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Gritos e sussuros, interseções e ressonâncias – Volume 1: Trabalhando com casais
Gritos e sussuros, interseções e ressonâncias – Volume 1: Trabalhando com casais
Gritos e sussuros, interseções e ressonâncias – Volume 1: Trabalhando com casais
E-book359 páginas4 horas

Gritos e sussuros, interseções e ressonâncias – Volume 1: Trabalhando com casais

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Sobre este e-book

O Núcleo de Pesquisa, Estudos e Formação em Terapia Familiar e Casal (Sistemas Humanos) reuniu sua equipe e a experiência de 25 profissionais para apresentar uma reflexão sobre questões fundamentais das relações humanas que permeiam o cotidiano de todas as famílias e casais.

O desafio de viver um casamento criativo, a motivação de conhecer melhor como se forma um par amoroso, a curiosidade de perceber os modelos e as heranças de relacionamento que recebemos de nossas famílias de origem, ao lado da compreensão da transformação de valores sociais na sociedade contemporânea, os mitos que envolvem o lugar do homem e da mulher na constituição do par, a diferença de idade entre os cônjuges, são alguns dos temas abordados nesta obra.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de mai. de 2006
ISBN9786553741744
Gritos e sussuros, interseções e ressonâncias – Volume 1: Trabalhando com casais

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    Pré-visualização do livro

    Gritos e sussuros, interseções e ressonâncias – Volume 1 - Sandra Fedullo Colombo

    Agradecimentos

    Aos casais que dividiram conosco sua intimidade e nos ensinaram muito.

    Ao Sistemas Humanos que na passagem de seu quinto aniversário deu espaço para a realização desse projeto, reunindo a experiência de sua equipe a de colegas e amigos ao redor do tema casal.

    A Marcos Naime Pontes pelo estímulo especial e alegria com que abraçou essa idéia.

    A Elizabeth Polity pelas dicas importantíssimas para a publicação.

    A Luci Bernardes Caldeira e Graciette de Paula Góes que revisaram vários textos com uma acuidade que muito nos ajudou.

    A Carla Bragança por ter organizado e batalhado a chegada dos textos.

    A meus colegas e amigos que, apesar da sobrecarga de compromissos, embarcaram nessa viagem.

    A Emerson Furuya que com sua sensibilidade torna realidade meus sonhos gráficos.

    A Ivan Fedullo Schein, meu primogênito, que com sua seriedade me faz ir além.

    A Larissa Fedullo Schein, filha querida, que passou inúmeros fins de semana revisando e trabalhando comigo nos textos.

    E, de forma especial, a Elver Colombo, meu amor, com quem tive a oportunidade de casar e recasar várias vezes nesses 17 anos.

    Apresentação

    Esta coleção de artigos de 25 terapeutas de casal, escritos em linguagem leve, aberta, respeitando o estilo de cada autor, permite ao leitor, incluindo o leigo, sentir e avaliar no que uma terapia de casal poderia contribuir para um casamento em crise.

    Normalmente, os terapeutas recebem seus pacientes quando o casamento já está com sérios problemas, quando o casamento está, por assim dizer, doente, razão da palavra terapia.

    A maioria dos casais procura um terapeuta para consertar um casamento, como um mecânico conserta um carro avariado. Na minha opinião, porém, um terapeuta não deveria ser visto como um mecânico, alguém que conserta coisas, mas como um frentista de um posto de gasolina.

    Meu frentista sempre pede para verificar o óleo do meu carro, a pressão dos pneus, o óleo do freio e a água do radiador. Outro dia ele me avisou que meu extintor de incêndio não funcionava mais, algo que acontece com muitos casais.

    Nada do que meu frentista alerta é serio, mas são pequenas coisas que poderiam fazer o meu carro parar. Não significa que meu carro esteja doente; são simples ajustes de manutenção.

    Há quanto tempo seu casamento não passa por uma revisão? Há quanto tempo alguém, fora da família, perguntou-lhe se você trocou o óleo do seu casamento, se colocou água nas flores ou se verificou se o seu freio pessoal ainda funciona?

    Outro dia eu fiz um comentário bobo, que admito eu não deveria ter feito, mas eu disse em voz alta que estava pensando em trocar o carro por um mais novo. Não faça isto doutor, disse meu frentista, hoje não se fazem mais carros como este, e foi me explicando coisas do carro que nem eu sabia.

    Há coisas que você não pode comentar com o cônjuge ou com um amigo; não somos especialistas em casamento. As fábricas de automóveis não dão cursos sobre como tratar a preciosidade que você está comprando, nossas faculdades menos ainda.

    Quando você comprar o seu próximo carro, escolha bem o mecânico de confiança, um dia você vai precisar dele, e com certa urgência.

    Escute os conselhos de seus avós, tios e pais, pois eles têm experiências no casamento que valem a pena ser ouvidas. Converse com o diácono ou pastor da sua igreja, eles são um frentista e tanto. Isso tudo irá ajudá-lo a cuidar bem do motor de sua vida.

    Stephen Kanitz

    Prefácio

    A idéia de organizar um livro de autores brasileiros sobre Terapia de Casal vinha-me namorando e amadureceu no último ano, diante do meu desejo de comemorar os cinco anos de vida do Sistemas Humanos.

    Pareceu-me que nada seria melhor do que uma criação conjunta de nossa equipe, com alguns amigos especiais, sobre um tema tão complexo e mobilizador, que vem despertando tanto interesse entre os profissionais e demais segmentos da sociedade.

    Outro aspecto que atuou como estímulo foi o Ponto de Encontro, nosso espaço de estudos e trocas de experiências clínicas, ter optado por dedicar-se, durante o ano de 2005, ao tema casal. Esse grupo, que tenho o prazer de coordenar, ampliou, com seu interesse, meu foco de reflexão e influenciou meus passos na concretização dessa obra.

    Com essas duas forças atuando, convidei a equipe do Sistemas Humanos e alguns colegas, com os quais construí diversas parcerias ao longo dos anos e, em seguida, chamei o Ponto de Encontro para o desafio de escrever suas vivências como um grupo, dando espaço a tantas vozes.

    Nesse momento, apresento-lhes o produto final: os dois volumes de uma obra que, quando a idealizei, já tinha um nome: Gritos e sussurros: interseções e ressonâncias. Trabalhando com casais. O título é, por si só, uma extensa descrição do que penso e sou como terapeuta, sendo a primeira parte uma homenagem à sensibilidade de Ingmar Bergman, e a segunda, a meu grande amigo e mestre Mony Elkaïm.

    Os textos dos vários autores trazem um leque de reflexões sobre as interseções do terapeuta com os casais em atendimento, as construções socioculturais na formação do par, o referencial teórico que cada profissional desenvolve para dar conta de sua atuação, e a análise de situações críticas, em que o par e a próxima geração estão ameaçados. Assim, a construção e a desconstrução do casal, a infidelidade, o medo da intimidade, os mitos e as histórias que envolvem o casamento, os preconceitos sociais e transgeracionais, o sintoma em um dos cônjuges, a violência, o abandono, a gravidez precoce, o impacto da tecnologia na intimidade, a mediação em conflitos conjugais são temas tratados que se entrelaçam à discussão, que vários autores trazem, sobre o desafio de o terapeuta necessitar desenvolver-se como pessoa e como profissional, para construir, no encontro com esses universos, um espaço reflexivo e gerador de novas possibilidades.

    Convido-os a mergulhar nos textos, sempre lembrando que a riqueza da vida está nas relações afetivas, nas ressonâncias despertadas e nos tons avermelhados de nossas entranhas.

    Bergman e Elkaïm com os colegas autores são nossos inspiradores nessa caminhada.

    Sandra Fedullo Colombo

    Gritos e sussurros: trabalhando com casais

    Sandra Fedullo Colombo

    Meu convite, neste trabalho, é mergulharmos no desafio fascinante de trabalhar com casais em situação de crise. Por que desafio? Acredito que o processo terapêutico com casais exige do terapeuta flexibilidade, capacidade de continência, acolhimento e placidez muito especiais.

    É o lugar que, do meu ponto de vista, está mais sujeito a seduções, tomadas de partido, exercício dos papéis de advogado e juiz, a possibilidade de ser engolido por experiências existenciais acordadas naquele contexto triangular. Um lugar de muito risco para o terapeuta e, portanto, para o sistema terapêutico.

    Trabalho terapeuticamente com casais há 36 anos; há 25 anos participo da formação de outros terapeutas, por meio de grupos de estudos e interlocução clínica; e há 16 anos participo de institutos de formação de terapeutas de casal e família, sendo que em 2000, eu e alguns colegas fundamos o Sistemas Humanos – Núcleo de Estudos e Prática Sistêmica: Família, Indivíduo, Grupo.

    Conto todo o percurso, talvez com o desejo de que meus colegas possam acompanhar-me na crença de que o aspecto mais desafiador, na formação desse profissional, seja o desenvolvimento da pessoa do terapeuta: o trabalho com sua história, suas crenças, seus preconceitos, sua flexibilidade diante das diferenças, seus modelos de homem e mulher, sua relação com o poder, sua tolerância às situações de agressividade, suas condições para atravessar disputas sem rapidamente definir o certo e o errado, sua capacidade de ampliar momentos afuniladores de confronto, sua condição de, no meio dos ruídos, conseguir construir um foco, sua possibilidade de suportar não agradar, de ser excluído, de não fazer parte do par, de construir parceria com o casal, e não com o marido ou a mulher, excluindo um dos cônjuges, enfim, ser tocado em todos os aspectos de sua história de pertencer e de ser excluído, sem perder seu lugar de construtor de contextos reflexivos, que possam mobilizar transformação das histórias vividas. Será que os terapeutas, ao trabalharem com famílias ou indivíduos, não estão expostos a esses desafios? Penso que sim, mas em minha experiência clínica e com meus colegas e alunos em formação, tenho observado que as maiores angústias e perdas do lugar de terapeuta costumam acontecer na relação com casais em crise, o que me tem feito pensar que o sentimento de estar dividido entre dois partidos em oposição desperta fantasmas relacionados aos sentimentos antigos do jogo entre pertencimento e exclusão, das lealdades divididas, das disputas de poder.

    Com quem converso ao trabalhar com casais

    Meu modelo de trabalho se baseia no desenvolvimento da pessoa do terapeuta e nos recursos que ele poderá oferecer como mobilizador da construção de contextos propícios ao desenvolvimento de conversas geradoras de reflexões, sentido e significados e assim de construção de alternativas de vida.

    Os casais (e famílias) chegam acuados em uma determinada construção da realidade, afunilados em seus recursos, com sua caixa de ferramentas trancada, em uma versão absoluta do seu sofrimento. Suas narrativas estão construídas com base nos seus recursos presentes empobrecidos, suas possibilidades futuras serão construídas fora desse discurso oficial saturado, das narrativas dominantes, como denomina White e Epston (1993). O processo criativo, nessa situação, encontra-se engessado aguardando a oportunidade da construção de um contexto gerador de novos significados e sentido para nascerem lugares alternativos para as pessoas em suas relações e histórias.

    Aproximo-me de Spink e Medrado (2004, p. 41), quando afirma que:

    O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações historicamente datadas, e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos à sua volta.

    Penso também, assim como esses autores, que dar sentido ao mundo é uma força poderosa e inevitável na vida em sociedade. O lugar do terapeuta, como o concebemos, é extremamente complexo: trabalha na interseção dos mundos de todas as pessoas envolvidas naquela interação, com suas crenças, vivências, histórias e como acrescentam Spink e Medrado (2004, p. 269), nas quais:

    As interpretações das situações são subjetivas, auto-referentes, mas, ao serem compartilhadas e gerarem sentidos compartilhados, podem transformar-se em construções consensuais, gerar versões diferentes, competir entre si, ou coexistir.

    Isso permite um espaço oxigenado, em que novas construções relacionais podem nascer. Enfatizo, como Tom Andersen (1994), em suas considerações sobre as conseqüências das palavras, ele, o aspecto de que, ao falarmos, somos afetados pelo que dizemos e afetamos os outros que nos estão ouvindo. Quero lembrar, nesse momento, o conceito de enunciado trazido por Bakhtin (apud SPINK; MEDRADO, 2004), que me parece um auxílio interessante, quando pensamos sobre o que é construído no diálogo de um casal (ou entre pessoas em geral). Esses autores nos chamam a atenção para o fato de que o diálogo é construído por uma sucessão de enunciados, que estão encadeados em outros enunciados vindos do passado e lançados para o futuro, o que para nós, terapeutas de casal, significa que o que está sendo comunicado está inserido em uma história de vida individual (daquele que está enunciando) e numa história de casal (daqueles que estão envolvidos). É ingênuo, portanto, pensar naquela comunicação de forma linear e com conteúdos claramente explicitados, esquecendo-se do contexto e da história daquela relação. Sabemos também que um enunciado termina quando o outro interlocutor inicia o seu novo enunciado, que está, como dissemos antes, encadeado com os anteriores e com os que o sucederão. Percebemos assim, como os autores sinalizam, que o diálogo é feito de enunciações que são respostas sucessivas às anteriores e antevêem as futuras. Dessa forma, mostram que sempre são dirigidas a alguém e sempre falam não só do objeto a que se referem, mas também de quem as formula. (Viva a descoberta da auto-referência como condição inerente da situação humana, libertando-nos do esforço inglório do exercício da objetividade que nos leva a disputas sem fim sobre quem tem razão, quem está certo, etc.) Essas observações, que nos parecem óbvias, são de extrema ajuda no processo terapêutico com casais em que a polarização de posições e de verdades é mais facilmente exacerbada. Não podemos nos esquecer também de que cada momento do diálogo (cada enunciação) apresenta uma unidade de sentido, e é justamente nesse encadeamento que trabalharemos, ampliando os espaços, construindo lugares para surgirem novos elementos da história individual e relacional, perturbando os passos de uma coreografia automatizada pelos legados passados e previsões saturadas sobre o futuro.

    Todos que trabalham com casal falam do cansaço de ouvir as mesmas histórias e como existem palavras mágicas, que desencadeiam seqüências inteiras de reprimendas, mágoas, agressões. Nosso desafio como terapeutas é fazer diferença nessa dança cotidiana de dor e saturação de recursos que o casal nos traz. Como construir uma coreografia com novas seqüências relacionais nas quais os recursos individuais e daquela relação possam ser utilizados?

    Sabemos, como disse anteriormente, que os enunciados formam elos de uma corrente de outros enunciados, organizados de forma complexa, fazendo parte de um sistema de comunicação que não inicia naquele momento, mas que constrói um posicionamento da pessoa com um interlocutor num determinado momento histórico, portanto, a coreografia de cada casal vem do passado, projeta-se e constrói o futuro, é circular e constitui a bagagem que cada um oferece para a viagem a dois e para a construção do par.

    Quero lembrar também, o conceito de repertórios interpretativos trazido por Spink e Medrado (2004), numa releitura de Potter e Mulkay, quando chamam a atenção para o conjunto de possibilidades de construções discursivas que cada pessoa traz para uma relação, representado por sua história de vida, seu momento histórico e contexto onde está inserido, construindo a tarefa cotidiana de dar sentido ao nosso mundo partilhado.

    Trabalhar no nível da produção de sentidos implica retomar também a linha da história, de modo a entender a construção social dos conceitos que utilizamos no metier cotidiano de dar sentido ao mundo. (SPINK; MEDRADO, 2004, p. 49).

    Esses dois conceitos parecem extremamente interessantes para o nosso trabalho terapêutico ao chamar nossa atenção para a bagagem que cada pessoa traz para a relação, com seus modelos relacionais, experiências, visão de mundo, lugar que ocupa em sua história e lugar que oferece ao outro em sua história. Todos esses ingredientes constituem o repertório interpretativo que cada um de nós traz para a relação e que se concretiza nos enunciados da conversação com os quais construímos nosso lugar e o lugar do outro em nossas histórias. Dessa maneira nos damos conta da circularidade nas relações, da autoreferência em nossas possibilidades e da responsabilidade individual em cada seqüência relacional.

    Citei anteriormente Tom Andersen (1994) e quero aprofundar-me um pouco na construção do espaço terapêutico como um lugar privilegiado para nos conectarmos com as diferentes vozes existentes dentro de nós (terapeutas e clientes) e as diversas vozes externas a nós (de todos os participantes do encontro) numa dança dialógica, em que o respeito à existência de cada um e à dos outros será o ponto mais importante para a geração de espaços de conversação. Esse cuidado na escuta das próprias vozes internas, nomeando os seus sentimentos, suas emoções e suas memórias, é essencial para que seja possível, ao conectar-se consigo mesmo, posicionar-se perante o outro e negociar outros espaços relacionais. O diálogo com as vozes internas concomitante ao diálogo com as vozes externas nos espaços interacionais permitirá a construção de um contexto reflexivo.

    O aspecto mais difícil na te3rapia de casal, em minha percepção, é a extrema distância de cada um de suas próprias vozes internas, atribuindo ao outro, aspectos com que ainda não consegue entrar em contato, e depositando assim no outro a resolução de seus conflitos de individuação.

    Quanto mais construirmos contextos reflexivos sobre o si mesmo e suas relações, mais geraremos espaços para os casais abrirem a bagagem que trouxeram para o casamento, aquela que os ajuda a construir sua história relacional e suas escolhas amorosas.

    A noção performática da linguagem, como nos aponta Bakhtin (apud SPINK; MEDRADO, 2004), parece interessantíssima para nosso trabalho, pois enfatiza a posição de que a palavra não é ingênua, ela constrói seqüências comunicacionais, gera emoções, afeta quem fala e quem ouve, posiciona cada um dos envolvidos perante a si mesmo, o outro e à relação. Portanto, entendemos que a linguagem é ação e produz conseqüências.

    Assim, quando estamos falando, estamos agindo por meio de perguntas, justificativas, acusações, declarações, etc., estamos nos posicionando com nossos interlocutores. O poder de construir contextos relacionais é de responsabilidade de todas as pessoas envolvidas naquela relação, concepção que transforma inteiramente a compreensão da coreografia de dor de um casal. Pensamos que, quando o casal transforma as premissas da conversação em que está envolvido, gerando novo sentido para sua história, abandona o problema que definia como tal, gerador de seus impasses e dor.

    Essa transformação ocorre a partir de uma mudança na complementariedade entre o casal que Elkaïm (1989) denomina duplo vínculo recíproco Penso que essa construção mútua do real, em que as histórias de construção do mundo de cada um estão protegidas pelo outro reciprocamente, é o processo no qual penetramos ao trabalhar com casais.

    Quais são os desafios do terapeuta?

    Voltando ao que falei anteriormente, o terapeuta está presente com sua singularidade e suas histórias de construção de mundo e participará dessa coreografia, podendo trazer novos passos ou confirmando a complementariedade protetora da dança do casal e não fazendo dessa forma uma diferença nessa responsabilidade de serem co-construtores dos contextos relacionais geradores de novas alternativas.

    A transformação, como disseram Keneth Gergen e Sheila MacNamee (1998), é fruto de uma interação social, portanto inteiramente relacional, construída a partir de um conjunto de coordenações entre as pessoas. Incluo o terapeuta e sua construção de mundo nessas coordenações e enfatizo que o fechamento das alternativas relacionais também é construído a partir das redes relacionais.

    Voltando a Elkaïm, lembro-me da liberdade clínica que gerou as primeiras conversas com ele sobre alguns dos meus atendimentos, em Buenos Aires, quando pude, com desenvoltura, apropriar-me dos conceitos de auto-referência, ressonância e interseção. A leitura posterior de seu livro, Si me amas no me ames (ELKAÏM, 1989), me fez dar um salto clínico no atendimento de casais, quando pude nomear várias percepções que ainda habitavam meu campo da intuição.

    A percepção de que trabalhamos no território dos encontros iluminados na interseção das ressonâncias ofereceu um lugar no encontro terapêutico, no meu entender, mais criativo e libertador para o terapeuta e seus clientes. A ênfase de que o casal se encontra a partir de suas construções de mundo e com elas (modelos, preconceitos, valores, dores, memórias, heranças transgeracionais, padrões culturais), tudo construído e permeado pela linguagem, de que seu repertório para gerar alternativas para as histórias de vida pode estar comprometido em repetir caminhos e lealdades familiares, gera um espaço despatologizante para descrever-se o que está acontecendo na vida do casal. Abre-se um lugar de responsabilidade mútua para a compreensão do processo vivido.

    Coloco novamente o terapeuta nessa coreografia como um ser humano que se prepara para poder perceber melhor seus valores, modelos e preconceitos (pré-conceito como diria Gianfranco Cecchin, 1994) e utilizá-los naquele encontro, não como o especialista que diagnostica e prescreve o melhor caminho como em um modelo médico, mas como co-responsável na geração de um contexto reflexivo mobilizador de alternativas para a construção de outras histórias de vida.

    O que era vivido como fora da responsabilidade relacional do casal, não construído nas suas interações, não sendo uma construção mútua da realidade, e sim como culpa do outro, ou destino, tem oportunidade de ser recontado e revivido com a dimensão da co-autoria e da co-construção.

    Volto ao encanto pelo processo de escuta, enfatizado por Andersen (1994), quando ele nos convida a ouvir as palavras com extrema atenção, porque elas vêm de uma busca, que reflete várias distinções que o nosso interlocutor quer nos comunicar e a importância que o ato de ser testemunha exerce para a pessoa que é ouvida. Penso na dimensão ideológica do encontro terapêutico, quando é baseado na construção de laços relacionais, horizontais, que mobilizam espaços reflexivos. A reflexão é estimulada a partir da palavra e da escuta, eu e o outro, legitimados na nossa singularidade.

    Deparei-me com um pensamento de Braudel, lendo Spink e Medrado (2004, p. 50) que deu forma aos meus sentimentos em vários momentos do encontro terapêutico com casais:

    Cada atualidade reúne movimentos de origem e de ritmo diferentes: o tempo de hoje data simultaneamente de ontem, de anteontem, de outrora... o presente e o passado esclarecem-se mutuamente, com uma luz recíproca.

    O desafio da terapia de casal é construir um contexto de laços de conexão, legitimando a singularidade dos participantes, ouvindo todas as vozes internas e externas presentes naquele momento, acordadas por histórias às vezes antigas, construindo-se novos pontos de conexão, novos laços e interações, em que a existência do outro em interação comigo possa ser respeitada e em que esses diferentes tempos que foram acordados possam ser recontados a partir de novos sentidos.

    Falo como um espaço no qual nós, terapeutas, vamos co-construir e testemunhar o surgimento de alternativas de conexão naquele par, seja para negociarem um projeto de vida em comum, ou um projeto de vida separados. A escuta respeitosa forma laços de conexão que contêm a possibilidade de ouvir as distinções que o outro comunica em seu enunciado e é elemento fundamental para que os posicionamentos se construam dentro de uma filosofia horizontal, ultrapassando a luta pelo poder, dando oportunidade ao casal para fazer mais uma distinção: ficar junto ou se separar.

    Insisto novamente no aspecto da escuta das várias vozes internas que o terapeuta, como facilitador e colaborador, necessita favorecer, pois nos casais, em muitos momentos, surge o que Andersen chama de vozes obcecadas; Michael White chama de discursos saturados. Penso que essas vozes paradoxalmente têm uma função protetora à coreografia conhecida do casal (Mony Elkaïm assinala proteção das construções de mundo) e que levam, acredito, ao estrangulamento da construção de alternativas.

    Ao favorecer o aparecimento de outras vozes que não são dominantes, portanto não fazem parte do discurso oficial

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