Explicitação de Estrofes de Os Lusíadas
Explicitação de Estrofes de Os Lusíadas
Explicitação de Estrofes de Os Lusíadas
r um pequeno estreito, avistava-se nela uma cidade composta por nobres edifcios. Governava-a um rei j antigo. Mombaa o nome da ilha e da cidade. 104 Vasco da Gama chega a Mombaa muito contente, porque, fiado no falso mouro, espera encontrar ali cristos. Mas de Terra vm embarcaes enviadas pelo rei, que j tinha sido prevenido por Baco. 105 Nos bateis vm mouros que trazem mensagens de amizade, mas a sua aparncia esconde veneno como se viu quando a cilada foi descoberta. E o poeta exclama Que perigos! Que incerteza! Onde mais se confia menos segurana se encontra! 106 No mar tantas tempestades, tantas perdas, tantas vezes o perigo de morte! Na terra, tanta guerra, tanta traio Onde se poder esconder uma frgil criatura que os cus poderosos a no persigam? Pginas 166 e 167, final do canto II e incio do Canto III 101 O rei de Melinde entra no batel de Vasco da Gama e abraa o capito portugus, que lhe fala com o respeito e cortesia que se devem a um rei. Este ouve e observa tudo com ateno, mostrando, pelo gesto, admirao por gente que vinha de to longe. 108 O mouro conversava sobre diversos assuntos, ora perguntava pelas guerras que os portugueses tiveram com os mouros, ora se interessava pelos povos da pennsula ibrica, ora pelos seus vizinhos, ora pelas vias martimas. 109 Mas, antes, descreve-nos pormenorizadamente o clima da tua terra, a regio do mundo em que fica, as vossas viagens, os princpios do reino, os sucessos das guerras da fundao que no sei como foram, mas sei que foram de valor. 110 E fala-nos da tua grande viagem, dos costumes brbaros que observaste na nossa frica. 1 O poeta pede inspirao a Calope, pede que lhe ensine o que Vasco da Gama contou ao rei, e afirma o seu amor por ela. 2 Satisfaz o meu desejo para que o mundo veja que a fonte da inspirao potica tambm brota do Tejo. 3- Todos estavam atentos. Vasco da Gama meditou por instantes e, levantando a cabea, disse: Mandas-me, rei, a histria da minha prpria gente, no a histria alheia. 5 Primeiro, falarei da terra e, depois, da guerra.
Pginas 168 e 169, Canto III 42 Mas j Afonso Henriques preparava o seu exrcito para atacar os mouros que viviam no Alentejo; o acampamento portugus levanta-se em Campo de Ourique, em frente de um inimigo muito mais numeroso. 43 D. Afonso Henriques confia em Deus, porque a desproporo de foras enorme para um s cristo, cem mouros haveria. Qualquer pessoa prudente consideraria temeridade travar combate naquelas condies. 44 Os inimigos so cinco reis mouros, todos j experientes na guerra. O mais importante chama-se Ismar. 45 Raiava a madrugada e as estrelas empalideciam no cu quando Jesus Cristo crucificado apareceu a D. Afonso Henriques. Este, inflamado, em p, gritava Aos infiis, Senhor, deveis aparecer, e no a mim que creio em vs!. 46 Exaltados pelo milagre, os portugueses aclamam D. Afonso Henriques, por ser rei natural, e diante do exrcito inimigo proclamam em altas vozes Real, real. Por Afonso, rei de Portugal! 50 Desse modo, os mouros, assombrados, pegam apressadamente nas armas, no fogem, mas confiam na vitria. Lanam-se nos seus cavalos contra a hoste portuguesa que aguenta o ataque com firmeza e atravessa-lhes o peito com a lana. Uns caem semimortos e outros vo invocando a ajuda do Alcoro. 53 Os portugueses vencem e recolhem os trofus e a presa da vitria; desbaratados os mouros fica o grande rei trs dias no campo. Em sinal de vitria, manda pintar no seu escudo cinco escudetes azuis que representam os cinco reis mouros vencidos. 54 Nos cinco escudetes manda pintar os trinta dinheiros, preo pelo qual Judas vendeu Cristo, escrevendo assim no escudo a histria do Deus que lhe deu a vitria. Conta-se duas vezes o escudo do meio para perfazer o nmero completo. Pginas 174 e 175, Canto V 70 Imagina como andaramos j todos, magoados, perdidos, esgotados pela fome, flagelados por temporais, por climas hostis, mares desconhecidos, e j mais dominados pelo desespero que pela esperana. 71 Podres e estragados os alimentos, nocivos para o pobre corpo humano, e, pior que tudo, nenhum motivo de alegria, nenhuma esperana ainda que ilusria! Acreditas que se esta tripulao no fosse de portugueses, se manteria tanto tempo obediente ao seu rei e ao seu comandante? 72 Julgas que no se teria j revoltado contra o seu capito, e no se teria tornado pirata, obrigada pelo seu desespero, pela ira e pela fome? Est j bem posta prova e no h fora que a tire da lealdade firme, da obedincia portuguesa. 86 Julga agora, Rei, se houve j algum no mundo que se atrevesse a tanto? Acreditas que Eneias ou Ulisses tivessem ido to longe como ns? Ousou algum ver sequer a oitava parte do que eu vi e hei de ver, a poder de esforo e arte?
89 Finjam os ventos a fugir dos odres, as apaixonadas Calipsos, as Harpias cruis, as descidas aos infernos; por mais que eles se esmerem nessas fbulas sonhadas, a verdade que eu conto, nua e pura, vence toda a grandiosa escritura! 90 Todos estavam suspensos da boca do eloquente capito quando ele terminou a sua longa narrativa. O rei de Melinde louva a coragem dos reis de Portugal, e a lealdade e antiga fora de nimo dos portugueses. 92 Como agradvel ouvir louvar os nossos prprios feitos, quando eles so cantados! Todos os nobres procuram igualar ou exceder os seus antepassados. A emulao estimula os grandes feitos. E o louvor desperta e incita os lutadores. 93 Alexandre apreciava mais os belos versos que Homero escreveu sobre os feitos de Aquiles que os prprios feitos de Aquiles. 94 Vasco da Gama esfora-se por mostrar que as navegaes dos antigos no foram to gloriosas como as que ele prprio faz. 95 A terra portuguesa tambm produz Cipies, Csares, Alexandres e Augustos, mas no lhes concede aqueles dons cuja falta os torna rudes e speros. Otvio, no meio dos seus grandes trabalhos compunha belos versos (a falta de cultura torna os portugueses toscos e rudes). 97 No houve enfim, entre os Romanos, Gregos ou Brbaros, capito ilustre que no fosse tambm pessoa culta, com a nica exceo dos portugueses. No sem vergonha que o digo: os herois portugueses no so celebrados na poesia porque no gostam de poesia e por isso a no protegem. Quem no conhecer a arte, no a estima. 99 Vasco da Gama deve estar agradecido ao patriotismo das musas; s a isso se deve que elas o celebrem na poesia. Porque nem Vasco da Gama nem os seus descendentes, tm por to amiga Calope ou as filhas do Tejo que deixassem as telas de ouro fino e que o cantassem (as musas ocupavam o seu tempo com lavores femininos). Pginas 178 e 179, Canto VI 92 J a manh iluminava os outeiros das terras por onde o Ganges corre quando, do alto da gvea, os portugueses avistam terra pela proa. A tempestade passou, desvanecem-se os temores. O piloto melindano diz: Terra de Calecute se no me engano. 93 esta a terra que buscais, a verdadeira ndia. Os vossos trabalhos terminam aqui. 95 por meio de perigos assim, atravs destes graves trabalhos e temores, que se devem alcanar as honras imortais e os nobres ttulos. No encostado sempre ao antigo tronco nobre dos antepassados, nem deitado em luxuosos leitos entre peles preciosas. 96 No com requintados manjares, no com passeios indolentes e inteis, no com futilidades que enfraquecem os nimos dos filhos dos nobres, no com ambies que a fortuna tem sempre to atraentes que no permite a ningum que mude de rumo para se dedicar a obras de verdadeiro valor.
97- Mas procurar com os prprios braos honras que sejam mesmo suas; vigiando, vestindo as armas, sofrendo tempestades, suportando os frios ventos do sul, engolindo alimentos corruptos temperados s com duro sofrimento. 98 E com dominar-se e no mostrar medo, mostrando-se seguro ante a bala de fogo que assobia e leva a perna ou o brao ao companheiro. desse modo que se forma um calo honroso que despreza as honras e o dinheiro que a sorte, e no a virtude concedem. 99 Assim se esclarece a inteligncia e se atinge uma serenidade que permite ver as coisas do alto e julgar as confusas relaes entre os homens. So estes o que, numa sociedade regida pelo direito e no pelas amizades, devem ser chamados, mesmo contra as suas vontades, a exercer o poder. Pgina 182, Canto VIII 96 Vejam as pessoas atentas como a sede do dinheiro tem poder, tanto sobre os ricos como sobre os pobres. 98 O ouro rende as fortalezas, az falsos os amigos, leva os nobres a cometer aces vis, faz render os capites, corrompe as virgindades, degrada at as cincias, cegando as conscincias. 99 Uns interpretam os textos mais do que subtilmente; fazem e desfazem leis; provocam falsos testemunhos que levam os reis a cometer injustias. At os que dedicam a sua vida a Deus se deixam corromper pelo ouro, ainda que com muitas piedosas justificaes. Pginas 185, 186 e 187, Canto IX 17 A alegria do regresso ptria, aos seus lares e aos seus parentes, para contar a extraordinria aventura da viagem, receber o prmio dos seus trabalhos, so prazeres to grandes que quase no lhes cabem no corao. 18 A deusa Vnus, que recebera de Jpiter a misso de proteger e guiar os portugueses, andava a preparar para eles uma satisfao por tantas provaes suportadas, e queria proporcionar-lhes, no meio do triste mar, uma grande alegria. 19 Depois de ter pensado nas provaes sofridas por homens que andam h tanto tempo no mar, e nos trabalhos que Baco lhes fez passar na viagem, j h muito que pensava num prmio, que consiste num prazer passado no meio do mar. 20 Algum repouso enfim em que os seus navegantes pudessem aliviar e descontrair os cansados corpos, como prmio dos trabalhos que passaram e que lhes encurtam as vidas.
51 As naus navegam no alto mar, e precisam de se abastecer de gua para a longa viagem que os espera. E eis que de sbito, claridade da madrugada, os trs navios avistam a Ilha dos Amores. 64 Aqui desembarcam os segundos argonautas quando as ninfas vagueiam pela floresta como incautas; umas tocam ctaras, outras harpas ou melodiosas flautas, enquanto ainda outras fingem que perseguem a caa.
83 Toda a floresta ressoa de beijos famintos, de mimoso choro, de zangas depressa convertidas em risinhos. O que mais aconteceu naquela manh e na sesta, melhor experiment-lo que imagin-lo, mas imagine-o quem o no pode experimentar. 84 Desta forma, j juntas as ninfas com os navegantes, enfeitam-nos com coroas de flores, de louros e de ouro. Do-se as mos como esposas e com palavras formais, prometem-se eterna companhia na vida e na morte. 85 Uma das ninfas a quem todas as outras obedecem recebe com pompa honrosa e com grandeza real, o ilustre capito, que bem merece essa honra. 87 Tomando-o pela mo, leva-o at um monte muito alto, no cume do qual se erguia um palcio construdo de cristal e ouro fino. Ali passaram a maior parte do dia, em prazeres e divertimentos. Ela logra seus amores no palcio enquanto as outras o gozam, pelas sombras, entre as flores. 88 E assim os portugueses passaram quase todo o dia numa reconfortante e doce alegria, que era a recompensa dos seus trabalhos, porque o mundo tem sempre um prmio guardado para, no final, galardoar os que pelos seus feitos e valentia o mereceram. 89 Porque as formosas ninfas, Tthys, a ilha pintada, no so seno as honras e as dignidades, triunfos e louvores, frontes coroadas de palmas de louros, a glria e maravilha. So esses os prazeres desta ilha. (A palma e o louro so smbolos de vitria) 92 Por isso, vs que tambm quereis ser gloriosos, despertai desse cio indolente em que viveis e que transforma a alma, que de livre que era, fica escrava. 93 E ponde duro freio na cabea e na ambio, e no torpe vcio da tirania, infame e opressora; porque essas honras vs, essa mera riqueza no do verdadeiro valor a ningum. prefervel merec-los sem os ter, que t-los sem os merecer. 94 Na paz fazei leis justas, duradoras, que no dem aos grandes o que pertence aos pequenos; ou, na guerra, vesti as armaduras e lutai contra os mouros. Assim fareis o rei grande e poderoso e todos teramos a ganhar. As vossas riquezas seriam ento justificadas pelas honras que tornam as vidas ilustres.
95 E desse modo fareis ilustre o rei que tanto amais, ora com bons conselhos, ora com feitos de armas, que vos tornaro dignos dos vossos antepassados. No inventeis impossibilidades, porque, para quem quer, nada impossvel. Assim sereis inscritos na lista dos herois, e recebidos nesta ilha de Vnus. Pginas 191 e 192, Canto X 144 Assim navegaram no mar sereno at avistar a terra em que nasceram. Entraram a barra do Tejo e entregaram Ptria e ao Rei o prmio e a glria que ele os mandou procurar, e com o qual se ornou com novos ttulos. 145 No mais, Musa. No posso mais. A lira tenho destemperada, a voz enrouqueceu. E no por cantar: por ver que venho cantar para dente dura e surda. Os prmios que estimulam o talento no os d a Ptria, mergulhada na ganncia e numa triste e vil mediocridade.
146 No sei por que mau vento do destino, os portugueses perderam a energia e o otimismo, que os nimos levanta, e faz enfrentar de rosto alegre qualquer dificuldade. Por isso vs, Rei, que estais posto no trono pela vontade de Deus, vede (e comparai com os outros) que sois o nico rei que tem vassalos valerosos. 148 Esto sempre preparados para vos servir, sempre obedientes, apesar de estardes to longe, sempre prontos para obedecer, sem objees, aos mais duros mandados. S por saberem que vs olhais para eles, sero capazes de combater os demnios infernais e de os vencer. 149 Portanto favorecei-os e alegrai-os com a vossa presena e afabilidade. Aliviai-os de leis cruis, porque esse o melhor caminho para a santidade. Escolhei os mais experientes para o vosso conselho, porque so eles que sabem o como, quando e onde de todas as cousas. 151 Tende em grande estima os cavaleiros que, com a sua bravura, dilatam a F e o Imprio, pois aqueles (cavaleiros) que vos vo servir to longe, tm de vencer duas espcies de inimigos: uns so os vivos; outros, so os graves trabalhos. 152 Fazei, Senhor, que nunca alemes, franceses, italianos e ingleses, possam dizer que os Portugueses foram feitos para ser mandados e no para mandar. Tomai conselho s com homens experientes, porque os tericos podem saber muito, mas s os prticos entendem das cousas concretas.