A noiva do Deus do Mar
De Axie Oh
5/5
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Sobre este e-book
— Elizabeth Lim, autora de Os seis grous, best-seller do New York Times
"Inteligente, criativo e escrito com primor."
— Stephanie Garber, autora de Caraval, best-seller do Sunday Times
"Uma jornada de coração e espírito. Vai fascinar, encantar e surpreender os leitores."
— Juliet Marillier, premiada autora da série Sevenwaters
Deixe o Fio Vermelho do Destino te guiar
Tempestades terríveis assolam a terra natal de Mina há gerações. Seu povo acredita que o Deus do Mar, seu antigo protetor, agora os amaldiçoa. E, na esperança de apaziguar sua ira, todos os anos uma bela donzela é lançada ao mar em sacrifício.
Muitos acreditam que Shim Cheong, a mais bela menina da aldeia – e a amada de Joon, irmão de Mina –, pode ser aquela que finalmente dará fim ao sofrimento de todos. Mas, na noite em que Shim Cheong será sacrificada, Joon a segue até o barco que a levará ao mar, mesmo sabendo que isso pode significar sua morte. Preocupada com o irmão e disposta a fazer qualquer coisa para salvá-lo, Mina pula na água no lugar de Shim Cheong.
Ao cair no mar, Mina é levada por um dragão ao Reino dos Espíritos, mas, quando encontra o Deus do Mar, a garota descobre que ele está preso em um sono encantado e não são apenas os humanos que correm perigo, mas todo o Reino dos Espíritos também. Com a ajuda de Shin, o misterioso protetor do Deus do Mar, e de um grupo singular de aliados composto de demônios e espíritos, Mina decide partir em uma missão para acordar o Deus do Mar e dar fim à maldição.
Porém, um humano não pode viver muito tempo no Reino dos Espíritos, e o perigo espreita por todos os lados, pois há aqueles que fariam qualquer coisa para impedir que o Deus do Mar acorde.
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A noiva do Deus do Mar - Axie Oh
1
OS MITOS DO MEU POVO DIZEM QUE SOMENTE a verdadeira noiva do Deus do Mar pode dar um fim à sua fúria insaciável. Quando as tempestades sobrenaturais surgem no Mar do Leste, os raios cortam o céu e as águas rasgam a costa, uma noiva é escolhida e oferecida ao Deus do Mar.
Ou sacrificada, dependendo do tamanho da sua fé.
Todos os anos, assim que as tempestades começam, uma garota é levada ao mar. Não posso deixar de me perguntar se Shim Cheong acredita no mito da noiva do Deus do Mar - e se ela vai encontrar conforto para lidar com o fim.
Talvez ela encare tudo isso como um começo. O destino pode tomar vários caminhos diferentes.
Por exemplo, há o meu próprio caminho - o caminho literal diante de mim, seguindo estreitamente pelos campos alagados de arroz. Se eu seguir esse caminho, ele vai me levar à praia. Se eu der meia-volta, vai me levar ao vilarejo.
Qual destino me pertence? Qual destino vou agarrar com minhas mãos?
Mesmo se fosse uma questão de escolha, essa escolha não seria realmente minha. Pois, embora grande parte de mim queira a segurança de um lar, a vontade do meu coração é infinitamente mais forte. Ela me empurra para o mar aberto e para a única pessoa que eu amo além do destino.
Meu irmão Joon.
Raios cortam as nuvens de tempestade, espalhando-se pelo céu escurecido. Meio segundo depois, um trovão ressoa sobre os campos de arroz.
O caminho termina quando a lama encontra a areia. Tiro minhas sandálias encharcadas e as penduro no ombro. Através da chuva torrencial, avisto o barco, oscilando e se agitando sobre as ondas. É uma pequena embarcação oca com um único mastro, feita para carregar cerca de oito homens - e a noiva do Deus do Mar. Já está longe da costa, se afastando ainda mais.
Ergo a saia ensopada da chuva e saio correndo em direção ao mar revolto.
Ouço um grito vindo do barco no instante em que colido com a primeira onda. Sou imediatamente puxada para baixo. Fico sem ar com a água congelante. Cambaleio, submersa, rolando violentamente para a esquerda, depois para a direita. Esforço-me para erguer a cabeça acima da superfície, mas as ondas se derramam sobre mim.
Não sou uma nadadora ruim, mas também não sou muito boa, e, apesar de estar me esforçando para nadar, para alcançar o barco e sobreviver, a tarefa é difícil. Talvez não seja o bastante. Queria que não doesse tanto - as ondas, o sal, o mar.
- Mina!
Mãos fortes envolvem meus braços e me puxam para fora da água. Sou colocada firmemente no convés ondulante do barco. Meu irmão está na minha frente, com seus traços familiares retorcidos em uma carranca.
- O que estava pensando? - grita Joon sobre o vento uivante. - Você poderia ter se afogado!
Uma onda gigante quebra contra o barco e eu perco o equilíbrio. Ele agarra meu pulso para me impedir de cair no mar.
- Eu te segui! - grito de volta. - Você não devia estar aqui. Guerreiros não podem acompanhar a noiva do Deus do Mar. - Olhando para meu irmão agora, com seu rosto açoitado pela chuva e sua expressão desafiadora, tenho vontade de desabar em lágrimas. Quero arrastá-lo para a praia sem olhar para trás. Como ele pode se colocar em risco desse jeito? - Se o deus ficar sabendo da sua presença, você vai acabar morto!
Joon se encolhe e desvia o olhar para a proa do barco, onde uma figura esguia está de pé, o cabelo se agitando com força ao vento.
Shim Cheong.
- Você não entende - diz ele. - Eu não podia… não podia deixá-la enfrentar isso sozinha.
O tremor em sua voz confirma o que eu suspeitava - e que torcia para não ser verdade. Praguejo baixinho, mas Joon não percebe. Todo o seu ser só presta atenção nela.
Os anciões dizem que Shim Cheong foi concebida pela Deusa da Criação para ser a última noiva do Deus do Mar, aquela que vai consolar todas as suas tristezas e inaugurar uma nova era de paz no reino. Sua pele foi forjada com a mais pura das pérolas. Seu cabelo, costurado da noite mais profunda. Seus lábios foram coloridos com o sangue dos homens.
Talvez esse último detalhe seja mais amargura do que verdade.
Lembro da primeira vez que a vi. Eu estava perto do rio com Joon. Era a noite do festival dos barquinhos de papel, quatro verões atrás. Eu tinha doze anos, e Joon, catorze.
Nos vilarejos do litoral, a tradição é que cada pessoa escreva seus desejos em pedaços de papel e depois faça dobraduras de barquinho com eles para colocar no rio. A crença é que os barquinhos levarão esses desejos aos nossos ancestrais no Reino dos Espíritos, onde eles poderão negociar com os deuses menores para que os realizem.
- Shim Cheong pode ser a garota mais bonita do vilarejo, mas seu rosto é uma maldição.
Olhei para cima ao som da voz de Joon, seguindo seu olhar para a ponte que cruza o rio. Havia uma garota ali no meio.
Com o rosto iluminado pelo luar, Shim Cheong parecia mais uma deusa do que uma garota. Ela estava segurando um barquinho de papel, que logo se desprendeu da palma aberta de sua mão e caiu na água. Enquanto eu o observava sendo levado pela água, fiquei me perguntando o que uma pessoa tão bonita poderia desejar.
Naquela época, eu não sabia que ela já estava destinada a ser a noiva do Deus do Mar.
Agora, de pé no barco sob uma tempestade, com trovões que sacodem até meus ossos, percebo que os homens mantêm distância dela. É como se ela já tivesse sido sacrificada, porque sua beleza sobrenatural a separa do resto de nós. Ela pertence ao Deus do Mar. É o que todos no vilarejo sempre souberam desde que ela atingiu a maioridade.
Fico pensando se é possível seu destino mudar em apenas um dia. Ou se é preciso mais tempo para que sua vida seja roubada de você.
Eu me pergunto se Joon sentiu a solidão de Shim Cheong. Ela passou a pertencer ao Deus do Mar aos doze anos de idade, e, enquanto todos a viam como alguém que um dia iria embora, ele era o único que queria que ela ficasse.
- Mina - Joon cutuca meu braço -, você precisa se esconder.
Observo Joon procurar ansiosamente um lugar para eu me ocultar no convés descoberto. Ele pode não se importar de ter quebrado uma das três regras do Deus do Mar, mas está preocupado comigo.
As regras são simples. Nada de guerreiros. Nada de mulheres, além da noiva do Deus do Mar. Nada de armas. Joon quebrou a primeira regra vindo com ela. E eu quebrei a segunda.
E também a terceira. Envolvo com a mão o punhal escondido sob minha blusa, a arma que pertenceu à minha tataravó.
O barco deve ter chegado ao epicentro da tempestade, porque os ventos não estão mais uivando, as ondas não estão mais batendo no convés, e até a chuva retardou seu ataque implacável.
A escuridão nos cerca de todos os lados, pois as nuvens obscureceram a luz da lua. Eu me aproximo da borda do barco e olho para o lado. Um relâmpago reluz, e, no clarão, eu o vejo. Os pescadores também o veem, mas seus gritos são engolidos pela noite.
Debaixo do barco, um enorme dragão azul-prateado está se movendo.
Seu corpo lembra o de uma cobra. Ele circunda o barco, e as cristas de suas costas escamosas rompem a superfície da água.
A luz do raio se dissipa. A escuridão cai mais uma vez, e tudo que se ouve são as ondas quebrando infinitamente. Estremeço, imaginando todos os destinos terríveis que nos aguardam, seja por termos nos afogado ou por termos sido devorados pelo servo do Deus do Mar.
O barco geme enquanto o dragão avança direto para o casco.
Qual é o propósito disso? O que o Deus do Mar estava pensando ao enviar seu aterrorizante servo? Será que está testando a coragem de sua noiva?
Pisco, percebendo que a raiva afastou meu medo. Percorro o barco com o olhar. Shim Cheong ainda está na proa, mas não está mais sozinha.
- Joon! - grito, o coração acelerado.
Joon vira o rosto para mim e solta a mão de Shim Cheong abruptamente.
Atrás deles, o dragão emerge da água em silêncio, e seu longo pescoço se estende para o céu. A água do mar escorre por suas escamas azul-escuras, caindo feito moedas no convés do barco.
Os olhos negros e insondáveis da criatura estão cravados em Shim Cheong.
É agora.
Não sei o que vai acontecer, mas este é o momento pelo qual todos esperamos - o momento que Shim Cheong aguarda desde o dia em que descobriu que era bonita demais para viver. É agora que ela perde tudo. E o que é mais devastador: que ela perde o garoto que ama.
Só que neste momento Shim Cheong hesita.
Ela dá as costas para o dragão, e seus olhos encontram os de Joon. Nunca vi um olhar assim antes - tão cheio de agonia, medo e desespero. Meu coração se parte. Joon solta um som engasgado, dá um passo em direção a ela, depois mais um, até estar na frente de Shim Cheong, com as mãos abertas de forma protetora.
E, assim, ele sela seu destino. O dragão nunca o deixará ir embora, não depois desse gesto de desafio. Como que para provar que meu temor tem razão de ser, a grande besta solta um rugido ensurdecedor, fazendo com que todos os homens ainda em pé caiam de joelhos.
Exceto Joon - meu forte, teimoso e tolo irmão, parado ali como se pudesse proteger sozinho seu amor da ira do Deus do Mar.
Uma raiva insuportável cresce dentro de mim, brotando na barriga e subindo até a garganta, me sufocando. Os deuses escolheram não realizar nossos desejos - nem os do festival dos barquinhos de papel nem os pequenos desejos que fazemos todos os dias, pedindo paz, fertilidade, amor. Eles nos abandonaram. O deus dos deuses, o Deus do Mar, só quer tomar as coisas das pessoas que o amam - tomar e tomar, e nunca retribuir.
Os deuses podem não realizar nossos desejos, mas eu posso. Por Joon. Eu posso realizar o desejo dele.
Corro para a proa do barco e subo na borda.
- Me leve no lugar dela! - Ergo meu punhal e faço um corte profundo na palma da minha mão, levantando-a bem acima da cabeça. - Eu serei a noiva do Deus do Mar. Entrego minha vida a ele!
Minhas palavras são recebidas com uma absoluta quietude pelo dragão. Neste instante, duvido de tudo. Por que o Deus do Mar me levaria no lugar de Shim Cheong? Não tenho sua beleza ou elegância. Só tenho minha teimosia, que minha avó sempre disse que seria a minha maldição.
Mas então o dragão abaixa a cabeça e a vira de lado, para que eu possa olhar diretamente para um de seus olhos negros. Ele é tão profundo e infinito quanto o mar.
- Por favor - sussurro.
Neste momento, não me sinto bonita. Nem corajosa, com as mãos tremendo desse jeito. Mas há um calor dentro do meu peito que nada nem ninguém pode me tirar. Invoco essa força, porque, mesmo que eu esteja com medo, sei que a escolha é minha.
Sou a criadora do meu próprio destino.
- Mina! - grita meu irmão. - Não!
O dragão ergue o corpo para fora da água, pousando parte de sua massa volumosa entre mim e meu irmão, nos separando. No silêncio que se segue, completamente cercada pelo dragão, eu hesito, me perguntando o quanto ele consegue entender.
Procuro as palavras certas. A verdade.
Respiro fundo e ergo o queixo.
- Sou a noiva do Deus do Mar.
O dragão se afasta do barco, revelando uma abertura na água agitada.
Sem olhar para trás, pulo no mar.
2
ENQUANTO AFUNDO, O RUGIDO DAS ONDAS se interrompe abruptamente e só resta o silêncio. Acima e ao meu redor, o longo e sinuoso corpo do dragão me acompanha, formando um grande redemoinho.
Juntos, mergulhamos no mar.
É estranho, mas a necessidade de respirar nunca surge. A descida é quase… calma. Pacífica. Deve ser o efeito do dragão sobre mim. Ele deve estar usando sua magia para impedir que eu me afogue.
Minha garganta aperta e meu coração bate aliviado - todas as noivas que vieram antes de mim sobreviveram.
Submergimos na escuridão. O mar acima de mim vira o céu, e nós - o dragão e eu - nos transformamos em estrelas cadentes.
O dragão me circunda mais de perto, fechando o cerco, mas consigo vislumbrar um olho ligeiramente aberto, revelando um poço cintilante de noite. O tempo fica mais lento. O mundo para. Estendo a mão. Gotículas de sangue deixam minha ferida e se espalham feito pedras preciosas entre nós.
O dragão pisca uma vez. Uma fenda se abre abaixo de mim.
Eu mergulho na escuridão.
Minha avó sempre me contava histórias sobre o Reino dos Espíritos, um lugar entre o céu e a terra que abriga todos os tipos de seres extraordinários - deuses e espíritos e criaturas míticas. Ela dizia que fora sua própria avó quem lhe contara tudo isso. Afinal, nem todas as contadoras de histórias são avós, mas todas as avós são contadoras de histórias.
Nós duas costumávamos percorrer a curta trilha pelos campos de arroz até a praia, cada uma segurando um lado de uma esteira de bambu dobrada, que estendíamos na areia pedregosa. Então nos sentávamos lado a lado, dávamos o braço uma para a outra e mergulhávamos os dedos dos pés na água fria.
Lembro do mar no início da manhã. O sol aparecia no horizonte e formava um caminho dourado na água. O ar cobria nosso rosto de beijos salgados. Eu chegava mais perto da minha avó, aquecendo-me em seu calor constante.
Ela sempre começava com histórias que tinham início e fim, mas, à medida que os tons laranja e púrpura do início da manhã se transformavam no azul brilhante da tarde, ela começava a divagar, e sua voz se tornava uma melodia calma:
- O Reino dos Espíritos é um lugar mágico e vasto, mas sua maior maravilha é a cidade do Deus do Mar. Alguns dizem que ele é um homem muito velho. Outros, que ele é um homem na flor da idade, alto feito uma árvore, com uma barba negra como ardósia. Outros ainda acreditam que ele pode até ser um dragão, feito de vento e água. No entanto, não importa sua forma, os deuses e espíritos do reino o obedecem, pois ele é o deus dos deuses, soberano de todos eles.
Passei a minha vida toda cercada por deuses. Existem milhares deles: há o deus do poço no centro do nosso vilarejo, que canta através do coaxar dos sapos; a deusa da brisa que vem do oeste quando a lua nasce; o deus do córrego do nosso jardim, para quem Joon e eu deixávamos como oferendas bolos de lama e tortas de flor de lótus. O mundo está repleto de pequenos deuses, pois cada parte da natureza tem um guardião para zelar por ela e protegê-la.
Um dia, um forte vento marítimo varreu a água. Minha avó levou a mão ao chapéu de palha para evitar que ele fosse carregado para o céu que escurecia. Mesmo que ainda fosse cedo, as nuvens se acumulavam no alto, pesadas de chuva.
- Vovó, o que faz o Deus do Mar ser mais poderoso do que os outros? - perguntei.
- Nosso mar é uma personificação dele - disse ela -, e ele é o mar. Ele é poderoso porque o mar é poderoso. E o mar é poderoso…
- Porque ele é poderoso - completei. Ela gostava de repetições.
Um lamento baixo de trovão retumbou no céu. Os seixos aos nossos pés escorregaram para a água e foram levados pela maré. Além do horizonte, uma tempestade se formou. Nuvens de poeira e cristais de gelo ascenderam em um funil de escuridão. Suspirei conforme uma ansiedade tomou conta da minha alma.
- Está começando - falou minha avó. Levantamos-nos depressa e enrolamos a esteira de bambu, seguindo para as dunas que separavam a praia do vilarejo. Escorreguei na areia, mas ela segurou minha mão para que eu não caísse. Quando chegamos ao topo, olhei para trás uma última vez.
O mar estava sombrio. As nuvens acima bloqueavam o sol. Parecia um outro mundo, tão diferente do mar daquela manhã que, apesar de eu estar sentada ali poucos momentos antes, de repente senti uma saudade terrível dele. Nas semanas seguintes, as tempestades só pioraram, tornando impossível nos aproximarmos da praia sem sermos engolidas pelas ondas. Elas ficariam incontrolavelmente furiosas até a manhã em que as nuvens se abririam, permitindo que um breve raio de sol aparecesse - um sinal de que a hora de sacrificar uma noiva havia chegado.
- Por que o Deus do Mar está tão bravo? - perguntei à minha avó, que tinha parado para olhar a água escura. - É com a gente?
Ela se virou para mim, e vi emoção em seus olhos castanhos.
- O Deus do Mar não está bravo, Mina. Ele está perdido. Está esperando no seu palácio longínquo por alguém corajoso o suficiente para encontrá-lo.
Eu me sento e respiro fundo. A última vez que dei por mim, estava mergulhando no mar. No entanto, não estou mais debaixo d’água. É como se eu tivesse acordado dentro de uma nuvem. Uma névoa branca cobre o mundo, tornando difícil enxergar além dos meus joelhos.
Fico de pé e estremeço quando meu vestido, seco e quebradiço de sal, raspa em minha pele. Das dobras da saia cai o punhal da minha tataravó, batendo contra as tábuas do piso de madeira. Enquanto estico a mão para pegá-lo, um vislumbre de cor chama minha atenção.
Em volta da mão esquerda, sobre a ferida que cortei para fazer meu voto ao Deus do Mar, há uma fita.
Uma fita brilhante de seda vermelha. Uma das pontas circunda minha mão, e a outra se estende névoa adentro.
A fita está flutuando no ar. Nunca vi nada assim, mas sei o que é.
O Fio Vermelho do Destino.
De acordo com as histórias da minha avó, o Fio Vermelho do Destino conecta a pessoa ao seu destino. Alguns acreditam que ele conecta a pessoa a quem seu coração mais deseja.
Joon, sempre romântico, acreditava nisso. Disse que soube, assim que viu Cheong pela primeira vez, que sua vida nunca mais seria a mesma. Que ele sentia, na forma como sua mão era atraída para a dela, a sutil ação do destino.
Só que o fio é invisível no mundo mortal. E a fita brilhante e vermelha diante de mim certamente não é invisível, o que significa…
Que não estou mais no mundo mortal.
Como se lesse meus pensamentos, a fita dá um puxão firme. Alguém - ou algo - está me puxando do outro lado, de dentro da névoa.
O medo tenta me dominar, mas o afasto com um balançar de cabeça teimoso. As outras noivas encararam isso, e eu também preciso, se quero ser uma substituta digna de Shim Cheong. O dragão me aceitou, mas até eu falar com o Deus do Mar, não saberei se meu vilarejo está a salvo.
Pelo menos estou mais preparada do que a maioria delas, armada com um punhal e as histórias da minha avó.
A fita tremula no ar, me chamando. Dou um passo para a frente, e ela pousa na palma da minha mão, espalhando uma centelha de estrelas. Enfio o punhal dentro da blusa e sigo a fita pela névoa branca.
À minha volta, o mundo está imóvel e silencioso. Deslizo meus pés descalços nas tábuas lisas do chão de madeira. Estendo a mão, e meus dedos tocam algo sólido - um corrimão. Devo estar em uma ponte. O caminho se inclina um pouco e dá lugar a ruas de paralelepípedos.
O ar fica mais denso e quente, e exala aromas deliciosos. Fora do nevoeiro, vejo uma fila de carrinhos de mão. O mais próximo está cheio de pasteizinhos dentro de vaporizadores de bambu. Outro contém peixes secos, amarrados pelas caudas. Um terceiro está repleto de doces - castanhas caramelizadas e bolos polvilhados com açúcar e canela. Todos estão abandonados. Não há vendedores à vista. Estreito os olhos, tentando distinguir as formas mais escuras, mas as sombras acabam revelando apenas mais carrinhos, em uma fila que se estende névoa adentro.
Deixo os carrinhos para trás e entro em um longo beco cheio de restaurantes. A fumaça dos fogões escapa pelas portas abertas. A mais próxima revela uma sala com mesas lotadas de pratos que vão desde pequenas tigelas de especiarias a grandes travessas de aves e peixes assados. Em volta das mesas, almofadas coloridas estão dispostas ao acaso, como se um festim tivesse acontecido minutos atrás e as pessoas houvessem sentado confortavelmente ali aproveitando o banquete. Na entrada, pares de sandálias e sapatilhas estão arrumados com cuidado, lado a lado. Os clientes entraram no restaurante e não saíram.
Afasto-me da porta, pensando: carrinhos sem vendedores, fogos acesos sem cozinheiros, sapatos sem pessoas.
Uma cidade-fantasma.
Sinto uma leve risada em minha nuca. Viro-me de supetão, mas não há ninguém ali. Ainda assim, tenho a sensação de que olhos estão cravados em mim, invisíveis e observadores.
Que lugar é esse? Ele não se parece em nada com as histórias que minha avó me contava sobre a cidade do Deus do Mar - um lugar onde os espíritos e deuses menores se reuniam em alegre celebração. A névoa cobre todo o reino feito um manto, turvando a vista e abafando os sons. Atravesso pontes curtas e arqueadas e desço ruas abandonadas; tudo à minha volta é opaco e sem cor, exceto a fita, dolorosamente brilhante cortando a névoa.
Como será que as noivas do Deus do Mar se sentiram ao acordar nesse reino de névoa tendo apenas essa fita como guia? Antes de mim, existiram muitas outras.
Soah tinha os olhos mais belos, emoldurados por cílios tão escuros que pareciam cobertos por uma camada pesada de fuligem. Wol era tão alta quanto um homem, e seu lindo rosto ostentava traços fortes e uma boca risonha. Hyeri conseguia cruzar o Grande Rio, ida e volta, a nado, e quebrou uma centena de corações quando partiu para se casar com o Deus do Mar.
Soah. Wol. Hyeri. Mina.
Meu nome parece pequeno ao lado do nome dessas garotas, que sempre pareceram maiores do que a vida. Elas vieram de longe para se casar com o Deus do Mar, de vilarejos próximos à capital - e até da própria capital, no caso de Wol. Eram garotas que nunca teriam vindo ao nosso vilarejo pacato em qualquer outra vida senão essa, que as forçou a deixar o lugar de onde vieram. Essas garotas, essas jovens mulheres, eram todas mais velhas do que eu - tinham dezoito anos quando se tornaram noivas. Elas caminharam por essa mesma trilha por onde caminho agora. Será que estavam nervosas, amedrontadas? Ou será que a esperança as enganou?
Depois do que parecem horas, viro uma esquina e me deparo com um grande bulevar. A névoa está menos densa aqui. Pela primeira vez, posso ver para onde a fita me leva: ela atravessa toda a via, sobe uma grande escadaria e desaparece pelas portas abertas de um enorme portão vermelho e dourado. Com seus pilares ornamentados e telhado dourado, esta só pode ser a entrada do palácio do Deus do Mar.
Vou em frente. A fita começa a cintilar e a fazer barulho, como se soubesse que estou chegando à outra ponta.
Alcanço a escada e subo um degrau por vez. Estou prestes a passar pela soleira do portão quando ouço um som - o toque suave de um