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Maués

etnia indígena brasileira
 Nota: Este artigo é sobre um povo nativo do Brasil. Para o município, veja Maués (Amazonas).

Maués ou mawés é uma etnia indígena da Amazónia, também conhecida por sateré-maué, sateré-mawé, maooz, mabué, mangués, manguês, jaquezes, maguases, mahués, magnués, mauris, maraguá, mahué e magueses. Falam a língua sateré-maué, integrante única da família linguística de mesmo nome, pertencente ao tronco tupi.

Sateré-maué
Criança indígena do povo sateré-maué, com seu animal de estimação
População total

16.312 (Siasi/Sesai, 2020)[1]

Regiões com população significativa
 Brasil (AM, PA) 16.312
Línguas
Língua sateré-maué e português
Religiões

Etimologia

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Segundo algumas fontes, o nome da tribo seria uma junção das palavras sateré, que significaria "lagarta de fogo", e mawé, que significaria "papagaio inteligente e curioso".[2] Por outro lado, um estudo conduzido por professores da Universidade Federal do Amazonas indica que os índios reconhecem o nome "Sateré-Mawé", mas que o termo "Mawé" seria desconhecido por eles, e não significaria papagaio. Um índio entrevistado afirmou que a palavra era usada pelos brancos que não gostavam dos índios, e derivaria de "mau é".[3]

História

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É possível que, no século XVII, os Sateré-Mawé ocupassem vastos territórios do planalto e das margens do rio Tapajós. Com o avanço colonial, migraram na direção das cabeceiras dos rios Andirá, Araticum, Abacaxis e Urariá. Nos registros históricos, foram citados por Pedro Teixeira, em 1626; pelos jesuítas João Maria, em 1661, e Samuel Fritz, em 1691; e pelo beneditino João de São José, entre 1762 e 1763. Em 1669 os jesuítas instalaram a Missão Tupinambarana nos limites do território desse povo.

Os registros coloniais e provinciais também qualificam de sedentários os Sateré-Mawé, que se teriam aproveitado das terras pretas, solos férteis apropriados ao plantio, e, desde os primeiros anos do século XVIII, comercializado o guaraná com os portugueses, além de objetos como enfeites de plumas.[4] Por seu vasto e estabelecido comércio do guaraná constam no célebre mapa do padre Samuel Fritz, em 1691, sendo identificados como "mabués".[5]

Os Sateré-Mawé conseguiram sobreviver melhor ao processo colonial, conservando inclusive a sua língua, ao contrário dos outros vizinhos de predominâncias nômades e muito mais agressivos - entre eles os Mundurucu, os Pirahan ou Mura e os Cauahib ou Parintintin que estiveram próximos da extinção.[6]

A partir do contato com os brancos, e mesmo antes disso, devido às guerras com os Munduruku e Parintintim, o território ancestral dos Sateré-Mawé foi sensivelmente reduzido. Em 1835, eclodiu a Cabanagem na Amazônia, principal insurreição nativista do Brasil. Os Munduruku e Mawé (dos rios Tapajós e Madeira) e os Mura (do rio Madeira), bem como grupos indígenas do rio Negro, aderiram aos cabanos e só se renderam em 1839. Epidemias e perseguição aos grupos indígenas que com eles combatiam, deslocaram esses grupos dos seus territórios tradicionais, reduzindo-os.[7]

Relações com os colonizadores

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Os maués jamais se afeiçoaram aos portugueses. Comandaram às suas mulheres que não aprendessem a língua portuguesa. A principal prova dessa resistência a Carta Instrutiva que aos diretores das capitanias do Pará e do Rio Negro, datada de 3 de outubro de 1769, mandou o governador Fernando da Costa de Ataíde Teive, nesses resumidos termos:

"Ao cabo da canoa dará V. Mcê ordens em meu nome no acto da partida pa. o Sertão, de não entrar em rio aonde conste qe. se poderá encontrar com Índios da Nação Manguês, porq. tendo mostrado a experiência que esses miseráveis homens resistem as praticas que se lhe fizer, para caírem das trevas do paganismo, pela introdução das ferramentas, e outros gêneros que vão comerciar com elles; he necessário reduzi-los a necessidade, para delles tiremos os fructos de os descer, quando se virem preconizados, o q. ha de certamente vir a succeder, vendose destituídos do socorro que lhe aqui inconsideradamente lhes tem levado...".

Participaram ativamente da Cabanagem, de 1835 a 1840. Sob o comando do tuxaua Manuel Marques, atacaram Luzéa, matando os trinta soldados do destacamento militar e os moradores portugueses do lugarejo, transformando a vila em reduto cabano. O tuxaua Crispim Leão liderou os ataques a Andirá e Tupinambarana.

No começo do século XX, fomentados pelas expedições dos seringueiros de Itaituba, aderiram e colaboraram, irrestritamente, com as forças militares do Estado do Amazonas, em 1916, no conflito armado travado contra o Estado do Pará, por conta de velha questão de limites entre essas duas unidades da federação.

Mito de criação

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Dentre muitas narrativas de criação, o escritor e educador Yaguarê Yamã descreve a história de um ente sobrenatural feminino da floresta chamada Anhyã-muasawyp, que estava exilada de seu jardim, o Nusóken, por seus dois irmãos, por ter gerado seu filho Karahu'ê de uma cobrinha-macho.[8] Uma vez, para provar da castanha que havia apenas no Nusóken, o filho de Anhyã-muasawyp entrou escondido no jardim e foi direto para a castanheira. Lá, porém, estava a cotia, que recebera ordens de matar o garoto caso ele aparecesse. Quando a cotia o viu, obedeceu às ordens e matou o garoto, decapitando-o. Quando Anhyã-muasawyp encontrou o filho, chorou alto, dizendo:

Está bem meu filho, foram seus tios que o mandaram matar. Mas se eles pensam que, matando, irão acabar com sua existência, estão muito enganados; irão ver que a sua morte se transformará em bênção e pelo seu destino, um fraco não hás de ficar. [9]

A mãe voou com o corpo do filho para a região do rio Marau. Lá, arrancou o olho esquerdo do garoto e o plantou em terras amarelas, onde nasceu o waraná-hop, o falso guaraná, chamado também de caferana. Depois, arrancou o olho direito e o plantou em terras pretas, no oeste do Nusóken, e desse olho nasceu a planta do guaraná, chamado de waraná-sesé.

Depois disso, a mãe fez magia no corpo do filho antes de o sepultar. Por isso, da sepultura do filho saíram muitos animais, que se espalharam na floresta. Finalmente, saiu da sepultura o primeiro homem, renascido de Karahu'ê, chamado Mary-Aypók, que significa “homem verdadeiro”. Depois saiu outro menino, o Wasary-pót. O primeiro casou-se com um papagaio, e o segundo, com uma ararapiranga. Desses casamentos surgiram os mawés.

Percebe-se que a origem do fruto do guaraná oriundo dos olhos do ente sobrenatural possui uma relação clara de semelhança, já que o fruto do guaraná se assemelha a um globo ocular.

Na cosmologia mítica dos maués, assim como na de muitos outros povos indígenas, as fronteiras entre o divino, o animal, o vegetal e o humano são mínimas e se interpenetram, de tal modo que a identidade humana se dilui nesses outros seres. Não há uma diferença radical, essencial e, portanto, existencial entre a humanidade, o animal, o vegetal e o sobrenatural, afinal, “a transformação só é exequível porque há algo em comum entre o ser e o objeto, animal ou planta em que um ser será transformado”.[10]

Produção de guaraná

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História

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Os maués foram os inventores da cultura do guaraná, chamado de waranã em seu idioma. Foram eles que transformaram a trepadeira silvestre em arbusto cultivado, com o plantio e o beneficiamento dos frutos. A primeira descrição do guaraná data de 1669, o mesmo ano em que houve o contato com o homem branco. O padre João Felipe Betendorf escreveu que "tem os Andirazes em seus matos uma frutinha que chamam guaraná, a qual secam e depois pisam, fazendo dela umas bolas, que estimam como os brancos o seu ouro, e desfeitas com uma pedrinha, com que as vão roçando, e em uma cuia de água bebida, dá tão grandes forças, que indo os índios à caça, um dia até o outro não têm fome, além do que faz urinar, tira febres e dores de cabeça e cãibras".[11]

O uso desse fruto é considerado fonte de saúde e está ligado à terra cultivável, como é possível ver no discurso do tuxaua sateré-maué Manuel, em 1933: "O guaraná é bom para fazer chover, para proteger a roça, para curar doenças e prevenir outras, para vencer a guerra, no amor, quando dois rivais pretendem a mesma mulher".[3]

O relato mítico da origem do guaraná, que possui diversas versões, explicita, fortemente, a relação com a terra cultivável como o melhor caminho para a cura das doenças:

Onhiámuáçabe era dona do Noçoquém, um lugar encantado, onde plantara uma castanheira, e os irmãos não queriam que ela casasse porque conhecia os remédios para todas as doenças. Quando apareceu grávida, os irmãos ficaram furiosos e como vingança a expulsaram e tomaram-lhe o Noçoquém. Para garantir o castigo, ordenaram que a cutia impedisse a entrada dela. Desobedecendo as ordens, Onhiámuáçabe levou o filho para comer castanha no Noçoquém. O menino gostou e voltou lá muitas vezes. Os irmãos enfurecidos ordenaram que matassem a criança. Onhiámuáçabe, ao perceber a falta do filho, correu em direção ao Noçoquém e o encontrou decapitado. Chorando e falando com o filho como se estivesse vivo disse: tu serás a maior força da natureza, tu farás bem aos homens, tu curarás as doenças.[12][13][14]

 
Plantação de guaraná.

Cultivo do guaraná

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O cultivo do guaraná se inicia entre novembro e dezembro, quando começa o tempo das chuvas, com o preparo das mudas (chamadas de "filhos de guaraná"). Os agricultores escolhem nas matas os "filhos de guaraná" que tenham no mínimo um ano e no máximo quatro e os transportam para perto de suas casas, onde os plantam em grupos de dois, cruzadas em X, permitindo que as mudas apoiem-se uma na outra durante a época de crescimento. Essas mudas só se tornarão produtivas de dois a três anos após o transplante. O trabalho de recolher os "filhos de guaraná" na floresta, preparar as mudas, derrubar e queimar a mata, e transplantar as mudas é essencialmente masculino.

A floração do guaraná se dá de julho a setembro; os guaranazais começam a frutificar três meses depois do início da floração e os frutos reagem bem à umidade. Em outubro/novembro tem início o fabrico, ciclo produtivo de processamento do guaraná, que tem como produto final os chamados pães de guaraná, que são bastões desidratados da fruta. As atividades mais simples do fabrico - que não dependem de tanta arte e experiência - são feitas por mãos de variadas idades. Mas, quando se trata de tarefas mais especializadas, apenas os adultos e os idosos lidam com o waraná.[7]

Çapó

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O çapó, guaraná em bastão ralado na água, é a bebida cotidiana, ritual e religiosa, consumida por adultos e crianças em grandes quantidades. Fora das sessões cerimoniais de çapó, ele é utilizado nos resguardos das mulheres, durante a menstruação, a gravidez, o pós-parto e o luto. Os homens bebem çapó durante o regime que antecede a “Festa da Tucandeira”, bem como quando estão se recuperando deste ritual e quando acompanham suas esposas após o nascimento dos filhos.[15]

O çapó é preparado pela mulher do anfitrião ou uma de suas filhas. Rala-se o guaraná numa pedra que cabe na palma da mão, ou, mais recentemente, numa língua de pirarucu. Esta operação é feita com a bola ou o bastão de guaraná molhados, em fricção com a superfície da pedra ou da língua de pirarucu, formando uma espécie de uma “lama” fina de guaraná que vai sendo dissolvida com água dentro de uma cuia. A cuia quando não está no colo da fazedora do çapó, ou quando não está passando de mão em mão, permanece apoiada em um suporte confeccionado com cipó chamado patawi.

Quando a mulher que está preparando o çapó verifica que chegou a quantidade correta de guaraná ralado diluído na água, passa a cuia para seu marido, que primeiramente se serve de um pouco do çapó, para então passar para os presentes, entregando a cuia em primeiro lugar para os mais velhos ou para visitantes ilustres. Daí em diante, a cuia passa de mão em mão, e quando esvaziada é entregue para o dono da casa, que por sua vez devolve à esposa que prepara uma nova rodada de çapó. As sessões de çapó têm várias rodadas, ou seja, a mulher do dono da casa irá preparar várias cuias de çapó conforme a disposição dos visitantes e familiares de tomarem çapó e conversarem.

Caso algum participante da sessão de çapó não goste da bebida não irá recusá-la, bebendo apenas um pequeno gole e passando adiante. Outra formalidade importante é que a ultima pessoa da rodada de çapó não deve devolver a cuia vazia para o dono da casa, sempre deixando um pouquinho de çapó.[7]

Organização da indústria do guaraná

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Nas décadas de 1970 e 1980, o CTI (Centro de Trabalho Indigenista) e os produtores de guaraná do rio Marau idealizaram o “Projeto Sateré”, voltado para limpeza dos guaranazais improdutivos, para organização da comercialização dos pães de guaraná, priorizando a pesquisa de melhores preços para o produto no mercado regional, para que, gradativamente, os produtores se distanciassem dos regatões, iniciando um processo de independência econômica. Naquela época, verificou-se que a grande oscilação dos preços do guaraná inviabilizava a auto-sustentação do projeto.[7]

O “Projeto Sateré” foi o embrião para o processo de organização política e comercial que se daria década de 1990, buscando no mercado internacional valor agregado à altura do copyright do waraná sésse (guaraná verdadeiro), possibilitando canalizar a produção de guaraná para importação, no âmbito do comércio justo. Em 1995 surge o “Projeto Waraná”, voltado para a autonomia econômica dos produtores Sateré-Mawé. O “Projeto Waraná” desenvolve-se desde então, contando com o apoio do CGTSM (Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé), órgão máximo da etnia, fundado em 1989, que “é a expressão política da união das nações ywania (clãs), e é o instrumento social de gestão do território Sateré-Mawé, constituído pela Terra Indígena Andirá-Marau”, na acepção dos próprios Sateré-Mawé.[16]

Em 2009, nasce o CPSM (Consórcio dos Produtores Sateré-Mawé) em assembleia presidida pelo tuxaua Colombo Miquiles, protagonista da luta para resgatar a cultura do waranã na década de 1980. Desde então, foram cadastrados em torno de 500 produtores, que participam do mercado internacional de “comercio justo e solidário”.[17]

Cultura

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Os Sateré-Mawé possuem rica cultura material, sendo os tessumi sua maior expressão. Eles designam por tessumi o artesanato confeccionado pelos homens com talos e folhas de caranã, arumã e outros, com os quais fazem peneiras, cestos, tipitis, abanos, bolsas, chapéus, paredes e coberturas de casas.

O Porantim é a peça mais importante da cultura material Sateré-Mawé, sendo um elemento catalizador da sua cosmologia. É uma peça de madeira com aproximadamente 1,50m de altura, com desenhos geométricos gravados em baixo relevo, recobertos com tinta branca, a tabatinga. Sua forma lembra a de uma clava de guerra ou a de um remo. Segundo a tradição, esse remo foi feito pelas mãos do tuxaua (chefe da tribo) e pajé Uaçiri-Pót, passando de geração em geração. Assim, morto um tuxaua, a peça passava automaticamente para as mãos do sucessor. Uaçiri-Pót foi um pajé poderoso, o qual prendeu a temida Mãe da Doença utilizando esconjuros, sopros, gestos mágicos e escrita sobre a areia. [18]

Outra versão do mito diz que o primeiro Porantim foi talhado por Anumáh que, ouvindo a fala do waraná foi escrevendo as tradições dos Sateré-Mawé. Nas leituras do Porantim realizadas pelo Tuxáua Manoelzinho Miquiles, na época das invasões da Elf-Aquitaine, o tuxaua contava que em tempos imemoriais Wassiri (ou Anumáh, ou Anumarah’it, nomes diferentes dados para o herói mítico, que se confunde com Deus) guerreou com os veados, e, sempre mudando de nome e utilizando diferentes estratégias e feitiços, conseguiu tomar a arma do clã dos veados – o Porantim.[7]

O Porantim em si é marcado por símbolos: círculos, discos, pontos, losangos, uma espécie de pré-escrita que funciona como “gatilho” para o narrador relatar os mitos inscritos em cada face da peça: de um lado está o mito da origem (a “História do Guaraná”, o aparecimento dos clãs), e de outro lado o mito da guerra (histórias das guerras de tempos imemoriais, gênese da “Festa do Tucandeira”, relato épico da Guerra da Cabanagem). Posiciona-se, portanto, para a sociedade que o talhou, como instituição máxima, aglutinando as esferas política, jurídica e mágico-religiosa. De acordo com Nunes Pereira, os símbolos do Porantim "têm valor mnemônico, isto é, de preservação da memória da tribo, da História dos Maué, da sua mitologia e da sua tradição".[19][12]

Cerimônia da tucandeira (rito de iniciação)

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Jovem prestes a passar pela cerimônia wyamat.

A cerimônia wyamat, que os Sateré-Mawé referem-se como “meter a mão na luva”, é conhecido regionalmente como “Festa da Tucandeira”, coincidindo com a época do fabrico. Trata-se de um rito de passagem - onde os adolescentes tornam-se homens - de extraordinária importância para os Sateré-Mawé, possuindo uma coleção de cantos épicos que os paini (cantadores) cantam durante todo o ritual, narrando o mito de origem, o mito do aparecimento dos clãs, as histórias das guerras que incluem a participação dos Sateré-Mawé na Guerra da Cabanagem. As luvas utilizadas durante este ritual são tecidas em palha pintada com jenipapo, e adornadas com penas de arara e gavião; nelas, o iniciado enfia a mão para ser ferroado por dezenas de formigas tucandeiras.[20]

História recente

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Conflito com a Elf-Aquitaine

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Em agosto de 1981, resguardada por um contrato firmado com a Petrobras, a empresa estatal francesa Elf-Aquitaine invadiu o território Sateré-Maué, efetuando um levantamento sismográfico que visava descobrir lençois petrolíferos. Para tanto, abriu 200km de picadas e clareiras para pouso de helicópteros na região do rio Andirá. As explosões com cargas de dinamite enterradas nas picadas perturbou o cotidiano dos Sateré, além de afugentar a caça da região. Um antropólogo de Funai avaliou os prejuízos causados em cinquenta milhões de cruzeiros, mas a Elf pagou aos Sateré apenas cinco milhões.[21]

Em setembro de 1982, após um convênio ilegalmente firmado entre a Funai e a Petrobras, a mesma empresa voltou a invadir o território Sateré, por meio das empresas subsidiárias Braselfa e CBG (Companhia Brasileira de Geofísica). Nesta segunda invasão, foram abertos mais 144km de picadas e 82 clareiras, destruindo roças de mandioca, guaranazais e derrubando madeiras de lei. Os prejuízos foram avaliados pelos Sateré em oitenta milhões de cruzeiros, sendo que a Elf pagou-lhes apenas oito milhões e seiscentos mil.[22]

Os tuxauas gerais estiveram duas vezes na Embaixada da França em Brasília para dialogar com o embaixador e pedir que providências fossem tomadas. O embaixador não só não os recebeu, como mandou que os seguranças os expulsassem.[23]

Em outubro de 1983, a antropóloga francesa Simone Dreyfus-Gamelon visitou a área Sateré-Maué acompanhada pelos tuxauas gerais dos rios Marau (tuxaua Emílio) e Andirá (tuxaua Donato). Este grupo realizou uma perícia dos danos causados pelas invasões e elaborou um relatório apresentando o cálculo da indenização justa pelos prejuízos materiais. Este cálculo considerou a área total de mata derrubada, segundo o próprio mapa de trabalho da Braselfa. Simone Dreyfus-Gamelon entrou, em abril de 1984, um relatório sobre a questão Elf/Sateré-Maué para os diretores da Elf em Paris. O montante orçado foi de 320 milhões de cruzeiros.[24]

Em 18 de junho de 1984, Didier Aubin, diretor geral da Braselfa, marcou uma reunião com a participação de todos os tuxauas Sateré, de seus advogados, do CTI (Centro de Trabalho Indígena), do presidente da Funai, Jurandir Fonseca, do deputado Mário Juruna e representantes da Elf, CBG e Petrobras. As partes envolvidas não chegaram a nenhum acordo porque a Elf se recusou a pagar os 320 milhões de indenização, propondo a quantidade 50 milhões a título de doação. O advogado Dalmo Dallari comunicou a Aubin que os tuxauas não tinham vindo de suas aldeias para pedir esmolas ou donativos. A indenização exigida era de 320 milhões e, como se a Elf se recusava a pagar, ela seria cobrada judicialmente.[25]

Em agosto de 1984 os indígenas aceitaram uma proposta de 150 milhões de indenização, que foi paga pela Elf no dia 21 de agosto.[22]

Presença em Manaus

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Na periferia urbana de Manaus, existem quatro comunidades sateré-maué: Y'Apryrehyt, Maué, I'nhã-bé e Waikiru. Os índios em geral tem muita dificuldade em arranjar um emprego, e quando conseguem, trabalham como carregadores braçais, vendedores ambulantes de artesanato e doces regionais, ou como pedreiros na construção civil.

A maior parte da renda da comunidade comunidade Y'Apryrehyt, onde vivem 67 pessoas, vem do turismo. Muitas pessoas visitam a aldeia, interessadas em conhecer mais sobre o ritual da tucandeira ou comprar artesanatos. Assim, o ritual passou a ter caráter turístico, com valores estéticos e coreografias, mas ao mesmo tempo voltado para a sobrevivência dos índios.

A alimentação é baseada em farinha de mandioca, peixe, banana-pacová verde, feijão e arroz, comprados em quiosques próximos à aldeia, no conjunto residencial Santos Dumont.[3]

Lendas e tradições

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  • Origem da Noite.
  • História da Pedra ou da Aliança entre os Maués.
  • A criação do Mundo.
  • Lenda do Timbó.
  • Lenda da Primeira Água.
  • História da Mandioca.
  • História da Mucura e do Acurau.
  • Origem dos Bichos.
  • História do Guaraná.

Vocabulário

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Coligido por Teófilo Tiuba no Posto Indígena do Rio Andirá, no Estado do Amazonas:[26]

Maués e português
Ihot'ok Bom dia
Heika'at Boa tarde
wantym Boa noite
Mahyt Cachaça
Miú Comida
yaman Chuva
wu'uka Brigar
iwato Grande
kurim Pequeno
āt Sol
waty Lua
ikap Gordo
ikag Magro
Ihaigni'a Homem
waku Bom
waku sese Bom demais

Referências

  1. «Instituto Socioambiental». Consultado em 25 de outubro de 2024 
  2. «Ministério da Justiça - Sateré-Mawé». Consultado em 13 de fevereiro de 2013. Arquivado do original em 7 de janeiro de 2014 
  3. a b c João Bosco Botelho; Valéria Augusta C.M. Weigel. «Comunidade sateré-mawé Y'Apyrehyt: ritual e saúde na periferia urbana de Manaus». Consultado em 13 de fevereiro de 2013 
  4. Menéndez, Miguel (1992). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. p. 281-296 
  5. Chauca, Roberto (31 de dezembro de 2020). «Técnica, teoria e práxis na cartografia da Amazônia de Samuel Fritz». Terra Brasilis. Revista da Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica (14). ISSN 1519-1265. doi:10.4000/terrabrasilis.7556. Consultado em 26 de outubro de 2024 
  6. Gondim, Joaquim (1938). Etnografia indígena. [S.l.]: Ed. Fortaleza 
  7. a b c d e Lorenz, Sônia da Silva. «Sateré Mawé - Povos Indígenas no Brasil». pib.socioambiental.org. Consultado em 26 de outubro de 2024 
  8. Noronha Silva, André Filipe (2019). «O mito de origem do guaraná e dos mawés: a metamorfose como modelo de constituição da humanidade pelo sincretismo com a natureza e o divino». Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cadernos de Pós-Graduação em Letras. 19 (2): 115-121 
  9. Yamã, Yaguarê (2007). Sehaypóri: O livro sagrado do povo saterê-mawé. [S.l.]: Peirópolis. p. 55. 160 páginas. ISBN 978-85-7596-077-6 
  10. dos Santos, Elaine Cristina Prado (2008). «Mens manet: identidade e "outridade" nas Metamorfoses de Ovídio» (PDF). Classica. 21 (1): 135-156 
  11. Lorenz, Sônia da Silva. «Sateré-Mawé». Consultado em 16 de agosto de 2010. Arquivado do original em 14 de junho de 2012 
  12. a b Pereira, Nunes (1954). Os índios maués. Manaus: Ed. Valer. p. 84 
  13. TORRES, IRAILDES CALDAS; BARROS, ROONEY AUGUSTO VASCONCELOS; NETO, DIOGO GONZAGA TORRES. EPIFANIAS DA AMAZÔNIA Relações de Poder, Trabalho e Práticas Sociais. [S.l.]: Lulu.com. pp. 4–5. ISBN 978-1-365-47326-5 
  14. Lorenz, Sônia da Silva (1992). Sateré-Mawé: os filhos do guaraná (PDF). São Paulo: [s.n.] p. 50. 160 páginas 
  15. Figueroa, Alba Lucy Giraldo (Abril de 2016). «Guaraná, a máquina do tempo dos Sateré-Mawé». Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas: 55–85. ISSN 1981-8122. doi:10.1590/1981.81222016000100005. Consultado em 25 de outubro de 2024 
  16. Real, Amazônia (30 de março de 2015). «Rezas e rituais entre os Sateré-Mawé 3: o projeto Waraná». Amazônia Real. Consultado em 26 de outubro de 2024 
  17. «Portal dos Filhos do Waraná». www.nusoken.com. Consultado em 26 de outubro de 2024 
  18. Lago Barros, Camila (2017). «PORANTIM E A MITOPOÉTICA DO ETERNO RETORNO». Entrelinhas. 11 (1): 81 
  19. «Porantim». Porantim. 1 (1). Maio de 1978 
  20. Monteiro de Carvalho, Joelma (2015). «RITUAL DA TUCANDEIRA DA ETNIA SATERÉ-MAWÉ: LÍNGUA, MEMÓRIA E TRADIÇÃO CULTURAL». Universidade do Estado do Amazonas. CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS E ARTES 
  21. «ELF vai indenizar as terras dos Sateré | Terras Indígenas no Brasil». terrasindigenas.org.br. Consultado em 26 de outubro de 2024 
  22. a b Lorenz, Sônia da Silva (1985). Relato do processo de luta dos Sateré-Mawé contra a ELF-Aquitaine, e do encaminhamento dado a indenização recebida (PDF). São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista. 23 páginas 
  23. Lorenz, Sônia da Silva (1992). Sateré-Mawé: os filhos do guaraná. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista. p. 98. 160 páginas 
  24. Dreyfus-Gamelon, Simone (1984). «Les Sateré-Mawé et les Mundurucu : l'affaire Elf-Aquitaine». Journal de la Société des Américanistes. 70: 181-185 
  25. «Elf e índios não chegaram a um acordo | Terras Indígenas no Brasil». terrasindigenas.org.br. Consultado em 26 de outubro de 2024 
  26. «Vocabulário maué coligido por Teófilo Tiuba no Posto Indígena do rio Andirá estado do Amazonas» 

Bibliografia

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  • PEREIRA, Nunes (1954). Os índios maués 1 ed. Rio de Janeiro: Organização Simões. 171 páginas 

Ligações externas

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