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A escola e o adolescente em conflito com a lei: identidades em metamorfose em contexto de violações de direitos
A escola e o adolescente em conflito com a lei: identidades em metamorfose em contexto de violações de direitos
A escola e o adolescente em conflito com a lei: identidades em metamorfose em contexto de violações de direitos
E-book247 páginas3 horas

A escola e o adolescente em conflito com a lei: identidades em metamorfose em contexto de violações de direitos

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Sobre este e-book

Amparado nos pressupostos teórico-metodológicos da psicologia histórico-cultural, este livro busca compreender a construção da identidade de adolescentes autores de atos infracionais e o papel da escola nesse processo. Fruto de uma pesquisa de mestrado pelo Programa de Educação em Educação da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", os discursos dos adolescentes analisados no livro demonstram que a escola é um lugar, para maioria deles, de reposição de identidade estigmatizada, que sintetiza, antes do ato infracional, na figura do aluno problema e após o ato na figura de aluno infrator. Outras possibilidades de identidades com sentido emancipador lhes são, muitas vezes, negadas. Isso demonstra, portanto, o importante papel mediador da escola na constituição da identidade dos adolescentes autores de atos infracionais, tanto no sentido de repor identidades estigmatizadas por meio de preconceitos e estigmas como de possibilitar identidades emancipadoras, de maneira a transformar e ressignificar suas trajetórias escolares.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de nov. de 2024
ISBN9786527048800
A escola e o adolescente em conflito com a lei: identidades em metamorfose em contexto de violações de direitos

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    Pré-visualização do livro

    A escola e o adolescente em conflito com a lei - Priscila Carla Cardoso

    1

    O Adolescente e o Ato Infracional

    1.1 Adolescência Na Perspectiva Sociohistórica

    Diante das diferentes terminologias para se referir ao público estudado, faz-se necessário, antes mesmo de iniciar qualquer discussão sobre o tema adolescência, definir qual conceituação se utilizará nesta pesquisa. Segundo Dayrell e Carrano (2014), tanto o conceito de juventude como de adolescência são historicamente construídos, sendo que suas denotações e delimitações dependem do processo histórico e social em que estão inseridos. Para os autores a designação juventude tende a ser mais utilizada pela Antropologia e Sociologia, e acaba por centralizar a discussão nas relações que tais sujeitos estabelecem em suas formações sociais. Já o termo adolescência é mais utilizado pela psicologia, que acaba por estudar o sujeito de forma mais particularizada e os seus processos de transformação, entretanto, com diferentes possibilidades de conceituação, dada a diversidade de perspectivas teóricas presentes nesta área de conhecimento. Diante disso, optou-se pela utilização do termo adolescência nesta pesquisa, por se tratar de uma discussão que perpassa áreas do conhecimento da psicologia e da educação.

    Desde o século XX, o tema adolescência tem sido estudado por diversas áreas do conhecimento e pela psicologia com a finalidade de melhor entender o indivíduo em desenvolvimento. Stanley Hall, psicólogo e educador norte-americano, foi um dos precursores na conceituação sobre adolescência. Em sua obra Adolescence: Its Psychologyand Its Relation to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion, and Education (1904), definiu-a como uma fase da vida marcada por dificuldades naturais, ou seja, um período de transição e de turbulência, o que, segundo o autor, explicaria o sofrimento psicológico e a tensão que sofrem os adolescentes (Hall, 2000). Mas foi Erikson (1976) o grande responsável pela institucionalização da adolescência como um período de moratória, compreendendo-a como uma fase de confusão de papéis, de transição entre a vida infantil e a vida adulta, permeada por desequilíbrios e instabilidades. Entendendo dessa forma, a adolescência passou a ser vista como um modo de vida entre a infância e a idade adulta (Ozella, 2002).

    Na América Latina e principalmente no Brasil, foi a teoria da Síndrome da Adolescência Normal, de Aberastury e Knobel, que ganhou mais adeptos. Defendem a naturalização do desenvolvimento humano e elencam alguns comportamentos, classificando-os como normais e inerentes à adolescência, são eles: tendência grupal; a necessidade de intelectualizar e fantasiar; crises religiosas; desestruturação temporal; a evolução sexual desde o autoerotismo até a heterossexualidade; atitude social reivindicatória; contradições sucessivas em todas as manifestações; separação progressiva dos pais; constante flutuação do humor e do estado de ânimo (Knobel, 1992). Vale ressaltar que, nessa perspectiva, a ausência de tais comportamentos seria o sinal de uma adolescência anormal, tendo a teoria, portanto, como finalidade dizer o que é ou não normal em um determinado período da vida.

    Para Ozella (2002), embora Aberastury e Knobel (1981) afirmem que toda adolescência possui a marca do meio cultural e histórico, a teoria acaba por naturalizar algo que é construído socialmente ao afirmar a existência de uma crise essencial na adolescência, ou seja, as relações sociais aparecem apenas como interferência, e não como constituintes do ser humano. Assim, é apresentada como uma fase carregada de conflitos naturais, sendo, portanto, naturalmente difícil. Não é incomum, por exemplo, que a adolescência seja tomada como um período em que naturalmente o indivíduo se torna chato, difícil de lidar e que está sempre criando confusões (Frota, 2007).

    Nessa construção teórica, o homem é dotado de uma natureza herdada pela espécie, de forma que, ao se desenvolver, atualiza características que já fazem parte do ser humano, que por sua vez são decorrentes da maturação biológica. Sendo assim, acredita-se que a adolescência é uma fase do desenvolvimento que ocorre naturalmente, ficando o estudo da gênese do fenômeno renegado, dando destaque apenas para a descrição das características tidas como naturais e decorrentes do desenvolvimento e do crescimento (Bock, 2004). Logo, trata-se de uma tentativa da psicologia tradicional em explicar todas as características dos adolescentes, inclusive as psicológicas, principalmente pelo viés biológico.

    Entretanto, alguns autores que também assumem essa postura e têm como ponto de partida a adolescência como algo universal acrescentam aspectos importantes a serem mencionados. Debesse (1946), por exemplo, defendeu a existência de uma essência adolescente. Para o autor a adolescência não deve ser vista meramente como uma fase de transição entre a infância e a vida adulta, pois há em seu bojo um modo de funcionamento característico do psiquismo. Tanto é assim que Debesse (1946, p. 15) afirma:

    erro pensar que a juventude muda conforme as épocas ... acreditar que ela se identifica com sucessivos vestuários de empréstimo e que cada geração tem sua juventude é uma ilusão de moralista amador e apressado ... por detrás do aspecto da juventude existe a juventude eterna, notavelmente idêntica a si própria no decurso dos séculos.

    Já Osório (1992), embora também entenda a adolescência como um período dotado de características universais, traz algumas ressalvas ao afirmar que a crise da adolescência é algo característico da classe mais favorecida, sendo aqueles menos favorecidos impossibilitados de vivê-la, uma vez que precisam se preocupar com questões relacionadas à sobrevivência. No entanto se contradiz ao afirmar que mesmo em condições de vida extremamente precárias, desde que asseguradas as necessidades básicas de alimentação e agasalho, há a sequência dos eventos psicodinâmicos que configuram a adolescência e a crise de identidade.

    Nota-se, portanto, que embora haja diferenciações nas teorias anteriormente apresentadas, há algo em comum em todas elas: a compreensão de que a crise da adolescência é algo normal e inevitável. É decorrente dessa concepção que o adolescente muitas vezes acaba por assumir o lugar social daquele que ainda não chegou a ser, ou mesmo, daquele que não sabe o que quer. Ainda que haja ponderações importantes por parte de alguns autores que consideram as diferenças entre os sujeitos e os grupos sociais em que estão inseridos, bem como a sua história de formação de personalidade, a inevitabilidade da crise sugerida acaba por naturalizar um fenômeno que é histórico-social, sendo assim decorrente do modelo de sociedade vigente (Fonseca, 2008).

    Isso significa dizer que, apesar de algumas tentativas de superação da dicotomização (inato X adquirido; universal X particular; racional X emocional), a concepção naturalizante, abstrata e patologizante tornou-se predominante tanto para a cultura ocidental como para profissionais de diversas áreas do conhecimento, principalmente da psicologia. Sobre isso, Ozella (2003, p. 19) afirma: esta concepção ficou indelevelmente impregnada na definição dos adolescentes por livros, teorias, a mídia, profissionais das áreas das Ciências Humanas, e incorporada pela população e pelos próprios adolescentes.

    Contudo, é preciso entender que a utilização e a manutenção dessa perspectiva universalista e naturalizante não é por acaso. O entendimento da adolescência como um período naturalmente conflituoso e de crise cumpre o papel ideológico de escamotear a realidade, as contradições e as verdadeiras mediações que constituem esse fenômeno que é histórico-cultural (Ozella; Aguiar, 2008). Ao supor a universalidade dos conflitos, pressupõe-se a existência de uma igualdade de oportunidades entre todos os adolescentes, ou seja, ocultando e legitimando as desigualdades inerentes ao sistema capitalista – culpabilizando o indivíduo por todo e qualquer fracasso (Bock, 1997). Isso significa que a universalidade traz em seu bojo a ideia de evolução natural do ser humano, sem levar em consideração as condições concretas da sua existência. Porém, como bem colocado por Frota (2007), os aspectos fisiológicos não são suficientes para se pensar o que seja adolescência. É nesse sentido que defende que as características naturais desse período da vida só podem ser compreendidas quando vista a partir da história que as geraram. Assim se fala de adolescentes pertencentes a um determinado grupo social, a uma condição de vida concreta, e não de uma adolescência universal.

    Por esse motivo, Bock (2004; 2007), Leal (2010), Mascagna (2009), Ozella (2003), Ozella e Aguiar (2008), Tomio (2007) fazem a crítica a essa concepção e propõem revisitar o conceito, levando em consideração seu aspecto sócio-histórico, que busque superar a visão naturalizante, patologizante e, sobretudo a visão de homem autônomo, livre e capaz de se autodeterminar difundido pela ideologia liberal. Para tanto, apoiam-se na perspectiva sócio-histórica, vertente da psicologia que tem sua origem em estudos de Vigotski, Luria e Leontiev, que entende a adolescência como uma idade de transição que implica em mudanças qualitativas de interesses. Diferentemente de outros autores, Vigotski (2006, p. 22) afirma que as necessidades e os interesses não devem ser vistos de forma isolada, já que são processos dinâmicos e se estabelecem numa relação dialética, dentro de um contexto histórico-cultural:

    [...] habíamos dicho que para entender correctamente el núcleo fundamental de las necesidades biológicas, del que parte el desarrollo de los intereses em la edad de transición, es imprescindible tomar cuenta da naturaleza histórica de la atracción humana, la forma histórica del amor sexual entre los seres humanos.

    Logo, para Vigotski (2006) os interesses humanos não são adquiridos e sim desenvolvidos socioculturalmente. É por isso que faz a crítica às teorias estruturalistas que não levam em consideração as mudanças da natureza humana ao longo do desenvolvimento histórico-cultural, muito menos o caráter histórico das novas formações que o autor vai denominar de interesses.

    Nessa perspectiva a adolescência é, portanto, um período marcado pelo movimento de crise e síntese, decorrente da vivência do indivíduo e de suas mudanças biológicas. A crise, por sua vez, é entendida por Vigotski (2006) como um movimento em que o ser humano tem o pensamento em si e qualitativamente vai se modificando ao desenvolver o pensamento para si, ou seja, o adolescente toma consciência de si e transforma seu comportamento para si. Há então o desenvolvimento da autoconsciência, levando-o à autonomia, ou seja, tudo aquilo que era exterior ao sujeito – convicções, concepções de mundo, normas éticas, entre outros – passa a ser interior, porque o adolescente, devido ao seu desenvolvimento social e biológico, é confrontado com a tarefa de dominar novos conteúdos que o impulsionam ao desenvolvimento de novas formas de pensamento. Esse processo se dá sempre numa relação dialética entre consciência e atividade, como bem colocado por Vigotski (2006, p. 64):

    El nuevo contenido al plantearle al pensamiento del adolescente toda una serie de tareas, le impulsa a nuevas formas de actividad, nuevas formas de combinación de las funciones elementares, a nuevos modos de pensamiento. Como veremos más adelante es precisamente em la edad de transición cuando el nuevo contenido crea, por si mismo, nuevas formas de conducta [...]

    Deste modo é notório que a ideia de crise é totalmente diferente daquela difundida pela concepção da psicologia tradicional. Aqui a crise é tida como um salto qualitativo no desenvolvimento do indivíduo, ao contrário da ideia mencionada anteriormente por outros autores, em que a crise está associada a momentos de conflitos, sendo vista predominantemente pelo viés negativo. De maneira oposta, para Vigotski (2006) são momentos de extrema importância, já que há transformações qualitativas nas necessidades, nos interesses e no modo de desenvolvimento do pensamento. Quando se fala em desenvolvimento qualitativo do pensamento, o autor está pressupondo que a incorporação do novo conteúdo não ocorre de forma mecânica ao pensamento do adolescente, mas há um longo e complexo processo de desenvolvimento que ocorre por meio da participação ativa e criativa do adolescente nas diversas esferas do meio cultural em que vive.

    É por esse motivo que o autor defende que a característica principal da adolescência não é a confusão de papéis e/ou identidade, mas sim o desenvolvimento qualitativo nas funções psicológicas e a marca pessoal que os atos psíquicos adquirem. Isso significa dizer que cada sujeito vivenciará esse período de uma maneira, dependendo da forma como se relacionou com o meio social, como se desenvolveram seus interesses, suas necessidades e como significou as próprias mudanças biológicas em sua história de vida. Sendo assim, a adolescência deve ser compreendida como um momento de um processo em construção, e por isso não há interesse em estudá-la em si, mas como foi construída historicamente.

    Deste modo, é imprescindível levar em consideração a história de vida do sujeito, que faz parte de um determinado grupo social e de uma cultura, com a qual mantém uma relação dialética, ou seja, transforma o ambiente ao mesmo tempo em que é transformado por ele. É nesse contexto que Aguiar, Bock e Ozella (2001) defendem que toda reflexão sobre adolescência deve ser orientada pelo seu processo histórico. Isso porque só é possível compreendê-la a partir de sua inserção na totalidade em que ela foi produzida, pois apenas dessa forma há convicção de que não está se referindo a condições sociais que influenciam, facilitam e/ou dificultam o desenvolvimento de determinadas características desse período, mas sim das determinações sociais constitutivas da adolescência.

    Para esses autores a adolescência é vista como um momento significado e interpretado pelo homem (Ozella, 2002). Tanto é assim que Aguiar, Bock e Ozella (2001, p. 168) definem-na como uma construção social:

    [...] o jovem não é algo por natureza. Como parceiro social, está ali, com suas características, que são interpretadas nessas relações; tem, então, o modelo para sua construção pessoal. Construídas as significações sociais, os jovens têm a referência para a construção de sua identidade e os elementos para a conversão do social em individual.

    Entendendo desta forma, não há como reduzir a adolescência a um processo meramente natural, sem considerar o caráter histórico e social. Entretanto, mesmo que haja um equívoco, por parte dos cientistas biologistas, ao considerar o adolescente apenas um ser biológico, não se deve desconsiderar a importância da materialidade biológica no desenvolvimento humano, uma vez que o caráter histórico e social do psiquismo se estrutura a partir da base biológica, e qualquer teoria que não leve isso em consideração não há como ser reconhecida cientificamente. O que há é uma superação do corpo meramente biológico para aquele construído de forma sócio-histórica. Nas palavras de Anjos (2013, p. 17):

    Portanto, a evolução biológica não está paralisada, nem a espécie humana cristalizou-se a partir de sua vida em sociedade. O que ocorreu foi que as leis biológicas e as características determinantes do desenvolvimento humano pautadas na hereditariedade não são mais as forças motrizes do desenvolvimento humano, pois cederam lugar às leis sócio-históricas.

    Assim, embora haja o reconhecimento de um corpo que se desenvolve e que tem suas características próprias, isso não tem relação direta com a produção da subjetividade humana, uma vez que as características fisiológicas aparecem, mas sua significação acontece no âmbito do social (Ozella; Aguiar, 2008). Um exemplo que deixa isso claro é dado por Bock (2004) no que se refere aos seios nas meninas. Segundo a autora atualmente o desenvolvimento dos seios, que acontece na fase da adolescência, não é visto pelas meninas como uma possibilidade de amamentar no futuro – sua função natural – e sim como um meio de tornarem-se mais sensuais, o que demonstra o significado social atribuído, nesse momento histórico, para uma característica desenvolvida biologicamente. Há uma significação por parte do ser humano dos fatos que surgem nas relações sociais, ou seja, o homem define conceitos para representar os acontecimentos que vão desde marcas corporais até novas formas de vida decorrentes de condições econômicas e

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