Project Finance no Brasil: Análise crítica e propostas de aperfeiçoamento
De Tomás Neiva
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Project Finance no Brasil - Tomás Neiva
Project Finance no Brasil
ANÁLISE CRÍTICA E PROPOSTAS DE APERFEIÇOAMENTO
2020
Tomás Neiva
PROJECT FINANCE NO BRASIL
ANÁLISE CRÍTICA E PROPOSTAS DE APERFEIÇOAMENTO
© Almedina, 2020
AUTOR: Tomás Neiva
PREPARAÇÃO E REVISÃO: Tereza Gouveia e Lyvia Felix
DIAGRAMAÇÃO: Almedina
DESIGN DE CAPA: Roberta Bassanetto
ISBN: 9786556270500
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Neiva, Tomás
Project finance no Brasil : análise crítica e propostas de aperfeiçoamento / Tomás Neiva. -São Paulo : Almedina, 2020.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5627-050-0
1. Contratos 2. Finanças - Brasil
3. Infraestrutura (Economia) 4. Projetos Financiamento
5. Projetos de desenvolvimento econômico
6. Projetos de desenvolvimento econômico Financiamento
7. Segurança jurídica I. Título.
20-38218 CDU-347.44(81)
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Project finance : Direito contratual 347.44(81)
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.
Agosto, 2020
EDITORA: Almedina Brasil
Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil
editora@almedina.com.br
www.almedina.com.br
Para Maria, Luísa e João, meus três tesouros.
PREFÁCIO
Este livro é fruto de cuidadoso trabalho de pesquisa e reflexão, desenvolvido no âmbito do curso do mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP), o qual tive a honra de orientar. O trabalho mereceu aprovação destacada da banca examinadora e assegurou a titulação do autor.
O texto apresenta a estrutura básica da operação de financiamento de projeto e suas múltiplas aplicações concretas, sobretudo no campo da infraestrutura pública. Chama atenção também para as disfuncionalidades do modelo praticado no Brasil, quando comparado com a experiência internacional.
A principal disfuncionalidade consiste na exigência, pelos financiadores, de garantias pessoais dos patrocinadores do projeto (ou acionistas da empresa financiada). A atitude defensiva retira muitas das vantagens da operação, a começar pela limitação do acesso somente a grandes grupos econômicos com capacidade financeira para fornecer as garantias corporativas demandadas. Além disso, contrasta com o modus operandi vigente em outros países, em que o financiamento é respaldado apenas pelas receitas e pelos ativos do projeto, sem possibilidade de recurso ao patrimônio dos patrocinadores.
O trabalho mostra ainda que a prática brasileira é prejudicial ao desenvolvimento do setor de infraestrutura e pode estar associada à posição historicamente monopolista do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na oferta de crédito para empreendimentos de longa maturação. Essa postura favorece o comodismo do financiador na estruturação e no monitoramento dos projetos financiados, notadamente na fase pré-operacional de construção (isto é, até o completion).
Na sequência, o autor apresenta soluções exitosas, adotadas na Espanha, no Peru e na Colômbia, que poderiam servir de inspiração para o aprimoramento do modelo nacional. Destaca também a mudança recente no cenário brasileiro, em que o mercado de capitais se tornou a alternativa preferencial de financiamento de projetos de infraestrutura, por meio da emissão de debêntures incentivadas. No entanto, a bancabilidade do projeto pressupõe que a modelagem contratual seja adequada, sobretudo no que se refere à matriz de riscos.
Nesses casos, as garantias outorgadas à coletividade dos debenturistas ficam restritas às receitas do projeto e às ações do capital da empresa concessionária financiada. O exemplo precursor foi a concessão rodoviária licitada em 2017 pelo governo do estado de São Paulo, tendo por objeto o lote Centro-Oeste Paulista. A licitação foi vencida pelo Grupo Pátria, que constitui a sociedade de propósito específico Entrevias para explorar a concessão. A Entrevias dispensou os recursos do BNDES e conseguiu captar cerca de R$ 1 bilhão com a emissão de debêntures subscritas por investidores institucionais, para financiar parte dos investimentos mandatórios da concessão.
A obra ora publicada é um bom exemplo do modelo de pesquisa adotado no mestrado profissional da FGV DIREITO SP, cuja tônica recai sobre o caráter aplicado do resultado da investigação. A utilidade prática é relevada pelo componente prescritivo, sob a forma de recomendações de conduta dirigidas aos operadores do Direito, ou de propostas de aprimoramento do marco legal e regulatório.
Para isso, o trabalho não pode se limitar a discutir uma questão conceitual ou um problema hermenêutico situado no plano puramente abstrato. Tampouco precisa explorar desavenças doutrinárias ou buscar avançar proposições teóricas. No fundo, o pesquisador se serve do referencial teórico-normativo disponível para resolver questões práticas, sem deixar de lado o senso crítico ou descurar da solidez da fundamentação jurídica das soluções propostas. O domínio da legislação aplicável, assim como dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais existentes, tem função instrumental e não deve ser encarado como objetivo maior do trabalho. Importa menos dar uma resposta com pretensões de verdade dogmática e, sim, mapear controvérsias jurídicas para identificar riscos e sugerir alternativas de mitigação.
Para dar conta disso, a pesquisa deve se preocupar inicialmente em conhecer e compreender o contexto fático, a partir de uma visão integrada e multidisciplinar da realidade, para então identificar estratégias de ação juridicamente embasadas. Essa postura transcende a dicotomia clássica entre lícito e ilícito que tem orientado a produção doutrinária na área jurídica. Não basta ao jurista moderno responder a questões sobre legalidade de condutas; ele também precisa formular juízos de equidade ou de conveniência, dentro da moldura legal previamente definida.
De outro lado, o saber jurídico não mais se amolda às fronteiras disciplinares tradicionais do Direito, que se tornaram artificiais em face da complexidade dos problemas atuais. Tampouco o Direito pode ser corretamente aplicado sem levar em conta a realidade concreta e as consequências práticas das soluções propostas. Para cumprir sua missão, tanto o pesquisador docente quanto o profissional militante devem ser capazes de transitar entre os vários ramos do Direito e manter diálogo com outras áreas afins do conhecimento.
É necessário ainda que o pesquisador utilize outras fontes de informação ou meios de consulta, como análise documental, banco de dados, entrevistas com atores relevantes e uso da própria experiência (desde que devidamente explicitada e qualificada). Daí resulta um trabalho de pesquisa que não se serve apenas de referências bibliográficas, nem se limita a reproduzir conhecimento doutrinário já publicado.
Neste livro, Tomás Neiva atingiu todos esses objetivos valendo-se, especialmente, da sua experiência trabalhando por vários anos com financiamento de projetos na Espanha. Espera-se, assim, que a sua obra proporcione ao leitor não apenas a aquisição de conhecimento qualificado e teoricamente robusto, mas sobretudo útil e diretamente aplicável à atividade profissional.
MARIO ENGLER PINTO JUNIOR
Professor e Coordenador do Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP)
LISTA DE ABREVIATURAS
ABDIB – Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base
ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
ANI – Agencia Nacional de Infraestructuras
Art. – Artigo
ARTESP – Agência de Transporte do Estado de São Paulo
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAF – Corporación Andina de Fomento
CCEAR – Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado
CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
CRPAO – Certificados de Reconocimiento de Derechos del Pago Anual por Obras
DR – Diferencia de Recaudo
ENTREVIAS – Entrevias Concessionária de Rodovias S.A.
EPC – Engineering, Procurement and Construction
ESA – Equity Support Agreements
FDN – Financiera de Desarrollo Nacional
FGIE – Fundo Garantidor de Infraestrutura
FGV – Fundação Getulio Vargas
FIAS – Foreign Investment Advisory Services
FMI – Fundo Monetário Internacional
ICO – Instituto de Crédito Oficial
IFC – International Finance Corporation
IFD – Instituições financeiras públicas de desenvolvimento
INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária
IPCA – Índice Nacional de Preço ao Consumidor
KPMG – KPMG Risk Advisory Services
MIGA – Multilateral Investment Guarantee Agency
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PIB – Produto Interno Bruto
PMI – Procedimento de Manifestação de Interesse
PPA – Power Purchase Agreements
PPI – Programa de Parcerias de Investimentos
PPP – Parcerias Público-Privadas
RPICAO – Remuneración por Inversiones según Certificado de Avance de Obra
SPE – Sociedade de Propósito Específico
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TCU – Tribunal de Contas da União
TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo
TLP – Taxa de Longo Prazo
UE – União Europeia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. CONTEXTUALIZAÇÃO FÁTICA DO PROJECT FINANCE
1.1. Traços distintivos
1.2. Exemplos de utilização
1.3. Principais vantagens e desvantagens
1.4. O modelo brasileiro de financiamento de projetos
2. CONTEXTUALIZAÇÃO JURÍDICA DO PROJECT FINANCE
2.1. Responsabilidade limitada dos patrocinadores
2.2. Auditoria do projeto
2.3. Arranjo contratual
2.3.1. Contratos destinados a assegurar o fluxo de caixa do projeto
2.3.2. Contratos operacionais
2.3.2.1. Contrato de construção
2.3.2.2. Contrato de fornecimento
2.3.2.3. Contrato de operação e manutenção
2.3.2.4. Apólices de seguro
2.3.3. Contratos financeiros e de garantias
2.3.3.1. Contratos financeiros
2.3.3.2. Contratos de garantias
3. ANÁLISE CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO DE FINANCIAMENTO DE PROJETOS
3.1. A exigência de garantia pessoal como disfunção do modelo brasileiro
3.2. Principais entraves jurídicos à adoção do project finance no brasil
3.2.1. Insegurança jurídica
3.2.2. Insuficiência de arranjos contratuais mitigadores dos riscos de construção
3.2.3. Limitação da análise e do acompanhamento do projeto pelos agentes financeiros
4. PROPOSTAS DE APERFEIÇOAMENTO
4.1. First-best: um pacto para dotar os projetos de infraestrutura de maior segurança jurídica
4.2. Second-best: alternativas enquanto o pacto não vem
4.2.1. Primeira proposição: atuação projeto por projeto, inspirada no Caso Entrevias
4.2.2. Segunda proposição: mitigação dos riscos de construção
4.2.2.1. Espanha: maior envolvimento dos agentes financeiros no projeto
4.2.2.2. Peru: securitização de recebíveis como forma de eliminação do risco de construção
4.2.2.3. Colômbia: atuação dos bancos de fomento como garantidores de riscos específicos do projeto
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O Brasil é um país carente em infraestruturas. O ranking de competitividade global divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em 2018 situa o Brasil na 81ª posição nesse quesito, entre 140 países avaliados, atrás de todos os demais membros do BRICS¹ e de muitos outros países de menor expressão econômica.²
Estudos apontam que o Brasil tem investido, em média, 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura, quando deveria despender pelo menos o dobro disso, por no mínimo 25 anos, para universalizar os serviços básicos à população.³ A China, por exemplo, investe 8% do PIB e a Índia 5%.⁴ Na prática, estima-se serem necessários R$ 8 trilhões ao longo de 20 anos.⁵
O project finance, método de financiamento que se fundamenta na capacidade do próprio projeto financiado de gerar os recursos necessários ao pagamento da dívida, pode exercer um papel fundamental neste contexto. De fato, em muitos países, tal método vem sendo utilizado como elemento propulsor do desenvolvimento, canalizando recursos provenientes de distintas fontes para o financiamento de projetos de infraestrutura.
A lógica é simples: projetos de qualidade, se bem estruturados, são autossustentáveis, podendo ser financiados com lastro nos seus próprios fluxos de caixa futuros, sem comprometer a capacidade patrimonial daqueles que os promovem.
Em que pese os benefícios do project finance, o modelo de financiamento de projetos vigente no Brasil apresenta algumas particularidades que o distinguem da prática internacional.
Em especial, dificilmente se verifica, no modelo brasileiro, financiamentos exclusiva ou preponderantemente lastreados nos fluxos de caixa futuros do projeto. Pelo contrário, é prática comum exigir dos patrocinadores dos projetos garantias pessoais, para cobrir a eventual insuficiência de receitas oriundas do próprio empreendimento financiado.
Partindo da constatação de que essa prática é uma disfunção do modelo brasileiro de financiamento de projetos, que o afasta da essência do project finance e da finalidade a que tal método se destina, a presente obra propõe-se a identificar os principais entraves jurídicos que dificultam