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O direito à moradia e as políticas públicas: uma indissociável relação de sua construção
O direito à moradia e as políticas públicas: uma indissociável relação de sua construção
O direito à moradia e as políticas públicas: uma indissociável relação de sua construção
E-book215 páginas1 hora

O direito à moradia e as políticas públicas: uma indissociável relação de sua construção

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Sobre este e-book

O presente trabalho refere-se à dissertação com a qual obtive o grau de mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e versa sobre o tema do direito à moradia, uma garantia fundamental tardiamente incorporada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) por meio da Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro de 2000. No entanto, a essencialidade da moradia para a construção de uma vida digna já era um tema reconhecido pelo Direito, tanto que se buscava a sua extração, mesmo que de forma implícita, de outras normas constitucionais. A grande dificuldade que há com relação à construção do direito à moradia é justamente a busca de sua efetivação, uma vez que, entre todos os direitos fundamentais, há grande complexidade fática para a sua realização, pois está muito ligado à dinâmica realidade social, que certamente varia, a depender do contexto em que é analisado. A melhor forma de se efetivar o direito à moradia é por meio das nominadas políticas públicas, atividades delegadas ao Estado por normas constitucionais e que encontra respaldo no art. 23, inc. IX, da CRFB/88, quando determina caber aos entes federados a criação de "programas de moradia". Para que essas políticas sejam dotadas de eficácia na realização da efetividade do direito à moradia, é necessário que atendam, em alguma medida, ao núcleo essencial deste direito, ou seja, aos seus elementos básicos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de jan. de 2022
ISBN9786525218304
O direito à moradia e as políticas públicas: uma indissociável relação de sua construção

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    O direito à moradia e as políticas públicas - Rodrigo Marcellino da Costa Belo

    1. A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Antes que possamos adentrar ao objeto principal do presente estudo, cabe-nos aqui demonstrar como a evolução do conceito de Estado (indo do chamado Estado Liberal chegando ao Estado Social), teve marcante e profundo impacto na própria visão não só do Direito, mas também de todo o processo que envolve a ascensão e afirmação do constitucionalismo moderno e sua intrincada relação com os chamados direitos fundamentais e a possibilidade de sua exigibilidade perante o Estado, em especial aos chamados direitos sociais, como é o caso do direito à moradia.

    Dessa forma, analisaremos aspectos relacionados à ascensão e as principais características tanto ao chamado Estado Liberal de Direito quanto ao Estado Social de Direito, e o surgimento e afirmação dos direitos fundamentais e sua evolução para após essa conceituação e caracterização passar ao estudo do desenvolvimento do constitucionalismo e dos direitos fundamentos principalmente mostrando o impacto que esses fenômenos históricos e políticos tiveram na sua exigibilidade e efetividade até os dias atuais e como os mesmos hoje podem ser vistos e analisados à luz daquilo que foi muito bem denominado por Luís Roberto Barroso como neoconstitucionalismo⁷.

    Ao fim, depois de traçado todo esse cenário histórico e evolutivo, situaremos o tema no debate do constitucionalismo pátrio mostrando como, ao longo de todas as sete constituições que o Brasil já teve⁸, os direitos fundamentais foram tratados, não somente quanto a suas espécies, mas também quanto ao que podemos chamar de sua efetividade.

    1.1. O ESTADO LIBERAL DE DIREITO E O SURGIMENTO DA IDEIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

    O Estado Liberal de Direito surge no esteio do movimento iluminista, marcado notadamente pelo racionalismo, a valorização do individualismo e, principalmente, pelos ideais próprios do liberalismo político, que tinha o Estado absolutista como um verdadeiro violador das liberdades próprias dos indivíduos dos direitos inatos do Homem, sendo que essa figura pode ser remontada aos escritos de John Locke, em que o mesmo entendia que os direitos dos indivíduos não defluiriam de uma ordem estabelecida por um governante, mas sim de uma ordem inata a qual os próprios indivíduos, em uso de sua plena liberdade, optariam a despedir-se dela parcialmente em prol da criação daquilo que poderiam ser denominado Estado. Contudo, essa entidade deveria atuar para proteger as liberdades dos indivíduos restantes.

    Com relação ao diagnóstico da gênese desse conceito do Estado Liberal é de incrível precisão a elucidação trazida por Paulo Bonavides, onde o mesmo coloca que o Estado, segundo a visão dos defensores do liberalismo, não seria um antecedente, mas sim um consequente lógico do próprio indivíduo ao colocar que:

    Com o advento do Estado, que não é de modo algum um prius, mas necessariamente um a posteriori da convivência humana, segundo as teorias contidas na doutrina do direito natural, importava, primeiro que tudo, organizar a liberdade no campo social.

    O indivíduo, titular de direitos inatos, exercê-los-ia na sociedade, que aparece como ordem positiva frente ao Estado, ou seja, frente ao negativum dessa liberdade, que por isso mesmo surge na teoria jusnaturalista rodeado de limitações, indispensáveis à garantia do círculo em que se projeta, soberana e inviolável, a majestade do indivíduo.

    Portanto, a marca predominante no Estado Liberal de Direito é a proteção das liberdades do indivíduo. Liberdades estas que podem ser consideradas como os direitos naturais de cada um que se imporiam em face do Estado, em oposição da até então vigente ideia de superioridade do soberano sobre os indivíduos. O ato de governar era um verdadeiro direito de vocação divina e que a vontade do governante era incontestável, não havendo que obedecer a nenhuma ordem de direitos os valores que o antecederiam.

    Carl Schmitt, de forma bem clara, corrobora com o entendimento ao colocar que esse Estado seria marcado pelo aspecto de agir como o servidor, rigorosamente controlado, da sociedade, submetido a um sistema fechado de normas jurídicas ou, simplesmente, identificado com esse sistema de normas, assim que se converte em apenas norma ou procedimento [Tradução nossa]¹⁰.

    Assim, a marca essencial desse modelo de Estado é o de justamente ter uma postura abstencionista diante da sociedade e dos aspectos que lhe são inerentes. Cabe-lhe então atuar como guardião último das liberdades. O liberalismo político marcou o processo de formação constitucional próprio dessa forma de Estado notado profundamente em todos os documentos constitucionais históricos desse período em que havia uma inegável preocupação na afirmação de direitos naturais do indivíduo, todos eles fortemente marcados pela proteção da liberdade; caracterizados por se oporem a opressão do Estado (ou do governante), bem como pela preocupação de regular o próprio poder do Estado.

    Esse movimento histórico encontrou o seu ápice em finais do século XVIII com a chamada Revolução Francesa, quando a burguesia ascende ao poder político, trazendo consigo fortes ideais liberais, e rompe em definitivo com a visão absolutista do Estado. Como se pode notar na própria orientação adotada na formulação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, prevalecem direitos nitidamente individuais sem qualquer aspecto ou relevância a conformar e alterar a realidade social então vigente na sociedade francesa revolucionária. Não obstante ter sido um movimento ditado pela ação do próprio, povo que naqueles tempos, buscava sepultar os abusos praticados pelo Estado (o Governante) e os extratos sociais que o sustentavam (a nobreza e o clero) e elevar ao reconhecimento máximo a importância do indivíduo e que o mesmo fazia jus a uma ordem normativa superior que lhe seria inata pela sua simples condição de existir.

    Outro elemento marcante desse Estado Liberal, que surge na Europa de fins do século XVIII e início do XIX, diz respeito a inerente limitação imposta ao poder político por meio da admissão e reconhecimento de que ele não decorre de uma vontade divina etérea ou irreal. Mas, segundo a doutrina do poder constituinte do Abade Seyes, decorre do próprio povo, apenas aqueles que deteriam a verdadeira legitimidade para definir a forma como esse poder seria exercido, e o mesmo se daria por meio da formação de uma Constituição. Assim, rompe-se com o dogma mais caro do Estado Absolutista que é a imanência do poder na figura do Governante confundindo-se com o próprio Estado. Contudo, a marca mais sensível desse Estado repousa na ideia da separação de poderes, como freio a ação do próprio Estado.

    A importância que aqui nos interessa acerca da teoria da separação de poderes, em todas as suas acepções, que vão desde os escritos clássicos de John Locke até estudos contemporâneos, como é o caso de Bruce Ackerman e Ingeborg Maus, esta em que, juntamente, com a teoria trazida do poder constituinte profundamente marcaram o constitucionalismo do Estado Liberal e a sua principal característica de contenção do poder político do Estado. Limitou atuação estatal sobre a sociedade o que através do reconhecimento da existência de direitos inatos e imanentes aos indivíduos anteriores ao próprio Estado, que atuariam como uma barreira contra ele, bem como que suas ações são limitadas pelo reconhecimento de que o poder não é uno, mas sim dividido entre diversos agentes políticos com a nítida função de impedir que o seu acúmulo em uma ou poucas mãos redunde em práticas autoritárias e abusivas.

    Dessa forma como resposta ao próprio Estado Absolutista, surge o que podemos chamar de constitucionalismo moderno que é fortemente marcado pela limitação jurídica do poder do Estado em favor da liberdade individual. A questão da proteção do indivíduo é uma ideia tão forte que assolava a Europa a ponto de teóricos do próprio Absolutismo, como é o caso do Thomas Hobbes, defender o poder do Estado (no caso mais precisamente do Monarca) a partir da admissão de que esse poder decorreria dos próprios indivíduos, que dele se desfazem em favor do Estado quase que total e incondicionadamente para fugir do Estado de Natureza, o estado de guerra de todos contra todos, por meio do que chamou de contrato social permitindo, assim, a formação do próprio Leviatã (o próprio Estado Absoluto)

    Contudo, a doutrina do liberalismo que se formava veio a reboque do surgimento de um novo sistema econômico dominante, que veio a ser conhecido como capitalismo em substituição ao medieval sistema feudal, próprios dos Estados medievais absolutos, que demandava o reconhecimento de uma maior liberdade econômica. E foi justamente esse conjunto de fatores associados com a quebra do modelo monolítico de justificação do poder, como fruto de uma vontade divina, bem como pela quebra da unidade religiosa então predominante, que levaram não somente as verdadeiras guerras, mas também a perseguições que assolaram diversos povos por toda a Europa. Isto marca o início de clamores por tolerância e dentro de todo esse caldeirão começam a ser formado um novo pensamento político que entoa a necessidade de reconhecimento de direitos invioláveis dos ainda súditos dos reis absolutistas.¹¹

    Esse processo de constitucionalismo foi marcado por um período em que se perdia a ideia de que a sociedade era um composto de organismos sociais, passando a ser vista como uma entidade atomizada por indivíduos. Dentro de toda essa efervescência política e filosófica, inicia-se a construção de toda grande catedral filosófica que levou ao reconhecimento dos direitos inatos do próprio cidadão, os quais estariam antecedendo a própria pessoa do governante e do próprio Estado que ele personificaria.

    Nesse contexto surgem as teorias do contrato social de corte evidentemente liberal, sendo o mais expoente as obras de John Locke, que diversamente do que empreenderá Hobbes, não se preocupa em justificar o poder do Estado. Pelo contrário se vale da afirmação desse para pontuar a existência de direitos inatos, naturais, que o próprio Estado ou governante não poderia violar.¹²

    Todo esse arcabouço influenciou de forma decisiva no processo de afirmação não somente do Estado Liberal, mas do constitucionalismo que lhe veio em consequência. É importante pontuar que o mesmo experimentou algumas experiências incontestáveis na sua consolidação, como o foi o modelo inglês surgido ao longo de diversos processos de embates associados a diversas revoltas políticas, sendo que ela influenciou a experiência norte-americana que ocorreu no bojo de seu processo de independência e afirmação política, e que por fim impactou decisivamente na França revolucionária e que sedimentaram as bases desse modelo de constitucionalismo, sempre tendo como norte a contenção do poder político por meio do princípio da separação dos poderes e a garantia de direitos naturais do indivíduo em face do Estado.

    A realidade política da Inglaterra não apresentava uma identidade plena com a realidade política vivida pela Europa continental uma vez que possuía fortes tradições jurídicas que remontam a edição da Magna Carta de 1215 que deu início a uma embrionária relação de divisão do poder entre o governante e o Parlamento. Nesse ambiente as ideias do liberalismo político deram os primeiros e importantes passos na Europa, por meio da formulação de três grandes documentos: Petition of Rigths de 1628¹³, o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rigths de 1689¹⁴, tais documentos podem ser entendidos como tijolos iniciais do constitucionalismo liberal e tinham como função limitar os poderes da Coroa inglesa. Todos foram orientados no sentido da inalienabilidade de direitos naturais do indivíduo, e são os primeiros documentos constitucionais que reconhecem a existência, em alguma medida, direitos fundamentais do indivíduo, denotando a clara acepção negativa desses direitos como impostos contra o Estado que não poderia de forma alguma violá-los, sob pena de praticar um verdadeiro abuso de

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