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Da cláusula penal punitiva como instrumento de ajuste em contratos incompletos e relacionais
Da cláusula penal punitiva como instrumento de ajuste em contratos incompletos e relacionais
Da cláusula penal punitiva como instrumento de ajuste em contratos incompletos e relacionais
E-book369 páginas4 horas

Da cláusula penal punitiva como instrumento de ajuste em contratos incompletos e relacionais

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Sobre este e-book

A cláusula penal é um instituto tradicional. Consolidou-se na experiência brasileira sua compreensão como dispositivo que desempenha o papel de proposta de substituição da obrigação avençada pela indenização prefixada, na hipótese de sua inexecução total, ou incide por ocasião da tipificação do atraso, concorrendo com o cumprimento da obrigação. Em ambas as hipóteses, haverá o controle de redução equitativa da multa fixada, evitando-se o enriquecimento sem causa do credor. O problema é que a ordem socioeconômica, cada vez mais multifacetada, exige modelos de coordenação das relações mais flexíveis e que permitam aos contratantes dirigi-los com liberdade e responsabilidade. Essa possibilidade é estudada com base no exemplo dos contratos relacionais, por ser considerado um tipo contratual caracterizado por certa incomensurabilidade na equivalência das trocas projetadas para o futuro, é dependente fundamentalmente da confiança que um contratante deposita no outro. Nessa situação, a inexecução do dever de confiança, compreendido como a proibição de exploração de vulnerabilidades, permitirá a imposição de sanção em sentido estrito, desapegada da finalidade indenizatória. A estratégia é destinada ao reforço dos deveres de confiança e assistida pelo princípio da conservação do vínculo contratual. Numa perspectiva econômica, a solução pensada é responsável por diminuir os custos da transação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jan. de 2024
ISBN9786527017035
Da cláusula penal punitiva como instrumento de ajuste em contratos incompletos e relacionais

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    Da cláusula penal punitiva como instrumento de ajuste em contratos incompletos e relacionais - Moacyr da Costa Neto

    Parte I - Problematização

    1. Da cláusula penal substitutiva ou cumulativa

    Trata-se, a cláusula penal, de instituto de longa tradição e amplamente difundido. Por esta razão, Rubens Limongi França entende que compõe o direito das gentes, pois a orientação tomada quanto à natureza jurídica da clássica cláusula penal o foi independentemente das peculiaridades dos respectivos sistemas internos.¹

    Regida também pelo senso comum teórico doutrinário² e não só por ditames normativos, como defenderemos, a cláusula penal é classificada como compensatória ou moratória e desempenha o papel de proposta substitutiva da obrigação avençada pela indenização prefixada, na hipótese de sua inexecução total, ou incide por ocasião da tipificação do atraso, concorrendo com o cumprimento da obrigação, em papel cumulativo. Não obstante, há divergências a respeito de sua natureza jurídica, que transita entre modelos concebidos como: punitivo-repressivo, compensatório-sancionatório ou prefixado para designar o valor da indenização

    No que se refere à cláusula penal compensatória, consolidou-se a sua compreensão como instrumento destinado a servir de reforço ao cumprimento da obrigação e à prefixação da indenização, na hipótese de sua inexecução. Sedimentou-se, portanto, a tendência de ser entendida como figura unitária e de composição bifuncional, ao enlaçar características de compensação e indenização, servindo como estímulo ao cumprimento da obrigação avençada e forma de liquidação convencional e antecipada do prejuízo decorrente da inexecução da obrigação.⁴ Quanto à cláusula penal moratória, tendo em vista que sua incidência não proibirá o credor de postular o cumprimento da obrigação atrasada, recebe com destaque a característica de servir de reforço ao vínculo obrigacional.⁵

    À função penal da cláusula resta preponderantemente associada à ideia de reforço e compulsoriedade,⁶ aspecto que se deve ao intenso controle normativo no curso da História, concorrente, em nossa opinião, com o fenômeno da padronização de negócios jurídicos e o surgimento de contratos-tipo, responsáveis, em seus correspondentes ambientes de celebração, por gerar uma das mais significativas formas de restrição da liberdade contratual, sobremodo, na Europa, após a revolução industrial do início do século XIX. Esse fenômeno é notado por Enzo Roppo.⁷

    De certo modo, notamos que o surgimento da denominada sociedade de massa, como derivação das transformações sociais e econômicas ocorridas sobremodo no curso do século XX, respaldou o declínio da autonomia da vontade como vetor universal responsável pela formação e orientação dos negócios jurídicos. No campo teórico da cláusula penal, exposto à projeção desse fenômeno, limitou-se a percepção de sua natureza como disposição adstrita aos padrões econômicos e patrimoniais associados ao núcleo da obrigação avençada, não podendo, pois, ser maior do que ele, sob pena de tipificação de enriquecimento sem causa.

    Otávio Luiz Rodrigues Júnior⁹ observa que o enfraquecimento dos vínculos obrigacionais que se espelhavam na ideologia da liberdade, os quais eram representados pela parêmia do pacta sunt servanda, resultou na ampliação da força interventiva do Poder Judiciário brasileiro. Assim, perdeu-se uma oportunidade histórica de se fortalecer a cláusula penal como instituto pautado pela segurança jurídica compreendida como o exercício das liberdades e consagrar o primado de sua intangibilidade.

    Numerosos doutrinadores compreendem a cláusula penal como disposição acessória à obrigação principal - algo que consideramos, inclusive, consequência da redação adotada pelo Código Civil¹⁰ de 1916, em seus artigos 920, 922 e 924 -, limitada ao seu valor e mitigada a expressão da autonomia da vontade como força suficiente para criação do regime jurídico obrigacional.¹¹

    Entendemos que a ênfase dispensada a esta característica específica, a acessoriedade, somada ao sucinto tratamento conferido à cláusula penal pelos códigos de 1916 e de 2002, é fator que contribuiu para seu isolamento teórico. Há décadas os arestos reafirmam que o limite da cláusula penal é a obrigação principal.

    A possibilidade outrora existente da redução de cláusula penal reputada desproporcional passou, com a redação conferida pelo artigo 413 do novo Código Civil,¹² a ser um dever de competência do Poder Judiciário, até mesmo para determiná-la de ofício.¹³ A função da cláusula penal ficou, pois, delimitada à prefixação de indenização.

    Ainda, Otávio Luiz Rodrigues Júnior¹⁴ comenta que o instituto sofreu um significativo processo de enfraquecimento, segundo duas perspectivas:

    a) interna, derivada de um expressivo controle judicial de seu limite, com fundamento em normas admitidas como cogentes, bem como o emprego de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados visando a tutela dos mais fracos e manutenção da ordem jurídica em pautas éticas e justas, assistidos por instrumentos como a função social do contato, boa-fé objetiva, vedação de comportamento contraditório, abuso de direito e proibição de enriquecimento sem causa;

    b) externa, resultado da consolidação de mecanismos de coação processual, a exemplo das astreintes. Conclui o autor, a respeito da cláusula penal, que sua feição contemporânea sequer admitiria, de acordo com o sistema brasileiro, o recebimento de um tratamento alheio à noção de dano e sua indenização.

    Consideramos equivocada a construção desse entendimento como critério universal. Ainda que tal modelo possa guiar diversas categorias de negócios jurídicos, destacadamente os firmados em ambientes qualificados pelo desequilíbrio e diferença de oportunidades no que se refere à contribuição das vontades para a formação do regime jurídico obrigacional, há tantos outros que dependem exatamente da segurança depositada no interesse e sua manifestação, assistidos pelo cânone do exercício responsável das liberdades.¹⁵


    1 FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 141.

    2 Sugerimos: WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1994, p. 13-15; JAYME, Erik. Visões para uma teoria pós-moderna do direito comparado. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 759, jan/1999, p. 24-40.

    3 MONTEIRO, António Joaquim de Matos Pinto. Cláusula penal e indemnização. Coimbra: Almedina, 1990, p. 317; MATTIA, Fábio Maria de. Cláusula penal pura e não pura. In: Obrigações: função e eficácia. vol. II. (coords.) FACHIN, Luiz Edson, TEPEDINO, Gustavo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011, p. 1117-1150; MAZEAUD, Denis. La notion de clause pénale. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1992.

    4 ROSENVALD, Nelson. Cláusula penal: a pena privada nas relações negociais. São Paulo: Lúmen Juris, 2007, p. 79.

    5 O conteúdo do REsp nº. 1.335.617 / SP, julgado em 27/03/2014, é esclarecedor quanto à leitura da natureza jurídica da cláusula penal compensatória e moratória.

    6 RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Função, natureza e modificação da cláusula penal no direito civil brasileiro. 2016. 418 folhas. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 165.

    7 ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 311-312; Ainda: ARAÚJO, Fernando. Teoria económica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 461-462; SAVATIER, René. Les metamorphoses économiques et sociales du droit civil d´aujourd´hui. 3. ed. Paris: Dalloz, 1964, p. 17.

    8 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 409-414. Esclarecedora a pesquisa de Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral, que elabora seus escritos para tratar da teoria dos contratos, considerada desde suas bases ideológicas iluministas (AMARAL, Luiz Fernando de Camargo Prudente. Adimplemento substancial: uma forma de segurança jurídica contratual. 2015. 278 folhas. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

    9 RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Função, natureza e modificação da cláusula penal no direito civil brasileiro. 2016. 418 folhas. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 232.

    10 Artigo 920. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.; Artigo 922. A nulidade da obrigação imporá a da cláusula penal.; Artigo 924. Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora ou de inadimplemento.

    11 Veja-se, por exemplo, o conteúdo do Recurso Extraordinário nº. 37.826 / MG, julgado em 27/12/1958: Cláusula penal – O limite para a comunicação imposta é o valor da obrigação principal. Artigo 920 do Código Civil. Também o Recurso Extraordinário nº. 89.483 / RJ, julgado em 27/04/1979, exercida a relatoria pelo Ministro Décio Miranda, consignou a natureza cogente do artigo 924 do Código Civil: [...] Dizendo o contrato que, em caso de rescisão por inadimplemento, o comprador perderá o pagamento inicial e as subsequentes, essa disposição constitui, no conjunto dos valores abrangidos, uma cláusula penal, que ao juiz é dado reduzir, nos termos do artigo 924 do Código Civil. No mesmo sentido, as seguintes decisões vinculam a cláusula penal à grandeza da obrigação principal: RT, vols. 72/127; 85/561; 95/134; 117/153; 119/183; 123/548; 125/75; 128/244 e 233; 129/117; 142/624; 153/319; 156/287; 159/720; 178/795; 204/508; 205/437; 206/289; 210/125; 212/309; 215/293; 218/559; 221/362 e 400; 226/378; 297/489; 344/466.

    12 Artigo 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

    13 São exemplos as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Agravo de Instrumento 1.0024.07.527571-9/001, Relator Des. Fernando Caldeira Brant, 11ª Câmara Cível, julgado em 12/09/2012; Agravo de Instrumento 1.0701.10.019063-9/002, Relator Des. João Cancio, 18ª Câmara Cível, julgado em 19/06/2012. Do mesmo modo, a seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: Apelação Cível 101724-14.2014.8.26.0577, Relator Des. Fábio Podestá, 5ª Câmara de Direito Privado, julgado em 10/03/2015.

    14 RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Função, natureza e modificação da cláusula penal no direito civil brasileiro. 2016. 418 folhas. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 7; ARAI, Rubens Hideo. Cláusula penal. In: Obrigações. (coords.) LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. São Paulo: Atlas, 2011, p. 731-758.

    15 Atentos à reflexão de Maria Helena Diniz (DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25-30), a sincronia entre o dado, como conjunto de realidades, e o construído, como técnica empregada pelo artifício humano para a elaboração de normas, não pode revelar um processo alheio ao seu entorno, o que nos permite argumentar que a compreensão atribuída aos comandos encontrados nos artigos 412 e 413 do Código Civil, não pode ser estática, conforme defendemos, sobejamente porque destinada à orientação de fenômenos econômicos e vinculados aos modelos de produção e circulação de riquezas. Ainda: FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica. 4. ed. São Paulo: Editora Forense, 2002, p. 14; VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 30.

    2. Dos contratos relacionais e sua incompletude

    Contudo, temos como defender o uso da cláusula penal puramente punitiva, mesmo considerada a extensa produção científica e doutrinária refratária a tal possibilidade?¹⁶ Pensamos que sim. Rubens Limongi França pondera que nada impede a utilização da cláusula com escopo puramente punitivo:

    [...] punitiva é a cláusula que tem por função estabelecer tão-somente UMA PENA, para o caso de inadimplemento. [...] Conforme foi visto, a essência da cláusula penal está em significar um reforço, uma garantia, da execução exata da obrigação a que está adstrita. Não obstante, em sendo punitiva, não se lhe desfigura a natureza fundamental, porque punir também é um meio de se reforçar."¹⁷

    Como amparo ao emprego da cláusula penal com caráter punitivo, França propõe critérios fundados em dois motivos, os quais, inclusive, adotaremos como modelo de organização de nosso trabalho, como se segue: 1) jurídico-positivo, que decorre dos princípios dogmáticos que emanam do sistema, especialmente o da autonomia da vontade, consistindo, em suma, em poderem as partes obrigar-se em tudo aquilo que não seja considerado ilícito ou imoral e, sobretudo, não contrarie os interesses da ordem pública; 2) jurídico-natural, fundado na natureza das coisas, que têm as partes, de contratar tudo aquilo que, sem ferir direitos de quem quer que seja, antes, pelo contrário, sirva para o bom encaminhamento da vida dos negócios jurídicos.¹⁸

    Esse autor discorre, ainda, sobre a possibilidade de fixação de cláusula penal puramente punitiva cumulativamente com cláusulas penais moratórias ou compensatórias, pois nada há que o impeça,¹⁹ assertiva que referenda nossa tese e nos permite tratá-la como um instrumento próprio e alheio às questões da indenização e do atraso. Recebemos essa diretriz traçada pelo autor como uma premissa em nossas considerações, portanto, é impossível observarmos, numa única disposição penal contratual, os concomitantes objetivos de prefixação de danos, orientação do atraso e imposição de pena em sentido estrito. Essas hipóteses demandam a utilização de convenções próprias e autônomas.

    Em busca de critérios jurídico-naturais que referendassem nossa defesa, encontramos alguns elementos que, combinados, justificam o emprego da cláusula penal com função puramente punitiva. Antecipamos ser leitura que nos remete precipuamente à compreensão da importância do plano dos fatos como critério dirigente das relações jurídicas, próprio da Economia, numa avaliação metodologicamente inversa àquela que comumente observamos no campo doutrinário da teoria do negócio jurídico, dos contratos e das obrigações, adstrita a modelos lógico-dedutivos.²⁰

    Como exemplo e recurso para justificar nossas assertivas, indicamos os denominados contratos relacionais. Eles nos permitem argumentar que a noção unitária e bifuncional da cláusula penal, destinada ao reforço da obrigação e à prefixação de danos, ou seu emprego como instrumento destinado ao tratamento do atraso, não oferecem eficácia para assistir o conjunto de possibilidades atreladas ao universo das relações contratuais pautadas numa metodologia de produção flexível.

    O contrato relacional é considerado categoria negocial caracterizada por certa incomensurabilidade na equivalência das trocas projetadas para o futuro. Outra peculiaridade desse tipo de contrato é a constituição de vínculos que dependem essencialmente do compromisso dos contratantes, bem como do planejamento comum e administração das variáveis surgidas no decorrer da relação. Sob uma ótica pragmática, tais particularidades podem ser compreendidas como uma projeção do princípio da conservação dos contratos.

    É neste sentido que contemplamos uma possibilidade associada à cláusula penal - alheia à função de prefixação de indenização em contratos mais ajustados ao desempenho dos contratantes do que às trocas puramente materiais -, de servir como instrumento destinado à penalização do contratante que viole o dever de confiança, em um simples exercício punitivo. Ronaldo Porto Macedo explica que:

    A confiança pode ser entendida como a expectativa mútua de que, numa troca, nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra. [...] Num mundo de planos abertos de colaboração na produção de bens e serviços altamente especializados, qualquer parte pode impedir o sucesso da outra, sem que para isto possa haver uma proteção contratual segura dentro do paradigma contratual clássico. Para que isto ocorra, basta, por exemplo, que uma parte atraia um colaborar a um projeto comum e posteriormente deixe de dedicar recursos complementares necessários até que os termos do acordo sejam negociados em seu favor. Surge daí a necessidade e importância de se estudar as condições nas quais nasce a confiança [...]²¹

    Vale colacionarmos a preleção de Ricardo Luis Lorenzetti sobre a relativa incomensurabilidade, inerente aos contratos relacionais:

    Para obtener la característica de adaptabilidad, el objeto debe desmaterializarse; no se trata de una cosa o un bien, sino de reglas procedimientales para determinarlo, ya que, como dijimos en el punto anterior, el objeto se transforma en una envoltura, en un sistema de relaciones que se modifica constantemente en su interior para ganar adaptabilidad. [...] En el derecho anglosajón se ha desarrollado la teoria de los contratos relacionales, que se refiere a dos fenómenos simultáneos: los vínculos de larga duración y las redes contractuales. La teoría contractual debe modificarse para captar las relaciones flexibles que unen a las empresas en la economía actual y tener en cuenta que estos vínculos se hacen con perspectiva de futuro. La teoria clásica contempla al contrato como algo aislado y discontínuo, com un objeto definido que hace presente lo que las partes harán en el futuro (por ejemplo, comprar y vender una cosa). El contrato actual, en cambio, presenta un objeto materialmente vacío, porque en realidad se pactan procedimientos de actuación, reglas que unirán a las partes y que se irán especificando a lo largo del proceso de cumplimiento. Los vìnculos de larga duración tienen un carácter procesual, en el sentido de que el objeto no es una prestación consistente en un dar o en un hacer determinado, sino determinable. En el campo de las networks el contrato es una relación entre empresas basada en la cooperación. Se trata de vínculos múltiples basados en la confianza entre los agentes para lograr una metodología de producción flexíble, que es lo que exige la economía actual. De modo que es esa confianza o cooperación el elemento que une a esas redes. Resumiendo: se destaca al contrato como un conjunto de reglas que establecen comportamientos procedimentales para lograr un resultado flexible, basado en la cooperación de un conjunto de agentes económicos.²²

    Também agregamos a definição dos contratos relacionais, consoante o escólio de Nelson Rosenvald:

    Os contratos relacionais são sinteticamente percebidos por sete elementos: (1) Relações primárias intensamente exigidas - envolvem relações profundas de comunicação com a pessoa integral, em que a satisfação pessoal e não econômica é preponderante; (2) Medida de transação econômica - há uma certa incomensurabilidade na equivalência das trocas projetadas para o futuro, podendo envolver valores não monetizáveis; (3) Começo, duração e término - o início e o término não são abruptos e predefinidos, pelo contrário, são relações de adesão, graduais e não tão claramente determinadas no tempo; (4) Planejamento – não se consideram apenas o objeto, preço e prazo de pagamento, mas, principalmente, a performance futura e a condução de planejamentos flexíveis com caráter processual, ou seja, com regras sobre a revisão e reformulação do planejamento em termos de cooperação; (5) Solidariedade e cooperação - A cooperação deixa de ser dever anexo e se torna obrigação principal. Os benefícios e os ônus são compartilhados. Cooperar é associar-se com outro para benefício mútuo ou para divisão mútua do ônus, com equilíbrio substancial nas trocas (não exploração); já a solidariedade importa a preocupação de uns com os outros com base em valores comunitários (corresponsabilidade); (6) Poder – o contrato relacional lida com a diferença de status entre as partes antes, durante e depois das trocas. Os desequilíbrios de poder são mitigados pelo mecanismo compensatório do direito de participação da parte mais frágil na gestão dos serviços que lhe são de interesse direto e pelo controle de custos e performance de contratos; (7) Visão e expectativa dos participantes - já existe todo um processo para planejamento e resolução de conflitos emergentes. Pela leitura dos sete atributos do contrato relacional, vê-se que as partes estão de certo modo ‘reféns’ uma da outra, no duplo sentido de não terem ao seu alcance alternativas em termos de parceiros de troca (de estarem longe de qualquer mercado) e de os resultados do contrato dependerem crucialmente da conduta delas.²³

    O emprego da cláusula penal punitiva em contratos relacionais, considerada sua finalidade de servir mais para orientação de vínculos de confiança, exigentes de performances comprometidas com o futuro, não a reduziria à natureza das indenizações, pois o descompasso do contratante com essa grandeza (dever de confiança), além de submetê-lo a certo ônus, constituído como sanção, não limitaria a investigação da medida de extensão de danos, aí sim, dirigida a uma eventual reparação. Apresentamos a contribuição de Thomas Ulen em sua leitura do contrato relacional:

    Muitas vezes, as relações de negócios duram anos. As condições mudam ao longo da vida da relação. As partes precisam reagir às condições inconstantes à medida que perseguem seus próprios interesses por meio da relação. Abrir espaço para as mudanças exige compreensões flexíveis, e não regras rígidas.²⁴

    Diga-se que, ainda que o senso comum nos remeta à compreensão da cláusula penal como disposição pecuniária, nada impede sua eleição em outras bases, como a das obrigações de fazer ou não fazer, também administráveis com objetivos puramente punitivos e vinculada à inexecução ao dever de confiança. Portanto, podemos verificar que o contrato relacional demanda que o compreendamos como instrumento pautado no ajuste de trocas, em certa medida imensuráveis e de longo prazo, amparado estruturalmente no dever de confiança entre os contratantes. Isto, para que eles possam administrar - de modo flexível e ajustável - as variáveis contempladas em seu clausulado como fenômenos cuja verificabilidade dependa de certos acontecimentos futuros, quer como recurso estratégico adotado para conferir a esperada flexibilidade ao modelo obrigacional instituído, quer por impossibilidade de sua verificação.


    16 Compõem a base de pesquisa e leitura os seguintes trabalhos produzidos nesta colenda Instituição de Ensino Superior: BRANCO, Luiz Carlos. Cláusula penal: o valor da cominação e a redução equitativa da pena. 2010. 156 folhas. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; KELETI, Daniel de Leão. Cláusula penal no código civil. 2007. 213 folhas. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; SILVA, Leonardo Di Cola N. Cláusula penal e o código civil de 2002. 2008. 146 folhas. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; BOULOS, Daniel Martins. O novo regime jurídico da cláusula penal: ensaio acerca da interpretação do artigo 413 do código civil. 2013. 149 folhas. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; TRUBILHANO, Fábio Souza. A cláusula penal e sua limitação no ordenamento jurídico brasileiro e no direito estrangeiro. 2010. 209 folhas. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; CASSETARI, Christiano. Cláusula penal: uma releitura de acordo com o novo direito civil que se constrói. 2007. 188 folhas. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

    17 FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 205.

    18 FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 206.

    19 FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 207.

    20 Notamos essa tendência nos escritos de Pontes de Miranda, pois o autor pondera que quando há o aparecimento de novos tipos contratuais devem ser aferidos nos regimes normativos já existentes quais elementos teriam afinidade com os seus padrões. Tal assertiva gera o risco de constituição de modelos tertium genus desapegados do plano dos fatos. São seus os comentários: Os negócios jurídicos entram em certas classes, mais ou menos rígidas, que são os tipos de negócios jurídicos. Se a prática – a vida, em sua explicitação de exigências econômicas, sociais ou jurídicas – cria tipos novos, esses tipos novos são criações do direito consuetudinário; de modo que à base deles estão regras jurídicas novas, que enriqueceram o seu objetivo. Se a prática – a vida, em suas combinações mais ou menos adequadas aos interesses de alguém, de algum momento, ou de algum comércio – apanha, aqui, o elemento de um tipo e, ali, o de outro, ou outros, criando espécies novas, nenhuma regra jurídica exsurge: o direito permanece tal qual ele é; apenas, em vez de se adotar um só tipo, se lança mão de dois ou mais, em uniões, ou em mistura. (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. t. 3. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 63). Neste sentido: BELLANTUONO, Giuseppe. I contratti incompleti nel diritto e nell´economia. Padova: Cedam, 2000, p. 8.

    21 MACEDO, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 180.

    22 LORENZETTI, Ricardo Luis. Esquema de una teoria sistemica del contrato. In: Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. vol. I. FACHIN, Luiz Edson, TEPEDINO, Gustavo (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011, p. 496-497.

    23 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos, teoria geral e contratos em espécie. vol. 4. 5. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 313-314.

    24 ULEN, Thomas; COOTER, Robert. Direito e Economia. Tradução

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