A Importância do Ethos no Discurso Político de José Sarney
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A Importância do Ethos no Discurso Político de José Sarney - Ismael Silva Cândido
DEDICO este trabalho aos meus filhos, Ivan, Isaac, Sara, Mateus e a minha esposa Graciela.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Luiz Antonio Ferreira por ter aceitado o desafio de me orientar neste trabalho, pela compreensão e auxílio nas adversidades e pelo incentivo nos momentos de desânimo;
Aos ilustres professores Doutores Jarbas Vargas Nascimento e Ana Lúcia Magalhães que compuseram a Banca de Qualificação na qual esse trabalho foi avaliado, pela generosidade, cortesia e contribuição através da leitura atenta e conselhos que muito contribuíram para o aperfeiçoamento da pesquisa;
Aos ilustres Professores Doutores Jarbas Vargas Nascimento, Ana Lúcia Magalhães e Maria Flávia Figueiredo que compuseram a Banca de Defesa, que com seus conhecimentos agregaram valor a este trabalho;
À CAPES pelo apoio financeiro em parte da caminhada;
À minha família pelo apoio e incentivo nos momentos de desânimo;
Aos queridos amigos que acompanharam todo meu percurso, que mesmo estranhando meu distanciamento, compreenderam meus motivos e torceram sempre pelas minhas conquistas;
Eu quase que nada não sei.
Mas desconfio de muita coisa.
Guimarães Rosa
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
1. O DISCURSO POLÍTICO
1.1. CONCEITO DE DISCURSO POLÍTICO
1.2. AS ESTRATÉGIAS RETÓRICAS DO ORADOR
1.2.1. O USO DA RAZÃO E DA EMOÇÃO
1.2.2. A CARACTERIZAÇÃO DO ETHOS
1.3. MOVIMENTOS ESTRATÉGICOS NO DISCURSO POLÍTICO
1.3.1. DIVULGAÇÃO
1.3.2. ADESÃO
1.3.3. JUSTIFICATIVAS/EXPLICAÇÕES
1.4. OS LUGARES DE FABRICAÇÃO DO DISCURSO POLÍTICO
1.4.1. A INSTÂNCIA POLÍTICA (E A ADVERSÁRIA)
1.4.2. A INSTÂNCIA CIDADÃ
1.4.3. A INSTÂNCIA MIDIÁTICA
CAPÍTULO II
2. A RETÓRICA
2.1. CONCEITO DE RETÓRICA
2.2. O SISTEMA RETÓRICO
2.2.1. INVENTIO
2.2.2. DISPOSITIO
2.2.3. ELOCUTIO
2.2.4. ACTIO
2.2.5. MEMÓRIA
2.3. O USO DE FIGURAS RETÓRICAS
CAPÍTULO III
3. UM POLÍTICO BRASILEIRO E SUA ATUAÇÃO
3.1. O ORADOR JOSÉ SARNEY
3.2. SARNEY E A FAMÍLIA
CAPÍTULO IV
4. O EXERCÍCIO DAS PAIXÕES NO DISCURSO POLÍTICO: O MEDO
4.1. O MEDO NA POLÍTICA
4.2. SARNEY E O MEDO
CAPÍTULO V
5. ESTRATÉGIAS RETÓRICAS NO DISCURSO POLÍTICO DE SARNEY
5.1. ETHÉ DE CREDIBILIDADE
5.1.1. O ETHOS DE SÉRIO
5.1.2. ETHOS DE VIRTUOSO
5.1.3. ETHOS DE COMPETÊNCIA
5.2. ETHÉ DE IDENTIFICAÇÃO
5.2.1. ETHOS DE POTÊNCIA
5.2.2. ETHOS DE CARÁTER
5.2.3. ETHOS DE INTELIGÊNCIA
5.2.4. ETHOS DE HUMANIDADE
5.2.5. ETHOS DE CHEFE
5.2.6. ETHOS DE SOLIDARIEDADE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
ANEXO I - PRONUNCIAMENTO (TEXTO INTEGRAL)
ANEXO II - PRONUNCIAMENTO (TEXTO INTEGRAL)
ANEXO III - PRONUNCIAMENTO (TEXTO INTEGRAL)
ANEXO IV - PRONUNCIAMENTO (TEXTO INTEGRAL)
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como motivação algumas interrogações e crenças seculares. Uma delas está ligada ao pensamento aristotélico no que diz respeito ao Zoom Politikon . Foi Aristóteles de Estagira (384 a.C. – 322 a.C.), discípulo de Platão que, ao refletir acerca da natureza do ser humano, mostrou-nos a crença de que o homem é mesmo um animal político, um ser racional que fala e pensa ( zoom logikon ) e encontra-se envolto com problemas que implicam a interação necessária na cidade-estado ( polis ). Suas ideias sobre a natureza do homem e sua relação com o outro, trazem argumentos fundamentais para refletirmos sobre a organização social e política e o processo de realização do homem no âmbito do Estado nos dias atuais. Na visão de Aristóteles (2005), a cidade ou a sociedade política
é o bem mais elevado
. Isso explicaria a razão que leva os homens a se associarem em células de várias espécies (da família ao pequeno burgo, em redes institucionais) e a reunião desses grupamentos sociais resultaria na cidade e no Estado.
Da análise deste pensar aristotélico somos remetidos ao núcleo do modelo republicano, que enfatiza que o indivíduo é precedido pela sociedade, que o todo precede a parte. É fato que a natureza gregária é detectável em várias espécies, não necessariamente ligada às atitudes humanas. A indagação do que nos diferencia fundamentalmente dos outros seres viventes é respondida por Aristóteles com uma reflexão de grande importância sobre a complexidade que nos compõe: o homem, dotado de inteligência (razão ou alma racional) é também capaz de manifestar desejos
e afecções
(vontade ou alma desiderativa). Possui capacidade para agir orientado por uma moral e, assim, suas ações e juízos resultam ora em vício ora em virtude. Ressalta ainda que o que diferencia o homem não é o fato de ele não se unir aos demais apenas para a satisfação de seus desejos imediatos (proteção, reprodução, alimentação etc.), - que podem ser saciados no seio da família ou aldeia – mas, sim, porque vai além, ao dar vazão às suas potencialidades, e nesse ponto destaque-se a importância da polis para sua realização e a singular faculdade da linguagem. Por meio dela, podemos, na condição de seres humanos, conceituar os seres (significar e classificar), racionalizar pela capacidade de quantificar e estabelecer relações mediadas por meio das palavras e, assim, valermo-nos da retórica e da capacidade de argumentação. Para o filósofo de Estagira, de modo amplo, o Homem é um animal político
, pois somente ele possui a linguagem, que é o elemento fundamental para se estabelecer a comunicação entre os seres humanos. Ao utilizar a palavra (logos), consegue demonstrar sua capacidade de julgamento entre o bem e o mal, o certo e o errado atuam sobre a realidade e cria novas condições de existência. Aristóteles, preocupado com a virtude, apregoa a formação intelectual, moral e física como um meio de encontrarmos equilíbrio vital para atingi-la: o que é bom para o homem deve ser bom para a sociedade. O bem comum é a justiça, a felicidade e o bem viver da sociedade política.
Nessa perspectiva, o homem detém a condição de quantificar e qualificar (racionalizar) suas ações, locais e objetos, ao conceituar as coisas (significar, classificar) e estabelecer relações mediadas pela palavra (retórica, argumentação). É a partir da formação intelectual, moral e física que ele encontra o equilíbrio vital para atingir a virtude. Em Aristóteles, a virtude está em agir conforme a razão dos valores universais de uma determinada polis, ou seja, o que desejo como bom deve equivaler àquilo considerado bom para a sociedade. E, sejam quais forem as especificidades dessas regras, o bem comum será invariavelmente a felicidade, a justiça, o bem viver na sociedade política.
Desta forma, a mediação das leis, o processo de formação para a composição dos elementos intelectuais e morais, a lapidação dos hábitos racionais e a experiência vivida fazem com que esse animal político chamado homem oriente sua conduta moral na polis. Nesse sentido, visto como um receptáculo de experimentos e vivências, não se deixa comandar apenas pelas vontades. Desse modo, a prudência é valorizada na polis: com a experiência e a propriedade da inteligência, o homem pode antever como um procedimento desviante trará consequências à moral do grupo.
Tanto quanto na antiguidade, nos dias atuais vemos claramente a divisão existente na retórica, que se assume como especialmente apta a lidar com valores ou preferências. Tem ela a vocação para aquelas situações em que se trate de escolher ou decidir sobre questões passíveis de mais de uma solução. Se, a priori, sempre busca um consenso, quando o campo é o da política, observaremos de forma límpida, o aparecimento de três tipos de polêmicas: a discussão, a disputa e a controvérsia. Nesse caso veremos que cada um desses tipos tem o seu próprio objetivo e instrumento particular para atingi-lo.
O objetivo principal deste estudo é analisar a aplicação dos artifícios retóricos no âmbito do discurso político e a formação, ao longo dos anos, do ethos desse orador. Embora se ressalte a natureza do discurso político, interessa-nos aquele praticado no Brasil, na contemporaneidade e, especificamente, por um homem público que se manteve no poder há décadas: José Sarney. Que força leva José Sarney a se eleger e reeleger tantas vezes, em eleições diretas? Vamos, pela leitura retórica, buscar respostas para essas indagações em nosso trabalho.
Constituímos como objeto de análise, quatro discursos proferidos por Sarney em momentos diferentes de sua vida pública. Dois discursos utilizados neste trabalho são do período em que Sarney exerceu a presidência da República, interinamente em razão da doença de Tancredo Neves (anexo II, Discurso de Posse do Ministério) e logo em seguida como titular do cargo ao qual foi conduzido pela morte de Tancredo (anexo III, Discurso de anúncio da morte de Tancredo Neves). O terceiro discurso, (anexo I), trata da apresentação de sua candidatura para eleição da presidência do Senado Federal, pela terceira vez na sua vida política. O quarto e último discurso aqui analisado, acostado no anexo IV, é também o último discurso proferido por Sarney no Senado Federal, conhecido como discurso de despedida). É importante ressaltar que, apesar de termos escolhido esses discursos proferidos nesses momentos da política brasileira, se tivéssemos optado por qualquer outro, de qualquer outra ocasião, veríamos que o resultado não seria muito diferente, haja vista que por Sarney ter moldado seu ethos ao longo de toda sua vida, todos os seus discursos possuem características muito semelhantes. São como que cláusulas pétreas
na estrutura de seus pronunciamentos.
De posse dos discursos selecionados, passamos a analisar, em várias etapas, os argumentos utilizados, e mostramos as contradições e o distanciamento entre o falado e o vivido pelo orador.
Nosso estudo tem fundamento na retórica e na argumentação. Transitamos pelo pensamento dos defensores e pensadores da retórica. Bebemos de seus conhecimentos e experiências, tanto na velha como na nova retórica. Valemo-nos de Aristóteles, Chaim Perelman e Oldbrecht-Tyteca na busca de desvendar os artifícios utilizados por Sarney ao longo de sua trajetória. Outros estudiosos colaborarão de modo ancilar, para ampliar reflexões sobre o tema.
No primeiro capítulo entramos na seara do discurso político. Buscamos conceitos, mostramos as estratégias retóricas, e discorremos sobre os movimentos estratégicos que nele estão contidos. Tratamos ainda dos lugares retóricos (Topói: parte do inventio, espécie de modelos em que muitos argumentos podem ser construídos) como recurso importantíssimo na constituição do discurso político, com anotação dos diferentes interesses em que é observado. Ainda neste capítulo abordamos os lugares de fabricação do discurso político.
No segundo capítulo, conceituamos a Retórica, discorremos sobre o sistema retórico e buscamos mostrar a aplicabilidade dos recursos na formação do discurso e mais especificamente do discurso político. Aristóteles e depois Perelman mostram em suas obras a necessidade de se entender e reconhecer a retórica como uma ciência e não somente como um recurso de oratória com a finalidade única de ludibriar, enganar o auditório.
Já no terceiro capítulo, tratamos do Orador. Nele o apresentamos de maneira mais enfática. Reproduzimos a biografia de Sarney, quando mostramos, além de sua vocação para política, seus dotes de escritor e poeta. Traçamos, de forma concisa, seu histórico de vida, oportunidade em que passamos por todas as fases de sua carreira, situando-o até os dias de hoje. Ilustramos, ainda, a biografia com passagens pitorescas que envolvem sua família, em especial seus três filhos. Tratamos, no quarto capítulo, das figuras retóricas e do medo, mais especificamente do medo no âmbito da política. Lembramos ainda de outros políticos que se viram envoltos em acontecimentos que tiveram seu desfecho influenciado pela paixão do medo. Buscamos na retórica de José Sarney, como um fim fundamental para os propósitos desta tese, encontrar a presença do medo em seus pronunciamentos. No quinto e último capítulo, analisamos fragmentos dos discursos proferidos por Sarney, em oportunidades diversas de sua vida, na busca de evidenciar neles como se deu a criação do verossímil. Dividimos o discurso em fragmentos significativos e, em cada um deles, por meio dos tópicos tratados nos capítulos anteriores apontamos as estratégias retóricas e as relações possíveis de serem estabelecidas entre o discurso e os dados biográficos do orador. Tratamos ainda, neste capítulo, do ethos de credibilidade e de identificação de forma aplicada aos discursos separados para nossa análise.
Em todo nosso trabalho, sustentamos a seguinte hipótese: todo o esforço retórico de Sarney concentra-se em um objetivo muito nítido: manter-se no poder. Na busca de material bibliográfico para auxiliar nossa pesquisa, nos deparamos com inúmeras narrativas de escândalos, irregularidades e problemas que envolvem o orador em um emaranhado que pode ser considerado lamentável se analisado na perspectiva moral. A retórica, porém, possui um componente pragmático que se vale do enunciado em uso numa situação particular de enunciação. Importa, pois, a força argumentativa, isto é, uma forma de influência construída na argumentação e não necessariamente no contexto moral que envolve o discurso. Significar, para um enunciado, é orientar, é criar condições de verdade. Por isso, ao mencionar, principalmente na análise retórica do discurso objeto de nossa pesquisa,