Supremo Tribunal Federal, que teve como relator o Ministro Teori Zavascki. Tal remédio constitucional pretendia a reforma da decisão proferida pelo Ministro Francisco Falcão, Presidente do STJ, que indeferiu a liminar no HC nº 313.021/SP, impetrado contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou provimento ao Recurso de Apelação interposto pela defesa do acusado e, além disso, determinou expedição de mandado de prisão contra o paciente.
Requereu à impetrante que fosse concedida a ordem com o reconhecimento do direito do paciente de recorrer em liberdade, alegando, em síntese:
[…] (a) a ocorrência de flagrante constrangimento ilegal a ensejar a superação da Súmula 691/STF; (b) que o Tribunal de Justiça local determinou a imediata segregação do paciente, sem qualquer motivação acerca da necessidade de decretação da prisão preventiva; (c) que a prisão foi determinada após um ano e meio da prolação da sentença condenatória e mais de três anos após o paciente ter sido posto em liberdade, sem que se verificasse qualquer fato novo
e, ainda, "sem que a decisão condenatória tenha transitado em julgado"; (d) a prisão do paciente não prescinde, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do trânsito em julgado da condenação. (BRASIL, HC 126.292/SP, 2016, p. 2, grifo