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SARTRE

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Jean-Paul Charles Aymard Sartre

• Vida

Jean-Paul Charles Aymard Sartre nasceu no dia 21 de junho de 1905 em


Paris, França. Morreu no dia 15 de abril de 1980, no mesmo local.
Sartre era filósofo, escritor, crítico e representante do existencialismo.
[Nota: O existencialismo considera cada homem como um ser único, mestre dos seus
atos e destino. Também afirma o primado da existência sobre a essência, onde define
Sartre: “A existência procede e governa a essência”].
Também foi um artista militante, e com sua vida e obra, apoiou causas
políticas esquerdistas.
[Curiosidade: EM 1964, se recusou a receber o Prêmio Nobel de Literatura, pois
repeliu as distinções e as funções oficiais.].
Suas influencias eram Victor Hugo, Flaubert, Mallarmé, Corneille,
Maupassant e Goethe junto dos quadrinhos e romances de aventura. Sartre
considerava serem essas suas "verdadeiras leituras", uma vez que a leitura
dos clássicos era feita por obrigação educacional. A essas influências, junta-se
o cinema, que freqüentava com sua mãe e que mais tarde se tornaria um de
seus maiores interesses.
Começou a escrever logo na infância, para mostrar-se precoce. Suas
primeiras histórias eram cópias de romances de aventura, em que apenas
alguns nomes eram alterados, mas ainda assim faziam sucesso entre os
familiares. Era incentivado pela mãe, pela avó, pelo tio (que até o presenteou
com uma máquina de escrever) e por uma professora (que via nele a vocação
de escritor profissional). Aos poucos, o jovem Sartre passou a encontrar sua
verdadeira vocação na escrita. [Relato: Essa historia foi relatada por Sartre em seu
livro “Les mots”, em português “As palavras”, sua Autobiografia lançada em 1964].
Sartre, que sempre viveu uma vida tipicamente burguesa, mudou-se para
uma cidade litorânea, onde entrou em contato pela primeira vez com
imigrantes árabes, chineses e negros. Mais tarde ele reconheceria esse período
como a raiz de seu anticolonialismo e o início do abandono dos valores
burgueses.
Durante a preparação para prestar pela segunda vez seu mestrado, Sartre
conhece Simone de Beauvoir, que se tornou sua companheira tanto amorosa
como intelectualmente. Após o termino de seu curso de filosofia, fez serviço
militar em Tours, como meteorologista.
Nos anos que precederam a grande guerra, Sartre lecionou. Entre 1931 e
1933, no Liceu do Havre; em 1933-34 esteve em Berlim, estudando
fenomenologia. De 1934 a 1939 continuou no Liceu do Havre passando depois
para Neuilly-sur-Seine.

• Obras

De volta à França, entre 1935 e 1939 escreve “L'Imagination” (A


Imaginação), “L'Imaginaire” (O Imaginário) e “Esquisse d'une théorie des
émotions” (Esboço de uma teoria das emoções). Volta então suas pesquisas
para Heiddegger e começa a escrever “L´Être et le néant” (O ser e o nada).
Na Alemanha, Sartre iniciou a redação de "Melancolia", romance recusado
pelos editores e mais tarde publicado com o título “La Nausée” (A Náusea), que
apresenta, em forma de ficção, o tema da contingência e torna-se seu primeiro
sucesso literário, o que contribui para o início da influência de Sartre na cultura
francesa e no surgimento da moda existencialista que dominou Paris na década
de 1940.
- Influências: No período de um ano passado em Berlim, Sartre estudou a
fenomenologia do filosofo alemão Edmund Husserl, as teorias do
existencialismo de Heidegger e Karl Jasper e a filosofia de Max Scheller. A
partir desses autores, chegou a Soren Kierkegaard.
Durante os anos que lecionou no Havre, Sartre publicou suas primeiras
obras, "A Imaginação" e "A Transcendência do Ego". Nelas, a começar por
“L'Imagination” (1936 - A Imaginação), explora o método fenomenológico de
Husserl, que propõe a descrição dos objetos como fenômenos mentais sem
qualquer idéia preconcebida ou preconceituosa. Porém, foi a publicação do La
Nausée (1938 - "A Náusea") que lhe trouxe fama. Esse romance, escrito em
forma de um diário, revela os sentimentos de repugnância do personagem
Roquentin, em relação ao mundo material inclusive pela consciência de seu
próprio corpo. O romance contem em suas páginas grande parte das posições
filosóficas que Sartre continuaria depois a desenvolver. Seu herói, Antoine
Roquentin, desocupado, duvidoso de si mesmo, vive sozinho, sem amigos, sem
amante, nada lhe importando, nem os outros homens, nem ele mesmo,
descobre, na vida monótona de Bouville, o mistério metafísico do Ser: o
mundo não tem nenhuma razão de existir e é absurdo que exista. "Tudo é
gratuito, a jardim, esta cidade, e eu mesmo; quando acontece da gente se dar
conta disso, isso atinge a cabeça e tudo começa a flutuar; eis a náusea". Em A
'Náusea, Sartre parece bastante próximo de Heidegger.
No ano seguinte, publicou "O Muro" (1939), uma coletânea de contos, e o
ensaio Esquisse d'une théorie des émotions (1939 - "Esboço de uma teoria das
Emoções"). O muro tem por personagem Pablo Ibietta, é uma denuncia do
regime do ditador Franco, da Espanha, sob cujo poder o personagem Pablo
Ibietta é preso e torturado. No ano seguinte publicou L'Imaginaire: Psychologie
phénoménologique de l'imagination (1940 - "O Imaginário: Psicologia
fenomenológica da Imaginação"), um ensaio.
“Les mouches” (As moscas – lançado em 1943 no teatro),“L'être et le néant”
(O ser e o nada, lançado em 1943 como tratado filosófico), “Réflexions sur la
question juive” (Reflexões sobre a questão judaica, lançado em 1943 como
ensaio político), “Huis-clos” (Entre quatro paredes, lançado em 1945 no
teatro), “Les Chemins de la liberte” (Os Caminhos da Liberdade – trilogia que
compreende:

• “L'age de raison” (A idade da razão - romance lançado em 1945);


• “Le sursis” (Sursis - romance lançado em 1947);
• “La mort dans l'Âme” (Com a morte na alma - romance lançado em
1949);
“Morts sans sépulture” (Mortos sem sepultura, lançado em 1946 no teatro),
“L'Existentialisme est un humanisme” (O existencialismo é um humanismo),
transcrição de uma conferência proferida em 1946 - Texto posteriormente
rejeitado por Sartre, “La putain respectueuse” (A puta respeitosa - lançado em
1946 no teatro), “Qu'est ce que la littérature?” (O que é a literatura? - ensaio
lançado em 1947), “Baudelaire” – lançado em 1947, “Les jeux sont faits” (Os
dados estão lançados - romance lançado em 1947), “Situations” (Vários
volumes que reúnem ensaios políticos literários e filosóficos lançado de 1947 a
1965), “Les mains Sales” (As mãos sujas - lançado no teatro em 1948),
“L'Engrenage” (A engrenagem - lançado em 1948 no teatro), “Orphée noir”
(Orfeu negro - lançado em 1948 no teatro), “Le diable et le bon dieu” (O diabo
e o bom Deus - lançado em 1951 no teatro), “Saint Genet, comédien et
martyr” (Saint Genet, ator e mártir - biografia de Jean Genet lançado em
1952), “Les séquestrés d'Altona” (Os seqüestrados de Altona - lançado em
1959), “Critique de la raison dialectique - Tome I: théorie des ensembles
pratiques” (Crítica da razão dialética, Tomo I - tratado filosófico lançado em
1960), “Les mots” (As palavras - Autobiografia lançado em 1964), “L'idiot de la
famille - Gustave Flaubert de 1821 à 1857” (O idiota de família - biografia
inacabada de Gustave Flaubert. Apenas dois dos quatro volumes planejados
foram escritos – um lançado em 1971 (Vol I) e outro lançado em 1972 (vol
II)).

• Filosofia:

"O Ser e o Nada" tornou-se, como dito, a obra fundamental da teoria


existencialista. Nele está contida praticamente toda a filosofia de Jean-Paul
Sartre, cujos principais tópicos são comentados abaixo. Porém, Sartre
apresentou o seu existencialismo de uma forma muito mais clara e breve em
"O Existencialismo é um Humanismo", uma conferência dada em Paris em
1945. Seus seguidores, no entanto, alegam que, nesse ensaio, sua abordagem
do assunto é popular e superficial, e não se pode confiar nela como uma
exposição do seu pensamento. Mas é importante lembrar que Sartre não é o
fundador do existencialismo. O pensador cristão dinamarquês Kierkegaard é
geralmente considerado como o primeiro existencialista moderno.

• O existencialismo de Sartre

Baseado principalmente na fenomenologia de Husserl e em 'Ser e Tempo' de


Heidegger, o existencialismo sartriano procura explicar todos os aspectos da
experiência humana. A maior parte deste projeto está sistematizada em seus
dois grandes livros filosóficos: O ser e o nada e Crítica da razão dialética.

- O Em-si

Segundo a fenomenologia e o existencialismo, o mundo é povoado de seres


“Em-si”. Podemos entender um “Em-si” como qualquer objeto existente no
mundo e que possui uma essência definida. Uma caneta, por exemplo, é um
objeto criado para suprir uma necessidade: a escrita. Para criá-lo, parte-se de
uma idéia que é concretizada, e o objeto construído enquadra-se nessa
essência prévia.
Um ser “Em-si” não tem potencialidades nem consciência de si ou do mundo.
Ele apenas é. Os objetos do mundo apresentam-se à consciência humana
através das suas manifestações físicas (fenômenos).

- O Para-si

A consciência humana é um tipo diferente de ser, por possuir conhecimento a


seu próprio respeito e a respeito do mundo. É uma forma diferente de ser,
chamada “Para-si”.
É o “Para-si” que faz as relações temporais e funcionais entre os seres “Em-si”,
e ao fazer isso, constrói um sentido para o mundo em que vive.
O Para-si não tem uma essência definida. Ele não é resultado de uma idéia
pré-existente. Como o existencialismo sartriano é ateu, ele não admite a
existência de um criador que tenha predeterminado a essência e os fins de
cada pessoa. É preciso que o Para-si exista, e durante essa existência ele
define, a cada momento o que é sua essência. Cada pessoa só tem como
essência imutável, aquilo que já viveu. Posso saber que o que fui se definiu por
algumas características ou qualidades, bem como pelos atos que já realizei,
mas tenho a liberdade de mudar minha vida deste momento em diante. Nada
me compete a manter esta essência, que só é conhecida em retrospecto.
Podemos afirmar que meu ser passado é um “Em-si”, possui uma essência
conhecida, mas essa essência não é predeterminada. Ela só existe no passado.
Por isso se diz no existencialismo que "a existência precede e governa a
essência". Por esta mesma razão cada Para-si tem a liberdade de fazer de si o
que quiser.

• Socialismo

Sartre rompeu com o socialismo e a psicanálise considerando o quanto o


Existencialismo se opõe à teoria psicanalítica. A submissão ao inconsciente
significaria cerceamento da liberdade. O mesmo diz do socialismo. Depois de
renunciar ele mesmo ao comunismo, denunciou que o planejamento social
implica restrição ou perda total da liberdade. Os existencialistas acreditam na
capacidade de todo indivíduo de escolher as suas atitudes, objetivos, valores e
formas de vida e seu postulado de liberdade representa obstáculo
intransponível ao conformismo requerido pelo planejamento socialista e sua
negação da individualidade em favor do social e coletivo.
Posteriormente Sartre adotou uma forma de marxismo que ele considerava
como a "filosofia inescapável do nosso tempo", que só precisava ser
refertilizada pelo existencialismo. Esta mudança de ponto de vista encontra-se
na sua "Crítica da Razão Dialética", volume I, de 1960.

• Liberdade em Sartre
Sartre defende que o homem é livre e responsável por tudo que está à sua
volta. Somos inteiramente responsáveis por nosso passado, nosso presente e
nosso futuro. Em Sartre, temos a idéia de liberdade como uma pena, por assim
dizer. "O homem está condenado a ser livre". Se, como Nietzsche afirmava, já
não havia a existência de um Deus que pudesse justificar os acontecimentos, a
idéia de destino, tal como descrita pelo cristianismo, passava a ser
inconcebível, sendo então o homem o único responsável por seus atos e
escolhas. Para Sartre, nossas escolhas são direcionadas por aquilo que nos
aparenta ser o bem, mais especificamente por um engajamento naquilo que
aparenta ser o bem e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras
palavras, para o autor, o homem é um ser que "projeta tornar-se Deus".
Segundo o comentário de Artur Polônio, "se a vida não tem, à partida, um
sentido determinado […], não podemos evitar criar o sentido de nossa própria
vida". Assim, "a vida nos obriga a escolher entre vários caminhos possíveis,
mas nada nos obriga a escolher uma coisa ou outra". Assim, dentro dessa
perspectiva, recorrer a uma suposta ordem divina representa apenas uma
incapacidade de arcar com as próprias responsabilidades.
O principal em Sartre é o fato de negar por completo o determinismo. Afinal
de contas, não é Deus, nem a natureza, tampouco a sociedade que nos define,
que define o que somos por completo ou nossa conduta. Somos o que
queremos ser, o que escolhemos ser; e sempre poderemos mudar o que
somos, o quem irá definir. Os valores morais não são limites para a liberdade.
Em Paris, sob o domínio alemão, Sartre pôde utilizar suas referências para a
liberdade. Organizava-se a Resistência Francesa. Sartre desejava participar do
movimento, mas agindo a sua maneira. Não chegou a pegar no fuzil. Sua arma
continuava sendo a palavra. Nesta circunstância, o teatro parecia-lhe o
instrumento mais adequado para atingir o público e transmitir sua mensagem.
Assim surgiu a primeira peça teatral de Sartre, As Moscas, encenada em 1943.
Animado pelo êxito de sua primeira experiência, em 1945 Sartre volta à cena
com a peça Entre Quatro Paredes, cujos personagens vivem os grandes
problemas existenciais que o autor aborda em sua filosofia.

• Limitação da liberdade

A liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas está sujeita às limitações


do próprio homem. Esta autonomia de escolha é limitada pelas capacidades
físicas do ser. Para Sartre, porém, estas limitações não diminuem a liberdade,
pelo contrário, são elas que tornam essa liberdade possível, porque
determinam nossas possibilidades de escolha, e impõem, na verdade, uma
liberdade de eleição da qual não podemos escapar.

• A existência, a responsabilidade e a má-fé

Segundo Raymond Plant, em seu livro “Política, Teologia e História”, o


argumento de que a essência precede a existência implica a necessidade de um
criador; assim, quando um objeto vai ser produzido (um martelo, uma caneta,
uma máquina), ele obedece a um plano pré-concebido, que estabelece sua forma,
suas principais características e sua função, ou seja, ele possui um propósito
definido, uma essência que define sua forma e utilidade, e precede a sua
existência. Sendo Sartre um representante do existencialismo ateu, ele defende
que há um ser onde essa situação se inverte, e a existência precede a essência: o
ser humano. Assim, seria o próprio homem o definidor de sua essência, e não
Deus, como advogava o existencialismo cristão.
Em sua conferência "O existencialismo é um humanismo", Sartre afirma que
o ser humano é o único nesta condição; nós existimos antes que nossa
essência seja definida. Esse seria um dos preceitos básicos do Existencialismo.
Assim, o autor nega a existência de uma suposta "essência humana" (pré-
concebida), seja ela boa ou ruim. As nossas escolhas cabem somente a nós
mesmos, não havendo, assim, fator externo que justifique nossas ações. O
responsável final pelas ações do homem é o próprio homem.
Nesse sentido, o existencialismo sartriano concede importante relevo a
responsabilidade: cada escolha carrega consigo a obrigação de responder pelos
próprios atos, um encargo que torna o homem o único responsável pelas
conseqüências de suas decisões. E cada uma dessas escolhas provoca
mudanças que não podem ser desfeitas, de forma a modelar o mundo de
acordo com seu projeto pessoal. Assim, perante suas escolhas, o homem não
apenas torna-se responsável por si, mas também por toda a humanidade.
Essa responsabilidade é a causa da angústia dos existencialistas. Essa
angústia decorre da consciência do homem de que são as suas escolhas que
definirão a sua essência, e mais, de que essas escolhas podem afetar, de
forma irreversível, o próprio mundo. A angústia, portanto, vem da própria
consciência da liberdade e da responsabilidade em usá-la de forma adequada.
Sartre nega, ainda, a suposição de que haja um propósito universal, um
plano ou destino maior, onde seríamos apenas atores de um roteiro definido.
Isto implica a constatação de que apenas nós mesmos definimos nosso futuro,
através de nossa liberdade de escolha. Porém, Sartre não se restringe em
"justificar" a angústia dos existencialistas, fruto da consciência de sua
responsabilidade, mas vai além, e acusa como má-fé à atitude daqueles que
não procedem de tal forma, renunciando, assim, a própria liberdade.
De acordo com o autor, a má-fé é uma defesa contra a angústia criada pela
consciência da liberdade, mas é uma defesa equivocada, pois através dela nos
afastamos de nosso projeto pessoal, e caímos no erro de atribuir nossas
escolhas a fatores externos, como Deus, os astros, o destino, ou outro. Nesse
sentido, Sartre considerava também a idéia freudiana de inconsciente como
um exemplo de má-fé.
Podemos dizer, então, que para os existencialistas a má-fé compreendia a
mentira para si próprio, sendo imprescindível para o homem abandonar a má-
fé, passando então a condição de ser consciente e responsável por suas
escolhas. Ao fazer isso, o homem passa, invariavelmente, a viver num estado
de angústia, pois deixa de se enganar, mas em compensação retoma a sua
liberdade em seu sentido mais pleno.

• O outro
As outras pessoas são fontes permanentes de contingências. Todas as escolhas
de uma pessoa levam à transformação do mundo para que ele se adapte ao
seu projeto. Mas cada pessoa tem um projeto diferente, e isso faz com que as
pessoas entrem em conflito sempre que os projetos se sobrepõem. Mas Sartre
não defende, como muitos pensam, o solipsismo. O homem por si só não pode
se conhecer em sua totalidade. Só através dos olhos de outras pessoas é que
alguém consegue se ver como parte do mundo. Sem a convivência, uma
pessoa não pode se perceber por inteiro. "O ser Para-si só é Para-si através do
outro", idéia que Sartre herdou de Hegel. Cada pessoa, embora não tenha
acesso às consciências das outras pessoas, pode reconhecer neles o que têm
de igual. E cada um precisa desse reconhecimento. Por mim mesmo não tenho
acesso à minha essência, sou um eterno "tornar-me", um "vir-a-ser" que
nunca se completa. Só através dos olhos dos outros posso ter acesso à minha
própria essência, ainda que temporária. Só a convivência é capaz de me dar a
certeza de que estou fazendo as escolhas que desejo. Daí vem a idéia de que
"o inferno são os outros", ou seja, embora sejam eles que impossibilitem a
concretização de meus projetos, colocando-se sempre no meu caminho, não
posso evitar sua convivência. Sem eles o próprio projeto fundamental não faria
sentido.

• Críticas ao existencialismo sartriano

O existencialismo ateísta de Sartre, por sua natureza avessa aos dogmas da


igreja e da moral constituída, atraiu muitos grupos que viam na defesa da
liberdade e da vida autêntica um endosso à vida desregrada - obviamente, por
um erro na compreensão do que há de essencial na concepção de liberdade
elaborada pelo filósofo francês. Por razões semelhantes foi vista por muitos
como uma filosofia nociva aos valores da sociedade e à manutenção da ordem.
Seria uma filosofia contra a humanidade. Esta é uma das razões porque toda a
obra de Sartre foi incluída no Index de obras proibidas pela Igreja Católica.
Sartre responde a isso na conferência "O existencialismo é um humanismo" em
que afirma que o existencialismo não pode ser refúgio para os que procuram o
escândalo, a inconseqüência e a desordem. O movimento, segundo este texto,
não defende o abandono da moral, mas a coloca em seu devido lugar: na
responsabilidade individual de cada pessoa. O existencialismo reconhece,
assim, a possibilidade de uma moral laica em que os valores humanos existem
sem a necessidade da existência de Deus. A moral existencialista pretende que
as escolhas morais não sejam determinadas pelo medo da punição divina, mas
pela consciência da responsabilidade.
No meio acadêmico, o existencialismo foi criticado por tratar exclusivamente
de questões ontológicas, e por sua defesa da autodeterminação. O
existencialismo seria uma filosofia excessivamente preocupada com o
indivíduo, sem levar em conta os fatores sócio-econômicos, culturais e os
movimentos históricos coletivos que, segundo o marxismo e o estruturalismo,
determinam as escolhas e diminuem a liberdade individual.
Em resposta a esta crítica, Sartre fez alterações ao seu sistema, e escreveu
"A crítica da razão dialética" como tentativa de compatibilizar o existencialismo
ao marxismo. Dos dois tomos planejados, apenas o primeiro foi publicado em
vida em 1960. O segundo tomo, inacabado, foi publicado postumamente.
Neste texto, afirma que "o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo",
e admite que enquanto a humanidade estiver limitada por leis de mercado e
pela busca da sobrevivência imediata, a liberdade individual não poderia ser
totalmente alcançada.
Não se pode negar sua duradoura influência sobre os mais variados ramos
do conhecimento humano. Por ser muito voltado à discussão de aspectos
formadores da personalidade humana, o existencialismo exerceu influência na
psicologia de Carl Rogers, Fritz Perls, R. D. Laing e Rollo May. Na literatura,
influenciou a poesia da Geração Beat, cujos maiores expoentes foram Jack
Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs, além dos dramaturgos do
chamado “Teatro do absurdo”. Sartre prova sua relevância até na TV
contemporânea, onde o cultuado produtor Joss Whedon costuma inserir o
existencialismo em seus projetos Buffy, a Caça Vampiros, Angel e Firefly - o
que, através da repetição descontextualizada dos jargões existencialistas,
acaba por contribuir para a incompreensão e reforça preconceitos já
existentes. Através de suas contribuições à arte, Sartre conseguiu inserir a
filosofia na vida das pessoas comuns. Esta continua a ser sua maior
contribuição à cultura mundial.

• Obras póstumas

- Carnets de la drôle de guerre (Diário de uma guerra estranha), Diário escrito


entre setembro de 1939 e março de 1940 - 1983. Reedição ampliada em 1995.
- Cahiers pour une morale (Cadernos por uma moral). Esboço inacabado de
uma teoria moral existencialista preconizada em O ser e o nada. Escrito em
1947 e 1948 - 1983.
- Lettres au Castor et à quelques autres. Dois volumes abarcando
correspondência de 1926 a 1963. Organizado por Simone de Beauvoir –1983
- Le scènario Freud (Freud, além da alma), Roteiro do filme de John Huston
realizado por Sartre entre 1959 e 1960 e não utilizado integralmente devido a
conflitos com o diretor – 1984
- Critique de la raison dialectique - Tome II: l'inteligibilité de l'histoire (Crítica
da razão dialética - Tomo II: a inteligibilidade da história), Ensaio filosófico.
Escrito em 1958 e publicado em 1985.

[Curiosidade: Sartre no Brasil: a conferência de Araraquara. Edição bilíngüe


(português e francês) contendo a transcrição da conferência na Faculdade de Filosofia
de Araraquara em 4 de setembro de 1960 - 1986].

- Verité et Existence (Verdade e Existência), fragmentos de um ensaio


filosófico escrito em 1948 - 1989

-Écrits de jeunesse (Escritos da juventude), textos escritos entre 1922 e 1928


- 1990

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