O homem em sua casa de vidros: Contas
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Sobre este e-book
Edilberto Cleutom Santos
Professor, poeta, e escritor, sou nascido potiguar, à luz da estrela d’alva, em 29 de abril de 1969, entre a escola pública e as Quintas (bairro de periferia de Natal-RN) cresci. Formado em Letras pela UFRN, e com mestrado em Estudos da Linguagem, pela mesma instituição, atuo como professor de português e literatura infantil na escola pública. Além disso, exerço a arte de contar histórias, outra face da criação. Posso, por isso, dizer-me profissionalmente um “estoriador”.
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O homem em sua casa de vidros - Edilberto Cleutom Santos
O corpo é o corpo. Este envoltório que invólucro - de quê? - . E o dentro dista, como caixa de surpresa. Dentro do corpo só há mais corpo? E a sujeira que o envolve - igreja! Era de tremer pensar que estava fadada a carregar consigo o corpo, sem que mais de nunca poder deixá-lo um pouco ao pé repouso de si. Agora, então exausta, era como se um a carregar o outro. E olhava a mão e os dedos longos. Quisera, ao menos um dia, sair sem a levar consigo. O corpo é o corpo: invólucro do incômodo. Dentro, só há outro corpo a desgostar de fora. E via-se. Sempre desgostara desses olhos pouco grandes: quisera-os como os de Fernanda Montenegro e todo côncavo. Mas via-se por via de quê? Deles - os olhos! Pudesse era ver às levezas sem o tão peso da luz. Quando vestida, os homens sim sabem o quê dele e olham-no com o sabor da posse. Agora, ao banho, ele é todo posse, mas de si mesmo. E a névoa sobe a enfumaçar o espelho. Lâmina cega. Mas não ver o corpo é já não tê-lo? E um gozo súbito subiu-lhe em frêmito. Ela abriu os braços, forma de cruz, para não tê-lo sentido ao tato. Olhos fechados: fora-se entregando, enquanto a chuva e a névoa. O corpo é cruz e já mais nada.
¹
O homem entra no mar com o ímpeto de quem não sabe. Por isso, tanto o marinheiro, quanto aquela jovem trêmula antes das ondas são a mesma alma entregue ao infinito - porque o corpo, esse, pertence à terra. Marco jamais soubera de sua herança marinha - e não haveria meios de sabê-lo, porque ninguém lho diria. Nascido filho da terra, onde seu pai agricultava, nela se arvorava em vida, surdo ao chamado do mar. De mais a mais, olhar pela terra afora é não lhes ver as fronteiras, que não se pintam aos olhos: a cada canto da terra o que há é terra mesmo. Adsorvido a ela, dir-se-ia um tubérculo. E disto resta o impúbere, posto que o corpo, do árido, só quer o árido, a expelir em suores aquilo que almeja água. Pois Marco, afeito à terra, pusera-se a devolvê-la o que já lhe pertencia no cedo dos todos anos. Ao cunho do gesto de seu próprio pai, volvia à terra os corpos feito sementes, pelo que lhe coube a alcunha de Marco Coveiro. E o fizera sempre com o desvelo digno de alma mater à perpetuação do que ao homem era um direito divino. Às vezes, só nos longínquos, é que lhe vinha lenta saudade de um nada, dia em que lhe disseram da terra porejar algo como um olho d'água. Agora não. Havia mesmo seus olhos que a terra há-de comer. Pois não lhe doera nada quando naquela manhã cavara de antemão a cova a uma criança em que se contavam, se tanto, seus oito anos completos. Fizera com o mesmo zelo com que faria a própria. Doera-lhe então o susto de sabê-lo morto ao mar. Então, o mar devolvera tão tenro corpo à terra?
Foi como estar ante o irreparável; a enorme onda do tempo pela ressaca da vida. Se ao mar não cabiam os corpos, ser-lhe-ia entregue a alma? E uma vela se abria no outro lado de seus olhos, como uma gota de água em um cadinho de terra. Abrira-se e se encorpara, antes tenro olho-d'água, depois uma vaga imensa. E desvelou-se a ele seu outro nome em batismo: Marco Navarro.
¹
"Navegar é preciso, viver ¹F²
¹
não é preciso."
²
ernando Pessoa
Era uma princesa Sara: sua imponência, a face erguida além dos seus andrajos. E todo o seu mistério estava em sua face. Afora isto, sequer podia-se dizer que morava na Lapa, já que mal o chão havia para dormir. Só mesmo a pedra: ermida sob o teto improvisado do gigantesco trânsito de pedra - sua casa. Em frente, os trilhos de trem sujos, em cujas margens acumulava-se o lixo, era o sinal de um além que trepidava. Afora nada: o filho, seu molambo. Nascido agora, quando nem mais era mulher. Há muito que não ia além do mercado, onde outrora dera-se de luxo, quando apesar da tez e dos lábios tinha o corpo. Então fora princesa. Agora nem