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Rumo à identidade
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E-book205 páginas1 hora

Rumo à identidade

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Sobre este e-book

Na psicanálise, o sujeito que é convocado a "se dizer", é, por definição, em falta de identidade. "Que sou?" é a sua questão, mas, sendo somente representado por suas palavras, seu ser está "sempre alhures", em outras palavras, por vir. Paradoxo, portanto: busca-se pela fala a identidade de um ser que não é identificável na fala. Não importa que ele tenha um corpo e que seja tomado por distúrbios que a psicanálise, de Freud a Lacan, identificou muito bem e que, não por acidente, se nomeia como repetição e sintoma, e que desloca a questão da identidade porque Um real aí está em jogo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de jul. de 2021
ISBN9786587399157
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    Rumo à identidade - Colette Soler

    UM

    12 de novembro de 2014

    Os dois termos do nosso título deste ano, Identidade e identificação, não têm a mesma presença na literatura analítica, entretanto, no discurso comum, eles estão bem presentes, sendo mesmo familiares. Isso já é um índice de que o discurso analítico aborda a questão de modo específico.

    Contexto analítico

    O termo identificação é introduzido desde a origem por Freud e é aí insistente, tendo sido até mesmo convocado para definir a mudança de final de análise na IPA, com a noção de identificação com o analista, a respeito da qual Lacan tanto se indignou. Não somente o termo está aí desde a origem da psicanálise como também está proliferando. Quantos tipos de identificação não já foram recenseados? Todas as identificações ditas edipianas, com o papai, com a mamãe, e algumas outras em torno, a fratria notadamente, e depois as identificações do rapaz com a sua turma de companheiros, da menina com a colega, em seguida, de forma mais teórica, as três identificações de Freud em Psicologia das massas e análise do eu, e as identificações pelo sintoma, e depois, em Lacan, identificação com a imagem do espelho, identificação com o I(A), identificação com o significante todo-poderoso da demanda, identificação com o desejo, as identificações imediatas da psicose, que levam a outras, estas mediatizadas, a identificação com o phallus, a identificação com o objeto e outras que, certamente, esqueço. Não será, portanto, inútil em nosso percurso definir o que são as identificações, as funções que elas preenchem, mas, sobretudo, apreender qual é a lógica dessa proliferação.

    Por outro lado, em contraste, o termo identidade quase não está aí. E é bem sensível que muitas vezes os analistas não lhe tenham simpatia e invoquem mesmo, em certas ocasiões, a ausência do termo para concluírem que isso não é um problema analítico, inclusive para afirmarem que a análise desemboca e deve desembocar sobre a não identidade. Pode-se perguntar sobre a razão desta reserva? Seria porque, na sociedade, a identidade é de início uma questão de controle social e, portanto, de polícia, aquela que só tem uma palavra de fato: seus documentos? Documentos que lhes asseguram a identidade de cidadão e, na falta, sabe-se o quanto o sem documentos é um suspeito por definição. Mas, de fato, não se vê que todo discurso, na medida em que ele instaura um laço social, ou seja, uma ordem, ele faz uma operação homóloga? Quero dizer que eles nos pedem algo como equivalente a documentos. Na universidade, são os diplomas que fixam a identidade de diplomado. Mesmo na psicanálise, ainda que tudo aí se passe em palavras, sem atestado escrito, e que, além disso, não se seja obrigado a fazê-los aparecer, na psicanálise, pois, desde que falamos de um umbral de entrada, não se pode dizer que uma identidade, digamos, de analisando é aí exigida? E, depois, existe a questão da histérica: mostre que você é um homem. Não é do mesmo gênero, porque cada discurso lhes demanda, de fato, mostrar a pata branca¹?

    Então, por que esta reserva dos analistas? E eu me refiro aí à corrente lacaniana. Seria porque, não encontrando a palavra identidade, eles, na ausência da coisa, concluem pela ausência da questão da identidade? Evidentemente, a palavra e a coisa, é uma fórmula litigiosa, toda uma literatura é aí retrazida porque se pode dizer, como Lacan o fez, que a palavra faz a coisa ou que só há fato quando dito, como ele disse ainda. Não vou entrar nesse imenso debate, corrijo, portanto, é preciso distinguir a palavra e o tema ao qual ela se refere. Certamente, a palavra em voga na psicanálise é identificação, mas qual é a função ou a visada de uma identificação, seja ela qual for, senão assegurar a identidade? Aí, também, eu posso acrescentar a identidade, seja ela qual for. De repente, é preciso apreender que, sob o problema das identificações, é o tema da identidade que atravessa todo o ensino de Lacan, do começo até o fim.

    Quem diz identidade convoca, ao mesmo tempo, a diferença e o idêntico. São quase a mesma palavra. A identidade de vocês os distingue entre todos, de qualquer outro, mas este traço de diferença supõe que vocês permanecem idênticos a vocês mesmos, a despeito de eventuais transformações. Quando Lacan diz que a análise visa à diferença absoluta, e sabe-se o franco sucesso dessa fórmula entre nós, o que é esta fórmula senão uma fórmula de identidade radical na sua diferença e na sua estabilidade? Quando ele fala da função da letra do sintoma, a ser distinguida do significante no que ela é a única a ser idêntica a si mesma², portanto fora da dialética, não é com uma visada de definir o que pode assegurar a identidade?

    Esses dois traços identitários, o traço da diferença e o traço do idêntico, são convocados em todo discurso social cada vez que se busca assegurar-se de uma identidade, e eles determinam práticas sociais específicas para, por exemplo, encontrar características ao mesmo tempo distintivas e infalsificáveis, o que se chamaria de traços particulares sobre as carteiras de identidade. As impressões digitais infalsificáveis, ainda que se possa apagá-las, a frequência das modulações vocais, o DNA verdadeiro infalsificável, diz-se, de fato não são traços de particularidade, mas de singularidade, ou seja, próprios a um e somente um. No mesmo nível, poderia ser divertido informar-se de todas as práticas de falsificação que aparecem na história, com muita inventividade, para dissimular uma identidade, no domínio da espionagem, por exemplo, ou para escapar justamente de buscas policiais. Evidentemente, os traços identitários concernentes a essas práticas são características do organismo, e não características dos sujeitos enquanto tais. Só as evoco para ressaltar, por analogia, que a identificação assegurada de um indivíduo, a se distinguir do sujeito, passa por traços discriminantes. Evidentemente, quando eu evoco os esforços para identificar as identidades, a questão não se coloca senão no seio de um laço social, onde está, digamos, o Outro social, que busca identificar os indivíduos por procedimentos específicos, hoje em dia, científicos, pois os indivíduos podem ter razões para dissimular sua identidade, para protegê-la — proteção de dados pessoais, diz-se agora. A questão se coloca diferentemente na psicanálise, mas no fundo, para resumir, não se pode identificar uma identidade, ou seja, apreender a unicidade de sua diferença sem o que se pode, muito bem, chamar de Um e infalsificável. Então, o que é isso para os sujeitos da psicanálise?

    Consciência de identidade

    A psicanálise tem a ver com sujeitos que falam, e o que ela não pode deixar de encontrar neles, em primeiro lugar, é o fenômeno da consciência de si, que engloba o nome próprio e a memória com os diferentes tempos da vida, quaisquer que sejam as mudanças que eles tragam. Esta consciência de si é, portanto, inevitavelmente solidária com um sentimento de identidade que não demanda fundamentos e que não questiona. Vê-se, mesmo, às vezes, que sujeitos percebem fortemente, em certas circunstâncias, a impossibilidade em que cada um se encontra de se desgarrar de si, inclusive a estranheza de ser ele mesmo, fixado a um corpo que o localiza no espaço ­— eis porque, sem dúvida, se pode sonhar com a invisibilidade e a ubiquidade — e com uma memória que o situa no tempo. Certamente, Lacan fez muito para estabelecer que essas coordenadas da percepção temporal e espacial que condicionam a consciência de si estão subordinadas à linguagem e não são, portanto, simples fenômenos da natureza, mas isso não lhes retira nada de sua evidência existencial. Como, desde então, a identidade própria a cada um pode se tornar uma questão? Como o sentimento de identidade pode ser questionado, e não somente pela psicanálise?

    Fora da psicanálise, conhece-se um fenômeno extremo, sem dúvida o mais extremo, a amnésia de identidade, a perda conjunta do nome próprio e do passado personalizado que aí se prende. Lacan se importa com isso³ porque ela mostra bem que a memória humana não é, simplesmente, a inserção do vivente na realidade, que ela implica, eu cito, o laço do sujeito com um discurso de onde ele pode ser reprimido, isto é, não saber que esse discurso o implica⁴. A prova justamente é a amnésia de identidade, que, notavelmente, não faz perder nenhum benefício do apreendido, mas que suspende o sentimento de identidade, o nome e o sentimento de si, os quais, não obstante, podem ser recuperados sem tratamento orgânico.

    Para colocar em questão o sentimento de identidade, há também fenômenos menos extremos, que se destacam mesmo da banalidade. É tudo o que se poderia formular de uma expressão divertida: eu não sou o que vocês pensam que sou. Dito de outra maneira: todas as experiências com as quais o sujeito se defronta, no protesto barulhento ou silencioso, os vereditos identitários do Outro, todos os seus tu és... isto ou aquilo. Esses fenômenos são particularmente agudos no momento da adolescência por razões fundamentais. Eu chamo vereditos do Outro todos os julgamentos de atribuição que ele aplica ao sujeito e cujos significantes fazem injúria ao sujeito, dizia Lacan, a um sujeito que se percebe outro que não aquele que as palavras que lhe são lançadas sobre a realidade, mas sem poder dizer qual outro ele é — daí a aspiração a se fazer escutar, que ele acredita que resolveria o problema. Assim, a afirmação vinda do Outro, familiar ou social, pode fazer surgir espontaneamente para um sujeito a questão de sua verdadeira identidade. Esse fenômeno se produz eletivamente na adolescência, ainda que não exclusivamente, e se compreende o porquê. É que a adolescência é um tempo no qual o estatuto profissional, familiar, às vezes sexual, que assenta a identidade social de cada um, está em suspenso. Não é preciso, às vezes, mais que isso para motivar uma demanda feita a um analista, que, por definição, se ele é analista, visa mais além dos vereditos e das normas do Outro.

    Se o que a psicanálise chamou de o eu é o conjunto das imagens, imagem do corpo inclusive, e de significantes que identificam o indivíduo social ou socializado, logo se concebe que o que Lacan chama de sujeito é a parte do ser que não é identificada, não identificada por essas imagens e esses significantes. Dizendo significante, eu faço certamente um desvio, mas existe o que quer que seja do ser social — quer se trate de seu sexo, de sua família, da escola, da profissão etc. — que não passe por significantes? O que é, então, do sujeito que não é identificado e, no entanto, está aí como unidade de todos os traços identificantes? Não é o que, em outros lugares, se chama alma? Eu escutava no rádio François Cheng, que estava sendo entrevistado a cada dia durante uma semana neste fim de outubro, evocar a alma e o encontro das almas como o encontro do que faz com que cada um seja único, inefavelmente único, com certeza. Não falamos de almas na psicanálise, mas de sujeitos.

    A Identidade colocada em questão

    A construção da estrutura do sujeito por Lacan é complexa, ela lhe exigiu anos, mas do que se trata é tão simples quanto o que acabo de dizer e não está em jogo somente no discurso analítico; aliás, o termo sujeito não vem da religião, mas da filosofia.

    O próprio da psicanálise é que ela começa com o questionamento da consciência identitária e pela questão dita do sujeito. Eu indiquei que essa questão estava presente no discurso comum, mas como é que ela é aí tratada, além de ser largamente desconhecida? Pode-se dizer que cada um está convidado a coincidir o mais possível com sua identidade social, sugere-se mesmo, fortemente, a ele que tenha responsabilidade sobre si mesmo, porque estamos na época da resiliência e do self-made man. Duas noções de sucesso que nos prescrevem: uma, a de minimizar as contingências e acidentes da história, e a outra, o destino, que nos faz herdeiros. A psicanálise faz o inverso: de início, ela convida aquele que consulta a colocar em questão seu sentimento de identidade, se isso já não foi feito pelo acaso das circunstâncias. Repete-se, muitas vezes, que recebemos aqueles que sofrem. Seria preciso acabar com essa besteira. Certamente, aqueles que recebemos sofrem, mas quem, aliás, não sofre? O sofrimento não basta para fazer a entrada no discurso analítico. Se há um umbral a transpor, como dizemos e como Freud também o disse, ainda que em outros termos, é porque aquele que sofre fala como sujeito da consciência, que conhece suas dificuldades e seus sofrimentos e que demanda ao analista organizá-los. Como transformar um sofredor que sabe que sofre em um sujeito que não sabe, um sujeito suposto àquilo que causa seus sofrimentos, suposto a título de não sabido, no sentido matemático do termo? Lacan evocou o não sabido de uma equação, x, da qual será preciso achar a solução. Fala-se também de uma questão que espera resposta. Ora, aquele que se apresenta não é suposto, ele está aí diante de vocês. E como transformar o sujeito em falta de identidade, possivelmente, portanto, em busca de identidade?

    A história da psicanálise fornece um belo exemplo: Dora. Hoje em dia, ter-se-ia dito: uma adolescente; ela tem dezoito anos em uma época em que a maioridade era bastante tardia. Uma adolescente que provoca confusão na família. É o caso. Levam-na, então, a Freud e ela começa por sustentar sua causa, sua indignação em face da ligação de seu pai com a Senhora K; é o discurso do bom direito ultrajado. Uma bela descrição do que acontece por debaixo dos panos de uma família burguesa, sem dúvida, mas sem a menor sombra de sujeito suposto, e isso não favorece fazer uma análise. Freud consegue, então, fazê-la ver que ela nem sempre se queixou disso e que foi mesmo, durante muito tempo, cúmplice ativa de tudo isso. Ela não diz não, ela o reconhece sem poder explicar. E eis aí um pequeno enigma, pelo menos uma questão, e a estranha cumplicidade se torna o significante do sujeito suposto às contradições de sua conduta. Sabe-se a sequência. Depois

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