Avaliação qualitativa
De Pedro Demo
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Avaliação qualitativa - Pedro Demo
Aquase totalidade da literatura referente à avaliação diz respeito à aprendizagem do aluno. Entre essa literatura, uma grande parte trata das técnicas de avaliação. Ora, o processo de avaliação não diz respeito apenas ao ensino e nem pode ser reduzido apenas a técnicas. Fazendo parte da permanente reflexão sobre a atividade humana, a avaliação constitui um processo intencional, auxiliado por diversas ciências, e que se aplica a qualquer prática. Podemos falar na avaliação das diversas atividades profissionais, bem como de uma empresa, de um programa, de uma política.
Refletir é também avaliar, e avaliar é também planejar, estabelecer objetivos etc. Daí que os critérios de avaliação, que condicionam seus resultados, estejam sempre subordinados às finalidades e aos objetivos previamente estabelecidos para qualquer prática, seja ela educativa, social, política ou outra.
Seria ingênuo pensar que a avaliação é apenas um processo técnico. Ela é também uma questão política. Avaliar pode constituir um exercício autoritário do poder de julgar ou, ao contrário, pode constituir um processo e um projeto em que avaliador e avaliando buscam e sofrem uma mudança qualitativa. É nesta segunda prática da avaliação que podemos encontrar o que uns chamam de avaliação emancipadora e que, na falta de melhor expressão, eu chamaria de concepção dialética da avaliação
.
É no debate desta segunda concepção que Pedro Demo vem contribuir com o presente livro. Centra-se na questão da avaliação dos programas de política social, pesquisa participante e educação popular, com a intenção de buscar maior consistência teórica a este campo de reflexão ainda mal definido. Como ele próprio afirma, torna-se premente buscar caminhos próprios nesse campo para evitar o que acontece amiúde: as posturas amadoras e diletantes
ou puramente ideológicas
na avaliação de políticas de teor qualitativo.
O autor, educador e sociólogo, foi professor em diversas universidades brasileiras. Atualmente está na Universidade de Brasília, sendo também diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Escreveu diversas obras voltadas para a discussão das políticas sociais, da metodologia da pesquisa em ciências sociais e, em particular, do método dialético e da pesquisa participante. Entre outras, destacamos as publicadas pela Editora Atlas: Metodologia científica em ciências sociais (1981), Introdução à metodologia da ciência (1983) e Sociologia: uma introdução crítica (1983).
Tem sido um severo crítico dos intelectuais críticos
que não possuem prática social no nível do Estado ou da sociedade civil. Isso valeu a ele também muitas críticas. Entre elas a de estar defendendo o sistema
e a de ter sido cooptado
. Uma resposta contundente a essas críticas encontra-se em seu livro Intelectuais e vivaldinos (Almed, 1982), no qual diz estar escrevendo sobre incoerências dos profissionais da coerência
.
Na presente obra, estão reunidos quatro artigos escritos entre 1985 e 1987, que se complementam e que retomam suas teses defendidas sobretudo no livro Participação é conquista (Universidade Federal do Ceará, 1986). Aqui a participação aparece como elemento central de uma avaliação qualitativa
.
O autor distingue qualidade formal de qualidade política. A primeira refere-se a instrumentos e a métodos; a segunda, a finalidades e conteúdos. Uma não é inferior à outra, simplesmente cada uma tem perspectiva própria.
Um dos conteúdos próprios da qualidade política é a participação. Pobreza, diz ele, é falta de participação. A avaliação qualitativa deve levar em conta principalmente a qualidade de vida atingida e o envolvimento:
Na qualidade não vale o maior, mas o melhor; não o extenso, mas o intenso; não o violento, mas o envolvente; não a pressão, mas a impregnação. Qualidade é estilo cultural, mais que tecnológico; artístico, mais que produtivo; lúdico, mais que eficiente; sábio, mais que científico [neste livro, p. 10].
Por isso, não pode ser medido quantitativamente, como não se pode medir a intensidade da felicidade.
Eu diria que Pedro Demo se aproxima da filosofia educacional de Rubem Alves, que, em vez de avaliar suas aulas em termos de rendimento escolar, se pergunta, ao final delas, se seus alunos conseguiram viver mais felizes, se o conhecimento aprendido lhes trouxe alguma nova alegria de viver, se eles sentiram sabor em saber mais.
Demo valoriza na avaliação os critérios de representatividade, de legitimidade, de participação da base, de planejamento participativo, de convivência, de identidade ideológica, de consciência política, de solidariedade comunitária, de capacidade crítica e autocrítica, de autogestão e de outros elementos que, em última instância, serviriam para desenvolver a cidadania. E conclui: se qualidade é participação, avaliação qualitativa equivale a avaliação participante.
Empreende uma série de críticas ao que chama de usos e abusos
do planejamento participativo e da educação popular. Deixa muito clara a importância do fator político na mudança estrutural da sociedade e da responsabilidade do intelectual nesse contexto. Mostra a evolução do pensamento de Marx referente a esse tema: Marx, ao avaliar a qualidade política da Comuna de Paris (1870-1871), escreve a Ludwig Kugelmann afirmando que o fracasso dos trabalhadores se deveu também a seu despreparo político.
Ao mesmo tempo em que critica aquela educação popular (não escolar) que se transforma numa pura excitação política
, mostra como o Estado imobiliza os intelectuais com bons salários, poder e prestígio:
O intelectual pensa ser esperto, mas de modo geral o sistema vigente é mais ainda. O sistema descobriu também que a crítica sem prática lhe serve muito, pois incute a ideia de democracia nas ideias. É muito bom que exista o crítico, desde que não seja prático, porque com isso o sistema pode apregoar que não reprime quem tem ideias opostas [neste livro, p. 73].
O texto de Pedro Demo é de leitura muito acessível, com boa indicação bibliográfica para quem deseja continuar o debate.
E para iniciar este debate pedagógico com o autor, coloco-lhe também uma questão neste prefácio: mais do que uma sociedade participativa, uma avaliação qualitativa, de um ponto de vista progressista e popular, deveria levar em conta a solidariedade de classe (que o autor prefere chamar de solidariedade comunitária
), criada no interior do programa ou política avaliados; mais do que pelo conteúdo, a avaliação deveria ser guiada pelas possibilidades que os membros envolvidos no objeto de avaliação tiveram de manifestar o seu ponto de vista, as possibilidades que eles tiveram para se formar solidariamente e se organizar.
Esses são os critérios que, a meu ver, a avaliação deveria levar em conta na perspectiva de uma sociedade de iguais, uma sociedade socialista, que não é apenas uma sociedade comunitária ou participativa. É uma sociedade livre e igualitária.
Demo declara sua opção e sua luta por uma sociedade autorregulada, autogovernada, uma sociedade de qualidade superior à atual. Contudo, gostaria que ficasse mais explícito que, para isso, é necessária a superação do modo de produção, baseado na dominação política e na exploração econômica, que é o modo de produção capitalista, e que não pode constituir a base de uma sociedade de qualidade de vida superior, uma sociedade verdadeiramente humana.
Este livro de Pedro Demo é um convite à criatividade, leitura obrigatória para aqueles que trabalham com atividades ligadas principalmente à educação e às políticas sociais, pela originalidade de seu ponto de vista, pela ousadia com que desmistifica alguns mitos da educação popular, da pesquisa participante e da avaliação.
São Paulo, junho de 1987
Moacir Gadotti
Professor titular aposentado da Universidade de São Paulo
e presidente de honra do Instituto Paulo Freire
Sempre se falou de avaliação qualitativa, mas sua colocação tornou-se mais insistente a partir do surgimento da pesquisa participante. Esta trata de um assunto que é facilmente reconhecido como não quantitativo, embora se imagine de relevância extrema na realidade. Não há como fabricar uma taxa, um coeficiente, um índice de participação, porque não existe um metro, um quilo, um litro dela.
Como a ideologia, de cuja presença e influência ninguém duvida, mas de captação complicada pelos métodos usuais da ciência conhecida. Há gente que chega a dar a vida por uma posição