Terapia Familiar na Prática
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Sobre este e-book
Ainda há muita curiosidade sobre como ocorre a terapia familiar na prática.
Uma das maiores fontes de estresse são as relações familiares! Por outro lado, é na família, seja ela biológica ou social, que estão os recursos para o enfrentamento das tensões da vida.
A partir destes e muitos outros questionamentos, o livro Terapia Familiar na Prática aborda temas relevantes comuns a todos no cotidiano da família e do casal, com as diversas práticas de profissionais renomados e experientes na área.
A Terapia Familiar ocorre em ambientes clínicos, institucionais, sociais, enfim, onde há indivíduos, há famílias e estamos nós, os terapeutas de famílias.
Sejam curioso/as e boa leitura!
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Terapia Familiar na Prática - Ana Cristina Bechara Barros Fróes Garcia
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES
Aos nossos ancestrais, que nos permitiram chegar até aqui,
e aos nossos filhos e netos, que levarão esta tocha para o futuro, dedicamos este livro.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos às nossas famílias e a todos que diretamente ou indiretamente fazem parte deste livro.
PREFÁCIO
Os seres humanos nascem, aprendem a falar e finalmente escrevem expressando sua realidade. Um movimento científico pode requerer os mesmos passos
(SEIXAS, 1995, p. 9).
Devo agradecer a Ana Cristina Barros Fróes pela iniciativa de reunir profissionais capazes de descrever seu trabalho clínico, articulando-o com referências teóricas que têm como fio condutor a terapia de família.
Este livro reflete a maturidade da terapia de família no Rio de Janeiro. Cada capítulo versa sobre um aspecto do sofrimento humano. Temas que necessitam de olhares e escutas cuidadosas e cuidadoras.
Em 1998, o tema do III Congresso Brasileiro de Terapia Familiar, realizado no Rio de Janeiro, foi O indivíduo, a família e as redes sociais na virada do século
. Foram apresentados cerca de 300 trabalhos que versaram, principalmente, sobre: gênero, terapia de casal e de divórcio, violência, redes sociais, novas configurações familiares, drogadição, crianças com dificuldades de aprendizagem, famílias com adolescentes e adoção.
Hoje, grosso modo, os temas dos textos aqui apresentados não são muito diferentes, mas a compreensão deles diverge em função da diferença de contextos. A diversidade de especializações em pós-graduação das autoras e do autor dos artigos enriquece a descrição de seus trabalhos clínicos sem comprometer a visão sistêmica das terapias de casal e família.
O olhar sistêmico implica um fazer respeitoso às regras da relação que podem estar travando o desenvolvimento daquele sistema.
Segundo Gianfranco Cecchin (1996, p.16):
[...] alguém é sistêmico se respeita os sistemas; se quer mudá-los não os respeita: pensa que deveriam ser diferentes e até saber qual é o sistema correto. E isso é impossível porque somos partes dos sistemas, não podemos inventar um sistema [...] Pensar que podemos inventar um sistema é um erro epistemológico. A única coisa que podemos fazer é estarmos conscientes, observar, sermos curiosos e ter respeito por como é o sistema, respeito sistêmico [...] eu não busco a mudança, busco que as pessoas não fiquem paradas, que se movam outra vez. Quem produz a mudança é a pessoa, e não eu.
Para finalizar, quero agradecer a honra de escrever este pequeno prefácio, o que me proporcionou a oportunidade de uma viagem retrospectiva no trajeto da terapia de família no Brasil.
Teresa Cristina do Valle Chagas Diniz
Primeira Presidente da Associação de Terapia de Família – ATF-RJ
REFERÊNCIAS
SEIXAS, M. R. D. Terapia Familiar no Brasil. Estado da Arte. Anais – volume 2, 1995.
CECCHIN, G. Entrevista concedida a Claudio des Champs. Perspectivas Sistémicas, Buenos Aires, out./nov. 1996.
Sumário
INTRODUÇÃO 13
Ana Cristina Bechara Barros Fróes Garcia
CAPÍTULO 1
ESTRESSE NAS RELAÇÕES FAMILIARES: A COMUNICAÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA 17
Ana Cristina Bechara Barros Fróes Garcia
CAPÍTULO 2
A PRÁTICA DA TERAPIA FAMILIAR E DO CASAL NA ATUALIDADE 33
Ana Maria Oliveira Zagne
Maria Teresa Soares Machado Pereira
CAPÍTULO 3
A DIFÍCIL ARTE DE CONJUGAR O NÓS
43
Maria Cecilia Veluk Dias Baptista
CAPÍTULO 4
UM OLHAR SOBRE A FAMÍLIA – CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO E A FILIAÇÃO HOMOPARENTAL 57
Helena Prado Lopes
CAPÍTULO 5
TRANSEXUALIDADE – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 69
José Roberto Muniz
Rosane Esquenazi
CAPÍTULO 6
TRÍADE SAP – SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL: CRUELDADE, DOMÍNIO E OPRESSÃO NA FAMÍLIA 83
Cynthia Ladvocat
CAPÍTULO 7
DEPRESSÃO NA ADOLESCÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA QUE INTEGRA TERAPIA INDIVIDUAL, FAMILIAR E DE GRUPO 95
Rosane Carneiro Porto
Liliane da Cunha Paula
Luciana Maria Schmitt Silva
CAPÍTULO 8
GRUPO DE FAMILIARES DE USUÁRIOS DE DROGAS: UMA APOSTA CONSTRUTIVISTA 109
Lia Ganc
CAPÍTULO 9
O DITO PELO NÃO DITO: TERAPIA FAMILIAR E A LINGUAGEM CORPORAL 119
Marfiza Ramalho Reis
CAPÍTULO 10
INTERATIVIDADE TEÓRICO-PRÁTICA: TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA E PSICOLOGIA ANALÍTICA – GENOGRAMA E CAIXA DE AREIA 129
Cynthia Lira
Suely Engelhard
CAPÍTULO 11
PARADOXO – A PRÁTICA DA TERAPIA DE CASAL ATUAL EM CONFLITO COM OS PADRÕES DE REFERÊNCIAS INDIVIDUAIS ATÁVICOS 145
Noemia Kraichete
Sobre os autores 159
INTRODUÇÃO
A Terapia Familiar, iniciada em torno de 1950 nos EUA, por intermédio de observações dos pacientes esquizofrênicos e suas relações familiares, tem o pensamento sistêmico e circular como campo dominante dos precursores (Bateson, Ackerman, Minuchin, Haley, Bowen, Whitaker, Watzlawick, Satir, Boszormenyi-Nagy, entre outros); atravessa o oceano chega aos Grupos de Milão e de Roma, amplia a prática clínica para outros espaços, construindo uma nova postura do terapeuta e da relação terapeuta/família, incluindo os aspectos socioculturais e novas abordagens: narrativas, construtivistas, construcionistas sociais, colaborativas e dialógicas.
Esta obra tem como tema a Terapia Familiar na prática
em suas diferentes visões e experiências aqui compartilhadas. Não propõe ser um guia ou manual para iniciantes ou interessados, nem esgota as diferentes práticas com famílias, mas busca apresentar temas atuais de extrema relevância social.
Trata-se de um livro organizado e elaborado por TERAPEUTAS DE FAMÍLIAS E CASAIS renomados e experientes, membros titulares da Associação de Terapia de Família do Rio de Janeiro (ATF-RJ), da Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF) e de outros órgãos nacionais e internacionais.
Estamos engajados na divulgação da terapia de família e casal nos diversos âmbitos sociais. Acreditamos, assim como os precursores da Terapia Familiar e os continuadores, que o atendimento de famílias, seus subsistemas e o trabalho em coterapia trazem múltiplas possibilidades de revisões e reavaliações nas relações familiares, assim como nas nossas práticas.
O livro tem início com a questão central dos atendimentos, a comunicação nas relações familiares e o estresse gerado no cotidiano da família e do casal. O diálogo com respeito ao outro proporciona, na prática terapêutica, o movimento de mudança necessário à convivência e na prática terapêutica.
O segundo e o terceiro capítulos versam sobre a prática com casais na atualidade, momento de muitas transformações sociais e, consequentemente, atingindo famílias e casais. Como conjugar o nós
nas relações conjugais?
Em seguida, é apresentado um tema muito atual – Técnicas de Reprodução Assistida – para pessoas que querem concretizar a aspiração de ter filhos, independentemente de seu estado de união, orientação sexual ou idade, pessoas solteiras, mulheres fora da idade reprodutiva, transexuais, dentre outros casos.
No capítulo sobre Transexualidade, os autores dissertam sobre o que vem a ser o espectro ‘trans’ e fazem uma reflexão sobre o papel da família, dos agentes de saúde e da medicina na construção de uma sociedade que acolha o ser humano em toda a sua diversidade.
Os capítulos subsequentes versam sobre:
- A importância dos trabalhos com as crianças e adolescentes, como a Síndrome de Alienação Parental (SAP) e seus efeitos.
- A depressão na adolescência, tão em voga, é abordada pela rica experiência das terapeutas com grupos de adolescentes, que, realizado em coterapia, baseou-se na perspectiva Construcionista Social, nas Abordagens Colaborativas e Dialógicas.
- A prática com grupo de familiares de usuários de drogas em uma perspectiva construtivista faz parte de um projeto relevante na área de família no Ipub – UFRJ.
- O Dito pelo não dito
, a importância da terapia familiar e a linguagem corporal, em um diálogo fundamental.
- A interatividade Teórico-Prática: Terapia Familiar Sistêmica e a Psicologia Analítica, apresentadas por intermédio de duas técnicas: o Genograma e a Caixa de Areia.
No último capítulo, a autora caminha pela história da família desde sua assunção até os dias atuais
. Na evolução cultural, social, marcantes nos comportamentos dos indivíduos nos meados do século XX, perpassa pelos preconceitos, o avanço tecnológico e as redes sociais, convidando-nos a uma reflexão e atualização dos padrões coletivos na prática terapêutica. Renovar continuamente, para além do senso comum.
Na pós-modernidade, as mudanças ocorrem continuamente, para além da diversidade familiar, relacional e do uso das tecnologias, com repercussões na convivência dos casais e das famílias.
Por outro lado, podemos constatar que a essência nas relações terapeutas-casais-famílias se mantém na circularidade, propondo novas narrativas às constantes mudanças.
É na circularidade, na empatia e na diferenciação que as diversas vozes se fazem passíveis de serem ouvidas tanto no setting terapêutico como em outros espaços, em prol de um diálogo coconstruído, sem avaliar ou julgar as diferentes direções tomadas pelas famílias atendidas.
Assim, compartilhamos nossas experiências profissionais, pois estamos implicados no crescimento e desenvolvimento pessoal, familiar e social. Continuamos no movimento de respeito ao indivíduo e a diversidade familiar.
Agradeço àqueles que, direta ou indiretamente, estão presentes neste livro: indivíduos, casais e famílias que nos procuram e compartilham conosco suas angústias, tristezas e alegrias, dando corpo e alma à nossa prática.
Ao meu marido, Luiz, minhas filhas, Vívian, Caroline, e toda minha família, pelo carinho e torcida constantes.
Finalmente, agradeço aos autores, profissionais respeitado/as e experientes que aceitaram prontamente o convite para participar deste livro, construído em conjunto com muita dedicação e afeto.
Boa leitura!
Um abraço!
Ana Cristina Bechara Barros Fróes Garcia
Organizadora
Psicóloga e presidente da Associação de Terapia de Família do Rio de Janeiro
(ATF- RJ, 2016-2020)
atfrj@atfrj.org.br
CAPÍTULO 1
ESTRESSE NAS RELAÇÕES FAMILIARES: A COMUNICAÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA
Ana Cristina Bechara Barros Fróes Garcia
A comunicação eficaz é uma arte!
A arte do conviver!
(Robson Motta Barros)
A comunicação é o centro das relações humanas! Entendo a comunicação como relações intrapessoal e interpessoal carregadas de emoções em suas diferentes formas: verbal, não verbal, escrita, presencial ou virtual. O componente afetivo está e sempre estará presente, implicitamente ou explicitamente nas relações.
Na minha experiência, a comunicação é o ponto nodal para a busca de um terapeuta de família. A queixa inicial, o que pode aparecer, comparo com a ponta de um iceberg, porque sabemos que a maior parte dele está fora da nossa visão, nas profundezas do mar.
O nível de estresse nas relações familiares e conjugais, muitas vezes, se eleva por pequenas
situações cotidianas. O filho que não estuda sozinho; o marido que deixa a toalha molhada em cima da cama todo dia; a mulher que reclama da falta de cooperação do marido e filhos na organização da casa; o marido cansado que se cala diante da reclamação da esposa para evitar conflito, são alguns exemplos constantes na minha prática. É a ponta do iceberg!
Neste capítulo, pretendo ressaltar a importância da comunicação e dos vínculos construídos entre os membros do sistema familiar e o/as terapeutas nos atendimentos.
Estresse nas relações familiares
Estresse é um termo muito utilizado no nosso dia a dia, portanto, muitas vezes, utilizamo-lo de forma equivocada. O médico Hans Selye (1959) definiu o termo estresse como uma ‘tensão da vida’, que pode alterar a qualidade de vida dos indivíduos nas suas relações, levando-os tanto ao entusiasmo quanto à realização. Essa tensão não é boa, nem ruim, é necessária e nos fez sobreviver às adversidades impostas pelo meio ambiente desde os primórdios.
O estresse positivo (eustress) é a tensão que nos impulsiona à ação. É necessário para ter atenção, motivação e interesse, reagindo adequadamente às ameaças e adaptando-se às novas situações. Por outro lado, o estresse negativo (distress) é uma alta tensão prolongada, interfere no funcionamento psíquico do indivíduo e no desempenho de suas ações. Como por exemplo, as brigas cotidianas repetitivas intrafamiliares sem resoluções; discussões constantes; cobranças; falta de limite, de respeito e de diálogo entre os membros da família.
Na atualidade, o termo estresse ainda está associado à doença. Todavia, segundo a psicóloga e pesquisadora Lipp (2000, p. 16): O estresse é uma reação do organismo, com componentes físicos e/ou psicológicos, causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que, de um modo ou de outro, a irrite, amedronte, excite, ou mesmo que a faça imensamente feliz
.
Importante ressaltar que estresse não é uma doença, mas o distress e a dificuldade de lidar com os agentes estressores podem enfraquecer o organismo, favorecendo vários sintomas físicos e/ou psíquicos. Os sintomas e doenças que surgem traduzem a predisposição do indivíduo e do sistema familiar a que pertence (LIPP, 2000).
Quanto ao estresse nas relações familiares, uma pesquisa on-line sobre ‘Stress no Brasil’, realizada em 2014 pelo Instituto de Psicologia e Controle do Stress Marilda Emmanuel Novaes Lipp, mostra dados interessantes. A amostra contou com a participação de 2.195 brasileiros, entre 18 e 75 anos, representando todos os estados, sendo 74,35% mulheres e 25,65% homens. Foi a primeira vez que uma pesquisa dessa natureza foi realizada no Brasil (LIPP, 2014).
A referida pesquisa teve como um dos objetivos realizar um levantamento dos maiores agentes estressores do/as brasileiro/as e quais estratégias eram utilizadas no enfrentamento e para lidar com os desafios. Verificou-se que 1.100 participantes, ou seja, 52,28% deles disseram ter ou já ter tido o diagnóstico de estresse, mostrando a gravidade da situação no Brasil. Mais da metade dos respondentes (55,60%) sofrem ou já sofreram de ansiedade; 23,20% têm ou tiveram o diagnóstico de depressão e