Ressignificação em contexto digital
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Ressignificação em contexto digital - Marie-Anne Paveau
Ressignificação em contexto digital
Logotipo da Universidade Federal de São CarlosEdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
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Marie-Anne Paveau
Julia Lourenço Costa
Roberto Leiser Baronas
Ressignificação em contexto digital
Logotipo da Editora da Universidade Federal de São Carlos© 2021, Marie-Anne Paveau, Julia Lourenço Costa e Roberto Leiser Baronas
Capa
Thiago Borges
Projeto gráfico
Vitor Massola Gonzales Lopes
Preparação e revisão de texto
Marcelo Dias Saes Peres
Livia Damaceno
Editoração eletrônica
Alyson Tonioli Massoli
Editoração eletrônica (eBook)
Alyson Tonioli Massoli
Coordenadoria de administração, finanças e contratos
Fernanda do Nascimento
Apoio
Fapesp
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar
Paveau, Marie-Anne.
P337a Ressignificação em contexto digital / Marie-Anne Paveau, Julia Lourenço Costa, Roberto Leiser Baronas. -- Documento eletrônico. -- São Carlos: EdUFSCar, 2022.
ePub: 2.6 MB.
ISBN: 978-65-86768-86-2
1. Linguística. 2. Análise do discurso francesa. 3. Discurso digital. 4. Ressignificação. I. Título.
CDD – 410 (20a)
CDU – 81
Bibliotecário responsável: Ronildo Santos Prado – CRB/8 7325
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral.
Placa com um pequeno texto. Este é o profeta. Gentileza que gera gentileza. Com amorrr e paz para um Brasil e um mundo melhor. Meus filhos não usem problemas, mas usamos a natureza. Mesma placa sem o texto
Escritos de Gentileza
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
A palavra no muro
Ficou coberta de tinta
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro
Tristeza e tinta fresca
Marisa Monte
Sumário
prefácio
Das razões para ler Ressignificação em contexto digital
introdução
Ressignificação e resistência
capítulo i
A ressignificação na web social
capítulo ii
#EleNão: A hashtag salamandra nos entremeios da política brasileira
conclusão
Ressignificação: Do cedilha intruso a dispositivos tecnodiscursivos culturais de memória e resistência
posfácio
Ressignificação: A pele do acontecimento
Referências
Sobre o/as autor/as
prefácio
Das razões para ler Ressignificação em contexto digital
Começarei este prefácio ressaltando que este livro é o produto de uma colaboração entre uma analista do discurso francesa e dois discursivistas brasileiros. É sempre muito agradável celebrar essas trocas intelectuais entre dois países, mas é ainda melhor quando elas se apresentam sobre pesquisas conjuntas de grande qualidade.
Os pesquisadores que são analistas do discurso podem se distribuir entre dois extremos. Podem trabalhar utilizando a análise do discurso como uma caixa de ferramentas já bastante testada ou, ao contrário, podem produzir trabalhos – evidentemente menos numerosos no campo dos estudos discursivos – que visam acima de tudo refletir sobre essa caixa de ferramentas. Nesse entremeio estão os pesquisadores que encontram um feliz ponto de equilíbrio entre esses dois polos: exploram analiticamente um corpus, mas também procuram enriquecer o quadro teórico-metodológico da análise do discurso. Este é o caso do livro que ora publicam, pela EdUFSCar e com apoio da Fapesp, Marie-Anne Paveau, Julia Lourenço Costa e Roberto Leiser Baronas.
Certamente, as pesquisas sobre a comunicação digital proliferam no campo das ciências humanas e sociais, mas, na maior parte do tempo, tais pesquisas não mobilizam a análise do discurso. Uma pesquisa que realizei considerando quatro anos (2010, 2014, 2015 e 2018) da revista Discourse Studies, que a princípio não privilegia temáticas específicas, mostra que, apesar de pretender estudar o discurso escrito e falado
, esse periódico privilegia notadamente o oral (70% dos artigos). É encontrada uma quantidade muito pequena de artigos sobre a temática da web (8% do total), e frequentemente, quando eles aparecem, trata-se na realidade de corpus que são analisados em termos de conversação, em particular a cena genérica e-mail. Diante disso, podemos pensar que a análise do discurso permanece marcada pela época na qual apareceu, isto é, o final dos anos 1960, em que a televisão era o mídium dominante e cujas técnicas de gravação audiovisual estavam disponíveis para todos.
As atuais tendências dominantes em análise do discurso estão ancoradas no pressuposto segundo o qual o universo do discurso pode ser unificado em torno de uma espécie de protótipo da atividade discursiva. Para a tradição europeia predomina o par texto/gênero, enquanto na tradição norte-americana é sobretudo a interação conversacional que prevalece, porém essas duas abordagens partilham determinada concepção de discurso como prática fundamentalmente verbal, apreendida como uma interação entre locutores socialmente marcados que, em situações bem definidas, desenvolvem estratégias em função de seus objetivos comunicacionais e de seus interesses. Notadamente, a comunicação digital se acomoda mal nesses pressupostos, e isso ocorre por diversas razões: uma delas é o papel central, e não meramente auxiliar, que desempenha a técnica, a máquina. Remeto a esse propósito aos trabalhos de uma das autoras deste livro, em particular os de Marie-Anne Paveau, no livro Análise do discurso digital: dicionário das formas e das práticas.[1]
Nessas condições, é compreensível que a solução menos complicada para os analistas do discurso seja a de deixar o estudo dos discursos na web para outras disciplinas, especialmente para aquelas de outros campos do conhecimento, mas essa marginalização não ocorre de maneira explícita. No meu entendimento, esse tipo de atitude parece dificilmente justificável, ainda mais se admitirmos que análise do discurso deve abordar as manifestações do discurso em toda a sua diversidade, não se limitando às conversações ou aos textos provenientes de setores privilegiados da vida social: política, mídias, educação, justiça, saúde, economia. É preciso aceitar a ideia de que o discurso não é um universo homogêneo e que por conta dessa heterogeneidade devemos delinear as consequências no que diz respeito aos conceitos e métodos de análise.[2]
O livro de Marie-Anne Paveau, Julia Lourenço Costa e Roberto Leiser Baronas apresenta, além disso, uma problemática que é nova em análise do discurso, qual seja a da ressignificação. Certamente esse fenômeno de linguagem já foi objeto de variadas pesquisas, principalmente a partir dos anos 1980. No entanto, são estudos que se debruçam de modo particular sobre os provérbios, os slogans e a imprensa. Em contrapartida, as práticas discursivas que interessam aos autores deste livro se desenvolvem sobre a web 2.0 e são práticas marcadamente multimodais. Além disso, os discursos sob os quais o interesse dos autores recai são produzidos por pessoas estigmatizadas, que respondem aos diversos insultos e às agressões verbais que lhe são desferidas.
Diferentemente das controvérsias ideológicas, que se poderiam chamar de clássicas
, são especialmente os indivíduos que são visados nas suas identidades; ou melhor, sua identidade é indissociável da tomada de posição ideológica. Esses conflitos, no seio do discurso digital, se inscrevem eles próprios num conjunto mais vasto em que existe uma divisão entre as pessoas que se consideram o povo
e as elites acusadas de desprezá-lo. Essa ruptura tem diversas causas, mas também condições; uma delas é, sem dúvida, a existência das novas tecnologias de comunicação digital. Aqueles que afirmam ser do povo
consideram que, se investem agressivamente em redes sociais, é porque estão interditados de falar nos canais legítimos. No entanto podemos também sustentar que isso ocorre porque eles não se submetem às normas intelectuais e éticas, investindo em zonas obscuras da comunicação digital para se exprimir sem conter seus afetos. Não podemos, todavia, reduzir os processos de ressignificação a respostas aos enunciados provienientes de uma espécie de espaço inferior, das profundezas da web. Como mostra um dos estudos do presente livro, que se debruça sobre o movimento social #EleNão, trata-se também de responder coletivamente, por recontextualização, às agressões vindas de um candidato à Presidência da República.
O processo de ressignificação que traz este livro constitui um tipo de resposta ao mesmo tempo corajosa e inteligente a modos de expressão que podem ser considerados não passíveis de resposta, no sentido de que ninguém verdadeiramente responde a eles. A web aparece como um campo de batalha no qual uma assimetria responde a outra. Os agressores se aproveitam da assimetria, que os esconde no anonimato, para produzir enunciados que não se submetem a uma ética da comunicação; a resposta que constitui a ressignificação consiste em não responder a agressão por meio de outra agressão, mas em refletir sobre ela e provocar sua exposição. Essa estratégia não é estranha à ironia, que em vez de contestar um enunciado a partir de seu exterior faz com que ele destrua sua própria sustentação, junto com o ponto de vista que ele encarna.
Em vez de dizer que os locutores agressivos exprimem
suas ideias utilizando
algumas possibilidades oferecidas pelas redes sociais, é melhor considerar, de acordo com os pressupostos da análise do discurso, que os Sujeitos falantes são indissociáveis dos meios
de comunicação. Dito de outro modo, na realidade não são meios
, pois não existem, de um lado, os Sujeitos plenos, portadores de ideias a exprimir, e, de outro, os instrumentos de comunicação para veicular essas ideias. Os Sujeitos se constroem por meio dos recursos que oferecem os dispositivos de enunciação disponíveis em um lugar e em um momento dado. A web 2.0 tem duas faces: ela permite a