American folk music revival
O American folk music revival foi um fenômeno nos Estados Unidos na década de 1950 até meados da década de 1960. O festival apresentou estilos musicais que tinham, em tempos atrás, contribuído para o desenvolvimento da música country, jazz e rock and roll.
O revival da música folk começa a se estruturar a partir da década de 1930 e segue até o final da década de 1960,[1] "revivendo" as músicas tradicionais e adicionando as de protesto, significando-as num contexto social e político. Durante esse período, a música folk foi associada a uma política progressista; na primeira fase à "Velha Esquerda" e ao movimento sindicalista, nas vozes de artistas como Woody Guthrie e Pete Seeger. A primeira e a segunda fase do revival são separadas por uma forte onda conservadora e anti-comunista (centralizada no Macartismo) no final da década de 1940 até a metade da década de 1950 que perseguiu e colocou na lista-negra muitos artistas envolvidos com a política e os movimentos sociais da época. No final dos anos 1950, floresce a cena dos cafés nas cidades, embalada por um novo público universitário e logo abraçada pela indústria musical que coloca o folk nas paradas musicais. Grande parte do público e dos artistas envolvidos já se identificava com as pautas políticas da "Nova Esquerda" e nesse cenário ressurgem hinos de protesto e novos compositores engajados que rapidamente estabelecem uma ligação direta entre a música e o ativismo.
A música folk
editarA música folk, historicamente, acompanhou as mudanças das sociedade onde esteve inserida, onde floresceu e transformou-se até sua forma atual. Ronald Cohen define o folk como "a música do povo, abertamente construída"[2].
A partir desse modelo original, o folk sofreu mudanças, períodos de popularidade e de esquecimento, mas nunca se resumiu a somente um estilo musical. A balada é a forma mais conhecida, uma canção que conta uma história, escrita numa estrutura narrativa (DONALDSON, 2011, p. 20). Oriundas de um passado remoto, sem autor conhecido, ou mais recentes e com origens traçadas a uma folha impressa (printed sheet ou broadside ballad), comuns a partir do século XVI, de autores que comentavam os acontecimentos da época, as baladas foram a forma mais popular na história da música folk[2].
A tradição musical estadunidense é fruto de profundas influências britânicas que aportam no “Novo Mundo” com os imigrantes. As canções e baladas são transportadas completamente através do oceano ou transformaram-se em versões estadunidenses adaptadas[2]. No novo continente, as baladas mais populares foram as românticas e trágicas, algumas preservadas até o século XX, como Mary Hamilton e Barbara Allen, identificadas no repertório dos cantores folk do período estudado. Além disso, canções de trabalho e de protesto são particulares da experiência dos escravizados e dos trabalhadores livres (rurais e industriais) ao longo da história estadunidense.
O estudo da música folk, à parte da divulgação do revival e suas fases, se inicia a partir do século XIX, com o trabalho de colecionadores tanto na Europa como nos Estados Unidos. Na década de 1940, o estudo acadêmico do folk já está consolidado, recebendo financiamento governamental e espaço de publicação para as antologias de grandes colecionadores. James Child cataloga um extenso número de baladas da Inglaterra e Escócia entre 1882 e 1898, muitas das quais são conhecidas somente pelo número de catalogação atribuída por ele. Outros colecionadores fizeram trabalho de campo no século XX, gravando e catalogando canções e baladas. Cecil Sharp nos Apalaches na década de 1910, John e o filho Alan Lomax nas prisões do sul profundo dos Estados Unidos durante a década de 1930 foram alguns dos outros acadêmicos que fizeram esse trabalho. No norte dos EUA, era senso comum que o sul preservava uma cultura alternativa, intocada, em oposição ao crescente modernismo da cidade e da fábrica[3].
Folk Revival Estadunidense: o encontro entre o tradicional e o novo
editarA primeira fase do revival se inicia a partir da disseminação popular da música folk através de gravações, com músicas tiradas de seu contexto tradicional e comercialmente repaginadas para o público[3]. Embora as duas fases do revival sejam fenômenos nacionais, o locus da atividade comercial e organizativa esteve predominantemente na Costa Leste, nas cidades do Norte e do Sul. John Lomax acreditava no poder social da música folk como mudança, porém o público geral pouco considerava seu significado político, apenas apreciava as melodias simples, histórias diretas e as vozes familiares[2]. A partir da década de 1930, a Velha Esquerda, considerando uma tradição musical já conhecida do público, busca se apropriar da música folk, baladas e outras canções, almejando forjar uma ideologia política esquerdista com uma raiz popular.
A primeira fase do revival
editarO revival dessa primeira fase seria parte de uma política cultural da esquerda, buscando trazer à tona a cultura “real” dos Estados Unidos[4], um estilo de vida “puro” que não existe mais[1]. A difusão de músicas de trabalho e de protesto oriundas do sul era feita por colecionadores, publicistas e artistas, criando a ideia de uma cultura proletária comum muito presente nas décadas de 1930 e 1940[4]. A música folk era instrumento de propaganda, baseada na relação compositor/artista/público dentro das associações e sindicatos, embora artistas como Pete Seeger aspirassem construir um movimento mais organizado. Tanto músicas tradicionais (baladas e músicas de protesto do sul) quanto novas canções fizeram parte desse período, com destaque para alguns artistas que atingiram um público mais amplo e não estavam envolvidos com uma política partidária, mas com um repertório que corroborava com a agenda comunista da época[3].
A fusão da política radical e da música do sul resultou em grupos como os Almanacs Singers (1940 - 1943), que iniciam a construção de um movimento musical que advoga uma postura anti-guerra, anti-racismo e pró-sindicatos, ligado a uma aliança política entre liberais e esquerdistas (o Partido Comunista incluso) que colocava a música como veículo de mudança social, embora com alcance limitado. O surgimento da associação People’s Songs, em 1946, expande os limites da proposta dos Almanacs e emerge buscando difundir e promover músicas de trabalho (labor songs) e o “povo americano”. Servindo de agência para cantores por todo os EUA e ligada ao Partido Comunista por alguns de seus organizadores, a popularidade da People’s Songs e de grupos relacionados, como o The Weavers, nas rádios e em gravações, ganhou a indesejada atenção do House of Un-American Activities Comittee[3].
O Comitê fazia parte do red scare (perseguição ao comunismo) que varreu a política e a sociedade estadunidense no final da década de 1940, personificada na figura do senador McCarthy. Além dos impactos na política institucional, o Comitê perseguiu e colocou na lista-negra muitos dos artistas (atores, diretores, cantores) envolvidos com uma política orientada à esquerda sob o rótulo de “comunistas” e “anti-americanos”, em relação ao antagonismo frente à União Soviética. A caça coloca muitos artistas fora do circuito nacional de divulgação entre o final de 1940 até a metade da década de 1950, forçando uma ruptura no revival logo após um curto período de sucesso comercial.
Em 1967, o músico Pete Seeger refletiu sobre os motivos que levaram à ainda recente segunda fase do revival[5].:
- Após o término da Segunda Guerra Mundial, haveria uma busca pelas raízes e heranças culturais estadunidenses, expressa na valorização da tradição folk.
- Segundo, o crescimento de atividades solo como tocar guitarra e outros instrumentos colocou as pessoas em contato com a música de uma forma mais subjetiva e pessoal.
- A riqueza cultural dos Estados Unidos, preservada pelos colecionadores e a distância temporal dos pioneiros da música folk, o que possibilitaria adaptações e transformações sem uma cobrança de fidelidade integral à tradição, também seriam motivos para um novo renascimento da música folk, mesmo num período de conservadorismo
Seeger, músico ativo durante as duas fases do revival, notoriamente envolvido com movimentos sociais e perseguido pela política Macartista, não cita a principal razão que transforma essas atividades solo e interesses pessoais em movimento nacional, a contracultura. A década de 1950 é marcada por um anti-intelectualismo, um desafio às autoridades acadêmicas[6] que se une a uma contracultura que se desenvolve a partir da metade de 1950, especialmente no bairro boêmio do Greenwich Village, em Nova Iorque, centrada no jazz moderno, na arte abstrata e na literatura Beat.[3] Outro reduto dessa contracultura são os campi universitários, onde o espaço é propício para a crítica à conformidade da classe média e para a efervescência cultural que se torna símbolo dessa geração.
A segunda fase do revival
editarA segunda fase do revival floresce no mesmo cenário, bairros boêmios das cidades do Leste dos Estados Unidos e cidades universitárias, nas vozes de artistas locais e viajantes com um repertório músicas tradicionais. Ao final de 1957 já se pode falar de uma infraestrutura folk nacional, com cafés e clubes específicos em cidades como Chicago, Los Angeles, Philadelphia e São Francisco, além de programas de rádio voltados para a música folk em Nova Iorque, Chicago e São Francisco.[3] Em contraposição a um período conservador e consolidando-se na cena musical local e regional, o folk ia na direção oposta da massificação.
A busca por autenticidade e originalidade longe do comercialismo constituem o ideário de muitos artistas e entusiastas da segunda fase do revival, embora a mídia e a perspectiva do sucesso comercial fossem uma previsão que se concretizaria com o reconhecimento do potencial do crescente mercado jovem e universitário.[3] Diferente da primeira fase, que cresceu continuamente e teve um colapso com a chegada do sucesso comercial, a segunda fase só ganhou notoriedade a partir do boom comercial de um trio de havaianos distantes de qualquer instituição da Velha Esquerda.[4] O marco nacional do revival se dá com o grupo Kingston Trio em 1958 e seu sucesso "Tom Dooley", uma balada que conta a história do personagem que dá nome à canção, julgado e condenado à forca em 1867 por matar à facadas uma mulher.
Paralelo a isso, cafés e festivais de música popularizam-se ao redor do país. Os festivais, seja em universidades ou organizados de forma independente, tornam-se uma sensação. O mais conhecido, o Newport Folk Festival, reuniu durante o auge do revival os artistas mais proeminentes como Pete Seeger, Peter, Paul and Mary e, ao mesmo tempo, artistas locais e do sul dos Estados Unidos para um público universitário, o principal ouvinte da música folk, que identificava-se com a mensagem de reunião de tipos e gêneros musicais.[7]
Referências
- ↑ a b DE TURK, D. A., POULIN, A. (1967). The American folk scene; dimensions of the folksong revival. Nova Iorque: Dell Pub. Co.
- ↑ a b c d COHEN, Ronald D. (2006). Folk Music: the basics. Nova Iorque: Routledge
- ↑ a b c d e f g COHEN, Ronald D. (2002). Rainbow Quest: the folk music revival and American society, 1940-1970. Amherst: University of Massachusetts Press
- ↑ a b c EYERMAN, Ron., BARRETTA, Scott. (ago 1996). «From the 30s to the 60s: The Folk Music Revival in the United States» (PDF). Theory and Society, v. 25, n. 4
- ↑ SEEGER, Pete. (1967). Why Folk Music? In: DE TURK, D. A., POULIN, A (Org.). The American folk scene; dimensions of the folksong revival. Nova Iorque: Dell Pub. Co.
- ↑ HADJU, David. (2001). Positively 4th Street: the lives and times of Joan Baez, Bob Dylan, Mimi Baez Fariña and Richard Fariña. Nova Iorque: North Point Press
- ↑ COHEN, Ronald D (2008). A history of folk music festivals in the United States: feasts of musical celebration. Lanham: Scarecrow Press