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American Way of Life

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American way of life no Brasil

1) A Poltica da Boa Vizinhana na Segunda Guerra Mundial Em 1920 aps a Primeira Guerra Mundial - iniciou-se uma reconfigurao nos sistemas de poder, bem como nas respectivas reas de influncia (BENETTI, 2010, pg. 1). Na dcada de 1930 a disputa pela influncia na Amrica Latina ficou mais acirrada entre os Estados Unidos e a Alemanha (BENETTI, 2010, pg. 2). Naquele momento o presidente do Brasil era Getlio Vargas, que esteve no cargo de 1930 at 1945. A disputa entre Alemanha e Estados Unidos pelos mercados consumidores dava margem de negociao para a poltica externa do Brasil (BENETTI, 2010, pg. 2). O modelo europeu anterior, (referncia absoluta no Brasil principalmente referindo-se Frana) nos anos 1930, estava relacionado ao passado (BENETTI, 2010, pg. 3). O poder econmico dos Estados Unidos crescia incessantemente, com altos investimentos do governo, que defendia a poltica do livre-comrcio a fim de obter mercados consumidores para as exportaes da indstria e do setor primrio americanos. (...) Na Amrica Latina, o choque e a disputa entre duas ideologias: o liberalismo americano e o fascismo alemo (BENETTI, 2010, pg. 3). Segundo Gerson Moura, em Tio Sam Chega ao Brasil, no incio dos anos 40, desencadeou-se uma intensiva campanha de penetrao da cultura norte-amerciana. O objetivo dos Estados Unidos eram a promoo da cooperao interamericana e a solidariedade hemisfrica, enfrentar o desafio do Eixo e consolidar-se como grande potncia. Este americanismo seria uma ideologia programtica em que esto presentes diversos elementos discursivos, tais como o ideal de democracia, o progresso e a tradio, o trabalho, a liberdade. Toda essa discursividade condensada e assumida enquanto uma prtica de vida cotidiana ficou tambm conhecida como american way of life (ARRAES, 2010, pg. 2). A Poltica de Boa Vizinhana foi desenvolvida ao final do ano de 1933, pelo at ento presidente Franklin Roosevelt, durante o contexto que sucedeu a Primeira Guerra Mundial. Alm do objetivo inicial, demarcado pela conquista de mercado externo aps o perodo da Grande Depresso, impedir a influncia europeia na regio e manter a estabilidade poltica no continente eram outros objetivos da Poltica, implementada at o ano de 1945 (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 2). A ttica, denominada de Poltica da Boa Vizinhana (Good Neighbor Policy), tinha por objetivo estreitar as relaes econmicas e culturais. O Office for the Coordination of Commerce and Cultural Relations between the American Republics comeou a atuar em 16 de agosto de 1940, nos Estados Unidos, em resposta propaganda nazista na Amrica Latina. Atravs de programas radiofnicos, transmisses da Voice of America e revistas do porte da Time, Life e Selees Readers Digest, eram divulgadas

mensagens do governo norte-americano, visando a neutralizar a forte presena alem, italiana e japonesa nesta parte da Amrica (KLCKNER, 2005, pg. 2). Vista em retrospecto, a Good Neighbor Policy, a poltica da boa vizinhana, levada a cabo pelo presidente Franklin Delano Roosevelt, a partir de 1933, foi uma verdadeira revoluo nas relaes dos Estados Unidos com os demais parceiros do continente americano. O empenho pblico anunciado pela nova administrao democrata de que doravante descartaria o uso da fora para resolver os possveis conflitos com os pases latino-americanos foi o mais saudvel passo dado pelos Estados Unidos no reconhecimento deles como pases independentes a serem respeitados, e no humilhados (SCHILLING, 2002). Os Estados Unidos tinham certa preocupao quanto influncia do nazismo no Brasil, e para tanto utilizaram, no governo Roosevelt, a Poltica da Boa Vizinhana, que visava, num mbito geral, americanizar o pas. A americanizao do Brasil possibilitaria a aproximao poltica com os EUA. A Poltica da Boa Vizinhana serviu como instrumento para a execuo do plano de americanizao. A democracia, a liberdade e os direitos individuais so alguns dos elementos da ideologia americana, associados ideia de um mundo de abundncia e capacidade criativa do homem americano. (TOTA, 2000, p. 19). Este era o componente ideolgico principal, baseado nos ideais do progressivismo trabalhar, produzir, ganhar dinheiro e consumir (BENETTI, 2010, pg. 3). O american way of life modo de vida americano. Liberalismo e democracia. O paradigma norte-americano deveria ser uma referncia na Amrica Latina. O meio utilizado foi o Departamento de Comunicaes, que tinha como objetivos principais difundir informaes positivas sobre os Estados Unidos, contra-atacar a propaganda do eixo e tambm difundir nos Estados Unidos uma imagem favorvel dos outros pases do continente. O Departamento de Comunicaes era formado pelas divises de Imprensa e Publicaes, de Rdio, de Cinema, de Informao e Propaganda, entre outras (BENETTI, 2010, pg. 7). Ocorreu, nos anos 30-40, a disseminao da ideologia norte-americana, estimulada pela instalao, no Brasil, das primeiras multinacionais (indstrias em geral, agncias de publicidade e propaganda, e agncias de notcias). Com isso, se estabeleceu uma polarizao de interesses: de um lado, os defensores dos valores dos Estados Unidos e da internalizao de capitais estrangeiros no Pas; de outro, os nacionalistas, opostos a qualquer ingerncia externa (KLCKNER, 2005, pg. 8). Temendo uma possvel adeso do Estado brasileiro ao nazismo, os Estados Unidos demonstraram interesse particular pelo Brasil durante a Segunda Guerra. Numa ao fulminante e eficaz, as autoridades americanas aproximaram-se do Governo Vargas e ofereceram benefcios econmicos e culturais da Poltica de Boa Vizinhana (KLCKNER, 2005, pg. 10).

O fim da Primeira Guerra foi demarcado com a derrota das naes europeias que participaram do conflito e o sucesso dos Estados Unidos, j que seus territrios no foram atingidos pelo conflito e o pas tornou-se o grande financiador da reconstruo dos Estados europeus. apesar do xito momentneo, a crise de 19294 acabaria por desestabilizar a hegemonia norte-americana e seu sistema capitalista liberal. em meio s tentativas dos EUA de sair da crise que a Poltica de Boa Vizinhana foi criada, tendo a conquista de mercados externos na Amrica Latina como seu inicial objetivo (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 2). A poltica externa adquiriu interesses distintos durante o perodo em que foi implementada. No primeiro momento, a razo primordial era de carter polticoeconmico, com a busca por mercado externo no perodo que sucede a Grande Depresso. Porm, com a iminncia da Segunda Guerra Mundial, o objetivo ganhou outra perspectiva, de carter poltico mais slido, devido busca por aliados para o conflito militar. (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 2). Interesses econmicos estiveram presentes na formulao dessa poltica. A Amrica Latina tem grande importncia estratgica na exportao de matria-prima e suas relaes econmicas com os pases do Eixo se estreitavam cada vez mais. As matrias primas sul-americanas eram vendidas para a Alemanha atravs de um sistema de quotas e compensao subsidiado pelo governo alemo (MESQUITA, 2002, pg. 36). Alm disso, havia ncleos pr-eixos na Amrica Latina organizados diretamente por Berlim. Os estrangeiros instalados no Brasil (alemes, japoneses, italianos) propagavam seus valores e ideais polticos. Segundo o relatrio The Founding of the CIAA, agncias do governo do Eixo, principalmente alemo, controlavam no somente estaes de rdio mas produziam tambm filmes que, destinados s escolas, centros culturais, clubes de esportes e outras sociedades, representariam um perigoso combatente das foras do Eixo contra os EUA na Amrica do Sul, devido ao projeto hegemnico nazista (MESQUITA, 2002, pg. 36). A agncia contaria com 1100 pessoas trabalhando nos EUA e aproximadamente 300 tcnicos trabalhando na Amrica Latina. Essa rede complexa ter um substancial financiamento por parte do governo e principalmente do setor privado que ser nacionalmente coordenado (MESQUITA, 2002,pg. 38). A propagao do american way of life se inicia nas conferncias interamericanas. Em seguida, em agosto de 1940, criado o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), uma superagncia de coordenao dos negcios interamericanos, chefiada por Nelson Rockefeller e diretamente vinculada ao Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos (CPDOC) O Office for the Coordinator of Commercial and Cultural Relations between the American Republics, (sic) uma agncia criada em 16 de agosto de 1940 pelo Conselho de Defesa de Segurana Nacional dos Estados Unidos e que fez parte, dentre outras, do Programa de Defesa Nacional implementado desde 1939 pelo governo Roosevelt.

A denominao da agncia sofreu algumas modificaes: de 30 de julho de 1941 a 23 de maro de 1945, passou a ser Office of Coordinator Inter-American Affairs, mais conhecido como OCIAA. Aps esse perodo mudou para Office of InterAmerican Affairs, permanecendo assim at a data de sua extino em 20 de maio de 1946(MESQUITA, 2002, pg. 9). De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil da Fundao Getlio Vargas (FGV), a agncia veiculava na imprensa brasileira notcias favorveis aos Estados Unidos e, neste, buscava divulgar o Brasil. Para Arraes, formou-se uma vasta rede de enunciao que inclua a mdia impressa, a radiodifuso, o cinema, polticas de suporte educacional, econmico e assistencialista, entre outras iniciativas no bojo da Poltica da Boa Vizinhana, que visavam a combater o germanismo durante a Segunda Guerra Mundial e instituir o americanismo como paradigma em toda a Amrica Latina (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg.2). Apesar do grande estmulo por parte do governo americano, consenso entre diversos autores que o intercmbio cultural entre esses pases e os EUA nunca ocorreu de forma harmnica. Enquanto na Amrica Latina propagavam-se qualidades da sociedade e cultura norte-americana, como os valores democrticos e o industrialismo, os atributos ligados cultura latina eram o exotismo e as belezas naturais da fauna e flora (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 3). Na teoria, a permuta de valores culturais deveria ser bilateral. Entretanto, para Moura (1986), essa avenida no existiu na prtica, pois a difuso cultural aconteceu unicamente por parte dos americanos, sem qualquer chance para os brasileiros mostrarem sua cultura (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 3). Para Gonalves, em O American way of life no cinema de Hollywood, na imprensa e na sociedade brasileiras dos anos trinta, os meios de comunicao foram fundamentais na disseminao do modo de vida americano, apresentando ao mundo suas caractersticas e seus procedimentos, de modo sedutor e convincente. Na rea da imprensa passou-se a distribuir a revista Time em quase todo o continente, a publicar uma edio em espanhol e portugus do Readers Digest e uma edio panamericana da revista Newsweek (MESQUITA, 2002, pg. 40). A produo de filmes educativos ser destinada ao pblico latino-americano e norte-americano, evidenciando assim uma propaganda externa e interna de difuso do american way of life (MESQUITA, 2002, pg. 61). (...) a instrumentalizao das relaes culturais e educacionais, a quarta dimenso da poltica externa dos EUA, atravs da difuso de inmeros filmes, revistas e livros um dos mtodos empregados pelo Estado norte-americano para atender s metas na formulao de um projeto poltico imperial (MESQUITA, 2002, pg. 62).

Para Mesquita, os EUA influenciaram o modelo poltico e social do Brasil, tornaramse paradigma da modernidade. A poltica Cultural do OCIAA teve como objetivo, sobretudo, incrementar internamente uma homogeneizao cultural atravs de uma propaganda nacional do americanismo e incrementar a difuso do american way of life como sendo um estilo ideal de vida para a Amrica Latina e para o Brasil especificamente (MESQUITA, 2002, pg. 20). O padro cultural americano representa o modelo de modernidade, devido ao avano e progresso cientfico, a (sic) influncia de sua filosofia poltica e o respeito s particularidades e especificidades culturais dos povos latino-americanos (MESQUITA, 2002, pg. 115). A resposta que encontramos em relao ao perodo da Segunda Guerra Mundial, no mbito das relaes interamericanas, positiva neste sentido, e afirma a poltica do governo de Frankiln Delano Roosevelt (1882-1945), por meio de seu Escritrio para Assuntos Interamericanos, de disseminar a imagem dos EUA como o plpito da liberdade e de seu conceito (prprio) de democracia como a nica sada possvel frente ao perigo nazista. Uma ao de conquista de coraes e mentes que retomava a problemtica lgica do Destino Manifesto num novo contexto (ZAGNI, 2008, pg. 70). No se trata apenas de disputa por mercados, num contexto blico a finalidade passou a ser poltica e no final das contas militar: a cooptao ideolgica no esforo de guerra, o que por sua vez garantiu aos EUA liderana absoluta nesses mercados, o meio de circulao de idias (sic) e ideologias como bens de consumo de massa (ZAGNI, 2008, pg. 71). A Poltica da Boa Vizinhana chegara ao fim juntamente com o final da Segunda Guerra Mundial, com a morte de Roosevelt, com a extino do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs e com ela a suposta aceitao da Amrica Latina pelos Estados Unidos. O Brasil perdera todo o seu poder de barganha com os Estados Unidos. A guerra acabou e Vargas foi deposto. O Brasil perdeu a importncia para os Estados Unidos, que naquele momento se concentrava na Europa e na sia, locais em que o nacionalismo e o comunismo eram mais ameaadores do que na Amrica Latina (BENETTI, 2010, pg. 12).

2) O papel do rdio Apesar do cinema ter ocupado um lugar de destaque dentre as divises relacionadas cultura e informao, os maiores esforos se concentravam na diviso de rdio, por conta de seu alcance e popularidade. A guerra era coberta em tempo real pela rdio A voz da Amrica, cujos estdios e transmissores funcionavam nos EUA, gerenciados pelo OCIAA, mas cujas difuses eram dirigidas ao territrio e pblicos brasileiros, fundamentalmente jovens de classe mdia. Nos programas eram comuns os slogans exaltando o estilo americano, conformando consenso e as convices de seus ouvintes. No to popular quanto o rdio, mas j largamente difundido como hbito das

classes dominantes, o cinema foi o segundo grande veculo de comunicao no interesse do escritrio (ZAGNI, 2008, pg. 74). A agncia fazia transmisses de programas de rdio diretamente dos EUA, ou por estaes locais. Alm dos informes sobre a guerra, havia espao para divulgao da cultura norte-americana em contraponto propaganda dos pases do Eixo. O rdio, inovao que revolucionou os meios de comunicao de massa, ganha, sucessivamente, novas freqncias, objetivando atingir maiores distncias com menor interferncia. Seguindo o novo ritmo das comunicaes, agora mais aceleradas, a imprensa escrita tambm necessita ser adaptada ao novo tempo aqui entendido em sentido amplo: como o perodo vivido e tambm como instante que passa e precisa cada vez mais condensar as informaes para agilizar a sua recepo (ARRAES, 2010, pg. 2). Nas Amricas Central e do Sul, o [Reprter] Esso chegou a reboque da Poltica da Boa Vizinhana (Good Neighbor Policy), nos anos 30. Na realidade, nem o termo e nem a idia eram novos. Alguns anos antes, o presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover, em viagem Amrica Latina, havia usado a expresso good neighbor nos discursos, que seria adotada, em 1933, por Franklin Delano Roosevelt (KLCKNER, 2005, pg. 2). O Reprter Esso foi a primeira sntese noticiosa do planeta, concebida com carter globalizante. O noticirio, patrocinado pela Standard Oil New Jersey (Esso), teve a idealizao da agncia de publicidade McCann-Erickson e produo da agncia de notcias United Press Associations (UPA). O noticirio j existia nos Estados Unidos desde 1935. A partir dali, se estendeu para outros pases (Argentina, Brasil, Chile, Colmbia, Costa Rica, Cuba, Estados Unidos, Honduras, Nicargua, Panam, Peru, Porto Rico, Repblica Dominicana, Uruguai e Venezuela). Em particular, no extremo sul da Amrica Latina (Argentina, Uruguai, Brasil e Chile), o Esso referendado em livros e em stios da Internet, como a mais importante sntese noticiosa do rdio e da televiso em cada pas (KLCKNER, 2005, pg. 2). Era comum, na poca, que a colnia alem, localizada, em especial, no extremo sul da Amrica Latina, se informasse do avano das foras nazi-fascistas na Europa, a partir das ondas da Rdio Berlim. Dessa forma, as emisses dos Estados Unidos, via Voice of Amrica (VOA), no deixaram de apresentar um certo contraponto a uma situao existente nas Amricas, e que preocupava, sobremaneira, os pases aliados, uma vez que existia a simpatia, de parte de governantes americanos, pela poltica nazi-fascista, representando um ideal de governo (KLCKNER, 2005, pg. 2). At 1945, as notcias se restringem guerra (ataque dos japoneses a Pearl Harbor e a rendio da Alemanha, da Itlia e do Japo). Os discursos, com muitos adjetivos, valorizavam o feito das tropas aliadas (inclusive da Fora Expedicionria Brasileira), a Poltica de Boa Vizinhana e preconizam a unio definitiva das Amricas contra os agressores mundiais. Tambm o lanamento da bomba atmica sobre Hiroshima e Nagasaki confere um certo tom de mistrio a essa nova e poderosa arma, capaz de

varrer cidades do mapa mndi (KLCKNER, 2005, pg. 14).

3) O papel do cinema O cinema tambm era um importante instrumento de difuso do american way of life, tanto na fico quanto nos documentrios. Na produo dos primeiros, o OCIAA contou com a colaborao das indstrias cinematogrficas de Hollywood. Procuravase evitar a distribuio na Amrica Latina de filmes que expusessem instituies e costumes norte-americanos malvistos, como a discriminao racial, ou que pudessem ofender os brios dos latino-americanos. Os bandidos mexicanos, por exemplo, foram banidos das produes de Hollywood. Destaca-se, ainda, a criao de personagens que ajudassem a fomentar a solidariedade continental, como o papagaio Z Carioca, da Disney, lanado no filme Al Amigos. Como produto acabado do capitalismo, como um bem de consumo de massa, o cinema hollywoodiano tinha compromissos polticos e ideolgicos e se articulava diretamente com a poltica externa dos EUA (ZAGNI, 2008, pg. 71). Por meio dos estdios de Hollywood os filmes de fico e documentrios produzidos durante as dcadas de 1930 e 1940, em geral, faziam apologia ao modo de vida da classe mdia dos EUA, sob a orientao direta das polticas do escritrio, conforme pode corroborar um intenso expediente de papis governamentais que circulavam entre o OCIAA e os estdios, com as diretrizes que deveriam ser seguidas nos roteiros dos filmes (ZAGNI, 2008, pg. 75). A estrutura organizacional que relacionava o OCIAA aos estdios, e por sua vez aos roteiristas, produtores e diretores, pode ser verificada no documento redigido na oportunidade em que o ento CIAA, por meio de sua Diviso de Sade, produzia 24 curtas em parceria com o Instituto Nacional de Cinema Educativo Brasileiro (ZAGNI, 2008, pg. 75). O cinema hollywoodiano tomou para si essa tarefa, de forma enftica, no momento em que consolidou-se como uma indstria slida, produtora de filmes no processo de linha de montagem. Isso ocorreu, de maneira contundente e definitiva, na dcada de 1930 (GONALVES, pg.1). Os filmes hollywoodianos da dcada de trinta, produto acabado da juno entre a impresso de realidade e a histria de sonho, preconizados pela narrativa clssica, possibilitaram a apresentao, para o pblico interno mas tambm para os pblicos fronteiras afora, do modo norte-americano de se viver a vida, sua maneira de encarar problemas, suas solues para eles, seu modo particular de alcanar a felicidade e seu prprio conceito de felicidade (GONALVES, pg. 2). As informaes sobre esse modo norte-americano de estar no mundo nos eram dadas tanto no roteiro dos filmes, nas falas dos personagens, em suas atitudes, como tambm

na prpria organizao da imagem exibida, nos enquadramentos, na montagem, na mise-en-scne (GONALVES, pg. 3). O consumo de cosmticos tambm teve em Hollywood uma de suas colunas de sustentao. A imagem das estrelas de Hollywood e o uso de cosmticos esto at hoje intimamente ligados. Centenas de peas publicitrias j usaram estrelas hollywoodianas como garotas propaganda para sabonetes, produtos para maquilagem, desodorantes e outros produtos de toucador. Em meados dos anos trinta, os cosmticos perdiam apenas para alimentos em quantias gastas com publicidade, e os filmes faziam parte desse ciclo de influncia para o consumo (GONALVES, pg. 6) Durante a dcada de trinta, firmaram-se modos de filmar que centravam-se primordialmente no indivduo: atrelou-se o movimento de cmera ao movimento dos personagens no quadro; a prtica do reenquadramento (reframing) tornou-se norma, o que fazia com que o personagem retratado permanecesse a maior parte do tempo no centro do quadro, salientando a importncia do indivduo dentro da narrativa (GONALVES, pg. 6). Gonalves acredita que, na dcada de 30, houve a transferncia do Brasil da esfera de influncia europeia (francesa sob o ponto de vista cultural e inglesa sob o ponto de vista econmico e poltico) para a norte-americana. O cinema hollywoodiano teve influncia nesse processo. Os hbitos alimentares do brasileiro tambm sofreram alteraes durante a dcada de trinta, com os novos produtos de origem norte-americana introduzidos no mercado nacional e com o estmulo que o cinema dava aceitao dos costumes alimentares yankees. Cenas da famlia norte-americana reunida na mesa do breakfast como em O Amor Encontra Andy Hardy (1938) consumindo suas panquecas e ovos mexidos vinham ao encontro da comercializao no Brasil de produtos como a Quaker Oats (a hoje tradicional Aveia Quaker ) ou o achocolatado Toddy (GONALVES, pg. 10). - O Brasil comea a sofrer, tambm a partir dos anos trinta, alteraes na rea habitacional. Segundo Cludio de Arajo Lima, comeam a ser construdos, especialmente no Rio de Janeiro, prdios de apartamentos, ao mesmo tempo que o pas passa a importar dos Estados Unidos, em grande quantidade, os materiais de construo civil que antes importava em escala menor, apenas da Europa. Enquanto isso, as linhas de bondes passam a ser suprimidas, os trens suburbanos so abandonados, tornando-se ineditamente mortferos, e os auto-nibus comeam a surgir, servindo principalmente os bairros onde se construam edifcios. Assim, a classe mdia carioca se v impedida de se instalar nos subrbios, confinando-se s regies em que os apartamentos se fazem opo de moradia (GONALVES, pg. 11). Hollywood passa a ser vista, nos anos trinta, como fonte de inspirao para projetos arquitetnicos e de decorao (...) os filmes de Hollywood deram sua contribuio para a transferncia de pores da classe mdia brasileira para os apartamentos, mostrados que eram como confortvel residncia dos personagens de suas histrias, e tambm

contriburam para que esses moradores e aqueles que permaneceram residindo em casas fizessem determinada opo por esta ou aquela moblia, por esta ou aquela disposio dos mveis, inspirados que eram no que viam nos interiores das residncias dos filmes de Hollywood (GONALVES, pg.11).

3.1) Z Carioca Um dos principais agentes dessas polticas e criador de algumas dessas caricaturas, por conta de sua influncia, era Walt Disney (1901-1966), responsvel pelos personagens para cinema mais significativos desse processo (ZAGNI, 2008, pg. 78). O filme Al Amigos, produzido em 1942 por Walt Disney, foi o primeiro dos estdios Disney baseado e estruturado em torno de elementos culturais latinoamericanos. Composto por quatro pequenas partes que exibiam Brasil, Chile, Argentina e Lago Titicaca, o mdia-metragem apresentava ao pblico dois inditos personagens, sendo um deles o papagaio Jos Carioca, arquitetado para simbolizar o brasileiro e suas caractersticas (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 1) Lanado durante o perodo da Segunda Guerra nos anos de 1942 e 1943, respectivamente no Brasil e nos EUA , o filme (Al Amigos) trata da visita do turista Donald s terras sul-americanas, e fruto do interesse poltico de Roosevelt na aliana com a Amrica Latina. Como exposto anteriormente, a aproximao com os pases latino-americanos atravs da formao de laos e semelhanas culturais era crucial para a vitria dos Estados Unidos na guerra, pois seria preocupante se um desses pases cedesse ideologia comunista. Desse modo, tanto o filme Al Amigos! como o segundo filme lanado, de nome Os Trs Cavaleiros, podem ser enquadrados como peas de propaganda da Poltica de Boa Vizinhana (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 3). Durante a anlise flmica verifica-se que o esteretipo do brasileiro foi construdo progressivamente. Aos olhos do turista Pato Donald, seu novo amigo papagaio parece ser um tpico malandro simptico carioca, que adora beber e festejar. As caractersticas imputadas propositalmente ao papagaio foram o samba, a cachaa, o Carnaval e a afetuosidade, elementos com os quais o brasileiro estava familiarizado, isto , comportamentos e atributos que os prprios brasileiros consideravam tipicamente seus (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 14). A exposio do Brasil de forma enaltecedora e simptica tentava reafirmar a poltica de vnculo praticada pelos EUA at ento. Atravs do filme, o governo norte-americano se fazia presente, lembrava o quo importante e prazerosa era a relao entre americanos e brasileiros (ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 14). A tentativa forosa de estreitar laos com os pases latino-americanos produziu no somente um filme com vises deturpadas das culturas apresentadas, mas acabou por criar e reforar uma imagem particular do brasileiro dentro do imaginrio estrangeiro

(ALMEIDA, LIA; MUNEIRO, Llian, 2012, pg. 14). O entusiasmo de Vargas aps a visita de Disney e a disposio que manifestou em cooperar com o projeto de integrao proposto pelos EUA representava possibilidades de cesso das bases pretendidas pela geoestratgia estadunidense em Natal e Fernando de Noronha. Disney ainda se encontrou duas vezes com o diretor do DIP, Lourival Fontes, no Cassino da Urca e na sede do departamento, no Palcio Tiradentes; demonstrando que os agentes do OCIAA conectavam as estratgias culturais dos EUA aos aparelhos de censura na Amrica Latina. De volta aos EUA, em 1942 os estdios Walt Disney apresentam o desenho animado Al amigos!, onde o sisudo Pato Donald transformado em uma espcie de guia turstico por uma viagem Amrica Latina. A viagem fantasiosa o palco da criao do personagem Z Carioca, o papagaio que ao ser colocado como o novo amigo do j clebre Pato Donald edificava no plano simblico as bases para a influncia cultural e poltica dos EUA na Amrica Latina no plano real. Os valores expressos no desenho corroboram a tese de que a produo seguia no s as diretrizes do escritrio, mas tambm a cartilha de recomendaes do DIP. O tom nacionalista assumido na seqncia onde a cultura brasileira reduzida simplificadamente no carnaval carioca e no molejo da baiana, ambientada pela composio de Ari Barroso, Aquarela do Brasil, pea de propaganda por sua vez do Estado Novo (ZAGNI, 2008, pg. 79-80).

4) O papel da imprensa A imprensa brasileira no demorou a aliar-se ao cinema de Hollywood na tarefa de exaltar as qualidades do modo norte americano de ser e de existir. At mesmo antes de 1930 podamos encontrar textos indicando o modo hollywoodiano de fazer filmes como o nico correto e aceitvel, justamente por mostrar um tipo de vida que se adequava ao esquema preconizado pelo American way of life (GONALVES, pg. 7). A revista Selees foi lanada no Brasil em 1942. Era composta por uma coleo de textos de fcil assimilao que celebravam o american way of life (BENETTI, 2010, pg. 7). Tem um texto publicado pela revista Cinearte, em 1930, citado no artigo do Gonalves que pode ser usado. Um cinema que ensina o fraco a no respeitar o forte, o servo a no respeitar o patro, que mostra caras sujas, barbas crescidas, aspectos sem higiene alguma, sordicies e um realismo levado ao extremo, no cinema. Imaginem um casal de jovens que vo assistir um filme norte-americano mdio. Vem l um rapaz de cara limpa, bem barbeado, cabelos penteados, gil, bem cavalheiro. E a moa bonitinha, corpo bem feito, rosto meigo, cabelos modernos, aspecto todo fotognico. Depois h o cmico e o vilo que tambm so higinicos e tambm distintos. E ainda uma fazenda moderna, fotognica, os subordinados se submetem aos seus superiores com alegria e com satisfao, e um ritmo que o ritmo da vida de hoje, gil, leve, moderno ... O parzinho

que assistir o filme comentar que j viu aquilo vinte vezes. Mas sobre seus coraes que sonham, no cair a penumbra de uma brutalidade chocante, de uma cara suja, de um aspecto que tira qualquer parcela de poesia e de encantamento. Essa mocidade no pode aceitar essa arte que ensina a revolta, a falta de higiene, a luta e a eterna briga contra os que tem direito de mandar. Referncia: Cinearte, 18 jun. 1930, apud.: MOURA, Roberto. A Bela poca (Primrdios 1912) Cinema Carioca (1912 1930) in: RAMOS, Ferno (org.) Histria do Cinema Brasileiro. So Paulo: Art, 1987, pp. 56 e 57). Na revista O Cruzeiro, por exemplo, o estmulo cpia da aparncia e do comportamento das estrelas de Hollywood era uma constante (GONALVES, pg. 9). Os homens e mulheres que o pblico brasileiro vislumbrava nos filmes de Hollywood encarnavam o ideal da aparncia humana. No importa se viessem da Sucia ou do Mxico, se vestissem roupas modernas ou trajes do sculo dezoito, ostentavam sempre uma aparncia hollywoodiana e, portanto, norte-americana. Aparncia esta que se universalizava enquanto ideal. Na edio de 25/11/1933 de O Cruzeiro, so construdas duas fotografias, a de um homem e a de uma mulher, chamadas respectivamente de O Homem Ideal e de A Mulher Ideal, formadas a partir de traos retirados de outras fotografias de astros e estrelas de Hollywood (GONALVES, pg.10). A moda produzida para os filmes hollywoodianos tambm ocupava as pginas da imprensa brasileira. Fotos dos trajes utilizados nos filmes eram publicadas antes das estrias, os grandes estdios promoviam desfiles dos figurinos que precediam a exibio dos filmes, e seus figurinistas assinavam artigos nos quais davam conselhos sobre moda, descreviam seu processo de criao ou apresentavam modelos de sua autoria (GONALVES, pg. 10). (...) o material publicado em O Cruzeiro no decorrer da dcada nos trazem evidncias de que muito desta presena se deveu insero do cinema norte-americano no pas, ao contedo de seus filmes e a todo um esquema industrial e mercadolgico montado que, mesmo talvez visando apenas a obteno de lucros e vantagens econmicas, acabou transplantando para a nossa sociedade toda uma cultura, um modo de vida estrangeiro que, desde ento, foi se fazendo cada vez mais familiar a ns, brasileiros (GONALVES, pg. 12).

5) O apoio do DIP O OCIAA recebia colaborao do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), como rgo de apoio na sua ao no Brasil. Citando Letcia Pinheiro (As Relaes Culturais Brasil-EUA - 1940-1946), Souza lembra que, apesar das relaes estreitas entre o DIP e o OCIAA, nem sempre elas foram suaves. A agncia americana evitava enviar filmes para o Brasil com crticas ao regime alemo, que pudessem ser associadas ao governo brasileiro. Houve cortes,

por exemplo, no filme Prelude of War em cenas que mostravam o fechamento do Legislativo e a censura imprensa, o que ocorria no Brasil da poca (SOUZA, 2003, pg. 133). O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) colaborou estreitamente com o OCIAA, chegando a ceder parte do tempo do programa a Voz do Brasil para divulgar notcias sobre a guerra e os Estados Unidos. Mas a entrada dos Estados Unidos no Brasil no foi uma via de mo nica. Vargas tambm tirou proveito da Poltica de Boa Vizinhana para divulgar naquele pas uma imagem positiva do Brasil e, especialmente, de nossos produtos, como o caf. O governo brasileiro chegou a patrocinar noticirios de rdio para falar do nosso mangans, quartzo, ao, reserva de ferro, indispensveis vitria contra o Eixo. Os Estados Unidos precisavam de nossa matria-prima. O Brasil precisava dos produtos manufaturados norte-americanos. Justificava-se, assim, a cooperao, cujo objetivo era impedir a expanso do nazismo sobre o continente. Os programas de rdio que veiculavam a Poltica de Boa Vizinhana faziam referncias diretas a essa solidariedade: sempre que voc tomar um caf brasileiro, voc estar comprando a Poltica de Boa Vizinhaa, repetiam os comentaristas do noticirio News of the World, em 1940 (MARTES, 2001). As origens do Departamento e Imprensa e Propaganda remontam a um perodo anterior ao Estado Novo. Em 1934 Getlio Vargas j defendera a necessidade do governo associar rdio, cinema e esportes em um sistema articulado de educao mental, moral e higinica. Esta idia comeou a se concretizar no ano seguinte, quando o primeiro escalo do governo se reuniria para fazer uma avaliao da represso Intentona Comunista. Nesta reunio, seriam lanadas duas sementes de rpida frutificao: o DIP e o Tribunal de Segurana Nacional. Criado pelo decreto presidencial de dezembro de 1939, o DIP, sob direo de Lourival Fontes, viria materializar toda a prtica propagandista da poltica cultural do governo. A entidade abarcava os seguintes setores: divulgao, radiofuso, teatro, cinema, turismo e imprensa (MESQUITA, 2002, pg.74). Vale ressaltar que apesar da importante ao do OCIAA e, mais especificamente da Diviso Cinematogrfica, e a despeito do carter assimtrico da relao BrasilEUA sem o contato, a colaborao e a cooperao do DIP, o sucesso da propaganda cultural do OCIAA no Brasil atravs do cinema no teria alcanado tamanho xito (MESQUITA, 2002, pg. 75). (...) as propostas do DIP iro servir de material ao Projeto Disney que trabalhou em conjunto com o OCIAA na produo de filmes educativos, em meados de 1942, no Brasil. Aparentemente o sucesso alcanado pelo projeto Disney no Brasil teve como um dos condicionantes os contatos realizados entre o DIP e o OCIAA neste perodo. Assim sendo, um dos projetos mais bem sucedidos, o filme Al Amigos, expressa as bases de um relacionamento mais estreito de cooperao refletindo uma troca mtua de interesses entre governos (MESQUITA, 2002, pg. 87).

No espectro poltico as correspondncias diplomticas que circularam nos primeiros anos de guerra, entre EUA e Brasil, denunciavam uma extrema preocupao com a opinio pblica latino-americana, instruindo-se o governo brasileiro a adoo de medidas coercitivas a qualquer tipo de crtica que fosse feita poltica estadunidense (ZAGNI, 2008, pg. 72). O aparelho estatal de controle imprensa, rdio e cinema brasileiros, o DIP do Estado Novo, deveria estar desta forma alinhado s polticas dos EUA, como um instrumento fundamental da aproximao que se pretendia entre seus governos (ZAGNI, 2008, pg. 73). A atuao ostensiva do OCIAA se deu com o apoio do DIP, que passaria a funcionar como uma espcie de continuao do escritrio no Brasil, promovendo desde um intenso controle imprensa e sua converso para a exaltao dos valores estadunidenses, at a elaborao de cartilhas escolares e a implementao da obrigatoriedade do ensino do idioma ingls nas escolas. A diviso de cinema, bem como as demais divises que lidavam com informaes e comunicaes, tinha como diretriz a elaborao e difuso de imagens agradveis associadas a tudo o que viesse dos EUA (ZAGNI, 2008, pg. 74). O perodo da Segunda Guerra Mundial foi fundamental para a consolidao da indstria cinematogrfica estadunidense como lder do mercado cinematogrfico mundial. No apenas isso, sua instrumentalizao poltica no contexto da guerra fez difundir valores e imagens de modernizao, resultando nos pases perifricos a implementao de modernizaes abstratas e um estado catatnico de estupefao. Estava inaugurado o perodo de imperialismo cultural, mas que no havia sido extirpado de sua dimenso poltica e econmica (ZAGNI, 2008, pg. 90).

6) American way of life no ps-guerra Apesar dos focos de resistncia sua ao, o OCIAA conseguiu erradicar a influncia do Eixo no Brasil e sedimentar o discurso pan-americanista da solidariedade continental. Terminada a guerra, o governo dos Estados Unidos encerrou as atividades da agncia, deixando a cargo embaixada americana no Brasil a conduo de algumas de suas atividades (CPDOC). Segundo Gustavo Biscaia de Lacerda, em Modelos de relacionamento interamericanos entre o Brasil e os EUA: a Operao Panamericana e a Aliana para o Progresso (autor citado no artigo do Arraes), com o trmino da Guerra, os Estados Unidos passaram a assumir a responsabilidade de organizar e manter regras internacionais de convivncia, numa atuao global e no mais regional, e tiveram de lidar no apenas com os pases subdesenvolvidos da Amrica ibrica, mas tambm com as potncias econmicas e militares mundiais, como a Unio Sovitica.

Se antes e mesmo durante o conflito mundial o germanismo era a ameaa hegemonia poltica e cultural estadunidense no continente americano, no ps-guerra isso ficar a cargo do bloco sovitico e a possvel expanso do comunismo pelos pases do chamado Terceiro Mundo, sendo ento os novos inimigos a se combater (ARRAES, 2010, pg. 3). Com a formao do bloco sovitico e a diviso do mundo em zonas de influncia que o discurso anticomunista inaugura uma nova poltica de segurana nacional estadunidense. (...) o alinhamento brasileiro aos estadunidenses e paradigmatizao de seu modo de vida, hasteando a bandeira da democracia e liberdade, se ia contra os caminhos tomados pela poltica autoritria nacional, por outro lado, encaixavase perfeitamente no cenrio de medo e rechao ao regime comunista, que vinha demonstrando sua fora internacionalmente e foi tomado por ambos os pases como o outro, o inimigo que devia ser eliminado (ARRAES, 2010, pg. 6). No Brasil, essas modificaes se fazem claramente perceptveis a partir da dcada de 50. Esse foi um perodo em que se verificou sensveis transformaes no pas possibilitadas pela intensa industrializao, sobretudo, na segunda metade da dcada, que, trouxe consigo, um acelerado ritmo de urbanizao e de crescimento populacional nas cidades. Tal fato iria refletir-se nos meios de comunicao de massa, que avanaram no ritmo da dana desenvolvimentista, fazendo surgir as primeiras transmisses televisivas e renovando a forma de se fazer imprensa (ARRAES, 2010, pg. 4). Vencida a etapa inicial da difuso dos valores culturais e do modo de vida estadunidense com a atuao do OCIAA, esse mecanismo precisou adaptar-se s novas conjunturas globais do ps-guerra, passando a funcionar, em grande medida, atravs do consumo. Os mercados dinamizavam-se aps um longo inverno de necessidades e escassez de produtos bsicos nas prateleiras, voltando-se agora para uma nova fatia que surgia: os artigos suprfluos. Os mais abastados, que, mesmo com condies financeiras no possuam a sua disposio grande variedade produtos para comprar durante o conflito internacional, com o fim deste tiveram o desejo de consumir ampliado e diversificado, abrindo um novo setor a ser desenvolvido pela indstria em recuperao. Assim, os meios de comunicao sofrero reestruturaes para adequar-se vida mais acelerada e de escala global (ARRAES, 2010, pg. 7). nesse sentido que, partindo de um ideal de liberdade, de poder ser quem se quiser ser, a propaganda Yankee fazia acreditar que a aquisio de determinados objetos tornaria as pessoas mais livres e mais felizes, no princpio do a felicidade bate sua porta. Ao consumir determinados produtos, as pessoas no estavam adquirindo apenas seu valor de uso, ou mesmo de troca, mas tambm um valor simblico e, com ele, uma cultura aliada a esse produto. Em outras palavras, era como se as pessoas estivessem consumindo o modo de vida estadunidense e aquela cultura que se representava atravs dos objetos (ARRAES, 2010, pg.7).

Desta forma, se o consumo no vai possuir um papel-chave na difuso do modo de vida americano, no ps-guerra, principalmente a partir dos anos 50, ele muda de posio. nesse momento que o pas adota o modelo de desenvolvimento pautado na industrializao e que novos produtos so inseridos no mercado brasileiro tambm sob novas formas de propaganda (ARRAES, 2010, pg. 8). 7) Imperialismo americano hoje Os impactos das relaes culturais entre o Brasil e os EUA acontecem pela influencia do cinema norte-americano na autonomia do Estado brasileiro durante a segunda metade dos anos 1980. No governo Sarney o Brasil tentou manter distncia dos EUA e fazer valer sua autonomia, mas a indstria cinematogrfica brasileira estava sendo abandonada enquanto os filmes norte-americanos j estavam sendo exibidos com muito sucesso nos cinemas brasileiros. O contexto mundial era de mudanas polticas, econmicas e sociais e o Brasil se enquadrava nessa ordem global, como o fim da ditadura militar e, externamente, o fim da Guerra Fria e os processos da globalizao (DAVI, 2010). Relaes diplomticas, como a criao do Conselho Interamericano de Cultura, permitiram a difuso de valores que correspondem mais aos interesses do governo e das empresas culturais norte-americanas. Penetrao ideolgica o termo usado para exemplificar esse processo de relao e problemas culturais que vem se intensificando ao longo das dcadas: cultura e estilo de vida norte-americano cada vez mais presente no meio da sociedade brasileira. Tudo comea com os ideais norteamericanos da poltica da boa vizinhana da dcada de 1940, que implantaria um convvio harmnico e respeitoso entre os pases do continente valendo-se da troca de mercadorias, valores e bens culturais entre EUA, os pases da Amrica Latina e em especial, o Brasil. Era bvia a divergncia de recursos entre os dois pases. Um modelo diplomtico estratgico para penetrar nos pases e ento domin-los ideologicamente j que EUA queria ser a superpotncia e retomar sua posio no sistema internacional. (DAVI, 2010). Atualmente vemos, aceitamos, absorvemos, gostamos, somos atrados pelos diversos produtos culturais norte-americanos, quer sejam eles representados pela alimentao, vocabulrio, moda, msica, filmes, livros, no ensino, na linguagem da propaganda dos meios de comunicao e at mesmo na formao acadmica que acaba por interferir no cenrio poltico, social e econmico das relaes internacionais. Podemos citar aqui tambm como exemplo o jornalismo (impresso, de televiso, radiofnico, virtual) que seguiu o mesmo modelo norte-americano. Sem dvida, a expanso cultural norteamericana a mais influente do mundo desde a metade da dcada de 1980 (DAVI, 2010). O Brasil vivia um momento de desafios conjunturais, principalmente aps a ditadura militar, ligados rea da cultura diretamente relacionados s desigualdades sociais, marginalizando a cultura e a educao. Segundo Fbio Cristian Davi, isso no promoveu a criatividade e sim problemas culturais como mimetismo cultural e ao

transplante de cultura, a populao passa a copiar ideias, modas e produtos culturais estrangeiros (DAVI, 2010). Os filmes eram vistos como um discurso transcodificado, como um meio de reproduzir as lutas sociais existentes, de revelar assim posies polticas especficas, de temas controversos, como guerra, classe, sexo, raa, capitalismo, Estado e principalmente a poltica interna e externa norte-americana. Os filmes podem construir e desconstruir opinio. E a inteno era modelar vises, mostrar aos telespectadores o que certo e errado, moral e imoral de forma imperialista, colonizadora e civilizadora dos produtores das mensagens (DAVI, 2010). O cinema s mais um dos meios tecnolgicos para a penetrao ideolgica. Dentre os filmes lanados, Davi usa como exemplo o quarto filme da franquia Rocky (lanado em 1985 e dirigido pelo ator Silvester Stalone) que transcodifica o conflito da Guerra Fria de forma tendenciosa, com forte inclinao poltico propagandista (DAVI, 2010). Para Carvalho, so fatores preponderantes do problema cultural o papel predador das nossas elites e o imperialismo norte-americano. exemplo o golpe militar claramente intencionado pelos EUA para interferir na poltica cultural que se desenvolvia de acordo com as necessidades do pas. Entretanto, ao longo dos anos, sua disseminao se tornou muito mais agressiva aos olhos dos intelectuais que se calam (CARVALHO, 1996). Segundo o professor do Departamento de Antropologia da UnB, o cinema e a msica so o termmetro da situao cultural presente. Mais de 90% dos filmes exibidos pela TV brasileira so estrangeiros, as musicas internacionais so veiculadas em grande escala na maioria das rdios, os jornais sempre do relevncia a notcias estadunidenses mesmo que sem importncia. Isso por qu? (CARVALHO, 1996). O que fica claro o seguinte: toda a massiva mdia norte-americana que aqui chega revistas, posters, discos, desenhos animados, filmes, notcias, documentrios, seriados, etc. entra por acordos que na verdade so formas de coero (CARVALHO, 1996, pg. 64). Ele afirma que os produtos culturais brasileiros so taxados, j os produtos norteamericanos vendidos aqui circulam pelo pas livremente sem nenhuma taxa de imposto. Prova disso foi a discusso chamada Lei da Msica que tinha como tentativa forar as empresas norte-americanas a pagar impostos, mas a tal lei foi embargada pela prpria mdia nacional. Obviamente, esse imperialismo cultural uma via, no de mo dupla, mas construda a quatro mos. O fechamento do espao democrtico no Brasil interessa tanto ao imprio quanto colnia (CARVALHO, 1996, pg.70). (Acho o texto do Carvalho bem carregado ideologicamente, preciso ter cuidado ao usar alm disso, da dcada de 90. Se no me engado, a questo da Lei da Msica mudou recentemente - Marlen).

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