Finitude Familiar
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Pré-visualização do livro
Finitude Familiar - Luiza Gonçalves De Paula
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da autora.
Este livro foi revisado de acordo com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Direção editorial e revisão
Laila Rejane Coelho
Projeto gráfico e diagramação
Thaissa Fonseca
Arte de capa
Thaissa Fonseca
Para minha raiz, Sandra, e meu fruto, Marcelo
Prefácio
Para todas as pessoas que eu contava como vivemos os últimos dias da minha mãe, eu ouvia a mesma frase:
— Nossa! Você deveria escrever um livro contando isso.
Eu já estava com essa inquietação no meu coração, com essa necessidade de contar para o mundo o que se passou entre 2020 e 2021 na minha família. Não! Minha família não tem nada de muito especial. Somos iguais a várias outras famílias por aí e, justamente por isso, nos vimos em um momento em que muitas famílias atravessam: a doença e a morte de um membro: pai, mãe, avô, avó, irmão, a finitude familiar.
Nesse caso, em especial, atravessamos o caminho do câncer. Embora seja um momento em que muitos passaram ou irão passar, quase não encontrei livros que contassem, na perspectiva do familiar, como é a experiência de estar diante de uma doença terminal de alguém muito amado. Quais são os dilemas? Quais os sentimentos envolvidos? Quais os aprendizados? Encontrei muitos livros de médicos e de pacientes, que me ajudaram muito nessa trajetória, mas eu queria ouvir quem tivesse passado por aquilo ali como familiar. Como é quando é a sua mãe ou o seu pai que está na sua frente com o diagnóstico?
A ideia deste livro não é preparar ninguém para viver a morte de um familiar. Nada prepara você o suficiente para viver esse momento. Mas saber o que outras pessoas viveram, os sentimentos e os dilemas parecidos traz um sentimento de pertencimento: não estou sozinha no universo.
De forma direta e honesta, descrevo, aqui, os momentos que foram vividos em toda a sua complexidade. Se compartilhar os momentos do fim de vida de alguém nos faz transcender, pretendo, além disso, que a morte seja menos um tabu na nossa sociedade. Espero que possamos aceitá-la de forma menos traumática, como o processo natural que é.
Também é importante destacar que o livro não fala só da morte da minha mãe. Deixo esse relato para o final. O que quero me ater, em boa parte destas páginas, é ao tanto de vida que tivemos ao lado da minha mãe enquanto a morte dela não chegava.
Espero honrar a vida dela com este livro e tocar o coração de várias outras famílias que também atravessarão o infinito presente no finito de um familiar.
Há partidas que nunca terminam, porque o que se ausenta com a ausência do corpo não se submete ao entendimento da razão.
A hora da essência
Padre Fábio de Melo
Por enquanto
Mudaram as estações
E nada mudou
Mas eu sei
Que alguma coisa aconteceu
Está tudo assim tão diferente
Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber
Que o pra sempre
Sempre acaba
Mas nada vai
Conseguir mudar o que ficou
Quando penso em alguém
Só penso em você
E aí então estamos bem
Mesmo com tantos motivos
Pra deixar tudo como está
E nem desistir, nem tentar
Agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa
Renato Russo
Neste ano de 2020, está tudo diferente. Acabei de me mudar para Brasília e sinto saudades da família. Comprei a passagem para ir ao Rio no aniversário da minha mãe, 9 de março. Dias depois da compra, o novo coronavírus chega ao Brasil e, com ele, os planos são suspensos. Não posso mais ir ao encontro, que será tão aguardado por meses.
Faço, então, uma ligação de vídeo, como tantos outros filhos, para matar um pouco a saudade e estar um pouco mais perto no aniversário dela. Peço desculpas por não estar presente, algo que saiu um pouco diferente dos planos que havia feito quando me mudei para tão longe das minhas raízes. Falamos do que haveria de gostoso para comer, de quem estava lá para compartilhar esse espaço de tempo que, agora, está guardado na eternidade de quem vivenciou.
Logo após o aniversário da mãe, minha irmã, Eliza, me liga.
— Oi. Pode falar agora?
— Posso, sim. Claro.
— Estou ligando pra compartilhar algo com você. Não queria guardar esta preocupação só pra mim. Fui abraçar a mãe neste fim de semana e, ao abraçá-la, senti o peito dela duro.
— Duro como, Eliza?
— Não sei explicar, irmã, mas tem algo acontecendo com ela. Pedi pra ver o seio dela, mas ela não deixou. Conversei com o Tadeu (namorado da Eliza) e ele me disse que, quando a mãe dele teve câncer de mama, o peito dela também ficou duro. Ele disse que não podemos deixar pra lá, mas a mãe não se abre. Você sabe que há muito tempo ela não faz os exames preventivos... O que vamos fazer?
— Irmã, vou ligar pra conversar com ela, mas confesso que também não sei o que fazer se ela não quiser buscar ajuda. Vamos dar um dardo tranquilizante e levá-la desacordada ao médico pra fazer exames? Não dá, né?
— Pois é. Enfim... Sei que você está longe, mas não poderia deixar de te falar.
— Claro. Vou ligar pra ela.
Foi assim que uma sombra apareceu em meu coração.
Será que a mãe está bem fisicamente? Por ela ser fumante há décadas, já imaginava que, em alguma hora, um câncer pudesse aparecer. Como ela não fazia os exames preventivos há anos, mesmo que nós protestássemos, imaginava que algo fosse se manifestar em algum órgão não aparente (fígado, pâncreas, pulmão) e que, quando descobríssemos, já seria tarde demais para fazer qualquer intervenção no sentido de cura.
Mas sempre que essa ideia da doença me passava pela cabeça, eu pensava: agora ela está bem. Vamos deixar esse assunto para depois.
O problema é que o depois, o amanhã, insiste em chegar, não é mesmo?
Pais e filhos
(...)
É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há
Sou uma gota d’água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não lhe entendem
Mas você não entende seus pais
Você culpa seus pais por tudo
E isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?
Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá
Claro que, após a ligação da minha irmã, liguei para minha mãe. Claro, também, que ela disse que estava tudo bem, que eu não tinha com o que me preocupar, que minha irmã não tinha nada que ter me ligado para me preocupar.
E por que ela não conseguia me convencer? Por que aquela sombra continuava no meu coração? Será que aquele dia de me preocupar havia chegado? Será que há como se preparar para descobrir a doença de alguém que a gente ama tanto? Será que alguém já escreveu, em algum lugar, como se passa por isso?
Nos dias atuais, para quem você pergunta? Para o Google, é claro! Nessas buscas que a gente faz na internet, e nem sabe exatamente como começou, cheguei a uma palestra do TEDx Talks, A morte é um dia que vale a pena viver
, com a Dra. Ana Claudia Quintana Arantes. Vejo uma vez e percebo o impacto e a transformação. Acho que ainda preciso ver mais vezes, como se fosse necessário interiorizar cada palavra dita como uma verdade para mim. Vejo