Diversidade e Curriculo
Diversidade e Curriculo
Diversidade e Curriculo
Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental Organizao do Documento
Jeanete Beauchamp Sandra Denise Pagel Ariclia Ribeiro do Nascimento
Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica Esplanada dos Ministrios, Bloco L, sala 500 CEP: 70.047-900 Braslia-DF Tel. (061) 2104-8612/8613 Fax: (61) 2104-9269 http://www.mec.gov.br
Ficha catalogrca
[Gomes, Nilma Lino] Indagaes sobre currculo : diversidade e currculo / [Nilma Lino Gomes] ; organizao do documento Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Ariclia Ribeiro do Nascimento. Braslia : Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2007. 48 p. 1. Ensino Fundamental - Brasil. 2. Educao Bsica. 3. Currculo. 4. Diversidade - Cultural. 5. Diversidade - Social. I.Beauchamp, Jeanete. II. Pagel, Sandra Denise. III. Nascimento, Ariclia Ribeiro do. IV. Brasil. Secretaria de Educao Bsica. V. Ttulo. CDU 37.046.12
Ficha Catalogrca elaborada pela Bibliotecria Lcia Helena Alves de Figueiredo CRB 1/1.401
Impresso no Brasil
Braslia 2007
Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental Coordenadores do grupo de trabalho responsvel pela elaborao do documento
Antnio Flvio Moreira Miguel Gonzles Arroyo Jeanete Beauchamp Sandra Denise Pagel Ariclia Ribeiro do Nascimento
Grupo de trabalho
Ariclia Ribeiro do Nascimento Ceclia Correia Lima Sobreira de Sampaio Cleyde de Alencar Tormena Eliza Montrezol Jane Cristina da Silva Jeanete Beauchamp Karina Rizek Lopes Luciana Soares Sargio Lydia Bechara Mrcia Helena Lopes Maria Eneida Costa dos Santos Roberta de Oliveira Roseana Pereira Mendes Sandra Denise Pagel Stela Maris Lagos Oliveira Sueli Teixeira de Mello Telma Maria Moreira (in memoriam) Vitria Lbia Barreto de Faria
Equipe de Apoio
Cristiana Martins de Azevedo Lucineide Bezerra Dantas Marlene Matos de Oliveira Miriam Sampaio de Oliveiraa
Reviso de texto
Mrcia Helena Lopes
Tiragem
500 mil exemplares
Apresentao
publicao que o Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado Secretaria de Educao Bsica SEB, deste Ministrio da Educao MEC, ora apresenta, tem como objetivo principal deagrar, em mbito nacional, um processo de debate, nas escolas e nos sistemas de ensino, sobre a concepo de currculo e seu processo de elaborao. No recente a abordagem curricular como objeto de ateno do MEC. Em cumprimento ao Artigo 210 da Constituio Federal de 1988, que determina como dever do Estado para com a educao xar contedo mnimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar a formao bsica comum e respeito aos valores culturais e artsticos, nacionais e regionais, foram elaborados e distribudos pelo MEC, a partir de 1995, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil/RCNEI, os Parmetros Curriculares Nacionais/PCNs para o Ensino Fundamental, e os Referenciais Curriculares para o Ensino Mdio. Posteriormente, o Conselho Nacional de Educao deniu as Diretrizes Curriculares para a Educao Bsica. No momento, o que est em discusso a elaborao de um documento que, mais do que a distribuio de materiais, promova, por meio de uma estratgia dinmica, a reexo, o questionamento e um processo de discusso em cada uma das escolas e Secretarias de Educao sobre a concepo de currculo e seus desdobramentos. Para tanto, sugerimos inicialmente alguns eixos que, do nosso do ponto de vista, so fundamentais para o debate sobre currculo com a nalidade de que professores, gestores e demais prossionais da rea educacional faam reexes sobre concepo de currculo, relacionando-as a sua prtica. Nessa perspectiva, pretendemos subsidiar a anlise das propostas pedaggicas dos sistemas de ensino e dos projetos pedaggicos das unidades escolares, porque entendemos que esta uma discusso que precede a elaborao dos projetos polticos pedaggicos das escolas e dos sistemas. Dessa forma, elaboramos (5) cinco cadernos priorizando os seguintes eixos organizadores: Currculo e Desenvolvimento Humano; Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currculo; Currculo, Conhecimento e Cultura; Diversidade e Currculo; Currculo e Avaliao. No momento em que ocorre a implementao do Ensino Fundamental de nove anos e a divulgao dos documentos consolidados da Poltica Nacional de Educao Infantil, necessrio retomar a reexo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil ao j desencadeada pelo Conselho Nacional de Educao.
A liberdade de organizao conferida aos sistemas por meio da legislao vincula-se existncia de diretrizes que os orientem e lhes possibilitem a denio de contedos de conhecimento em conformidade base nacional comum do currculo, bem como parte diversicada, como estabelece o Artigo 26 da vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB n 9.394, 20 de dezembro de 1996: Os currculos do ensino fundamental e mdio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversicada, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Com a perspectiva de atender aos desaos postos pelas orientaes e normas vigentes, preciso olhar de perto a escola, seus sujeitos, suas complexidades e rotinas e fazer as indagaes sobre suas condies concretas, sua histria, seu retorno e sua organizao interna. Torna-se fundamental, com essa discusso, permitir que todos os envolvidos se questionem e busquem novas possibilidades sobre currculo: o que ? Para que serve? A quem se destina? Como se constri? Como se implementa? Levando em considerao que o processo educativo complexo e fortemente marcado pelas variveis pedaggicas e sociais, entendemos que esse no pode ser analisado fora de interao dialgica entre escola e vida, considerando o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura. Partindo dessa reexo, convidamos gestores, professores e demais prossionais da educao para um debate sobre os eixos organizadores do documento sobre currculo. O fato de termos chamado estes estudiosos para elaborarem os textos signica haver entre eles pontos de aproximao como, por exemplo, escola inclusiva, valorizao dos sujeitos do processo educativo, cultura, conhecimento formal como eixo fundante, avaliao inclusiva. Por privilegiarmos o pensamento plural, reconhecemos nos textos tambm pontos de afastamento. Assim, ser possvel encontrar algumas concepes sobre currculo no necessariamente concordantes entre si. justamente divulgando parte dessa pluralidade que o MEC contribui com a discusso. H diversidade nas reexes tericas, porque h diversidade de projetos curriculares nos sistemas, nas escolas. Esse movimento, do nosso ponto de vista, enriquece o debate. Em um primeiro momento, foi solicitado a prossionais, diretamente envolvidos com a questo curricular junto aos sistemas de ensino, indicados pelo/a UNDIME, CONSED, SEESP/MEC, SECAD/MEC, CONPEB/MEC, REDE/MEC, que respondessem seguinte questo: que interrogaes sobre currculo deveriam constar em um texto sobre esse tema? Posteriormente, esses prossionais efetuaram a leitura dos textos preliminares elaborados pelos autores do GT CURRCULO, visando a responder a uma segunda questo: como os textos respondem s interrogaes levantadas? Foi solicitado ainda que apresentassem lacunas detectadas nos textos e contribuies. Coube
Apresentao
equipe do DPE sistematizar e analisar as contribuies, apresentadas pelo grupo anteriormente citado em reunio de trabalho em Braslia, e elaborar um pr-texto para discusso em seminrios a partir da sistematizao das propostas apresentadas na consulta tcnica. Em um segundo momento, visando elaborao nal deste documento, ocorreu em Braslia um seminrio denominado Currculo em Debate, organizado em duas edies (novembro e dezembro de 2006). Nessa ocasio, os textos, ainda em verso preliminar, foram socializados e passaram pela anlise reexiva de secretrios municipais e estaduais de educao; de prossionais da educao representantes da UNDIME, do CONSED, do CNE e de entidades de carter nacional como CNTE, ANFOPE, ANPED; de professores de Universidades que procuraram apresentar as indagaes recorrentes de educadores, professores, gestores e pesquisadores sobre currculo e realizar um levantamento da potencialidade dos textos junto aos sistemas. Esse evento contou com a expressiva participao de representantes das secretarias estaduais e municipais de educao e da secretaria do Distrito Federal, em um total de aproximadamente 1500 participantes. Os textos chegam agora aos professores das escolas, dos sistemas. Apresentam indagaes para serem respondidas por esses coletivos de professores, uma vez que a proposta de discusso sobre concepo curricular passa pela necessidade de constituir a escola como espao e ambiente educativos que ampliem a aprendizagem, rearmando-a como lugar do conhecimento, do convvio e da sensibilidade, condies imprescindveis para a constituio da cidadania. Entendemos, tambm, haver outras perspectivas, ainda no contempladas, a serem consideradas. O objetivo no , portanto, esgotar todas as possibilidades em uma nica publicao. Propomos uma reexo para quem, o que, por que e como ensinar e aprender, reconhecendo interesses, diversidades, diferenas sociais e, ainda, a histria cultural e pedaggica de nossas escolas. Posicionamo-nos em defesa da escola democrtica que humanize e assegure a aprendizagem. Uma escola que veja o estudante em seu desenvolvimento criana, adolescente e jovem em crescimento biopsicossocial; que considere seus interesses e de seus pais, suas necessidades, potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura. Desse modo comprometemo-nos com a construo de um projeto social que no somente oferea informaes, mas que, de fato, construa conhecimentos, elabore conceitos e possibilite a todos o aprender, descaracterizando, nalmente, os lugares perpetuados na educao brasileira de xito de uns e fracasso de muitos. Os eixos aqui apresentados so constitutivos do currculo, ao lado de outros. No pretenso deste documento abranger todas as demais dimenses. As aqui destacadas convergem, especialmente, para o desenvolvimento humano dos sujeitos no processo educativo e procuram dialogar com a prtica dos sujeitos desse processo.
O MEC tem conscincia da pluralidade de possibilidades de implementao curricular nos sistemas de ensino, por isso insiste em estabelecer o debate dentro de cada escola. Assim, optou por discutir eixos organizadores do currculo e no por apresentar perspectiva unilateral que no d conta da diversidade que h nas escolas, da diversidade de concepes tericas defendidas por pesquisadores e estudiosos. Professores do Ensino Fundamental, professores da Educao Infantil, gestores constituem, inicialmente, o pblico a quem se dirige este documento. Com o objetivo de debater eixos organizativos do currculo, o Ministrio considera o texto destinado tambm a todos os envolvidos com o processo educativo. A discusso, portanto, extrapola a circunscrio do espao escolar. Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica
Apresentao
Introduo
oletivos de educadores e educadoras de escolas e Redes vm expressando inquietaes sobre o que ensinar e aprender, sobre que prticas educativas privilegiar nas escolas, nos congressos de professores e nos dias de estudo e planejamento. Por seu lado, a teoria pedaggica tem dado relevncia a pesquisas e reexo sobre o currculo: h teoria acumulada para reorientaes bem fundamentadas, teoria a que tm direito os prossionais da Educao Bsica. Que dilogo possvel entre a teoria acumulada e as propostas e prticas de reorientao curricular? A reexo sobre o currculo est instalada como tema central nos projetos poltico-pedaggicos das escolas e nas propostas dos sistemas de ensino, assim como nas pesquisas, na teoria pedaggica e na formao inicial e permanente dos docentes. Neste perodo de ampliao da durao do ensino fundamental, em que so discutidas questes de tempo-espao, avaliao, metodologias, contedo, gesto, formao, no seria oportuno repensar os currculos na Educao Bsica? Que indagaes motivam esse repensar? As Secretarias de Educao Municipais, Estaduais e do DF, o MEC, por meio da Secretaria de Educao Bsica e do Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental, assim como os Conselhos de Educao, vm se mostrando sensveis aos projetos de reorientao curricular, s diretrizes e s indagaes que os inspiram. Os textos que compem o documento Indagaes sobre Currculo se propem a trabalhar concepes educacionais e a responder s questes postas pelos coletivos das escolas e das Redes, a reetir sobre elas, a buscar seus signicados na perspectiva da reorientao do currculo e das prticas educativas. As indagaes sobre o currculo presentes nas escolas e na teoria pedaggica mostram um primeiro signicado: a conscincia de que os currculos no so contedos prontos a serem passados aos alunos. So uma construo e seleo de conhecimentos e prticas produzidas em contextos concretos e em dinmicas sociais, polticas e culturais, intelectuais e pedaggicas. Conhecimentos e prticas expostos s novas dinmicas e reinterpretados em cada contexto histrico. As indagaes revelam que h entendimento de que os currculos so orientados pela dinmica da sociedade. Cabe a ns, como prossionais da Educao, encontrar respostas. A construo desses textos parte dessa viso dinmica do conhecimento e das prticas educativas, de sua condio contextualizada. Da que, quando os sistemas de ensino, as escolas e seus prossionais se indagam sobre o currculo e se propem a reorient-lo, a primeira tarefa ser perguntar-nos que aspectos da dinmica social, poltica e cultural trazem
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indagaes mais prementes para o conhecimento, para o currculo e para as prticas educativas. Esta foi a primeira preocupao da equipe do Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental e dos autores dos textos. Esta poder ser a preocupao dos coletivos prossionais das escolas e Redes: detectar aqueles plos, eixos ou campos mais dinmicos de onde vm as indagaes sobre o currculo e sobre as prticas pedaggicas. Cada um dos textos se aproxima de um eixo de indagaes: desenvolvimento humano, educandos e educadores: seus direitos e o currculo, conhecimento e cultura, diversidade e avaliao.
Introduo
sobre questes consideradas signicativas no desenvolvimento do currculo nas escolas. Analisa a estreita vinculao que h entre a concepo de currculo e as de Educao debatidas em um dado momento. Nessa perspectiva, aborda a passagem recente da preocupao dos pesquisadores sobre as relaes entre currculo e conhecimento escolar para as relaes entre currculo e cultura. Apresenta a construo do conhecimento escolar como caracterstica da escola democrtica que reconhece a multiculturalidade e a diversidade como elementos constitutivos do processo ensino-aprendizagem. No texto Diversidade e Currculo, de Nilma Lino Gomes, procurou-se discutir alguns questionamentos que esto colocados, hoje, pelos educadores e educadoras nas escolas e nos encontros da categoria docente: que indagaes a diversidade traz para o currculo? Como a questo da diversidade tem sido pensada nos diferentes espaos sociais, principalmente nos movimentos sociais? Como podemos lidar pedagogicamente com a diversidade? O que entendemos por diversidade? Que diversidade pretendemos que esteja contemplada no currculo das escolas e nas polticas de currculo? No texto possvel perceber a reexo sobre a diversidade entendida como a construo histrica, cultural e social das diferenas. Assim, mapear o trato que j dado diversidade pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relao entre diversidade e currculo. Para tanto preciso ter clareza sobre a concepo de educao, pois h uma relao estreita entre o olhar e o trato pedaggico da diversidade e a concepo de educao que informa as prticas educativas. Em Currculo e Avaliao, de Cludia de Oliveira Fernandes e Luiz Carlos de Freitas, a avaliao apresentada como uma das atividades do processo pedaggico necessariamente inserida no projeto pedaggico da escola, no podendo, portanto, ser considerada isoladamente. Deve ocorrer em consonncia com os princpios de aprendizagem adotados e com a funo que a educao escolar tenha na sociedade. A avaliao apresentada como responsabilidade coletiva e particular e h defesa da importncia de questionamentos a conceitos cristalizados de avaliao e sua superao. O texto faz consideraes no s sobre a avaliao da aprendizagem dos estudantes que ocorre na escola, mas a respeito da avaliao da instituio como um todo (protagonismo do coletivo de prossionais) e ainda sobre a avaliao do sistema escolar (responsabilidade do poder pblico).
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Introduo
etc. Ver a diversidade como um dado positivo, liber-la de olhares preconceituosos: superar prticas classicatrias uma indagao nuclear dos currculos. Reconhecer e respeitar a diversidade indaga concepes generalistas de conhecimento, de cultura, de saberes e valores, de processos de formao, socializao e aprendizagens. Todos os textos coincidem ao destacar os currculos como uma organizao temporal e espacial do conhecimento que se traduz na organizao dos tempos e espaos escolares e do trabalho dos professores e alunos. Por outro lado, todos os textos constatam as mudanas que vm ao longo dos tempos sociais, de trabalho, de vida e sobrevivncia dos educandos e educadores. Essas mudanas condicionam os tempos de socializao e formao, de aprendizagem. Conseqentemente interrogam as lgicas temporais e espaciais de organizao escolar e curricular. Ver o currculo como uma opo especca por uma organizao temporal e espacial, que condiciona a organizao da escola, dos processos de ensinaraprender e do trabalho dos educadores e educandos, nos leva a repensar essa organizao nas propostas de reorientao curricular. Todos os textos, de alguma maneira, abordam a questo da avaliao. O que se avalia e como se avalia est condicionado pelas competncias, habilidades, conhecimentos que o currculo privilegia ou secundariza. Os valores e as lgicas de avaliao reproduzem os valores, lgicas e hierarquias que selecionam, organizam os conhecimentos nos currculos. Por sua vez, o que se privilegia nas avaliaes escolares e nacionais determina as competncias e conhecimentos privilegiados ou secundarizados no currculo. Reorientar processos e critrios de avaliao implica em reorientar a organizao curricular e vice-versa. Este conjunto de indagaes toca em preocupaes que ocupam os prossionais da educao bsica: qual o papel da docncia, da pedagogia e da escola? Que concepes de sociedade, de escola, de educao, de conhecimento, de cultura e de currculo orientaro a escolha das prticas educativas? Sabemos que esse conjunto de questes tem sido objeto de debate nas escolas e no cenrio educacional nas ltimas dcadas. A funo da escola, da docncia e da pedagogia vem se ampliando, medida que a sociedade e, sobretudo, os educandos mudam e o direito educao se alarga, incluindo o direito ao conhecimento, s cincias, aos avanos tecnolgicos e s novas tecnologias de informao. Mas tambm o direito cultura, s artes, diversidade de linguagens e formas de comunicao, aos sistemas simblicos e ao sistema de valores que regem o convvio social, formao como sujeitos ticos. Os textos coincidem ao pensar a educao, o conhecimento, a escola, o currculo a servio de um projeto de sociedade democrtica, justa e igualitria.
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Um ideal de sociedade que avana na cultura poltica, social e tambm pedaggica. Uma sociedade regida pelo imperativo tico da garantia dos direitos humanos para todos. Diante do ideal de construir essa sociedade, a escola, o currculo e a docncia so obrigados a se indagar e tentar superar toda prtica e toda cultura seletiva, excludente, segregadora e classicatria na organizao do conhecimento, dos tempos e espaos, dos agrupamentos dos educandos e tambm na organizao do convvio e do trabalho dos educadores e dos educandos. preciso superar processos de avaliao sentenciadora que impossibilitam que crianas, adolescentes, jovens e adultos sejam respeitados em seu direito a um percurso contnuo de aprendizagem, socializao e desenvolvimento humano. O sistema escolar, assim como a nossa sociedade, vai avanando para esse ideal democrtico de justia e igualdade, de garantia dos direitos sociais, culturais, humanos para todos. Mas ainda h indagaes que exigem respostas e propostas mais rmes para superar tratos desiguais, lgicas e culturas excludentes. Todos os textos, em seus vrios ngulos, destacam essas indagaes no apenas sobre o currculo, mas sobre a escola, a docncia e seus esforos por construir estruturas mais igualitrias, menos seletivas. A quem cabe a tarefa de captar essas indagaes e trabalh-las? A todo o coletivo de prossionais do sistema escolar, professores, coordenadores pedaggicos, diretores, dirigentes municipais e estaduais, prossionais das Secretarias e do MEC. Planejar encontros, espaos para estudo, debates, pesquisar prticas educativas que se indagam e buscam respostas fazem parte dessa tarefa. Em cada um dos textos e no seu conjunto, as indagaes apontam e sinalizam atividades que j acontecem em muitos coletivos, escolas e Redes tempos de estudo, organizao de ocinas, congressos, debates de reorientaes curriculares, de reinveno de processos de apreenso do conhecimento e de organizao de convvios; trato de dimenses da formao em projetos; reinveno das avaliaes por valores igualitrios e democrticos; respeito diversidade e superao das desigualdades etc. atividades que garantem o direito dos prossionais da Educao Bsica formao e a serem mais sujeitos de seu trabalho. As Indagaes sobre Currculo esperam contribuir com a dinmica promissora que vem da riqueza das teorias sobre o currculo e sobre a formao humana, e que vem das prticas pedaggicas das escolas e das Redes. Contribuir com o prossionalismo das professoras e dos professores da Educao Bsica.
Introduo
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DIVERSIDADE E CURRCULO 1
Nilma Lino Gomes
ue indagaes o trato pedaggico da diversidade traz para o currculo? Como a questo da diversidade tem sido pensada nos diferentes espaos sociais, principalmente, nos movimentos sociais? Como podemos lidar pedagogicamente com a diversidade? Esses e outros questionamentos esto colocados, hoje, pelos educadores e educadoras nas escolas e nos encontros da categoria docente. Ao realizarmos essa discusso, a nossa primeira tarefa poder ser o questionamento sobre a presena ou no dessas indagaes na nossa prtica docente, nos projetos pedaggicos e nas propostas educacionais. Ser que existe sensibilidade para a diversidade na educao infantil, especial, na EJA, no ensino fundamental, mdio e prossional? Seria interessante diagnosticar se a diversidade apenas uma preocupao de um grupo de professores(as), de alguns coletivos de prossionais no interior das escolas e secretarias de educao ou se j alcanou um lugar de destaque nas preocupaes pedaggicas e nos currculos. Ao analisarmos o cotidiano da escola, qual o lugar ocupado pela diversidade? Ela gura como tema que transversaliza o currculo? Faz parte do ncleo comum? Ou encontra espao somente na parte diversicada? Do ponto de vista cultural, a diversidade pode ser entendida como a construo histrica, cultural e social das diferenas. A construo das diferenas ultrapassa as caractersticas biolgicas, observveis a olho nu. As diferenas so tambm construdas pelos sujeitos sociais ao longo do processo histrico e cultural, nos processos de adaptao do homem e da mulher ao meio social e no contexto das relaes de poder. Sendo assim, mesmo os aspectos tipicamente observveis, que aprendemos a ver como diferentes desde o nosso nascimento, s passaram a ser percebidos dessa forma, porque ns, seres humanos e sujeitos sociais, no contexto da cultura, assim os nomeamos e identicamos. Mapear o trato que j dado diversidade pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relao entre diversidade e currculo. A primeira constatao talvez seja que, de fato, no tarefa fcil para ns, educadores e educadoras, trabalharmos pedagogicamente com a diversidade. Mas no ser essa armativa uma contradio? Como a educao escolar
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Agradeo as preciosas contribuies e crticas de Miguel Arroyo, Juarez Dayrell e Neusa Gusmo durante o processo de elaborao desse artigo. Professora Adjunto da Faculdade de Educao da UFMG. Doutora em Antropologia Social/USP. Coordenadora do Programa Aes Armativas na UFMG.
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pode se manter distante da diversidade sendo que a mesma se faz presente no cotidiano escolar por meio da presena de professores/as e alunos/as dos mais diferentes pertencimentos tnico-raciais, idades e culturas? Esse desao enfrentado por todos ns que atuamos no campo da educao, sobretudo, o escolar. Ele atravessa todos os nveis de ensino desde a educao bsica (educao infantil, ensino fundamental e ensino mdio) at a educao superior incluindo a EJA, a Educao Prossional e a Educao Especial. Portanto, as reexes aqui realizadas aplicam-se aos prossionais que atuam em todos esses campos, os quais realizam prticas curriculares variadas. Para avanarmos nessas questes, uma outra tarefa faz-se necessria: preciso ter clareza sobre a concepo de educao que nos orienta. H uma relao estreita entre o olhar e o trato pedaggico da diversidade e a concepo de educao que informa as prticas educativas. A educao de uma maneira geral H uma relao estreita um processo constituinte da experincia entre o olhar e o trato humana, por isso se faz presente em toda pedaggico da diversidade e qualquer sociedade. A escolarizao, em especco, um dos recortes do processo e a concepo de educativo mais amplo. Durante toda a educao que informa as nossa vida realizamos aprendizagens de prticas educativas. naturezas mais diferentes. Nesse processo, marcado pela interao contnua entre o ser humano e o meio, no contexto das relaes sociais, que construmos nosso conhecimento, valores, representaes e identidades. Sendo assim, tanto o desenvolvimento biolgico, quanto o domnio das prticas culturais existentes no nosso meio so imprescindveis para a realizao do acontecer humano. Este ltimo, enquanto uma experincia que atravessa toda sociedade e toda cultura, no se caracteriza somente pela unidade do gnero humano, mas, sobretudo, pela riqueza da diversidade. Os currculos e prticas escolares que incorporam essa viso de educao tendem a car mais prximos do trato positivo da diversidade humana, cultural e social, pois a experincia da diversidade faz parte dos processos de socializao, de humanizao e desumanizao. A diversidade um componente do desenvolvimento biolgico e cultural da humanidade. Ela se faz presente na produo de prticas, saberes, valores, linguagens, tcnicas artsticas, cientcas, representaes do mundo, experincias de sociabilidade e de aprendizagem. Todavia, h uma tenso nesse processo. Por mais que a diversidade seja um elemento constitutivo do processo de humanizao, h uma tendncia nas culturas, de um modo geral, de ressaltar como positivos e melhores os valores que lhe so prprios, gerando um certo estranhamento e, at mesmo, uma rejeio em relao ao diferente. o que chamamos de etnocentrismo. Esse fenmeno, quando exacerbado, pode se transformar em prticas xenfobas (averso ou dio ao estrangeiro) e em racismo (crena na existncia da superioridade e inferioridade racial).
Diversidade e currculo
Por isso, a presena da diversidade no acontecer humano nem sempre garante um trato positivo dessa diversidade. Os diferentes contextos histricos, sociais e culturais, permeados por relaes de poder e dominao, so acompanhados de uma maneira tensa e, por vezes, ambgua de lidar com o diverso. Nessa tenso, a diversidade pode ser tratada de maneira desigual e naturalizada. Estamos diante de uma terceira tarefa. A relao existente entre educao e diversidade coloca-nos diante do seguinte desao: o que entendemos por diversidade? Que diversidade pretendemos esteja contemplada no currculo das escolas e nas polticas de currculo? Para responder a essas questes, fazem-se necessrios alguns esclarecimentos e posicionamentos sobre o que entendemos por diversidade e currculo. Seria muito mais simples dizer que o substantivo diversidade signica variedade, diferena e multiplicidade. Mas essas trs qualidades no se constroem no vazio e nem se limitam a ser nomes abstratos. Elas se constroem no contexto social e, sendo assim, a diversidade pode ser entendida como um fenmeno que atravessa o tempo e o espao e se torna uma questo cada vez mais sria quanto mais complexas vo se tornando as sociedades. A diversidade faz parte do acontecer humano. De acordo com Elvira de Souza Lima (2006, p.17), a diversidade norma da espcie humana: seres humanos so diversos em suas experincias culturais, so nicos em suas personalidades e so tambm diversos em suas formas de perceber o mundo. Seres humanos apresentam, ainda, diversidade biolgica. Algumas dessas diversidades provocam impedimentos de natureza distinta no processo de desenvolvimento das pessoas (as comumente chamadas de portadoras de necessidades especiais). Como toda forma de diversidade hoje recebida na escola, h a demanda bvia, por um currculo que atenda a essa universalidade. As discusses acima realizadas podero ajudar a aprofundar as reexes sobre a diversidade no coletivo de educadores, nos projetos pedaggicos e nas diferentes Secretarias de Educao. Anal, a relao entre currculo e diversidade muito mais complexa. O discurso, a compreenso e o trato pedaggico da diversidade vo muito alm da viso romntica do elogio diferena ou da viso negativa que advoga que ao falarmos sobre a diversidade corremos o risco de discriminar os ditos diferentes. Que concepes de diversidade permeiam as nossas prticas, os nossos currculos, a nossa relao com os alunos e suas famlias e as nossas relaes prossionais? Como enxergamos a diversidade enquanto cidados e cidads nas nossas prticas cotidianas? Essas indagaes podero orientar os nossos encontros pedaggicos, os processos de formao em servio desde a educao infantil at o ensino mdio e EJA. Elas j acompanham h muito o campo da educao especial,
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porm, necessitam ser ampliadas e aprofundadas para compreendermos outras diferenas presentes na escola. nessa perspectiva que privilegiaremos, neste texto, alguns aspectos acerca da diversidade a m de dar mais elementos s nossas indagaes sobre o currculo. So eles diversidade biolgica e currculo; diversidade cultural e currculo; a luta poltica pelo direito diversidade; diversidade e conhecimento; diversidade e tica; diversidade e organizao dos tempos e espaos escolares.
Diversidade e currculo
mas porque afetam a todos ns e colocam em risco a vida da espcie humana e a das demais espcies. Lamentavelmente, o avano tecnolgico do qual nos gabamos como seres dotados de razo e capazes de transformar a natureza no tem signicado avano para a prpria biodiversidade da qual participamos. Existem grupos humanos que, devido a sua histria e cultura, garantem sua sobrevivncia e produzem conhecimentos por meio de uma relao mais direta com o ambiente em que vivem. Entre eles podemos destacar os indgenas, as comunidades tradicionais (como os seringueiros), os remanescentes de quilombos, os trabalhadores do campo e demais povos da oresta. Estes constroem conhecimentos variados a respeito dos recursos da biodiversidade que nem sempre so considerados pela escola. Nos ltimos anos, esses grupos vm se organizando cada vez mais e passam a exigir das escolas e dos rgos responsveis pelas elas o direito ao reconhecimento dos seus saberes e sua incorporao aos currculos. Alm disso, passam a reivindicar dos governos o reconhecimento e posse das suas terras, assim como a redistribuio e a ocupao responsvel de terras improdutivas. A falta de controle e de conhecimento dos fatores de degradao ambiental, dos desequilbrios ecolgicos de qualquer parte do sistema, da expanso das monoculturas, a no efetivao de uma justa reforma agrria, entre outros fatores, tm colaborado para a vulnerabilidade desses e outros grupos. Tal situao afeta toda a espcie humana da qual fazemos parte. Coloca em risco a capacidade de sustentabilidade proporcionada pela biodiversidade. Dessa forma, os problemas ambientais, polticos, culturais e sociais esto intimamente embricados. De acordo com Shiva (2003, p.97), citado por Silvrio (2006,pp.10-1), o desenvolvimento s pode ser um desenvolvimento ecolgico e socialmente sustentvel, orientado pela busca de polticas e estratgias de desenvolvimento alternativo, para romper com o bioimperialismo o qual impe monoculturas. O desenvolvimento ecolgico e socialmente sustentvel tem como orientao a construo da biodemocracia com quem respeita/cultiva a biodiversidade. A discusso acima suscita algumas reexes: que indagaes o debate sobre a diversidade biolgica traz para os currculos? A nossa abordagem em sala de aula e os nossos projetos pedaggicos sobre educao ambiental tm explorado a complexidade e os conitos trazidos pela forma como a sociedade atual se relaciona com a diversidade biolgica? Como incorporar a discusso sobre a biodiversidade nas propostas curriculares das escolas e das redes de ensino? Um primeiro passo poderia ser a reexo sobre a nossa postura diante desse debate enquanto educadores e educadoras e partcipes dessa mesma biodiversidade.
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Vide publicao: CONSUMO SUSTENTVEL: manual de educao. Braslia: Consumers Internacional/ MMA/MEC/IDEC, 2005, 160 p.
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justa e igualitria, desmisticando a idia de inferioridade que paira sobre algumas dessas diferenas socialmente construdas e exigindo que o elogio diversidade seja mais do que um discurso sobre a variedade do gnero humano. Ora, se a diversidade faz parte do acontecer humano, ento a escola, sobretudo a pblica, a instituio social na qual as diferentes presenas se encontram. Ento, como essa instituio poder omitir o debate sobre a diversidade? E como os currculos poderiam deixar de discuti-la? Mas o que entendemos por currculo? Segundo Antonio Flvio B. Moreira e Vera Maria Candau (2006, p.86) existem vrias concepes de currculo, as quais reetem variados posicionamentos, compromissos e pontos de vista tericos. As discusses sobre currculo incorporam, com maior ou menor nfase, debates sobre os conhecimentos escolares, os procedimentos pedaggicos, as relaes sociais, os valores e as identidades dos nossos alunos e alunas. As discusses sobre Os autores se apiam em Silva (1999), ao currculo incorporam, armarem que, em resumo, as questes com maior ou menor curriculares so marcadas pelas discusses nfase, debates sobre os sobre conhecimento, verdade, poder e conhecimentos escolares, identidade. os procedimentos Retomo, aqui, uma discusso j realizada em outro texto (Gomes, 2006, pedaggicos, as relaes pp.31-2). O currculo no est envolvido sociais, os valores e as em um simples processo de transmisso identidades dos nossos de conhecimentos e contedos. Possui um alunos e alunas. carter poltico e histrico e tambm constitui uma relao social, no sentido de que a produo de conhecimento nele envolvida se realiza por meio de uma relao entre pessoas. Segundo Tomaz Tadeu da Silva (1995, p.194) o conhecimento, a cultura e o currculo so produzidos no contexto das relaes sociais e de poder. Esquecer esse processo de produo no qual esto envolvidas as relaes desiguais de poder entre grupos sociais signica reicar o conhecimento e reicar o currculo, destacando apenas os seus aspectos de consumo e no de produo. Ainda segundo esse autor, mesmo quando pensamos no currculo como uma coisa, como uma listagem de contedos, por exemplo, ele acaba sendo, fundamentalmente, aquilo que fazemos com essa coisa, pois, mesmo uma lista de contedos no teria propriamente existncia e sentido, se no se zesse nada com ela. Nesse sentido, o currculo no se restringe apenas a idias e abstraes, mas a experincias e prticas concretas, construdas por sujeitos concretos, imersos em relaes de poder. O currculo pode ser considerado uma atividade produtiva e possui um aspecto poltico que pode ser visto em dois sentidos: em suas aes (aquilo que fazemos) e em seus efeitos (o que ele nos faz). Tambm pode ser considerado um discurso que, ao corporicar narrativas particulares sobre o indivduo e a sociedade, participa
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do processo de constituio de sujeitos (e sujeitos tambm muito particulares). Sendo assim, as narrativas contidas no currculo, explcita ou implicitamente, corporicam noes particulares sobre conhecimento, sobre formas de organizao da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais. Elas dizem qual conhecimento legtimo e qual ilegtimo, quais formas de conhecer so vlidas e quais no o so, o que certo e o que errado, o que moral e o que imoral, o que bom e o que mau, o que belo e o que feio, quais vozes so autorizadas e quais no o so (Silva, 1995, p. 195). A produo do conhecimento, assim como sua seleo e legitimao, est transpassada pela diversidade. No se trata apenas de incluir a diversidade como um tema nos currculos. As reexes do autor nos sugerem que preciso ter conscincia, enquanto docentes, das marcas da diversidade presentes nas diferentes reas do conhecimento e no currculo como um todo: ver a diversidade nos processos de produo e de seleo do conhecimento escolar. O autor ainda adverte que as narrativas contidas no currculo trazem embutidas noes sobre quais grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou at mesmo serem totalmente excludos de qualquer representao. Elas, alm disso, representam os diferentes grupos sociais de forma diferente: enquanto as formas de vida e a cultura de alguns grupos so valorizadas e institudas como cnone, as de outros so desvalorizadas e proscritas. Assim, as narrativas do currculo contam histrias que xam noes particulares de gnero, raa, classe noes que acabam tambm nos xando em posies muito particulares ao longo desses eixos (de autoridade) (Silva, 1995, p. 195). A perspectiva de currculo acima citada poder nos ajudar a questionar a noo hegemnica de conhecimento que impera na escola, levando-nos a reetir sobre a tensa e complexa relao entre esta noo e os outros saberes que fazem parte do processo cultural e histrico no qual estamos imersos. Podemos indagar que histrias as narrativas do currculo tm contado sobre as relaes raciais, os movimentos do campo, o movimento indgena, o movimento das pessoas com decincia, a luta dos povos da oresta, as trajetrias dos jovens da periferia, as vivncias da infncia (principalmente a popular) e a luta das mulheres? So narrativas que xam os sujeitos e os movimentos sociais em noes estereotipadas ou realizam uma interpretao emancipatria dessas lutas e grupos sociais? Que grupos sociais tm o poder de se representar e quais podem apenas ser representados nos currculos? Que grupos sociais e tnico/raciais tm sido historicamente representados de forma estereotipada e distorcida? Diante das respostas a essas perguntas, s nos
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resta agir, sair do imobilismo e da inrcia e cumprir a nossa funo pedaggica diante da diversidade: construir prticas pedaggicas que realmente expressem a riqueza das identidades e da diversidade cultural presente na escola e na sociedade. Dessa forma poderemos avanar na superao de concepes romnticas sobre a diversidade cultural presentes nas vrias prticas pedaggicas e currculos.
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outro e sobre ns mesmos a partir das diferenas deve superar o apelo romntico ao diverso e ao diferente e construir polticas e prticas pedaggicas e curriculares nas quais a diversidade uma dimenso constitutiva do currculo, do planejamento das aes, das relaes estabelecidas na escola. A m de conseguir alcanar esse objetivo, todos ns que atuamos e nos ocupamos da escola somos desaados a rever o ordenamento curricular e as prticas pedaggicas, entendendo que estes no representam apenas uma determinada viso de conhecimento que pode excluir o outro e suas diferenas, mas tambm e, sobretudo, uma determinada viso dos alunos (Arroyo, 2006, p.54). De acordo com Miguel Arroyo (2006, p.54) os educandos nunca foram esquecidos Os educandos so os nas propostas curriculares; a questo com que sujeitos centrais da ao tipo de olhar eles foram e so vistos. Podemos educativa. E foram eles, ir alm: com que olhar foram e so vistos articulados ou no em os educandos nas suas diversas identidades movimentos sociais, que e diferenas? Ser que ainda continuamos trouxeram a luta pelo discursando sobre a diversidade, mas agindo, planejando, organizando o currculo como se direito diversidade os alunos fossem um bloco homogneo e um como uma indagao corpo abstrato? Como se convivssemos com ao campo do currculo. um prottipo nico de aluno? Como se a funo da escola, do trabalho docente fosse conformar todos a esse prottipo nico? Os educandos so os sujeitos centrais da ao educativa. E foram eles, articulados ou no em movimentos sociais, que trouxeram a luta pelo direito diversidade como uma indagao ao campo do currculo. Esse um movimento que vai alm do pedaggico. Estamos, portanto, em um campo poltico. Cabe destacar, aqui, o papel dos movimentos sociais e culturais nas demandas em prol do respeito diversidade no currculo. Tais movimentos indagam a sociedade como um todo e, enquanto sujeitos polticos, colocam em xeque a escola uniformizadora que tanto imperou em nosso sistema de ensino. Questionam os currculos, imprimem mudanas nos projetos pedaggicos, interferem na poltica educacional e na elaborao de leis educacionais e diretrizes curriculares. De acordo com Valter Roberto Silvrio (2006, p.09), a entrada em cena, na segunda metade do sculo XX, de movimentos sociais denominados identitrios, provocou transformaes signicativas na forma como a poltica pblica educacional era concebida durante a primeira metade daquele sculo. Para este autor, a demanda por reconhecimento aquela a partir da qual vrios movimentos sociais que tm por fundamento uma identidade cultural (negros, indgenas, homossexuais, entre outros) passam a reivindicar reconhecimento, quer seja pela ausncia deste ou por um reconhecimento considerado inadequado de sua diferena.
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Ainda segundo Silvrio (2006), um dos aprendizados trazidos pelo debate sobre o lugar da diversidade e da diferena cultural no Brasil contemporneo que a sociedade brasileira passa por um processo de (re)congurao do pacto social a partir da insurgncia de atores sociais at ento pouco visveis na cena pblica. Esse contexto coloca um conjunto de problemas e desaos sociedade como um todo. No que diz respeito educao, ou mais precisamente, poltica educacional, um dos aspectos signicativos desse novo cenrio a percepo de que a escola um espao de sociabilidade para onde convergem diferentes experincias socioculturais, as quais reetem diversas e divergentes formas de insero grupal na histria do pas. Podemos dizer que a sociedade brasileira, a partir da segunda metade do sculo XX, comea a viver no sem contradies e conitos - um momento de maior consolidao de algumas demandas dos movimentos sociais e da sua luta pelo direito diferena. possvel perceber alguns avanos na produo terica educacional, no Governo Federal, no Ministrio da Educao, nas Secretarias Estaduais e Municipais de Educao, nos projetos pedaggicos das escolas, na literatura infanto-juvenil, na produo de material didtico alternativo e acessvel em consonncia s necessidades educacionais especiais dos alunos. Entretanto, apesar dos avanos, ainda existe muito trabalho a fazer. Aos poucos, vm crescendo os H uma nova sensibilidade nas coletivos de prossionais da educao escolas pblicas, sobretudo, sensveis diversidade. Muitos deles para a diversidade e suas tm a sua trajetria marcada pela insero nos movimentos sociais, mltiplas dimenses na vida dos sujeitos. Sensibilidade que culturais e identitrios e carregam para a vida prossional suas identidades vem se traduzindo em aes coletivas e suas diferenas. H uma pedaggicas de transformao nova sensibilidade nas escolas pblicas, do sistema educacional em um sobretudo, para a diversidade e suas sistema inclusivo, democrtico mltiplas dimenses na vida dos e aberto diversidade. sujeitos. Sensibilidade que vem se traduzindo em aes pedaggicas de transformao do sistema educacional em um sistema inclusivo, democrtico e aberto diversidade. Mas ser que essas aes so iniciativas apenas de grupos de educadores(as) sensveis diante da diversidade? Ou elas so assumidas como um dos eixos do trabalho das escolas, das propostas polticas pedaggicas das Secretarias de Educao e do MEC? Elas so legitimadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais? Fazem parte do currculo vivenciado nas escolas e das polticas curriculares? A resposta a essas questes poder nos ajudar a compreender o lugar ocupado pela diversidade cultural na educao escolar.
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ela colocado: os currculos do ensino fundamental e mdio devem ter uma base comum nacional que ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada escola, por uma parte diversicada. Esta ltima, segundo a lei, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Dez anos se passaram. Podemos dizer que houve avano em relao sensibilidade para com a diversidade incorporada mesmo que de forma tmida na Lei. Os movimentos sociais, a reexo das cincias sociais, as polticas educacionais, os projetos das escolas expressam esse avano com contornos e nuances diferentes. Esse movimento de mudana sugere a necessidade de aprofundar mais sobre a diversidade nos currculos. Reconhecer no apenas a diversidade no seu aspecto regional e local, mas, sim, a sua presena enquanto construo histrica, cultural e social que marca a trajetria humana. Rever o nosso paradigma curricular. Ainda estamos presos diviso ncleo comum e parte diversicada presente na lei 5692/71. O peso da rigidez dessa lei marcou profundamente a organizao e a estrutura das escolas. dela que herdamos, sobretudo, a forma fragmentada de como o conhecimento escolar e o currculo ainda so tratados e a persistente associao entre educao escolar e preparo para o mercado de trabalho. Segundo Arroyo (2006, p.56), a viso reducionista dessa lei marcou as dcadas de 1970 e 1980 como uma forma hegemnica de pensar e organizar o currculo e as escolas e ainda se faz presente e persistente na viso que muitas escolas O lugar no hegemnico tm do seu papel social e na viso que ocupado pelas questes docentes e administradores tm de sua sociais, culturais, regionais funo prossional. e polticas que compem Nessa perspectiva curricular, a parte diversificada dos a diversidade est presente na parte diversicada, a qual os educadores sabem currculos pode ser visto, que, hierarquicamente, por mais que ao mesmo tempo, como possamos negar, ocupa um lugar menor vulnerabilidade e liberdade. do que o ncleo comum. E neste ltimo que encontramos os ditos conhecimentos historicamente acumulados recontextualizados como conhecimento escolar. Nessa concepo, as caractersticas regionais e locais, a cultura, os costumes, as artes, a corporeidade, a sexualidade so partes que diversicam o currculo e no ncleos. Elas podem at mesmo trazer uma certa diversicao, um novo brilho, mas no so consideradas como integrantes do eixo central. O lugar no hegemnico ocupado pelas questes sociais, culturais, regionais e polticas que compem a parte diversicada dos currculos pode ser visto, ao mesmo tempo, como vulnerabilidade e liberdade. nesta parte que, muitas vezes, os educadores e as educadoras conseguem ousar, realizar trabalhos mais prximos da comunidade, explorar o potencial criativo, artstico e esttico dos alunos e alunas.
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No entanto, mesmo que reconheamos a importncia desse flego dado diversidade nos documentos ociais, importante destacar que ele no suciente, pois coloca essa discusso em um lugar provisrio, transversal e, por vezes, marginal. Alm disso, tende a reduzir a diversidade cultural diversidade regional e no dialoga com os sujeitos, suas vivncias e prticas. A incorporao da diversidade no currculo deve ser entendida no Se a convivncia com a como uma ilustrao ou modismo. diferena j salutar para Antes, deve ser compreendida no campo poltico e tenso no qual as diferenas a reeducao do nosso so produzidas, portanto, deve ser vista olhar, dos nossos sentidos, como um direito. Um direito garantido da nossa viso de mundo, a todos e no somente queles que so quanto mais o aprendizado considerados diferentes. Se a convivncia do imperativo tico que esse com a diferena j salutar para a processo nos traz. reeducao do nosso olhar, dos nossos sentidos, da nossa viso de mundo, quanto mais o aprendizado do imperativo tico que esse processo nos traz. Conviver com a diferena (e com os diferentes) construir relaes que se pautem no respeito, na igualdade social, na igualdade de oportunidades e no exerccio de uma prtica e postura democrticas.
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vezes, com o formato de atividades paralelas, projetos sociais e experincias ldicas. Em outros momentos, encontram-se estereotipados e presentes no chamado currculo oculto e, nesse sentido, podem ser compreendidos como a produo da no-existncia, nos dizeres de Boaventura de Sousa Santos (2004). Ou seja, certos saberes que no encontram um lugar denido nos currculos ociais podem ser compreendidos como uma ausncia ativa e, muitas vezes, intencionalmente produzida. Inspirados em Boaventura de Sousa Santos (2004), podemos dizer que h, tambm, na educao brasileira, uma monocultura do saber que privilegia o saber cientco (transposto didaticamente como contedo escolar) como nico e legtimo. Essa forma de interpretar e lidar com o conhecimento se perpetua na teoria e na prtica escolar em todos os nveis de ensino desde a educao infantil at o ensino superior. Ao mesmo tempo, existem focos de ... Certos saberes que no resistncia que sempre lutaram contra encontram um lugar definido a hegemonia de certos contedos nos currculos oficiais podem escolares previamente selecionados e o ser compreendidos como apogeu da cincia moderna na escola uma ausncia ativa e, muitas brasileira. Estes j conseguiram algumas vitrias satisfatrias. Tal processo vem vezes, intencionalmente ocorrendo, sobretudo, nas propostas produzida. mais progressistas de educao escolar tais como: educao do campo, educao indgena, educao e diversidade tnico-racial, educao inclusiva, educao ambiental e EJA. Estas propostas e projetos tm se realizado - no sem conitos - em algumas escolas pblicas e em propostas pedaggicas da educao bsica. So experincias de gesto democrtica, educao para a diversidade, educao ambiental, educao do campo, educao quilombola etc. Essas e outras indagaes que podemos fazer ao conhecimento e sua presena no currculo so colocadas principalmente pelos movimentos sociais e pelos sujeitos em movimento. Eles questionam no s o currculo que se efetiva nas escolas como, tambm, os procedimentos e instrumentos que usamos para avaliar os alunos e a forma como os conhecimentos so aprendidos e apreendidos. Isso nos impele, enquanto educadores a (...) reetir sobre nossas aes cotidianas na escola, nossas prticas em sala de aula, sobre a linguagem que utilizamos, sobre aquilo que prejulgamos ou outras situaes do cotidiano. (Fernandes e Freitas, 2006, p.117). A diversidade coloca em xeque os processos tradicionais de avaliao escolar. Nessa perspectiva, os movimentos sociais conquanto sujeitos polticos podem ser vistos como produtores de saber. Este nem sempre tem sido considerado enquanto tal pelo prprio campo educacional. O no reconhecimento dos saberes e das prticas sociais no currculo tem resultado no desperdcio da experincia social dos(as) educandos(as), dos(as) educadores(as) e da comunidade nas propostas educacionais (Santos, 2006).
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A considerao destes e de outros saberes trar novos elementos no s para as anlises dos movimentos sociais e seus processos de produo do conhecimento como tambm para a discusso sobre a reorientao curricular. A luta travada em torno da educao do campo, indgena, do negro, das comunidades remanescentes de quilombos, das pessoas com decincia tem desencadeado mudanas na legislao e na poltica educacional, reviso de propostas curriculares e dos processos de formao de professores. Tambm tem indagado a relao entre conhecimento escolar e o conhecimento produzido pelos movimentos sociais. Ainda inspirados em Boaventura de Sousa Santos (2006), podemos dizer que a relao entre currculo e conhecimento nos convida a um exerccio epistemolgico e pedaggico de tornar os saberes produzidos pelos movimentos sociais e pela comunidade em emergncias, uma vez que a sua importncia social, poltica e pedaggica, por vezes, tem sido colocada no campo das ausncias resultando no desperdcio da experincia social e educativa. Essa mais uma indagao que podemos fazer aos currculos. Diversidade e tica alm de indagar a relao currculo e conhecimento, a discusso sobre a diversidade permite-nos avanar em um outro ponto do debate: a indagao sobre diversidade e tica. Como se pode notar, assumir a diversidade no currculo implica compreender o nosso caminhar no processo de formao humana que se realiza em um contexto histrico, social, cultural e poltico. Nesse percurso construmos as nossas identidades, representaes e valores sobre ns mesmos e sobre os outros. Construmos relaes que podem ou no se pautar no respeito s diferenas. Estas extrapolam o nvel interpessoal e intersubjetivo, pois so construdas O reconhecimento do nas relaes sociais. Ser que nos relacionamos com os outros presentes na escola, considerando- aluno e do professor como sujeitos de os como sujeitos sociais e de direitos? O reconhecimento do aluno e do professor direitos tambm como sujeitos de direitos tambm compreendcompreend-los como los como sujeitos ticos. No entanto, a relao sujeitos ticos. entre tica e diversidade ainda pouco explorada nas discusses sobre o currculo. Segundo Marilena Chau (1998, p.338), do ponto de vista dos valores, a tica exprime a maneira como a cultura e a sociedade denem para si mesmas o que julgam ser a violncia e o crime, o mal e o vcio e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude. Por realizar-se como relao intersubjetiva e social a tica no alheia ou indiferente s condies histricas e polticas, econmicas e culturais da ao moral.
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Marilena Chau (1998) ainda esclarece que embora toda tica seja universal do ponto de vista da sociedade que a institui (universal porque os seus valores so obrigatrios para todos os seus membros), ela est em relao com o tempo e a histria. Por isso se transforma para responder a exigncias novas da sociedade e da cultura, pois somos seres histricos e culturais e nossa ao se desenrola no tempo. Um bom caminho para repensar as propostas curriculares para infncia, No se trata de negar adolescncia, juventude e vida adulta a importncia do poder ser uma orientao que tenha conhecimento escolar, como foco os sujeitos da educao. A mas de abolir o equivoco grande questo : como o conhecimento escolar poder contribuir para o pleno histrico da escola e da desenvolvimento humano dos sujeitos? educao de ter como No se trata de negar a importncia do foco prioritariamente os conhecimento escolar, mas de abolir o contedos e no os sujeitos equivoco histrico da escola e da educao do processo educativo. de ter como foco prioritariamente os contedos e no os sujeitos do processo educativo. Discutir a diversidade no campo da tica signica rever posturas, valores, representaes e preconceitos que permeiam a relao estabelecida com os alunos, a comunidade e demais prossionais da escola. Segundo Amauri Carlos Ferreira (2006, p32), a tica referncia para que a escolha do sujeito seja aceita como um princpio geral que respeite e proteja o ser humano no mundo. Nesse sentido, o ethos, como costume, articula-se s escolhas que o sujeito faz ao longo da vida. A tica fundamenta a moral, ao expressar a sua natureza reexiva na sistematizao das normas. A relao entre tica e diversidade nos coloca diante de prticas e polticas voltadas para o respeito s diferenas e para a superao dos preconceitos e discriminaes. Tomaremos como exemplo dessas prticas a educao de pessoas com decincia, a educao dos negros e a educao do campo. No que se refere educao de pessoas com decincia, algumas indagaes podem ser feitas: como vemos o debate sobre a incluso das crianas com decincia na escola regular comum? As escolas regulares comuns introduzem no seu currculo a necessidade de uma postura tica em relao a essas crianas? Enxergamos essas crianas na sua potencialidade humana e criadora ou nos apegamos particularidade da decincia que
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Segundo Amauri Carlos Ferreira (2006) a moral pode ser entendida como um conjunto de normas que orienta a ao dos sujeitos nos grupos.
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elas apresentam? Esse debate faz parte dos processos de formao inicial e em servio? Buscamos conhecer as experincias signicativas realizadas na perspectiva da educao inclusiva? Nesse momento, faz-se necessrio retomar a concepo de diversidade que orienta a reexo presente nesse texto: a diversidade entendida como a construo histrica, cultural e social das diferenas. A construo das diferenas ultrapassa as caractersticas biolgicas, observveis a olho nu. Nessa perspectiva, no caso das pessoas com decincia, interessa reconheclas como sujeitos de direitos e compreender como se construiu e se constri historicamente o olhar social e pedaggico sobre a sua diferena. A construo do olhar sobre as pessoas com decincias ultrapassa as caractersticas biolgicas. No ser suciente incluir as crianas com decincia na escola regular comum se tambm no realizarmos um processo de reeducao do olhar e das prticas a m de superar os esteretipos que pairam sobre esses sujeitos, suas histrias, suas potencialidades e vivncias. A construo histrica e cultural da decincia (ou necessidade especial, como ainda nomeiam alguns fruns), enquanto uma diferena que se faz presente nos mais diversos grupos humanos, permeada de diversas leituras e interpretaes. Muitas delas esto aliceradas Propostas de educao em preconceitos e discriminaes denunciados inclusiva acontecem nas historicamente por aqueles(as) que atuam no redes de educao e nas campo da Educao Especial e pelos movimentos escolas. So polticas sociais que lutam pela garantia dos direitos desses sujeitos. Como todo processo de luta pelo e propostas orientadas direito diferena, esse tambm tenso, marcado por concepes mais por limites e avanos. nesse campo complexo democrticas de que se encontram as propostas de educao educao. inclusiva. Na ltima dcada houve vrios avanos nas polticas de incluso. Propostas de educao inclusiva acontecem nas redes de educao e nas escolas. So polticas e propostas orientadas por concepes mais democrticas de educao. O debate torna-se necessrio no apenas no mbito das propostas, mas tambm no mbito das concepes de diferena, de decincia e de incluso. A incluso de toda diversidade e, especicamente, das pessoas com decincia indaga a escola, os currculos, a sua organizao, os rituais de enturmao, os processos de avaliao e todo o processo ensinoaprendizagem. Indaga, sobretudo, a cultura escolar no imune construo histrica, cultural e social da diversidade e das diferenas. As prticas signicativas de educao inclusiva se propem a desconstruir o imaginrio negativo sobre as diferenas, construdo no contexto das desigualdades sociais, das prticas discriminatrias e da lenta implementao da igualdade de oportunidades em nossa sociedade. Os tericos que investigam a incluso de crianas com decincia na escola regular comum possuem opinies diversas sobre o tema e o indagam
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a partir de diferentes abordagens tericas e polticas. Carlos Skliar (2004, p.12) questiona: a escola regular tende a produzir mecanismos educativos dentro de um marco de diversidade cultural? Ao reetir sobre a estrutura rgida que ainda impera nas escolas, a sua organizao temporal, sobre o fenmeno da repetncia, a excluso sistemtica, a discriminao com relao s variaes lingsticas, raciais, tnicas etc, o autor conclui que esse processo ainda no se A educao dos negros concretizou. Podemos dizer que ele ainda est um outro campo em construo, com maior ou menor amplitude, poltico e pedaggico dependendo do contexto poltico-pedaggico, que nos ajuda a avanar do alcance das polticas e prticas de educao na relao entre tica e inclusiva, da forma como as diferenas so diversidade e traz mais vistas no interior das escolas e da organizao indagaes ao currculo. escolar. Nesse sentido, o debate sobre a incluso de crianas com decincia revela que no basta apenas a incluso fsica dessas crianas na escola. H tambm a necessidade de uma mudana de lgica, da postura pedaggica, da organizao da escola (seus tempos e espaos) e do currculo escolar para que a educao inclusiva cumpra o seu objetivo educativo. preciso tambm compreender os dilemas e conitos entre as perspectivas clnicas e pedaggicas que acompanham a histria da Educao Especial. E mais: compreender as discusses e prticas em torno dessa diferena como mais um desao na garantia do direito educao e conhecer as vrias experincias educacionais inclusivas que vm sendo realizadas em diferentes estados e municpios. Estas experincias tm revelado a ecincia e os benefcios da educao inclusiva no s para os alunos com decincia, mas para a escola com um todo. A educao dos negros um outro campo poltico e pedaggico que nos ajuda a avanar na relao entre tica e diversidade e traz mais indagaes ao currculo. Como a escola lida com a cultura negra e com as demandas do Movimento Negro? Garantir uma educao de qualidade para todos signica, tambm, a nossa insero na luta anti-racista? Colocamos a discusso sobre a questo racial no currculo no campo da tica ou a entendemos como uma reivindicao dos ditos diferentes que s dever ser feita pelas escolas nas quais o pblico atendido de maioria negra? Anal, alunos brancos e ndios precisam saber mais sobre a cultura negra, o racismo, a desigualdade racial? De forma semelhante podemos indagar: e os alunos brancos, negros e quilombolas precisam saber mais sobre os povos indgenas? Como faremos para articular todas essas dimenses? Precisaremos de um currculo especco que atenda a cada diferena? Ou essas discusses podem e devem ser includas no currculo de uma maneira geral?
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Seria interessante acompanhar o trabalho realizado pela equipe da Secretaria de Educao Especial do MEC. Uma sugesto de leitura para ajudar nessa discusso : ROTH, Berenice Weissheimer. Experincias educacionais inclusivas: programa Educao Inclusiva: direito diversidade. Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Especial, 2006.
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Caminhando na mesma perspectiva de Boaventura Sousa Santos (2006), podemos dizer que a resposta a essas questes passa por uma ruptura poltica e epistemolgica. Do ponto de vista poltico, estamos desaados a reinventar novas prticas pedaggicas e curriculares e abrir um novo horizonte de possibilidades cartografado por alternativas radicais s que deixaram de o ser. E epistemolgico na medida em que realizarmos uma crtica racionalidade ocidental, entendida como uma forma de pensar que se tornou totalizante e hegemnica, e propusermos novos rumos para sua superao a m de alcanarmos uma transformao social. Isso nos leva a indagar em que medida os currculos escolares expressam uma viso restrita de conhecimento, ignorando e at mesmo desprezando outros conhecimentos, valores, interpretaes da realidade, de mundo, de sociedade e de ser humano acumulados pelos coletivos diversos. Entendendo que a questo racial permeia toda a histria social, cultural e poltica brasileira e que afeta a todos ns, independentemente do nosso pertencimento tnico-racial, o movimento negro brasileiro tem feito reivindicaes e construdo prticas pedaggicas alternativas, a m de introduzir essa discusso nos currculos. Ricas experincias tm sido desenvolvidas em vrios estados e municpios, com apoio ou no das universidades e secretarias estaduais e municipais. No entanto, no incio do terceiro milnio, o movimento negro passou a adotar uma postura mais propositiva, realizando intervenes sistemticas no interior do Estado. Dessas novas iniciativas, alguns avanos foram conseguidos. Um deles a criao da Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (SEPPIR). Esta secretaria, de abrangncia nacional, responsvel por vrias aes voltadas para a igualdade racial em conjunto com outros ministrios, secretarias estaduais e municipais, universidades, movimentos sociais e ONGs. Alm da SEPPIR, foi constituda no interior da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD), a Coordenadoria de Diversidade e Incluso Educacional que tem realizado publicaes, conferncias e produo de material didtico voltado para a temtica. Nessa nova forma de interveno do Movimento Negro e de intelectuais comprometidos com a luta anti-racista, as escolas de educao bsica esto desaadas a implementar a lei de n 10.639/03. Esta lei torna obrigatria a incluso do ensino da Histria da frica e da Cultura AfroBrasileira nos currculos dos estabelecimentos de ensino pblicos e particulares da educao bsica. Trata-se de uma alterao da lei n 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, na qual foram includos mais trs artigos, os quais versam sobre essa obrigatoriedade. Ela tambm acrescenta que o dia 20 de novembro (considerado dia da morte de Zumbi) dever ser includo no calendrio escolar como dia nacional da conscincia negra, tal como j comemorado pelo movimento negro e por alguns setores da sociedade.
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A partir desta lei, o Conselho Nacional de Educao aprovou a resoluo 01 de 17 de maro de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira. Nesse sentido, as escolas da educao bsica podero se orientar a partir de um documento que discute detalhadamente o teor da lei, apresentando sugestes de trabalho e de prticas pedaggicas. Os Movimentos do Campo tambm tm conseguido, aos poucos, transformar demandas em prticas e polticas educacionais (Arroyo, Caldart e Molina, 2004). Em 2002, o Conselho Nacional de Educao aprovou as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo, por meio da Resoluo CNE/CEB n. 01, de 03 de abril de 2002. A instituio das diretrizes resultado das lutas e reivindicaes dos movimentos sociais e organizaes que lutam por uma educao que contemple a diversidade dos povos que vivem no e do campo com suas diversas identidades, tais como, Sem Terra, Pequenos Agricultores, Quilombolas, Povos da Floresta, Pescadores, Ribeirinhos, Extrativistas e Assalariados Rurais. A implementao das leis e das diretrizes acima citadas vem somar s demandas destes e de outros movimentos sociais que se mantm atentos luta por uma educao que articule a garantia dos direitos sociais e o respeito diversidade humana e cultural. No entanto, h que se indagar como, e se, esses avanos polticos tm sido considerados pelo campo do currculo, pelo currculo que se realiza no cotidiano das escolas e pela ao pedaggica de uma maneira geral. Diversidade e organizao dos tempos e espaos escolares Um currculo que respeita a diversidade precisa de um espao/tempo objetivo para ser concretizado. Nesse sentido, podemos indagar como a educao escolar tem equacionado a questo do tempo e do espao escolar. Eles so pensados levando em conta os coletivos diversos? O tempo/espao escolar leva em conta os educandos com decincia ou aqueles que dividem o seu tempo entre escola, trabalho e sobrevivncia, os jovens e adultos trabalhadores da EJA etc? A rigidez e a naturalizao Os currculos incorporam uma da organizao dos tempos organizao espacial e temporal do e espaos escolares conhecimento e dos processos de ensinoentram em conflito com a aprendizagem. A rigidez e a naturalizao diversidade de vivncias da organizao dos tempos e espaos dos tempos e espaos dos escolares entram em conito com a diversidade de vivncias dos tempos e alunos e das alunas. espaos dos alunos e das alunas. Segundo Arroyo (2004a), a escola tambm uma organizao temporal. Por isso, o currculo pode ser visto como um ordenamento temporal do conhecimento e dos processos de ensinar e aprender. A organizao escolar ainda bastante rgida, segmentada e
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uniforme em nossa tradio, qual todos(as) alunos e alunas indistintamente tm de adequar seus tempos. A partir das reexes do autor podemos dizer que a relao diversidade-currculo se defronta com um dado a ser equacionado: os(as) educandos(as) so diversos tambm nas vivncias e controle de seus tempos de vida, trabalho e sobrevivncia, gerando uma tenso entre tempos escolares e tempos da vida, entre tempos rgidos do aprender escolar e tempos no controlveis do sobreviver. Esta tenso maior nos coletivos sociais submetidos a formas de vida e de sobrevivncia precarizadas. Como equacionar essas tenses? Que tipo de organizao escolar e que ordenamento temporal dos currculos e dos processos de ensinar-aprender sero os mais adequados para garantir a permanncia e o direito educao de crianas, adolescentes, jovens e adultos submetidos a tempos da vida to precrios? Sero os(as) educandos(as) que tero que se adequar aos tempos rgidos da escola ou estes tero que ser repensados em funo das diversas vivncias e controle dos tempos dos(as) educandos(as)? Propostas de escolas e de redes de ensino vm tentando minorar essas tenses tomando como critrio o respeito diversidade de vivncias do tempo dos(as) alunos(as) e da comunidade. Nesse ponto to nuclear, a diversidade indaga os currculos e as escolas: repensar seu ordenamento temporal como exigncia da ... A diversidade indaga garantia do direito de todos(as) educao. os currculos e as As pesquisas educacionais mostram que escolas: repensar seu a rigidez desse ordenamento uma das ordenamento temporal causas do abandono escolar de coletivos sociais considerados como mais vulnerveis. como exigncia da Rever esses ordenamentos temporais uma garantia do direito de exigncia tica e poltica para a garantia do todos(as) educao. direito diversidade. A tendncia da escola exibilizar os tempos somente para aqueles alunos e alunas estigmatizados como lentos, desacelerados, desatentos e/ou com problemas de aprendizagem. Quando reetimos sobre a lgica temporal, na perspectiva da diversidade cultural e humana, trazemos novas indagaes e problematizaes a esse tipo de raciocnio ainda to presente nas escolas. Na realidade, a preocupao da escola dever ser dar a todos(as) o devido tempo de aprender, conviver, socializar, formar-se, conseqentemente, ter como critrio na organizao do currculo a produo de um tempo escolar acolhedor e exvel que se aproxime cada vez mais da dimenso cclica e complexa das temporalidades humanas. O tempo para aprender no um tempo curto. E, alm disso, a escola no s um espao/tempo de aprendizagem. Ela tambm um espao sociocultural e imprime marcas profundas no nosso processo de formao humana. Por isso, a organizao escolar no pode ser reduzida a um tempo empobrecido de experincias pedaggicas e de vida.
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preciso desnaturalizar o nosso olhar sobre o tempo escolar. Como nos diz Miguel Arroyo (2004a), o tempo da escola conitivo porque um tempo institudo, que foi durante mais de um sculo se cristalizando em calendrios, nveis, sries, semestres, bimestres, rituais de transmisso, avaliao, reprovao, repetncia. Entender a lgica institucionalizada do tempo escolar que se impe sobre os/as alunos/as e professores(as) fundamental para compreender muitos problemas crnicos da educao escolar. ainda este autor que nos diz que a compreenso das nuances e dos dilemas da construo do tempo da escola poder nos ajudar a corrigir os problemas de evaso, reprovao e repetncia que atingem, sobretudo, os setores populares e os exclui da instituio escolar. O espao escolar exprime Assim como o tempo, o espao uma determinada da escola tambm no neutro e precisa concepo e interpretao passar por um processo de desnaturalizao. de sujeito social. Podemos O espao escolar exprime uma determinada dizer que a escola enquanto concepo e interpretao de sujeito social. instituio social se realiza, Podemos dizer que a escola enquanto ao mesmo tempo, como um instituio social se realiza, ao mesmo espao fsico especfico e tempo, como um espao fsico especco e tambm sociocultural. tambm sociocultural. No que concerne ao espao fsico da escola, importante reetir que ele exprime uma determinada concepo e interpretao de sujeito social. Como ser a organizao dos nossos espaos escolares? Ser que o espao da escola pensado e ressignicado no sentido de garantir o desenvolvimento de um senso de liberdade, de criatividade e de experimentao? Ser que a forma como organizamos o espao possibilita ao aluno e aluna interagir com o ambiente, arranjar sua sala de aula, alter-la esteticamente, movimentar-se com tranqilidade e autonomia? Ou o espao entra como um elemento de condicionamento e reduo cultural de nossas crianas, adolescentes e jovens? Enquanto espao sociocultural, a escola participa dos processos de socializao e possibilita a construo de redes de sociabilidade a partir da inter-relao entre as experincias escolares e aquelas que construmos em outros espaos sociais, tais como a vida familiar, o trabalho, os movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e as manifestaes culturais. Pensar o espao da escola considerar que o mesmo ser ocupado, apropriado e alterado por sujeitos sociais concretos: crianas, adolescentes, jovens e adultos. Esses mesmos sujeitos, no decorrer das suas temporalidades humanas, interagem com o espao e com o tempo de forma diferenciada. Ser que essa tem sido uma preocupao da educao escolar? Ser que ao pensarmos a gesto da escola consideramos a organizao dos espaos escolares como uma questo relevante? Ser que exploramos o contedo histrico e poltico imerso na arquitetura escolar?
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Compreender a percepo e utilizao do espao pelas crianas, adolescentes, jovens e adultos um desao para os(as) educadores(as) e uma questo a ser pensada quando reivindicamos uma escola democrtica e um currculo que contemple a diversidade. A construo de uma escola democrtica implica em repensar as estruturas e o funcionamento dos sistemas de ensino como um todo, como, por exemplo, reorganizar o coletivo dos(as) professores(as), criar tempos mais democrticos de formao docente e dos alunos, alterar a lgica e a utilizao do espao escolar e garantir uma justa remunerao aos educadores e educadoras. Ao discutirmos sobre o espao, fatalmente, o tempo escolar ser questionado. Para construir uma nova forma de organizao dos tempos teremos que superar a idia de um tempo linear, organizado em etapas em A avaliao poder ser ascenso, calcado na idia de um realizada de forma mais percurso nico para todos e da coletiva e com o objetivo de produtividade. preciso pensar acompanhamento do processo o tempo como processo, como construo histrica e cultural. de construo do conhecimento A articulao entre currculo, dos(as) aluno(as) nas suas tempos e espaos escolares pressupe mltiplas dimenses humanas uma nova estrutura de escola que se e no como instrumento articula em torno de uma concepo punitivo ou como forma de mais ampla de educao, entendida medir o desempenho escolar. como pleno desenvolvimento dos(as) educandos (as). S assim os(as) alunos(as) sero realmente considerados como o eixo da ao pedaggica e da realizao de toda e qualquer proposta de currculo. Dessa forma, os contedos escolares, a distribuio dos tempos e espaos estaro interligados a um objetivo central: a formao e vivncia sociocultural prprias das diferentes temporalidades da vida infncia, pradolescncia, adolescncia, juventude e vida adulta. Em conseqncia, o tempo escolar poder ser organizado de maneiras diversas, como, por exemplo, em uxos mais exveis, mais longos e mais atentos s mltiplas dimenses da formao dos sujeitos. Alm disso, os critrios do que seja precedente, do que seja reprovvel/aprovvel, fracasso/ sucesso sero redenidos a m de garantir aos alunos e s alunas o direito a uma educao que respeite a diversidade cultural e os sujeitos nas suas temporalidades humanas. Nesse processo, os instrumentos tradicionais da avaliao escolar e a prpria concepo de avaliao que ainda imperam na escola tambm sero indagados. A avaliao poder ser realizada de forma mais coletiva e com o objetivo de acompanhamento do processo de construo do conhecimento dos(as) aluno(as) nas suas mltiplas dimenses humanas e no como instrumento punitivo ou como forma de medir o desempenho escolar.
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Finalizando, importante considerar que o questionamento s lgicas e prticas cristalizadas e endurecidas de organizao dos tempos/ espaos escolares faz parte das lutas e conquistas da categoria docente que, historicamente, vem apontando para a necessidade de uma redenio e organizao da escola a qual inclui, tambm, a denncia aos tempos mal remunerados, autoritrios, extenuantes e alienantes. Portanto, no tempo da escola esto em jogo direitos dos prossionais da educao, dos pais, mes e dos alunos e alunas. O movimento dos(as) trabalhadores(as) da educao e os movimentos sociais vm lutando por maior controle e alargamento do tempo de escola, assim como os(as) jovens e adultos(as) trabalhadores(as) lutam por adequar o tempo rgido do trabalho a um tempo mais exvel de educao. Parafraseando Boaventura de Sousa Santos, ao discutir a relao entre diversidade e organizao dos tempos e espaos escolares, podemos dizer que estamos diante de questes fortes que indagam o currculo das nossas escolas e por isso exigem respostas igualmente fortes e geis.
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Concluindo...
A diversidade muito mais do que o conjunto das diferenas. Ao entrarmos nesse campo, estamos lidando com a construo histrica, social e cultural das diferenas a qual est ligada s relaes de poder, aos processos de colonizao e dominao. Portanto, ao falarmos sobre a diversidade (biolgica e cultural) no podemos desconsiderar a construo das identidades, o contexto das desigualdades e das lutas sociais. A diversidade indaga o currculo, a escola, as suas lgicas, a sua organizao espacial e temporal. No entanto, importante destacar que as indagaes aqui apresentadas e discutidas no so produtos de uma discusso interna escola. So frutos da inter-relao entre escola, sociedade e cultura e, mais precisamente, da relao entre escola e movimentos sociais. Assumir a diversidade posicionar-se contra as diversas formas de dominao, excluso e discriminao. entender a educao como um direito social e o respeito diversidade no interior de um campo poltico. Muito trabalho temos pela frente! No entanto, vrias iniciativas signicativas vm sendo realizadas. Algumas delas so frutos de prticas educativas transgressoras realizadas pelos docentes em movimento, pelos prossionais de vrias Secretarias Estaduais e Municipais de educao e por gestores(as) das escolas que entendem que o direito educao ser realmente pleno medida em que tambm seja assegurado aos sujeitos que participam desse processo o direito diferena.
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Para mais sugestes de lmes que tematizam a diversidade cultural consultar: TEIXEIRA, Ins Assuno de Castro e LOPES, Jos de Sousa Miguel (Orgs). A diversidade cultural vai ao cinema. Belo Horizonte: Autntica, 2006.
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Existe uma srie de publicaes ociais que esto disponibilizadas para download. Para conhec-las, basta acessar o site de pesquisa http://www.dominiopublico.gov.br e consultar a Coleo Educao para Todos.
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c) A nossa abordagem em sala de aula e os nossos projetos pedaggicos sobre educao ambiental tm explorado a complexidade e os conitos trazidos pela forma como a sociedade atual se relaciona com a diversidade biolgica? d) Que entidades dos movimentos sociais existem na regio onde atuamos como educadores(as)? Eles trazem demandas para a escola? Quais? A escola tem considerado essas demandas na sua prtica curricular? Como? e) Ser que os movimentos sociais conseguem indagar e incorporar mais a diversidade nas suas aes do que a prpria escola e a poltica educacional? f) Como vemos o debate sobre a incluso das crianas com decincia na escola regular? As escolas regulares introduzem no seu currculo a necessidade de uma postura tica em relao s crianas com decincia? g) Conhecemos as principais demandas do movimento negro em prol da educao escolar? Como tem sido o processo de implementao da lei de n 10.639/03 (obrigatoriedade da incluso do ensino da Histria da frica e da Cultura Afro-Brasileira) nos currculos das nossas escolas? h) Colocamos a discusso sobre a diversidade e o currculo no campo da tica ou a entendemos como uma reivindicao dos ditos diferentes? i) possvel a incluso das diferenas sem a superao da rigidez da estrutura espacial e temporal da instituio escolar? O que poderia ser feito para exibilizar os tempos e os espaos da escola onde atuamos?
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