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Mecanica Classica UFES

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mecnica clssica

Marco Antnio dos Santos


Marcos Tadeu DAzeredo Orlando

Universidade Aberta do Brasil


Universidade Federal do Esprito Santo

Fsica
Licenciatura
Fsica | Mecnica Clssica

ste livro foi concebido com base em anos de experincia em novas formulaes e desenvolvimento
de aulas ministradas nos cursos de Mecnica Clssica
para alunos de Fsica proferidos pelo Prof. Dr. Marco
Antnio dos Santos, que o atual (2012) coordenador
do curso de Fsica da UFES. Com base nesse trabalho
de pesquisa e didtico, o Prof. Dr. Marco Antnio dos
Santos me convidou para participar da elaborao
deste livro tendo como base suas anotaes e resumos. Ressalto que a abordagem utilizada aqui diferenciada e muito singular, trazendo novos elementos
ao fascinante mundo da Mecnica Clssica.

A1

Mecnica Clssica | Fsica

UNIVERSIDADE F E D E R A L D O E S P R I TO S A N TO
Ncleo de Educao Aberta e a Distncia

mecnica clssica
Marco Antnio dos Santos
Marcos Tadeu D'Azeredo Orlando

Vitria
2012

Presidente da Repblica
Dilma Rousseff

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO

Ministro da Educao
Aloizio Mercadante

Reitor
Reinaldo Centoducatte

Diretor de Centro de Cincias Exatas


Armando Biondo Filho

DED - Diretoria de Educao a Distncia


Sistema Universidade Aberta do Brasil
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Pr-Reitor de Ensino de Graduao


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Coordenao do Curso de Licenciatura


em Fsca EAD
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ne@ad
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(27)4009-2208

Laboratrio de Design Instrucional


LDI Coordenao
Heliana Pacheco
Jos Otavio Lobo Name
Ricardo Esteves

Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)


(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

Editorao
Thiers Ferreira

Santos, Marco Antnio dos.


Mecnica clssica / Marco Antnio dos Santos; Marcos Tadeu
D'azeredo Orlando. - Vitria : UFES, Ncleo de Educao Aberta e a
Distncia, 2012.
129 p. : il.

Capa
Thiers Ferreira

Inclui bibliografia.
ISBN:

Ilustrao
Thiers Ferreira

1. Mecnica. I. Orlando, Marcos Tadeu D'azeredo. II. Ttulo.

Gerncia

Samira Bolonha Gomes

Impresso
Grfica e Editora GSA

S237m

CDU: 531
A reproduo de imagens de obras em (nesta) obra tem o carter pedaggico e cientifico, amparado pelos limites do
direito de autor no art. 46 da Lei no 9610/1998, entre elas as previstas no inciso III (a citao em livros, jornais, revistas ou
qualquer outro meio de comunicao, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crtica ou polmica, na medida
justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra), sendo toda reproduo realizada com
amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil.
Copyright 2012. Todos os direitos desta edio esto reservados ao ne@ad. Nenhuma parte deste material poder ser
reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por
escrito, da Coordenao Acadmica do Curso de Licenciatura em Fsica, na modalidade a distncia.

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mecnica na
formulao Hamiltoniana

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97

Fsica | Mecnica Clssica

a cinemtica da partcula e
a cinemtica do slido

Mecnica Clssica | Fsica

1.

A Cinemtica da Partcula

O problema fundamental da Mecnica Clssica se resume em descrever o movimento de um sistema (corpo, partcula ou sistema de
partculas) sujeito a determinadas condies (foras, potenciais, vnculos, etc.). Mais especificamente, no formalismo newtoniano, dado
uma partcula sujeita a determinada fora, descrever seu movimento.
Ou, inversamente, dada uma partcula se movimentando de determinada maneira, descrever as foras que atuam sobre ela. Esta relao,
entre foras e movimento, caracteriza o formalismo de Newton da
Mecnica Clssica, com a grandeza vetorial fora desempenhando
um papel fundamental, enquanto que em outros formalismos, como
os de Lagrange e Hamilton, as grandezas necessrias para a descrio do movimento so basicamente as energias, cintica e potencial.
Esta caracterstica faz com que o formalismo Newtoniano seja um
formalismo vetorial, sendo as grandezas vetoriais posio, velocidade, acelerao e fora fundamentais para esta descrio. Por isso
o formalismo de Newton muitas vezes chamado de formalismo
vetorial, e sua mecnica tambm chamada de Mecnica Vetorial,
enquanto que os outros formalismos, que se baseiam em grandezas
escalares como energia e coordenadas so tambm conhecidos como
Mecnica Analtica. Neste curso iremos tratar inicialmente do for-

Fsica | Mecnica Clssica

malismo newtoniano, depois do formalismo lagrangiano, e por fim,


do formalismo hamiltoniano. Importante frisar, e o faremos ao longo
de todo este texto, que todos estes formalismos tratam do mesmo assunto, qual seja, a descrio do movimento no mbito da Mecnica
Clssica. Quando o movimento se d em situaes de dimenses atmicas ou de velocidades muito grandes, prximas da luz, as teorias
que os descrevem so, respectivamente, a Mecnica Quntica e a Teoria da Relatividade, que esto fora do alcance deste Curso. Vamos
ento iniciar nossos estudos pela Mecnica de Newton.
Do ponto de vista puramente matemtico, a descrio do movimento de uma partcula, por exemplo, se realiza completamente com
a caracterizao da funo vetorial r(t) ( ou das funes velocidade
(v(t )) ou acelerao (a(t)), como veremos logo adiante), a posio
em funo do tempo. Em geral, dado um sistema cartesiano de eixos com uma origem O, a posio da partcula em um determinado
instante representada pelo vetor posio r, que no instante t liga a
origem O do sistema de eixos ao ponto P cujas coordenadas representam esta posio. Usaremos frequentemente a notao
r = P - O = xx + y + zz

eq. 1

para representar o vetor com origem no ponto O e extremidade no


ponto P.
Do ponto de vista da Fsica, tal sistema de coordenadas possui
origem e eixos fixos em um referencial R, a partir do qual se observa o movimento da partcula. Este referencial um objeto fsico,
diferente do sistema cartesiano, que um objeto matemtico. Mais
ainda, o referencial um corpo extenso e rgido, no qual se definem
a origem e os eixos do sistema de coordenadas, e onde se encontra
o observador. Assim, partcula, referencial e observador so elementos, ou ingredientes fsicos fundamentais da Mecnica. A existncia
da partcula, objeto que se movimenta e do qual sabemos ter dimenses desprezveis, e que pode ser representada por um ponto, subentendida assim como a do observador, que se pode pensar como
os instrumentos que medem posio, massa, peso, etc. Mas a existncia do referencial algo de maior importncia para o fsico, uma
vez que seu estado de movimento da maior importncia no estudo
do movimento da partcula. Assim, como o referencial um corpo
rgido e pode se movimentar em relao a outro referencial de fun-

Mecnica Clssica | Fsica

damental importncia conhecer a Cinemtica do Corpo Rgido, o que


faremos ao longo deste nosso estudo.
Retornemos ao problema matemtico da descrio do movimento
de uma partcula. De uma maneira geral, conhecida a funo r(t), por
meio de uma simples operao de derivao se obtm a funo v(t),
que por sua vez, tambm derivada fornece a(t). Inversamente, conhecendo a(t), por uma integrao se chega a v(t), que tambm pode
gerar, via outra integrao, a funo r(t). Desta forma fica claro que
para descrever o movimento de uma partcula, relativo a um sistema
de coordenadas (que por sua vez encontra-se ligado a um corpo rgido), basta obter qualquer uma das funes r(t), v(t) ou a(t), pois
atravs de operaes de derivaes ou integraes se pode chegar
sempre funo vetorial desejada, via de regra r(t).
No apndice 1 trataremos dos problemas matemticos de escrever
os vetores fundamentais da cinemtica em diversos sistemas de coordenadas. Os exemplos a seguir e alguns problemas propostos ao
final deste Mdulo encerram a questo da cinemtica da partcula
no contexto da formulao vetorial da Mecnica Clssica.
Resta, entretanto, a importante questo da Cinemtica do Corpo
Rgido, ou Cinemtica dos Slidos, uma vez que este se torna um
tema fundamental para que se discuta o movimento de maneira
correta - visto que todo referencial um slido. (Inclusive teremos que tratar da questo fundamental da mudana de referenciais e das foras que aparecem em referenciais no inerciais).
Mas qual seria a maneira de descrever, por exemplo, a posio de
um slido? Um sistema rgido constitudo por uma distribuio
contnua de massa que ocupa um determinado volume. Esta distribuio, cujas distncias entre seus pontos permanecem fixas
(por definio de um sistema rgido), pode, em princpio, ter seu
movimento descrito a partir da descrio do movimento de cada
um destes pontos. Ou seja, descrever o movimento de cada um
dos pontos constituintes do slido uma maneira trivial de descrever o movimento do slido, o que no aparenta ser uma tarefa
simples. Ocorre que o estudo desta Cinemtica pode ser muito
simplificado se um pequeno e importante instrumento da Matemtica for conhecido antes, e este instrumento chama-se Clculo
Motorial. Este pequeno e importante tema ser o nosso prximo
objeto de estudo. Antes, porm, vejamos alguns exemplos que envolvem a cinemtica da partcula.

Fsica | Mecnica Clssica

Exemplos
1) Um tubo metlico, retilneo e oco, encontra-se girando sobre uma
mesa com velocidade angular constante e igual a w. No interior do
tubo, uma formiga caminha com velocidade constante, em relao ao
tubo, de mdulo v, na direo paralela ao eixo de simetria do tubo e
no sentido contrrio ao ponto em que passa o eixo em torno do qual
o tubo gira, que vamos tomar como origem de um sistema de coordenadas polar. Calcule a trajetria da formiga neste sistema polar supondo que no instante inicial a formiga passava pela origem e o tubo
passava pelo eixo polar, ou seja, em = 0.

Soluo:
Chamando de r a coordenada polar radial da formiga, podemos escrever que, de acordo com a condio inicial, r = vt. Tambm de
acordo com a condio inicial podemos escrever que a coordenada
angular polar pode ser descrita por = wt. Tomando t em ambas
as relaes e igualando os valores temos
r v = rw
=
v w

Esta a equao de uma espiral, em coordenadas polares, usualmente conhecida como espiral de Arquimedes.
2) Diz-se que uma partcula est animada de movimento central se a
reta suporte de sua acelerao passar constantemente por um ponto
fixo, que usualmente chamado centro do movimento. So centrais,
por exemplo, os movimentos dos planetas em torno do Sol, assim
como so tambm centrais os movimentos dos eltrons no tomo clssico de Bohr. Queremos demonstrar uma propriedade muito importante
dos campos centrais que a de que todo movimento central plano.
Soluo:
Considere a figura abaixo
v
Mo = r x v

10

Mecnica Clssica | Fsica

o ponto P representa a partcula em movimento sobre a curva e o


ponto O, o centro do campo. O vetor MO o momento da velocidade
da partcula no ponto P em relao ao ponto O. Este vetor constante no tempo uma vez que
o = x v + r x v = 0

(o termo v se anula uma vez que v e o termo r v se anula


visto que a acelerao tem a direo do centro por definio). Mas se
a direo definida por r e v fixa, ento o plano definido por estes
vetores nico. Q. E. D.
3) Uma pequena esfera metlica atirada verticalmente, de cima
para baixo, sobre a superfcie da gua de uma lagoa. A esfera atravessa a superfcie e continua a se mover verticalmente no interior da
gua. Sabendo que em conseqncia da ao das foras que atuam
sobre a esfera no interior da gua a sua acelerao a , em cada data
t, vertical, dirigida de baixo para cima e tal que a = v, onde
uma constante positiva conhecida e v a velocidade da esferazinha
na data t, e sabendo, mais, que igual a v0 a norma da velocidade da
esferazinha imediatamente aps ter atravessado a superfcie da gua
da lagoa, deduza uma frmula que permita calcular a velocidade escalar v da esferazinha em funo da sua profundidade h abaixo da
superfcie da gua da lagoa.
Soluo:
dv
= - v v = voe-t
dt
- voe-t
dr = voe-tdt h =

h
-t
e =1vo

(1)
t
0

=-

vo
(e-t - 1)

que levado em (1) fornece: v = v0 - h

Fsica | Mecnica Clssica

11

2.

Clculo Motorial

Quando associamos a cada ponto do espao o valor de uma grandeza


fsica, temos o que os fsicos chamam de um campo. Por exemplo,
se associamos a cada ponto de uma regio o valor da temperatura
naquele ponto, falamos de um campo escalar (a temperatura uma
grandeza escalar), o campo das temperaturas. Se, por outro lado, falamos da fora eltrica por unidade de carga associada a cada ponto
do espao, falamos de um campo vetorial, o campo eltrico. Os matemticos preferem falar em funes. Temos as funes escalares,
as funes vetoriais, as funes uniformes, as funes constantes,
etc. Vamos definir uma funo vetorial particular, de tal forma que
os vetores associados a cada ponto esto relacionados entre si de
acordo com uma regra especfica, comum a uma famlia de funes,
ou campos. A este tipo especial de campo vetorial daremos o nome
de Motor, ou Campo Motorial. Assim, todo campo motorial um
campo vetorial, mas nem todo campo vetorial um campo motorial.
Vamos definio matemtica.
Seja um conjunto n de vetores c1, c2,.....,cn aplicados respectivamente nos pontos A1, A2,...., An. O momento deste conjunto de vetores em relao a um ponto O definido por
n

M0 = i = 1 ri x ci

eq. 2

sendo ri = Ai - O o vetor posio do ponto Ai em relao ao ponto


O. Desta forma, podemos associar a cada e qualquer ponto Q o vetor MQ, o momento daquele conjunto de vetores, ci, em relao ao
ponto Q. Temos ento um campo vetorial . Veremos que este campo
possui propriedades matemticas comuns a muitos campos vetoriais encontrados na Mecnica. Um campo vetorial assim definido
usualmente chamado de campo motorial.
fcil ver que existe uma relao matemtica entre os vetores
associados aos pontos de um motor, que, alis, a propriedade que
melhor caracteriza um campo vetorial como um motor. Veja que
podemos escrever, conforme a figura 1, as coordenadas do campo
ligadas aos pontos P e Q da seguinte maneira:
n

MP = i = 1 ri x ci
n

MQ = i = 1 ri x ci

12

Mecnica Clssica | Fsica

Da figura se nota que podemos escrever ri = (P-Q) + ri na segunda


expresso acima, de maneira que
n
n
n
MQ= i = 1[(P - Q) + ri] x ci = i = 1(P - Q) x ci + i = 1 ri x ci =
n

= MP + (P - Q) x i = 1 ci = MP + (P - Q) x c

. Ou seja, podemos escrever a relao

onde usamos a definio

MQ = MP + c x (Q - P)

eq. 3

Esta a principal relao do Clculo Motorial, visto que ela define


mesmo um campo motorial. Um campo vetorial cujas coordenadas
ligadas aos seus pontos esto relacionadas desta forma um campo
motorial. Note que o vetor c no est relacionado a nenhum ponto em
particular, mas quem caracteriza a relao entre o valor do campo
em um ponto com o valor em outro ponto. Esta relao to importante que recebe o nome de frmula de Clifford, em homenagem ao
grande matemtico ingls do sculo XIX, Willian Kingdon Clifford,
que foi quem estudou, pela primeira vez, o Clculo Motorial.
ci

Ai
ri

ri

MP
Q
P

MQ

Figura 1

A frmula de Clifford nos informa que conhecemos todo o campo


motorial, ou seja, conhecemos o vetor ligado a qualquer ponto Q,
desde que conheamos dois vetores: o vetor ligado a UM ponto, p.ex.,
o ponto P, e um vetor independente dos pontos, o vetor c na equao
3. Por isso chamamos de coordenada livre o vetor c, e de coordenada
ligada o vetor MP . Ou seja, bastam duas informaes, duas coordenadas vetoriais, usualmente representadas pelo par (MP, c) e conhecemos todo o campo vetorial, se este for um motor. Esta seria apenas
uma propriedade matemtica interessante, no houvesse na Fsica
alguns campos vetoriais muito importantes que se encontram nesta
categoria. Um destes campos aquele que nos motivou a fazer esta

Fsica | Mecnica Clssica

13

regresso matemtica, ou seja, o campo vetorial formado pelas velocidades associadas aos pontos de um corpo rgido em movimento.
Neste caso as coordenadas ligadas so, naturalmente, as velocidades
(vA) associadas a cada ponto do corpo, e a coordenada livre o vetor
velocidade de rotao do corpo, w. E este fato de as velocidades dos
pontos de um slido se constituirem em um campo motorial, que faz
a cinemtica do slido se tornar um assunto muito mais simples que
seria caso no houvesse esta propriedade. Temos ento
vA = vB + w x (A - B)

eq. 4

Outro exemplo fsico de um campo motorial o campo formado


pelos vetores momento angular de um sistema de partculas, cada qual
com momento linear p, associados aos diversos pontos de uma regio.
De maneira anloga aquela que nos levou equao 3, podemos partir
da definio de momento angular de um sistema de n partculas
n

i = 1 ri x pi
n
LQ = i = 1 ri x pi
L0 =

e com o mesmo caminho utilizado em 3 chegar a


LQ = LO + P x (Q - O)

eq. 5

onde a coordenada livre o momento linear total do sistema. De


maneira anloga, podemos mostrar que vale para os torques de um
sistema de foras a relao
NQ = NO + F x (Q - O)

eq. 6

onde agora a soma das foras que faz o papel de coordenada livre.
Embora seja um mero exerccio chegar s eq. 5 e 6, no existe um
caminho to simples para mostrar que a eq.4 vlida. Para chegar
a ela usaremos um teorema do Clculo Motorial, que no julgamos
conveniente demonstrar aqui, chamado de teorema discriminador (a
demonstrao deste teorema, embora no seja complicada, pode ser
encontrada no livro Mecnica Vetorial, de L. P. M. Maia). A fim de
usar este resultado na prxima seo, vamos enunci-lo aqui:

14

Mecnica Clssica | Fsica

Teorema Discriminador: A condio necessria e suficiente para


um campo vetorial ser um vetor que sejam iguais entre si as componentes, segundo um eixo qualquer, dos vetores do campo associados aos pontos do eixo.

3.

A Cinemtica do Slido

Do ponto de vista da Mecnica um corpo rgido, ou um slido, uma


distribuio contnua de massa com a propriedade, ou vnculo, de
que a distncia entre quaisquer dois pontos deste permanea constante no tempo. Assim, escolhendo A e B como dois pontos quaisquer do slido, teremos que
A - B = constante no tempo.
Embora o movimento mais geral de um slido seja, primeira
vista, bastante complicado de se descrever, existem dois casos especialmente simples e que, como veremos, servem de base para a descrio mais geral. Trata-se do movimento puramente translacional e do
movimento puramente rotacional. Vamos estud-los em sequncia.

Translao
O movimento puramente translacional aquele em que o vetor que
liga dois pontos quaisquer do corpo rgido permanece eqipolente a
um vetor fixo no referencial a partir do qual o movimento do corpo
estudado. Portanto, podemos escrever que, para quaisquer A e B
pertencentes ao slido em movimento translacional, temos:
A - B = constante no tempo.
Observe que o movimento de translao de um slido no implica
em trajetrias retilneas para os pontos deste. O movimento da cadeira de uma roda-gigante um exemplo clssico de um movimento
de translao em que os pontos do slido no descrevem um trajetria retilnea (e nem mesmo circular!).
fcil perceber ento que basta a descrio do movimento de
UM ponto do slido para que o movimento de todo o slido esteja

Fsica | Mecnica Clssica

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descrito, uma vez que os vetores posio de todos os demais pontos


do corpo, em relao ao ponto escolhido, permanecem constantes.
E assim, a cinemtica do movimento do slido se reduz cinemtica do movimento de um ponto, assunto que j conhecemos da Cinemtica da Partcula. Para estabelecer de forma mais matemtica
esta concluso, vamos coloc-la na forma de um teorema, e que
pode assim ser redigido:
Teorema: Todos os pontos de um corpo rgido, com movimento
puramente translacional, possuem, em cada instante, a mesma velocidade e a mesma acelerao.
Demonstrao: Considere que a figura 2 representa um corpo rgido num momento em que este se move em translao, em relao
ao referencial R. Podemos ento escrever

rAB
A

rB
rA
0

Figura 2

rB = rA + rAB
onde sabemos que rAB um vetor constante no tempo. Podemos ento derivar ambos os membros em relao ao tempo e obter (uma
vez que a derivada temporal de rA vA)
vA = vB
Que por sua vez, tambm derivada em relao ao tempo fornece
aA = aB , q.e.d.

16

Mecnica Clssica | Fsica

Rotao
O movimento puramente rotacional aquele em que dois pontos do
slido encontram-se em repouso em relao ao referencial em que
este observado. Estes dois pontos determinam uma reta, , chamada de eixo de rotao. Podemos mostrar que todos os pontos do
slido que se encontram sobre o eixo de rotao possuem, tambm,
velocidade nula no referencial em pauta. Para se convencer disto,
observe a figura 3, onde os pontos A e B so os pontos em repouso
e que, por isso, definem a reta :
B
S

A
R

Figura 3

A equao vetorial que define a reta pode ser posta na forma


P - A = (B - A),

onde P representa um ponto qualquer da reta e um escalar adequado a P e constante no tempo. Derivando em relao ao tempo
esta equao temos:
- A = (B - A) + ( - A)

Como = = = 0, temos mostrado que = 0, q.e.d.


Desta maneira, o nico movimento que resta ao slido o de
giro em torno do eixo , como pode atestar a experincia. A este
chamamos de movimento de rotao em torno do eixo . Uma
grandeza extremamente importante relacionada a este movimento
a velocidade de rotao, que iremos agora definir.
Na figura 4 representamos um slido em movimento de rotao
pura em um determinado referencial R, e escolhemos um sistema de

Fsica | Mecnica Clssica

17

eixos cartesianos fixo em tal referencial, de maneira que o eixo z


deste sistema coincide com o eixo de rotao do slido:
z
S

x
Figura 4

Seja P um ponto do slido e P o plano determinado por este


ponto e o eixo , de rotao. Estando o slido em movimento de
rotao em torno de , o ngulo formado pelo plano e o eixo x
uma funo do tempo, = (t). Definimos as derivadas primeira e
segunda de em relao ao tempo respectivamente de velocidade
angular e acelerao angular:
w=

Percebe-se, por esta definio, que a velocidade angular informa a respeito da rapidez com que o slido gira em torno do
eixo. Tambm bastante intuitivo perceber que as velocidades de
cada ponto do corpo so to maiores quanto maior for a velocidade angular, mas que para uma mesma velocidade angular a velocidade de cada ponto to maior quanto maior a distncia do
ponto ao eixo de rotao. Tais informaes podem ser obtidas com
mais exatido por uma investigao matemtica muito simples a
respeito de w e vP , a velocidade de cada ponto P do corpo. Tal
investigao tambm nos revelar uma propriedade muito importante a respeito da Cinemtica do Slido.
Vamos escolher ainda um slido em rotao em torno de um eixo
que coincida com o eixo z do sistema cartesiano, como na figura anterior, apenas explicitando agora dois dos pontos do sistema S que
definem , os pontos A e B na figura 5, e vamos usar tambm o sistema de coordenadas cilndricas (, , z):
18

Mecnica Clssica | Fsica

z
C
B

r
A
0

y
p

Figura 5

Em primeiro lugar, notemos que a trajetria de cada ponto P do


sistema rgido S uma circunferncia de raio e centro no eixo ,
exatamente no ponto do eixo com a coordena z do ponto P: por um
lado a distncia CP () constante pelo fato de o sistema S ser rgido e
de z ser o eixo de rotao ( PB constante e BC tambm), e por outro
lado, a distncia OC (z) tambm constante pelo fato de serem ambos
pontos do eixo de rotao. Logo, as condies = cte. e z = cte definem uma circunferncia de raio em coordenadas cilndricas.
Como apenas muda com o tempo conveniente escrever o vetor posio de P em coordenadas cartesianas, mas usando as coordenadas cilndricas para escrever suas componentes. Temos ento:
r = cosx + seny + zz

Como apenas depende de t, a velocidade ser

v = r = - senx + cos = (-senx +cos)

eq. 7

Tomando o mdulo desta ltima equao e chamando de w, podemos escrever que


v = w

eq. 8

que confere com aquilo que nossa intuio previa. Podemos, entretanto, ir mais alm se definirmos o vetor velocidade de rotao,
como usualmente se faz, como um vetor que possui como mdulo a
velocidade angular w, a direo dada pelo eixo de rotao e o sen-

Fsica | Mecnica Clssica

19

tido dado pela regra da mo direita, ou regra do parafuso, como


queira, e conforme est ilustrado na figura 6:
A Regra da Mo Direita

A Regra do Parafuso

O sentido do vetor velocidade de


rotao de um sistema rgido S aquele
indicado pelo polegar da mo direita,
supondo-se que se abarcasse com a mo
direita o eixo de rotao do sistema S
de uma forma tal que os outros dedos
ficassem disposto no sentido no qual
est girando o sistema S.

O sentido do vetor velocidade de um


sistema rgido S aquele no qual avanaria
um parafuso comum cujo eixo coincidisse
com o eixo de rotao do sistema S e que
se fizesse girar no mesmo sentido no qual
est girando o sistema rgido S.

Figura 6

Assim definido, o vetor velocidade de rotao para o caso em


pauta na figura 5 simplesmente w = wz, e podemos ver que o resultado expresso na eq. 7 simplesmente
vP = w x rP

eq. 9

que tambm pode ser escrito como


vP = w (P - O)
Para qualquer outro ponto Q do slido vale a mesma relao, ou seja,
vQ = w (Q - O)

20

Mecnica Clssica | Fsica

Tomando a diferena entre estas duas temos:


vP - vQ = w (P - O) - w (Q - O) = w (P - O - Q + O) = w (P - Q)
Ou seja,
vP = vQ + w x (P - Q)

eq. 10

que a prpria eq.4 acima. Ento, pelo menos para o caso do movimento de rotao pura, acabamos de demonstrar que o campo
das velocidades de um slido um campo motorial, cuja coordenada livre a velocidade de rotao. O que tambm verdade para
o movimento de translao pura, uma vez que neste caso w = 0 e
ento a eq.10 se resume a vP = vQ.
Mas o que afirmar a respeito do movimento mais geral de um slido, que no nem bem uma translao nem bem uma rotao? Poderamos compreend-lo como alguma combinao dos dois? A resposta
a esta questo foi dada por Euler em 1752, mais de um sculo antes do
trabalho de Clifford, e portanto, sem a facilidade do Clculo Motorial e
que vai ser aqui chamada de Teorema de Euler, que resolve de maneira
definitiva a questo central da Cinemtica do Corpo Rgido:
Teorema de Euler: O movimento mais geral possvel de um sistema
rgido pode sempre ser pensado como constitudo, em cada data t, pela
superposio de dois movimentos rgidos simples: um de translao e
outro de rotao. O movimento de translao poder ser caracterizado,
na data t, em geral, por uma qualquer dentre uma infinidade de possveis velocidades, enquanto que o movimento de rotao caracterizado, na data t, por uma, e somente uma, velocidade de rotao.
Demonstrao: Sejam A e B dois pontos quaisquer de um corpo
rgido. Podemos afirmar ento que
A - B = cte. (A-B)2 = cte

Derivando em relao ao tempo, temos:

2(A - B) . (A - B ) = 0 A.(A - B) = B.(A - B)

Fsica | Mecnica Clssica

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Dividindo ambos os membros por A - B, teremos o unitrio u na


direo do eixo que liga o ponto A ao ponto B, ou seja:
A . u = B . u
Ou melhor,
vA . u = vB . u
O que nos mostra que, segundo o teorema discriminador que
enunciamos ao final da ltima seo, o campo das velocidades dos
pontos de um corpo rgido, em seu movimento, qualquer que seja
este, um campo motorial, e portanto, vale a relao
vA = vB + w x (A - B)

eq. 11

(A rigor, esta expresso deveria ser escrita como vA = vB + w


(A - B), onde w no teria nenhuma relao a priori com o vetor velocidade de rotao. Uma discusso mais detalhada a este respeito ser
feita no Apndice 2.)
Mas ento o teorema encontra-se demonstrado, visto que numa
data t, qualquer que seja esta, as velocidades dos pontos do slido
constituem um campo motorial no qual a coordenada livre a velocidade de rotao. Pois escolhido UM ponto do slido para com sua
velocidade representar o movimento de translao ( e existe um infinidade de escolhas possveis pois so infinitos os pontos passveis de
serem escolhidos), resta uma nica possibilidade para o movimento
de rotao, pois a coordenada livre nica.
Formalmente, ento, a eq.11 resolve nosso problema de descrever o movimento de um slido. Embora uma srie de conseqncias
desta soluo, assim como vrios casos particulares importantes do
movimento de um slido possam agora ser estudados, nos limitaremos a esta concluso geral, pois que esta ser suficiente para resolver o problema que por hora nos preocupa, qual seja, a questo da
mudana de referenciais na mecnica vetorial, ou newtoniana.

22

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4.

O Problema Cinemtico da
Mudana de Referenciais
Para encerrar a discusso a respeito da Cinemtica vamos tratar
do importante problema de relacionar a cinemtica da partcula do
ponto de vista de dois referenciais que se movimentam, um relativo
ao outro. Ou seja, vamos tratar da questo especfica de, sabendo
quais so as grandezas cinemticas, posio, velocidade e acelerao de uma partcula, do ponto de vista de um referencial, como
ficam relacionadas estas com aquelas, posio, velocidade e acelerao da mesma partcula, do ponto de vista de um outro referencial
(ou corpo rgido) que se move em relao ao primeiro de forma conhecida (quer dizer, do qual conhecemos a velocidade de um de seus
pontos e sua velocidade de rotao).
Como preliminar da questo acima vamos analisar como mudam
as derivadas temporais de vetores, derivadas estas vistas de um ou de
outro referencial. Vamos chamar de R um referencial inicial e de R
um referencial que se mova em relao ao primeiro de maneira conhecida. fcil perceber que, por exemplo, um vetor que constante
no referencial R, para um observador que se movimente junto com
este referencial (imagine o vetor que liga dois pontos do referencial
R), no parecer constante do ponto de vista de outro observador no
referencial R, visto que o corpo de R se move em relao a R. Usaremos a seguinte notao em nossa anlise: d/dt (ou um ponto sobre
um vetor) ser usada para designar a derivada temporal relativa a R
e /t para designar a derivada temporal medida por um observador
em R. Mostraremos agora que, para um vetor genrico g vale a seguinte relao:
dg g
=
+wxg
dt
t

eq. 12

onde w a velocidade de rotao de R em relao a R. Quer dizer, se


o movimento de R, em relao a R, for de translao pura, as derivadas temporais de vetores tomadas em ambos os referenciais coincidem. Mas caso haja movimento de rotao de R, em relao a R,
vale a eq.12. Vejamos primeiramente uma derivada particular, a de
um vetor unitrio fixo em R. Considere a figura 7 abaixo:

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S
x

z
A
0
y

Figura 7

O unitrio em x, representado na figura pelo vetor que liga os


pontos A e O, que so pontos do slido S, pode ser escrito como
x = A - O,
cuja derivada temporal, vista de R se escreve como (lembre que em
nossa conveno o ponto serve para derivada tomada em R)
= A Mas A e so as velocidades de A e de O vistas de R. Ento podemos escrever
= vA - vO
Mas o Clculo Motorial nos informa que que vA- vO= w (A - O)
= w x . Portanto,
x=wxx

eq. 13

Relaes anlogas valem,obviamente, para as derivadas dos unitrios em y e em z, ou seja,


y=wxy
z=wxz

eq. 14
eq. 15

Estas relaes so conhecidas como frmulas de Poisson, pois foi o


grande matemtico francs do sculo XIX quem as primeiro escreveu.

24

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Agora, a fim de mostrar que vale a eq.12, vamos considerar


um vetor g, descrito na base cartesiana associada ao referencial
mvel, R, como
g = g1 x + g2 y + g3
Por hiptese o referencial R possui velocidade de rotao w relativa ao referencial R. Vamos tomar a derivada temporal deste vetor, derivada esta como calculada por um observador em R. Ou seja,
queremos, em nossa conveno, dg/dt , ou :
dg
= g = g1x + g1x + g2y + g2y + g3z + g3z
dt

Considere por um lado a soma do primeiro com o terceiro e o


quinto termo do lado direito: eles resultam em g/t = 1x + 2y +
3, a derivada de g tomada em R. Por outro lado, os termos restantes
podem ser reescritos usando as equaes 13, 14 e 15, e se resumem a
g1x + g2y + g3z = g1(w x x) + g2(w x y) + g3(w x z) = w x (g1x + g2y + g3z) = w x g

Temos ento, como consequncia destes resultados a eq.12. q.e.d.


A equao 12 tambm conhecida como frmula de Poisson,
e ser fundamental na soluo do problema que nos propomos a
resolver no incio desta seo, qual seja, uma vez conhecido o movimento de uma partcula em relao a um dado referencial, descrever este mesmo movimento, mas do ponto de vista de um outro
referencial, que se move em relao ao primeiro de forma conhecida. Esta a questo cinemtica da mudana de referenciais. O
problema dinmico, isto , como mudam as leis de movimento ao
mudarmos de referencial, ser objeto de estudo do prximo Mdulo, do qual o atual pr-requisito fundamental.
Vamos considerar a situao exposta na figura 8:
P

R
x

0
R0

R
y

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25

Nesta figura est representada a partcula no ponto P, descrito


pelo vetor posio R em relao origem O no referencial R, onde
est a observadora feminina, e descrito pelo vetor posio r em relao origem O no referencial R, referencial este representado na
figura pelo slido onde est o observador masculino, do qual conhecemos, por hiptese, a velocidade do ponto O e tambm a velocidade
de rotao, ambas em relao ao referencial R. Ou seja, conhecemos
o movimento do slido, ou de R em relao a R.
Considere a relao facilmente obtida desta figura, entre os vetores posio da partcula em relao a ambos os referenciais:
R = Ro + r

eq. 16

Vamos tomar a derivada temporal desta equao, mas do ponto


vista do observador em R. Temos:
R = RO + r
Claramente, podemos identificar R com V, a velocidade da partcula em relao ao referencial R, assim como RO com VO, a velocidade do ponto O em relao tambm a R. Para r podemos usar a
eq.12, e, identificando r/t com v, a velocidade relativa, velocidade
da partcula em relao a R, e escrever finalmente
V = Vo + v + w x r

eq. 17

Esta a relao entre a velocidade da partcula, vista do referencial R, e a velocidade da partcula, vista do referencial R, uma
vez que se sabe que R se move em relao a R de acordo com as
coordenadas (VO, w), ligada e livre, respectivamente do slido S
que representa R. A soma do primeiro com o terceiro termo do lado
direito desta equao normalmente chamada de velocidade de
transporte, Vtr, pois a velocidade que a partcula teria, relativa ao
referencial R, ainda que estivesse em repouso no referencial R, ou
seja, apenas transportada por este.
Finalmente, tomando a derivada temporal em relao ao referencial R, desta ltima equao, obteremos uma relao envolvendo as
aceleraes vistas dos dois referenciais:
V = V O + v + w r + w r

26

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Vamos identificar o termo V com A, a acelerao da partcula em


relao ao referencial R e o termo V O com AO, a acelerao do ponto
O tambm relativa a R. Usaremos a eq.12 para reescrever o termo v
como v/t + w v = a + w v (uma vez que identifiquemos a acelerao relativa ao referencial R, a, com v/t ) e o termo w r como
w (r/t + w r) = w v + w (w r). Observe que o vetor w possui derivada temporal invariante ante uma mudana de referencial,
como se pode notar da eq.12 tomando o vetor g como o prprio w.
Escrevemos ento:
A = AO + a + w v + w r + w v + w (w r)
Rearranjando os termos podemos escrever finalmente
A = a + AO + w (w r) + r + 2w v

eq. 18

Analogamente definio feita relativa velocidade, comum


chamar de acelerao de transporte a soma dos segundo, terceiro e
quartos termos do lado direito desta equao, pelas mesmas razes
anteriores, pois seria a acelerao de uma partcula fixa em relao
ao referencial R, que estaria ento sendo transportada pelo referencial. .As equaes 16, 17 e 18 resolvem o problema cinemtico
da mudana de referenciais, pois relacionam os vetores posio, velocidade e acelerao de uma partcula vistos de um referencial com
os seus correspondentes vistos de um outro referencial que se move
de maneira conhecida em relao ao primeiro. A equao 18 ser
de importncia fundamental para o estudo que faremos no prximo
mdulo a respeito da Mecnica newtoniana.
Exemplos
4) Uma partcula se move no interior de um tubo rgido e retilneo, com velocidade escalar, relativa ao tubo, constante e igual a
, enquanto o tubo gira, num plano , com velocidade angular, relativa ao plano, constante e igual a w. Sabendo que na data escolhida como inicial a partcula estava passando no ponto O do tubo,
ponto este que fixo em relao ao plano , utilize a tcnica de
mudana de referenciais e calcule numa data genrica t: 1) a velocidade da partcula em relao ao plano; 2) a acelerao da partcula em relao ao plano.

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27

Soluo:
V

y
Vtr
y

Figura 9

De forma coerente com a nomenclatura que temos usado neste


texto, o referencial ligado ao tubo, Oxy, ser o referencial R, aquele
que se movimenta em relao ao referencial fixo R, do sistema
Oxy. Podemos ento escrever, mantendo a notao que temos utilizado, a eq. 17 onde v = x , VO = 0, w = wz e r = xx = tx como
V = x + w x tx = (x + wty)

eq. i

(Na figura esto representadas as velocidades de transporte e relativa, que somadas fornecem a velocidade relativa ao referencial
fixo.) No h a menor dificuldade em exprimir esta velocidade no
sistema ligado a R, uma vez que se percebe facilmente da figura a
validade das relaes
x = cosx + siny = coswtx + sinwty
y = -sinx + cosy = -sinwtx + coswty

eq. ii

Usando estas relaes na eq. i obtemos:


V = [(coswt - wt sin wt) x + (sinwt + wt cos wt) y]
Deixamos ao estudante a tarefa de calcular, de forma anloga,
as expresses das aceleraes, seja em um referencial seja em outro.

28

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5) O mbolo do sistema mecnico representado na figura 10 funciona conjugado com uma manivela (na extremidade da haste associada ao mbolo existe um pino que desliza ao longo de um
sulco retilneo existente na manivela). O mbulo executa um movimento de vaivm, em relao ao plano da figura, imprimindo,
assim, um movimento oscilatria manivela, que numa data genrica t faz um ngulo com o eixo Ox (que paralelo haste do
mbolo e fixo no plano ) e a sua velocidade angular vale w. Os
sistemas cartesianos Oxyz e Oxyz indicados na figura SAP so
solidrios manivela e ao plano , respectivamente. Sabendo que
igual a a distncia da haste do mbolo ao eixo Ox calcule, na
posio genrica , a norma: 1) da velocidade v com que a extremidade da haste est se movendo relativamente manivela; 2) da
velocidade V do mbolo em relao ao plano ; 3) da acelerao
de Coriolis, acor, da extremidade da haste do sistema mbolo-haste,
caso sejam utilizados os dois seguintes referenciais: um, R, solidrio manivela, e outro, R, solidrio ao plano .
x

y
Vtr
V

Figura 10

Soluo:
No sistema Oxyz temos que, mantendo coerncia com a notao adotada neste texto, a primeira parte da questo est respondida assim:
v = xx
v = - xcotx v = |wcotcsc|
= xsin

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29

A segunda parte tambm de simples soluo, desde que lembremos que em nossa notao, V0 = 0, w = wz e r = xx = cscx , e
portanto, w r = w cscy. Ento a eq. 17 nos diz que:
V = VO + v + w r = -wcotcscx + wcscy
O clculo da acelerao de Coriolis imediato:
acor = 2w v = 2wz (-wcotcscx ) = -2w2cotcscy
6) Composio de velocidade angular
Vamos analisar a seguinte questo ilustrada na figura 11: se numa
data t a velocidade angular de um slido relativa a um referencial R1
dada por w1 , e na mesma data a velocidade angular do referencial
R1 em relao a outro referencial R2 w12 , qual ser, nesta data, a
velocidade angular do slido referente a R2?

B
A
S

R2

R1

Figura11

Soluo
Sejam t e ddt as derivadas temporais relativas a R1 e R2 , respectivamente. Sejam os pontos A e B do slido, e em nossa notao fica
claro que podemos escrever
t (A - B) = vA - vB = w1 (A - B) i
ddt (A - B) = VA - VB = w2 (A - B) ii

30

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Por outro lado, a frmula de Poison, eq. 12, nos garante que
ddt (A - B) = t (A - B) + w12 (A - B) iii
Usando os resultados i e ii em iii temos:
w2 (A - B) = w1 (A - B) + w12 (A - B) (w2 - w1 - w12) (A - B) = 0
A nica soluo para esta condio ento
w2 = w1 + w12

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Exerccios
1) Aos pontos P1 e P2 de uma haste rgida e retilnea esto ligados
dois pinos que podem deslizar ao longo de dois sulcos retilneos e
mutuamente perpendiculares, conforme indicado na figura abaixo.
Sabendo que na data t a haste forma com o sulco inferior um ngulo
igual a e que o ponto P1 est ento se movendo com uma velocidade de norma igual a v1, calcule qual ser, na mesma data t, a
norma da velocidade do ponto P2.

P2

P1

2) Uma partcula est animada de um movimento plano tal que as


componentes polares de sua velocidade satisfazem, em cada ponto
P P (r, ) da sua trajetria, a seguinte condio: vr = v, onde
= cte. Calcule qual a trajetria da partcula, sabendo que foi registrado que em alguma data ela cortou o eixo polar no ponto cuja
coordenada radial igual a b.
3) O avio representado na figura estava voando horizontalmente
com uma velocidade v0 no momento em que largou um objeto.
Supondo que a acelerao local da gravidade tenha um valor g =
cte e que seja irrelevante a resistncia oferecida pelo ar ao movimento do objeto ( cuja velocidade escalar num ponto genrico da
sua trajetria tem um valor igual a v), calcule: 1) a componente
tangencial da acelerao do objeto, na data em que sua velocidade
escalar tem o valor v; 2) a componente normal da acelerao do
objeto, na data mencionada no item anterior; 3) o raio de curvatura da trajetria do objeto, correspondente ao ponto onde a sua
velocidade escalar tem o valor v.

32

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v0

H
P

V
T

N
0

4) A reta representada na figura paralela ao eixo das abscissas Ox do sistema de eixos cartesianos Oxy e a sua distncia
a esse eixo constante e igual a h, enquanto que a reta gira
com velocidade angular w = cte em torno da origem cartesiana O,
mantendo-se sempre no plano xOy. Considere o ponto I de interseo das retas e e calcule em funo do ngulo indicado na
figura: 1) a velocidade escalar com que o ponto I percorre a reta
; 2) a velocidade escalar com que o ponto I percorre a reta ; 3)
a acelerao tangencial com que o ponto I percorre a reta ; 4) a
acelerao tangencial com que o ponto I percorre a reta .

5) O bloco B e a polia P representados na figura tm dimenses


desprezveis e o bloco B est preso a uma das extremidades de um
fio inextensvel e que passa sobre a polia P ( que est situada a
uma altura H acima do solo horizontal sobre o qual est apoiado
o bloco). O extremo livre do fio est situado a uma altura h < H
acima do solo e inicialmente os dois ramos do fio so verticais. A
partir de um certo instante faz-se o extremo livre do fio se mover

Fsica | Mecnica Clssica

33

com uma velocidade constante v0, da esquerda para a direita, permanecendo, porm, sempre a uma mesma altura h acima do solo.
Sabendo que o bloco B e o extremo livre do fio se mantm num
mesmo plano, calcule a velocidade do bloco numa data genrica
t e o intervalo de tempo transcorrido desde o instante inicial ( instante da partida) at o instante em que o bloco B atingiu a polia P.

Vo
h

6) O disco circular representado na figura tem raio igual a R, rgido


e est rolando, sem deslizar, sobre um piso horizontal. Sabe-se que
retilnea a trajetria descrita pelo centro C do disco e que todos os
pontos deste se mantm num mesmo plano vertical. A figura correspondente a uma certa data t, quando a velocidade do centro C do
disco tinha norma igual a vC e O era o ponto do disco que estava
em contato com o piso. Sabendo que as distncias dos pontos A, B e
D ao ponto O so respectivamente iguais a 3R/2, 2R e 5R/4, calcule
as normas das velocidades de tais pontos, correspondentes data t.

C
D

7) A, B e C so trs pontos no colineares pertencentes a um sistema rgido S. Sabendo que em cada data t tem-se que vA = vB =

34

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vC, onde vA, vB e vC so as velocidades dos pontos A, B e C, respectivamente, correspondentes data t, demonstre que o sistema
rgido S est animado de movimento puramente translacional.
8) O comprimento do raio da esfera fixa representada na figura vale
R, enquanto que o da esfera menor e que rola sobre ela vale r. No instante em que o segmento de reta OC forma com a vertical um ngulo
igual a a velocidade angular da esfera mvel vale w. Sabendo que
a esfera mvel rola sem deslizar, calcule a velocidade do seu centro,
no instante mencionado. (Todas as velocidades so relativas ao referencial onde a esfera maior fixa, e ambas as esferas so rgidas.)
r
C

9) Na figura est representada uma seo plana e vertical de um hemisfrio, de raio R, cavado na rocha, e no interior do qual rola, sem
deslizar, uma esfera rgida, de raio r < R. A seo representada contm os centros O e C do hemisfrio e da esfera rolante. Numa data
genrica t a velocidade angular da esfera mvel igual a w e o segmento de reta OC que une os pontos O e C forma com a vertical um
ngulo . Calcule: 1) a velocidade escalar do centro C da esfera rolante, na data t; 2) o valor de na data t. ( Todas as velocidades mencionadas so relativas a um referencial solidrio rocha.)
O

R
O

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35

10) Na figura est representado um carretel, cujo raio de cada um


dos dois discos externos tem um valor igual a R e a fita fica enrolada sobre um cilindro co-axial com os dois discos. Na data t a que
a figura corresponde, a extremidade livre da fita estava sendo puxada horizontalmente com uma velocidade escalar de valor igual
a v e o raio da parte enrolada da fita era igual a r < R, conforme
indicado na figura. Sabendo que o carretel rola, sem deslizar, sobre um plano horizontal, calcule qual a velocidade com que estava
se movendo o seu centro, na data t.

11) Calcule a velocidade angular de um disco, relativa Galxia,


sabendo que o disco est girando em torno do prprio eixo, vertical e fixo em relao Terra, com uma velocidade angular, relativa Terra, igual a duas vezes a velocidade angular com que esta
gira em relao Galxia (e que wTG = 1 rotao/dia). Sabe-se
que o disco est num ponto da Terra onde a vertical faz com o
eixo polar um ngulo = 60. Calcule, tambm, o valor do ngulo que formam entre si as velocidades de rotao wDG e wTG do
disco e da Terra, relativas Galxia.
TC

DT

36

Mecnica Clssica | Fsica

12) As duas hastes rgidas, retilneas e horizontais, representadas


na figura, giram em torno de um eixo vertical, , fixo em relao
Terra. Ao longo de cada haste desliza um bloco que movimentado ao longo das hastes com auxlio de um fio manipulado por
um experimentador que est fazendo com que cada um dos blocos
se mova, relativamente s hastes, com movimento uniforme, sendo
a norma da velocidade de cada um deles igual a v. Escolha um sistema cartesiano de eixos Oxyz cujos eixos Ox e Oz coincidam com
as hastes e com o eixo , respectivamente, e calcule, numa data
genrica t, a norma: 1) da velocidade de transporte de cada bloco;
2) a velocidade de cada bloco, relativa Terra; 3) da acelerao de
cada bloco, relativa s hastes; 4) da acelerao de transporte de
cada bloco; 5) da acelerao de Coriolis de cada bloco; 6) da acelerao de cada bloco, relativa Terra. Sabe-se que na data t as
abscissas dos dois blocos so iguais respectivamente a b > 0 e b
e que a velocidade angular e a acelerao angular das hastes, relativas Terra, so respectivamente iguais a w e .

13) Um fio inextensvel est enrolado sobre a periferia de um disco


circular, de raio igual a R. Uma das extremidades do fio est presa a
um suporte fixo em relao Terra e o outro extremo est ligado ao
disco. O disco partiu do repouso e est descendo de uma forma tal que
o seu eixo se mantm horizontal e o seu centro se move percorrendo
uma reta vertical. Solidrio ao disco existe um sistema de eixos cartesianos Oxyz cuja origem O coincide com o centro do disco e cujo
eixo das cotas (eixo Oz) se mantm horizontal. Uma formiga est se
deslocando ao longo do eixo das abscissas (eixo Ox), movendo-se, em
relao ao disco, com movimento uniforme, de velocidade escalar v
> 0. No instante em que a formiga est a uma distncia do centro do

Fsica | Mecnica Clssica

37

disco igual a R, o eixo Ox est na vertical e dirigido de baixo para


cima. Considerando o disco como referencial relativo e a Terra como
referencial absoluto, e sabendo que desde o instante em que o disco
iniciou o seu movimento at o instante em que a formiga atingiu a
posio j mencionada transcorreu um intervalo de tempo igual a T
e que a acelerao absoluta do centro O do disco tem norma igual a
g, calcule, na data T: 1) a velocidade de transporte da formiga; 2) a
velocidade absoluta da formiga; 3) a acelerao de transporte da formiga; 4) a acelerao de Coriolis e a acelerao absoluta da formiga.

y
x
O

38

Mecnica Clssica | Fsica

mecnica newtoniana

2
Fsica | Mecnica Clssica

39

1.

As Leis de Newton

A mecnica da partcula formulada por Isaac Newton (1642-1727)


se fundamenta em trs leis ou princpios bsicos, que so popularmente conhecidos como as leis de Newton. Certamente o estudante
deste curso j teve contato com tais princpios mais de uma vez, e
seria pertinente que se perguntasse pelas razes para que se os estude mais uma vez. Recapitulemos ento que a possvel primeira
vez tenha sido nos estudos do Ensino Mdio, quando se estuda a
Mecnica de forma introdutria, apenas em situaes mais simplificadas, como por exemplo, nos movimentos em que se pode abrir
mo do Clculo Vetorial e do Clculo Diferencial. Depois, j no incio do Curso Superior e tomando contato com uma Matemtica mais
elaborada, se reestuda a mesma Mecnica, embora de forma mais
avanada, exatamente pela posse de tais ferramentas matemticas.
Finalmente, j encerrando o Curso Superior, retorna-se ao tema de
estudar a teoria de Newton da Mecnica. As razes para tal so vrias, mas vamos nos ater a apenas algumas que podem ser consideradas suficientes para justificar tal repetio.
Em primeiro lugar, o aparato matemtico necessrio para a compreenso da teoria encontra-se mais familiar e mais maduro. J no

40

Mecnica Clssica | Fsica

se pode duvidar ou fraquejar ante o reconhecimento da natureza vetorial de determinadas grandezas como posio, velocidade, acelerao e fora, apenas para citar algumas. E no h empecilhos para
tratar com elas, quer dizer, manipular, calcular, etc. Tambm os conceitos e as operaes do Clculo Diferencial e Integral so mais familiares e mais maduros. Torna-se mais fcil entender que a velocidade
de uma partcula S pode ser definida e compreendida como uma
DERIVADA da funo posio em relao ao tempo. Ento, esta releitura torna-se obrigatria, ao menos do ponto de vista matemtico.
Do ponto de vista fsico, porm, existem questes fundamentais
que precisam ser mais bem discutidas, a fim de que se adquira uma
compreenso mais slida da Mecnica de Newton. E entre elas, sem
sombra de dvida, est a questo do referencial. Via de regra, o estudante que est cursando esta disciplina, j ao final de seu Curso de
Graduao, compreende muito mal a questo do referencial. E no se
pode culpar ao estudante, quando mesmo os professores e os livros
texto fazem um tratamento deficiente e obscuro desta questo. Ento,
por exemplo, ao ser colocado para analisar uma situao que envolve
a presena da fora centrfuga, o estudante penetra em uma nuvem
de raciocnios pouco claros e imprecisos para decifrar o enigma. H
uma fora fictcia no problema? O que mesmo uma fora fictcia?
Ela existe? mesmo uma fora? Mas se ela tem o mesmo mdulo e
sentido contrrio fora centrpeta, a soma das duas zero? Ento
o corpo se encontra em M. R. U., e no em uma curva? Elas formam
um par ao e reao? Imagine-se dormir com um barulho desses.
Podemos dizer que a confuso a respeito da questo do referencial
foi plantada mesmo no livro magistral de Isaac Newton, Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica, publicado em Londres em 1687.
Ali Newton solucionou o problema do movimento que perturbava a
mente humana por cerca de 2000 anos, desde Aristteles, pelo menos. De forma genial, Newton formulou uma teoria matematicamente
consistente (para isso Newton desenvolveu o Clculo Diferencial) e
que resolveu de forma aparentemente definitiva a questo do movimento, chegando inclusive, magistralmente, correta descrio do
movimento dos planetas e dos corpos celestes em geral. Havia, entretanto, um pressuposto na construo terica de Newton, que embora
no leve necessariamente a nenhuma incorreo nesta teoria, necessita de uma discusso mais profunda, a fim de desfazer a confuso

Fsica | Mecnica Clssica

41

que em geral produz. Este pressuposto refere-se prpria concepo


do movimento, tendo conseqncia direta na questo do referencial,
como veremos neste Mdulo. Este, por si s, j seria um fortissimo
argumento para que uma releitura do formalismo newtoniano fosse
feito. Mas existe ainda a questo da aparente simplicidade do contedo das leis de Newton, fato ilusrio que em geral responsvel
por induzir os estudantes a freqentes erros na interpretao e aplicao da teoria. Vamos ento aproveitar a oportunidade deste Curso
para refinar nossa compreenso da teoria de Newton, tanto do ponto
de vista conceitual quanto prtico, pois nos dedicaremos tambm a
resolver problemas que envolvam situaes matematicamente mais
avanadas que aquelas encontradas no Curso Bsico.
Antes mesmo de analisar as leis de Newton vamos tentar entender o conceito Newtoniano de fora. Em sua teoria Newton considerava fora como um agente, que atuando sobre uma partcula, fosse
capaz de alterar o seu estado de movimento. Assim, estando uma
partcula em repouso, esta sairia deste estado se um agente realizasse
uma ao sobre ela, e esta ao seria representada pela grandeza
fora atuante sobre a partcula. O mesmo aconteceria em qualquer
outra situao em que fosse alterado o estado de movimento, ou a
velocidade, de uma partcula. Assim podemos j notar que em sua
teoria, Newton considerava fora como o resultado de uma interao, algum ou algo no ambiente deve atuar sobre a partcula para
que esta sofra a ao de uma fora. Quer dizer, fora pressupe interao. Neste texto chamaremos de fora de interao aquilo que era
entendido apenas como fora por Newton e seus seguidores.
Vamos ento anlise das leis de Newton, comeando pela primeira lei, que foi assim enunciada pelo prprio Newton em sua
obra acima citada:
Lei I Cada partcula permanece em seu estado de repouso, ou em
movimento retilneo e uniforme, a no ser que seja compelida a alter-lo por foras que atuem sobre ela.
Realmente, alguns autores consideram que tal lei pode mesmo
ser compreendida como uma definio qualitativa de fora. De fato,
este um ponto de vista coerente com a anlise que fizemos anteriormente sobre o conceito de fora usado por Newton ( assim como
Galileu e seus contemporneos). Entretanto, partindo do princpio de

42

Mecnica Clssica | Fsica

que tal definio j fosse subentendida, esta pode ser vista como uma
definio da inrcia, sendo por isso a primeira lei frequentemente
chamada de lei da inrcia. Galileu j havia compreendido que os
corpos possuem esta propriedade, como se pode ver desta passagem
retirada de seu livro Discorsi Intorno a Due Nuove Scienze, de 1638:
Imagine uma partcula qualquer lanada sobre um plano horizontal, sem atrito; se o plano for ilimitado, a partcula se mover sobre
ele com movimento uniforme e perptuo.
importante notar que a primeira lei tambm pode ser enunciada
em sua forma mais moderna como a lei da conservao do momentum:
constante o momentum de uma partcula, a no ser que seja
diferente de zero a soma das foras que atuam sobre ela.
A segunda lei de Newton, ou o princpio do momentum linear,
como tambm chamada, pode ser assim enunciada ( e de fato assim
o foi por Newton em seu Principia):
Lei II A soma das foras que atuam sobre uma partcula igual
derivada temporal do seu momentum linear.

F=

eq. 1

Debruado sobre o trabalho experimental e matemtico de Galileu, Newton relacionou de forma concisa a fora com a acelerao,
conforme podemos ver matematicamente, escrevendo o momentum
linear como o produto da massa pela velocidade:

F=

dp d(mv) dm
dv
=
=
v+m
dt
dt
dt
dt

Na situao particular em que a massa da partcula constante


o primeiro termo do lado direito igual a zero, e ento (e s ento) podemos escrever

F = ma

eq. 2

que a forma mais comum em que encontramos a segunda lei escrita. Enfatizando, foi Galileu Galilei quem, cerca de um sculo
antes de Newton e aps uma criteriosa investigao experimental
descobriu que a fora estaria relacionada com a acelerao e no
com a velocidade como at ento se cria, desde a poca de Aris-

Fsica | Mecnica Clssica

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tteles, o sbio grego que viveu a mais de trs sculos antes de


Cristo. E Newton colocou esta relao como a relao central, em
certo sentido, de sua construo terica.
Rigorosamente falando, Galileu concluiu a partir de suas investigaes experimentais, que existia uma relao direta entre fora
e acelerao, mas no usou a massa da partcula como a constante
de proporcionalidade entre ambas. Por outro lado, Newton, como
observamos anteriormente, escreveu sua segunda lei como na eq.1,
portanto, sem usar a forma que envolve a massa como na eq.2. A
massa, como na eq.2, s foi introduzida por Leonhard Euler, grande
fsico suo que viveu no sculo XVIII entre a Rssia e a Alemanha,
em um artigo seu datado de 1750, portanto quase um sculo aps a
publicao do Principia de Newton.
Por fim, vale enfatizar que as foras presentes no enunciado da
segunda lei de Newton, no so fornecidas pela teoria da mecnica,
mas apenas pela experimentao. As formas das diferentes foras
(de interao) que existem na Natureza so investigadas e determinadas no laboratrio, de forma experimental, e no como fruto
da teoria em que so utilizadas ( por exemplo, a fora produzida
por uma mola esticada determinada experimentalmente, e sabemos ento que do tipo kx. O mesmo vale para todas as foras de
interao, peso, atrito, tenso, atrao eltrica, etc.). Por isso, para
aplicar esta teoria ao movimento de uma partcula, a experincia
que nos diz quais so as foras (e como so) que aparecem no lado
direito daquela equao. Sabendo disso, Newton deu enorme valor
a um princpio que ajuda de maneira muito valiosa na investigao
das foras que atuam sobre a partcula, e o colocou, por causa disso,
como terceiro princpio em sua construo:
Lei III Sempre que uma partcula, 1, estiver exercendo uma fora
sobre uma outra, 2, esta outra estar, tambm, reciprocamente, exercendo uma fora sobre a partcula 1, e tais foras tero, sempre, normas iguais, mesma direo e sentidos opostos.
Embora parea o mais simples de se compreender, este princpio induz muitos erros nos principiantes, principalmente porque
se esquece muito frequentemente, de um detalhe fundamental ali
presente: a afirmao diz respeito interao entre DOIS corpos,
ou partculas. A ao que um corpo sofre tem por consequn-

44

Mecnica Clssica | Fsica

cia uma reao que atua em OUTRO corpo, portanto, este par de
foras NUNCA age sobre UM corpo apenas. Como um exemplo
simples de como se faz com facilidade muita confuso com este
fato vamos analisar a situao de um livro em repouso sobre uma
mesa, conforme ilustrado na figura abaixo.

Figura1

Nesta situao, como o livro encontra-se em repouso, o estudante


mais afoito entende que as foras peso e reao normal devem ser
iguais e opostas, e por isso, imediatamente as consideram um par
ao e reao. Entretanto, uma anlise mais atenta o far ver que a
fora P exercida pela Terra sobre o livro; portanto, a reao correspondente uma fora igual a P que reage sobre o planeta, e NO
est representada na figura. O livro no se movimenta na vertical
porque A MESA exerce tambm uma fora sobre o livro, de mesma
intensidade e direo que a fora exercida pela Terra, mas de sentido oposto, e portanto, equilibrando a ao da fora peso. Esta fora
exercida pela mesa sobre o corpo possui uma reao, que a fora
exercida pelo corpo SOBRE A MESA, e que tambm no est representada na figura, visto que o estado de movimento do livro que
estamos investigando, e no o estado de movimento da mesa!
Estas so as leis de Newton que constituem a base, o cerne, da
Mecnica Clssica, aquela que trata do movimento em situaes
de velocidades baixas em comparao com a velocidade da luz
(caso contrrio necessitamos da Mecnica Relativstica) e em dimenses acima da escala atmica (caso contrrio necessitamos da
Mecnica Quntica). Este quadro terico, o contedo desta leis,
est longe de ser simples ou intuitivo, conforme uma primeira impresso possa sugerir. Rigorosamente, nem mesmo a compreenso

Fsica | Mecnica Clssica

45

do que seja a velocidade de um corpo em um determinado instante


possvel sem o auxlio do Clculo Diferencial. Entretanto, existe
uma questo muito importante que precisamos tratar antes de dar
por encerrada esta discusso, que questo do referencial, j citada anteriormente. Note, de passagem, que as leis anteriores, em
especial as duas primeiras, na forma que esto enunciadas, no fazem absolutamente nenhum sentido. Pois que sentido faz dizer que
uma partcula se encontra em repouso sem especificar em relao
a que, ou a quem? Vamos ento direto questo.

2.

O Movimento e o Referencial

Vamos iniciar esta anlise com o conceito de movimento de Newton


na elaborao de sua Teoria. Do ponto de vista de Newton existiria
um espao absoluto, no qual estaria embebido todo o Universo, e em
relao ao qual haveria o que ele chamou de movimento absoluto
(ou verdadeiro). Newton estava convencido de que s teria sentido
falar em movimento em relao ao espao absoluto, e sua teoria tratava DESTE tipo de movimento. Vejamos em suas prprias palavras:
O espao absoluto, em sua prpria natureza, sem relao com
qualquer coisa externa,permanece sempre idntico e imvel. (Newton
Principia, p. 6)
O movimento em relao a OUTROS referenciais, que se movem
em relao ao espao absoluto, seria um movimento relativo (ou fictcio), do qual sua teoria no trataria. A fim de ilustrar melhor sua
concepo, no prprio Principia ele examina uma experincia clebre, a experincia do balde dgua, em que mostra estar convencido
de que o movimento fictcio no obedeceria seu tratamento terico, e
portanto, suas leis no tratariam deste movimento. Em suas palavras:
Os efeitos que distinguem o movimento absoluto do movimento
relativo so as foras que agem sobre os corpos que giram, e que
tendem a afast-los dos eixos de seus movimentos circulares. Pois
que, num movimento puramente relativo tais foras no existem, enquanto que num movimento circular verdadeiro e absoluto elas so
maiores, ou menores, de acordo com a intensidade do movimento.Se
um balde, suspenso por uma corda longa, for girado um grande nmero de vezes sobre si mesmo, de forma que a corda fique bastante

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Mecnica Clssica | Fsica

torcida, e em seguida enchido com gua e mantido em repouso juntamente com a gua e, em seguida, pela ao brusca de uma fora
for posto a girar no sentido oposto ao inicial, enquanto a corda for
se desenrolando por si mesma o balde continuar por algum tempo
o seu movimento, mas a superfcie da gua a princpio se manter
plana, como era antes do balde comear a girar;mas, aps o balde ir
gradualmente comunicando o seu movimento gua, ela comear
a girar sensivelmente e ir se afastando pouco a pouco do centro
e elevando-se nas bordas do balde, formando uma figura cncava
( como eu verifiquei), e, quanto mais rpido for se tornando o seu
movimento, mais alto a gua ir se elevando, at que, finalmente,
realizando suas revolues no mesmo tempo que o balde, ela ficar
em repouso relativamente a ele.Essa ascenso da gua mostra o seu
esforo para se afastar do eixo do seu movimento, e o movimento circular verdadeiro e absoluto da gua, o qual aqui diretamente contrrio ao relativo, torna-se conhecido e pode ser medido atravs de
tal esforo. No incio, quando o movimento relativo da gua no balde
era mximi, ele np produzia nenhum esforo para afastar do seu
eixo: a gua no mostrava tendncia alguma para se dirigir para a
circunferncia, nem qualquer ascenso sobre a parede do balde, mas,
permanecia com sua superfcie plana, e, portanto, o seu movimento
circular verdadeiro no havia ainda sido iniciado. Mas, em seguida,
quando o movimento relativo da gua havia diminudo, a ascenso
sobre a parede do balde provava o seu esforo de se afastar do eixo de
rotao; e esse esforo mostrava o movimento circular real da gua
crescendo continuamente at atingir o seu maior valor, quando, ento, a gua estava em repouso relativamente ao balde. E, portanto
tal esforo no depende de qualquer translao da gua em relao
aos corpos locais, nem pode o verdadeiro movimento ser definido por
uma tal translao. Existe um nico movimento circular real de um
corpo, correspondente a um determinado esforo de afastamento de
seu eixo de movimento, mas, movimentos relativos, correspondentes
a um mesmo corpo, so inumerveis, conforme as vrias relaes
que ele mantenha com os corpos externos, e, semelhantemente a outras relaes, so, em conjunto, destitudos de qualquer efeito real.
(Newton Principia, p.10-11)
Esta concepo, aliada primeira lei, fez com que por muito tempo
prevalecesse a idia de que as leis de Newton s seriam vlidas relativas a certo tipo de referencial. Este seria o espao absoluto ou qual-

Fsica | Mecnica Clssica

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quer outro que se mova com velocidade uniforme em relao a ele.


Pois como o movimento verdadeiro ( ao qual dizem respeito suas leis)
se d em relao ao espao absoluto e a primeira lei coloca em p de
igualdade o referencial ligado ao espao absoluto com outro que se
mova com velocidade uniforme em relao a este, em relao a esta
classe de referenciais que so vlidas as leis de Newton. Tal classe de
referenciais modernamente chamada de referenciais inerciais. Assim, a Mecnica de Newton estaria restrita a descrever os movimentos
em relao a referenciais inerciais e, ainda, s compreenderia como
foras aquelas aqui chamadas de foras de interao.
Lembremos da observao feita, quando discutimos a segunda lei
de Newton, a respeito do conhecimento experimental que possumos
a respeito das foras de interao. importante frisar que o mesmo
contedo experimental se encontra na identificao dos referenciais
inerciais (uma vez que ningum, at os dias atuais, localizou onde
se encontra o espao absoluto). atravs da experincia, somente
dela e dentro de certo grau de preciso, que sabemos, ou estabelecemos um referencial como inercial ou no. Por exemplo, sabemos
que a Terra no um referencial exatamente inercial, pois que alm
de percorrer uma trajetria elipsoidal em torno do Sol, ainda gira
em torno de seu prprio eixo. Entretanto, para a grande maioria dos
experimentos que aqui realizamos, e dentro de nossa preciso de
medidas, esta se pode considerar um referencial inercial. Quer dizer,
munidos das leis de Newton e considerando apenas a ao das foras
de interao, damos cabo perfeitamente das questes mecnicas
que nos rodeiam. Por outro lado, sabemos perfeitamente ( simples
de se detectar) que, por exemplo, quem se encontra no interior de
um jato em processo de decolagem, encontra-se em um referencial
no inercial (no necessria grande preciso em medidas para se
verificar que as leis de Newton no so vlidas ali, ao menos enquanto somente as foras de interao so levadas em conta).
Da a grande confuso, por exemplo, que reina em relao existncia da fora centrfuga. Parece que ela s existe no terreno dos
fantasmas, das coisas irreais. Ela chamada inclusive de fora fictcia. Esta a realidade encontrada, por exemplo, na imensa maioria
de livros texto, seja de nvel secundrio seja de nvel superior. Ou
seja, reina uma grande confuso no que diz respeito s bases da teoria de Newton, confuso esta que, diga-se de passagem, possui sua
origem no prprio trabalho de Newton. Entretanto, bom lembrar

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Mecnica Clssica | Fsica

que nunca faltaram discordncias ao longo da histria com esta


concepo newtoniana de movimentos absolutos. Mesmo em sua
poca Newton encontrava crticos sua altura que propunham uma
construo diferente e que eram, vemos agora, mais de acordo com
as teorias que se sucederam na Fsica, at mesmo as mais modernas,
como sabemos. No que esteja errada, de forma alguma, a concepo de Newton (ao menos enquanto no pudermos comprovar EXPERIMENTALMENTE que o espao absoluto no existe). Ocorre que
esta uma hiptese que restringe bastante a teoria, alm de tornar
mais confusa e limitada sua aplicao. Vejamos ento que alternativa se tem para o espao absoluto e os movimentos verdadeiros de
Newton (e de uma corrente newtoniana que ainda hoje propaga, embora sem o saber, sua hiptese absoluta).
Apenas para citar alguns, lembremos que se opunham ao conceito newtoniano de movimento j em sua poca o filsofo e matemtico alemo Gottfried Wilhelm Leibniz ( 1646- 1716), o filsofo
irlands George Berkeley ( 1685- 1753), j no sculo XIX o fsico
escocs James Clerk Maxwell ( 1831- 1879), e o grande fsico e filsofo austraco, que deu enorme contribuio concepo da Teoria
da Relatividade, Ernest Mach ( 1838- 1916). A tese prevalecente em
contraposio idia de Newton de espao absoluto e movimento
verdadeiro a de que TODO MOVIMENTO RELATIVO. Pode at
mesmo existir tal espao absoluto, mas este no imprescindvel
para se estudar o movimento. E partindo deste pressuposto, restanos responder apenas questo: como descrever o movimento de
uma partcula no sentido mais geral, ou seja, sem restringi-lo a ser
verdadeiro ou absoluto? Quer dizer, do ponto de vista de um observador em um referencial qualquer, no necessariamente inercial?
Para isso, vamos recuperar a ltima equao do Mdulo anterior, a eq. 18, apenas multiplicada por m, a massa da partcula,
em ambos os lados:
mA = ma + mAO + mw (w r) + mw r + 2mw v
Ou melhor, escrevamos assim:
ma = mA - mAO - mw (w r) - m r - 2mw v

eq. 3

Fsica | Mecnica Clssica

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Vamos nos reportar figura 8 do Mdulo anterior, da qual derivamos a equao 18, e por conseqncia a equao 3 acima. Considere
que o referencial R seja um referencial inercial, ou seja, considere
que se possa escrever
mA = Fint
como nos garante a segunda lei de Newton e vamos chamar de foras inerciais os quatro termos restantes no lado direito da equao
3, ou seja,
-mAO - mw (w r) - mw r - 2mw v = Finer
Podemos ento escrever

F = ma

eq. 4

Ou seja, esta equao, que bastante semelhante com a que estabelece a segunda lei de Newton, vale em um referencial QUALQUER,
e no apenas nos inerciais. S que agora, diferente da eq.2, temos
que F = Fint + Finer, ou seja, as foras esto divididas em duas
categorias, as foras de interao, que j conhecamos, e as foras
inerciais, que so apenas quatro, as assim chamadas:
E = -mAO Fora de Einstein
C = -mw (w r) Fora Centrfuga
E* = -mw r Fora de Euler
C* = -2mw v Fora de Coriolis
Em resumo, a equao 4 a segunda lei de Newton generalizada,
pois pode ser aplicada em QUALQUER referencial, para descrever
QUALQUER movimento. Ocorre que, caso o referencial em uso seja
inercial, esta se reduz equao 2, a segunda lei de Newton usual
na literatura. O que nossa descrio tem de diferencial da descrio
inercial que as foras que entram na equao de movimento so
as foras de interao MAIS as foras inerciais, que so no mximo
quatro, dependendo do movimento que o referencial em questo
possua em relao a um referencial inercial. Veremos logo adiante
exemplos de situaes onde estas quatro foras ocorrem.

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Mecnica Clssica | Fsica

O formalismo que estamos estudando, entretanto, ainda o formalismo newtoniano. Apenas abrimos mo de uma hiptese (a da
existncia de um espao absoluto) que leva a limitaes e interpretaes confusas em prol de um outro argumento (a de que todo movimento relativo) que torna a teoria mais clara, ampla e concordante
com pontos de vista mais modernos. Enquanto a velha teoria de
Newton leva a uma Fsica invariante ante transformaes de Galileu ( transformaes que levam de um referencial inercial a outro,
que se move com velocidade constante em relao ao primeiro ) essa
nova teoria Newtoniana leva a uma Fsica invariante ante uma
transformao mais geral que a transformao de Galileu (a Fsica
a mesma em qualquer referencial). Por exemplo, esta interpretao
est de acordo com um postulado fundamental da Teoria da Relatividade Geral, o Princpio da Equivalncia. Desta forma, resta compreender melhor os tipos de fora que existem na Natureza, dentro
de nossa realidade Clssica (no-quntica e no-relativstica). o
que procuraremos fazer na ltima parte deste Mdulo.

3.

As Foras na Mecnica de Newton


Conforme vimos anteriormente, as foras do formalismo newtoniano mais geral podem ser agrupadas em duas categorias, quanto
sua natureza: as foras de interao e as foras inerciais. Enquanto
que as foras de interao possuem uma grande diversidade de tipos
e natureza as foras inerciais so apenas quatro. Por essa razo, faremos uma anlise mais detalhada de situaes que ilustrem o mecanismo das foras inerciais, at porque algumas delas so pouco
familiares mesmo ao estudante neste nvel de Curso.

Foras de Interao
Basicamente, podemos separar as foras de interao em dois grandes grupos: as foras de contato e as foras de ao distncia. Como
foras de contato mais comuns temos as foras empurrar ou puxar
seja atravs de cordas, hastes, molas, superfcies, meios (viscosos),
etc. A cada uma delas cabe experincia (como j dissemos anteriormente) a descrio mais detalhada de sua forma de ao. As foras de atrito, por exemplo, dependem da natureza atmico-molecular

Fsica | Mecnica Clssica

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das superfcies envolvidas e podem, em geral, ser caracterizadas por


um coeficiente, que por sua vez pode variar com uma srie de fatores ( temperatura, velocidade, etc.); dependem tambm, diz a experincia, da fora normal exercida pela superfcie de contato. A fora
elstica exercida por uma mola tem, em certas circunstncias, uma
forma funcional bastante interessante, do ponto de vista matemtico
( a lei de Hooke). As foras de ao distncia, como o prprio nome
sugere, no exigem qualquer contato, e da mesma maneira, tm sua
forma de agir definidas pela experincia (a fora gravitacional e a
fora eletromagntica so os exemplos mais comuns). Vejamos algumas desta foras um pouco mais detalhadamente:

Peso

(1) O movimento dos corpos celestes era,


aparentemente, o grande problema que
motivou Newton em seus estudos. Tal

A fora peso a fora que o planeta Terra exerce sobre os corpos na


proximidade de sua superfcie. Na verdade, ela uma aproximao
de uma fora mais geral, que a fora de atrao entre os corpos
que foi estudada em detalhes por Newton , e sua forma dada na lei
de Newton da gravitao universal. Esta lei diz que corpos se atraem
com uma fora que depende dos valores de suas massas e tambm da
distncia entre eles. da seguinte forma esta dependncia:

movimento j intrigava o homem e tinha


importncia vital desde a Antiguidade,

F=G

quando comeou a se desenvolver a agricultura. A contagem do tempo e das estaes eram problemas importantes, que
se baseavam principalmente nestes movimentos. Eram muitas as teorias que
tratavam de explicar tais movimentos, a
maioria delas de cunho mstico ou religioso. A importncia deste conhecimento
ficou muito maior na poca de Newton,

celestes eram de grande utilidade. Ao descobrir que as mesmas leis que regem o
movimento de uma ma ao cair de uma
rvore tambm regem os movimentos dos
planetas, Newton decifrou um grande
enigma para a Humanidade.

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Mecnica Clssica | Fsica

r2

onde G uma constante universal, m1 e m2 so os valores das massas dos corpos e r a distncia entre eles. Esta fora tem a direo
da reta que liga os dois corpos e SEMPRE atrativa. Newton mostrou que esta fora, que ocorre entre corpos como um pssaro e um
elefante, a mesma que ocorre entre a Terra e a Lua, ou entre um
planeta e o Sol (1). Observe o que ocorre se calculamos o valor desta
fora quando um dos corpos o planeta Terra e o outro uma mesa,
por exemplo, situada no nvel do solo. Teremos:

em que as Grandes Navegaes se tornavam mais e mais comuns, e os mapas

m1m2

F=G

mTm
R2

onde agora mT a massa da Terra, m a massa da mesa, e R a


distncia entre os dois, que igual ao raio da Terra. Se voc consultar uma tabela ver que o raio da Terra da ordem de 6 mil km,
ou 6 x 106 m. Note que o fato da mesa se encontrar no nvel do
solo, ou a bordo de um avio a 10 km de altura, no muda muito

o valor desta fora, pois trocaramos o denominador de maneira


insignificante para o resultado, que o valor da fora. Por essa razo, resolveu-se adotar o nome de peso para a fora gravitacional
que os corpos em nossa vizinhana sofrem pela atrao gravitacional do planeta. Na expresso acima chamamos de P a fora F, de
g a constante (GmT)/R2, e a fora peso adota a forma mais simples
P = mg
Aqui g uma constante, independente do corpo, e chamada de
acelerao da gravidade. Naturalmente, esta fora tem a direo da
perpendicular ao solo, ou seja, a vertical do lugar, e o sentido que leva
para baixo. importante observar que a constante g no depende do
corpo, sendo a mesma para todos os corpos na proximidade da superfcie da Terra. Vem da a freqente confuso entre massa e peso,
pois o valor da fora peso proporcional ao valor da massa do corpo.
A constante g tem unidade de acelerao, m/s2, e valor aproximado
igual a 10. Vejamos porque chamada de acelerao da gravidade.
Suponha que um corpo encontra-se sujeito ao nica e exclusiva da atrao gravitacional, prximo superfcie da Terra.
Ento a fora peso a nica a atuar sobre o corpo. A segunda
lei de Newton ento informa (tomemos o eixo y na vertical com
sentido para cima) que
P = ma -mgj = ma a = -gj
Portanto, independente do valor de sua massa, todo corpo deixado
sob a ao apenas da fora peso, move-se com uma acelerao igual
a 10 m/s2, que a acelerao da gravidade.

Foras de Contato
Sempre que uma partcula se encontra em contato com uma superfcie, ela sofre uma interao com a superfcie que possui duas
componentes distintas: uma componente perpendicular (ou normal) superfcie, que depende de quanto a partcula empurra a
superfcie, e outra componente que tangente superfcie, que depende da natureza do atrito entre a partcula e a superfcie. A assim
chamada fora normal uma reao (3a lei!) fora que a partcula
imprime sobre a superfcie.

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Por outro lado, sempre que a partcula faz uma fora tangente superfcie no sentido de deslizar sobre esta, a superfcie reage (3a lei!) fazendo sobre a partcula uma fora de mesmo mdulo e sentido oposto
quele do movimento, e que chamada de fora de atrito. Verificase experimentalmente que o mdulo da fora de atrito diretamente
proporcional fora normal, e tal proporcionalidade representada
por uma constante que depende da natureza das superfcies em contato. Em mdulo esta fora pode ser representada assim:
Fatr = N
Esta constante de proporcionalidade, chamada de coeficiente de
atrito, possui dois valores distintos, o que se verifica experimentalmente: e, que o valor do coeficiente de atrito esttico, refere-se
situao de iminncia de movimento, antes que o corpo se movimente, e c , que o valor do coeficiente de atrito cintico, que
refere-se situao em que o movimento est ocorrendo.

Foras Elsticas
As molas (ideais) produzem um tipo de fora especial, chamada
fora elstica, do seguinte tipo: quando uma mola se encontra deslocada de sua posio natural, esta exerce uma fora na direo de
seu comprimento, porm no sentido oposto sua deformao, que
proporcional ao comprimento deformado (comprimido ou alongado). A constante de proporcionalidade caracterstica de cada
mola, e chamada de constante elstica. Temos
F = -kx ,
onde o sinal negativo serve para indicar a oposio ao deslocamento, e k a constante elstica.

Cordas
As cordas s produzem foras quando tensionadas, e estas foras
tm sempre a direo da prpria corda. Em geral lidamos com cordas inextensveis e de massa desprezveis, aproximao vlida num
curso inicial como o nosso, a fim de evitar dificuldades como um
comprimento varivel, ou ter que tratar do movimento da corda.

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Mecnica Clssica | Fsica

Uma caracterstica fundamental e que faz a nica diferena entre


as foras de interao e as foras inerciais, do ponto de vista fsico,
que as foras de interao so, assim como as leis de Newton, invariantes ante a mudana de referenciais. Se uma fora de interao
atua sobre uma partcula do ponto de vista de um observador, situado em determinado referencial, ela existir da mesma forma para
outro observador em QUALQUER que seja o referencial em que este
esteja. Naturalmente, o mesmo j no vale para as foras inerciais.
Exemplos
1) Uma pequena esfera metlica atirada verticalmente, de cima
para baixo, sobre a superfcie de um lago. A esferazinha atravessa
essa superfcie e continua a se mover no interior da gua. Diz a experincia que quando uma esfera se move no interior de um lquido,
este exerce sobre ela, alm da fora de Arquimedes (empuxo), uma
fora de resistncia ao avano, R, fora esta que de sentido oposto
ao da velocidade v da esfera e de norma proporcional dessa velocidade. Sabendo que a densidade do material da esferazinha igual
da gua do lago e que igual a o fator de proporcionalidade que
figura na relao que existe entre R e v, e sabendo, mais, que
igual a v0 a norma da velocidade da esferazinha imediatamente aps
ter atravessado a superfcie da gua do lago, calcule: 1) a velocidade
escalar da esferazinha em funo de sua profundidade; 2) o tempo
transcorrido desde o instante em que a esferazinha atravessou a superfcie da gua do lago at o instante em que ela atingiu um ponto
situado a uma profundidade h.
Soluo
1) Como o movimento unidimensional (vertical) vamos escolher um
eixo Ox vertical, solidrio Terra, com origem na superfcie do lago, e
dirigido para baixo, para especificar a posio da esfera, como ilustra
a figura abaixo. Ali tambm esto indicadas as foras (de interao,
pois estamos supondo a Terra um referencial inercial)) que atuam sobre a esferazinha numa posio genrica do lago. Estas so: a fora
peso P, a fora de Arquimedes (empuxo) A, e a fora R de resistncia
ao avano. Tendo em conta a segunda lei de Newton (eq.1, F = p
Fx = m ) e a figura podemos escrever imediatamente que:
P-A-R=m

Fsica | Mecnica Clssica

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Ou seja, tendo em conta que foi informado que P = A e R = v:


-v = mx

eq. i

o
A
R
x

P
x

Bem, como buscamos uma relao entre velocidade v e posio


x, podemos usar que
x=v=

dv
dv dx
dv
=
=
v
dt
dx dt
dx

que inserido na eq.i resulta em


-dx = mdv

-x = mv + c

Donde, tendo em conta que v = v0 no ponto x = 0, vem finalmente que


x
v = vo - m

eq. ii

2) De um ponto situado na superfcie da Terra deve ser disparado


um projtil, verticalmente de baixo para cima. Calcule qual deve ser
o valor de sua velocidade inicial a fim de que ele atinja uma altura
h acima do ponto de lanamento. Supe-se desprezvel a resistncia
oferecida pelo ar ao movimento do projtil e sabe-se que o raio e a
massa da Terra valem respectivamente R e M e que a constante da
gravitao universal vale G. Observao: a altura h, no caso, no
irrelevante em relao ao raio da Terra.

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Mecnica Clssica | Fsica

Soluo
Como o movimento supostamente unidimensional vamos escolher apenas um eixo de coordenadas Ox ligado Terra, suposta ela
o referencial inercial em questo. Agiro ento apenas foras de interao sobre o projtil, e como esto excludas as foras de atrito
apenas o peso P ser levado em conta. De acordo com a segunda lei
de Newton (eq.1, F = p Fx= m) e a conveno de sinais estabelecida na figura abaixo podemos escrever que:
-P = m
Donde, tento em conta que
x
A
R
O

P = GMm/x2
dv
dv dx
dv
x=v=
=
=
v
dt
dx dt
dx

Podemos ento escrever que


-GMm/x2 = m dv v
dx

vdv = -GM dx2


x

O que nos leva ao resultado desejado atravs de uma simples integrao:


0
v0

vdv = -GM

R+h
R

dx
x2

v0 = 2GMh / [R(R + h)]

3) Dois pontos da superfcie da Terra, suposta esfrica e homognea,


so ligados por um tubo cilndrico, de seo reta circular. Uma pequena esfera, de dimetro igual ao da seo reta do tnel, abandonada numa das extremidades do tnel. Supondo irrelevante a
resistncia oferecida pelo ar ao movimento da esfera, assim como o

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atrito entre ela e as paredes do tnel, e sabendo que a fora de atrao gravitacional exercida pela Terra sobre uma partcula situada num
ponto no exterior superfcie terrestre dirigida para o centro da
Terra e proporcional distncia desse centro partcula, e sabendo,
mais, que o comprimento do tnel igual a 2A: 1) ache a equao de
movimento da esferazinha (escolha como data inicial, t = 0, a data em
que a esferazinha foi abandonada numa das extremidades do tnel);
2) demonstre que o tempo gasto pela esferazinha para ir de uma outra extremidade do tnel no depende do seu comprimento.
Soluo
1) Na figura abaixo est indicado o sistema de eixos cartesianos escolhido, ligado Terra, suposta o referencial inercial em questo: origem
coincidente com o centro da Terra, eixos Ox e Oy respectivamente
perpendicular e paralelo ao tnel. As foras de interao em ao so
apenas a fora de atrao gravitacional f e a fora de reao vincular
normal n exercida pelas paredes do tnel. Tendo em conta ento a segunda lei de Newton (eq.1, F = p Fy = m ) podemos escrever:
-fsin = my

eq. i

n
x

Representando por r a distncia do centro da Terra (origem cartesiana O) ao ponto onde est a esferazinha na data genrica t, e
por y a ordenada desse ponto, podemos escrever, tendo em conta a
figura e a informao fornecida no enunciado da questo de que f
proporcional a r, que:
sin = y / r
f = r

58

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fsin = y

( = cte > 0)

Substituindo este resultado na eq.i temos


my + y = 0

y + w2y = 0

eq. ii

Onde usamos
m = w2
Esta a equao de movimento da esferazinha.
2) A eq.ii uma equao diferencial de segunda ordem cuja soluo
geral da forma
y = c1eiwt + c2e-iwt
Com as condies iniciais fornecidas (y(0) = A e y (0) = 0) podemos determinar as constantes arbitrrias desta soluo geral e colocar a soluo no formato final
y = Acoswt
Esta soluo nos mostra que a esferazinha se move no tnel com
movimento peridico, de perodo = 2w. Consequentemente, para
ir de um extremo do tnel at o outro, gastar um tempo T = , ou
seja, um tempo:
T = /w = m/

O que prova que o tempo que ela gasta para ir de um extremo do


tnel at o outro independe do comprimento do tnel, uma vez que
nem m nem dependem desse comprimento, q. e. d.
4) Um bloco de massa m est sendo arrastado sobre um plano horizontal. O coeficiente de atrito de deslizamento entre o bloco e o
plano de apoio igual a e a velocidade do bloco mantida constante. O bloco est sendo arrastado com auxlio de um fio a ele ligado e se verifica que possvel manter o movimento retilneo e
uniforme qualquer que seja o ngulo que o fio faa com a horizontal, exceto ; verifica-se, tambm, que a norma da trao que

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o fio deve exercer sobre o bloco, para manter constante a sua velocidade, funo do ngulo . Pois bem: o problema que proponho
calcular para qual valor de mnima a norma da trao exercida
sobre o bloco e qual o valor dessa norma mnima.
Soluo
Na figura esto representadas as foras (de interao) que atuam
sobre o bloco. Tais foras so: o peso P, exercida pela Terra; a trao T exercida pelo fio, e a reao vincular exercida pelo plano de
apoio, que j representamos, como usual, decomposta em duas: a
normal N e a tangencial (fora de atrito) A. [Escolhemos um sistema
de eixos cartesianos Oxy solidrio Terra, suposta um referencial
inercial, sendo Ox horizontal e Oy vertical e dirigido de baixo para
cima.] Queremos obter T como funo de a fim de poder calcular
para qual valor de tem-se T = mnimo.

T
N

A
O

x
P

Ora, tendo em conta que, de acordo com a informao fornecida


nula a acelerao do bloco, podemos escrever imediatamente, de
acordo com a primeira (ou a segunda) lei de Newton, que:
F = 0

Fx = 0

Tcos - A = 0

Fy = 0

Tsin + N - P = 0

Donde, tendo em conta que P = Mg e A = N, vem que:


T = mg (cos + sin)
Donde, finalmente, vem que o valor de para o qual T mnima
o seguinte: = arctan ; e o valor mnimo de T :
T = mg / 1 + 2

60

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5) Um bloco de massa m est preso a uma das extremidades de


uma mola, de constante igual a k e massa desprezvel, cuja outra
extremidade est presa a um suporte fixo. Afasta-se o bloco da sua
posio normal de equilbrio at outra posio situada verticalmente abaixo, onde o bloco abandonado. Escolha um eixo cartesiano Ox, fixo em relao Terra, suposta um referencial inercial,
e cuja origem seja o ponto correspondente posio de equilbrio
do bloco. Escolhendo como instante inicial o instante em que o
bloco foi largado e sabendo que nesse instante se tem x = A > 0 e x
= 0: 1) calcule onde estar o bloco numa data genrica t, isto , encontre a equao da posio do bloco; 2) prove que o movimento
do bloco peridico e calcule o seu perodo.
Soluo
1) Na figura esto representadas as foras (de interao) que atuam
sobre o bloco, numa data genrica t. Tais foras so apenas o seu prprio peso P = Mg, fora exercida pela Terra sobre o bloco, e a fora T
exercida pela mola. Ento, tendo em conta a segunda lei de Newton
(eq.1, F = p Fx = m), podemos escrever imediatamente que:
mg - T = m

x
P
x

De acordo com a lei de Hooke, e tendo em conta a informao de


que a origem O do eixo Ox corresponde posio de equilbrio do
bloco, pode-se escrever que:
T = mg + kx
Levando esta informao para a equao anterior temos:
m + kx = 0

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Que a equao diferencial do movimento do bloco, cuja soluo


geral a funo:
x(t) = c1eiwt + c2e-iwt
Donde, tendo em conta as condies iniciais dadas (x(0) = A e x
(0) = 0, temos:
x(t) = Acoswt, w2 = km
2) Esta soluo j prova que o movimento peridico e mostra que o
seu perodo tem um valor igual a 2/w, isto , mostra que se tem que:
T = 2 m / k

Foras Inerciais
Enquanto que as foras de interao so determinadas exclusivamente
pela experincia, as foras inerciais so definidas pelo estado de movimento do referencial em que se esteja relativo a um referencial inercial. Por exemplo, a fora inercial que existe em um referencial que
se encontra acelerado em relao a um referencial inercial com acelerao AO, mas em movimento puramente translacional (ou seja, w =
0) ser apenas a fora de Einstein, conforme definida anteriormente.
Outra caracterstica muito interessante das foras inerciais que estas
so de apenas quatro tipos. Quer dizer, o pior que pode acontecer, ou o
que a mais infeliz das escolhas de referencial pode acarretar, adicionar quatro foras extras quelas consideradas por um observador em
um referencial inercial. Mas em geral, apenas uma ou duas das quatro
possveis adicionada. Vamos estudar detalhadamente:

Fora de Einstein

N
T

A
P

Figura 2a

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N
E

Figura 2b

Vamos convencionar aqui que uma silueta feminina representar,


em nossas figuras, um observador em um referencial supostamente
inercial, enquanto que uma silueta masculina representar um observador em um referencial no-inercial. Isto posto, vamos analisar
a figura 2 a. Nela est representado o vago de um trem que passa
acelerado, com acelerao A, por uma observadora ligada ao solo,
suposto um referencial inercial. Esta observa que no interior do vago h uma mesa e sobre esta uma esfera de massa m em repouso
em relao ao vago. Nota ainda que, presa esfera est uma mola
esticada, com a outra extremidade presa parede do vago. Esta observadora tambm sabe que existem outras duas foras de interao agindo sobre a esfera, o peso P, e a reao normal N, a primeira
sendo uma fora (de ao distncia) exercida pelo planeta e a segunda uma fora (de contato) exercida pela mesa. E como sabe que
estas duas foras tm o mesmo mdulo, a observadora descreve o
movimento acelerado da esfera como sendo conseqncia da fora
resultante T que a fora que a mola exerce sobre a esfera. Escreve
ento a equao de movimento para a esfera como
T = mA
Na figura 2 b encontramos a mesma esfera sendo observada por
um observador solidrio ao vago. Como se encontra em um referencial no inercial em movimento de translao acelerado com
acelerao A relativa a um referencial inercial, este observador nota,
alm das foras de interao N, P e T que existiam para a primeira
observadora (as foras de interao so invariantes sob mudana de
referencial, j o sabemos), a fora de Einstein E representada na figura. E como para este observador a esfera encontra-se em repouso,

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63

ele conclui que nula a soma das foras que agem sobre ela. Ele
conclui ento, que E=-T, portanto,
E = -mA
A fora de Einstein uma fora muito familiar a todos ns, certamente a fora inercial mais presente nossa experincia cotidiana.
Ao viajar em qualquer veculo que possua uma acelerao maior,
como um avio, ou uma motocicleta, at mesmo automveis ou nibus, todos sentimos a necessidade de se segurar quando de uma freada ou acelerao mais brusca. E no parece adequado supor que
esta seja uma fora fictcia, uma vez que sentimos na prpria pele
as conseqncias destes empurres ou puxes, se no nos seguramos
a fim de anul-los. esta a fora que na Teoria da Relatividade Geral
se afirma ser equivalente fora peso.

Fora Centrfuga

Figura 3a

Figura 3b

Na figura 3a est representado um disco horizontal, visto de


cima, em repouso em relao Terra, suposta um referencial inercial. Sobre o disco est uma esfera de massa m ligada a quatro molas idnticas, que nesta situao encontram-se dispostas de forma
simtrica e relaxadas, ou seja, nem esticadas nem comprimidas.
Uma observadora ligada Terra verifica que as nicas foras ( de
interao) aplicadas esfera so seu peso P e a reao normal N
do disco sobre a esfera ( ambas verticais). Como no h movimento
vertical, conclui que P + N = 0.
Na figura 3b o mesmo disco agora est girando com velocidade
w constante em torno de um eixo vertical passando por seu centro.

64

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A nova configurao das molas leva a observadora inercial concluir


que agora existe uma fora resultante da ao das molas, fora esta
no plano horizontale que, pela configurao simtrica das molas,
est dirigida ao centro do disco: as molas dispostas radialmente,
uma esticada e a outra comprimida, resultam numa fora dirigida ao
centro, enquanto que as molas transversais, igualmente esticadas,
possuem soma tambm dirigida para o centro. Ao mesmo tempo,
ele observa que a esfera possui um movimento circlar e uniforme,
de raio R e velocidade angular w. Portanto, observa que esta possui
acelelao centrpeta de mdulo A = w2R = v2/R . Ento ela pode
escrever que a fora M das molas est relacionada com a acelerao
centrpeta como M = mA . Quer dizer, a fora centrpeta necessria
para manter a esfera em movimento circular uniforme dada pela
fora que as molas exercem sobre a esfera.
Entretanto, um observador ligado ao disco girante, que um observador no inercial, nota que, em relao a ele, a esfera se encontra em repouso. Como as foras de interao so as mesmas para ele,
haver alguma fora que equilibre a fora M das molas. Esta fora C,
que existe para este observador no inercial, pode ser ento descrita
como oposta fora das molas, portanto dirigida para fora do centro
do disco e de mdulo C=w2R. Voc pode verificar que esta fora corresponde, na forma vetorial, expresso que derivamos anteriormente
C = -mw (w r)
e que denominamos como fora centrfuga.
A fora centrfuga tambm surge com bastante freqncia em
nossa experincia cotidiana. Sempre que percorremos uma curva, em
especial em velocidades mais altas, no interior de um mvel, sentimos
o corpo sendo puxado para fora do veculo, e em geral sentimos que
as paredes deste nos empurram para dentro e anulando o efeito da
fora centrfuga, que de outra forma nos levaria a cair do veculo
em movimento. Da mesma forma ela est presente quando empurra a
roupa contra a parede em uma mquina de lavar e desta maneira espreme a gua da roupa. Tambm em diversos brinquedos de parque
de diverso possvel experimentar a fora centrfuga.

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Fora de Euler
Suponha agora que o disco girante representado na figura 3 b sofra uma acelerao angular . Tal situao est representada na
figura 4. Vejamos como ficam as anlises de nossos dois observadores nesta nova configurao.
A observadora ligada Terra, que estamos supondo como um referencial inercial, observa a esfera com movimento circular acelerado,
sujeita s mesma foras de interao P e N que atuavam na situao
anterior, e que da mesma forma se anulam. Porm sujeita a outra fora
resultante da ao das molas, R. Tambm observa, por outro lado,
que alm da acelerao centrpeta, que ela pode escrever como AN =
-w2RN , onde N o unitrio segundo a normal trajetria, apontando
para fora da curva, a esfera tambm possui uma acelerao tangencial
dada por AT = RT onde T o unitrio tangente trajetria. Ou seja,
ela escreve a seguinte equao de movimento para a esfera:
R = mA

RT = mR
RN = -mw2R

Figura 4

O observador ligado ao disco nota, entretanto, que a esfera permanece parada em relao a ele. Sabe ento que alm das foras de
interao P e N que se cancelam na direo vertical, e da fora inercial C , a fora centrfuga, que cancela a ao das molas na direo
radial, existe uma segunda fora inercial, que cancela a fora tangencial exercida pelas molas, e esta fora E*, chamada fora de Euler
deve ento ser tal que
E* = -mw r

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conforme voc pode confirmar fazendo o produto vetorial neste caso.


A fora de Euler no to comum ou perceptvel quanto as foras
inerciais anteriores, embora no seja difcil senti-la em situaes
onde se aumente ou diminua sensivelmente a velocidade de rotao
num brinquedo, por exemplo, onde voc se encontre.

Fora de Coriolis
A quarta e ltima fora inercial que iremos analisar a nica que depende de a partcula estar se movimentando em relao ao observador
no-inercial, pois possui em sua expresso a velocidade v, relativa ao
referencial no inercial. Nossa anlise, embora mais qualitativa, fornecer um caminho para compreender como esta fora age. Para isto
considere um disco circular e horizontal, mais uma vez, girando com
velocidade w e agora com uma pequena esfera de massa que lanada, a partir do centro do disco, com uma velocidade horizontal V0
em direo a um ponto A na borda disco. Desprezando quaisquer irregularidades ou atritos que possam perturbar o movimento da esfera,
vamos analis-lo do ponto de vista de nossos observadores.
A observadora ligada ao referencial inercial observa a esfera sendo
lanada a partir do centro do disco com velocidade V0 (figura 5 a)
que no se altera ( a soma das foras que agem sobre a esfera, P e N,
nula!) at que ela, aps percorrer uma trajetria retilnea enquanto
o disco gira sob ela, alcana um ponto B diferente de A (figura 5 b).

V0

Figura 5a

Figura 5b

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E o que ver o observador ligado ao disco? Vejamos as figuras:

v0

Figura 6a

B
Figura 6b

O observador no considera que seu referencial esteja se movendo, mas sim o cenrio externo se encontra girando com velocidade angular w* = -w. E de seu ponto de vista a esfera descreve
a estranha curva mostrada na figura 6 b at atingir o ponto B. Ele
percebe que uma fora muda a direo da velocidade a cada ponto
da trajetria. Sabemos que neste referencial no existe a fora de
Einstein (no h acelerao de nenhum ponto do disco em relao
ao solo), nem a fora de Euler (a velocidade de rotao constante).
Enquanto que a fora centrfuga existe, mas tem a direo radial em
cada ponto, a nica fora responsvel pela mudana de direo da
partcula a fora de Coriolis, que como sabemos da forma
C* = -2mw v
Realmente, esta fora perpendicular trajetria da esfera em cada
ponto de sua trajetria a responsvel pela estranha trajetria observada naquele referencial (figura 7).

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* = -

v
C

Figura 7

A fora de Coriolis tem sua manifestao mais evidente e popular relacionada a uma caracterstica que envolve o movimento de
grandes massas de ar em nossa atmosfera. sabido que os ciclones e
todos os grandes deslocamentos de ar da atmosfera que ocorrem no
hemisfrio Norte do planeta possuem vorticidade orientada no sentido anti-horrio, ao contrrio do que ocorre no hemisfrio Sul, onde
o sentido do giro o dos ponteiros do relgio. Presume-se que este
seja um efeito notvel da fora de Coriolis, originada no fato de a
Terra ser um referencial dotado de velocidade angular. O mesmo fato
justifica os pequenos desvios na verticalidade dos objetos em queda
prximos superfcie do planeta. Ao cair os objetos tm sua trajetria desviada da vertical por uma pequena deflexo, que difcil de
ser medida devido presena, em geral, de vrios fatores perturbadores da experincia tais como a presena de ventos, a resistncia do
ar e etc. Para se ter uma idia, fcil calcular qual seria a deflexo
sofrida para uma queda de 100m de altura na regio do Equador terrestre (onde a deflexo mxima): seria de cerca de 2cm!
Exemplo
6. Uma pequena esfera metlica pode se mover sem atrito no interior de um tubo cilndrico, de seo reta uniforme, que gira com
velocidade angular constante, w, em torno de um eixo vertical, ,
fixo em relao Terra, suposta um referencial inercial. Sabendo
que o tubo forma com a vertical do lugar um ngulo , calcule em
que ponto do interior do tubo a esfera poder ficar em equilbrio,
relativamente ao prprio tubo.

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Soluo
Visando a obter uma mais profunda compreenso das leis da Mecnica, vamos resolver o problema do ponto de vista de um observador
inercial e do ponto de vista de um observador no-inercial.

Soluo do observador inercial

Soluo do observador no-inercial

O sistema cartesiano OXY, indicado na figura acima , por hiptese, solidrio Terra (suposta,
ela mesma, um referencial inercial) e tal que o eixo OY coincide com o eixo em torno do
qual o tubo gira. Na figura esto representadas as foras que
atuam sobre a esferazinha, suposta j estar na posio em que
fica em equilbrio relativamente
ao tubo. Como o referencial utilizado (a prpria Terra) , por hiptese, inercial, sobre a esferazinha
atuaro apenas foras de interao, as quais so apenas o prprio peso P da esferazinha e a
fora T exercida pelo tubo.
Sob a ao dessas foras a esferazinha est se movendo, com
uma acelerao A (relativa

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O sistema cartesiano oxy indicado na figura acima , por


hiptese, fixo no referencial R
solidrio ao tubo que gira em
relao Terra (suposta, ela
mesma, um referencial inercial) e
tal que o eixo oy coincide com
o eixo em torno do qual o tubo
gira. Na figura esto representadas as foras que atuam sobre a
esferazinha, suposta j estar na
posio em que fica em equilbrio relativamente ao tubo. Uma
vez que o referencial R noinercial, sobre a esferazinha atuaro foras inerciais, alm das
de interao P e T. Escolhendo
para plo dos vetores-posio a
origem cartesiana o (coincidente
com o extremo inferior do tubo,
e que estamos supondo perten-

Terra), descrevendo uma circunferncia horizontal, de raio =r


sin, onde r a distncia da esferazinha ao extremo inferior do
tubo (extremo este que estamos
supondo pertencer ao prprio
eixo de rotao do tubo).
Tendo em conta a segunda lei
de Newton, podemos escrever que:
F = mA Fn = mAn (i)

onde com Fn estamos indicando


a soma das componentes normais ( trajetria) das foras que
atuam sobre a esferazinha e com
An a componente normal da sua
acelerao. Como, no caso, An =
w2 , vem, da i, e tendo em conta
a figura, que:

cer ao prprio eixo de rotao


), ter-se- que a nica fora
inercial a atuar sobre a esferazinha ser a fora centrfuga
C=-mw(wr). Sob a ao dessas foras a esferazinha est em
equilbrio, relativamente ao
referencial R solidrio ao tubo.
Ento, tendo em conta a primeira lei de Newton, podemos
escrever que:
F = 0 f = 0 (i)

Tcos= mw2 (ii)

Onde com f estamos indicando a soma das componentes,


em relao a um eixo coincidente com o eixo de simetria do
tubo, das foras que atuam sobre
a esferazinha.
Da i, e tendo em conta a figura, vem que:

Tendo em conta, agora, que

C sin - Pcos = 0

Ay = 0 Fy = 0

E tendo em conta tambm a figura


e o fato de que P = Mg, vem que:
Tsin - mg = 0 (iii)
De ii e de iii vem que
sin = (gcos) w2

Donde, tendo em conta que


C = mw2 e P = Mg, vem que:
mw2 sin = mgcos
donde ainda, tendo em conta
que da figura se v que = r
sin, vem finalmente que:
r = (gcot) (w2sin)

Donde, finalmente temos:


r = (gcot) (w2sin)

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Exerccios
1) O carro representado na figura est percorrendo uma estrada
retilnea e horizontal, movendo-se com uma acelerao constante
A dirigida da esquerda para a direita. Fixo ao carro existe uma
rampa cujas retas de mximo declive pertencem a planos verticais paralelos ao eixo da estrada. Uma pessoa que viajava no
carro observou que uma esfera homognea sendo abandonada
sobre a rampa permanecia imvel em relao rampa. Calcule o
ngulo que a rampa forma com a horizontal.

2) A figura abaixo , supostamente, a reproduo de uma fotografia de um trecho de uma estrada, e a situao que foi fixada
na fotografia a seguinte: o automvel da esquerda estava percorrendo um trecho horizontal, o do centro estava passando no
ponto mais baixo de uma depresso e o da direita estava passando no ponto mais alto de uma elevao.

Sabendo que os carros eram idnticos e estavam igualmente carregados e com a mesma velocidade, e supondo momentaneamente
desprezveis os atritos, calcule qual dos carros estava exercendo
sobre a estrada a fora de norma maior.

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3) Um automvel de massa m est atravessando uma ponte cujo raio


de curvatura correspondente ao seu ponto mais alto vale R. Sabendo
que a concavidade da ponte voltada para baixo, que vale h a altura
do centro de massa do automvel, relativa ao plano de apoio das rodas, e que a velocidade escalar do automvel ao passar no ponto mais
alto da ponte vale v, calcule a norma da reao vincular normal N
que a estrada estar ento exercendo sobre ele.
N
v

4) Uma partcula de massa m est percorrendo o ramo superior da


seguinte trajetria parablica:
y2 = 2x
z=0

= cte
Sabendo que x > 0 e que x = =cte, onde a componente, em
relao ao eixo Ox, da velocidade da partcula, calcule a resultante
das foras que atuam sobre ela num ponto genrico de sua trajetria.
5) O corpo C, de pequenas dimenses, representado na figura ao
lado, escorrega sem atrito, a partir de uma altura h, sobre uma superfcie cujo ponto mais baixo tem tangente horizontal.
C

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Ao passar por esse ponto mais baixo da superfcie o corpo aciona um


dispositivo eltrico, de forma que no mesmo instante o eletro-im
representado na figura deixa cair o corpo D que estava na mesma
altura que o ponto mais baixo na superfcie sobre a qual o corpo C
deslizava. Demonstre que os dois corpos se chocaro, independente
da relao que possa existir entre h e a distncia indicada na figura.

6) Um projtil de massa m lanado com uma velocidade inicial v0


que forma com a horizontal um ngulo . O ar exerce sobre o projtil uma ao que equivalente, em cada data t, a uma fora F que
se ope a seu movimento, sendo F = - v, onde = cte > 0 e v a
velocidade do projtil na data t. Escolha um sistema de eixos cartesianos Oxy cuja origem O coincida com o ponto de lanamento do
projtil, cujo plano xOy contenha a velocidade inicial v0 e cujo eixo
Oy seja vertical e apontado de baixo para cima, e obtenha as equaes de movimento do projtil. Calcule, tambm, quanto tempo
transcorre desde o instante de lanamento at o instante em que o
projtil atinge o ponto mais alto de sua trajetria.

7) Uma das extremidades de uma mola fixa enquanto que a outra


extremidade est ligada a um bloco metlico, de massa m, que pode
deslizar ao longo de uma haste retilnea, horizontal e fixa. Afasta-se o
bloco da sua posio normal de equilbrio at uma posio situada a
uma distncia A da referida posio, onde ele ento abandonado. Supondo irrelevantes os possveis atritos, assim como a massa da mola:
1) deduza uma frmula que permita calcular a posio do bloco numa
data genrica; 2) deduza uma frmula que permita calcular a velocidade escalar do bloco numa data genrica. Constante da mola = k.

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Mecnica Clssica | Fsica

8) Na figura est representada uma esfera metlica, de massa m, ligada a uma das extremidades de uma mola cuja outra extremidade
est presa a um suporte fixo. A esfera apia-se sobre uma rampa
plana que forma com a horizontal um ngulo igual a . Inicialmente
o sistema estava em equilbrio, mas num certo instante a esfera foi
deslocada ao longo da reta de mximo declive da rampa e abandonada numa nova posio e, em consequncia, passou a oscilar. Supondo irrelevantes os possveis atritos, assim como a massa da mola:
1) prove que o movimento da esfera peridico; 2) calcule o perodo
do movimento da esfera. Constante da mola = k.

9) O carro representado na figura est percorrendo uma estrada retilnea e horizontal, movendo-se com uma acelerao constante A
dirigida da esquerda para a direita. O observado que viaja no carro
observa que o fio de um pndulo simples que existe no carro, e que
est em equilbrio (relativamente ao carro), forma com a vertical um
ngulo = 30. Sabendo que g = 9,81 m/s2 e que o carro est animado de movimento puramente translacional, em relao Terra,
suposta, ela mesma, um referencial inercial, calcule a norma de A.

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10) O oscilador harmnico (bloco-mola) representado na figura est


oscilando num elevador que est animado de translao vertical, uniformemente variada, relativa Terra, suposta um referencial inercial.
Sabendo que a constante da mola e a massa do bloco so respectivamente iguais a k e m, e que a acelerao do elevador tem norma igual
a A e dirigida de baixo para cima, estude o movimento do bloco, do
ponto de vista do observador solidrio ao elevador, informando, caso
o movimento seja peridico, qual o seu perodo. Supem-se irrelevantes a massa da mola, assim como os possveis atritos.
A

11) Uma pedra largada, sem velocidade inicial relativa Terra,


num ponto situado prximo superfcie desta e pertencente ao
plano equatorial terrestre. Sabendo que a Terra gira, em relao ao
universo estelar, com movimento de rotao sensivelmente uniforme
e que praticamente nula a acelerao do seu centro, relativa ao
universo estelar, calcule se a pedra cai seguindo rigorosamente a
vertical do lugar. Caso a pedra no caia segundo a vertical do lugar,
calcule se ela, proporo que vai caindo, vai se desviando para o
leste, ou para o oeste, ou para o norte, ou para o sul.
12) Uma bola de chumbo est suspensa ao teto de um vago por um
fio cuja massa desprezvel, e o vago est descendo uma rampa,
de declividade constante e igual a . Sabotadores haviam espalhado
leo sobre os trilhos, de forma que o vago est descendo a rampa
totalmente sem freios. Um passageiro, que est viajando no vago,
observa que existe uma posio do fio no qual o sistema fio-bolade-chumbo fica em equilbrio relativamente ao vago. Sabendo que
os trilhos sobre os quais se move o vago so paralelos s retas de
declive mximo da rampa, e supondo desprezvel a resistncia ofe-

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recida pelo ar ao movimento do vago, e considerando a Terra como


um referencial inercial, calcule o ngulo que o fio forma com a vertical do lugar, estando o sistema fio-bola-de-chumbo na sua posio
de equilbrio relativamente ao vago.

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mecnica na
formulao Lagrangiana

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Mecnica Clssica | Fsica

1.

A Mecnica Lagrangiana

O estudo da Mecnica Clssica (aquela que lida com o movimento


nas dimenses em que nossos sentidos percebem, ou seja, nem to
pequenos quanto aqueles em que se aplica a Mecnica Quntica,
nem to velozes quanto aqueles em que se aplica a Mecnica Relativstica) no se esgota no formalismo newtoniano, pelo contrrio,
aquele foi apenas o primeiro formalismo que tratou do assunto, inclusive na ordem cronolgica. Enquanto o formalismo desenvolvido
por Newton se caracteriza por lidar com grandezas vetoriais (velocidade, acelerao e fora, por exemplo), e por isso mesmo muitas
vezes chamado de Mecnica Vetorial, os formalismos que o sucederam tratam com grandezas escalares (coordenadas e energias, por
exemplo) e so em geral chamados de Mecnica Analtica (categoria
em que se encaixam as teorias desenvolvidas por Lagrange e Hamilton, por exemplo). Na introduo de seu livro Mchanique Analytique, publicado em 1788, Lagrange alertava: Nenhum diagrama ser
visto neste trabalho. Quer dizer, possvel resolver todos os problemas acerca do movimento, como aqueles em que usamos a teoria
de Newton, lanando mo de outras teorias, em que, por exemplo,
no se faz a menor meno a foras ou vetores. Neste curso veremos
duas das mais importantes teorias analticas da Mecnica Clssica,

Fsica | Mecnica Clssica

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as teorias de Lagrange (Joseph-Louis Lagrange,1736-1813) e de Hamilton (Willian Rowan Hamilton, 1805-1865), respectivamente conhecidas como teorias lagrangiana e hamiltoniana. No Mdulo atual
trataremos exclusivamente do formalismo lagrangiano, reservando
o prximo para o formalismo hamiltoniano.
Evidente que o fato de lidar apenas com escalares no a nica
caracterstica que distingue os formalismos analticos do formalismo
vetorial ou newtoniano. Cada formalismo possui caractersticas peculiares que o tornam mais adequados que os outros dependendo das
situaes ou interesses em jogo. Por exemplo, para sistemas cujo movimento possua restries, ou vnculos conforme veremos adiante, o
formalismo lagrangiano pode ser prefervel ao newtoniano, e mesmo
ao hamiltoniano. Mas no existe uma prevalncia absoluta de um formalismo sobre o outro. No h um formalismo melhor que outro,
mas situaes nas quais um mais adequado que o outro. Entretanto,
neste Curso faremos uma abordagem muito introdutria a estes novos
formalismos, de maneira que no caberia aqui uma discusso mais
aprofundada a respeito de mritos e quais seriam dos vrios formalismos da Mecnica Clssica. Nos contentarmos em compreender de
forma mais geral como so e como se aplicam os formalismos analticos em situaes simples e ilustrativas da Mecnica Clssica.
Embora as equaes de Lagrange, aquelas que fornecem as equaes de movimento dentro do formalismo lagrangiano e que se
constituem no equivalente segunda lei de Newton, possam ser derivadas a partir das prprias leis de Newton, e a equivalncia das
duas abordagens se torne ento mais evidente, vamos apresent-las
como um postulado. Na verdade estas equaes podem ser derivadas de forma completamente independente das equaes de Newton,
surgindo como conseqncia direta de um princpio mais geral e
fundamental chamado de Princpio da Mnima Ao, mas vamos insistir em apresent-las diretamente na forma de um postulado. Antes, porm, vamos definir alguns ingredientes fundamentais, como
por exemplo, o que vem a ser uma coordenada generalizada.
Considere como exemplo uma partcula que se move sobre um
plano horizontal. Para descrever sua posio podemos utilizar um
sistema de coordenadas cartesianas, duas neste caso, x e y. Ou um
sistema de coordenadas polares, r e . De qualquer forma, o nmero
de coordenadas necessrias para descrever a posio e, portanto, o
movimento da partcula dois. Dizemos que o sistema (partcula

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num plano) possui dois graus de liberdade. Da mesma forma, uma


partcula que se move sobre uma curva possui um grau de liberdade
e necessita de uma coordenada para descrever sua posio. No formalismo lagrangiano o nmero de graus de liberdade, ou seja, o
nmero de coordenadas independentes necessrias para descrever a
configurao do sistema em pauta o que importa. No importa a
escolha particular do sistema de coordenadas que se far uso, se cartesianas ou polares, ou cilndricas. A teoria no dependente do sistema de coordenadas, que definido, ou escolhido, em cada situao.
Utilizamos ento a letra q para representar de forma geral as coordenadas neste formalismo. Voltando ento ao sistema em pauta, as coordenadas generalizadas sero q1 e q2 . Em geral se utiliza a notao
i = 1,...,n

qi

onde n o nmero de graus de liberdade do sistema.


Como as coordenadas generalizadas so independentes entre si,
em princpio, possvel imaginar um conjunto de eixos mutuamente
perpendiculares definindo um espao de n dimenses, em que cada
ponto representa uma possibilidade, uma configurao, em que o
sistema pode se encontrar. Este espao chamado de espao de configurao. A evoluo temporal do sistema, ou da partcula em nosso
estudo, representada por uma curva q(t) neste espao. Na figura 1
mostramos a representao bidimensional de tal curva no espao de
configurao ( a representao cartesiana apenas simblica, pois
no caso geral tal estrutura no garantida; por exemplo, a coordenada pode ser um ngulo) entre os instantes t1 e t2:
qi + 1

t2

t1
qi
Figura 1

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Neste contexto, chamaremos de velocidade generalizada a derivada temporal da coordenada generalizada:


qi

qi
t

Em toda esta exposio estaremos supondo que a fsica se observa a partir de um referencial inercial, supondo que a extenso
para um referencial qualquer seja imediata e natural, apenas mais
trabalhosa dependendo da situao particular.
Vamos ento definir uma funo escalar, a lagrangiana L, em termos da energia cintica e da energia potencial da partcula, expressas estas em funo das coordenadas e velocidades generalizadas e
possivelmente o tempo. Temos ento:
L=T-V
com T = T (q,q ) e V = V (q,t) (usaremos sempre que no for motivo
de confuso a notao abreviada (q, q ) sem os ndices is supondo implcita sua presena). Portanto, a lagrangiana pode ser escrita como
L = L (q, q ,t)
Em muitas situaes importantes e comuns a energia cintica depender apenas das velocidades e a energia potencial apenas das coordenadas, de forma que a lagrangiana ser funo apenas das coordenadas e
velocidades generalizadas, como veremos em nossos exemplos.
As equaes de movimento podem ento ser postuladas como
d L
L
=
dt qi
qi
i = 1,...,n

eq. 1

Temos assim um sistema de n equaes diferenciais de segunda


ordem no tempo para as n coordenadas que descrevem o sistema.
No caso de uma partcula em 3 dimenses, temos 3 equaes diferenciais de segunda ordem para resolver de forma matematicamente
equivalente ao trabalho que tnhamos no formalismo newtoniano.
Aparentemente, pouco se ganha com o novo formalismo, alm de
evitar a linguagem vetorial. Entretanto, existem situaes em que a
simplificao envolvida para resolver um problema com o forma-

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lismo lagrangiano muito grande. Em linhas gerais, podemos citar


aquelas situaes em que existem vnculos, conforme j veremos e
ilustraremos em exemplos. O estudo de simetrias torna-se tambm
bastante facilitado neste formalismo, conforme veremos adiante.
Tambm o tratamento de sistemas com muitos graus de liberdade,
inclusive infinitos graus de liberdade como o so os fluidos ou as
teorias de campos na fsica mais moderna, ganham um importante
aliado no formalismo lagrangiano.
Vamos abrir um pequeno parntese para discutir a questo da
fora, ou a ausncia desta, no formalismo de Lagrange. Na Mecnica
de Newton as foras do a informao de como o ambiente dita a
natureza do movimento da partcula. Neste sentido correto afirmar
que as foras so a causa, ou origem, do movimento, pois so elas
que determinam como este se altera, ou no se altera. No formalismo
presente so as energias potenciais, que apesar de escalares, respondem pela ao do ambiente sobre o movimento da partcula. J
sabemos dos estudos da mecnica newtoniana que a fora est relacionada com a energia potencial atravs de um gradiente, ou seja,
F = -V

No deve, portanto, causar maior estranheza que seja a energia


potencial, presente na lagrangiana, quem traz a informao de como
o ambiente influencia no movimento da partcula.
A propsito, note que da maneira pragmtica como apresentado
aqui, o formalismo de Lagrange abrange apenas sistemas conservativos, o que no passa da pura verdade. Entretanto, possvel
estender bastante o formalismo de maneira que praticamente todas
as situaes tratadas no formalismo newtoniano possam ser tambm tratadas neste formalismo. Mas infelizmente, tal anlise no
caberia no espao e no tempo reservados para este Curso. Assim
no trataremos de sistemas dissipativos ou de potenciais envolvendo velocidades, o que em particular abriria a possibilidade de
englobar os sistemas eletromagnticos.
Restam ainda algumas observaes a respeito de como so tratados os vnculos nesta teoria. Vnculos so restries ao movimento
representadas matematicamente por relaes envolvendo, em geral,
coordenadas e/ou velocidades, que na melhor das possibilidades permitem a reduo explcita dos graus de liberdade do sistema em

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pauta. Considere, por exemplo, uma partcula em um plano restrita


a se mover sobre uma circunferncia de raio R contida neste plano.
Em seu universo original, o plano, este sistema teria dois graus
de liberdade. Mas a restrio, o vnculo a que ele est sujeito explicita uma reduo no nmero de graus de liberdade de 2 para 1. Se
usarmos coordenadas cartesianas, por exemplo, este sairia de uma
situao de duas coordenadas, x e y, para uma coordenada, x por
exemplo, uma vez que haveria o vnculo do tipo
x2 + y2 = R2
que permitiria eliminar a coordenada y da descrio atravs da
substituio
y R2 - x2

Este tipo de vnculo, que permite atravs de uma relao entre


as coordenadas, exprimir uma ou mais coordenadas em funo
das demais, chama-se na literatura de vnculo holnomo. Nos ateremos, neste Curso, a problemas que envolvam apenas vnculos
holnomos, por simplificao.
Exemplos
Vamos ilustrar a teoria exposta acima com alguns exemplos de situaes simples em que usaremos o formalismo de Newton e o formalismo de Lagrange, a fim de que se possa apreciar tambm a
diferena de tratamentos matemticos.
I - Vamos considerar inicialmente uma partcula de massa m sujeita
a uma fora conservativa F num espao tridimensional.
Newton:
F = ma
Usando coordenadas cartesianas x, y e z temos:
= Fx / m
= Fy / m
z = Fz / m

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Lagrange:
d L
L
=
qi
dt qi

Tambm usando coordenadas cartesianas temos:


T = m (2 + 2 + 2) ; V = V (x,y,z)
L = m (2 + 2 + 2) - V (x,y,z)
L
d L
L
= m ;
= m ;
= V / x = Fx m = Fx

dt
x
L
d L
L
= m ;
= m ;
= V / y = Fy m = Fy

dt
y

L
d L
L
= m ;
= mz ;
= V / z = Fz mz = Fz

dt
z

Assim as equaes de movimentos so as mesmas do grupo acima.


II) Consideremos uma partcula de massa m em uma dimenso, sem atrito,
sob a ao de uma mola de constante k, conforme representado na figura:

Figura 2

Newton:
F = ma
Usando a coordenada x representada na figura temos
x = - k/m x

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Lagrange:
d L
L
=
qi
dt qi
T = m2 ; V = kx2
L = m2 - kx2
L
d L
L
= m ;
= m ;
= - kx m = - kx

dt
x

III) Considere uma partcula de massa m num plano horizontal


atada por uma corda inextensvel e de massa irrelevante, em M. C.
U. sobre uma circunferncia de raio R.
Newton:

Figura 3

Usando um sistema de coordenadas polares (r,) com unitrios


respectivamente N e T , e chamando de T a trao exercida pela
corda sobre a partcula temos
F = ma

Ou seja,

-TN + 0T = -mv2/R N + RT
=0
T = m v2/r

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Que nos revelam a fora de trao (fora de vnculo) e que w =


constante.
Lagrange:
Devido ao vnculo
r=R
vamos escolher a nica coordenada generalizada como sendo a coordenada angular . Temos ento
d L
L
=
qi
dt qi
T = mR22 ; V = 0
L = mR22
L
d L
L
= mR2 ;
= mR2 ;
=0

dt

E temos finalmente mR2 = 0, que nos informa apenas que a velocidade angular constante, sem qualquer meno fora de vnculo F.
IV) Seja o sistema conhecido como mquina de Atwood , um sistema com vnculo holnomo, que vamos analisar primeiramente do
ponto de vista newtoniano, conforme ilustrado na figura 2:

m
P

As duas massas esto ligadas por uma corda de massa desprezvel


e inextensvel, que passa por uma roldana tambm de massa desprezvel. Desprezam-se tambm os atritos. As foras que agem sobre
as massas esto representadas na figura. O vnculo em questo est
contido na presena da corda que faz com que o movimento de uma
partcula esteja vinculado ao movimento da outra. Se tomarmos o

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solo como referencial, e um eixo perpendicular com origem no solo


e orientado para cima (digamos o eixo x), o sistema de duas partculas teria em princpio dois graus de liberdade expressos nas coordenadas x1 e x2 das massas m e M, respectivamente. Mas como a corda
tem comprimento fixo podemos escrever
x1 + x2 = cte
Ou seja, o movimento de m (dado pela funo x1(t) est vinculado ao movimento de M (x2(t) ), ou vice-versa, pela equao
(ou vnculo) acima. Em outras palavras, a um acrscimo x em x1
corresponde o acrscimo -x em x2, de forma a manter o vnculo
acima. No por acaso, se voc derivar duas vezes em relao ao
tempo a equao do vnculo, ir obter:
a1 = - a2
A segunda lei de Newton escrita em nosso sistema de coordenadas, conforme a notao da figura, nos informa que o movimento
das massas m e M ser descrito pelo sistema de equaes:
T - mg = ma1
T - Mg = ma2

que no so independentes devido ao vnculo presente. Tomando


este em conta o sistema se resume ao seguinte conjunto de duas
equaes com duas incgnitas (T e a1):
T - mg = ma1
T - Mg = - Ma1

que possui as solues:

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a1 =

(M - m)
g
(M + m)

T=

2Mm
g
(M + m)

Lagrange:
A lagrangiana deve ser escrita em termos de uma s coordenada,
uma vez que o vnculo deve ser usado para expressar uma delas em
funo da outra. Escolhendo coordenadas cartesianas como definidas anteriormente, o vnculo usado para expressar
x2 = cte - x1
Assim escrevemos
T = (m 21 + M 22 ) = (m + M) 21
V = mgx1 + Mgx2 = mgx1 + Mg (cte - x1) = (m - M)gx1

Note que devido forma das equaes de Lagrange, um termo aditivo constante nunca contribui s equaes de movimento, o que nos
fez abandonar um termo constante na energia potencial acima. Temos
L = (m + M) 21 - (m - M)gx1

e
L
d
= (m + M)1
1
dt

L
= (m + M)1
1

L
= (M - m)g
x1
(m + M)1 = (M - m)g

ou seja,

a1 =

(M - m)
(M + m)

que coincide com o resultado anterior. Observe que nenhuma meno foi feita fora interna que a corda mantm sobre as massas (a
fora de vnculo), apenas se considera o vnculo para a contagem
dos graus de liberdade, e somente a fora externa, quer dizer, a
energia potencial externa , do ambiente onde est inserido o sistema vinculado, entra na lagrangiana.

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V) Neste exemplo vamos analisar uma situao que envolve vnculos dependentes do tempo (so chamados renomos, enquanto que
aqueles que no envolvem o tempo, so esclernomos). Considere
uma pequena esfera metlica que se movimenta sem atrito no interior de um tubo de seo reta interna uniforme, numa regio livre da
fora gravitacional. O tubo gira com velocidade angular constante
(w) em torno de um eixo perpendicular a este.
Newton:
Vamos fazer primeiramente a anlise newtoniana da situao.
Para isso vamos considerar como horizontal o plano onde o tubo
se movimenta, e usar coordenadas polares para descrever o movimento da esfera. Como no h atrito com a parede do tubo, a esfera
s pode sofrer fora perpendicular ao tubo, portanto na direo do
unitrio tangente ao raio vetor desta.
Sabemos que a acelerao no sistema polar possui a forma (ide
Apndice)
a = (r - r 2) r + (2r + r )
Como a fora sobre a esfera apenas a fora exercida pelo tubo
F = Ft , temos que
mr - mr2 = 0
Ft = 2m + mr

Como

= 0 , temos finalmente
r = rw2
Ft = 2mw

Lagrange:
Como o vnculo se expressa como = w = const. a coordenada
deve ser substituda por wt e a lagrangiana ser funo apenas da
coordenada radial. Temos:
T = m (2 + r22) = m (2 + r2w2) ; V = 0
L = m (2 + r2w2)
L
d
= m ;

dt

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L
L
= mr ;
= mrw2 ;

Ou seja,
r = rw2
Note que a fora de vnculo no aparece no formalismo lagrangiano. A soluo desta equao, do tipo r(t) = ewt mostra que a
partcula se afasta do eixo de rotao devido fora centrfuga, do
ponto de vista de um observador ligado ao tubo e, portanto, no
inercial. Alguns autores confundem esta anlise e creditam fora
centrpeta este movimento (a fora centrpeta, caso existisse aqui,
levaria a esfera para o centro, e nunca para fora dele!)
VI) Este um bom exemplo de como uma situao que poderia ser
( na verdade ) bastante complicada para se resolver dentro do formalismo newtoniano pode ter uma soluo simples no formalismo
de Lagrange. Deixaremos ao estudante o desafio de resolver pelo
formalismo newtoniano o sistema representado na figura abaixo,
que poderamos bem chamar de mquina envenenada de Atwood:

x2
x1

m2

m1

x3

m3

Figura 7

Vemos imediatamente que o vnculo entre as massas 1 e 2 um


vnculo holnomo tal qual aquele da mquina de Atwood, e portanto reduz um grau de liberdade do sistema. O mesmo no se pode
afirmar da ligao entre os corpos 2 e 3. Portanto, os trs corpos em
movimentos unidimensionais tero suas coordenadas generalizadas
x1 e x3 ou x2 e x3 , como queira, uma vez que a relao
x1 + x2 = const.

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permite que uma dessas coordenadas se expresse em termos da outra. Ficamos com a segunda opo. Derivando em relao ao tempo
este vnculo obtemos x1 = -2, e podemos escrever
T = (m1 21 + m2 22 + m3 23 ) = (m1 + m2) 22 + m3 23

E para a energia potencial gravitacional e da mola, usando o vnculo e desprezando termos constantes que no contribuem para as
equaes de Lagrange, temos conforme a figura:
V = -g(m1x1 + m2x2 + m3 x3) + k/2 (x3 - x2- l)2 = -(m2 - m1)gx2 - m3gx3 + k/2 (x3 - x2- l)2

onde chamamos de l o comprimento relaxado da mola de constante


k. Temos finalmente,
L = (m1 + m2) 22 + m3 23 + (m2 - m1)gx2 + m3gx3 - k/2 (x3 - x2 -1)2
L
d L
= (m1 + m2)2
= (m1 + m2)2
dt 2
2
L
= (m2 - m1)g + k(x3 - x2 - 1)
x2
L
d L
= m3x3
= m33
dt
3
3
L
= m3g - k(x3 - x2 - 1)
x3

E temos as equaes de movimento


(m1 + m2)2 - (m2 - m1)g - k(x3 - x2 - 1) = 0
m33 - m3g + k(x3 - x2 - 1) = 0

Faa k = 0 nestas equaes e obtenha m3 caindo em queda-livre


enquanto m1 e m2 recuperam o mesmo movimento que na mquina
de Atwood original.

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3) Observaes Importantes
Lagrangianas Equivalentes
Interessante notar que um sistema mecnico no possui uma lagrangiana nica, mas uma infinidade de lagrangianas equivalentes, no
sentido que geram as mesmas e corretas equaes de movimento. Isto
se deve ao fato facilmente demonstrvel que uma lagrangiana que
difere de outra pela adio de um termo que seja a derivada total de
QUALQUER funo diferencivel das coordenadas e do tempo, gera
as mesmas equaes de movimento:
pk =

L
dqk

eq. i

Deixamos a cargo do estudante demonstrar, por substituio direta


nas equaes de Lagrange, que estas Lagrangianas so equivalentes.
Note que j observamos anteriormente que um termo constante
porventura contido na lagrangiana pode ser descartado, pois somente
derivadas da lagrangiana entram nas equaes de Lagrange. Este pode
ser tambm visto como um corolrio do resultado acima, visto que
uma constante c pode sempre ser computada como d/dt x ct.
Coordenadas Cclicas
Chamamos de momento generalizado, ou momento conjugado, ou ainda
momento canonicamente conjugado coordenada qk a quantidade
pk =

L
dqk

eq. i

Embora seja uma grandeza fundamental no formalismo hamiltoniano que estudaremos a seguir, mesmo aqui no formalismo lagrangiano esta se revela uma grandeza particularmente importante quando
se estudam as propriedades de simetria e as leis de conservao a elas
associadas (aqui o formalismo lagrangiano se revela especialmente
adequado). Observe para isto o que ocorre quando uma determinada
coordenada generalizada, qj, por exemplo, no aparece explicitamente
na lagrangiana. Neste caso ela chamada de coordenada cclica e a
equao de Lagrange relacionada a ela torna-se simplesmente
d
dt

L
= 0
qj

Fsica | Mecnica Clssica

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Ou seja,
pj = constante
Note que a ausncia da coordenada na lagrangiana implica em
que a descrio do sistema no muda se variarmos esta coordenada,
ou seja, existe uma simetria do sistema relativa a mudanas nesta
coordenada. E o resultado acima afirma que, associada a esta simetria, existe uma lei de conservao, a conservao do momento
conjugado coordenada cclica. Este um rico ponto de estudo na
Mecnica lagrangiana, que infelizmente no teremos oportunidade
de explorar neste Curso. Vejamos pelo menos um exemplo desta propriedade. Se uma partcula no espao est sob ao de um campo de
foras plano, por exemplo, as foras s agem em um plano vertical,
a energia potencial no ir conter a coordenada fora do plano. A lagrangiana abaixo ilustra este sistema:
L = m(x2 + 2 + 2) - V(x, z)
Neste caso, o momento conjugado coordenada y ser
py = L/ = m
que uma constante do movimento.

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Exerccios
1) Escreva a lagrangiana de uma partcula sujeita a um campo central, isto , a um potencial que depende apenas da distncia da partcula a um ponto O, que pode (e deve) ser tomado como origem do
sistema de coordenadas usado para descrever o movimento. Neste
caso, se voc utilizar, por exemplo, coordenadas esfricas, a energia
potencial poder ser escrita simplesmente como V = V (r). Resolva
este problema de duas maneiras: uma usando coordenadas cartesianas e outra usando coordenadas esfricas (use apndice). Qual dos
sistemas lhe parece mais adequado, e por qu?
2) Considere o sistema de duas partculas de massas idnticas presas s extremidades de uma haste de comprimento l, rgida e de
massa desprezvel, vinculadas a se moverem nos sulcos representados na figura. Escreva a lagrangiana deste sistema de duas partculas usando como coordenada generalizada o ngulo que a haste
forma com a horizontal. Despreze possveis atritos. Use as equaes
de Lagrange para obter a equao de movimento do sistema.
y

3) Considere um pndulo simples, de comprimento l e massa m.


Considere os vnculos presentes e escreva a lagrangiana em termos
da(s) coordenada(s) generalizada(s) em questo. Derive tambm as
equaes de movimento.

Fsica | Mecnica Clssica

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4) Considere um pndulo duplo e encontre a lagrangiana e as equaes de movimento, aps uma escolha adequada das coordenas generalizadas (conforme sugerido na figura).

l1
(x1, y1)
m1
2

l2
m2

(x2, y2)

5) Uma conta de massa m desliza sem atrito ao longo de uma haste


rgida, de massa desprezvel, que gira num plano vertical com velocidade angular constante w. Mostre que, com uma escolha adequada
da coordenada r, a lagrangiana do sistema
L = mr2 + mw2r2 - mgrsenwt
Encontre a equao de movimento.
6) Considere a chama mquina de Atwood oscilante. Usando as coordenadas indicadas na figura, mostre que a lagrangiana dada por
L=

m+M 2
m 2
+
r + - gr (M - mcos)
2
2

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Mecnica Clssica | Fsica

mecnica na
formulao Hamiltoniana

4
Fsica | Mecnica Clssica

97

1.

A Mecnica Hamiltoniana

O formalismo analtico que vamos estudar agora difere em muitos


aspectos importantes do formalismo lagrangiano, embora tambm
guarde o carter no-vetorial, ou escalar, como uma caracterstica
relevante. Enquanto que, por um lado, o formalismo de Lagrange
se revela bastante adequado quando se procura tratar relativisticamente importantes teorias fsicas, por outro lado o formalismo
hamiltoniano parece ser essencial, de um ponto de vista formal,
quando se requer a transio para o limite de teorias qunticas ou
para o tratamento da mecnica estatstica. Entretanto, lembrando
que nossa abordagem destes formalismos tem um carter apenas introdutrio e quase ilustrativo, e levando em conta nossos limites de
espao e tempo, no avanaremos muito mais nestas consideraes
a respeito da natureza mais profunda de cada formalismo.
Vamos introduzir o formalismo de Hamilton da mesma forma
pragmtica que usamos ao apresentar o formalismo de Lagrange,
sem nos preocupar com a deduo de um formalismo a partir de
outro, ou mesmo a partir de algum outro princpio mais bsico. Embora seja muito instrutivo e interessante o procedimento matemtico que nos leva do formalismo lagrangiano ao hamiltoniano, ou

98

Mecnica Clssica | Fsica

ainda a derivao da teoria de Hamilton a partir de um princpio


fundamental e independente de outros formalismos, o Princpio da
Mnima Ao, apresentaremos aqui o formalismo de Hamilton como
um postulado, da mesma maneira como foi feito no caso lagrangiano. Teremos, entretanto, que comear por definir alguns dos ingredientes fundamentais da teoria e o espao peculiar em que se d
a descrio de Hamilton da Mecnica.
Inicialmente vamos definir as coordenadas que so usadas nesta
descrio. Um sistema mecnico com n graus de liberdade descrito, no formalismo de Lagrange, em um espao de configurao
n-dimensional, em que cada ponto representa uma configurao
possvel do sistema. A trajetria traada por tal ponto neste espao, que no o espao fsico do sistema, no decorrer do tempo,
representa o movimento do sistema. De maneira semelhante, o movimento de um sistema no formalismo de Hamilton representado
pela trajetria temporal de um ponto em um espao, s que agora
2n-dimensional, onde a cada coordenada generalizada qn se associa uma nova coordenada pn, chamada momento cannico associado a qn, definido por (eq. 3-ii no Modulo III):
pn =

L
qn

eq. 1

Ou seja, o espao onde se representa o movimento no formalismo


hamiltoniano tem dimenso duplicada (n 2n) em relao quele
utilizado no formalismo lagrangiano, e construdo segundo a receita qn (qn, pn). Dizemos que um sistema com n graus de liberdade descrito por n pares canonicamente conjugados (qn, pn), ou
equivalentemente, por 2n coordenadas cannicas, e o espao por
elas definido chamado espao de fase.
Um ponto neste espao 2n-dimensional representa um estado do
sistema, pois que alm de uma configurao possvel do sistema (os
valores das coordenadas que dizem onde est o sistema) este ponto
contm tambm informaes sobre como anda o sistema (ele traz
informaes sobre as velocidades com que mudam as coordenadas
naquele ponto, atravs dos ps). Sua trajetria temporal representa o
movimento real do sistema, de forma anloga ao que ocorre no espao
de configurao no tratamento lagrangiano. A regra, entretanto, que
estabelece como este ponto se movimenta dada de outra forma: no

Fsica | Mecnica Clssica

99

lugar de uma funo L (q, q , t), a lagrangiana, temos aqui uma outra
funo, H (q, p, t), a hamiltoniana, que traz informao sobre a fsica que envolve o sistema e nos informa como, atravs das equaes
de Hamilton, o sistema ser movido. Esta funo definida por
n
H (q, p, t) = i = 1 piqi - L (q, p, t)

eq. 2

Estamos supondo aqui que a eq. 1 pode ser invertida e usada


para expressar as velocidades q s em termos de qs e ps e assim
fazer com que no lado direito da eq.2 realmente s existam qs e
ps, como sugere o lado esquerdo.
Obter as equaes de movimento definidas pela hamiltoniana
nosso prximo objetivo. Para isso tomemos a diferencial da eq.2:
L dq + L dq + L dt
dH = ni = 1 (pidqi + qidpi) - ni = 1 q
i
qi i
t
i

eq. 3

Vamos usar a eq.1 para cancelar o primeiro termo na primeira


soma com o segundo termo na segunda soma; vamos usar tambm
as equaes de Lagrange para escrever o primeiro termo na segunda
soma como - pidqi. Temos ento, simplesmente:
dH = ni = 1 (qidpi - pidqi) - L dt
t

eq. 4

Esta relao confirma que a hamiltoniana, realmente, funo


das coordenadas e momenta. E vista apenas desta forma, em geral
lcito escrever sua diferencial total como
H
H
dH = ni = 1 H
qi dqi + pi dpi + t dt

eq. 5

Comparando ento estes dois resultados temos que:


qi =

H
pi

pi = -

H
qi

i = 1, ..., n.

eq. 6

E ainda,
L
H
=t
t

100

Mecnica Clssica | Fsica

eq. 7

As equaes 6 so as equaes de movimento que procurvamos.


Elas so chamadas de equaes de Hamilton, ou mesmo de equaes
cannicas do movimento. Conforme se pode notar, estas se constituem em um conjunto de 2n equaes diferenciais de primeira ordem nas 2n variveis cannicas qs e ps. Substituem as n equaes
diferenciais de segunda ordem do formalismo lagrangiano (equivalentes ao caso newtoniano, onde teramos tambm n equaes diferenciais de segunda ordem), o que matematicamente so sistemas
equivalentes. Quer dizer, matematicamente uma equao diferencial
de segunda ordem (requer duas integraes) equivalente a duas
equaes diferenciais de primeira ordem (uma integrao para cada
equao). Entretanto, esta maneira cannica de equacionar o problema do movimento traz novas e poderosas ferramentas para a investigao de teorias fsicas. Temos ainda como co-produto a eq.7
que nos informa de uma importante relao entre as dependncias
temporais explcitas da lagrangiana e da hamiltoniana.
Embora em importantes situaes fsicas a hamiltoniana possa
ser obtida diretamente da energia mecnica total, e podermos escrev-la como a soma das energias cinticas e potencial, escritas em
termos de qs e ps, de maneira geral temos o seguinte receiturio
para aplicao do formalismo (na verdade estamos apresentando um
pequeno resumo do que vimos acima no formato de receita):
a) Escrevemos a lagrangiana;
b) Extramos da equao 1 as velocidades em funo dos ps e qs;
c) Escrevemos a hamiltoniana H (q, p, t) a partir da equao 2
usando o resultado do passo anterior para eliminar as velocidades.
Note que este procedimento, apesar de mais geral, no infalvel: em alguns casos o item b no possvel de se realizar! Bem,
mas este um problema para os fsicos tericos resolverem, uma vez
que esta situao objeto de muita pesquisa nos ltimos anos.
Nos exemplos a seguir usaremos boa parte dos exemplos que estudamos no Mdulo anterior para ilustrar o mtodo hamiltoniano, pois
que assim j teremos executado o primeiro passo (a) do procedimento
acima. Antes, porm, vamos fazer algumas observaes a respeito de
questes importantes, que embora no haja espao suficiente para um
estudo mais detalhado, no podem ser deixadas em branco.

Fsica | Mecnica Clssica

101

2) Observaes Importantes
Coordenadas cclicas
A primeira delas se refere questo das simetrias, que tambm
neste formalismo levam de maneira bastante clara s leis de conservao. Basta notar que a ausncia de uma coordenada na hamiltoniana, qk , por exemplo, leva imediatamente conservao do
momento cannico associado, pois a equao de Hamilton correspondente nos informa que
k = -

L
qk

eq. 8

Portanto, assim como no formalismo lagrangiano, as simetrias do


problema so claramente evidenciadas.
Parnteses de Poisson
Podemos escrever as equaes cannicas de movimento em uma
roupagem bastante interessante e til se definimos um novo objeto
chamado de parnteses de Poisson. Para isso, considere duas funes
de espao de fase, f (q,p) e g (q,p). Chamamos de parnteses de Poisson entre f e g a estrutura
n

{f, g}

i=1

f g - f g
qi pi pi qi

eq. 9

Considere, por exemplo, uma funo arbitrria G (q,p,t) e sua derivada


dG n G
G
G
=
q+
+
dt i = 1 qi i pi i
t

eq. 10

Usando as equaes de Hamilton nesta expresso, temos:


dG n G H - G H
G
=
+
dt i = 1 qi pi pi qi
t

eq. 11

G
dG
= {G, H} +
t
dt

eq. 12

Ou seja,

Esta relao bastante geral e vale para qualquer funo no espao de fase. Em particular, para os qs e ps evidente que

102

Mecnica Clssica | Fsica

qi = {qi, H}
i = {pi, H}

eq. 13

As equaes cannicas na forma da eq.13 no apenas tornam


mais elegantes e simtricas as equaes de Hamilton (desaparece o
sinal negativo em parte das equaes), mas tambm so as equaes
de movimento da Mecnica Clssica no formato mais prximo possvel das equaes que regem a Mecnica Quntica. Infelizmente,
este o limite at onde podemos avanar neste Curso.
Transformaes Cannicas
Vamos por ltimo analisar uma questo muito importante relativa
a transformaes de simetria no formalismo cannico. As equaes
de Lagrange so escritas em termos de coordenadas generalizadas,
o que as tornam independentes da escolha do sistema de coordenadas, ou seja, invariantes sob a escolha de sistema de coordenadas.
Tambm no formalismo hamiltoniano existe uma invarincia frente
escolha de coordenadas do espao de fase. Suponha, por exemplo,
que um sistema descrito pelas coordenadas (q,p) com hamiltoniana
H (q,p). Estas coordenadas possuem a seguinte propriedade, tambm
chamada estrutura cannica, que pode ser facilmente verificada:
{qi, qk} = 0
{pi, pk} = 0

eq. 14

{qi, pk} = ik

onde

o chamado delta de Kronecker.

Podemos usar outro sistema de coordenadas (Q,P) para o espao


de fase, com relaes de transformao dadas por Q = Q (q,p,t) e P =
P (q,p,t) para descrever o mesmo sistema. Naturalmente que teremos
outra funo para substituir a hamiltoniana H = H (q,p,t), que vamos
chamar aqui de kamiltoniana K = K (Q,P,t). Pode se mostrar que a
condio para que tal transformao preserve a forma cannica das
equaes de movimento, eq.6 ou 13, que a estrutura cannica, eq.
14, seja preservada. Ou seja, temos que ter tambm
{Qi, Qk} = 0
{Pi, Pk} = 0
{Qi, Pk} = ik

Fsica | Mecnica Clssica

103

Tais transformaes, que so muito importantes no estudo de simetrias deste formalismo, so chamadas de transformaes cannicas, e
merecem um captulo parte num curso normal de Mecnica Analtica.
3) Exemplos
Como j informamos, vamos, na medida do possvel, aproveitar os
exemplos tratados no Mdulo anterior a fim de j partir de uma lagrangiana e aplicar o formalismo hamiltoniano.
I) Vamos considerar a partcula de massa m sujeita a uma fora
conservativa F do primeiro exemplo do Mdulo anterior. Queremos chegar s equaes de movimento pelo formalismo hamiltoniano. Partimos da lagrangiana
L = m(x2 + 2 + 2) -V(x, y, z)
Temos os momenta cannicos e as velocidades expressas atravs deles:
L
= m = px/m

L
py =
= m = py/m

px =

pz =

L
= m = pz/m

A hamiltoniana ento se escreve como


H = px + px + px - m(2 + 2 + 2) + V (x, y, z)
Eliminando as velocidades temos
H=

p 2x
p 2z
p 2y
+
+
+ V (x, y, z)
2m 2m 2m

As equaes cannicas so ento:


px
m
py
=
m
pz
=
m
=

104

Mecnica Clssica | Fsica

x = - V/x
y = - V/y
z = - V/z

A fim de compara com as equaes de movimento de Newton ou


de Lagrange, que so equaes de diferenciais de segunda ordem no
tempo, basta tomar a derivada temporal do primeiro grupo e usar o
segundo grupo para escrever quem so os ps:
x -V/x
m = Fx
=
m
m
y -V/y
my = Fy
=
y=
m
m
z -V/z
mz = Fz
=
z=
m
m
=

II) Consideremos a partcula de massa m no plano, sem atrito, sob a


ao de uma mola de constante k, conforme representado na figura
(exemplo ii do Mdulo anterior):

J conhecemos sua lagrangiana L = m2 - kx2, e fcil extrair o momento cannico associado a x e da, a velocidade :
px = L/ = m = pxm
A hamiltoniana
H = px - m2 + kx2
Substituindo a velocidade calculada anteriormente temos:
H=

p 2x
1
+ kx2
2m 2

Fsica | Mecnica Clssica

105

As equaes de movimento so ento:


=

px
m

x = -kx

Derivando a primeira equao em relao ao tempo e usando a


segunda obtemos a equao de movimento de segunda ordem:
=

x
-kx
=
m
m

m = -kx

III) Considere a partcula de massa m num plano horizontal atada


por uma corda inextensvel e de massa irrelevante, em M. C. U., sobre uma circunferncia de raio R (terceiro exemplo do Mdulo III).

Com lagrangiana L = mR2 2 vemos que a nica coordenada


cclica; temos o momento cannico e a velocidade dados por:
p = L/ = mR2 = pmR2
A hamiltoniana
H = p - mR2 2 = p2/2mR2
As equaes de movimento so
= p / mR2
= 0

Que resultam em mR2 = 0.

106

Mecnica Clssica | Fsica

IV) Seja a mquina de Atwood , o sistema analisado no exemplo


IV do Mdulo III.
Sua lagrangiana foi obtida como sendo
L = (m + M) 21 + (M - m)gx1

O momento cannico associado nica coordenada


p1 = (m + M)1

m
P

Do qual obtemos a velocidade


1 = p1 (m + M)
A hamiltoniana
p21
H = p11 - 1 (m + M)21 - (M - m)gx1 =
- (M - m)gx1
2
2 (m +M)

As equaes cannicas so
p1
m +M
1 = (M - m)g
1 =

Derivando a primeira equao em relao a t e usando a segunda


equao obtemos a equao de segunda ordem
(m + M)1 = (M - m)g

Fsica | Mecnica Clssica

107

V) Considere a pequena esfera metlica que se movimenta sem


atrito no interior de um tubo de seo reta interna uniforme, numa
regio livre da fora gravitacional. O tubo gira com velocidade angular constante (w) em torno de um eixo perpendicular a este (exemplo v do Mdulo III). Obtivemos sua lagrangiana
L = m(r2 + r2w2)

O momento cannico
pr = L/r = m
De onde extramos a velocidade
= prm
A hamiltoniana corresponde a
p2
H = pr - 1 m2 - 1 mr2w2 = r - 1 mr2w2
2
2
2m 2

As equaes de Hamilton so ento


p
= H = r
m
pr
r = H = mw2r
r

Assim, a equao de movimento, diferencial de segunda ordem


para r
r = rw2

108

Mecnica Clssica | Fsica

VI) Considere a mquina envenenada de Atwood (exemplo vi do Mdulo anterior).

x2
x1

m2

m1

x3

m3

Escrevemos sua lagrangiana


L = (m1 + m2)22 + m3 23 + (m2 - m1)gx2 + m3gx3 - k/2 (x3 - x2 -1)2

Os momentos cannicos so
p2 =

L
= (m1 + m2)2
2

p3 =

L
= m33
3

Extraindo as velocidades temos:


2 = p2 / (m1 + m2)
3 = p3m3

A hamiltoniana dada por


H = p22 + p33 - (m1 + m2) 22 - m3 23 - (m2 - m1)gx2 + k/2 (x3 - x2 - l)2

Substituindo as velocidades nesta expresso temos:


H=

p22
p23
+
- (m2 + m1)gx2 - m3gx3 + k/2 (x3 + x2 + l)2
2 (m1 + m2)
2m3

Fsica | Mecnica Clssica

109

As equaes de movimento so
p2
= H =
p2 (m1 + m2)
2 = - H = (m2 + m1)g + k(x3 + x2 - l)
x3

e
p2
3 = H =
p2 (m1 + m2)
2 = - H = m3g - k(x3 + x2 - l)
x2

O estudante pode concluir que estas equaes conferem com o


resultado obtido no exemplo vi do Mdulo III.

110

Mecnica Clssica | Fsica

Exerccios
1) Escreva a hamiltoniana de uma partcula sujeita a um campo
central, usando para isso coordenadas esfricas. Escreva tambm
as equaes cannicas.
2) Considere o sistema de duas partculas de massas idnticas presas
s extremidades de uma haste de comprimento l, rgida e de massa
desprezvel, vinculadas a se moverem em sulcos perpendiculares,
conforme exerccio 2 do mdulo anterior. Escreva a hamiltoniana
deste sistema de duas partculas usando como coordenada generalizada o ngulo que a haste forma com a horizontal. Despreze possveis atritos. Use as equaes de Hamilton para obter as equaes
cannicas de movimento do sistema.
3) Considere o pndulo simples do exerccio 3 do mdulo anterior.
Escreva a hamiltoniana e as equaes de Hamilton do sistema.
4) Seja a conta do exerccio 5 do mdulo anterior, cuja lagrangiana
fornecida ali. Encontre sua hamiltoniana e as equaes de Hamilton.
5) Considere a mquina de Atwood oscilante e sua lagrangiana fornecida no exerccio 6 do mdulo anterior. Escreva sua hamiltoniana
e as equaes de Hamilton do sistema.

Fsica | Mecnica Clssica

111

Mdulo I
1) |v2| = |v1|cot
2) r = be
3) 1) aT = g(1 - (v0 / v)2)
2) aN = g x v0 /v
3) = v3/ gv0
4) 1) wh/cos2
2) wh x tan/cos
3) 2w2 h x sin/(cos)3
4) w2h x (1 + sin2) / (cos)3
5) vB = v02t / ((H - h)2 + v02 t2) e t = 3H2 - 2Hh / v0
6) vA = 3/2 x vC
vB = 2 x vC
vD = 5/4 x vC

7) Demonstrao

8) vC = wr
9) 1) vC = wr
2) = vC/R-r = wr/R-r

10) vC = vR/R-r

11) wDG = 7rot/dia e cos = 2 7/7

12) 1) wb
2) v2 + w2b2
3) Zero
4) b w4 + 2
5) 2wv
6) w4b2 + 2b2 + 4w2v2 + 4wbv

112

Mecnica Clssica | Fsica

13) 1) -3/4 x gT(x + 1/2 x y)


2) V = (v - 3/4 x gT) x - 3/8 x gT y
3) Atr = -(3/4 x g + 9/32 x g2T2/R) x - 3/8 x gy
4) aCor = 2w x v = -3/2 x gTv/R x y
Aabs = Atr + aCor

Mdulo II

1) Arc tanA/g
2) O do centro.
3) N = m[g+v2 (R+h)]
4) F = - m22 / y3 x y

5) Demonstrar

6) 1) mx + x = 0
my + y = -mg

2) = m/ x ln(1 + v0senmg)

7) 1) x = Acoswt, sendo w2 = k/m e a data inicial, t = 0, tal que x
(0) = A e (0) = 0;
3) v = -wAsenwt

8) 2) = 2 mk
9) A = 5,5ms2
10) O movimento peridico, com = 2 mk.
11) No, a pedra ao cair no segue rigorosamente a vertical do lugar: proporo que cai vai se desviando para o leste.

Fsica | Mecnica Clssica

113

12) O ngulo que o fio forma com a vertical do lugar (e no do vago!) o mesmo que a rampa forma com a horizontal.

Mdulo III

1) L = m(2 + 2+ 2) - V( (x2 + y2 + z2))
L = m(2 + r2 2 + r22sen2) - V(r)
O sistema esfrico simplifica a forma das equaes de movimento
e possui uma coordenada cclica.
2) L = ml22 - mglsen ; + g/l cos = 0
3) L = ml2 2 + mglcos ; + g/l sen = 0, tomando o ponto mais
baixo como origem.
(m1 + m2) 2 2 m2 2 2
l 11 +
l + m2l1l212cos(1- 2)
2 2 2
2
+ (m1 + m2)gl1cos1 + m2gl2cos2

4) L =

(m1 + m2) l 21 1 + m2l1l22cos(1- 2) + m2l1l2 22 sen(1- 2)


+ (m1 + m2)gl1sen1 = 0
m2l 22 2 + m2l1l21cos(1- 2) - m2l1l2 21 sen(1- 2)
+ m2gl2sen2 = 0

Mdulo IV
p2

p2

1
1) H = pr + p + p - L = 2m p 2r + r2 + r2sen2 + V (r)

p
p
p
= - H = mr , = H = 2 , = H = 2 2
mr
mr
sen
p
pr
p

2
p2
p2
dV , = - H = p cotg , = - H = 0
r = - H = 3 +
3
2

mr sen dr
pr rm

mr2sen2

p2

2) H = p - L = 2ml2 + mglsen

p
ml2
= -mglcos
=

114

Mecnica Clssica | Fsica

p2

3) H = 2ml 2 - mglcos
p
ml2
= -mglsen
=

p2

4) H = pr - L = 2mr - 12 mw2r2 + mgrsenwt


pr
m
r = mw2r - mgsenwt
=

p2

p2

5) H = 2 (m +r M) + 2mr 2 + gr(M - mcos)


pr
(m + M)
p2
r = 3 - g(M - mcos)
mr
p
= 2
mr
= - mgrsen
=

Fsica | Mecnica Clssica

115

116

Mecnica Clssica | Fsica

Sistema de Coordenadas
Apesar de a Mecnica de Newton ser uma teoria vetorial e os
vetores serem de natureza matemtica bastante adequados para
descrever muitas grandezas e teorias na Fsica, no apenas na Mecnica Clssica, no momento conclusivo de realizar clculos temos que, invariavelmente, projetar os vetores em algum sistema
de coordenadas adequado. Neste apndice faremos uma anlise de
como se expressam as principais grandezas cinemticas nos mais
usuais sistemas de coordenadas, que so os sistemas cartesianos,
polares, cilndricos e esfricos. Vamos tambm estudar como se
traduzem os vetores de um sistema de coordenadas cartesianas
para outro daqueles sistemas citados acima.

Fsica | Mecnica Clssica

117

1.

Coordenadas Cartesianas

Na figura 1 est representado um sistema de eixos cartesianos, ligado


a algum referencial, e o vetor posio de uma partcula representada
pelo ponto P que se move em relao a tal referencial. O vetor posio r = P O tem a seguinte representao neste sistema cartesiano:
p

z
r

x
Figura 1

r = xx + yy + z
Eq.A1

Aqui as funes escalares x = x(t), y = y(t) e z = z(t) so as coordenadas cartesianas do ponto P e os vetores constantes x , y e so
os unitrios segundo os eixos Ox, Oy e Oz, respectivamente.
Os vetores velocidade v e acelerao a, so definidos em relao ao
vetor r como v = r e a = r respectivamente, e se escrevem ento como
v = x + y +
a = x + yy+ z
Eq.A2
Eq.A3

Ou seja, as componentes vx, vy, vz, ax, ay e az, dos vetores v e a , so


respectivamente vx = , vy = , vz = , ax = , ay = y , az = z .

118

Mecnica Clssica | Fsica

2.

Coordenadas Polares

Na figura abaixo est representada pelo ponto P uma partcula que


se move sobre a curva plana e um sistema de eixos cartesianos Oxy
por hiptese ligado ao referencial de onde se observa o movimento da
partcula. Se representam tambm o vetor posio r = P O, os unitrios x e y segundo os eixos Ox e Oy, o ngulo entre o vetor r e o eixo
Ox e os unitrios r e do sistema de coordenadas polares ali definido:

Figura 2

Nota-se da figura que o vetor posio, em coordenadas polares,


r = rr
Eq.A4

Sua derivada temporal ir nos fornecer naturalmente o vetor


velocidade
v = r = r + r
Precisamos expressar o vetor em termos dos unitrios polares r
e . Usando primeiramente a regra da cadeia temos:
dr /dt =

r /

Vamos investigar quem o vetor r /. Para isso vamos escrever


os unitrios polares na base cartesiana:

Fsica | Mecnica Clssica

119

Eq.A5
Eq.A6

Ento podemos escrever finalmente o vetor velocidade:


v = rr + r
Eq.A7

O vetor acelerao segue a mesma receita e pode ser calculado como


a = v = r r + rr + ( + r) + r
Fazendo uso da regra da cadeia e das relaes das derivadas dos
vetores unitrios acima chega-se facilmente forma do vetor acelerao em coordenadas polares:
a = (r - r 2) r + (2r + r)
Eq.A8

Ou seja, o vetor velocidade em coordenadas polares possui componentes radiais e tangenciais dadas por
vr =
v = r
Eq.A9

E o vetor acelerao em coordenadas polares possui, por sua vez,


componentes radiais e tangenciais dadas por
ar = r - r 2
a = 2 + r
Eq.A10

120

Mecnica Clssica | Fsica

3.

Coordenadas Cilndricas

A figura abaixo nos auxiliar a definir as coordenadas cilndricas:

z
y
x

Figura 3

Repare que as coordenadas cilndricas (, , z) podem muito bem


ser vistas como uma extenso das coordenadas polares do plano, que
onde aquelas so definidas, para o espao tridimensional. Voc pode
imaginar que cada ponto no plano (x,y) com coordenadas polares
e ganha uma terceira dimenso ao ser tabulado com a coordenada
z. De fato, para definir os vetores posio, velocidade e acelerao
podemos tomar emprestadas suas representaes em coordenadas polares e adicionar um componente z . Poderemos ento, tomando em
conta que apenas se trocam as letras r por , por , fazer as seguintes
associaes (escrevendo os vetores no formato de matrizes colunas):
Polares

r=

v=

a=

r
0

r - r2
2 + r

Cilndricas

r=

r
z

v =

- 2
a = 2 +
z

Fsica | Mecnica Clssica

121

Ento os vetores em coordenadas polares apenas ganham uma


terceira dimenso z e, PLUFT!, estamos em coordenadas cilndricas!
Realmente, basta seguir uma trajetria anloga quela adotada para
encontrar os vetores velocidade e acelerao em coordenadas polares, quer dizer, derivar em relao ao tempo o vetor posio
r = + zz
Eq.A11

Usando regra da cadeia e derivando expresses para as derivadas


dos unitrios anlogas s Eq.A5 e Eq.A6, e derivando mais outravez
para encontrar o vetor acelerao para constatar que:
v = + + zz
Eq.A12

a = ( - 2) + (2+ ) + z z
Eq.A13

122

Mecnica Clssica | Fsica

4.

Coordenadas Esfricas
x3

er
e

e
x2

Figura 4

Enquanto as coordenadas cilndricas se mostram particularmente


adequadas a problemas que envolvem simetrias em torno de um eixo,
as coordenadas esfricas so bastante adequadas para os problemas que
possuem simetria em torno de um ponto, ou centro. Nesta categoria esto problemas muito importantes e fundamentais em Fsica, como os
movimentos dos corpos celestes e o movimento do eltron no tomo.
Entretanto, a semelhana encontrada entre os sistemas cilndricos e polares no sobrevive aqui. Vejamos como ficam os vetores
tendo por base a figura acima. Temos em primeiro lugar a coordenada radial r, que liga o centro tridimensional ao ponto em questo,
depois a coordenada chamada azimutal representada pelo ngulo
e por fim a coordenada zenital, do ngulo .
Podemos escrever primeiramente o vetor posio do ponto P
mostrado na figura, obviamente dado por
r = rr
Eq.A14

A fim de encontrar a derivada temporal deste vetor teremos, como


nos casos anteriores, que usar a regra da cadeia e tambm conhecer
algumas derivadas dos vetores unitrios r , e . Vamos ento, primeiramente, escrever os unitrios esfricos em termos da base cartesiana. Temos a definio destes vetores:

Fsica | Mecnica Clssica

123

r = (r.x)x + (r.y)y + (r.z)z


= (.x)x + (.y)y + (.z)z
= (.x)x + (.y)y + (.z)z

Com um pouco de anlise da figura 4 obtemos os valores:


r .x = sincos ; r .y = sinsin ; r . = cos;
.x = coscos ; .y = cossin ; . = -sin;
.x = -sin ; .y = cos ; . = 0
Podemos ento escrever:

r = sincosx + sinsiny + cosz


= coscosx + cossiny - sinz
= -sinx + cosy

r
= ;
= -r ;

= 0 ;

r
= sin

= sin

= -sinr - cos

Eq.A15

Interessante constatar destas relaes que os vetores unitrios


da base esfrica no possuem qualquer dependncia com a coordenada r, o que pode tambm ser constatado por uma anlise geomtrica, a partir da prpria figura4.
Calculando as derivadas temporais do vetor posio e depois do
vetor velocidade, usando a regra da cadeia e as relaes 15 obtemos,
aps um pequeno trabalho os vetores
v = rr + r

+ rsin

Eq.A16

a = (r - r 2 - r2sen2) r + (2r + r - - r2sincos)


+ (rsin + 2rsin + 2r cos)
Eq.A17

124

Mecnica Clssica | Fsica

Escrevendo separadamente as componentes, os vetores velocidade e acelerao so escritos em coordenadas esfricas com
vr = r
v = r
v = rsin
Eq.A18

ar = r - r 2 - r2sen2
a= 2r + r -- r2sincos
a = rsin + 2rsin + 2r cos
Eq.A19

Fsica | Mecnica Clssica

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Relaes entre
Campos Vetoriais
Quando o teorema discriminador nos informa que as velocidades
dos pontos de um slido, em sua condio mais geral, constituem
um campo motorial, podemos imediatamente escrever que
vA = vB + g (A - B)
eq.12

Quer dizer, o mximo que podemos afirmar que h uma relao como a 12, com uma coordenada livre sem relao imediata

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com a velocidade de rotao w. Por outro lado, sabemos que,


no caso particular de rotao pura, g se reduz realmente a w. O
que nos levaria ento a identificar a coordenada livre presente na
eq.12 com o vetor velocidade de rotao, como na eq.11? Um argumento possvel seria o seguinte: considere dois pontos, A e B
de um slido que em determinado instante se encontra em movimento. De acordo com a eq.12 temos que
vA = vB + g

eq.a

(A - B) vA - vB = g

(A - B)

Suponha agora o movimento deste corpo sendo visto por um observador em um referencial que se move, no mesmo instante, com
velocidade igual a vB em relao ao referencial inicial. Vamos usar
com para especificar as grandezas neste novo referencial. Ento,
como vB' = 0 , o movimento do slido de rotao pura, pois existe
um ponto fixo ( fcil mostrar, na Cinemtica do Slido, que se em
um determinado instante existe um ponto fixo, no movimento do
slido, ento existir um eixo instantneo de rotao, e o movimento, naquele instante, de rotao pura em torno deste eixo). E
ento sabemos que a eq.10 nos permite escrever
v A' = v B' + w
eq.b

(A - B) vA' - vB' = w (A - B)

Comparando as equaes a e b podemos ver que seus membros


esquerdos so iguais, pois so velocidades relativas, que so as
mesmas em ambos os referenciais e, portanto, g = w. q.e.d.

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Referncias
So muitas e variadas as fontes de estudo existentes a respeito da
Mecnica Clssica. Seria uma temeridade tentar montar uma lista
das melhores ou mais adequadas para tal estudo. Vamos nos ater
aqui a citar apenas duas referncias excelentes para o estudante
que pretenda fazer uma leitura mais detalhada e aprofundada do
tema, por duas e boas razes: primeiro, so de autores nacionais,
professores experientes e dedicados ao ensino da Mecnica por
dcadas a fio, e nas melhores Universidades brasileiras. Segundo:
foram as principais fontes de inspirao, consulta e referncia ao
construir este texto. Fomos, inclusive, buscar ali boa parte do material de exemplos e exerccios utilizados aqui. Estas duas grandes
obras so o livro do Prof. (falecido) da UFRJ, L. P. M. Maia, Mecnica Vetorial,editado pela Editora da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1984, e o livro do Prof. Nivaldo A. Lemos, da UFF,
Mecnica Analtica, editado pela Editora Livraria da Fsica, 2004.
As referncias neles contidas so, nos parece, suficientes para os
propsitos de um Curso de Graduao em Fsica.

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Marcos Tadeu DAzeredo Orlando


Possui graduao em Fsica pela Universidade de So
Paulo (1989), mestrado em Fsica pela Universidade
de So Paulo (1991), doutorado em Fsica pelo Centro
Brasileiro de Pesquisas Fsicas (1999), ps-doutorado
em Fsica com nfase em Teoria de Campos realizado
no Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas (2006). Realizou um segundo ps-doutorado na rea de difrao de nutrons sob presses hidrostticas externas
(2008). professor concursado do quadro permanente
desde 1993 da Universidade Federal do Esprito Santo.

Marco Antnio dos Santos


Possui graduao em Fsica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979) , mestrado em Fsica
pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas (1987) ,
doutorado em Fsica pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas (2001) e ps-doutorado pelo Centro
Brasileiro de Pesquisas Fsicas (2002) . Atualmente
Revisor da American Mathematical Society e
Professor Associado III da Universidade Federal do
Esprito Santo. Tem experincia na rea de Fsica
, com nfase em Fsica das Partculas Elementares
e Campos. Atuando principalmente nos seguintes
temas: teoria quntica de campos, teorias de gauge,
formulao cannica, modelos multidimensionais.

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(27) 4009 2208

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