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Allan Kardec - O Principiante Espírita

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www.autoresespiritasclassicos.

com

Allan Kardec

O Principiante Esprita

Rafael A Sagrada Famlia

Introduo ao conhecimento do mundo invisvel pelas manifestaes espritas; Resumo da Doutrina Esprita; Respostas s principais objees.

Contendo: Biografia de Allan Kardec

Contedo resumido
Este valioso livrinho contm uma introduo ao conhecimento do mundo invsivel, um resumo da Doutrina Esprita, alm de respostas s principais dvidas e objees que se levantam em relao ao Espiritismo. Contm ainda a biografia de Allan Kardec, por Jlio Abreu Filho.

Sumrio
Primeira Parte Noes de Espiritismo...................................................................5 Noes preliminares......................................................................5 Os Espritos....................................................................................7 Comunicao com o mundo invisvel.........................................11 Fim providencial das manifestaes............................................22 Os mdiuns...................................................................................23 Escolhos da mediunidade............................................................28 Qualidades dos mdiuns..............................................................31 Charlatanismo..............................................................................35 Identidade dos Espritos...............................................................36 Contradies................................................................................38 Conseqncias do Espiritismo.....................................................39 Segunda Parte Soluo de Problemas pela Doutrina Esprita........................................................................45 Pluralidade dos mundos...............................................................45 A alma 46 O homem durante a vida terrena.................................................48 O homem aps a morte................................................................59 Biografia de Allan Kardec..........................................................69 O meio fsico.............................................................................72 O meio social.............................................................................73 Estudo e trabalho.......................................................................75 Magnetismo...............................................................................79 As mesas girantes......................................................................81 O Codificador............................................................................85

Primeira Parte Noes de Espiritismo Noes preliminares 1. engano pensar que, para se convencerem, basta aos incrdulos o testemunho dos fenmenos extraordinrios. Aqueles que no admitem a existncia da alma, ou Esprito, no homem, tambm no o admitem fora do homem. Assim, negam a causa e, em conseqncia, negam os efeitos. Via de regra tm uma idia preconcebida e um propsito negativo, que impossibilita a observao exata e imparcial. Com isso levantam problemas e objees que no podem ser respondidas de modo completo porque cada uma delas exigiria como que um curso, em que as coisas fossem expostas desde o princpio. Como essas objees derivam, em grande parte, do desconhecimento das causas dos fenmenos e das condies em que os mesmos se verificam, um estudo prvio teria a vantagem de as eliminar. 2. Imaginam os desconhecedores do Espiritismo que os fenmenos espritas podem ser produzidos do mesmo modo que as experincias de Fsica ou de Qumica. Por isso pretendem submet-los sua vontade e se recusam colocar-se nas condies exigidas para poder observ-los. Como, de incio, no admitem a existncia dos Espritos e a sua interveno, assim desconhecendo a sua natureza e o seu modo de agir, essas pessoas se comportam como se lidassem com a matria bruta. E porque no conseguem aquilo, concluem que no h Espritos. Entretanto, se se colocassem em ponto de vista diverso, compreenderiam que os Espritos no passam de almas dos homens; que todos ns, aps a morte, seremos Espritos; e que, ento, no teremos disposio para servir de joguete e satisfazer a fantasia dos curiosos.

3. Mesmo quando certos fenmenos possam ser provocados, no se acham, de modo algum, disposio de ningum, por isso que provm de inteligncias livres. Quem se dissesse capaz de os obter sempre que quisesse apenas provaria ignorncia ou m-f. H que esperar, para os colher de passagem. E, muitas vezes, quando menos se espera que se apresentam os fatos mais interessantes e convincentes. Nisto, como em tudo, os que desejam seriamente instruir-se devem ter pacincia e perseverana e se colocar nas condies adequadas. Sem isto melhor ser no cogitar do assunto. 4. As reunies que visam as manifestaes espritas nem sempre se acham em condies adequadas obteno de resultados satisfatrios, ou a afirmar convices. foroso, mesmo, convir que por vezes os incrdulos saem menos convencidos do que entraram e lanam em rosto dos que lhes falaram do carter srio do Espiritismo as coisas ridculas que testemunharam. verdade que neste particular no so mais lgicos do que aquele que pretendesse julgar uma arte pelas primeiras demonstraes de um aprendiz, ou uma pessoa pela sua caricatura ou, ainda, uma tragdia por sua parquia. Tambm o Espiritismo tem os seus aprendizes. E quem quiser informar-se no deve buscar os ensinos numa fonte nica, porque somente o exame comparado pode permitir se firme uma opinio. 5. Tm as reunies frvolas o grande inconveniente de dar aos novatos, que as assistem, uma falsa idia do carter do Espiritismo; e os que s hajam freqentado reunies de tal espcie no podem levar a srio uma coisa que aos seus olhos tratada com somenos importncia pelos que se dizem seus adeptos. Um estudo prvio ensinar-lhes- a avaliar o alcance daquilo que vem e distinguir entre o bom e o mau.

6. Idntico raciocnio se aplica aos que julgam o Espiritismo pelo que dizem algumas obras esquisitas, que o apresentam de modo ridculo e incompleto. No pode o Espiritismo srio responder pelos que mal o compreendem, ou o praticam em desacordo com os seus preceitos, do mesmo modo que no responde a Poesia pelos que fazem versos maus. Deplora a existncia de tais obras, prejudiciais verdadeira cincia. Na verdade seria prefervel que s as houvesse boas. Entretanto, o maior mal est em que no se dem ao trabalho de as estudar todas. Alis, todas as artes, como todas as cincias, esto no mesmo caso. No aparecem tratados cheios de erros e de absurdos sobre as coisas mais srias? Por que seria, em particular, o Espiritismo privilegiado, principalmente em seu incio? Se os que o criticam no julgassem pelas aparncias, saberiam aquilo que ele admite e aquilo que ele rejeita e no o responsabilizariam por aquilo que ele repele em nome da razo e da experincia. Os Espritos 7. Os Espritos no constituem, como supem alguns, uma classe parte na criao: eles so as almas dos que viveram na Terra e em outros mundos, mas despojadas de seu invlucro corporal. Os que admitem que a alma sobreviva ao corpo admitem, por isso mesmo, a existncia dos Espritos. Neg-los importa negar a alma. 8. Em geral se faz uma idia muito errada do estado dos Espritos. No so seres vagos e indefinidos, como muitos pensam, nem chamas semelhantes aos fogos-ftuos ou

fantasmas tais quais os descrevem os contos de almas do outro mundo. So seres semelhantes a ns, com um corpo como o nosso, apenas fludico e, normalmente, invisvel. 9. Quando unida ao corpo, durante a vida, tem a alma um envoltrio duplo: um pesado, grosseiro e destrutvel o corpo; outro leve, fludico e indestrutvel o perisprito. 10. Assim, h no homem trs elementos essenciais: I - a alma ou Esprito, princpio inteligente, no qual residem o pensamento, a vontade e o senso moral; II - o corpo, envoltrio material, que pe o Esprito em relao com o mundo exterior; III - o perisprito, envoltrio fludico, leve, impondervel, que serve de ligao e de intermedirio entre o Esprito e o corpo. 11. Quando o envoltrio exterior se acha usado e no pode mais funcionar, cai; o Esprito o abandona, assim como a noz se despe da casca, a rvore da cortia, a serpente da pele; numa palavra, do mesmo modo que deixamos uma roupa que no nos serve mais. A isto chamamos morte. 12. A morte somente a destruio do envoltrio corporal, abandonado pela alma, como a borboleta abandona a crislida. Mas o Esprito conserva o corpo fludico, ou perisprito. 13. A morte do corpo liberta o Esprito do lao que o prendia Terra e lhe causava sofrimento. Liberto desse fardo, s lhe resta o corpo etreo, que lhe permite percorrer os espaos e vencer distncias com a rapidez do pensamento. 14. Alma, perisprito e corpo unidos constituem o homem; alma e perisprito separados do corpo constituem o ser que chamamos Esprito. Observao: Assim, a alma um ser simples, o Esprito um ser duplo e o homem um ser triplo. Seria mais preciso

reservar o vocbulo alma para designar o princpio inteligente; esprito para o semimaterial, constitudo desse princpio e do corpo fludico. Como, porm, no possvel conceber o princpio inteligente isolado da matria, nem o perisprito sem que esteja animado pelo princpio inteligente, alma e esprito so, em geral, empregados indistintamente: a figura que consiste em tomar a parte pelo todo, da mesma maneira por que se diz que uma cidade habitada por tantas almas, uma vila constituda de tantos fogos. Entretanto, filosoficamente essencial que se faa a diferena. 15. Revestidos de corpos materiais, os Espritos constituem a Humanidade, ou mundo corpreo visvel; despojados desses corpos, constituem o mundo espiritual, ou invisvel; este enche o espao. Vivemos em seu meio, sem disso nos apercebermos, assim como vivemos no mundo dos infinitamente pequenos, do qual no suspeitvamos antes que tivesse sido inventado o microscpio. 16. Assim, os Espritos no so seres abstratos, vagos e indefinidos, mas concretos e circunscritos; s lhes falta a faculdade de serem vistos, para que sejam semelhantes aos homens. Disso decorre que, se de momento fosse levantado o vu que no-los oculta, constituiriam eles uma populao em redor de ns. 17. Possuem todas as percepes que tinham na Terra, mas em grau mais alto, pois suas faculdades no se acham amortecidas pela matria; tm sensaes que desconhecemos, vem e ouvem coisas que os nossos limitados sentidos nem vem, nem ouvem. Para eles no h obscuridade, salvo para os que, por castigo, se acham em trevas temporrias. Todos os nossos pensamentos neles repercutem: lem-nos como num livro aberto. Assim, aquilo que lhes poderamos esconder durante a vida terrena, no mais o poderemos aps a sua desencarnao. 1

18. Os Espritos se acham em toda parte, ao nosso lado, acotovelando-nos e nos observando incessantemente. Por sua constante presena em nosso meio so agentes de vrios fenmenos, representam papel importante no mundo moral e, at certo ponto, no mundo fsico. Constituem, se assim podemos dizer, uma das foras da Natureza. 19. Admitida a sobrevivncia da alma ou Esprito, racional admitir que continuem as suas afeies. Sem isto as almas dos nossos parentes e amigos estariam totalmente perdidas para ns depois da morte. E como os Espritos podem ir a toda parte, tambm racional admitir que os que nos amaram durante a vida terrena ainda nos amem depois de mortos, venham at junto de ns e se sirvam dos meios encontrados sua disposio. Isto confirmado pela experincia. Realmente, prova a experincia que os Espritos conservam as afeies srias que tinham na Terra, alegram-se em se aproximar dos que amaram, sobretudo quando atrados pelos sentimentos afetuosos, ao passo que revelam indiferena pelos que se lhes mostram indiferentes. 20. O fim do Espiritismo demonstrar e estudar a manifestao dos Espritos, as suas faculdades, a sua situao feliz ou infeliz, o seu porvir. Numa palavra, a sua finalidade o conhecimento do mundo espiritual. Evidenciadas essas manifestaes, conduzem prova irrefragvel da existncia da alma, da sua sobrevivncia ao corpo, da sua individualidade aps a morte, isto , da vida futura. Assim, ele a negao das doutrinas materialistas, no s mediante o raciocnio, mas, e principalmente, pelos fatos. 21. Uma idia muito generalizada entre os que desconhecem o Espiritismo supor que, pelo simples fato de estarem desprendidos da matria, os Espritos tudo devem saber e estar de posse da sabedoria suprema. um erro grave. No passando de almas dos homens, os Espritos no adquirem a perfeio ao deixar o envoltrio terreno: seu progresso s se faz

paulatinamente, medida que se despojam de suas imperfeies e conquistam os conhecimentos que lhes faltam. Admitir que o Esprito de um selvagem ou de um criminoso repentinamente se tornasse sbio e virtuoso seria to ilgico quanto seria contrrio justia de Deus admitir que continuasse eternamente na inferioridade. H homens em todas as gradaes do saber e da ignorncia, da bondade e da malvadez. O mesmo se d com os Espritos. Alguns destes so apenas frvolos e brincalhes; outros, mentirosos, fraudulentos, hipcritas, vingativos e maus; outros, ao contrrio, possuem as mais sublimes virtudes e o saber em medida desconhecida na Terra. Essa diversidade na situao dos Espritos um dos mais importantes pontos a considerar, pois que explica a natureza, boa ou m, das comunicaes que se recebem. E todo cuidado deve ser posto em distingui-las. 2 Comunicao com o mundo invisvel 22. Desde que sejam admitidas a existncia, a sobrevivncia e a individualidade da alma, reduz-se o Espiritismo a uma questo principal: Sero possveis as comunicaes entre as almas e os homens? A experincia demonstrou tal possibilidade. Estabelecido o fato das relaes entre o mundo visvel e o invisvel, conhecidos a natureza, o princpio e a maneira dessas relaes, abriu-se novo campo observao e foi encontrada a chave de inmeros problemas. Eliminando a dvida sobre o futuro, o Espiritismo um poderoso elemento de moralizao. 23. A idia falsa que se tem do estado da alma aps a morte que faz brotar na mente de muitos a dvida sobre a possibilidade das comunicaes de alm-tmulo. Imaginam-na como um sopro, um vapor ou uma coisa vaga, s admissvel ao pensamento e que se evapora e se esvai, no se sabe para

onde, mas, talvez, para to longe que no compreendem possa voltar Terra. Se, entretanto, a considerarmos ligada a um corpo fludico semimaterial, constituindo, assim, um ser concreto e individual, suas relaes com os homens no sero incompatveis com a razo. 24. Vivendo o mundo visvel de permeio com o mundo invisvel, em permanente contacto, origina uma contnua reao de um sobre o outro. Disso decorre que desde que houve homens, tambm ouve Espritos e se estes podem manifestarse, devem t-lo feito em todos os tempos e entre todos os povos. Entretanto, as manifestaes dos Espritos tiveram enorme desenvolvimento nos ltimos tempos e adquiriram um cunho de maior autenticidade, porque estava nos desgnios de Deus pr termo incredulidade e ao materialismo, por meio de provas evidentes, permitindo aos que deixaram a Terra que viessem demonstrar a sua existncia, revelando-nos a sua situao feliz ou infeliz. 25. Podem as relaes entre o mundo visvel e o invisvel ser ocultas ou patentes, espontneas ou provocadas. Atuam os Espritos de modo oculto sobre os homens, sugerindo-lhes idias, e os influenciando de modo acintoso, por meio de efeitos registrados pelos sentidos. As manifestaes espontneas ocorrem inopinadamente, de improviso. Freqentemente se do entre pessoas inteiramente estranhas s cogitaes espritas, as quais, por isso mesmo, no tendo meios de as explicar, as atribuem a causas sobrenaturais. As provocadas do-se por influncia de certas pessoas dotadas de faculdades especiais, e designadas pelo nome de mdiuns.3 26. Os Espritos podem manifestar-se por vrias maneiras: pela vista, pela audio, pelo tato, fazendo rudos ou movimentos de corpos, pela escrita, pelo desenho, pela msica, etc..

27. s vezes se manifestam espontaneamente, por meio de pancadas e rudos. o meio que muito freqentemente empregam para indicar a sua presena e chamar a ateno, como fazemos ns ao bater a uma porta, para dar aviso de nossa presena. Alguns no se limitam a rudos leves: fazem uma bulha semelhante de loua que cai e se parte em pedaos, de portas que se abrem e se fecham com estrondo, de mveis atirados ao cho; chegam, at, a produzir grande perturbao e verdadeiros estragos.4 28. O perisprito matria etrea, posto que invisvel no estado normal. Em alguns casos pode o Esprito submeter-se a uma espcie de modificao molecular, assim se tornando visvel e, at, tangvel. assim que se produzem as aparies, fenmenos que no so mais admirveis do que o do vapor que, invisvel quando muito rarefeito, torna-se visvel pela condensao. Quando se tornam visveis, quase sempre os Espritos se apresentam com a aparncia que tinham em vida, tornando-se, assim, reconhecveis. 29. A viso permanente e geral dos Espritos muito rara; mas as aparies isoladas so bastante freqentes, sobretudo no momento da morte. Quando deixa o corpo, parece que o Esprito tem pressa de rever parentes e amigos, como que para os avisar de que no mais est na Terra, mas que vive ainda. Se passarmos em revista as nossas recordaes, verificaremos quantos casos verdicos dessa ordem ocorreram conosco, sem que os soubssemos explicar adequadamente e no s noite, durante o sono, mas de dia, na mais perfeita viglia. Antigamente esses fatos eram tidos como sobrenaturais e maravilhosos e atribudos magia e feitiaria. Hoje os incrdulos os consideram como produtos da imaginao. Mas desde que a cincia esprita nos deu os elementos para os

explicar, ficamos sabendo como eles se produzem e, ainda, que pertencem classe dos fenmenos naturais. 30. Em vida, por meio do perisprito que o Esprito atua sobre o corpo; ainda por esse fluido que ele se manifesta, agindo sobre a matria inerte, produzindo rudos, movendo mesas e levantando, derrubando ou transportando outros objetos. Tal fenmeno nada tem de surpreendente, desde que se considere que nossos mais poderosos motores saem dos fluidos mais rarefeitos e at dos imponderveis, como o ar, o vapor e a eletricidade. tambm por meio do perisprito que o Esprito faz que os mdiuns falem, escrevam ou desenhem. Desde que no tem corpo tangvel para agir ostensivamente, quando quer manifestar-se serve-se o Esprito do corpo do mdium, de cujos rgos se apossa, movendo-os como se fossem seus, por meio de um eflvio com o qual os envolve e os penetra. 31. No fenmeno das mesas girantes e falantes ainda pela mesma maneira que os Espritos agem sobre o mvel, fazendo-o mover-se sem objetivo determinado ou dando golpes intencionais, que indicam as letras do alfabeto e formam palavras e frases. o fenmeno da tiptologia. A mesa simples instrumento de que se serve o Esprito, como se serve do lpis para escrever; d-lhe uma vitalidade momentnea, por meio do fluido com que o penetra, mas no se identifica com ela . As pessoas que, emocionadas, abraam a mesa diante da manifestao de um ser amado, praticam um ato ridculo, pois seria o mesmo que abraar a bengala com a qual um amigo batesse porta. Outro tanto poderamos dizer das que se dirigem mesa, como se o Esprito se achasse entranhado na madeira, ou se a madeira se tivesse transformado no Esprito. Por ocasio dessas comunicaes o Esprito no est na mesa, mas a seu lado, como aconteceria se estivesse vivo. A seria visto, se ento pudesse tornar-se visvel.

O mesmo acontece nas comunicaes escritas: o Esprito coloca-se ao lado do mdium, dirige-lhe a mo ou lhe transmite o seu pensamento por meio de uma corrente fludica. Quando a mesa se ergue do solo e se libra no espao sem ponto de apoio, no pela fora fsica dos braos que o Esprito a levanta: por meio de uma atmosfera fludica, que a envolve e a interpenetra. Esse fluido neutraliza a fora de gravidade, do mesmo modo que o ar com os bales e os papagaios de papel. Interpenetrando a mesa, o fluido lhe d, momentaneamente, menor peso especfico. Quando ela repousa no solo est no mesmo caso da campnula da mquina pneumtica, quando se faz o vcuo. Isto uma simples comparao, para mostrar a analogia dos efeitos, mas no uma identidade de causas. Quando a mesa persegue algum, no o Esprito que corre: ele pode estar tranqilo, em seu lugar e apenas lhe dar, por uma corrente fludica, o impulso necessrio para que se mova sua vontade. Nas batidas que se ouvem na mesa ou noutros objetos, no o Esprito quem bate com a mo, ou com qualquer objeto: ele lana um jato de fluido no ponto de onde vem o rudo e produz o efeito de um choque eltrico, modificando os sons, do mesmo modo que podem modificar-se os que se ouvem no ar. Fcil , pois, compreender-se como o Esprito pode erguer uma pessoa no ar, levantar um mvel qualquer e transportar um objeto de um lugar para outro, ou atir-lo onde quiser. Tais fenmenos so regidos por uma mesma lei. 32. Por estas poucas palavras pode-se ver que, seja qual for a sua natureza, as manifestaes espritas nada tm de sobrenatural ou de maravilhoso: so fenmenos produzidos em virtude da lei que rege as relaes entre o mundo visvel e o invisvel e que to natural quanto as leis da eletricidade ou da gravidade. o Espiritismo a cincia que nos d a conhecer essa lei, do mesmo modo que a Mecnica nos ensina as leis do movimento e

a tica as da luz. Desde que so um fato natural, as manifestaes espritas ocorreram em todos os tempos. Uma vez conhecida a lei que as rege, ficam explicados grande nmero de problemas que eram tidos como insolveis; essa lei a chave de uma poro de fenmenos explorados e aumentados pela superstio. 33. Afastado o maravilhoso, tais fatos nada apresentam que repugne razo, de vez que passam a ter um lugar prprio entre outros fenmenos naturais. Em tempos de ignorncia eram tidos como sobrenaturais todos aqueles efeitos cuja causa era desconhecida. Mas as descobertas da cincia foram restringindo continuamente o mbito do maravilhoso, que o conhecimento da nova lei acabou por aniquilar. Assim, pois, os que acusam o Espiritismo de restaurar o maravilhoso provam, por isso mesmo, que falam de uma coisa que desconhecem. 34. As manifestaes espritas so de duas ordens: efeitos fsicos e comunicaes inteligentes . Os primeiros so fenmenos materiais ostensivos, tais como movimentos, rudos, transportes de objetos, etc.; os ltimos consistem na permuta regular de pensamentos, quer por meio de sinais, quer por meio da palavra principalmente da palavra escrita. 35. As comunicaes obtidas dos Espritos podem ser boas ou ms, exatas ou falsas, profundas ou frvolas, conforme a natureza dos que as transmitem. Os que do mostras de sabedoria e de erudio so Espritos adiantados na senda do progresso; os que mostram ignorncia e maldade ainda so atrasados. Mas com o tempo ho de progredir. Os Espritos podem responder apenas sobre aquilo que sabem, de conformidade com o seu adiantamento e, ainda assim, dentro dos limites do que lhes permitido dizer pois h coisas que no podem revelar, de vez que nem tudo dado ainda ao homem conhecer.

36. Da diversidade de aptides e de qualidades dos Espritos decorre que no basta nos dirigirmos a qualquer um para que obtenhamos resposta certa sobre um assunto qualquer. Em relao a muitas coisas s lhes possvel dar-nos uma opinio pessoal, que tanto pode estar certa, quanto errada. Se for prudente, no deixar ele de confessar sua ignorncia sobre aquilo que desconhece; se for frvolo ou mentiroso responder a todas as perguntas, pouco se importando com a verdade; se for orgulhoso, dar sua opinio como se fosse uma verdade absoluta. Por isso diz So Joo Evangelista: No creiais em todos os Espritos, mas examinai se eles so de Deus. Mostra a experincia a sabedoria deste conselho. Seria imprudncia e leviandade aceitar sem exame tudo aquilo que vem dos Espritos. necessrio conhecer bem o carter dos que esto em relao conosco. 5 37. Pela linguagem se conhece a qualidade dos Espritos. A dos verdadeiramente bons e superiores sempre digna, nobre, lgica e isenta de contradies; transparece sabedoria, benevolncia, modstia e a mais pura moral; concisa e sem palavras inteis. A dos inferiores, ignorantes ou orgulhosos quase sempre compensa a nulidade das idias pela abundncia de palavras. Todo pensamento evidentemente falso, todo ensino contrrio s moral, todo conselho ridculo, toda expresso grosseira, banal ou apenas frvola, enfim toda manifestao de malevolncia, de arrogncia ou de presuno sinal inconteste de inferioridade do Esprito. 38. Os Espritos inferiores so mais ou menos ignorantes; seu horizonte moral limitado, sua perspiccia reduzida. Tm das coisas uma idia geralmente incompleta ou falsa e, ainda mais, conservam os preconceitos terrenos que, muitas vezes, tomam como verdades. Por isso so incapazes de dar opinio em vrias questes. Voluntria ou involuntariamente podem

induzir-nos em erro sobre coisas que eles prprios no compreendem. 39. Pelo fato de serem inferiores, os Espritos no so todos maus: alguns so apenas ignorantes e levianos; outros so brincalhes, alegres e espirituosos e sabem empregar a stira fina e mordaz. Ao seu lado, no mundo espiritual, como na Terra, encontram-se todos os gneros de perversidade e toda a gradao de superioridade moral e intelectual. 40. Os Espritos superiores s se ocupam de comunicaes inteligentes e instrutivas; as manifestaes fsicas, ou simplesmente materiais, so antes obra de Espritos inferiores, vulgarmente chamados Espritos batedores , assim como entre ns as provas de fora fsica so executadas por saltimbancos e no por cientistas. 41. Quando entramos em comunicao com os Espritos devemos estar calmos e concentrados; nunca perder de vista que eles so as almas dos homens e que inconveniente transformar o trabalho num brinquedo ou num pretexto para um divertimento. Se respeitamos os seus despojos mortais, mais ainda devemos respeitar as almas que os animaram. As reunies frvolas ou sem objetivo srio fogem, assim, a um dever. Os que a compem esquecem que, de um momento para outro podem passar ao mundo dos Espritos; e no ficariam satisfeitos se fossem tratados com desateno. 42. H que considerar outro ponto, de idntica importncia: que os Espritos so livres. S se comunicam quando querem, com quem lhes convm e quando os seus afazeres o permitem. No esto s ordens ou merc dos caprichos de quem quer que seja; e ningum poder obrig-los a vir quando no querem ou a revelar aquilo que desejam silenciar. Assim, ningum poder garantir que tal Esprito h de responder a esta ou aquela pergunta que lhe for feita. Afirm-lo demonstrar ignorncia dos princpios mais elementares do Espiritismo. E s a charlatanice tem princpios infalveis .

43. Os Espritos so atrados pela simpatia, pela semelhana de gestos e de caracteres ou pela inteno dos que desejam a sua presena. Os superiores no vo s reunies fteis, do mesmo modo que os cientistas da Terra no vo a uma assemblia de jovens estrdios. Diz-nos o simples bom-senso que no pode ser de outro modo. Entretanto, se por acaso algumas vezes ali se mostram visando dar salutares conselhos, combater os vcios e reconduzir ao bom caminho aqueles que se haviam transviado. E se no forem atendidos, retiram-se. Um juzo completamente errado faz aquele que pensa que os Espritos srios se prestem a responder a futilidades, a perguntas ociosas, nas quais se revela a pouca afeio e o desrespeito para com ele, bem como o pouco desejo de se instruir. Menos ainda que venham dar espetculo para divertir os curiosos. Se no fariam tal coisa em vida, tambm no o faro depois de mortos. 44. A conseqncia das reunies frvolas a atrao de Espritos levianos, que apenas buscam ocasio para enganar e mistificar. Pela mesma razo que os homens graves e srios no tomam parte em reunies de importncia medocre, os Espritos srios s se manifestam em reunies srias, que no visem a curiosidade, mas a instruo. em tais reunies que os Espritos superiores do os seus ensinamentos. 45. Decorre do que precede que, para ser proveitosa, toda reunio esprita deve, como primeira condio, ser sria e homognea; nela tudo deve passar-se respeitosa, religiosa e dignamente, desde que se deseje o concurso habitual dos bons Espritos. preciso no esquecer que se essas mesmas entidades a ela tivessem comparecido em vida, teriam sido tratadas com toda considerao a que tm ainda mais direito

depois

de

mortas.

Parei

aqui
46. Em vo alegam que certas experincias frvolas, curiosas ou divertidas so necessrias para convencer os incrdulos. Assim chegam a um resultado diametralmente oposto. Inclinado a escarnecer das mais sagradas crenas, no pode o incrdulo ver algo de srio naquilo de que zomba, nem respeitar uma coisa que lhe no apresentada de modo respeitvel. Por isso habitualmente se retira com uma impresso m das reunies banais e levianas, das reunies onde no encontra ordem, nem seriedade e recolhimento. O que principalmente pode convenc-lo a prova da presena de seres cuja memria lhe querida; diante de suas palavras srias mas suaves, de suas revelaes ntimas, que se comove e empalidece. Ora, o fato mesmo de respeitar, venerar e amar a criatura cuja alma lhe apresentam, deixa-o chocado e escandalizado, por v-la numa reunio irreverente, entre mesas girantes e piruetas de Espritos brincalhes. Sua conscincia de incrdulo repele essa mistura de coisas srias com coisas ridculas, do religioso com o profano. Ento considera tudo como charlatanice e s vezes sai menos convencido do que ao entrar. Reunies dessa natureza ocasionam sempre mais mal do que bem, pois afastam da doutrina mais gente do que atraem. Alm do mais, elas se prestam crtica dos detratores, que a encontram razes fundadas para a sua zombaria. 47. erro considerar as manifestaes fsicas como um brinquedo. Se elas no tm a importncia do ensino filosfico,

tm utilidade do ponto de vista da fenomenologia, porque constituem o ABC da cincia, cuja chave nos trouxeram. Posto sejam hoje menos necessrias, concorrem para a convico de algumas pessoas. Mas, de modo algum, so incompatveis com a ordem e com a decncia que devem presidir essas reunies experimentais. Se fossem sempre praticadas com a necessria convenincia, convenceriam mais facilmente e, sob todos os pontos de vista, produziriam resultados muito melhores. 48. Alguns fazem das evocaes uma idia muito falsa: crem que elas consistem em atrair os mortos com todo o lgubre aparato dos tmulos. O pouco que j dissemos sobre isto basta para dissipar este erro. S nos romances, nos contos fantsticos de almas penadas e no teatro que aparecem os mortos desencarnados saindo dos seus sepulcros enrolados em mortalhas e chocalhando os ossos. O Espiritismo jamais fez milagres: nunca os produziu e jamais pretendeu ressuscitar um corpo morto. Quando o corpo est na sepultura, dela jamais sair; mas o ser espiritual, fludico e inteligente ali no se acha com o invlucro material do qual se separou no momento da morte. Uma vez operada tal separao, entre eles nada mais existe de comum. 49. A crtica malvola apresentou as manifestaes espritas como uma mescla de prticas ridculas da magia e da necromancia. Se as pessoas que falam de Espiritismo sem o conhecer tivessem o trabalho de o estudar, teriam poupado esse esforo de imaginao, que apenas serve para demonstrar a sua ignorncia e a sua m-vontade. Cabe dizer s pessoas estranhas ao Espiritismo que para nos comunicarmos com os Espritos no h dias, nem lugares, nem horas mais propcios que outros. Para os evocar no h formas sacramentais ou cabalsticas; no h necessidade de qualquer preparao ou iniciao; o emprego de qualquer sinal ou

qualquer objeto material, visando atra-los ou os repelir nenhum efeito produzem: basta o pensamento. Finalmente, os mdiuns recebem as comunicaes to simples e naturalmente como se recebessem um ditado de uma criatura viva, sem sarem de seu estado normal. S o charlatanismo emprega maneiras esquisitas e acessrios ridculos. O apelo aos Espritos feito em nome de Deus, respeitosamente e com recolhimento: o nico preceito recomendado s pessoas srias, que desejam comunicar-se com Espritos srios. Fim providencial das manifestaes 50. O fim providencial das manifestaes espritas convencer os incrdulos de que nem tudo se acaba com a vida terrena e dar aos crentes uma idia mais justa do futuro. Os bons Espritos vm instruir-nos, visando o nosso melhoramento e o nosso progresso e no para nos revelar aquilo que ainda no podemos saber ou que apenas o deve ser como resultado do nosso trabalho. Se bastasse interrog-lo para conseguir a soluo de todas as questes cientficas, ou para fazer descobertas e invenes rendosas, qualquer ignorante poderia, sem estudar, tornar-se um cientista e todo preguioso poderia ficar rico sem trabalhar. Mas o que Deus no permite. Os Espritos ajudam o homem de gnio pela inspirao oculta, mas no o eximem do trabalho nem o libertam da investigao, a fim de lhe deixar o mrito. 51. Uma idia muito errada dos Espritos formaria aquele que neles visse apenas os ajudantes dos ledores da buena-dicha. Os Espritos srios recusam ocupar-se de coisas fteis; os frvolos e os brincalhes tratam de tudo, a tudo respondem, predizem tudo quanto se queira, sem nenhuma considerao verdade, e encontram um malvolo prazer em mistificar as criaturas demasiado crdulas. Por isso essencial estar perfeitamente

atento sobre a natureza das perguntas que podem ser dirigidas aos Espritos.6 52. Fora daquilo que poder ajudar ao nosso progresso moral, s incertezas encerram as revelaes feitas pelos Espritos. A primeira conseqncia m para quem desvia sua faculdade do seu objetivo providencial ser mistificado pelos Espritos enganadores, que pululam em torno dos homens; a segunda ficarem dominados por esses mesmos Espritos que, por meio de conselhos prfidos, podem conduzi-lo a verdadeiras desgraas materiais na Terra; a terceira perder, aps a vida terrena, o fruto do conhecimento do Espiritismo. 53. Assim, as manifestaes espritas no se destinam a servir aos interesses materiais: sua utilidade reside nas conseqncias morais decorrentes. Entretanto, se seu resultado fosse unicamente demonstrar, de modo material, a existncia da alma e a sua imortalidade, j seria muito, porque temos um novo e largo caminho aberto filosofia. Os mdiuns 54. Apresentam os mdiuns uma grande variedade de aptides, que os tornam mais ou menos adequados para a obteno deste ou daquele fenmeno, deste ou daquele gnero de comunicaes. Conforme tais aptides eles se dividem em mdiuns de efeitos fsicos, de comunicaes inteligentes, videntes, falantes, auditivos, sensitivos, desenhistas, poliglotas, poetas, msicos, escreventes , etc.. No devemos esperar do mdium nada que esteja fora dos limites de sua faculdade. Sem o conhecimento das aptides medinicas, o observador no achar explicao para certas dificuldades ou para certas impossibilidades encontradas na prtica.7

55. Os mdiuns de efeitos fsicos so particularmente mais aptos para a produo de fenmenos materiais, como os movimentos, as batidas, etc., com o auxlio de mesas ou outros objetos. Quando tais fenmenos revelam um pensamento, ou obedecem a uma vontade, so efeitos inteligentes e, como tal, denotam uma coisa inteligente. este um dos modos pelos quais se manifestam os Espritos. Por meio de um nmero de batidas, previamente convencionadas, obtm-se a resposta pelo sim ou pelo no, ou, ainda, a designao das letras do alfabeto, com as quais se formam palavras e frases. Esse mtodo primitivo muito demorado e no permite grande desenvolvimento. As mesas falantes foram o incio da cincia. Hoje, porm, j existem meios de comunicao to rpidos e completos como entre os vivos, de modo que ningum mais emprega aqueles, a no ser acidentalmente e como experincia. 56. De todos os meios de comunicao, a escrita ao mesmo tempo o mais simples, o mais rpido, o mais cmodo e aquele que permite maior desenvolvimento. Tambm a faculdade que se encontra com mais freqncia. 57. A princpio, para obter a comunicao escrita, usaram-se meios materiais, como a cesta, a prancheta, etc., munidas de um lpis.8 Mais tarde foi reconhecida a inutilidade desses acessrios e a possibilidade dos mdiuns escreverem diretamente com a mo, como nas condies ordinrias. 58. O mdium escreve influenciado pelos Espritos, que dele se servem como de um instrumento. Sua mo tangida por um movimento involuntrio, que muitas vezes no pode dominar. Certos mdiuns no tm conscincia do que escrevem; outros tm uma vaga idia, posto que o pensamento lhes seja estranho. E isto o que distingue os mdiuns mecnicos dos mdiuns intuitivos ou dos semimecnicos.

A cincia esprita explica a maneira por que o pensamento do Esprito transmitido ao mdium e o papel que tem este nas comunicaes.9 59. O mdium possui apenas a faculdade de transmitir a comunicao. Esta, porm, depende da vontade dos Espritos. Se eles no se quiserem manifestar, nada conseguir o mdium: ser um instrumento sem msico para tocar. Como os Espritos s se comunicam quando podem, ou quando querem, no se acham sujeitos ao capricho de ningum: nenhum mdium pode for-los a se apresentarem . Isto explica a intermitncia da mediunidade mesmo nos melhores mdiuns , que, por vezes, chega a durar meses. , pois, um erro pensar que a mediunidade seja derivada do talento do mdium. O talento se adquire pelo trabalho e quem o possui sempre seu senhor, enquanto que o mdium jamais senhor de sua faculdade: ela depende de uma vontade estranha. 60. Quando os mdiuns de efeitos fsicos obtm a produo de certos fenmenos vontade e com regularidade desde que no haja dolo que se acham em relao com Espritos de baixa categoria, que se comprazem em tais exibies e que, possivelmente, foram prestidigitadores na Terra. Seria, ento, absurdo pensar que Espritos mesmo de pouca elevao se divirtam em espetculos teatrais. 61. A obscuridade necessria produo de alguns dos efeitos fsicos presta-se a suspeitas, mas nada prova contra a autenticidade dos fatos. Sabe-se que em Qumica certas combinaes no podem ser realizadas em plena luz; muitas composies e decomposies se do sob a ao do fluido luminoso. Ora, todo fenmeno esprita resulta de uma combinao de fluidos prprios do Esprito com os fluidos do mdium. Como tais fluidos so matria, no admira que, em determinadas condies, sua combinao seja contrariada pela ao da luz.

62. As comunicaes inteligentes tambm se realizam pela ao do fluido do Esprito sobre o mdium; preciso que o fluido do mdium se identifique com o do Esprito. Assim, a facilidade das comunicaes depende do grau de afinidade que se estabelea entre os dois fluidos. Cada mdium se torna, assim, mais ou menos apto a receber a impresso ou a impulso do pensamento deste ou daquele Esprito. Pode ser um bom instrumento para um e pssimo para outro. Em conseqncia, estando dois mdiuns, igualmente bem dotados, sentados lado a lado, um Esprito talvez s por um possa manifestar-se. 63. erro pensar que basta ser mdium para receber com a mesma facilidade comunicaes de qualquer Esprito. No h mdiuns universais para as evocaes, como no os h com aptides para toda sorte de fenmenos. Os Espritos buscam, de preferncia, os instrumentos mais adequados. Ento querer impor-lhe o primeiro mdium de que disponhamos seria o mesmo que querer obrigar um pianista a tocar violino, apenas porque, de vez que sabe msica, poder tocar qualquer instrumento. 64. As comunicaes so impossveis, ou incompletas, ou, ainda, falsas, desde que no haja a harmonia s realizada pela assimilao dos fluidos. Podem ser falsas porque, em lugar do Esprito que se deseja, no faltaro outros que estejam sempre dispostos a manifestar-se e que pouco se incomodam com a verdade. 65. Por vezes a assimilao fludica absolutamente impossvel entre certos Espritos e certos mdiuns. Outras vezes e este o caso mais comum ela s se estabelece gradativamente, e com o tempo. Assim se explica que certos Espritos encontrem maior facilidade em manifestar-se por certos mdiuns, com os quais esto mais habituados. Tambm ainda assim se explica por que, quase sempre, as primeiras comunicaes so menos explcitas e denotam um certo constrangimento.

66. To necessria a assimilao fludica nas comunicaes pela tiptologia quanto pela escrita, visto como, num caso como no outro, se trata da transmisso do pensamento do Esprito, seja qual for o meio material para isso empregado. 67. No se pode impor um mdium ao Esprito que se deseja evocar; convm deixar que escolha ele mesmo o seu instrumento. Em todo caso, preciso que, antes, o mdium se identifique com o Esprito, pelo recolhimento e pela prece, durante alguns minutos, ou at durante alguns dias, se possvel, de modo que seja ativada a assimilao fludica. 68. Quando as condies fludicas no so favorveis comunicao entre Esprito e mdium, pode ela ser feita atravs do guia espiritual deste ltimo. Ento o pensamento transmitido de segunda mo, isto , atravessa dois intermedirios. Compreende-se a importncia de ser o mdium bem assistido. Porque, caso seja por um obsessor, ou por um Esprito ignorante ou orgulhoso, a comunicao poder ser adulterada. Neste caso as qualidades pessoais do mdium representam, necessariamente, um papel muito importante, pela natureza dos Espritos que atrai. Os mais incorretos mdiuns podem possuir faculdades muito poderosas, mas os mais seguros sero os que aliarem a esse poder as melhores simpatias no mundo espiritual. Ora, tais simpatias de modo algum so demonstradas pelos nomes, mais ou menos retumbantes, que subscrevem as comunicaes recebidas pelo mdium, mas por ser o seu fundo constantemente bom. 69. Qualquer que seja a forma de comunicao, do ponto de vista experimental, apresenta a prtica esprita numerosas dificuldades e no se acha isenta de inconvenientes para quem no tenha a necessria experincia. Quer se experimente em si mesmo, quer seja apenas um observador das experincias alheias, imprescindvel que se saibam distinguir as vrias naturezas dos Espritos que se

podem manifestar, conhecer a causa de todos os fenmenos, as condies em que os mesmos podem ser produzidos e os obstculos que preciso vencer, a fim de que no se perca tempo pedindo coisas impossveis. tambm indispensvel conhecer todas as condies e todos os escolhos da mediunidade, a influncia do meio, a das disposies morais, etc.. 10 Escolhos da mediunidade 70. Um dos maiores escolhos da mediunidade a obsesso, ou domnio que certos Espritos podem exercer sobre os mdiuns, apresentando-se com nomes supostos e impedindo que por eles se manifestem outros Espritos. Isto constitui, tambm, um perigo em que esbarra todo observador novato e inexperiente, que, desconhecendo as caractersticas desse fenmeno, pode enganar-se pelas aparncias, do mesmo modo que aquele que desconhece a medicina pode enganar-se quanto causa e a natureza de uma doena. Se, neste caso, o estudo prvio vantajoso para o observador, torna-se indispensvel para o mdium, pois lhe fornece os meios de prevenir um inconveniente que lhe pode acarretar desagradveis conseqncias. Por isso toda recomendao pouco para que o estudo preceda sempre a prtica.11 71. Apresenta a obsesso trs graus bem caractersticos: a obsesso simples, a fascinao e a subjugao. No primeiro tem o mdium inteira conscincia de que nada obtm de bom; no se engana quanto natureza do Esprito que teima em se manifestar e do qual deseja livrar-se. Tal caso no oferece gravidade: um simples aborrecimento, do qual se liberta o mdium se deixar, no momento, de escrever. Cansado por no se ver atendido, o Esprito acaba se retirando.

A fascinao muito mais grave, porque o mdium fica perfeitamente iludido. O Esprito que o domina conquista-lhe a confiana a ponto de lhe paralisar a capacidade de julgar as comunicaes recebidas e lhe fazer considerar sublimes os maiores absurdos. O carter marcante desse gnero de obsesso a provocao de uma extrema susceptibilidade do mdium, o qual levado a s admitir como bom, justo e certo aquilo que ele prprio escreve, ao mesmo tempo em que repele todo conselho e toda crtica. Ento rompe com os amigos, ao invs de se convencer de que enganado; alimenta inveja contra os outros mdiuns, cujas comunicaes sejam consideradas melhores que as suas; e, por fim, quer impor-se nas reunies espritas, de onde se afasta, desde que no as possa dominar. Essa atuao do Esprito pode ir ao ponto de arrastar o indivduo a dar passos ainda mais ridculos e comprometedores. 72. Um dos caracteres distintivos dos Espritos maus a imposio. Do ordens e querem ser obedecidos. Os bons jamais impem: do conselhos e quando no escutados retiramse. Decorre da que a impresso deixada pelos maus Espritos sempre penosa e fatigante. Muitas vezes causa uma agitao febril, movimentos bruscos e desordenados. Ao contrrio, a dos bons calma, suave e agradvel. 73. A subjugao, outrora chamada possesso, um constrangimento fsico que exercem Espritos da pior espcie e que pode chegar at anulao do livre-arbtrio do paciente. Muitas vezes, porm, se reduz a simples impresses desagradveis; outras vezes provoca movimentos desordenados, atos insensatos, gritos, palavres, frases incoerentes, cujo ridculo o subjugado por vezes compreende mas no pode evitar. Esse estado difere fundamentalmente da loucura patolgica, com a qual erroneamente a confundem, por isso que a sua

causa no uma leso orgnica. Assim, diversa sendo a origem, diversos devem ser os processos de cura. A aplicao do processo ordinrio de duchas e tratamento corporal por vezes chega a determinar uma loucura verdadeira naquele que apenas sofria uma enfermidade moral. 74. Na loucura propriamente dita a causa do mal orgnica. preciso restituir ao organismo o seu estado normal; na subjugao a causa espiritual; preciso livrar o doente de um inimigo invisvel no por meio de medicamentos, mas opondo uma fora moral superior dele . Em tal caso a experincia tem provado que jamais os exorcismos deram resultados satisfatrios: ao invs de minorar a situao, agravam-na. Apontando a verdadeira causa do mal, s o Espiritismo pode oferecer o meio de combat-lo: a educao moral do obsessor. Por meio de conselhos bem dirigidos, consegue-se torn-lo melhor e fazer que renuncie voluntariamente aos tormentos que causa ao enfermo. Este, assim, fica livre. 12 75. Geralmente a subjugao individual. Entretanto, quando uma legio de Espritos maus cai sobre uma povoao, pode apresentar um carter epidmico. Foi um fenmeno idntico que se verificou ao tempo de Jesus. E, ento s um poder moral superior poderia dominar esses seres malfazejos, chamados demnios, e restabelecer a calma das vtimas. 76. H que considerar um fato importante: que, seja qual for a sua natureza, a obsesso independe do exerccio da mediunidade e se manifesta em todos os graus, principalmente no ltimo, em grande nmero de criaturas que jamais ouviram falar de Espiritismo. Na verdade, desde que os Espritos tm existido de todos os tempos, sempre tm exercido influncia; a mediunidade no causa simples meio de manifestao dessa influncia. Assim, pode-se dizer com segurana que todo mdium obsidiado

sofre de um modo qualquer e, freqentemente, nos atos mais comezinhos da vida, os efeitos de tal influncia. Se no fora a mediunidade, a influncia seria levada conta de certas enfermidades misteriosas, que escapam investigao dos mdicos. Pela mediunidade o Esprito malvolo denuncia a sua presena; sem ela, permaneceria oculto e ningum o suspeitaria. 77. Aqueles que negam tudo quanto no afeta os sentidos no admitem essa causa oculta. Quando, porm, a Cincia tiver sado do caminho materialista, reconhecer na ao do mundo invisvel, que nos envolve, e em cujo meio ns vivemos, uma fora que tanto reage sobre as coisas fsicas quanto sobre as morais. Ser um novo caminho rasgado ao progresso e a chave de uma poro de fenmenos at agora mal compreendidos. 78. Desde que a obsesso jamais poder ser causada por um bom Esprito, essencial saber-se reconhecer a natureza daqueles que se apresentam. O mdium no esclarecido pode ser enganado pelas aparncias; mas o mdium prevenido percebe o menor sinal suspeito. Ento, percebendo que nada poder fazer, o Esprito se retira. O conhecimento prvio dos meios Espritos , assim, indispensvel aos expor-se a uma armadilha. Tambm que, por esse meio, pode aquilatar o ouve.13 de distinguir bons e maus mdiuns que no querem o ao mero observador, valor do que v e do que

Qualidades dos mdiuns 79. A faculdade medinica uma propriedade orgnica; no depende das qualidades morais do mdium; mostra-se-nos em diversos graus da escala moral. O mesmo no se d, entretanto, com a preferncia que os bons Espritos do aos mdiuns. 80. Os bons Espritos comunicam-se mais ou menos espontaneamente, por este ou aquele mdium, conforme a simpatia que lhes inspiram. A boa ou m qualidade dos mdiuns

no deve ser aquilatada pela maior ou menor facilidade com que recebe as comunicaes, mas por sua aptido em receber apenas bons Espritos e no ser joguete de Espritos zombeteiros. 81. Por vezes os mdiuns de menor padro de moralidade recebem excelentes comunicaes que no poderiam vir seno de Espritos bons. Isto, porm, no deve causar espanto; elas sempre vm com o objetivo de lhes dar sbios conselhos. Se os mdiuns os desprezam, maior ser a sua culpa, porque lavram a sua prpria condenao. Deus, na sua infinita bondade, no pode recusar assistncia queles que dela mais necessitam. O virtuoso missionrio que vai pregar aos criminosos procede como os bons Espritos com os mdiuns imperfeitos. Por outro lado, querendo dar a todos um ensino til, servemse os bons Espritos do instrumento de que dispem; mas o deixam assim que encontram outro mais simptico e que melhor aproveite as suas lies. Com a retirada dos bons, os Espritos inferiores, que pouco se incomodam com as qualidades morais dos mdiuns, encontram o campo livre. Em conseqncia, os mdiuns moralmente imperfeitos, os que no procuram emendar-se, mais cedo ou mais tarde so presas dos maus Espritos, que por vezes os conduzem runa e s maiores desgraas, ainda na vida terrena. Ento a sua mediunidade, inicialmente to bela, e que assim poderia ter sido conservada, se perverte e finalmente se perde, abandonada dos bons Espritos. 82. No se acham os mdiuns de maior merecimento a salvo das mistificaes dos Espritos embusteiros. Primeiro, porque entre ns ainda no h criaturas suficientemente perfeitas e que no apresentem um lado fraco, o qual d acesso aos maus Espritos; segundo, porque s vezes os bons Espritos permitem que os maus se manifestem, a fim de que exercitemos a nossa razo e aprendamos a distinguir a verdade do erro e fiquemos de

preveno, no aceitando cegamente e sem maior exame tudo quanto nos vem dos Espritos. Entretanto, jamais um bom Esprito nos vir enganar. O erro, seja qual for o nome com que se acoberte, vem sempre de uma fonte m. Podem, ainda, essas mistificaes ser uma prova para a pacincia e para a perseverana de um esprita, quer seja mdium, quer no o seja. Os que desanimam com as decepes do aos bons Espritos uma prova de que no so instrumentos de confiana. 83. No para admirar que os maus Espritos possam obsidiar criaturas de valor, pois na Terra tambm se encontram homens de bem perseguidos pelos que no o so. digna de nota a diminuio do nmero de mdiuns obsidiados aps a publicao de O Livro dos Mdiuns. Compreende-se que, estando prevenidos, conservem-se vigilantes e notem os mais leves indcios que denunciam a presena dos mistificadores. A maioria dos que ainda se mostram em tal estado ou no fizeram o recomendado estudo prvio, ou no deram importncia aos conselhos recebidos. 84. Aquilo que realmente constitui o mdium a faculdade medinica. Sob tal ponto de vista, pode ser mais ou menos formado, mais ou menos desenvolvido. Mdium seguro, que pode, na verdade, ser considerado bom mdium, aquele que aplica a sua faculdade visando tornar-se apto a servir de intrprete aos bons Espritos. O poder que tem o mdium de atrair bons Espritos e repelir os maus est na razo direta de sua superioridade moral e da posse de maior nmero de qualidades que constituem o homem de bem. por elas que atramos a simpatia dos bons Espritos e adquirimos ascendente sobre os maus. 85. Pelas mesmas razes, as imperfeies morais do mdium o aproximam da natureza dos maus Espritos, tiram-lhe a fora necessria para os afastar de si e, ao invs de se lhes impor, sofre a imposio deles .

Isto no s se aplica aos mdiuns, mas a todas as pessoas, indiscriminadamente, visto como no h ningum que no esteja sujeito influncia dos Espritos. 14 86. Com o fito de se imporem ao mdium, os maus Espritos sabem explorar com habilidade todas as suas fraquezas. E dos nossos defeitos, o orgulho aquele que mais os atrai, por ser o sentimento predominante na maior parte dos mdiuns obsidiados e, notadamente, dos fascinados. o orgulho que os leva a se considerarem infalveis e a repelir todos os conselhos. Infelizmente, tal sentimento excitado pelos elogios que lhes so feitos. Basta que um mdium apresente uma faculdade levemente transcendente para que o procurem e o adulem. Isso d lugar a que exagere a sua importncia e se considere indispensvel o que constitui a sua perda. 87. Ao contrrio do mdium imperfeito, que se orgulha dos nomes ilustres mas quase sempre apcrifos que subscrevem as comunicaes por ele recebidas, e se julga um intrprete das foras celestes, o bom mdium jamais se cr bastante digno de tal favor: tem sempre uma saudvel desconfiana do mrito daquilo que recebe e no confia em seu prprio julgamento. Como apenas um instrumento passivo, compreende que as boas mensagens nenhum mrito pessoal lhe conferem, do mesmo modo que nenhuma responsabilidade teria se fossem ms; e mais: que seria ridculo acreditar na identidade absoluta e insofismvel dos Espritos que se manifestam por seu intermdio. O bom mdium deixa que pessoas desinteressadas julguem o seu trabalho, sem que o seu amor-prprio se sinta ferido por qualquer opinio desfavorvel, da mesma maneira que um ator no se sentir melindrado pelas crticas feitas pea que representa. Seu carter marcante a simplicidade e a modstia. Sente-se feliz com a faculdade que possui, no por vaidade, mas porque lhe um meio de tornar-se til o que faz de boavontade, sempre que se lhe oferece uma oportunidade e jamais se incomoda quando outros mdiuns so preferidos.

So os mdiuns os intermedirios, os intrpretes dos Espritos. Ao evocador, como ao simples observador, cabe apreciar o valor do instrumento. 88. Do mesmo modo que as outras faculdades, a mediunidade um dom de Deus, que tanto pode ser empregado para o bem quanto para o mal e do qual, pois, pode-se abusar. Seu fim nos pr em comunicao direta com as almas dos que viveram, a fim de recebermos ensinamentos e nos adaptarmos s necessidades da vida futura. Do mesmo modo que a vista nos pe em relao com seu mundo visvel, a mediunidade nos pe com o mundo invisvel. Aquele que utiliza a mediunidade para o adiantamento prprio e o de seus irmos desempenha uma verdadeira misso, pelo que ser premiado. Aquele que abusa, empregando-a em coisas fteis ou para satisfao de interesses materiais, a desvia de seu objetivo providencial e, mais cedo ou mais tarde, ser punido, como todos aqueles que fazem mau uso de qualquer faculdade. Charlatanismo 89. Certas manifestaes espritas muito facilmente se prestam a ser imitadas. Mas, pelo fato de terem sido exploradas por charlates e prestidigitadores, assim como o fazem com tantas outras coisas srias, seria absurdo pensar que no sejam reais e que sejam sempre produto do charlatanismo. Quem estudou e sabe quais as condies normais em que as mesmas podem dar-se, logo distingue o que realidade do que imitao. Alm do mais, a imitao nunca pode ser completa: s engana os ignorantes, os incapazes de distinguir as caractersticas do verdadeiro fenmeno. 90. As manifestaes que se podem mais facilmente imitar so as de efeitos fsicos e as de efeitos inteligentes mais vulgares, tais como os movimentos, as batidas, os transportes, a escrita direta, as respostas banais, etc.. J o mesmo no

acontece com as comunicaes inteligentes e de elevado alcance. A imitao das primeiras apenas exige habilidade e destreza; enquanto que para simular estas ltimas quase sempre necessrio uma instruo acima do comum, uma excepcional superioridade intelectiva e, por assim dizer, uma faculdade onmoda de improvisao. 91. Geralmente, aqueles que desconhecem o Espiritismo so levados a duvidar da boa-f dos mdiuns. S o estudo e a experincia lhes podero fornecer meios de verificar a autenticidade dos fatos. Fora disso a melhor garantia reside no absoluto desinteresse e na honestidade do mdium. Pessoas h que, dados o seu carter e a sua posio, se acham acima de qualquer suspeita. Se a tentao do ganho pode excitar a fraude, diz o bom-senso que o charlatanismo no pode estar onde no houver possibilidade de lucro. 15 92. Como em tudo, entre os adeptos do Espiritismo encontram-se entusiastas. So os piores propagandistas, pois a facilidade com que tudo aceitam sem exame desperta a desconfiana. O esprita esclarecido repele esse entusiasmo que cega: observa fria e calmamente, assim evitando as iluses e as mistificaes. De lado a questo de boa-f, deve o observador novato atender gravidade daqueles a quem se dirige. Identidade dos Espritos 93. Desde que todos os defeitos da humanidade so encontrados entre os Espritos, no possvel deixar de haver a mentira e o ardil. Alguns no tm o mnimo escrpulo em se apresentar sob nomes muito respeitveis, a fim de inspirarem maior confiana. Devemos, ento, abster-nos de acreditar de modo absoluto na autenticidade de todas as assinaturas deixadas pelos Espritos. 94. Uma das grandes dificuldades do Espiritismo prtico a identidade. Por vezes impossvel estabelec-la, principalmente

no caso de Espritos superiores, que viveram em pocas muito remotas. Entretanto, muitos dos que se manifestam no tm nomes para ns. Ento, para fixarem as nossas idias, podem adotar o nome de um Esprito conhecido e do seu prprio nvel. Assim, se um Esprito se comunicar dizendo-se, por exemplo, So Pedro, nada prova que seja realmente o apstolo do mesmo nome. Tanto pode s-lo, quanto pode ser outro da mesma ordem ou, ainda, um enviado seu. Em tais casos, a questo de identidade absolutamente secundria e seria pueril ligar-lhe maior importncia: importante a natureza do ensinamento; importante saber se bom ou mau, digno ou indigno de quem o assina, se o autor aceitaria ou no. Este o problema. 95. Verifica-se mais facilmente a identidade quando se trata de Espritos contemporneos, cujos hbitos e cujo carter eram conhecidos, de vez que por esses hbitos e por essas peculiaridades da vida privada que a identidade se estabelece com mais segurana e, por vezes, at, de modo incontestvel. Ao evocar-se um amigo ou um parente, o que interessa a personalidade; ento muitssimo natural que se procure estabelecer a identidade. Entretanto os meios geralmente empregados para tal fim por aqueles que s imperfeitamente conhecem o Espiritismo no so suficientes e podem induzir em erro. 96. A identidade do Esprito revelada por inmeras circunstncias, que se patenteiam nas comunicaes; nelas ele reflete os seus hbitos, a sua linguagem, o seu carter e, at, certas expresses familiares. Revela-se ainda nos detalhes ntimos em que, espontaneamente, participa com as pessoas que lhe so queridas. So estas as melhores provas. Entretanto raro que respondam s perguntas diretas feitas a esse respeito, principalmente quando tais perguntas partem de criaturas que lhes so indiferentes e que o interrogam por curiosidade ou visando obter provas.

O Esprito prova a sua identidade como quer, ou como pode. Isso depende do gnero de mediunidade do seu intermedirio. Por vezes tais provas so abundantes. O mal est em querer-se que o Esprito as d conforme deseja o evocador. Neste caso ele recusa sujeitar-se s exigncias. 16 Contradies 97. As contradies notadas com mais freqncia na linguagem dos Espritos s devem causar admirao s pessoas que possuem do Espiritismo um conhecimento incompleto. So elas devidas prpria natureza dos Espritos que, conforme temos dito, tm das coisas um conhecimento proporcional ao seu adiantamento e entre os quais muitos sabem menos que certos homens. Relativamente a uma poro de assuntos, muitos apenas externam uma opinio pessoal, que pode estar mais ou menos certa, mas conserva ainda um reflexo dos preconceitos terrenos, dos quais ainda no se libertaram. Outros arquitetam sistemas a respeito de coisas que desconhecem, principalmente a propsito de questes cientficas e da origem das coisas. Assim, pois, no de admirar que nem sempre eles estejam de acordo. 98. Admiram-se certas criaturas quando encontram comunicaes contraditrias, assinadas com o mesmo nome. S os Espritos inferiores mudam de linguagem, conforme as circunstncias. Os superiores, porm, jamais se contradizem. 17 Por pouco conhecedores que sejamos dos segredos do mundo espiritual, sabida a facilidade com que certos Espritos trocam de nome, a fim de darem mais prestgio s suas palavras. Da poder concluir-se, com toda certeza, que de duas comunicaes essencialmente contraditrias mas subscritas pelo mesmo nome respeitvel, pelo menos uma apcrifa. 99. H dois meios para fixar as idias sobre as questes duvidosas. O primeiro submeter todas as comunicaes ao

severo exame da razo, do bom-senso e da lgica; a recomendao feita por todos os bons Espritos, mas a que fogem os maus, pois sabem que s tero a perder com um exame severo. Por essa razo evitam a discusso e querem ser acreditados sob palavra. O segundo critrio da verdade est na concordncia do ensino. Quando o mesmo princpio ensinado em vrios lugares, por Espritos diversos e mdiuns que reciprocamente se desconhecem, que no se acham debaixo das mesmas influncias, pode-se concluir que ele mais se aproxima da verdade do que o que deriva de uma fonte nica e contraditado pela maioria. Conseqncias do Espiritismo 100. Ante a incerteza das revelaes feitas pelos Espritos, perguntar-se-: Ento, para que serve o estudo do Espiritismo? Para provar materialmente a existncia do mundo espiritual. Sendo este formado pelas almas dos que viveram, da decorre a prova da existncia da alma e da sua sobrevivncia ao corpo. Manifestando-se, manifestam as almas, do mesmo passo, alegria ou sofrimento, conforme a maneira por que viveram a vida terrena. Da a prova das penas e recompensas futuras. Quando nos descrevem o seu estado ou a sua situao, as almas ou Espritos corrigem as falsas idias que faziam da vida futura e, sobretudo, da natureza e da durao de suas penas. Assim, a vida futura passa de vaga teoria insegura a um fato adquirido e positivo; desperta a necessidade de trabalhar-se o mais possvel na existncia presente, to breve, em favor da existncia futura, que infinita. Admitamos que um rapaz de vinte anos adquirisse a certeza de que iria morrer aos vinte e cinco anos. O que faria nesse lapso de cinco anos que lhe restam? trabalharia para o futuro? Certo que no: procuraria gozar o mais possvel, pois acreditaria que fosse uma tolice sujeitar-se sem proveito a fadigas e

privaes. Entretanto, se tiver a certeza de viver at os oitenta anos, outro ser o seu procedimento, porque compreender que necessita sacrificar alguns instantes do repouso atual a fim de assegurar o repouso futuro durante longos anos. D-se o mesmo com os que tm certeza da vida futura. A dvida sobre este ponto conduz naturalmente a sacrificar tudo aos gozos da vida presente e, conseqentemente, a ligar demasiada importncia aos bens materiais. A importncia atribuda a estes excita a cobia, a inveja, o cime daqueles que tm pouco contra os que tm muito. Da cobia ao desejo de adquirir a qualquer preo aquilo que o vizinho possui vai apenas um passo. Da os dios, as disputas, os processos, as guerras e todos os males gerados pelo egosmo. Com a dvida sobre o futuro e acabrunhado pelo infortnio e pelos desgostos desta existncia, somente na morte v o homem um termo aos seus padecimentos. Ento, nada esperando, considera racional abrevi-la pelo suicdio. natural que, sem esperana no futuro, o homem sofre e se desespera com as decepes experimentadas. Os abalos violentos que sente repercutem no seu crebro e so a causa de muitos casos de loucura. Sem a vida futura a existncia terrena se converte para o homem em coisa capital, em objeto exclusivo de suas preocupaes, e a ela tudo se subordina. Por isso mesmo quer desfrutar, a qualquer preo, no s todos os bens materiais, como tambm as honras. Deseja brilhar e elevar-se acima de todos, ofuscar o prximo com o seu luxo e posio. Da a desordenada ambio que liga aos ttulos e a todos os enfeites da vaidade, aos quais chega a sacrificar a prpria honra, de vez que nada enxergue alm disso. A certeza da vida futura, com todas as suas conseqncias, transforma completamente a ordem de suas idias, fazendo-lhe ver as coisas por outro prisma: um vu que se ergue e lhe desvenda um horizonte imenso e esplndido.

Diante da infinidade e da grandeza da vida alm da morte, a existncia terrena desaparece, como um segundo na contagem dos sculos, como um gro de areia ao lado da montanha. Tudo se torna pequeno e mesquinho e nos admiramos por havermos dado tanta importncia s coisas efmeras e infantis. Da, em meio s vicissitudes da existncia, uma calma e uma tranqilidade que constituem uma felicidade, comparados com as desordens e os tormentos a que nos sujeitamos, ao buscarmos nos elevar acima dos outros; da, tambm, ante as vicissitudes e as decepes, uma indiferena, que tira quaisquer motivos de desespero, afasta os mais numerosos casos de loucura e remove, automaticamente, a idia de suicdio. A certeza do futuro d ao homem esperana e resignao; a dvida lhe tira a pacincia, porque ele nada espera do presente. O exemplo dos que viveram prova que a soma de felicidade futura est na razo do progresso realizado e do bem que se haja praticado, enquanto que a soma de desventuras est na razo dos vcios e das ms aes. Isto produz naqueles que estejam convictos desta verdade uma tendncia naturalssima para fazer o bem e evitar o mal. Quando a maioria dos homens estiver convencida dessa verdade, quando professar esses princpios e praticar o bem, o bem triunfar sobre o mal aqui na Terra; os homens no mais se molestaro reciprocamente; reorganizaro as suas instituies sociais visando o bem geral e no o proveito de uns poucos; numa palavra, compreendero que a lei da Caridade, ensinada por Jesus Cristo, a fonte da felicidade, j aqui na Terra, e basearo as leis civis sobre a lei da Caridade. A constatao da existncia do mundo espiritual, que nos rodeia, e de sua ao sobre o mundo corpreo a revelao de uma das foras da Natureza e, conseqentemente, a chave de uma poro de fenmenos at agora incompreendidos, quer na ordem fsica, quer na ordem moral. Quando a Cincia tomar em considerao essa nova fora at agora desconhecida, corrigir um grande nmero de erros

resultantes de se atribuir tudo a uma causa nica a matria. O reconhecimento dessa nova causa nos fenmenos da Natureza ser uma alavanca para o progresso e ter um efeito semelhante ao de outro agente novo qualquer. Com o auxlio da lei esprita, alargar-se-o os horizontes da Cincia, como se alargaram com o da lei da gravitao. Quando, do alto de suas ctedras, os cientistas proclamarem a existncia do mundo espiritual e a sua participao nos fenmenos da vida, eles inocularo na mocidade o antdoto das idias materialistas, em vez de as predisporem para a negao do futuro. Nas aulas de filosofia clssica ensinam os mestres a existncia da alma e os seus atributos, de acordo com as vrias escolas, mas sem as provas materiais. No esquisito que, ao se lhes fornecerem as provas de que carecem, eles as repilam e as classifiquem de supersties? No ser a mesma coisa que se dissessem aos seus discpulos: ensinamos a existncia da alma, mas o nosso ensino no se baseia em nenhuma prova? Quando um cientista erige uma hiptese sobre determinado ponto de cincia, empenha-se e acolhe com prazer tudo quanto possa demonstrar a exatido daquela hiptese. Como , ento, que um professor de filosofia, cujo dever provar aos seus alunos que eles possuem uma alma, impugna os meios de lhes dar disso uma demonstrao patente? 101. Admitamos sejam os Espritos incapazes de informaes sobre algo alm daquilo que sabemos ou alm daquilo que, por ns prprios, podemos vir a saber. Mas a demonstrao da vida espiritual, que nos do eles, conduzir indubitavelmente a uma revoluo no terreno das idias. Ora, uma revoluo neste terreno no poder deixar de produzir uma outra, na ordem mesma das coisas. Tal a revoluo que o Espiritismo prepara. 102. Entretanto os Espritos fazem mais do que isso. Se suas revelaes esto cercadas de umas tantas dificuldades e exigem grandes precaues para que sua exatido fique bem comprovada, no menos certo que, quando bem interrogados,

ou quando lhes permitido, os Espritos esclarecidos nos possam revelar fatos desconhecidos, dar explicaes daquilo que no compreendamos e nos encaminhar para um progresso muito mais rpido. principalmente nisto que o estudo completo e cuidadoso da cincia esprita se torna indispensvel, para que a ela s peamos aquilo que ela nos pode dar e s o peamos de modo por que no-lo pode dar. Ultrapassando estes precisos limites, arriscamo-nos a ser enganados. 103. As menores causas podem produzir os maiores efeitos. Assim que da pequenina semente brota a rvore gigantesca; que a queda de um fruto permitiu se descobrisse a lei que rege o equilbrio dos mundos; que a pata de uma r revelou a energia galvnica; e que do fenmeno banal das mesas girantes saiu a prova da existncia do mundo invisvel e, da, uma doutrina que, em poucos anos, fez a volta ao mundo e poder regener-lo, fazendo-o reconhecer a realidade da vida futura. 104. No ensina o Espiritismo verdades absolutamente novas, pois, conforme o provrbio, nada h de novo debaixo do Sol. S as verdades eternas so absolutas; as que o Espiritismo proclama esto baseadas nas leis da natureza e, pois, existiram de todo o tempo; seus germes so encontrados em todas as pocas; mas agora se acham mais desenvolvidos por estudos mais completos e observaes mais cuidadas. Assim, as verdades ensinadas pelo Espiritismo so mais conseqncias do que descobertas. O Espiritismo nem descobriu, nem inventou os Espritos; tambm no descobriu o mundo espiritual, no qual se acreditou em todas as pocas. Mas prova essa existncia pelos fatos materiais; apresenta-a em sua verdadeira luz; desembaraa-a dos preconceitos e das regras supersticiosas, que geram a dvida e a incredulidade. ***

Nota: Posto que incompletas, essas explicaes so suficientes para demonstrar a base sobre a qual se assenta o Espiritismo, assim como o carter das manifestaes e o grau de confiana que, conforme as circunstncias, estas podem merecer.

Segunda Parte Soluo de Problemas pela Doutrina Esprita Pluralidade dos mundos 105. Sero habitados, como a Terra, os vrios mundos que rolam no espao? Os Espritos o afirmam e diz-nos a razo que assim deve ser. Desde que a Terra no ocupa nenhuma posio especial no Universo, nem pelo volume, nem pela posio relativa, no deve possuir o privilgio exclusivo da habitabilidade. Alm disso, Deus no teria criado essas mirades de globos com o fim exclusivo de recrear os nossos olhos, tanto mais quanto certo que a maioria deles se acha fora do nosso alcance visual. 18 106. Se esses mundos so habitados, seus habitantes sero em tudo semelhantes a ns da Terra? Por outras palavras, poderiam viver entre ns e ns entre eles? A forma geral poderia ser mais ou menos a mesma; entretanto o organismo deve ser adaptado ao meio onde h de viver, do mesmo modo que os peixes o so para viver na gua e os pssaros no ar. Se o meio for diferente e tudo leva a crer que o seja, conforme parece demonstrado pelas observaes astronmicas diferente deve ser a organizao. Assim, ento, no provvel que, no seu estado normal, os seres mudem de mundo com os corpos que tinham em outros. Alis o que afirmam os Espritos. 107. Supondo que esses mundos sejam habitados, estariam eles na mesma categoria que o nosso, do ponto de vista moral e intelectual?

De acordo com o ensino dado pelos Espritos, muito variados so os graus de progresso dos mundos. Uns se acham no mesmo ponto que o nosso; outros mais atrasados, com uma humanidade mais bruta, mais material e mais inclinada para o mal. Outros, porm, j se encontram muito mais adiantados quer fsica, quer moral e intelectualmente. Nesses mundos o mal moral desconhecido, as cincias e as artes j atingiram um grau de perfeio que no nos dado compreender; sua organizao fsica, menos material, no se acha sujeita ao sofrimento, s enfermidades: a os homens vivem em paz, no procuram prejudicar os seus semelhantes, esto livres de desgostos, de cuidados, de aflies e das necessidades que os preocupam na Terra. Finalmente existem mundos ainda mais adiantados, nos quais o envoltrio corporal quase fludico e se aproxima sempre mais da natureza anglica. Na srie gradativa dos mundos, o nosso no ocupa o primeiro nem o ltimo lugar; um dos mais materializados e dos mais atrasados.19 A alma 108. Qual a sede da alma? A alma no se acha localizada num determinado ponto do corpo, como geralmente se pensa: ela forma com o perisprito um conjunto fludico penetrvel e se assimila a todo o corpo, com o qual constitui um ser complexo. Assim, a morte no passa de um desdobramento. Poderamos comparar a criatura a dois corpos semelhantes na forma, interpenetrados um no outro durante a vida, mas separados depois da morte. Por ocasio da morte um destrudo, enquanto que o outro subsiste. Durante a vida a alma atua mais particularmente sobre os rgos do pensamento e do sentimento: , ao mesmo tempo, interna e exterior, isto , irradia de dentro para fora. Pode at isolar-se do corpo, transportar-se para longe e manifestar a sua

presena. Provam-no as observaes e os fenmenos do sonambulismo. 109. A alma criada ao mesmo tempo que o corpo ou lhe anterior? Depois da existncia da alma esta constitui uma das mais importantes questes, por isso que de sua soluo decorrem conseqncias de alta significao. a nica capaz de explicar um grande nmero de problemas at aqui insolveis, por no o haverem analisado. Uma de duas: ou existia a alma antes da formao do corpo, ou no existia. No h meio termo. Com a preexistncia da alma tudo explicado natural e logicamente. Sem a sua preexistncia surgem dificuldades a cada passo: certos dogmas da Igreja ficam sem justificao. Isto tem conduzido incredulidade muitos homens que pensam. A questo foi resolvida afirmativamente pelos Espritos; e os fatos, bem como a lgica, nenhuma dvida deixam a respeito da preexistncia. Admitida esta, ao menos como hiptese, a maior parte das dificuldades sero aplainadas. 110. Se a alma existisse antes da formao do corpo, tinha individualidade e conscincia de si mesma? A no individualidade e a no conscincia equivaleriam no existncia. 111. Antes de unir-se ao corpo a alma j havia realizado algum progresso ou se encontrava estacionria? O progresso anterior da alma tanto demonstrado pela observao dos fatos quanto pelo ensino dos Espritos. 112. Criou Deus as almas moral e intelectualmente iguais ou teria feito umas mais inteligentes e perfeitas do que outras? Se Deus as houvesse feito umas mais perfeitas do que as outras, tal preferncia seria inconcilivel com a sua justia.

Todas so criaturas suas. Por que, ento, isentaria estas do trabalho que quelas impe, a fim de alcanarem a felicidade eterna? A desigualdade original das almas seria a negao da justia divina. 113. Se criadas iguais, como explicar a diversidade de aptides das almas e as naturais predisposies que notamos entre os homens? Tal diversidade resultante do progresso realizado pela alma antes de sua unio com o corpo. As almas mais evoludas em inteligncia e em moralidade so as que viveram mais e progrediram antes da presente encarnao. 114. Qual o estado da alma originalmente? Elas so criadas simples e ignorantes, isto , sem cincia e sem noo do bem e do mal, mas com igual aptido para tudo. Inicialmente encontram-se numa espcie de infncia, sem vontade prpria e sem a perfeita conscincia de sua existncia. Pouco a pouco se vai desenvolvendo o seu livre-arbtrio, ao mesmo passo que as suas idias. 20 115. Esse progresso anterior foi feito como propriamente dita ou em precedente existncia corprea? alma

O ensino dado pelos Espritos a esse respeito, bem como o estudo dos diversos graus de adiantamento do homem na Terra, provam que esse progresso anterior da alma deve ter sido realizado em diversas existncias corpreas, em nmero varivel conforme o grau atingido. E a prova est na observao dos mesmos fatos que se acham, a cada passo, sob os nossos olhos.21 O homem durante a vida terrena 116. Como e quando se realiza a unio da alma com o corpo?

Desde a concepo. Posto que ainda errante, o Esprito fica preso ao corpo, com o qual se deve unir, por meio de um cordo fludico. Esse lao se estreita cada vez mais, medida que se desenvolve o corpo. Desde aquele momento sente o Esprito uma perturbao crescente, at s proximidades do nascimento; nesse momento ela completa. Ento o Esprito perde a conscincia e s gradativamente vai recobrando as idias, a partir do momento em que a criana comea a respirar. Ento a unio completa e definitiva. 117. Qual o estado intelectual da alma da criana ao nascer? Seu estado intelectual e moral o que era antes de unir-se ao corpo. Por outras palavras, a alma possui todas as idias adquiridas anteriormente; mas, por causa da perturbao que acompanha a mudana de estado, suas idias ficam momentaneamente em estado latente. Mas pouco a pouco vo se esclarecendo, posto que no se possam manifestar seno na medida do desenvolvimento dos rgos. 118. Qual a origem das idias inatas, das disposies precoces e da instintiva aptido para uma arte ou para uma cincia, abstrao feita da instruo? S duas fontes podem ter as idias inatas: a criao de umas almas mais perfeitas que outras, caso fossem criadas ao mesmo tempo que o corpo, ou o progresso por elas realizado antes de sua presente encarnao. A primeira hiptese incompatvel com a justia divina. Ento, s a segunda hiptese resiste. As idias inatas so resultantes dos conhecimentos adquiridos em existncias anteriores e conservados sob forma de intuio, a fim de servirem como base para a aquisio de idias novas. 119. Como podem revelar-se gnios nas camadas sociais privadas de toda cultura intelectual? Isto uma prova de que as idias inatas independem do meio em que o homem educado. Ambiente e educao desenvolvem as idias inatas, mas no as produzem. O homem

de gnio a encarnao de um Esprito adiantado e que j havia evoludo bastante. Pode a educao fornecer-lhe a instruo que lhe falta, mas no o gnio, caso este no exista. 120. Por que h crianas instintivamente boas, vivendo em meio perverso e apesar dos maus exemplos que recebem, enquanto que outras so instintivamente viciosas, posto que vivam em meio bom e recebam bons conselhos? a conseqncia do progresso moral realizado, do mesmo modo que as idias inatas o so do progresso intelectual. 121. Por que de dois filhos dos mesmos pais, educados em idnticas condies, um inteligente e o outro estpido? Um bom e o outro mau? Por que, s vezes, o filho de um homem de gnio tolo, enquanto o filho de um tolo um homem de gnio? Isto vem em apoio origem das idias inatas, alm de provar que a alma dos filhos de modo algum procede da alma dos pais; ao contrrio, em virtude do axioma de que a parte da mesma natureza que o todo, os pais transmitiriam aos seus filhos as prprias qualidades e defeitos, como lhes transmitem o princpio das qualidades fsicas. Na gerao s o corpo procede do corpo. As almas so independentes umas das outras. 122. De onde vem o recproco amor de pais e filhos, se as almas so independentes umas das outras? Os Espritos se ligam por simpatia; o nascimento nesta ou naquela famlia no se d por acaso: o resultado de uma escolha s vezes feita pelo prprio Esprito, que vem unir-se queles a quem amou no plano espiritual ou em vidas anteriores. Alm do mais, a misso dos pais ajudar o progresso dos Espritos que encarnam como seus filhos. E, para os estimular, Deus lhes inspira uma recproca afeio. Entretanto, muitos falham nessa misso, pelo que so punidos. 22 123. Por que h maus pais e maus filhos?

So Espritos que no se ligaram por simpatia na mesma famlia; ligaram-se com o fito de servirem de instrumento de provas recprocas e, muitas vezes, para castigo daquilo que foram em vidas anteriores. A este dado um mau filho, porque tambm foi mau filho; quele um mau pai, pela mesma razo. Assim sofrem a pena de talio. 23 124. Por que se encontram pessoas de condio servil, com pendores de dignidade e de grandeza, enquanto que outras, nascidas nas classes altas, s apresentam sentimentos baixos? uma reminiscncia intuitiva da posio social que o Esprito teria ocupado, bem como o seu carter na vida anterior. 125. Qual ser a causa das simpatias e das antipatias manifestas entre criaturas que se encontram pela primeira vez? Quase sempre so seres que se conhecem e que, por vezes, se amaram em vidas anteriores. Encontrando-se na presente existncia sentem uma atrao recproca. As antipatias instintivas podem originar-se de outra causa: o perisprito irradia em torno do corpo e forma uma espcie de atmosfera impregnada das qualidades boas ou ms do Esprito; duas pessoas que se encontram, ao contacto desses fluidos experimentam a impresso da sensitiva; tal impresso pode ser agradvel, como pode, ao contrrio, ser desagradvel; os fluidos tendem a confundir-se ou a se repelirem, conforme a natureza deles seja semelhante ou diferente. Assim, tambm, pode explicar-se o fenmeno da transmisso do pensamento. Pelo contacto dos fluidos duas almas lem, por assim dizer, uma na outra; adivinham-se e se compreendem sem se falarem. 126. Por que no conserva o homem a recordao das existncias anteriores? No seria isto necessrio ao seu progresso ulterior? Posto que um vu encubra, em cada nova existncia, a vida anterior do Esprito, no perde ele as suas aquisies, apenas

esquece a maneira por que as fez. E se longos parecem os sofrimentos da vida, como no seriam piores se a eles se juntasse a lembrana dos sofrimentos passados? 127. Qual a origem desse sentimento chamado conscincia? uma recordao intuitiva do progresso realizado em existncias anteriores e, ainda, das resolues tomadas pelo Esprito antes de encarnar-se, as quais, como homem, muitas vezes esquece. 128. O homem possui o livre-arbtrio ou sujeito fatalidade? Se ele fosse sujeito fatalidade no teria responsabilidade pelo mal que espalha nem mrito pelo bem que pratica. Ento, toda punio seria injusta e toda recompensa um contra-senso. No homem o livre-arbtrio uma conseqncia da justia divina; um atributo que o dignifica e o eleva acima dos outros seres. E isto to real que a estima dos homens entre si baseada na admisso do livre-arbtrio. O homem que, por enfermidade, loucura, embriaguez ou idiotismo perde essa faculdade acidentalmente, ou lamentado ou desprezado. O materialista que subordina ao organismo todas as faculdades morais e intelectuais, reduz o homem condio de autmato, sem livre-arbtrio e, conseqentemente, sem responsabilidade do mal e sem mrito do bem que pratica. 24 129. Deus o criador do mal? Deus no criou o mal: estabeleceu leis; estas so sempre boas, porque ele soberanamente bom. Quem observa essas leis fielmente ser perfeitamente feliz. Como tm o livre-arbtrio, nem sempre as criaturas as observam. da inobservncia daquelas leis que provm o mal. 130. J nasce o homem bom ou mau? mister distinguir, antes, entre o homem e a alma.

A alma criada simples e ignorante, isto , nem boa nem m; como, porm, goza do livre-arbtrio, livre para seguir este ou aquele caminho, de observar ou de infringir as leis de Deus. O homem nasce bom ou mau, conforme seja a reencarnao de um Esprito adiantado ou atrasado. 131. Qual a origem do bem e do mal na Terra? Por que o mal predomina? A origem do mal na Terra est na imperfeio dos Espritos que a se encarnam. A predominncia do mal provm da inferioridade do planeta, cujos habitantes so, em sua maioria, Espritos inferiores ou de pouca evoluo. Em mundos mais avanados, nos quais s se reencarnam Espritos depurados, o mal se acha em minoria ou, at, nem aparece. 132. Qual a causa dos males que afligem a Humanidade? O nosso mundo pode ser considerado como uma escola para Espritos pouco evoludos e, ao mesmo tempo, um crcere para criminosos. Os males de nossa Humanidade so conseqentes da inferioridade moral da maior parte dos Espritos que a constituem. Pelo contacto com os seus vcios, no apenas se infelicitam mutuamente, mas tambm se castigam uns aos outros. 133. Por que to freqentemente vemos a prosperidade dos maus, enquanto que o homem de bem sofre aflies? Para aquele cujo pensamento no ultrapassa os limites da vida presente, para aquele que acredita que esta seja a nica, se afigura uma injustia clamorosa. J o mesmo no acontece com quem admita a pluralidade das existncias e pense na brevidade de cada uma destas, em comparao com a eternidade. Demonstra o estudo do Espiritismo que a prosperidade do mau ter horrveis conseqncias nas suas existncias posteriores; que as aflies do homem de bem sero, ao contrrio, seguidas de uma felicidade tanto maior e mais durvel quanto maior tiver sido a resignao com que tiver sabido

suport-las: para ele no sero mais que um dia mau numa longa e prspera existncia. 134. Por que alguns nascem na indigncia e outros na opulncia? Por que vemos tantas criaturas que nascem cegas, surdas, mudas, ou afetadas de doenas incurveis, enquanto outras possuem todas as vantagens fsicas? Ser efeito do acaso ou de um ato da Providncia? Se fosse apenas um produto do acaso, ento a Providncia teria deixado de existir. Entretanto, admitindo-se a Providncia, pode-se perguntar: Como conciliar esses fatos com a sua bondade e a sua justia? Muitos chegam a acusar Deus pela falta de compreenso das causas de tais males. Compreende-se que aquele que se torna infeliz ou enfermo por causa de suas imprudncias e de seus abusos seja castigado naquilo em que pecou. Entretanto, se a alma fosse criada ao mesmo tempo que o corpo , que teria ela feito para merecer tamanhas aflies desde o seu nascimento , ou para ficar isenta das mesmas aflies? Desde, porm, que se admita a justia de Deus, no se pode deixar de admitir que essas coisas sejam efeito de uma causa. Se a causa no for encontrada na presente existncia, deve encontrar-se numa existncia anterior, porque em tudo a causa deve sempre preceder ao efeito. Assim, necessrio que a alma j tenha vivido, a fim de que possa merecer a expiao. Efetivamente, mostram os estudos espritas que muitos homens nascidos na misria foram ricos e considerados numa existncia anterior, que nesta fizeram mau uso da fortuna que Deus lhes havia encarregado de administrar. Tambm mostra que alguns, nascidos na abjeo, em vidas anteriores tinham sido orgulhosos e poderosos e haviam abusado do poder para oprimir os fracos. Muitas vezes esses estudos nos apresentam essas criaturas submetidas queles mesmos a quem haviam tratado duramente: ento se acham entregues s humilhaes e maus-tratos a que tinham submetido os outros.

Entretanto, nem sempre uma vida penosa significa uma expiao. Por vezes ela escolhida pelo Esprito a fim de se adiantar mais rapidamente, por meio da coragem com que saiba suport-la. A riqueza tambm representa uma prova e muito mais perigosa do que a misria, dadas as tentaes que ensancha e os abusos a que expe. O exemplo dos que passaram por ela tambm demonstra que uma prova na qual a vitria mais difcil. A diferena de posies sociais seria uma das maiores injustias se no fosse uma conseqncia do comportamento anterior e se no comportasse uma possibilidade de compensao. A convico dessa verdade, adquirida no Espiritismo, que nos d foras para suportarmos as vicissitudes da vida e, assim, para aceitarmos a nossa sem invejar a sorte dos demais. 135. Por que h idiotas e cretinos? A situao dos idiotas e dos cretinos tambm no se concilia com a justia divina, desde que se admita a unicidade da existncia. Por mais miservel que seja a condio em que nasce uma criatura, dela pode sair pela inteligncia e pelo trabalho. O idiota e o cretino, entretanto, desde o nascimento at morte so votados ao embrutecimento e ao desprezo. E o so sem possibilidade de compensao. Por que, ento, sua alma foi criada idiota? Os estudos espritas relativos idiotia e cretinice provam que essas almas so to inteligentes como as das demais criaturas; sua inferioridade uma expiao a que se submetem Espritos que abusaram da inteligncia. Sofrem cruelmente ao se sentirem presos por laos que no podem romper e, ainda, pelo desprezo de que se sentem objeto, pois que, possivelmente, foram muito consideradas em existncia anterior. 25 136. Qual o estado da alma durante o sono?

Durante o sono s o corpo repousa; o Esprito no dorme. Provam as observaes prticas que em tais condies goza o Esprito de toda a liberdade e da plenitude de suas faculdades; aproveita o repouso do corpo, os instantes em que o corpo dispensa a sua presena para agir independentemente e ir aonde queira. Durante a vida o Esprito est sempre preso ao corpo por um cordo fludico, seja qual for a distncia a que se transporte. O cordo serve para o chamar, desde que sua presena se torne necessria. S a morte rompe esse lao. 137. Qual a causa dos sonhos? Os sonhos so o resultado da liberdade de que goza o Esprito durante o sono. Por vezes so recordaes de lugares e de pessoas vistas ou visitadas pelo Esprito naquele estado. 26 138. O que so os pressentimentos? So lembranas vagas e intuitivas daquilo que o Esprito aprendeu em momentos de emancipao; por vezes so avisos ocultos dados por Espritos bondosos. 139. Por que existem na Terra homens selvagens e homens civilizados? A questo seria insolvel sem a preexistncia da alma, a no ser que se admitisse que Deus tivesse criado almas selvagens e almas civilizadas. Isto, porm, seria a negao de sua justia. Alm do mais, a razo no pode admitir que, aps a morte, a alma do selvagem fique eternamente naquele estado de inferioridade, nem que se encontre no mesmo grau de elevao que a alma do homem civilizado. Admitindo que todas as almas tenham o mesmo ponto de partida nica doutrina compatvel com a justia divina a presena simultnea da barbrie e da civilizao na face da Terra um fato material que prova os progressos realizados por uns e a realizar por outros. Assim, a alma do selvagem atingir, com o tempo, o mesmo grau que a alma esclarecida. Mas, como morrem selvagens

diariamente, essas almas no podem atingir aquele grau seno em sucessivas reencarnaes, cada vez mais aperfeioadas e adequadas ao seu progresso, percorrendo todos os degraus intermedirios entre aqueles dois extremos. 140. Ser impossvel, conforme pensam alguns, que no se encarnando mais que uma vez, faa a alma o seu progresso no estado espiritual ou em outras esferas? Isto seria admissvel se todos os habitantes da Terra se encontrassem no mesmo nvel moral e intelectual. Neste caso poderia dizer-se que este mundo se achava afeioado para um determinado grau. Quantas vezes, porm, temos provas em contrrio! Realmente no compreensvel que no possa o selvagem civilizar-se aqui na Terra, desde que, ao lado dele, vemos encarnadas almas mais adiantadas. Disso resulta a possibilidade da pluralidade de existncias terrestres, o que, alis, demonstrado pelos fatos que temos vista. Se assim no fosse, seria necessrio explicar-se: I por que s a Terra teria o monoplio das encarnaes; II por que, com tal monoplio, nela se encontram encarnadas almas de todas as categorias. 141. Por que nas sociedades civilizadas se encontram seres de uma ferocidade s comparvel dos mais brbaros selvagens? So Espritos muito atrasados, vindos das raas brbaras e encarnadas em meio que no lhes prprio; a se acham deslocados, assim como se acharia um matuto que de repente fosse colocado na alta sociedade. Observao: No se pode admitir que a alma do criminoso endurecido tenha, na existncia atual, o mesmo ponto de partida que a de um homem eminentemente virtuoso. Isto fora negar a Deus os seus atributos de bondade e de justia. 142. Como explicar o carter distintivo dos povos?

So Espritos que possuem mais ou menos os mesmos gostos e inclinaes e que se encarnam num meio simptico. Muitas vezes exatamente no meio onde podem satisfazer os seus pendores. 143. Como progridem os povos? Como degeneram? Se a alma fosse criada ao mesmo tempo que o corpo, as dos homens atuais seriam to novas e primitivas quanto as dos homens da Idade Mdia. Ento seria o caso de perguntar: Por que tm elas agora costumes mais brandos e inteligncia mais desenvolvida? Se pela morte do corpo a alma deixasse definitivamente a Terra, poder-se-ia, tambm, perguntar: Qual o fruto do trabalho feito para o melhoramento de um povo, desde que ele tivesse de ser recomeado com as almas novas, que chegam todos os dias? Encontram-se os Espritos num meio simptico e relacionado com o seu grau de adiantamento. Assim, um chins que progrediu bastante e no mais encontra em sua raa um meio correspondente ao grau atingido, encarnar-se- num povo mais evoludo. medida que uma gerao avana um passo, atrai, por simpatia, Espritos mais avanados. Estes talvez j tivessem vivido no mesmo pas, dali se afastando em conseqncia de seu progresso pessoal. Assim, pouco a pouco, progride uma nao. Se a maioria de seus novos habitantes fosse de natureza inferior; se os antigos diariamente emigrassem e no descessem a um meio inferior, o povo iria degenerando e, por fim, extinguirse-ia.27 Observao: Tais questes provocam outras tantas, cuja soluo est no mesmo princpio. Por exemplo: Como se explica a diversidade de raas na Terra? H raas infensas ao progresso? A raa negra susceptvel de atingir o nvel das raas europias? A escravido til s raas inferiores? Como se poder realizar a transformao das humanidades?

O homem aps a morte 144. Como se d a separao entre alma e corpo? brusca ou gradual? O desprendimento se realiza gradativamente e com velocidade varivel, conforme os indivduos e as circunstncias da morte. Os laos que ligam a alma ao corpo no se desatam seno pouco a pouco e tanto menos rapidamente quanto mais material e sensual tiver sido a existncia. 28 145. Em que situao fica a alma imediatamente aps a morte do corpo? Tem conscincia de si instantaneamente? Numa palavra: que v? que experimenta? No momento da morte tudo se apresenta confuso: necessita ela de algum tempo para se reconhecer; encontra-se tonta como uma criatura que sasse de um sono profundo e procurasse compreender a situao. A clareza das idias e a memria do passado lhe vo voltando medida que desaparece a influncia da matria, da qual acaba de se separar, e medida que se dissipa a nvoa que lhe obumbra os pensamentos. Muito varivel o perodo de perturbao que se segue morte: pode ser apenas de algumas horas, como de muitos dias, muitos meses e, at mesmo, de muitos anos. menos longo naqueles que em vida se identificam com o estado futuro, por isso que eles compreendem imediatamente a sua situao. tanto mais longo quanto mais materialmente tiver vivido o homem. Tambm muito varivel a sensao nesse momento experimentada pela alma. A perturbao que se segue morte nada tem de penosa para o homem de bem: calma e em tudo semelhante ao estado que acompanha um suave despertar. Para a criatura cuja conscincia no pura, que amou mais a vida material que a espiritual, esse momento cheio de angstias e de ansiedades, que crescem medida que ela se

reconhece. Ento sente medo, uma espcie de terror diante daquilo que v e, principalmente, diante daquilo que antev. A sensao, por assim dizer, fsica, de um grande alvio, de um enorme bem-estar. Fica-se como que livre de um fardo e o Esprito se sente feliz por no mais experimentar os padecimentos fsicos que o atormentavam momentos antes; sente-se livre e desembaraado, como se tivessem tirado as cadeias que o prendiam. Em sua nova situao a alma v e ouve outras coisas que antes escapavam grosseria de seus rgos fsicos. Tem, ento, sensaes e percepes que nos so desconhecidas.29 Observaes: Estas respostas, bem como as que se reportam situao da alma aps a morte ou durante a vida, no so produto de uma teoria ou de um sistema, mas de estudos diretos feitos em milhares de criaturas, observados em todas as fases e perodos da vida espiritual, desde o mais baixo at o mais elevado degrau da escala, conforme os hbitos da vida terrena, o gnero de morte, etc.. Referindo-se vida futura, freqentemente dizemos que no se sabe o que nela se passa, desde que ningum voltou para no-lo dizer. um erro, pois so exatamente os que nela se acham que nos vm instruir sobre o assunto. E hoje, mais que em qualquer outra poca, Deus o permite, como um ltimo aviso incredulidade e ao materialismo. 146. A alma que deixou o corpo pode ver a Deus? As faculdades de percepo da alma so proporcionais sua pureza: s as eleitas podem gozar da presena de Deus. 147. Se Deus est em toda parte, por que os Espritos no o podem ver? Deus est em toda parte porque em toda parte ele irradia. Pode-se dizer que o Universo est mergulhado na Divindade, como ns estamos na luz solar. Os Espritos atrasados, entretanto, acham-se envoltos numa espcie de nvoa, que o oculta aos seus olhos. Essa nvoa s se dissipa medida que

eles se vo desmaterializando e purificando. Quanto vista, os Espritos inferiores esto em relao a Deus assim como os encarnados em relao aos Espritos como verdadeiros cegos. 148. Aps a morte a alma tem conscincia de sua individualidade? Como a verifica? Como poderemos verific-lo? Se, aps a morte, as almas no conservassem a individualidade, tanto para elas como para ns seria o mesmo que no continuar a existir. No teriam elas nenhum carter distintivo; a alma do criminoso ficaria no mesmo nvel que a do homem de bem. Como conseqncia, nenhum interesse haveria em praticar-se o bem. A individualidade da alma demonstrada, por assim dizer, de um modo material, nas manifestaes espritas, atravs da linguagem e pelas prprias qualidades de cada uma, de vez que pensam e agem cada uma a seu modo; umas so boas, outras ms; umas sbias, outras ignorantes; estas querem o que aquelas no querem. Tudo isso prova a evidncia que no se acham elas confundidas num todo homogneo. Nem preciso falar das provas patentes, que elas nos trazem, de haverem animado este ou aquele indivduo na Terra. Graas ao Espiritismo, a individualidade da alma deixou de ser uma coisa vaga, para ser o resultado da observao. A alma reconhece mesmo a sua individualidade, por isso que possui vontade e capacidade de pensar prprias e distintas. Essa individualidade constatada por seu envoltrio fludico ou perisprito, espcie de corpo limitado, que a torna um ser distinto. Observao: Pensam alguns que se subtraem pecha de materialistas, pelo fato de admitirem um princpio universal inteligente, do qual ao nascer cada um absorve uma poro que constitui a alma e que, aps a morte, volta ao reservatrio comum, onde todas as almas se confundem, do mesmo modo que as gotas dgua no oceano. Este sistema, que um meio-termo, at nem merece o nome de espiritualista, porque to desesperador quanto o materialismo. O reservatrio comum do todo universal seria o

mesmo que o nada, de vez que nele no haveria individualidade. 149. Influi o gnero de morte sobre o estado da alma? O estado da alma imensamente varivel, conforme o gnero de morte; mas o , sobretudo, conforme a natureza e os hbitos que se tinha durante a vida. Quando a morte natural, o desprendimento se opera gradativamente, sem choques, e s vezes comea mesmo antes que a vida se extinga. Quando a morte violenta, como nos casos de suplcio, de suicdio ou de acidente, os laos se rompem bruscamente. Surpreendido, o Esprito como que fica tonto com a mudana operada e no pode compreender a sua situao. Em tais casos um fenmeno mais ou menos constante a convico em que ele se acha de no estar morto. Essa iluso pode durar meses, at anos. Em tal estado ele vai para c e para l, pensando que se ocupa com seus negcios, como se ainda vivesse no mundo, e fica admirado de lhe no responderem quando fala. Tambm se observa a mesma iluso em casos outros que no de morte violenta, principalmente nos indivduos cuja vida foi dedicada aos prazeres e aos interesses materiais. 30 150. Deixando o corpo, para onde vai a alma? No se perde na vastido infinita dos espaos, como em geral se pensa: vaga, geralmente entre aqueles que em vida conheceu, sobretudo entre os que amou. Mas pode instantaneamente transportar-se a grandes distncias. 151. A alma conserva as afeies que tinha em vida? Guarda todas as afeies morais; s esquece as materiais, pois no mais so de sua essncia. por isso que tem satisfao em ver parentes e amigos e sente-se feliz em ser por eles lembrada. 31

152. A alma conserva a lembrana daquilo que fez na Terra? Continua interessada pelos trabalhos que no pde concluir? Isso depende de sua elevao e da natureza daqueles trabalhos. Os Espritos desmaterializados pouco se preocupam com as coisas do mundo material: sentem-se felizes por se acharem livres das mesmas. Relativamente aos trabalhos iniciados, procuram inspirar a outras pessoas o desejo de os concluir. 153. No mundo dos Espritos a alma encontra parentes e amigos que a precederam? No encontra apenas estes, como a muitos outros, conhecidos de existncias anteriores. Em geral, aqueles que a amam vm receb-la entrada no mundo espiritual e ajudar o seu desprendimento dos laos terrenos. Contudo a impossibilidade de ver as almas mais queridas uma punio para as que tm culpas. 154. Na outra vida qual o estado intelectual e moral da criana morta em tenra idade? Suas faculdades permanecem infantis, como o eram em vida? O desenvolvimento incompleto dos rgos da criana no permite ao Esprito plena liberdade de manifestao. Libertandose do invlucro, suas faculdades so aquilo que eram antes de encarnar-se. Como o Esprito apenas passou alguns instantes no corpo, suas faculdades no sofreram modificaes. Observao: O Esprito de uma criana, dando uma comunicao esprita, pode falar como o de um adulto, porque pode ser um Esprito adiantado. Se, por vezes, emprega uma linguagem infantil, para no tirar sua me o encanto que est intimamente ligado afeio de uma criatura frgil, delicada e ornada com as graas da inocncia.32 A resposta precedente pode ser dada mesma pergunta, se formulada em relao ao estado da alma dos cretinos, dos idiotas e dos loucos.

155. Aps a morte, qual a diferena entre a alma do sbio e a do ignorante, ou entre a do selvagem e a do homem civilizado? Pouco mais ou menos a mesma que entre elas existia durante a vida. A passagem para o mundo espiritual no d alma os conhecimentos que no tinha na Terra. 156. Aps a morte as almas fazem progresso intelectual? Fazem-nos mais ou menos, conforme a prpria vontade. Algumas at fazem grandes progressos. Entretanto tm necessidade de pr em prtica, durante a existncia corprea, aquilo que aprenderam em conhecimento e em moralidade. Aquelas que permanecem estacionrias recomeam uma existncia semelhante que haviam deixado. As que progrediram fazem jus a uma encarnao de ordem mais elevada. Como o progresso proporcional vontade dos Espritos, muitos conservam, durante maior ou menor perodo, os gostos e as inclinaes que tinham em vida, isto , prosseguem nas mesmas idias.33 157. Na vida futura a sorte do homem est irrevogavelmente fixada aps a sua morte? A fixao irremissvel da sorte do homem, aps a sua morte, seria a absoluta negao da justia e da bondade de Deus, por isso que muitos no puderam esclarecer-se bastante na vida terrena. Alm disso, h que considerar os idiotas, os cretinos, os selvagens e o imenso nmero de crianas que morrem sem que hajam entrevisto a vida. Mesmo entre os homens esclarecidos, no h tantos que se julgam muito perfeitos e se consideram isentos do dever de estudar e trabalhar mais? No ser uma prova da bondade de Deus a sua permisso para que o homem faa amanh aquilo que no lhe possvel fazer hoje? Se a sorte fosse fixada irrevogavelmente, como explicar que os homens morram em idades to diversas? Por que, na sua justia, no concede Deus a todos o tempo necessrio para

realizarem a maior soma de bem e repararem o mal que fizeram? Quem sabe se o criminoso, que morre aos trinta anos, no se teria transformado num homem de bem, se tivesse vivido at os sessenta? Por que lhe tira Deus os meios que aos outros concede? O caso da variedade de durao da vida e do estado moral da enorme maioria dos homens por si s constitui uma prova desde que se admita a justia divina da impossibilidade de ser a sorte da alma fixada de forma irremissvel aps a morte. 158. Na vida futura, qual ser a sorte das crianas mortas em tenra idade? Esta uma das questes que melhor provam a justia e a necessidade da pluralidade das existncias. Uma alma que viveu apenas alguns instantes, que no chegou a praticar o bem nem o mal, no pode merecer prmio nem castigo. De acordo com a mxima de Jesus Cristo cada um punido ou premiado conforme as suas obras seria ilgico e contrrio justia divina admitir-se que essa alma, que no trabalhou, fosse chamada a desfrutar a bem-aventurana dos anjos ou que, sem motivo, dela fosse privada. Entretanto deve ter uma sorte qualquer. Tambm seria injustia se ficasse por toda a eternidade numa situao mista. Nenhuma conseqncia para a alma poder ter uma experincia interrompida logo no comeo. Conseqentemente sua sorte atual foi merecida numa existncia anterior, do mesmo modo que a sua sorte futura ser a que tiver merecido em existncias ulteriores. 159. As almas tm preocupaes na outra vida? Pensam nalguma coisa alm de suas alegrias e seus sofrimentos? Se as almas apenas cuidassem de si durante a eternidade, seria egosmo. Ora, se Deus condena essa falta na vida corprea, no iria aprov-la na vida espiritual. As almas ou Espritos tm ocupaes relativas ao seu grau de progresso. Ao mesmo tempo procuram instruir-se e melhorar-se. 34

160. Em que consistem os sofrimentos da alma aps a morte? As almas criminosas sero torturadas em chamas materiais? Hoje a Igreja reconhece perfeitamente que o fogo do inferno moral e no material. Mas ela no explica a natureza dos sofrimentos. Estes so postos aos nossos olhos pelas comunicaes espritas. Por esse meio podemos apreci-los e nos convencermos de que, posto no sejam esses sofrimentos o resultado de um fogo material, que, na verdade, no poderia queimar almas imateriais, nem por isso deixam de ser mais terrveis, ao menos em certos casos. As penas no so uniformes: variam ao infinito, conforme a natureza e o grau das faltas cometidas; quase sempre as prprias faltas so o instrumento do castigo. Assim, certos assassinos se vem obrigados a conservar-se no prprio local do crime e contemplar incessantemente as suas vtimas; o homem de gostos sensuais e materiais conserva esses mesmos gostos, mas torturado pela impossibilidade de os satisfazer; certos avarentos julgam sofrer o frio e a fome que suportaram durante a sua vida de avareza; outros se conservam junto aos seus tesouros enterrados, numa nsia perptua, temerosos de que lhos roubem. Numa palavra, no h um s defeito, uma s imperfeio moral ou uma nica ao m que no tenha o seu reverso e as suas naturais conseqncias no mundo dos Espritos. E para isso no preciso um lugar circunscrito e determinado. Onde quer que se ache um Esprito perverso, com ele est o inferno. Alm das penas espirituais h penas e provas materiais, que o Esprito no depurado sofre, em nova encarnao, onde posto em condies de sofrer aquilo que fez sofrer aos outros: ser humilhado, se tiver sido orgulhoso; miservel, se tiver sido mau rico; infeliz com os filhos, se tiver sido mau filho, etc.. Conforme j o dissemos, a Terra um dos lugares de exlio e de expiao; um purgatrio para os Espritos dessa natureza.

Cada um poder libertar-se se se melhorar suficientemente at merecer viver num mundo melhor. 35 161. A prece ser til s almas sofredoras? Os bons Espritos a recomendam; os sofredores a suplicam, como meio de aliviar os seus padecimentos. Experimenta a alma, por quem se pede, uma consolao, porque v nisso uma demonstrao de interesse. E o infeliz sente-se aliviado sempre que encontra criaturas que se compadecem de suas dores. Por outro lado a prece o estimula ao arrependimento e ao desejo de fazer aquilo que necessrio para ser feliz. assim que suas penas podem ser aliviadas quando, por seu lado, coadjuva a ao por sua boa-vontade. 36 162. Em que consistem os gozos das almas felizes? Passam a eternidade em contemplao? Quer a justia que a recompensa seja proporcional ao mrito, do mesmo modo que a punio proporcional gravidade da falta. Assim, h infinitos graus nos gozos da alma, desde o instante em que entra na via do bem at o momento em que atinge a perfeio. Consiste a felicidade dos bons Espritos em conhecer todas as coisas, no sentir dio, inveja, cimes, ambio ou qualquer das paixes que infelicitam os homens. Para os bons Espritos, o amor que os une fonte de suprema felicidade, pois no experimentam necessidades, nem sofrimentos, nem as angstias da vida material. Um estado de eterna contemplao seria uma felicidade estpida e montona; seria uma ventura de egosta e uma existncia perpetuamente intil. Ao contrrio, a vida espiritual uma incessante atividade pelas misses recebidas pelos Espritos do Ser Supremo, como seus agentes, que so, no governo do Universo. Essas misses so proporcionais ao adiantamento de cada um; seu desempenho os torna felizes, porque lhes oferece oportunidade de serem teis e de fazer o bem. 37

Observao: Os adversrios do Espiritismo e os que no aceitam a reencarnao se acham convidados a dar aos problemas acima uma soluo mais lgica, baseada noutro princpio que no seja o da pluralidade das existncias. 0

Biografia de Allan Kardec Aos 3 de outubro de 1804, s 19 horas, a casa do magistrado Jean-Baptiste-Antoine Rivail , na cidade de Lyon, rue Sala, 76 , ouvia os primeiros vagidos de uma criana destinada a influir poderosamente nos destinos da humanidade. Naqueles dias estava em uso o calendrio da Revoluo, no qual os meses tinham outros nomes e comeavam com a entrada do Sol nas casas do Zodaco. Estava-se a 11 de vindemirio. O registro civil, feito no dia seguinte, indicava o nascimento supra de Denizard-Hippolyte-Lon Rivail , sendo seus pais o magistrado acima mencionado e sua esposa Jeanne Duhamel; assinaram como testemunhas, a pedido do mdico Pierre Radamel, os senhores Syriaque-Frdric Dittmar e JeanFranois Targe. Remata o documento o sr. Mathiou, presidente do Tribunal. H entre os espritas uma certa confuso quanto ao nome do Codificador, por falta de acomodao entre o sistema francs e o nosso de citar o nome das pessoas. Para uns o menino em questo era Lon, para outros Denizard e, ainda para um terceiro grupo, Hippolyte. que, de um modo geral, ns ignoramos que: I na Frana comum acrescentar-se ao prenome do menino o de um ou dois avs; II nas famlias nobres esse acrscimo se torna abusivo; III por vezes adiciona-se ao prenome do ascendente masculino o do padrinho; IV nos documentos oficiais praxe escrever em primeiro lugar o nome da famlia e depois os prenomes. Assim, no caso vertente, o prenome Hippolyte; os prenomes adicionais, Lon e Denizard e o nome de famlia, Rivail. Comumente se escreve Hippolyte-Lon-Denizard Rivail ,

enquanto que nos documentos oficiais escrever-se-ia Rivail Hippolyte-Lon-Denizard . E, escrevendo certo, justo se exija a pronncia correta. Perdoem-nos os espritas a exigncia: que no compreendemos no se saiba grafar e, menos ainda, pronunciar nome to respeitvel e que nos sobremaneira caro. Seria uma falta de respeito. At hoje so escassos os dados biogrficos daquele que mais conhecido se tornou sob o pseudnimo de Allan Kardec. Pouco tem sido acrescentado ao que disse o astrnomo Camille Flammarion beira do tmulo que ia receber os seus despojos terrenos e conferncia do escritor Henri Sausse, em sua cidade natal, vinte e sete anos mais tarde. Afirma-se que em linha paterna descende de tradicional famlia de juristas e, em linha materna, de telogos ilustres, matemticos e escritores, alguns dos quais teriam pertencido Academia de Cincias e Academia Francesa, pontos culminantes para homens de cincia e para homens de letras. Mas no nos estiremos por este caminho, que a elevao espiritual nem obedece s leis da gentica nem s condies sociais e, sobretudo, financeiras, da famlia. Os grandes gnios no nasceram em bero de ouro; por vezes conheceram a misria; Scrates era filho de uma lavadeira e um carpinteiro foi o pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Via de regra, entretanto, a natureza coloca Espritos de escol em ambiente adequado, que lhes facilite as tarefas que constituem o sentido de sua vida. Antes, porm, de entrar no estudo do seu ambiente, vejamos a razo de ser do pseudnimo Allan Kardec, que viria apagar o nome de Hippolyte-Lon-Denizard Rivail . Um dos princpios fundamentais do Espiritismo, na Codificao Kardeciana, a reencarnao, isto , o das vidas sucessivas e interdependentes. No incio de seu trabalho filosfico, um Esprito revelou ao Codificador que o conhecia de remotas existncias, uma das quais passada no mesmo solo da Frana, onde a sua individualidade tinha revestido a

personalidade de um druida, chamado Allan Kardec. Sabe-se a posio social desses sacerdotes, sorteados entre a juventude da nobreza; mas, tambm, sabido que os druidas proibiam a construo de templos e a representao figurada dos Deuses ou Espritos. Porque lhe teria agradado o nome? Porque lembrasse essa fuga s exterioridades e ao culto externo? Por uma como que memria intuitiva do muito de espiritismo contido no Druidismo? Pela sonoridade do nome? Pela intuio da necessidade de subtrair-se ao mal-estar causado aos familiares e companheiros no mundo cientfico e educacional, onde vivia, com a publicao, sob a responsabilidade de seu nome verdadeiro, de princpios filosficos fadados a abalar o velho formalismo da religio e da cincia? difcil dizer. Como quer que seja, de notar-se a coincidncia entre certos princpios do Druidismo e a obstinao de Allan Kardec em subtrair o Espiritismo tendncia das massas menos cultas em transform-lo numa religio. Neste particular, a concesso mxima que se pode fazer f-la Sir Arthur Conan Doyle, chamando-o de religio psquica , isto , uma filosofia prtica que leva a criatura para uma etapa religiosa muito superior moral comum, desde que a moral a mdia do comportamento do grupo social e aquele conduz para um limite superior, no qual, tornando-se altamente consciente, a criatura , simultaneamente, templo, sacerdote e penitente. Fique esta observao logo entrada destas notas, a fim de advertir o leitor de que, at o ltimo instante, Allan Kardec sustentou que o Espiritismo era uma filosofia cientfica de conseqncias religiosas, mas no uma religio . Certos pseudoespiritistas pretendem neg-lo, para o que fazem um tremendo trabalho sofstico, esquecidos de que, torcendo as palavras do Codificador, aproximando afirmaes distantes e dspares, at pertinentes a temas diversos, colocam-se entre as farpas do dilema: ou Allan Kardec, pela insegurana de conhecimentos, pela tibieza de carter, teria falhado como missionrio da terceira revelao , ou teriam falhado todos os Espritos daquela

pliade ilustre, que lhe ditavam mensagens, lhe inspiravam os estudos e lhe criticavam as obras, quando no as refundiam completamente, como foi o caso de O Livro dos Espritos. Em qualquer dos casos, o desfecho seria um s: a falncia da doutrina. Haver quem possa admiti-lo? O meio fsico O observador que demora o olhar sobre a carta da Frana, ao mesmo tempo em que projeta a mente sobre a sua histria, tem logo a ateno atrada para a cidade de Lyon. Situada na confluncia do Rhodano e do Saona, o ponto de encontro do primeiro que, atravessando o Lago Leman, desce revolto as montanhas do Jura, atravessa toda a Sabia e vem unir-se s guas mansas do segundo, vindo do sul da Lorena e cortando o Franco-Condado e a regio da Borgonha. Sua juno se d ao p de uma encosta abrupta do macio das Cvenes, em contraste com as plancies limitadas pelo Saona e pelo Ain, afluente do Rhodano. Na confluncia daquelas duas massas lquidas est a terceira cidade da Frana, originria de uma colnia fencia ou, mais provavelmente, rhdia, de onde o nome do grande rio, Rhodanus, segundo a forma latina, que no apagou o velho nome celta da regio Lugdunum que quer dizer a colina do sol nascente. Ao tempo da ocupao romana para a convergiram as grandes estradas; por a passaram ou hibernaram Augusto, Cludio e Cararala. Incendiada, reconstruiu-a Nero, para que, mais tarde, foco do cristianismo, sofresse a perseguio de Marco-Aurlio e outra, mais terrvel ainda, de Stimo-Severo. Depois de suportar inmeras vicissitudes, durante o perodo feudal, desde o Imprio de Carlos Magno at o fim do sculo XIII, tornou-se uma cidade do Imprio. Foi em Lyon que em 1245 Inocncio III excomungou a Frederico II, da Alemanha; que em 1274 Gregrio X reuniu o segundo conclio ecumnico, para regulamentar a eleio dos papas e a unio entre as Igrejas Grega e Latina. Durante as guerras de religio foi saqueada pelos protestantes em 1562 e,

dez anos mais tarde, pelos catlicos. Durante a Revoluo Francesa a Conveno ordenou a sua destruio a tiros de canho, mas Collot dHerbois e Fouch apenas metralharam os seus prisioneiros. Posteriormente os acontecimentos mais notveis foram a insurreio operria de 1831, o complot de 1851, dirigido pelos republicanos da Nova Montanha, para no falar do movimento socialista de 1871, posterior, portanto, morte de Allan Kardec. Dado esse ligeiro esboo fsico e histrico da grande cidade, referindo apenas aquilo que poderia falar mente de um lions culto, no devemos esquecer que aquelas mesmas guas, j avolumadas por outros cursos alpestres, como o Isre e o Drme, vo banhar a cidade de Avinho, tristemente clebre na histria das lutas polticas que mancharam a Igreja Catlica; depois de haverem tumultuado nas altas montanhas marginais, nos oferecem um smbolo de serenidade no seu curso baixo e no seu perfil de equilbrio, antes de se lanarem, mansas, no velho Mare Nostrum, pouco abaixo da no menos evocadora cidade de Arles, que deu nome a um reino. O meio social Entretanto no passemos muito por alto: focalizaremos mais de perto alguns aspectos da cidade e do meio social. margem direita do Saona, subindo pelos funiculares, alcana-se o velho forum, Forum Vetus, a velha cidade romana, bairro eclesistico, com a sua Catedral de So Joo, monumento dos sculos XII a XIV e seus belssimos vitrais. No centro, entre os dois rios, o mais velho edifcio de Lyon a Igreja de SaintMartin dAinay, construda no sculo XI, sobre as runas do Templo de Augusto; velhos hospitais, a parte administrativa, residncias burguesas, o comrcio e os bancos. A ainda se destaca, pela sua vetustez, a Igreja de Saint-Nazier, dos sculos XV e XVI; o Conselho Municipal, do sculo XVII; palcios, museus, faculdades, etc.. margem esquerda, na plancie que se estende para leste, a Prefeitura, os bairros operrios e o parque.

So clebres os seus tecidos, as suas sedas, os seus veludos estampados, assim como as suas faianas, uns e outras relembrando uma tradio legada pela arte italiana de Florena e de Veneza, da poca dos Doges. * Nesse ambiente passou a infncia o jovem Rivail. Lyon era uma cidade envolta na garoa, que atenua os contornos e espiritualiza as formas, mas onde se agita uma populao laboriosa e realista, prtica e fria, embora no infensa beleza que fala aos sentidos, e quela beleza mais profunda, que as almas eleitas sentem mas no encontram expresso material. No difcil imaginar-se a influncia, sobre o menino precoce, do meio lions e da intimidade do lar de um juiz austero, de formao severa, segundo os velhos moldes hoje evanescentes. Que motivos teriam levado o velho magistrado a mandar o filho estudar na Sua? Falta de bons colgios na Frana? Idias prprias em relao influncia clerical no ensino local? Interesse pelo sistema de Pestalozzi? Talvez isso. Talvez um pouco de tudo. O pedagogo suo Jean-Henri Pestalozzi, versado em lnguas, em histria e em direito, se havia consagrado economia rural. A leitura do Emlio, de Rousseau, lhe revelara a vocao; aperfeioou as idias de Rousseau, do ngulo da pedagogia. Seu ideal foi, ento, desenvolver, gradualmente, as faculdades humanas e organizar o ensino mtuo. Para tanto dedicou-se educao das crianas pobres. Ensinou em vrias cidades, at que lhe cederam o Castelo de Yverdon. Yverdon uma cidadezinha do sul do Lago Neuchatel, onde os Duques de Zaehringen possuam um clebre castelo que data do sculo XII. Nessa antiga cidade romana de Eburodunum, e em seu castelo, os duques abrigaram a Escola de Pestalozzi durante vinte anos de 1805 a 1825. Nesse ambiente de uma pequena cidade fabril, num velho castelo medieval, o menino Rivail fez os estudos bsicos que

iriam prepar-lo para uma tarefa que basta, por si s, para marcar o sculo j chamado sculo das luzes. Estudo e trabalho Pestalozzi estimava o jovem rivail como um filho. Teve-lhe maior intimidade, que o adolescente soube aproveitar a tal ponto que, aos quatorze anos, por vezes substitua o diretor na conduo dos cursos. Aprendeu praticamente vrias lnguas, alm do conhecimento clssico do grego e do latim. Com aquela idade diplomou-se professor. Continuando os estudos, fez o seu bacharelado quatro anos mais tarde. Por nos faltarem dados seguros, no diremos, como outros bigrafos, que foi o bacharelado em cincias e letras, posto nos inclinemos pela afirmativa. que o bacharelado foi institudo na Frana em 1808, nas faculdades de cincias e letras, como sano de estudos secundrios. Inicialmente, porm, o bacharelando era puramente literrio; em 1830 e 1840 sofreu o sistema profundas reformas que no atingiram o nosso estudante: em 1830 j Rivail era mdico. Por outras palavras, no podemos garantir qual o ttulo obtido pelo jovem Rivail ao fazer o seu bachot, como se costuma dizer na gria estudantil. Sabe-se, entretanto, que o obteve, com ele entrou na escola de medicina, onde se doutorou aos vinte e quatro anos. Enquanto fazia o curso de medicina o estudante punha em execuo a experincia feita junto a Pestalozzi, relativamente ao ensino mtuo. Com efeito, o acadmico-professor lecionava Matemtica, Astronomia, Qumica, Retrica, Anatomia Comparada e Fisiologia, alm de sua prpria lngua. Parece que tirou proventos de parte de tais cursos, mas certo que em parte os ministrou com absoluta gratuidade, consoante os princpios de seu mestre. Em Paris fundou um Instituto Tcnico rua Svres, n 35, nos moldes de Pestalozzi. provvel que ainda no tivesse

concludo o curso de medicina; sabe-se, entretanto, que teve como scio um tio materno, jogador inveterado, que levou o Instituto liquidao. A quota do dr. Rivail foi colocada em comandita na firma de uns amigos que, pouco depois, declararam falncia. O jovem no desanimou: passou a fazer tradues, a preparar cursos em colgios e institutos, e ainda achava tempo para dar cursos gratuitos. Teve tais contactos com o mundo das letras e das cincias que chegou a possuir vrios diplomas de sociedades cientficas e de incremento ao progresso. No os teria obtido se no estivesse em ligao continuada e eficiente com estabelecimentos pblicos oficiais ou oficializados, onde os grandes servios prestados sociedade eram publicamente reconhecidos, atravs de diplomas honorficos. Entre outras distines, possua as seguintes: A no setor da direo do ensino: I - de fundador da Sociedade de Previdncia dos Diretores de Colgios e Internatos de Paris; II - da sociedade de Educao nacional (constituda por diretores de Colgios e internatos); B no setor do ensino propriamente dito: I - da Sociedade para a Instruo Elementar; II - da Sociedade Gramatical; III - do Instituto de Lnguas; C no setor da divulgao cientfica: I - da Sociedade de Cincias Naturais da Frana; II - do Instituto Histrico; III - da Sociedade Francesa de Estatstica Universal; D no setor das aplicaes prticas das cincias: I - da Sociedade de Emulao Agrcola do Departamento do Ain; II - da Sociedade de Incentivo Indstria Nacional.

A maioria desses diplomas lhe foram conferidos entre os vinte e os trinta e um anos de idade; o ltimo lhe veio aos quarenta e trs. Tudo isto indica uma inteligncia invulgar, servida por uma vontade poderosa e um mtodo de vida que, de certo modo, justifica aquele conceito de Augusto Comte o gnio uma questo de mtodo. Era um idealista, mas no um luntico; seu idealismo era orgnico e prtico. O estudante de medicina e depois o mdico atuava na vida prtica como professor de vrias matrias, no s como divulgador de conhecimentos tericos, mas como propulsor da agricultura e da indstria, atravs dos aperfeioamentos cientficos dos meios de produo, como do aperfeioamento moral e espiritual das criaturas. Esse aspecto de sua vida no foi suficientemente analisado por seus turiferrios. Um exame percuciente revela que o seu interesse nos estudos se derramou sobre um conjunto de conhecimentos selecionados, no para servirem de atavios ao Esprito, mas de verdadeiros instrumentos para a promoo do bem-estar geral, do mesmo passo que para a evoluo espiritual, pelo conhecimento de si mesmo e pelo da situao do homem no cosmos. Era um altrusta na mais alta acepo do vocbulo, porque no esperava adquirir muito para dar as sobras: tinha um sentido prtico da solidariedade humana, dessa solidariedade feita de companheirismo, de camaradagem fraterna, de simpatia pelo alheio esforo, de boa disposio para ajudar os outros com a prpria experincia, de bom nimo para ensinar principalmente de graa , pois a gratuidade nivela espiritualmente as criaturas e elimina aquela barreira psicolgica, algo paradoxal, que se estabelece entre o ignorante que paga e o mestre que pago diretamente. Ele sentia as imperiosas obrigaes do indivduo para com a sociedade, visando o progresso desta e procurando servi-la e servir-se dentro daquele magnfico conceito: a cada um segundo as suas necessidades; de cada um conforme as suas possibilidades .

Por outras palavras: foi um Esprito altamente cnscio de sua funo social. E a realizou magnificamente, sem estardalhaos, sereno e compenetrado. Na ndia h uma lio muito interessante para o nosso comportamento social. Ensinava Ramakrisma que, ao atravessar uma aldeia, um elefante fora assaltado pelos ces. Cnscio de sua superioridade, o elefante no se desviou de sua rota, no deu ateno aos latidos, no perdeu o passo hiertico. Sem orgulho, apenas compenetrado de seu valor e de suas responsabilidades como fator social, o moo Rivail tinha um secreto sentimento de que era bem como aquele elefante, posto jamais o revelasse: agiu bem como um mestre ensinando. Por isso pde realizar a sua tarefa imensa. * Entre os anos de 1824 e 1849 publicou o dr. Rivail, entre outras, as seguintes obras: I - Curso Prtico e Terico de Aritmtica (2 volumes, segundo o mtodo Pestalozzi); II - Plano para o melhoramento da Instruo Pblica; III - Gramtica Clssica da Lngua Francesa; IV - Qual o sistema de estudos mais adequado poca? V - Manual dos exames para certificado de capacidade. VI - Solues racionais de perguntas e problemas de Aritmtica e Geometria; VII - Catecismo Gramatical da Lngua Francesa; VIII - Programa dos Cursos ordinrios de Qumica, Fsica, Astronomia e Fisiologia; IX - Pontos para os exames na Municipalidade e na Sorbonne; X - Instrues sobre as dificuldades ortogrficas. Na sua folha de servios mocidade de seu tempo est a regncia das seguintes matrias, em cursos parcialmente gratuitos repetimo-lo , onde, de par com os seus

conhecimentos enciclopdicos, patenteia-se o esforo em bem servir os seus semelhantes: Matemtica, Fsica, Qumica, Astronomia, Retrica, Anatomia Comparada, Fisiologia e Lngua Francesa. Falava corretamente ingls, alemo, holands, espanhol e italiano e era grande conhecedor do grego e do latim. Magnetismo Cabe aqui destacar, em poucas linhas, um aspecto da cultura do sr. Allan Kardec: os seus estudos sobre magnetismo e hipnotismo, matrias que lhe foram de valioso auxlio nos estudos iniciais do Espiritismo e que no deveriam desconhecer todos quantos se aplicam a trabalhos prticos e ao manejo de mdiuns. Allan Kardec interessou-se pelo magnetismo ainda nos bancos acadmicos. Naquela poca a nova cincia apaixonava e dividia os estudiosos: de um lado a chamada cincia oficial , a lhe negar foros de cidade; do outro, homens espiritualmente emancipados, a lhe proclamar os fatos. Estes ltimos constituram uma sociedade a Sociedade dos Magnetistas da Frana , mais tarde cindida em duas entidades, por divergncias de interpretao dos fenmenos. Kardec pertencia primeira, mas era festejado por ambas. * Torna-se aqui necessria uma ligeira digresso histrica, para que melhor se compreendam as ligaes do magnetismo e do hipnotismo com o Espiritismo e no se confundam aqueles com as exibies charlatanescas a tanto por cabea. Sem remontar s prticas esotricas, que so de todos os tempos e lugares, o magnetismo animal dos tempos modernos parece ter surgido com Paracelso, tendo sido aceito e praticado por Burgraeve, Van Helmont, o Padre Kircher e, principalmente, por Mesmer que, pelas alturas do ano de 1779, lhe deu grande incremento e chegou a lhe emprestar o prprio nome; mesmerismo era como ento se chamava o magnetismo. Mas, que vinha a ser o chamado magnetismo animal?

Pensava-se que fosse um fluido que penetrava os corpos animados, dando-lhes propriedades particulares. Mesmer desenvolveu essa teoria, sustentando que os corpos animados e inanimados eram submetidos influncia de um agente universal, a que chamou fluido magntico. Esse fluido podia acumular-se e transmitir-se ao homem, pelos passes e toques, e era capaz de curar certas molstias nervosas, mas tambm podia provoc-las. Em certos casos especiais, as pessoas submetidas ao magntica apresentavam crises convulsivas, atitudes passionais e at tendncias erticas, o que levou o mundo cientfico condenao do mesmerismo ou magnetismo prtico, no interesse da moralidade pblica. Isso ocorreu em 1784. Mas no paravam a as contraditrias concluses do relatrio oficial da comisso chefiada pelo ilustre Bailly: ela conclua pela inexistncia dos fenmenos. Repetia-se o caso de Galileu. J disse algum que as idias so como os gases: quanto mais comprimidas, maior a sua fora de expanso. Os repetidos golpes desferidos no magnetismo lhe trouxeram novos e valiosos adeptos, entre os quais Du Potet, o Abade de Faria e Puysgur, na Frana. Continuaram-se os estudos na Frana, tornando-se evidentes os seus efeitos e a fenomenologia geral, com a sugesto, o sonambulismo provocado, as paralisias, as anestesias, etc.. Um pouco mais tarde, na Inglaterra, Braid demonstrou que o hipnotismo era uma realidade e determinou meios prticos para a sua aplicao. Tais processos foram muito divulgados nos Estados Unidos, graas aos trabalhos de Grims. Os estudos de Braid e Grims situam-se entre os anos de 1840 e 1848. Assim, quando, mais uma vez, o magnetismo foi condenado por volta de 1859, nas lies professadas na Salpetrire pelo ilustre Charcot, j Allan Kardec andava s voltas com os fenmenos espritas, aos quais trouxera uma experincia de trinta e cinco anos de trato com o Magnetismo e o Hipnotismo.

Fcil compreender-se tudo isso. * No momento assistia-se, na Frana, a falncia das filosofias espiritualistas. A elas se opunham as correntes materialistas com o marxismo frente e, num termo mdio, o agnosticismo da escola positivista, fundada por Augusto Comte. O genial Comte havia dado uma nova ordenao aos conhecimentos cientficos; tinha fundado uma nova cincia a Sociologia. Sua obra, muito inteiria, constitua a Filosofia Positiva; seu ponto mais fraco a religio tirada de seus princpios gerais. Mas Comte fora repetidor da Escola Politcnica, depois examinador; dera cursos populares de Astronomia. Tudo isto lhe granjeara um certo prestgio nos meios cultos. A falta de sntese nos conhecimentos cientficos deixava as classes mais altas em catico estado mental, no sendo difcil encontrar grandes figuras positivistas em cincia, materialistas em poltica e catlicas ou protestantes em religio. Poucos abarcavam essas coisas em viso panormica; e quando os percebiam davam de ombros, justificados de seu silncio e de sua acomodao pelo motivo de se no sentirem culpados. As mesas girantes Estavam as coisas nesse p quando os fenmenos espirticos, ditos das mesas girantes e falantes, iniciados oficialmente nos Estados Unidos, com as Irms Fox e pouco depois transplantados para a Europa, adquiriram foros de cidade. Manda a verdade, entretanto, se diga que antes mesmo de 1848, j na Frana, na Alemanha e na Inglaterra se haviam registrado os fenmenos de efeitos fsicos e outros, inclusive os intelectuais mesmo sem recorrer s vastas referncias, posto que discretas, encontradas na obra escrita, que chegou at os nossos dias, dos melhores historiadores e poetas latinos, bem como da tradio drudica. Allan Kardec tratou do assunto nas pginas luminosas da Revue Spirite, muito embora no o fizesse

de forma exaustiva, visando estabelecer irretorquivelmente a primazia da Europa e, particularmente da Frana, no que se refere a acintosas manifestaes de Espritos. Como quer que seja, o relato do que se passava com as Irms Fox, as chantagens de que foram vtimas, a malevolncia dos opositores fenomenologia, ansiosos por manterem o prestgio, j um tanto abalado, de seu velho aliado Sat, tiveram o efeito de propaganda. De modo que na alta sociedade francesa foi uma nota requintada dos sales elegantes convidar, para a companhia de poetas, deputados, senadores, ministros, escritores, artistas, prncipes de toda parte, inclusive grosduques russos, alguns Espritos de escol, que vinham afirmar: No h morte. Quem eram esses Espritos? Vultos marcantes de todos os tempos: filsofos e poetas, generais e imperadores da Grcia e de Roma; destacadas figuras do clero medieval; escritores, poetas e artistas do renascimento; antigos reis da Frana. Todos eles produziram admirveis provas de sua identidade e muitos lanaram grandes clares sobre a parte mais nebulosa de algumas de suas aes pblicas. Os poetas se exprimiam em versos perfeitos, atravs de sensitivos que jamais haviam perpetrado uma simples quadrinha rimada. A moda atingiu o palcio imperial. Napoleo III solicitou de elementos experimentados que fossem ao palcio evocar Espritos em sua presena. E manteve interessantes palestras, em presena das mais destacadas figuras do mundo poltico, militar e diplomtico. Entre esses sales brilhantes, fora destacar o da Senhora de Girardin, encantadora figura de vanguarda nas letras e nas artes e, indiscutivelmente, uma das maiores expresses do bandeirismo espiritista na Frana, qui do mundo. Nascida no mesmo ano que Allan Kardec, Delphine Gay era fsica e espiritualmente bela. Muito cedo comeou a sua produo potica, publicando seguidamente volumes, entre os quais se

destacam: Les Soeurs de Sainte Camille , Madeleine, Ourika, Le Bonheur dtre belle , La Vision de Joanne dArc . Aps uma viagem Itlia, durante a qual foi coroada no Capitlio, publicou Le Retour, Palerme, Le Dernier Jour de Pompi , Napoline e outras impresses da pennsula. Aos vinte e sete anos casou-se com o Conde Camile de Girardin, que desfrutava invejvel posio social e poltica, alm de grande prestgio como escritor, socilogo e dramaturgo. Casada, foi uma inspiradora da poltica. Escreveu vrios romances e bom nmero de peas para teatro; entre aqueles vale destacar Le Lorgnon, Le Marquis de Pontanges , Les Contes dune vieile fille ses neveux e, o mais notvel de todos, La Canne de M. de Balzac , e, ainda, La Croix-de-Berny, este em colaborao com Thophile Gautier, Joseph Mry e Jules Sandeau, trs nomes que dispensam referncias; entre estas no devemos esquecer Lcole des journalistes , Judith, Clopatre, Lady Tartufe, Le Chapeau dun horloger e La Joie fait peur, peas estas pertinentes ao repertrio da Comdie Franaise. Deixou ainda farta coleo de Cartas Parisienses e de artigos e folhetins na imprensa peridica e nos dirios de Paris. As sesses espritas nos sales da Senhora de Girardin contaram com o que havia de mais fino nas letras, nas artes e na poltica; assistiram-nas Balzac, Lamartine, Chateaubriand, Thophile Gautier, para citar apenas alguns dos mais expressivos nomes das letras francesas e de renome mundial, frente dos quais justo colocar a figura magnfica de Alexandre Dumas, filho. Pode-se dizer que a Senhora de Girardin preparou a receptividade nas altas esferas sociais e intelectuais da Frana para a obra que em breve deveria encetar Allan Kardec. Morreu de um cncer, em 1855. Um desses grupos praticantes do Espiritismo nascente se deu ao trabalho de visitar o grande Victor Hugo, ento exilado na Ilha de Jersey, por fora de seu antagonismo ao governo monrquico da Frana. E o converteu aos princpios espirticos.

Entretanto coisa notvel! , entre tanta gente de alta cultura, ningum lobrigou o alcance filosfico das batidas nas mesas e mveis e, em geral, das manifestaes dos Espritos. S um fato impressionava: a sobrevivncia do ser humano, com os seus gostos, os seus cacoetes, os seus impulsos, enfim, a sua personalidade! A Frana, cognominada a filha primognita da Igreja , assistia ao naufrgio da f, resultante do choque entre a Cincia e a Religio. Dona de um mais largo e profundo conhecimento das leis da natureza, a humanidade estava preparada para passar da f imposta f raciocinada, isto , da crena para a certeza. A cincia oficial desdenhava tudo quanto pudesse, direta ou indiretamente, conduzir a um postulado da religio; em contrapartida, a religio, fechada numa filosofia apriorstica, verberava toda tentativa intelectual que pudesse atuar como um sopro sobre o castelo de cartas do dogmatismo. Temor da divulgao da verdade ou intuio do seu crescente desprestgio poltico, em conseqncia da emancipao espiritual das criaturas? O nico homem que teve a viso da importncia moral e sociolgica de fenomenologia esprita foi Rivail. Por isso mesmo deveria ele apagar-se no mundo oficial da instruo pblica, onde se fizera respeitado e querido, para se dar a uma nova obra: a da construo de toda uma filosofia derivada que importa dos golpes que os chamados mortos vibravam sobre mesas, paredes e mveis. Ia desaparecer o cientista Rivail para surgir o filsofo Allan Kardec . Era aquele renascimento espiritual, de que falava Jesus Cristo a Nicodemus; era a profecia do Nazareno reportada por Joo, no Captulo XIV, versculo 26, sobre aquele a quem o Pai enviar em meu nome , e que ensinar todas as coisas, e vos far lembrar de tudo o que vos tenho dito. Se nos adentrarmos no texto e em outras passagens correlatas, veremos que se trata de um ser despersonalizado, o Consolador, o qual figura nas verses evanglicas que nos chegaram com o Esprito Santo. Cabe, entretanto, notar que no

se trata de uma individuao, nem da suposta terceira pessoa da Trindade catlica: estamos em frente a uma expresso genrica, onde o vocbulo santo apenas um adjetivo qualificativo muito respeitoso e, por isso mesmo, historicamente respeitvel, posto que sem a necessria fora para, com o dogma, sobrepor-se razo. O escolhido foi Allan Kardec e no o dr. Rivail, para significar uma individualidade eterna e no uma personalidade transitria e, ainda, para a ligar a uma etapa em que os valores espirituais eram mais expressivos do que as formas exteriores do culto. O Codificador Foi em 1854 que Allan Kardec tomou conhecimento das mesas girantes e falantes, atravs de uma conversa com o sr. Fortier, seu colega na Sociedade de Magnetistas. Ao ser informado de que, magnetizadas, as mesas podiam mover-se e davam respostas s nossas perguntas, a resposta de Kardec foi de absoluta descrena, desde que a mesa no possua nervos nem crebro, nem podia tornar-se sonmbula. Pouco depois um outro magnetista, o sr. Carlotti, lhe fez minuciosos relatos de experincia a que assistira, em conseqncia do que pde ele dispor-se a assistir s primeiras sesses prticas, em maio de 1855, em casa da sra. Roger, em presena do j citado fortier, do sr. Patier e da sra. Plainemaison. Deste ltimo cavalheiro ouviu relatos num tom diferente, frio e grave, cheio de argumentos que se acomodavam aos princpios cientficos. Surgiu da a possibilidade de assistir a reunies regulares, em casa da sra. Plainemaison, rua Grange-Batelire, 18, ainda no ms de maio j referido. Repetiram-se as sesses, numa das quais conheceu ele a famlia Baudin, residente rua Rochechouart. Convidado para as sesses hebdomadrias da famlia Baudin Allan Kardec quem o diz a fiz os primeiros estudos srios em Espiritismo, mais por observao do que por efeito de revelaes. E

prossegue: A essa nova cincia apliquei, como tinha feito at ento, o mtodo experimental; jamais formulei teorias preconcebidas. E logo mais adiante: Nesses fenmenos entrevi a chave do to obscuro e controvertido problema do passado e do futuro e a soluo que, durante toda a vida, tinha buscado. Numa palavra, era uma revoluo completa nas idias e nas crenas, sendo, pois, necessrio proceder com circunspeco, e no com leviandade, ser positivista em vez de idealista, para no ser arrastado por iluses. Eis a evidenciao do homem de cincia. Allan Kardec vira nessas manifestaes uma prova da existncia da alma e de sua sobrevivncia ao transe da morte. Mas, tambm, percebera que cada Esprito possua um grau de conhecimento e de moralidade, pelo que esse mundo invisvel, que nos envolve, oferecia uma gradao infinita. Estud-los, classific-los e explic-los seria uma tarefa herclea e Kardec a teria abandonado se no fora a insistncia de alguns amigos dedicados, que desde algum tempo se davam quelas investigaes. Entre esses amigos cabe uma referncia particular ao sr. Carlotti, j citado; ao editor Didier, mdium, e ao seu filho, tambm mdium; ao lexicgrafo Antoine-Landre Sardou e seu filho, o mdico, escritor e dramaturgo Victorien Sardou, tambm mdium, que prestou relevantes servios doutrina, no papel de intrprete dos Espritos que ofereciam minuciosas descries e belssimos desenhos de outros planetas, muito embora o dr. Sardou fosse a negao para o desenho; o sr. Ren Taillandier, membro da Academia de Cincias, e outros. Desde algum tempo esses senhores faziam sesses e possuam cinqenta cadernos de comunicaes . Graas a esses amigos, Allan Kardec tomou desse material, classificou as mensagens, eliminou as repeties ociosas; anotou circunstanciadamente as falhas, as dvidas e as lacunas, para futuros esclarecimentos. Teve o cuidado de ouvir outros Espritos, atravs de outros mdiuns, que no os da casa do sr. Roustan o qual no deve ser confundido com o sr. Jean-Baptiste Roustaing , onde lhe

fora de poderoso auxlio a mediunidade da senhorinha Japhet. Em conseqncia fato rarssimo e de notvel beleza! ao apresentar aos Espritos a forma definitiva da obra fundamental, estes lhe fizeram grandes objees. que Allan Kardec apresentava o Espiritismo como uma religio nova, com o que no concordaram os seus conselheiros espirituais. Teve ele a honestidade de aceitar a crtica justa e refundir completamente a obra, cuja primeira edio apareceu a 18 de abril de 1857. Da por diante jamais Kardec deixou de dizer que o Espiritismo era uma cincia ou uma filosofia cientfica porque estabelecida sobre a base dos fatos tendo conseqncias religiosas, mas nunca uma religio. Tal ponto de vista ficou muito bem desenvolvido no seu canto de cisne, isto , a ltima conferncia por ele pronunciada cinco meses antes de desencarnar-se, e que se acha na ntegra no fascculo de novembro de 1868 da Revue Spirite. O xito dessa obra O Livro dos Espritos , cujo nome bem exprime a sua origem e sob o qual a sua autoria apenas aparece como recolhidos e ordenados por Allan Kardec , o levaram a pensar na propaganda da doutrina. Mas achava-se sozinho para tal empreendimento. Contudo, aconselhado pelos Espritos em meados de novembro de 1857, a 1 de janeiro de 1858 lana a Revue Spirite, pequena revista de 32 pginas em mdia, destinada no s propaganda, mas e principalmente provocao da opinio pblica e ao estudo da fenomenologia esprita e discusso das hipteses provisrias, at que, bem verificados os fatos, se lhes pudesse dar uma explicao cientfica e uma posio no quadro geral da filosofia esprita. Lamentavelmente, em nossa terra ainda no foi devidamente apreciada a coleo da Revista Esprita, que Allan Kardec escreveu, por assim dizer, sozinho, durante onze anos e quatro meses, num total de cerca de 4.500 pginas rico manancial de fatos bem controlados e de ensinamentos para os dirigentes de trabalhos prticos, para os mdiuns e para os espiritistas em geral.

Allan Kardec sentiu a necessidade de manter um grupo de estudo prtico e contactos com outros grupos, da Frana e do exterior. Em conseqncia, seus estudos e observaes foram determinando ligeiras alteraes em O Livro dos Espritos, assim como pequenas adies, at que na 22 edio a obra tomou um carter definido, que o que hoje se apresenta. Dessa edio ns nos servimos para a traduo feita para a coleo lanada pela editora Pensamento. Era O Livro dos Espritos uma exposio geral da filosofia esprita. Outras obras deviam seguir-se. Trabalhava Allan Kardec na Revista Esprita, cujos fascculos mensais apareciam com toda a regularidade; no campo experimental dirigia sesses onde eram obtidas respostas s suas perguntas, organizadas de plano, de par com mensagens espontneas, que viriam servir para volumes futuros. Paralelamente, grupos de outras cidades e do estrangeiro lhe remetiam copioso material ditado pelos Espritos, que ele ia arquivando, depois de convenientemente estudado e classificado. Ainda achou tempo para lanar, em julho de 1859, um pequeno volume com a doutrina condensada, sob o ttulo O que o Espiritismo?. Este interessante opsculo teve sucessivas edies, podendo assegurar-se que em 1868 j estava na oitava. Era um livrinho destinado a dar um conhecimento perfunctrio, mas suficiente, s pessoas jejunas que, se se tomassem de interesse pelo assunto, poderiam ento passar a obras de mais flego. Em 1861, logo em janeiro, a casa Dider & Cia. lana o seu segundo livro bsico O Livro dos Mdiuns , onde temos um verdadeiro tratado clssico, indispensvel a mdiuns e dirigentes, a tcnica do manejo da mediunidade. Em 1862 lanou duas pequenas brochuras de propaganda doutrinria, posteriormente abolidas, vista da larga aceitao da Revista Esprita. Eram elas: O Espiritismo na sua expresso mais simples e Refutao s crticas ao Espiritismo.

Com um volume encerrando a filosofia da Doutrina Esprita e outro a tcnica para a utilizao dessa nova cincia, em breve a trilogia se completava pelo estudo da parte moral. Esse terceiro livro fundamental teve a sua primeira edio em abril de 1864, sob o nome de Imitao do Evangelho Segundo o Espiritismo. Refundindo em nova edio, que lhe deu carter definitivo, o nome primitivo foi substitudo pelo atual: O Evangelho Segundo o Espiritismo . Outro seria o conceito que os espiritistas formam da doutrina se tivessem estudado atentamente as primeiras linhas, de notvel significao, que abrem a sua Introduo. Vale a pena transcrev-las, porque em geral elas so lidas sem meditao, apenas uma vez. Dizem assim: Podem dividir-se em cinco partes as matrias contidas nos Evangelhos: os atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as predies; as palavras que foram tomadas pela Igreja para fundamento de seus dogmas; e o ensino moral. As quatro primeiras tm sido objeto de controvrsias; a ltima, porm, conservou-se constantemente inatacvel. Diante desse cdigo divino, a prpria incredulidade se curva. terreno onde todos os cultos podem reunir-se, estandarte sob o qual podem todos colocar-se, quaisquer que sejam suas crenas, porquanto jamais ele constituiu matria das disputas religiosas, que sempre e por toda parte se originaram das questes dogmticas. Alis, se o discutissem, nele teriam as seitas encontrado sua prpria condenao, visto que, na maioria, elas se agarram mais parte mstica do que parte moral, que exige de cada um a reforma de si mesmo. Para os homens, em particular, constitui aquele cdigo uma regra de proceder que abrange todas as circunstancias da vida privada e da vida pblica, o princpio bsico de todas as relaes sociais que se fundam na mais rigorosa justia. , finalmente e acima de tudo, o roteiro infalvel para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do vu que nos oculta a vida futura. Essa parte a que ser objeto exclusivo da presente obra.

Eis a, numa clareza meridiana, no apenas o ponto de vista de Allan Kardec, mas o dos altos Espritos que lhe ditaram a doutrina. A esto nitidamente separados os textos dos Evangelhos em cinco partes: a principal referente ao ensino moral tratada nesse terceiro volume; duas outras, a saber, os milagres e as profecias , que iriam constituir o objeto de A Gnese; as palavras que serviriam para o estabelecimento dos dogmas da Igreja, que iriam fornecer tema para O Cu e o Inferno e, possivelmente, para outras obras, se ele tivesse tido vida mais longa, para concluir o seu plano de trabalho. Assim, em comeo de agosto de 1865 as livrarias exibiam O Cu e o Inferno ou A Justia Divina Segundo o Espiritismo, magnfico estudo em que se explica o simbolismo desses supostos lugares de ventura e de sofrimento de um ponto de vista racional, positivo e conforme a suprema justia, que um dos mais nobres atributos da Divindade. A j a 6 de janeiro de 1868 aparece A Gnese, os milagres e as predies segundo o Espiritismo . Como se v pelo ttulo, a obra no s restabelece a verdade sobre a cosmogonia crist, baseada nos princpios da cincia, como encara a teoria catlica do milagre como exceo das leis da natureza, mostrando, do ngulo espiritista, que tais leis no comportam uma derrogao; no que se refere s predies ou profecias, estuda o fenmeno sob a luz da mediunidade, tirando-lhe, assim, qualquer veleidade de mistrio e de milagre. Esse volume compendia, at certo ponto, os trs primeiros livros bsicos, podendo, por isso mesmo, ser considerado como a melhor obra do Codificador. certo que a crtica moderna lhe faz restries um tanto apressadamente, pelo fato de, quer o Codificador, quer os Espritos que lhe deram algumas mensagens, terem usado uma linguagem hoje superada, vista dos mesmos progressos da cincia. Mas os Espritos estavam certos, de vez que, falando aos homens, no poderiam usar de explicaes baseadas em teorias que s muito mais tarde deveriam estabelecer-se, luz de novos conhecimentos. aos homens, e no aos Espritos, que cabem tais descobertas. O mais que se poderia fazer no

particular seria uma edio com o texto primitivo, mas largamente comentado, que possibilitasse s pessoas de cultura mediana transportar-se de uma linguagem cientfica e de um sistema expositivo velhos de um sculo, para o sistema da era atmica. isto, porm, requer uma grande bagagem de conhecimentos, principalmente no campo da Fsica, da Geologia, da Mecnica Celeste e da Biologia, principalmente da Biologia Pr-histrica, alm de uma bagagem maior de respeito e de compreenso pela obra de Allan Kardec, o que infelizmente nem sempre tem havido. J temos ouvido de alguns estudiosos apressados a manifestao do desejo de que fosse atualizada a obra kardeciana. Consideramos isto um perigo, mxime porque no sabemos at onde pode chegar a febre de modernizao, com o risco de alterar a compreenso kardeciana da Doutrina dos Espritos. Ao invs disso fora prefervel que, em separado, se fizesse, a exemplo do que aconteceu com tantos pensadores de renome, a apreciao global de sua obra, sob o aspecto filosfico e sociolgico. Ento em o Pensamento vivo de Kardec seriam apreciadas as linhas gerais da Doutrina dos Espritos, os critrios cientficos que presidiram Codificao, A Filosofia nela contida, a sua atitude para com as religies dogmticas, e no contra as religies em geral, como erroneamente muitos a interpretam, a filosofia penal espiritista e, principalmente, a sociologia esprita, que ofereceria as linhas mestras de um programa poltico que, dentro dos princpios cardinais do ensino de Jesus Cristo, realizaria a verdadeira democracia, sem lutas de classe, sem antagonismos raciais ou religiosos. Porque nunca demais lembr-lo dentro do ponto de vista espiritualista, se a vontade de Deus onipotente, aqueles mesmos aspectos das religies que para ns se acham superados coexistem em nossa sociedade e em nossos dias, porque ainda tm uma mensagem a dizer a uma parcela da humanidade no preparada para receber mensagem mais elevada. Parece-nos que o Esprito de Kardec est espera de que algum realize essa tarefa, que a ele no poderia caber, principalmente porque ela necessitava de tempo para que se

pudesse avaliar os frutos produzidos pela doutrina e aqueles que ela ainda pode dar. Allan Kardec tinha vindo j maduro para os trabalhos da Doutrina dos Espritos. Contava cinqenta e um anos e era portador de uma leso grave no corao. Trabalhara intensamente desde mocinho. Os Espritos lhe recomendavam certa moderao, que ele no se podia permitir porque, olhando em seu redor no via companheiros que enxergassem as coisas do seu mesmo ponto de vista. Tanto assim que atravs de sua elegncia espiritual, por mais de uma vez teve que publicar na Revista Esprita resumos de sesses da Sociedade Parisiense de Estudos Espritas ou discursos-relatrios de sua gesto, que terminavam com um pedido de sua substituio. Sente-se a que alguns diretores desejam imprimir uma orientao diversa sociedade e, conseqentemente, marcha do Espiritismo. Nesses discursos-relatrios Kardec no s justificava a sua orientao, inspirada pelos espritos, como demonstrava a inviabilidade dos planos dos que lhe eram adversos. Felizmente o bom-senso triunfava. Mas de convir que uma luta continuada de cerca de quatorze anos contra foras externas e, tambm, contra os que agiam internamente na Sociedade deveriam extenu-lo. Sua ltima luta foi aps a publicao de A Gnese, os milagres e as predies segundo o Espiritismo . Em 1869 tratou de reconstituir a Sociedade Parisiense de Estudos Espritas sob novos moldes, que permitissem manter uma livraria esprita, sustentar a publicao da Revista Esprita e a reedio das suas obras, j citadas. Ento ele residia rua SantAna 25, Galeria SantAna, e pretendia mudar-se a 1 de abril de 1869 para a Avenue Sgur, onde anos antes havia comprado um terreno e estava concluindo a construo de seis casinhas destinadas, aps a sua morte, para asilo de velhos espritas. A livraria estava sendo instalada rua Lille n 7, e sua inaugurao deveria dar-se a 1 de abril.

Sua casa estava completamente desarrumada, em ablativos de mudana, a sala em desordem, cheia de pacotes que iam sendo transportados quando, ao entregar um pacote da Revista Esprita, o Codificador caiu fulminado, pela ruptura de um aneurisma da aorta, na vspera de sua instalao em novo e definitivo endereo e da inaugurao da livraria, isto , a 31 de maro de 1869, quando ele contava 65 anos de idade. Mesmo assim, a livraria foi inaugurada no dia seguinte. Foi opinio de sua viva e dos amigos mais ntimos que esse ato representava a execuo de sua ltima vontade. Foi sepultado no cemitrio do Pre Lachaise, onde os discpulos e amigos fizeram erigir um modesto mausolu. Allan Kardec no deixou descendncia. Casara-se em Paris, a 6 de fevereiro de 1832, portanto aos 28 anos de idade, com a Professora Amlie Gabrielle Boudet, nascida a 23 de novembro de 1795, portanto nove anos mais velha do que ele, muito embora no o parecesse. Era de famlia rica. Ela continuou a auxiliar os trabalhos da livraria, zelando pelo patrimnio espiritual de seu esposo. Faleceu a 21 de janeiro de 1883, aos oitenta e nove anos de idade. * Allan Kardec deixou muita coisa indita, mas tambm deixou um plano de trabalho, conforme ficamos sabendo pelo que, posteriormente, se publicou num volume de Obras Pstumas. Nesse volume h uma ligeira biografia do Codificador, que foi publicada na Revista Esprita de maio de 1869 e o clebre discurso proferido pelo astrnomo Camille Flammarion beira de seu tmulo. Entretanto a leitura do volume nos deixa a impresso de que muita coisa ficaria ainda desconhecida do pblico. O prprio ttulo do livro, no plural, nos deixa supor que outros volumes iriam aparecer. Por que no vieram? Mistrio.

H alguns anos, antes da segunda grande guerra, ilustre confrade nosso esteve durante alguns anos em Paris e teve oportunidade de manusear muitos originais inditos, deixados por Kardec, na Sociedade Parisiense de Estudos Espritas , chegando mesmo a tomar alguns apontamentos. Acontece, entretanto, que se arrastava no forum parisiense uma velha demanda entre parentes da sra. Amlie Boudet, Viva de Allan Kardec e a Sociedade Parisiense de Estudos Espritas . Queriam aqueles a posse dos escritos inditos de Allan Kardec. Como os reclamantes eram confessadamente catlicos, no era de esperar que os quisessem publicar. O que que ambicionavam? Fazer um bom negcio vendendo raridades? No se pode afirm-lo. O que se sabe que esse material est desaparecido. Segundo uns, destrudo pelos alemes, quando invadiram a Frana na segunda Grande Guerra; segundo outros, destrudo pelos prprios colaterais da Viva Alan Kardec. Para a maioria dos Espritos uma boa parte do trabalho deixado pelo Codificador continua desconhecida: so os doze volumes que encerram a Revista Esprita escrita quase que exclusivamente por ele. Tais volumes so hoje rarssimos. Tentamos traduzi-los e chegamos a lanar dois volumes. Na Argentina houve igual tentativa e no chegaram a concluir nem o primeiro. Conhecer um dia a massa esprita do Brasil essa preciosidade? Esperemos. So Paulo, dezembro de 1955.

Jlio Abreu Filho

FIM

Notas:

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Vide O Livro dos Espritos, n 237. Vide O Livro dos Espritos, n 100, Escala Esprita; O Livro dos Mdiuns, cap. XXIV. A palavra mdium em francs foi criada em 1856, com o sentido usado no Espiritismo; em ingls foi criada por Swedenborg, no fim da primeira metade do sculo XVIII. Em ambas essas lnguas foi mantida a grafia latina (mdium), que forma neutra: tanto se deriva do substantivo medium, medii, quanto do adjetivo de primeira classe medius, medium. Como as demais lnguas, a nossa consagrou a mesma grafia latina. Desde, porm, que no h gnero neutro em portugus, os dicionrios atribuemlhe o gnero masculino; mas , visivelmente, um vocbulo epiceno. Assim, quer se trate de intermedirio masculino, quer feminino, penso que se deve dizer, invariavelmente, o mdium, um mdium, como por exemplo: Joo bom mdium; Dona Maria um bom mdium. E no: ela uma boa mdium, e, muito menos ainda, ela uma boa mdia. verdade que Larousse deriva a forma francesa do masculino latino medius. Como, porm, explicar que, contrariando o esprito daquela lngua, fossem buscar uma terminao invulgar e tipicamente estranha? Talvez um cochilo de Homero. (N.T.) Vide Revista Esprita, 1 volume: O Esprito batedor de Bergzabern. pg. 129, 157, 192. Ibidem: O Esprito batedor de Dibbelsdorf - pg. 232. Edipo editora. Ainda: Revue Spirite, 3 volume: Le boulanger de Diepper - pg. 76; Le fabricant de Saint-Ptersburg - pg. 115 ; Le chiffonier de la rue das Noyers - pg. 236. Vide O Livro dos Mdiuns, n 267. Vide O Livro dos Mdiuns, n 286: Perguntas que podem ser dirigidas aos Espritos. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XVI, n 195. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XIII, ns 152 e segs. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XV, ns 179 e segs.; cap. XIX, ns 223 e segs. Vide O Livro dos Mdiuns, 2 parte. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XXIII.

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Vide O Livro dos Mdiuns, n 279; Revue Spirite, de fevereiro, maro e junho de 1864; La jeune obsde de Marmande. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XXIV. Vide acima, ns 74-75. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XXVIII Charlatanismo e Embuste, Mdiuns interesseiros, fraudes espritas, n 300; vide, tambm, Revue Spirite, 1862, pg. 52. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XXIV, Identidade dos Espritos; Revue Spirite, 1862, pg. 82: Carrre Constatation dun fait didentit. Vide O Livro dos Mdiuns, cap. XXVII, Contradies e mistificaes; Revue Spirite, 1864, pg. 99, Autorit de la doctrine Spirite; O Evangelho Segundo o Espiritismo, Introduo II, Autoridade da Doutrina Esprita. Vide O Livro dos Espritos, n 55; Revista Esprita, vol. I, Pluralidade dos Mundos. Vide Revista Esprita, ano de 1858, pgs. 68, 113 e 236; Revue Spirite, ano de 1860, pgs. 317, 319 e 321; O Evangelho Segundo o Espiritismo , cap. III. Vide O Livro dos Espritos, ns 114 e segs. Vide O Livro dos Espritos, ns 116 e 222, Revue Spirite, ano de 1862, pgs. 97 e 106. Vide O Livro dos Espritos, n 379 A infncia. Vide Revue Spirite, ano de 1861, pg. 270. Vide Revue Spirite, ano de 1861, pg. 76 La tte de Garibaldi; idem, ano de 1862, pg. 97 Phrenologie espiritualiste et spirite. Vide Revue Spirite, ano de 1860, pg. 173 LEsprit dun idiot ; Idem, ano de 1861, pg. 311 Les Crtins. Vide O Livro dos Espritos Emancipao da alma, ns 400 a 454; O Livro dos Mdiuns Evoluo de pessoas vivas, n 284; Revue Spirite, ano de 1860, pg. 11; idem, pg. 81. Vide O Livro dos Espritos Lei do Progresso, ns 776 a 801; Revue Spirite, ano de 1862, pg. 1 Essai sur linterprtation de la doctrine des anges dchus; pg. 97 Phrnologie espiritualiste et spirite.

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Perfectibilit de la race ngre. Vide O Livro dos Espritos, n 155. Vide Revista Esprita, ano de 1859: Morte de um Esprita, pg. 244; Idem, ano de 1860: Le reveil de lEsprit, pg. 323; Idem, ano de 1862: Obsques de M. Sanson, pg. 129 e Entretiens familiers doutretombe, pg. 171. Vide O Livro dos Espritos, n 165; Revista Esprita, ano de 1858, pg. 172: O suicdio da Samaritana; pg. 351: Um Esprito nos funerais de seu corpo; Idem, ano de 1859, pg. 319: Um Esprito que no se julga morto ; Idem, ano de 1863, pg. 87: Franois Simon Louvet, du Havre. Vide Revue Spirite, ano de 1861, pg. 202 : Les amis ne nous oublient pas dans lautre monde; Idem, ano de 1862, pg. 132, in fine e 133. Vide Revista Esprita, ano de 1858, pg. 16: Me, aqui estou! Vide Revista Esprita, ano de 1858, pg. 87: A rainha de Ouda; pg. 145: O Esprito e os herdeiros; pg. 195: O tambor de Beresine. Idem, ano de 1859, pg. 344: O antigo carreiro; idem, ano de 1860, pg. 325: Progrs des Esprits; idem, ano de 1861, pg. 126: Progrs dun Esprit pervers. Vide O Livro dos Espritos, n 558. Vide O Livro dos Espritos, n 237: Percepes, sensaes e sofrimentos dos Espritos; Idem, Parte Quarta, caps. I e II, Esperanas e Consolaes; Revista Esprita, ano de 1858, pg. 80: O assassino Lemaire; pg. 172: O suicdio da Samaritana; pg. 357: Sensaes dos Espritos; Idem, ano de 1859, pg. 275: Pai Crepin; Idem, ano de 1860, pg. 61: Estelle Riquier; pg. 247: Le suicid de la rue Quincampoix; pg. 316: Le Chtiment; pg. 383: Entre dun coupable dans le monde des Esprits; pg. 384: Chtiment de lgoiste; Idem, ano de 1861, pg. 53: Suicide dun athe; pg. 270: La peine du talion. Vide O Livro dos Espritos, n 664; Revista Esprita, ano de 1859, pg. 315: Efeitos da prece sobre os Espritos sofredores. Vide O Livro dos Espritos, n 558: Ocupaes e Misses dos Espritos; Revue Spirite, ano de 1860, pgs. 320 e 321: Les purs Esprits e Sjour des bienheureux; Idem, ano de 1861, pg. 179: Madame Gourdon.

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