História Da Filosofia 1
História Da Filosofia 1
História Da Filosofia 1
Primeiro volume
Nicola A bbagnano
~DIGITALIZAÇÃO E ARRANJO:
ÂNGELO MIGUEL ABRANTES
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
2.a Edição
VOLUME I
TRADUÇÃO DE:
ANTÓNIO BORGES COELHO
FRANCO DE SOUSA
MANUEL PATRÍCIO
EDITORIAL PRESENÇA
Título original
STORIA DELLA FILOSOFIA
Eis por que não se encontrarão nesta obra críticas extrínsecas, que
pretendem pÔr a claro os erros dos filósofos. A pretensão de atribuir
aos filósofos lições de filosofia é ridícula, como a de fazer de uma
determinada filosofia o critério e a norma de julgamento das outras.
Todo o verdadeiro filósofo é um mestre ou companheiro de pesquisa, cuja
voz nos chega enfraquecida através do tempo, mas pode ter para nós,
para os problemas que ora nos ocupam, uma importância decisiva.
Necessário é que nos disponhamos à pesquisa com sinceridade e
humildade. Nós não podemos alcançar, sem a ajuda que nos vem dos
filósofos do passado, a solução dos problemas de que depende a nossa
existência individual e em sociedade. Devemos, por isso, propor
historicamente esses problemas, e na tentativa para compreender a
palavra genuína de Platão ou de Aristóteles, de Agostinho ou de Kant e
de todos os outros, pequenos ou grandes, que hajam sabido exprimir uma
experiência humana fundamental, devemos ver a própria tentativa de
formular e solucionar os nossos problemas. O problema de o que nós
somos e devemos ser é fundamentalmente idêntico ao problema de o que
foram e quiseram ser, na sua substância humana, os filósofos do
passado. A separação dos dois problemas tira ao filosofar o seu
alimento e à história da filosofia a sua importância vital. A unidade
dos dois problemas garante a eficácia e a força do filosofar e
fundamenta o valor da historiografia filosófica. A história da
filosofia liga simultaneamente o passado e o futuro da filosofia. Esta
ligação é a essencial historicidade da filosofia.
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período ou uma época histórica, porque lançam uma luz mais viva sobre
um problema fundamental. Adquirem, então, uma impessoalidade aparente,
que faz delas o património comum de gerações inteiras de filósofos
(pense-se no agostinismo ou no aristotelismo durante a escolástica);
mas em seguida declinam e apagam-se, e todavia a verdadeira pessoa do
filósofo não mais se apaga, e Todos podem e devem interrogá-lo para
dele tirar luz.
A história da filosofia apresenta deste modo um estranho paradoxo. Não
há, pode dizer-se, doutrina filosófica que não tenha sido criticada,
negada, impugnada e destruída pela crítica filosófica. Mas quem
quereria sustentar que a obliteração definitiva de um só dos grandes
filósofos antigos ou modernos não seria um empobrecimento irremediável
para todos os homens? É que o valor de uma filosofia não se mede pelo
quantum de verdade objectiva que ela contém, mas tão só pela sua
capacidade de servir de ponto de referência (porventura somente
polémico) a toda a tentativa de compreender-se a si e ao mundo. Quando
Kant reconhece a Hume o mérito de o ter despertado do "sono dogmático"
e de o ter encaminhado para o criticismo, formula de maneira mais
imediata e evidente a relação de livre interdependência que enlaça
conjuntamente todos os filósofos na história. Uma filosofia não tem
valor enquanto suscita o acordo formal de UM Certo número de pessoas
sob determinada doutrina, mas somente enquanto suscita e inspira nos
outros aquela pesquisa que os conduz a encontrar cada qual o próprio
caminho, assim como o autor nela encontrou o seu. O grande exemplo é
aqui ainda o de Platão e de Sócrates: durante toda a sua vida procurou
Platão realizar o significado da figura e do ensinamento de Sócrates,
prosseguindo, quando era necessário, além do invólucro doutrinal em que
estavam encerrados,- e
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N. A.
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PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO
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N. A.
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PRIMEIRA PARTE
FILOSOFIA ANTIGA
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Pode admitir-se como possível ou pelo menos verosímil que o povo grego
tenha inferido, dos povos orientais, com os quais mantinha desde
séculos relações e trocas comerciais, noções e haja encontrado o que
esses povos conservaram na sua tradição religiosa ou haviam descoberto
por via das necessidades da vida. Mas isto não impede que a filosofia,
e em geral a investigação científica, se manifeste nos gregos com
características originais, que fazem dela um fenómeno único no mundo
antigo e o antecedente histórico da civilização (cultura?) ocidental,
de que constitui ainda uma das componentes fundamentais. Em primeiro
lugar, a filosofia não é de facto na Grécia o património ou o
privilégio de uma casta privilegiada. Todo o homem, segundo os gregos,
pode filosofar, porque o homem é "animal racional" e a sua
racionalidade significa a possibilidade de procurar, de maneira
autónoma, a verdade. As palavras com que inicia a Metafísica de
Aristóteles: "Todos os homens tendem, por natureza, para o saber"
exprimem bem este conceito, uma vez que "tendem" quer dizer que não só
o desejam, mas
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poetas, nas doutrinas dos mistérios, nos apotDgrnas dos Sete Sábios e
sobretudo na reflexão ético-política dos poetas.
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também norma de medida; e Sólon exprime num fragmento famoso (fr. 16) a
convicção moral mais enraizada nos gregos: "A coisa mais difícil de
todas é captar a invisível medida da sageza, a única que traz em si os
limites de todas as coisas". Ésquilo é enfim o profeta religioso desta
lei universal de justiça de que a sua tragédia quer exprimir o triunfo.
Portanto, antes que a filosofia descobrisse e justificasse a unidade da
lei por sob a multiplicidade dispersa dos fenómenos naturais, a poesia
grega descobriu e justificou a unidade da lei por sob as vicissitudes
aparentemente desordenadas e mutáveis da vida humana em sociedade.
Veremos que a especulação dos primeiros físicos não fez mais do que
procurar no mundo da natureza esta mesma unidade normativa, que os
poetas haviam perseguido no mundo dos homens
§ 4. AS ESCOLAS FILOSóFICAS
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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III
A ESCOLA JÓNICA
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§ 8. TALES
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§ 9. ANAXIMANDRO
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§ 10. ANAXÍMENES
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invade e, que, com alma e sopro (pneuma) cria nos animais a vida, o
movimento e o pensamento. Por conseguinte, o ar é, segundo Diógenes,
incriado, iluminado, inteligente e regula e domina tudo.
§ 11. HERACLITO
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fogo e o fogo troca-se por todas, como o ouro se troca pelas
mercadorias e as mercadorias pelo ouroi" (fr. 90, Diels).
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não acharás o inesperado, porque não se Pode achar e é inacessível"
(fr. 18, Diels). Mas não se esconde a dificuldade e o risco da
pesquisa: "Os que procuram ouro escavam muita terra, mas encontram
pouco metal" (fr. 22, Diels)._detémse especialmente nas condições que a
tornam possível primeira delas é que o homem examina-se a si
mesmo."Procurei-me a mim mesmo", diz ele (fr. 101, Diels). A pesquisa
dirigida ao mundo
natural é condicionada pela clareza que o homem pode alcançar a
respeito do ser que lhe é próprio. A pesquisa interior revela
profundidades infinitas: "Tu não encontrarás os confins da alma,
caminhes o que caminhares, tão profunda é a sua razão" (fr. 45, Tiels).
A pesquisa interior abre ao homem zonas sucessivas de profundidade, que
jamais se esgotam: a razão, a lei última do eu, aparece continuamente
mais além, em uma profundidade sempre mais longínqua e ao mesmo tempo
sempre mais íntima.
Mas esta razão, que é a lei da alma, é ao mesmo tempo lei universal. A
segunda e fundamental condição é a comunicação entre os homens: O
pensamento é comum a todos segundo Heraclito, (fr. 113, Diels). "É
necessário seguir o que é comum a todos porque o que é comum é geral"
(fr. 2, Diels). "Quem quiser falar com inteligência deve fortalecer-se
com o que é comum a todos, como a cidade se fortalece com a lei, e
muito mais. Porque todas as leis humanas se alimentam da única lei
divina e esta doutrina tudo o que quer, basta a tudo e tudo supera"
(fr. 114 Diels).[O homem deve pois
dirigir a pesquisa não só para si mesmo, mas também, e com o mesmo
movimento, para aquilo que o liga aos outros, o logos que constitui a
mais profunda essência _(;homem individual é ainda o que liga os homens
entre si numa comunidade de natureza., Este logos é como a lei para a
cidade, mas
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é ele próprio a lei, lei suprema que tudo rege: o homem individual, a
comunidade dos homens e a natureza externa. Ele é, portanto, não só a
racionalidade mas o próprio ser do mundo: tal se revela em todos os
aspectos da pesquisa.
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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A ESCOLA PITAGÓRICA
§ 12. PITÁGORAS
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É muito provável que Pitágoras não tenha escrito nada. Aristóteles não
conhece, com efeito, nenhum escrito seu; e a afirmação de Jâmblico
(Vida de Pít., 199) de que os escritos dos primeiros Pitagóricos até
Filolau teriam sido conservados como segredo da escola, vale só como
uma prova do facto de que ainda mais tarde não se possuíam escritos
autênticos de Pitágoras anteriores a Filolau. Pelo que é muito difícil
reconhecer no pitagorismo a parte que pertence ao seu fundador. Uma
única doutrina pode com toda a certeza ser-lhe atribuída - (a da
sobrevivência da alma depois da morte e à sua transmigração para outros
corpos) -----"Segundo esta doutrina, de que se apoderou Platão '(Górg.,
493a), o corpo é uma prisão para a alma,
que aqui foi encerrada pela divindade para seu castigo. Enquanto a alma
estiver no corpo, tem necessidade dele porque só por seu intermédio
pode sentir; mas quando estiver fora dele vive num mundo superior uma
vida incorpórea nu __e se
purificou durante a vida corpórea, a alma regressa a esta vida; no caso
contrário, retoma depois da morte a cadeia das transmigrações.
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6.o Quietude. movimento; 7.o Recta, curva; 8.o Luz, trevas; 9.o Bem,
mal; 10.- Quadrado, rectângulo.
O limite, isto é, a ordem, é a perfeição; por isso, tudo o que se
encontra do mesmo lado na série dos opostos é bom, o que se encontra
do outro lado é mau. Os Pitagóricos pensam, todavia, que a luta
entre os opostos se concilia por meio de um princípio de harmonia; e a
harmonia, como vínculo dos mesmos opostos, constitui para eles o
significado último das coisas
ANTROPOLóGICAS
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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IV
A ESCOLA ELEÁTICA
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§ 17. XENÓFANES
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§ 18. PARMÉNIDES
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deve julgar com a razão e considerar com ela as coisas distantes como
se estivessem diante dele.
Ora a razão demonstra facilmente que não se pode nem pensar nem
exprimir o não-ser. Não se pode pensar sem pensar alguma coisa; o
pensar coisa nenhuma é um não-pensar, o dizer coisa nenhuma é um não-
dizer. O pensamento e a expressão devem em todo caso ter um objecto e
este objecto é o ser. Parménides determina com toda a clareza o
critério fundamental da validade do conhecimento que deveria dominar
toda a filosofia grega: o valor de verdade do conhecimento depende da
realidade do objecto, o conhecimento verdadeiro não pode ser outra
coisa senão o conhecimento do ser.
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Pela vez primeira o problema do ser foi posto por Parménides; como
problema metafísico-ontológico, quer isto dizer na sua generalidade
máxima e não já tão só como problema físico. A pergunta eque coisa é o
ser?" a que Parménides quis for-
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§ 19. ZENÃO
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guinte, deve ter ocorrido cerca de 489. Como a maior parte dos
primeiros filósofos, Zenão participou na política da sua cidade natal;
parece que contribuiu para o bom governo de Eleia e que sucumbiu
corajosamente, à tortura por ter conspirado contra um tirano (Diels, A
1). O próprio Platão (Parm., 128 b), nos expõe o carácter e o intento
de um escrito, que devia ser a obra mais importante de Zenão. 10
escrito era uma forma de reforço" da argumentação de Parménides,
dirigido contra os que procuravam apoucá-la aduzindo que, se a
realidade é uma. vemo-los enredados em muitas e ridículas contradições.
O escrito pagava-lhes na mesma moeda pois que tendia a demonstrar que a
sua hipótese da multiplicidade emaranhava-se, desenvolvida a fundo, em
dificuldades ainda maiores. O método de Zenão consistia, por
conseguinte, em reduzir ao absurdo a tese dos negadores da unidade do
ser, conseguindo deste modo confirmar a tese de Parménides.--4-
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argumento que se um moio de trigo causar rumor quando cai, todo o grão
e toda partícula de um grão deveriam causar um som: o que não acontece
(Diels, A 29). A dificuldade está aqui em compreender como é que
diversas coisas reunidas juntamente podem produzir um efeito que cada
uma delas separadamente não produz.
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§ 20. MELISSOS
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ta-se absolutamente que seja uno; mas se é uno não pode ter corpo,
porque se tivesse um corpo teria partes e já não seria uno" (fr. 9). Os
críticus modernos, que afirmaram a corporeidade do ser parmenídeo (que
é excluída pela própria formulação que os Eleatas dão ao problema),
atribuem a negação de Melissos a algum particular elemento, cuja
realidade, ao que supõem, Melissos discutisse. Mas mesmo no caso de
Melissos ter em mente uma hipótese particular, o significado da sua
afirmação não muda: o que é corpo tem partes, portanto não é uno:
portanto não é. A negação da realidade corpórea está implícita para
Melissos, como para Parménides e para Zenão, na negação da
multiplicidade e da mudança e no repúdio da experiência sensível como
via de acesso à verdade.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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nas dedicadas a Parménides por JAEGm, Paidéia, trad, ltal., 276 segs..
E além disso M. UNTERSTEINER, Parménide. Te8timonta=e e framm-entí,
Florença, 1958, com uma larga introdução que refunde e rectifica os
precedentes estudos do autor. Os pontos típicos da Interpretação de
Understeiner são os seguintes: 1) o ser de Parinénides seria uma
totalidade, não uma unidade, uma vez que a unidade (como a
continuidade) constituiria uma referência ao plano empírico ou temporal
e estaria, por conseguinte, em oposição com a eternidade do ser; 2)
Parménides; não diria (fr. 6. Diela). c0 ser, o nko-ser não é"; mas
diria"Existe o dizer e o Intuir o ser, e ao Invés não existe o dizer e
o intuir o nada": no sentido que o próprio método da pesquisa acabaria
por criar o ser. Sobre as dificuldades filo16gicas desta subtil e
porventura demaqiado moderna Interpretação efri J. BRUNSCHWIG, in
"Revue Philosophique>, 1962, p. 120 sega. Do ponto de vista filosófico
tem o inconveniente de descurar completamente o carácter fundamental do
ser parmenideo, a necessidade.
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OS FISICOS POSTERIORES
§ 21. EMPÉDOCLES
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§ 22. ANAXÁGORAS
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por exemplo, somente água ou somente ar. "Em toda a coisa diz
ele, há sementes de todas as coisas" (fr. 11). A natureza de uma coisa
é deterninada pelas sementes que nela prevalecem: parece ouro aquela em
que prevalecem as partículas de ouro, embora haja nela partículas de
todas as outras substâncias.
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§ 23. OS ATOMISTAS
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Demócrito, enquanto a mente do sábio errava por sítios remotos. Na
partilha da rica herança paterna quis que a sua parte fosse em dinheiro
e assim recebeu menos, tendo gasto tudo nas suas viagens ao Egipto e
junto dos Caldeus. Quando o pai ainda era vivo, costumava recolher-se a
um casinhoto campestre que servia também de estábulo, e aqui ficou uma
vez sem reparar num boi que o pai lá prendera à espera de ele o levar
ao sacrifício (Diels, 68, A 1). O espírito levemente zombeteiro desta
anedota desenha-o como o tipo do sábio distraído.
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A alegria espiritual, a ataymia, não tem por conseguinte nada que ver
com o prazer (edoné): "o bem e o verdadeiro-diz Demócrito-são idênticos
para todos os homens, o prazer é diferente para cada um deles (fr. 69).
Pelo que o prazer não é bem em si mesmo: necessário é que sejha somente
o que procede do belo (fr. 207). A ética de Demócrito está, assim, a
grande distância da do hedonismo que poderíamos aguardar Como corolário
do seu naturalismo teorético. Pelo contrário, ao decidido objectivismo
que é a directriz de Demócrito no domínio da pesquisa naturalista
corresponde, na ética, um igualmente decidido subjectivismo moral. O
guia da acção moral é, segundo Demócrito, o respeito (aidos) para
consigo mesmo. "Não deves ter respeito pelos outros homens mais que por
ti próprio, nem proceder mal quando ninguém o saiba mais que quando o
saibam; mas deves ter por ti mesmo o máximo respeito e impor à tua alma
esta lei: não fazer aquilo que não se deve fazer" (fr. 264). Aqui a lei
moral está colocada na pura interioridade da pessoa humana, que ao
invés se faz lei a si própria mediante o conceito de respeito para
consigo mesmo. Este conceito, fundamental para compreender o valor e a
dignidade humana, substitui o velho conceito grego do respeito para com
a lei da polis, e mostra como a pesquisa moral de Demócrito se move em
direcção antitética da sua pesquisa física e como, por isso, se iniciou
a diferenciação da ciência natural da filosofia.
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se mantém; se ele cai tudo perece (fr. 252). E declara que é necessário
preferir viver pobre e livre numa democracia a viver rico e escravo
numa oligarquia (fr. 251). A superioridade que ele atribui à vida
exclusivamente dedicada à pesquisa científica torna-se evidente pelas
suas ideias sobre o matrimónio. Este é condenado por ele, na medida em
que se funda sobre as relações sexuais que diminuem o domínio do homem
sobre si mesmo, e na medida em que a educação dos filhos impede a
dedicação aos trabalhos mais necessários, enquanto o sucesso da sua
educação continua duvidoso. Aqui a preocupação de Demócrito é
evidentemente a de salvaguardar a disponibilidade do homem para consigo
mesmo que torna possível o empenho na pesquisa científica.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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A SOFíSTICA
Dos meados do século V até aos fins do século IV, Atenas é o centro da
cultura grega. A vitória contra os Persas abre o período áureo do poder
ateniense. A ordem democrática tornava possível a participação dos
cidadãos na vida política e tornava preciosos os dotes oratórios que
permitem obter o êxito. Os sofistas vêm ao encontro da necessidade de
uma cultura adaptada à educação política das classes.
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que duma cidade a outra, de um povo a outro, muitos dos valores em que
assenta a vida do homem sofrem variações radicais e tornam-se
incomensuráveis entre si. A natureza relativista das suas teses
teóricas não é mais que a expressão duma rendição fundamental da sua
ensinança. Por outro lado, consideram-se "sábios" precisamente no
sentido antigo e tradicional do termo, isto é, no sentido de tornar os
homens hábeis nas suas tarefas, aptos para viver em conjunto, capazes
de levar a melhor nas competições civis. Certamente, sob este
aspecto, nem todos os sofistas manifestam, na sua personalidade, as
mesmas características, Protágoras reivindicava para os sábios e para
bons oradores a tarefa de guiar e aconselhar para o melhor a própria
comunidade humana (Teet., 167 c). Outros sofistas colocavam
explicitamente a sua obra ao serviço dos mais poderosos e dos mais
sagazes. Em qualquer dos casos o interesse dos sofistas limitava-se à
esfera das ocupações humanas e a própria filosofia considerada por eles
como um instrumento para se moverem habilmente nesta esfera.
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PROTÁGORAS
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O significado desta tese famosa foi aclarado pela primeira vez por
Platão, cuja interpretação continuou e continua a ter o favor. Segundo
Platão, Protágoras pretendia dizer que "tais como as coisas singulares
me aparecem, tais são para mim, e quais te aparecem, tais são para ti:
dado que homem tu és e homem sou" (Teet., 152 a); e que portanto
identificava aparência e sensação, afirmando que aparência e sensação
são sempre verdadeiras porque "a sensação é sempre da coisa que é"
(1b., 152 c); é, entende-se, para este ou para aquele homem.
Aristóteles (Met., IV, 1, 1053 a, 31 segs.) e com ele todas as fontes
antigas confirmam substancialmente a interpretação platónica. Esta é
aprovada também pela crítica que, segundo um testemunho de Aristóteles
(lb., LII, 2, 997 b, 32 segs.). Protágoras dirigia à matemática,
observando que nenhuma coisa sensível tem a qualidade que a geometria
atribui aos entes geométricos e que, por exemplo, não existe uma
tangente que toque a, circunferência num só ponto, como quer a
geometria (fr. 7. Diels). Nesta crítica, como é óbvio, Protágoras
valia-se das aparências sensíveis para julgar da validade das
proposições geométricas.
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§ 26. GóRGIAS
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verdade que aquilo que existe não é pensado e que portanto, o ser. se
existe, é incognoscível.
3) Finalmente., ainda que fosse cognoscível, não seria comunicável.
Efectivamente, nós expressamo-nos pela palavra. mas a palavra não é o
ser; portanto. comunicando palavras, não comunicamos o ser.
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poder que se identifica com o desta necessidade" (fr. 12). É claro que,
segundo Górgias, a palavra tem força necessitante porque não encontra
limites ao seu poder em nenhum critério ou valor objectivo, nalguma
ideia no sentido platónico do termo: o homem não pode resistir a ela
aferrando-se à verdade ou ao bem e está completamente desprovido de
defesa nos seus confrontos.
O relativismo teorético e prático da sofística encontra aqui um
corolário importante: a omnipotência da palavra e a força necessitante
da retórica que a guia com o seu engenho infalível. Quando Platão opõe
a Górgias, no diálogo que dele se intitula, que a retórica não pode
persuadir se não daquilo que é verdadeiro e justo, parte de um
pressuposto que Górgias não partilha: isto é, que existem critérios
infalíveis e universais para reconhecer o verdadeiro e o justo
(Górgias, 455 a). Aquilo que distingue a retórica de Górgias como arte
omnipotente da persuasão, da retórica de Platão como educação da alma
para o verdadeiro e o justo, é o pressuposto fundamental do platonismo:
a existência de ideias como critérios ou valores absolutos.
5 segs.) que relata uma longa discussão entre ele e Sócrates. sabemos
que um dos seus temas preferidos era a oposição entre a natureza
(physis) e a lei (nownos). As leis não são uma coisa séria porque não
têm uniformidade e estabilidade e aqueles mesmos que as fizeram muitas
vezes as revogam. As verdadeiras leis são as que a própria natureza
prescreve e que, ainda que não sejam escritas "são válidas em cada país
e no mesmo modo".
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Esta antítese entre as leis e a natureza torna-se o tema favorito da
geração mais jovem dos sofistas que muitas vezes se vale dela para
defender uma ética aristocrática ou directamente para tecer um elogio
da injustiça- Certo é que os sofistas, mostrando (como se disse já no §
25) a relatividade dos valores que regem a convivência humana e
recusando-se a proceder à investigação dos valores universais ou
absolutos eram levados a ver nas leis nada mais que convenções humanas,
mais ou menos úteis mas indignas de um reconhecimento obrigatório.
Antifonte, sofista, assegurava que todas as leis são puramente
convencionais, por isso contrárias à natureza e que o melhor modo de
viver é o de seguir a natureza, isto é de pensar no próprio útil.
reservando uma reverência puramente aparente ou formal às leis dos
homens (Diels, 87, fr. 44 A, col. 4). Polo e Calicles no Górgias,
Trasímaco na República sustentam que a lei da natureza é a lei do mais
forte e que as leis que os homens fazem valer na sua convivência são
convenções dirigidas a impedir os mais fortes de se valerem do seu
direito natural. Segundo a natureza, é justiça que o forte domine o
mais fraco e siga em todas as circunstâncias sem freio o talento
próprio. e isto acontece de facto quando um homem dotado de natureza
capaz rompe as cadeias da convenção e de servo se converte em senhor
(Górgias, 484 a; República, 1, 338 b segs.). Outra actividade dos
sofistas era a erística, isto é a arte de vencer nas discussões
impugnando as afirmações do adversário sem olhar à sua verdade ou
falsidade. No Eutidemo platónico, duas figuras menores dos sofistas,
Eutidemo e Dionisorodo, são mostrados em acção nalgumas atitudes
típicas do seu repertório. Um dos lugares comuns da eurística era o que
Platão recorda também no Ménon (80 d) e ao qual opõe a doutrina da
anamnesis: isto é, que
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não se pode indagar nem aquilo que se sabe nem aquilo que não se sabe:
porque é inútil indagar sobre aquilo que se sabe e é impossível indagar
se não se sabe que coisa indagar. A erística foi certamente a
actividade inferior dos sofistas, aquela que mais contribuiu para os
desacreditar. Todavia, também essa fazia parte da sua bagagem: quando
se nega todo o critério objectivo de indagação e se reconhece a
omnipotência da palavra, abre-se o caminho também à possibilidade de
usar a própria palavra como puro instrumento de batalha verbal ou como
simples exercício de bravura polémica.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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SÓCRATES
§ 28. O PROBLEMA
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nico, nas palavras que o rei egípcio Thamus dirige a Theut, inventor da
escrita: "Tu ofereces aos alunos a aparência, não a verdade da
sabedoria; porque quando eles, graças a ti, tiverem lido tantas coisas
sem nenhum ensinamento, julgar-se-ão na posse de muitos conhecimentos,
apesar de permanecerem fundamentalmente ignorantes e serão
insuportáveis para os demais, porque terão não a sabedoria, mas a
presunção, da sabedoria". Para Sócrates que entende o filosofar como o
exame incessante de si e dos outros, nenhum escrito pode suscitar e
dirigir o filosofar. O escrito pode comunicar uma doutrina, não
estimular a pesquisa. Se Sócrates renunciou a escrever, isto foi devido
ainda à sua própria atitude filosófica e faz parte essencial de tal
atitude.
§ 29. AS FONTES
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Na realidade só quem sabe que não sabe procurará saber, enquanto os que
crêem estar na posse dum saber fictício não são capazes da
investigação. não se preocupam consigo mesmos e permanecem
irremediàvelmente afastados da verdade e da virtude. Este princípio
socrático representa a antítese nítida da sofística. 1 Contra os
sofistas que faziam profissão de sabedoria e pretendiam ensiná-la aos
outros, Sócrates fez profissão de ignorância: o saber dos sofistas é um
não-saber, um saber fictício privado de verdade que dá apenas presunção
e jactância e impede de assumir a atitude submissa da investigação, a
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31. A MAIÊUTICA
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b). Aceite por Hegel (Geschichte der Phil., I, cap. II, B, 2 a), esta
critica tornou-se muito comum na historiografia filosófica e está,
entre outras coisas, no fundamento da desvalorização que Nietzsche
intentou da figura de Sócrates quando quer entrever nele a tentativa de
reduzir o instinto à razão e portanto de empobrecer a vida (Ecee Homo).
Mas na verdade tudo aquilo que se pode censurar a Sócrates é o não ter
feito as distinções entre as actividades ou faculdades humanas que
Platão e Aristóteles introduziram na filosofia.
Para Sócrates, o homem é ainda uma unidade indivisa. O seu saber não é
apenas a actividade do seu intelecto ou da sua razão, mas um total modo
de ser e de comportar-se, o empenhar-se numa investigação que não
reconhece limites ou pressupostos fora de si, mas encontra por si a sua
disciplina, Segundo Sócrates, a virtude é ciência, em primeiro lugar
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Para Sócrates o filosofar é uma missão divina, uma -tarefa confiada por
um mandato divino (Ap.,
29-30). Fala de um demónio, de uma inspiração divina que o aconselha em
todos os momentos decisivos da vida. Interpreta-se comummente este
demónio como a voz da consciência; na realidade é o sentimento de uma
investidura recebida do alto, própria de quem abraçou uma missão com
todas as suas forças. Por isso o sentimento da divindade está sempre
presente na investigação socrática, como sentimento do transcendente,
daquilo que está para lá do homem e é superior ao homem, e do alto o
guia e lhe oferece uma garantia providencial.
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131
132
VIII
AS ESCOLAS SOCRÁTICAS
§ 36. XENOFONTE
134
136
§ 39. DIÓGENES
NOTA BIBLIOGRÁFICA
145
§ 39. Sobre estes Cínicos v. GwiPERz, II, p. 160 segs.; SAYRE, Diogenes
of Sinope, Baltimore, 1938.
§ 40. Sobre a vida, a doutrina e os escritos de Aristi,po e da sua
escola: DIõGENEs LAÉRCIO, 11, 65-104; DIELS, Doxogr. Graec., sob
"Aristipo". Outras fontes em ZEIXER, 11, 1, 336, 2 segs. A mais
completa colecção de fragmentos e testemunhos é: G. GIANNANTONI, I
Cirenaici, Florença, 1958, com trad. ital. e bibliografia.
se.gs,
146
Ix
PLATÃO
Sabemos, pela Carta VII, que as suas ideias políticas teriam obtido em
outra ocasião mais feliz sucesso. Hermias, tirano de Atarneu, na Ntisia,
150
3.o - O conteúdo doutrinal. Este critério é muito duvidoso: uma vez que
conhecemos a doutrina de Platão pelas suas obras, julgar da
autenticidade das obras baseando-nos na doutrina é um círculo vicioso.
Pode, no entanto, ser decisivo, quando se encontram nos escritos
platónicos elementos de doutrina que pertencem a escolas posteriores.
Tal é o caso do Alcibíades 11 (139 c), onde se diz que todos os que não
alcançam a sabedoria são loucos, o que é doutrina própria dos Estóicos.
Prova de inautenticidade pode ainda ser uma contradição grosseira: como
no caso do Teages (128 d), em que se afirma que o sinal demoníaco é
sempre negativo, para dizer na página seguinte (129 e) que ele incita
positivamente alguns a andarem com Sócrates.
Aos resultados que possam conseguir-se pelo uso combinado destes três
critérios acrescentam-se os que resultam da consideração, de
importância fundamental, de que os primeiros diálogos devem ser aqueles
em que a doutrina das ideias não está ainda presente, e que se mantêm,
por isso, estritamente fiéis à letra do socratismo. Finalmente, é muito
difícil imaginar que Platão tenha começado a exaltação da figura de
Sócrates ainda em vida do mestre: toda a sua actividade literária deve
ser, portanto, posterior a 399. Sobre estes fundamentos afigura-se
provável a seguinte ordenação cronológica dos diálogos; porém, se a
atribuição de um diálogo a um determinado período é bastante segura
nesta ordenação, a ordem de sucessão dos
157
que os compreendem como pelas mãos dos que se não interessam de facto
por eles; e não sabem defender-se nem sustentar-se por si próprios
quando são maltratados ou vilipendiados injustamente (Fedro, 275 d).
Platão não via no discurso escrito mais que uma ajuda para a memória; e
ele mesmo nos testemunha que do ensino da Academia faziam parte também
"doutrinas não escritas" (Carta VII, 341 c). Ora, de entre os discursos
escritos, o diálogo é o único que reproduz a forma e a eficácia do
discurso falado. Ele é a expressão fiel da pesquisa que, segundo o
conceito socrático, é um exame incessante de si mesmo e dos outros,
logo um perguntar e responder; Platão considera que o próprio
pensamento é tão só um discurso que a alma faz consigo mesma, um
dialogar interior, em que a alma pergunta e responde a si mesma (Teet.,
189 e, 190 a; Sof., 263 e; Fil., 38 c-d). A expressão verbal ou escrita
limita-se, pois, a reproduzir a forma da pesquisa, o diálogo. A mesma
convicção que impediu Sócrates de escrever, impediu Platão a adoptar é
a manter a forma dialógica nos seus escritos. O que revelou a Platão a
incapacidade do jovem Dionisio de se empenhar a sério na pesquisa
filosófica, foi a sua pretensão de escrever e difundir como obra
própria um "sumário do platonismo". Platão declarou energicamente nesta
ocasião: "Meu não há, nem nunca haverá, tratado algum sobre este
assunto. Não pode ele ser reduzido a fórmulas, como se faz nas outras
ciências; só depois de longamente se haver travado conhecimento com
estes problemas e depois do os haver vivido e discutido em comum, o seu
verdadeiro significado se acende subitamente na alma, como a luz nasce
de uma centelha e cresce depois por si só" (Carta VII, 341 c-d).
Frente a esta fidelidade, que nada tem a ver com uma concordância de
fórmulas doutrinais, mas que se manifesta na tentativa sempre
renovadora de aprofundar uma figura de homem que, aos olhos de Platão,
personifica a filosofia como pesquisa, parece muito estreito o esquema
em que se tornou habitual resumir a relação entre Sócrates e Platão.
Inicialmente fiel a Sócrates nos diálogos da sua juventude, Platão ter-
se-ia depois afastado progressivamente do mestre para formular a sua
doutrina fundamental, a doutrina das ideias; e, por fim, até a si
mesmo teria sido infiel, criticando e negando esta doutrina. Em breve
veremos que Platão jamais foi infiel a si mesmo ou à sua doutrina das
ideias; e que, nesta doutrina como em todo o seu pensamento, foi, ao
mesmo tempo, fiel a Sócrates. Nada mais quis fazer senão captar os
pressupostos remotos do magistério socrático, os princípios últimos que
explicam a força da personalidade do mestre e podem, por isso, iluminar
a via na qual ele consegue possuir-se e realizar-se a si mesmo. Platão,
escrupulosamente, não faz intervir Sócrates como interlocutor principal
nos diálogos que se afastam demasiado do esquema doutrinal socrático ou
que debatem problemas que não haviam suscitado o interesse do mestre
(Parménides, Sofista, Político, Timeu). Não obstante, toda a pesquisa
platónica se pode definir como a interpretação da personalidade
filosófica de Sócrates.
Com estes dois escritos, Platão fixou para sempre as atitudes que fazem
de Sócrates o filósofo por excelência, "o homem de todos o mais sábio e
o mais justo". Os outros escritos de Platão pertencentes a este mesmo
período visam, ao invés, esclarecer os conceitos que estavam na base do
162
Põe-se então o problema: aquele que é santo é-o porque agrada aos
deuses, ou acontece, ao contrário. que agrada aos deuses porque é
santo? Frente a esta pergunta. a definição formal da piedade religiosa
cai e vemo-nos obrigados a perguntar de novo que coisa é
verdadeiramente a devoção. Pode então dizer-se que a devoção é uma
parte da justiça, precisamente aquela que se refere ao culto da
divindade e que consiste em praticar acções que à divindade agradam,
mas eis-nos deste modo regressados à definição que abandonámos. A
conclusão negativa do diálogo não só exprime a não aceitação do
conceito formal da piedade religiosa, como ainda a impossibilidade de a
definir como uma virtude em si, independente das outras, e assim
prepara indirectamente o reconhecimento da unidade da virtude.
Correlativamente à indagação sobre a virtude, procede Platão à
indagação sobre o objecto ou o fim da virtude, sobre os valores que são
seu fundamento, Uma acção bela, um belo discurso têm o belo por
objecto; mas o que é o belo? É este o problema do Hípias maior. A
conclusão é que o belo não pode ser distinto do bem, não podendo
considerar-se nem como o que é conveniente nem como o que é útil;
dado que o conveniente é a aparência do belo, não o próprio belo,
e o útil não é senão o vantajoso, aquilo que produz o bem e é,
portanto, causa do próprio bem. Como todas
166
cujo nome compreende: "o que o objecto é" (428 d). Todavia, Platão não
atribui a produção da linguagem à própria natureza das coisas:
considera-a, com os convencionalistas, uma produção do homem. Mas
admite ao mesmo tempo que esta produção não é arbitrária, antes é
dirigida, até onde é possível, para o conhecimento das essências, isto
é, da natureza das coisas. O teorema fundamental que Platão se propõe
defender é que a linguagem pode ser mais ou menos exacta ou mesmo
errada ou, por outras palavras, que "se pode dizer o falso": teorema
que não cabe nas outras duas concepções da linguagem, ou porque
consideram que a linguagem é sempre exacta, ou porque uma convenção
vale tanto como outra, ou porque é a natureza das coisas a impô-lo. A
defesa deste teorema abre o caminho à ontologia do Sofista.
pena da injustiça cometida. Ora isto não é uma vantagem. O mal, para o
homem, não é sofrer a injustiça, mas cometê-la, porque isso é mancha e
corrompe a alma; e subtrair-se à pena da injustiça cometida é um mal
ainda pior, porque tira à alma a possibilidade de libertar-se da culpa,
expiando-a. Pela sua indiferença para com a justiça da tese a defender,
a retórica implica, na realidade, a convicção (exposta no diálogo por
Cálicles) de que a justiça é somente uma convenção humana, que é tolice
respeitar e de que a lei da natureza é a lei do mais forte. O mais
forte segue só o próprio prazer e não cuida da justiça; tende à
proeminência sobre os outros e tem como única regra o próprio talento.
Contra este imoralismo observa, no entanto, Platão que o intemperante
não é o homem melhor do mesmo modo que não é o mais feliz, uma vez que
passa de um prazer ao outro insaciavelmente, assemelhando-se a uma pipa
rota que nunca mais se enche. O prazer é a satisfação de uma
necessidade; e a necessidade é sempre deficiência, isto é, dor: prazer
e dor condicionam-se reciprocamente e não há um sem o outro, Ora o bem
e o mal não são conjuntos mas separados, não podendo assim identificar-
se senão pela virtude; e a virtude é a ordem e a regularidade da vida
humana. A alma boa é a alma ordenada; que é a um tempo sábia,
temperante e justa.
tância sobre que ela versa? Eis o último e mais grave problema que
brota do ensino socrático. A pesquisa platónica iria debater, no seu
desenvolvimento ulterior, estes problemas; quer na sua singularidade,
quer nas suas relações recíprocas.
§ 50. O EROS
§ 51. A JUSTIÇA
vel ao homem atender à sua tarefa. Mas esta eliminação não implica uma
organização comunista. Segundo Platão, as duas classes superiores dos
governantes e dos guerreiros não devem possuir nada nem ter qualquer
retribuição, além dos meios para viver. Mas a classe dos artesãos não é
excluída da propriedade; e os meios de produção e de distribuição
deixam-se nas mãos dos indivíduos. A segunda condição é a abolição da
vida familiar, abolição que deriva da participação das mulheres na vida
do estado com base na mais perfeita igualdade com os homens, pondo como
única condição a sua capacidade. As uniões entre homens e mulheres são
estabelecidas pelo estado com vista à procriação de filhos sãos. E os
filhos são criados e educados pelo estado que a todos torna uma única
grande família. Estas duas condições tornam impossível um estado
segundo a injustiça, todas as vezes, é claro, que se verificar esta
outra: que o governo seja entregue aos filósofos.
§ 52. O FILÓSOFO
2.o - A opinião acreditada, mas não verificada (pistis), que tem por
objecto as coisas naturais, os seres vivos, os objectos da arte, etc..
Nenhum valor pode, por isso, ter a criação em que ela consiste. Se a
divindade cria a forma natural das coisas, se o artesão reproduz esta
forma nos móveis e nos objectos que cria, o artista não faz mais que
reproduzir os móveis ou os objectos criados pelo artesão e ficará, por
conseguinte, ainda mais afastado da realidade das coisas naturais.
Estas não têm realidade senão enquanto participam das determinações
matemáticas (medida, número, peso) que lhes eliminam a desordem e os
contrastes; ora a imitação prescinde precisamente destas determinações
matemáticas e contraditórias: não pode, pois,
190
Em quarto lugar: quais são as relações das ideias entre si e das ideias
com os objectos de que constituem a unidade? Este é o problema
fundamental que se discute em todo o resto do diálogo como problema das
relações entre o um e os muitos.
O um é a ideia: os muitos são os objectos de que a ideia é a unidade.
No que respeita a esta relação, a dificuldade consiste em compreender
como poderá a ideia ser participada por muitos objectos ou derramada
neles sem que resulte com isso multiplicada e, portanto, destruída na
sua unidade. Por outro lado, da mesma noção de ideia parece emanar a
multiplicação das próprias ideias até ao infinito: uma vez que se tem
uma ideia todas as vezes que se considera na sua unidade uma
multiplicidade de objectos, ter-se-á também uma ideia quando se
considerar a totalidade destes objectos mais a sua ideia. Esta será uma
terceira ideia que, se considerada por sua vez conjuntamente com os
objectos e a precedente ideia, dará lugar a uma quarta ideia, e assim
por diante até ao infinito. É este o chamado argumento do "terceiro
homem", cuja invenção se atribuía ao megárico Polixeno e que
Aristóteles refere várias vezes (Met., 990 b, 15; 1038 b, 30;
196
Há, no entanto, um sentido em que o uno não é (e em que, por isso, tão-
pouco o múltiplo é): o uno não é no sentido de que não é absolutamente
197
uno, de que não subsiste -fora da sua relação com o múltiplo, de que
não exclui o próprio multiplicar-se e articular-se em um múltiplo que,
apesar do sujeito ao devir e ao tempo, constitui sempre uma ordem
numérica, ou seja uma unidade. E os muitos não são no sentido de que
não são pura e absolutamente muitos, ou seja, privados de qualquer
unidade, pois que em tal caso se dispersariam e pulverizariam no nada,
não podendo constituir um múltiplo. O uno, por conseguinte, é (existe),
mas ao mesmo tempo não é absolutamente uno: os muitos são (existem),
mas ao mesmo tempo não são absolutamente muitos.
Esta determinação das cinco formas (ou géneros) do ser funda (ou funda-
se em) uma nova concepção do ser: nova porque diferente da que Platão
já via aceite na filosofia sua contemporânea. Em primeiro lugar, ela
exclui que o ser se reduza à existência corpórea como sustentam os
201
materialistas: dado que se diz que "são" não só tais coisas corpóreas
mas também as incorpóreas, como por exemplo a virtude (247 d). Em
segundo lugar, ela exclui que o ser se reduza às formas ideais como
sustentam " os amigos das formas", pois que neste caso se excluiria do
ser o conhecimento do ser e daí a inteligência e a vida (248 c-249 a).
Em terceiro lugar, ela exclui que o ser seja necessariamente imóvel
(isto é que "tudo seja imóvel") ou que o ser seja necessariamente em
movimento (isto é que "tudo seja em movimento") (249 d). Em quarto
lugar, exclui que todas as determinações do ser possam combinar-se
entre si ou que todas se excluam reciprocamente (252 a-d). Por outro
lado, como se viu, o ser deverá no entanto compreender o não-ser como
alteridade. Sobre estas bases, o ser não pode definir-se de outro modo
que não seja como possibilidade (dynamis); e deve dizer-se que "é toda
a coisa que se ache na posse de uma qualquer possibilidade, seja de
agir seja de sofrer, da parte de qualquer outra coisa, ainda que
insignificante, uma acção ainda que mínima e ainda que de uma só vez"
(247 e). A possibilidade, de que fala Platão, não tem nada a ver com a
potência de Aristóteles. Efectivamente a potência é tal, só nas
comparações com um acto que, unicamente ele, é o sentido fundamental do
ser. Para Platão, porém, o sentido fundamental do ser é precisamente a
possibilidade. E é o ser assim concebido que torna possível, segundo
Platão, a ciência filosófica por excelência, a dialéctica.
§ 57. A DIALÉCTICA
§ 58. O BEM
Ora, segundo Platão, a vida do homem não pode ser uma vida fundada no
prazer. Uma vida assim, que acabaria por excluir a consciência do
prazer, é própria do animal, que não do homem. Por outro lado, não pode
ser tão-pouco uma vida de pura inteligência, que seria divina, e não
humana. Deve ser, pois, uma vida mista de prazer e de inteligência. O
importante é determinar a justa proporção em que o prazer e a
inteligência devem mesclar-se conjuntamente para constituir a forma
perfeita do bem.
O problema do bem torna-se aqui um problema de medida, de proporção, de
conveniência: a investigação moral transforma-se numa investigação
metafísica de natureza matemática. Platão apoia-se em Pitágoras: e
recorre aos conceitos pitagóricos de limite e de ilimitado.
205
Destes três princípios, por obra do demiurgo ou dos deuses a quem ele
confiou a tarefa de continuar a criação, originaram-se todos os seres e
todas as coisas naturais: por isso, à acção da inteligência, que é a
causa primeira fundamental, se juntam as causas secundárias, nas quais
agem, com uma lei de necessidade. os outros
209
por isso indispensável haver, até num estado bem ordenado, leis e
sanções penais (854 a). Mas a lei deve conservar a sua função
educativa; não deve somente comandar, mas também convencer e persuadir
pela própria bondade e necessidade: toda a lei deve, portanto, ter um
prelúdio educativo, semelhante ao que se antepõe à música e ao canto.
Quanto à punição, uma vez que ninguém acolhe de boa vontade na sua alma
a injustiça, que é o pior de todos os males, não deve ela ser uma
vingança, mas tão só corrigir o culpado, ajudando-o a libertar-se da
injustiça e a amar a justiça.
§ 61. O FILOSOFAR
Fazendo o balanço da sua vida, na Carta VII, Platão volta uma vez mais
ao problema que para ,si, como para Sócrates, englobava todos os
problemas: o do filosofar. Não se trata do problema da natureza e dos
caracteres de uma ciência objectiva, mas do problema que a própria
ciência é para o homem. Platão examina-o a propósito da sua tentativa,
tão tristemente sucedida, da educação filosófica, as suas dificuldades
e o esforço que ela exige.
O resultado foi que, ao fim de uma única lição, Dioniso julgou saber
dela o bastante e preferiu compor um escrito em que expunha como obra
sua aquilo que tinha ouvido a Platão. Outros haviam feito já, com menor
impudência, tentativas semelhantes; mas Platão não hesita em condená-
los em bloco. "O mesmo posso dizer de todos os que escreveram ou vierem
a escrever na pretensão de expor o significado da minha pesquisa, quer
a tenham ouvido a mim ou a outros, ou eles próprios o tenham
descoberto: pelo menos, em meu entender, nada compreenderam do assunto
como ele verdadeiramente é. De minha autoria não há nem jamais haverá
um escrito resumido sobre estes problemas. Dado que eles não podem ser
resumidos a fórmulas, como os outros; pois que só depois de nos
havermos familiarizado com estes problemas durante muito tempo, e
depois de se ter vivido e discutido em comum,
215
como sem esta virtude o homem não pode alçar-se à inteligência. Este
condicionalismo recíproco da sageza e da inteligência é expresso por
Platão por meio de dois conceitos: o parentesco do homem que pesquisa
com o ser que é objecto da pesquisa; e a comunidade da livre educação.
Em primeiro lugar, o homem não alcança aquela relação com o ser em que
consiste o grau mais elevado da ciência, a inteligência, senão em
virtude de um seu íntimo e profundo parentesco com o ser. "Nem a
facilidade em aprender, nem a memória poderão jamais produzir o
parentesco com o objecto, visto que tal parentesco não pode encontrar
raízes em disposições heterogéneas. As que são disformes e estranhas
ao justo e ao belo, ainda que dotadas de facilidade em aprender e de
boa memória, e as que propendem por natureza para o justo e para o
belo, mas são avessas a aprender e fracas de memória, nunca poderão
alcançar, no que respeita à virtude e à perversidade, toda a verdade
que é possível aprender" (344 a). A relação originária com o ser no seu
mais alto valor (a justiça e o bem) condiciona e estimula a eficácia e
o sucesso da pesquisa. Mas, por outro lado, a pesquisa não pode
realizar-se no mundo fechado da individualidade. Ela é produto de
homens que "vivem, juntos" e "discutem com benevolência" e sem deixarem
que a má vontade influencie as perguntas e as respostas. Quer isto
dizer que ela supõe a solidariedade do indivíduo com os outros, o
abandono da pretensão de nos julgarmos na posse da verdade e não
queremos aprender nada dos outros, a sinceridade consigo mesmo e com os
outros e o esforço solidário. O filosofar não é uma actividade que
encerre o indivíduo em si mesmo, é antes a vida que abre aos outros e
com os outros o harmoniza, Por isso, não é ele somente inteligência,
mas também frónesis, sageza de vida. Nem esta solidariedade humana da
pesquisa
218
NOTA BIBLIOGRáFICA
Para uma resenha das obras mais recentes sobre Platão (a partir de
cerca de 1930) efr. os fascículos que lhe são dedicados pela
"Philosophische Rundschau>, Tubingen, 1961-62. Nestes fascículos se
remete para a bibliografia mais recente. Ofr. também P. M. SCHUHL,
Études Platoniciennes, Paris, 1960, p. 23 segs..
§ 46. Entre oe que pensam que na fase do seu pensamento que se inicia
com o Parménides Platão formula críticas à sua própria doutrina está
GOM- =, II, p. 573. Segundo BURNET, Platonism, Berkeley,
1928, p. 58, Sõcrates é pouco mais que um "fantasma" nos diálogos
anteriores às Leis.
Sobre o Fédon ver NATORP, op. cit., p. 126 segs. sobre as principais
interpretações da teoria platónica das Ideias: LEVI, Le interpretazioni
immanentistiche della filosofia di Platone, Milano, sem data; e
especialmente O. ROSS, Pktos Theory of Ideas, Oxford,
1951.
§ 50. Sobre o Banquete e sobre o Fedro: STENZEL, ap. Cit., p. 141 segs..
§ 56. Sobre o Sofista: RiTTER, Platon, II, p. 120 .sega., 185 segs.,
642 segs.-, NATORP, op. cit., p. 271 segs.,
331 segs.; DIÊS, La définition de I'Être et Ja Nature des Idêes dans le
Sophiste de Platon, Paris, 1909; STENZEL, ZahI und Gestalt bei Platon
und Aristoteles, Leipzig, 1924, p. 10 segs., 126 se-S.; REIDEMEISTER,
Mathematik und Logik bei PZaton, Leipzig, 1942.
§ 58. Sobre o Filebo: RiTTER, Platon, II, p. 165 segs., 497 segs,
NATORP, p. 296 segs.; ROBIN, Platon, cap. 4: e a minha Introdução à
tradução de ~ITINI, Turim, 1942.
A ANTIGA ACADEMIA
§ 62. ESPEUSIPO
§ 63. XENÓCRATES
NOTA BIBLIOGRÁFICA
XI
ARISTÓTELES
§ 67. A VIDA
experimentou cá. Pois que "a vida sem corpo é a condição natural para a
alma, a vida no corpo é contra a natureza como uma doença" (fr. 41,
Rose). Aristóteles permanece aqui ligado ainda ao pessimismo órfico-
pitagórico aceite antes por Platão. "Dado que é impossível para o homem
participar da natureza do que é verdadeiramente excelente, seria melhor
para ele não ter nascido; e dado que nasceu, o melhor é morrer quanto
antes." (fr. 44, Rose).
Como se vê por este sumário, a Metafísica não é uma obra orgânica mas
um conjunto de escritos diferentes, compostos em épocas diferentes. O
livro II é o resto de um conjunto de apontamentos tirados por um aluno
de Aristóteles. O livro VI, na época alexandrina, subsistia ainda como
obra independente.
* h&~ que o& maus 4ndo têm sequer permitido para [louvar que sozinho ou
o primeiro entre os mortais demonstrou [claramente com o exemplo de ~
vida e com o rigor de seus [argumentos que o homem se torna bom e feliz
ao mesmo tempo. A ninguém até agora foi permitido tanto alcançar.
§ 73. A SUBSTÂNCIA
o ser é tal necessariamente. Mas como ser do ser, a substância tem uma
dupla função a que corresponde uma dupla consideração da mesma: é por
um lado o ser em quem se determina e limita a necessidade do ser, por
outro lado o ser que é necessidade determinante e limitadora. Podemos
exprimir a dupla funcionalidade da substância, à qual corresponde dois
significados distintos mas necessariamente conjuntos, dizendo que a
substância é, por um lado, a essência do ser, pelo outro o ser da
essência. Como essência do ser a substância é o ser determinado, a
natureza própria do ser necessário: o homem como "animal bípede".
Como ser da essência, a substância é o ser determinante, o ser
necessário da realidade existente: o animal bípede como este homem
individual. Os dois significados podem ser compreendidos sob a
expressão essência necessária, a qual dá, o mais exactamente possível,
o sentido da fórmula aristótélica.
qual se põe como norma, isso acontece, não porque é ser, mais porque é
bem; aquilo que o constitui enquanto ser é o bem, o próprio valor. A
normatividade do ser é, para Platão, estranha ao próprio ser: o ser
está no valor, não o valor no ser. Ao contrário, Aristóteles descobriu
o valor intrínseco do ser. A validade que o ser possui não lhe vem de
um principio extrínseco, do bem, da perfeição ou da ordem, mas do seu
principio -intrínseco, da substância. O ser não está no valor, mas. "o
valor no ser". Tudo aquilo que é. enquanto é, realiza o valor
primordial e único, o ser enquanto tal. A substância, como ser do ser,
dá às mais insignificantes e pobres manifestações do ser uma validade
necessária, uma absoluta normatividade. Efectivamente, não é privilégio
das realidades mais elevadas, mas encontra-se tanto na base como no
cimo da hierarquia dos seres e representa o verdadeiro valor metafísico.
ideia, por uma parte, e a ideia do homem e cada homem individual, por
outra, outras ideias; e
assim até ao infinito.
num passo famoso do livro VII. É necessário partir das coisas que são
mais cognoscíveis ao homem a fim de alcançar aquelas que são mais
cognoscíveis em si; do mesmo modo que, no campo da acção, se parte
daquilo que é bom para o indivíduo a fim de que consiga fazer seu o bem
universal (1020 b, 3). Mais facilmente cognoscíveis para o homem são as
substâncias sensíveis; portanto, destas se deve partir na consideração
das substâncias determinadas. E dado que estão sujeitas ao devir,
trata-se de saber que função desempenha a substância no devir.
Tudo aquilo que devém tem uma causa eficiente que é o ponto de partida
e o princípio do devir; devém alguma coisa (por exemplo, uma esfera ou
um círculo) que é a forma ou ponto de chegada do devir; e devém. de
alguma coisa, que não é a simples privação dessa forma, mas a sua
possibilidade ou potência e se chama matéria. O artífice que constrói
uma esfera de bronze, como não produz o bronze, tão-pouco produz a
forma de esfera que infunde no bronze. Não faz mais que dar a uma
matéria preexistente, o bronze, uma forma preexistente, a esfericidade.
Se tivesse de produzir também a esfericidade, teria de a tirar de
alguma outra coisa, como tira do bronze a esfera de bronze; isto é,
deveria haver uma matéria da qual tiraria a esfericidade e logo ainda
uma matéria desta matéria e assim até ao infinito. É evidente, pois,
que a forma ou espécie que se imprime na matéria não devém, pelo
contrário, o que devém é o conjunto da matéria e forma (sinolo) que
desta toma o nome. A substância como matéria ou como forma escapa ao
devir: ao qual pelo contrário, se submete a substância como sinolo
(VII, 8, 1033 b). Isto não quer dizer que haja uma esfera aparte das
que vemos ou uma casa fora das construídas com tijolos. Se assim fosse,
a espécie não se converteria nunca numa realidade determinada, isto é,
esta casa ou
265
esta esfera. A espécie exprime a natureza de uma coisa, não diz que a
coisa existe. Quem produz a coisa, tira de algo que existe (a matéria,
o bronze) qualquer coisa que existe e tem em si aquela espécie (a
esfera de bronze). A realidade determinada é a espécie que já subsiste
nestas carnes e nestes ossos que formam Cálias ou Sócrates, os quais
certamente são distintos pela matéria, mas idênticos pela espécie, que
é indivisível (1b., 1034 a, 5).
acto está também privado de matéria: é acto puro (Met., XII, 6, 1071 b,
22). Este acto puro ou primeiro motor não tem grandeza, portanto não
tem partes e é indivisível. Com efeito, uma grandeza finita não poderia
mover por um tempo infinito, pois que nenhuma coisa finita tem uma
potência infinita; e uma grandeza infinita não pode subsistir. Mas não
tendo matéria nem grandeza, a substância imóvel não pode mover como
causa eficiente; resta-lhe portanto que mova como causa final, enquanto
objecto da vontade e da inteligência. De facto tudo aquilo que é
desejável e inteligível move sem ser movido e um e outro se identificam
no seu princípio, pois que aquilo que se deseja é aquilo que a
inteligência julga bom enquanto é realmente tal. Na hierarquia das
realidades inteligíveis, a substância simples e em acto tem o primeiro
lugar; na hierarquia dos bens tem o primeiro lugar aquilo que é
excelente e desejável por si mesmo. Graças à identidade do inteligível
e do desejável, o sumo grau do inteligível, a substância imóvel
identifica-se com o sumo grau do desejável: a substância é pois também
o grau supremo da excelência, o sumo bem, Como tal, é objecto de amor,
move enquanto é amada, e as outras coisas são movidas pelo que ela move
dessa maneira, isto é, pelo primeiro céu (Met., XII, 7,
1072 b, 2).
Ora os lugares naturais dos quatro elementos são determinados pelo seu
respectivo peso. Ao centro do mundo está o elemento mais pesado, a
terra; à volta da terra, estão as esferas dos outros elementos na ordem
do seu peso decrescente: água, ar e fogo. O fogo constitui a esfera
extrema do universo sublunar; acima dela está a primeira esfera etérea
ou celeste, a da lua. Aristóteles era levado a esta teoria por
experiências bastante simples: a pedra imersa na água afunda-se, isto
é, tende a situar-se sob a água; uma bolha de ar aberta na água vem à
superfície, por isso o ar tende a dispor-se ao cimo da água; o fogo
arde sempre para o alto, isto é, tende a juntar-se à sua esfera que
está acima do ar.
Por outro lado, nenhuma coisa real pode ser infinita, segundo
Aristóteles. Com efeito, cada coisa existe num espaço e cada espaço tem
um centro, um baixo, um alto e um limite extremo. Mas no infinito não
pode existir nem um centro nem um
278
Daqui deriva que não podem existir outros mundos para lá do nosso e não
pode existir o vazio. Não podem existir outros mundos, pois que toda a
matéria disponível deve já estar disposta ab aeterno neste nosso
universo que tem por centro a terra e por limite extremo a esfera das
estrelas. Dado que cada elemento tende naturalmente para o seu lugar
natural, cada parte de terra tende a juntar-se à terra que está no
centro e cada elemento tende a reunir-se à própria esfera. Deste modo o
nosso universo tem de recolher toda a matéria possível e fora dele não
há matéria: ele é único. Mas fora dele não existe tão-pouco o vazio. Os
atomistas haviam sustentado que, sem o vazio, não é possível o
movimento, pois que pensavam que, se os átomos (que são semelhantes a
pedrinhas pequeníssimas) fossem impelidos ao mesmo tempo sem intervalos
vazios entre um e outro, nenhum átomo se poderia mover. Aristóteles, ao
contrário, sustenta que o movimento no vazio não seria possível.
Efectivamente no vazio não haveria nem um centro, nem um alto, nem um
baixo-, por consequência não haveria motivo para um corpo se mover numa
direcção em lugar de outra e todos os corpos permaneceriam parados.
§ 80. A ALMA
mais geral, "a alma é, num certo modo, todos os entes"; com efeito os
entes são os sensíveis ou inteligíveis e enquanto a ciência se
identifica com os entes inteligíveis, a sensação identifica-se com os
sensíveis (1b., 431 b, 20).
§ 81. A ÉTICA
Cada arte, cada pesquisa ou como cada acção e cada escolha, são feitas
com vista a um fim que nos parece bom e desejável: o fim e o bom
coincidem. Os fins das actividades humanas são múltiplos e alguns deles
são desejados com vista apenas a fins superiores; por exemplo,
desejamos a riqueza, a boa saúde, pela satisfação e os prazeres que
podem
284
dar. Mas deve haver um fim supremo, um fim que é desejado por si
próprio, e não já enquanto condição ou meio de um fim ulterior. Se os
outros fins são bens, este fim será o bem supremo, aquele de que
dependem todos os outros. Não há dúvida, segundo Aristóteles, que este
fim seja a felicidade. A procura e a determinação desse fim é o objecto
primeiro e fundamental da ciência política, porque só no que respeita a
ela se pode prescrever aquilo que os homens na sua vida social e como
seres individuais, devem fazer ou aprender. Mas em que consiste a
felicidade para o homem?
O prazer está ligado à vida que segue a virtude. Com efeito, ela é a
verdadeira actividade do homem; e toda a actividade é acompanhada e
coroada pelo prazer (Et. Nic., X 4, 1174 b). Os bens exteriores como a
riqueza, o poder ou a beleza, podem, com a sua presença, facilitar a
vida virtuosa ou torná-la mais difícil com a sua ausência: mas não
podem determiná-la. A virtude e a maldade só dependem dos homens.
Certamente o homem não escolhe o fim, que está nele por natureza, como
uma luz que o guia, a julgar rectamente e a escolher o verdadeiro bem
(111, 5, 1113 b). Mas a virtude depende precisamente da escolha que se
faz dos meios, com vista ao fim supremo. E esta escolha é livre porque
285
§ 82. A POLÍTICA
§ 83. A RETóRICA
§ 84. A POÉTICA
§ 85. A LÓGICA
pela combinação efectiva das coisas que lhes correspondem: assim.. por
exemplo, só se podem combinar as palavras "homem" e "corre" na
proposição "o homem corre" se na realidade o homem corre. Pode dizer-se
portanto que a linguagem é para Aristóteles convencional no seu
dicionário, não na sua sintaxe: a lógica deve voltar-se portanto para
esta sintaxe para analisar a estrutura fundamental do conhecimento
científico e do ser.
e a proposição particular, cada uma das quais pode por sua vez ser
afirmativa ou negativa. Estas relações resultam do esquema seguinte:
tituída por uma condicional). mas aqueles cuja Premissa maior não é a
conclusão de um Outro silogismo nem é evidente por si, mas é tomada por
via de hipótese. Um de tais silogismos é aquele que opera a redução ao
absurdo. Entre os silogismos ostensivos mais perfeitos estão os
silogismos universais da primeira figura, aos quais é possível
reconduzir todas as outras formas do silogismo. Finalmente, do
silogismo dedutivo distingue-se o silogismo indutivo ou indução, que é
a outra das duas vias fundamentais através das quais o homem alcança as
próprias crenças (68 b, 13). A indução, segundo Aristóteles, é uma
dedução que, em vez de deduzir um termo do outro mediante o termo médio
(por exemplo, a mortalidade do homem mediante o conceito de animal),
como faz o silogismo verdadeiro e legítimo, deduz o termo médio de um
extremo, valendo-se do outro extremo. Por exemplo, depois de ter
verificado que o homem, cavalo e o macho (1.O termo) são animais sem
bílis (termo médio) e que o homem, o cavalo e o macho são de longa vida
(2.O termo) deduz que todos os animais sem bílis são de longa vida: na
qual conclusão compara o termo médio e um extremo.
O "ser sem bílis" é, neste caso, o termo médio, porque é a razão ou a
causa pela qual o homem, o cavalo e o macho são de longa vida. A
indução é válida apenas se se esgotar em todos os casos possíveis; se,
no exemplo em exame, o homem, o cavalo e o macho são todos animais sem
bílis. Por isso, é de uso limitado e não pode suplantar o silogismo
dedutivo, semo se para o homem é um procedimento mais fácil e claro (68
b, 15 segs.). Aristóteles sustenta por isso que pode ser usado não na
ciência, mas na dialéctica e na oratória, isto é, como instrumento de
exercício ou de persuasão (Ret., 1, 2, 1356 b, 13).
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
312
313
INDICE
PRDdEIRA PARIT,
FILOSOFIA ANTIGA
na