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Noções Do Imaginário: Perspectivas de Bachelard, Durand, Maffesoli e Corbin

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Noes do Imaginrio: Perspectivas de Bachelard, Durand, Maffesoli e

Corbin
Slvio Anaz, Grazyella Aguiar, Lcia Lemos,
Norma Freire e Edwaldo Costa

Resumo: O objetivo deste artigo abordar algumas das proposies tericas sobre o imaginrio, apresentado
com diferentes sentidos e com novas dimenses - como fator de equilbrio biopsicossocial, como patrimnio de
um grupo ou, at mesmo, propondo uma nova denominao. No primeiro segmento de Gaston Bachelard a
noo de imaginrio como uma estrutura essencial na qual se constituem todos os processamentos do
pensamento humano. A seguir, apresenta-se a perspectiva de Gilbert Durand, que o considera como um vasto
campo, com imagens que podem se desenrolar - como a um novelo - e fornecer outras imagens. Como
contraponto, a contribuio de Michel Maffesoli, que admite a existncia de dois tipos de imaginrio - o
individual e o coletivo. Finaliza-se com a abordagem de Corbin, que prope novas denominaes como mundus
imaginalis ou imaginal, diferente da acepo consagrada no senso comum.
Palavras-chave: Imaginrio; Teorias do imaginrio; Perspectivas.
Abstract: The aim of this article has been to discuss some of the theoretical propositions about the imaginary,
made with different directions and with new dimensions-how to balance factor as the patrimony of a
biopsychosocial group or, even, proposing a new denomination. In the first segment, is of Gaston Bachelard the
notion of imaginary as an essential structure in which there are all human thought processes. The following
presents the prospect of Gilbert Durand, as a vast field, with images that can unroll - as a ball of thread - and
provides other images. As a counterpoint, the contribution of Michel Maffesoli, who admits the existence of two
kinds of imaginary - the individual and the collective. Ends with the approach of Corbin, proposing new names
as mundus imaginalis or imaginal, different from the meaning enshrined in common sense.
Keywords: Imaginary; Theories of imaginary; Perspective.

Introduo
Consagrado no senso comum como aquilo que fictcio, oposto do real e que pertence
ao mundo da imaginao, o imaginrio ganhou novas acepes a partir das teorias de
estudiosos de diferentes campos como a psicanlise, a antropologia, a hermenutica, os
estudos da religio etc. O termo um exemplo do que Umberto Eco (1986) chama de
mundos possveis - plenamente mobiliados de indivduos, aes, eventos e todas as demais
caractersticas presentes no mundo, alm de seguir algumas das principais convenes
culturais e sociais constantes no mundo real, atual, natural ou scio-histrico, tomando
lhes emprestadas referncias que remetem ao mundo conhecido do leitor (KESKE, 2003.p.
12).
Ao longo do sculo 20, o imaginrio foi tema de interesse de autores como Gaston
Bachelard, Sigmund Freud, Gilbert Durand, Michel Maffesoli, Jacques Lacan, Cornelius

Castoriadis, Paul Ricoeur e Henri Corbin, dentre outros. Esses tericos apresentaram
diferentes dimenses e significaes ao imaginrio, ao o estabelecerem como o conjunto das
atitudes imaginativas que resultam na produo e reproduo de smbolos, imagens, mitos e
arqutipos pelo ser humano (Durand), como o patrimnio de um grupo (Maffesoli) ou mesmo
ao darem novas denominaes, como mundus imaginalis (Corbin), para o diferenciarem da
acepo consagrada no senso comum.
No campo da Psicanlise, o imaginrio foi objeto de reflexo de Freud e Lacan. Para o
primeiro, a vida normal se passa no plano dos contedos manifestos. O nvel do contedo
latente o contedo inconsciente real e oculto, que se dissimula sob o contedo manifesto.
Portanto, o imaginrio refere-se ao ego, ao eu. J Lacan, ao delimitar o registro do imaginrio
(1936 a 1953), ressalta a importncia do outro para a afirmao da identidade na constituio
do eu. Ou seja, o outro a nossa medida. o lugar das identificaes e das relaes duais.
No universo das ideias e do pensamento do psicanalista, o avano da
conceitualizao do eu foi consequncia das modificaes que sofreram no decurso de sua
obra, as noes de objeto e de fantasia (LEITE, 2008. s/r). O eu, classicamente definido
como sede da funo percepo-conscincia, ao ser retomado por Lacan, aparece como um
objeto prprio ao homem, que tem como particularidade uma relao com o significante
(LEITE, 2008. s/r).
Para Lacan, trs so as categorias conceituais da realidade humana: 1) imaginrio teatro das iluses do eu, papis de um indivduo; 2) real - um excesso que no pode ser
simbolizado - o que no se consegue simbolizar; 3) smbolo como sendo o ideal do eu, que
determinaria e sustentaria a projeo imaginria sobre o eu-ideal (LEITE, 2008. s/r).
Salles (2005) refere o fato de Lacan (1953) estabelecer o narcisismo como centro de
sua teoria do imaginrio: para o narcisismo como momento primordial da constituio do
eu por imagens que se volta teorizao construda a propsito do estgio do espelho
(SALES, 2005. p. 114-115).
Santaella (1999, s/r) tambm lembra registros lacanianos, quando diz ser o ego servo e
senhor do imaginrio, que
se projeta nas imagens em que se espelha: imaginrio da natureza, do corpo, da
mente, das relaes sociais. Buscando por si mesmo, o ego acredita se encontrar no

espelho das criaturas para se perder naquilo que no ele. Esta situao
fundamentalmente mtica. Uma metfora da condio humana, uma vez que estamos
sempre ansiando por uma completude que no pode jamais ser encontrada,
infinitamente capturada em miragens que ensaiam sentidos onde o sentido est
sempre em falta.

Pensadores de outros campos de conhecimento estudaram o imaginrio mostrando que


sua dimenso vai alm do irreal e do fictcio. Nos segmentos a seguir apresentamos a viso
pioneira de Bachelard, as teorias de Durand - que parte dos estudos das estruturas
antropolgicas do imaginrio -, de Maffesoli, que estendeu essa noo antropolgica para os
grupos sociais, tornando-a componente de um fenmeno que nomeou como neotribalizao.
Finalizamos com Corbin que, por sua vez, desenvolve a conceituao de mundo imaginal a
partir do estudo de textos medievais rabes e persas.
1.

O imaginrio: de Bachelard a Maffesoli

1.1.

Perspectiva de Gaston Bachelard


Gaston Bachelard (1884-1962), filsofo e ensasta francs, tem como caracterstica a

diversidade do seu pensamento entre cincia e poesia. Para Wunenburger (2007, p. 17-18),
Bachelard testemunha a onipresena da imagem na vida mental, atribuindo-lhe uma
dignidade ontolgica e uma criatividade onrica, fontes da relao potica para o mundo.
O pensador francs diferencia a imaginao em dois aspectos: formal e material.
Expressando-nos filosoficamente desde j, poderamos distinguir duas imaginaes: uma
imaginao que d vida causa formal e uma imaginao que d vida causa material; ou,
mais brevemente, a imaginao formal e a imaginao material (BACHELARD, 1998. p. 1).
Para o Doutor em Educao pela USP e estudioso sobre o imaginrio de Bachelard,
Alexander de Freitas (2006 p. 46), a imaginao formal
valoriza os modelos terico-matemticos e a formalizao lgico-emprica das
cincias naturais, remete tradio aristotlica, cartesiana e positivista de cincia.
Enquanto a imaginao material, obscurecendo a vigilncia epistemolgica,
imprescindvel atividade cientfica, instaura os devaneios noturnos da matria.

O ensasta pontua que a materializao do imaginrio se d quando se pensa, sonha ou


vive a matria. O imaginrio no encontra suas razes profundas e nutritivas nas imagens; a
princpio, ele tem necessidade de uma presena mais prxima, mais envolvente, mais
material (BACHELARD, 1998. p.126). O elemento material definido como o princpio de
um bom condutor que d continuidade a um psiquismo imaginante (BACHELARD, 2002,
p.8). Argumenta que a imagem material busca a profundidade, a intimidade substancial que
d vida e movimento realidade metafrica. todo um mundo subjacente e, portanto,
inconsciente, volumoso, em perptuo movimento, que existe, nutrindo organicamente o
universo potico, ou seja, a obra literria.
Assim visto, Bachelard cria uma fenomenologia prpria, ou uma sistemtica de
investigao da gnese da imagem potica do imaginrio literrio (FREITAS, 2006. p. 41), a
partir de quatro substncias ou elementos: gua, ar, terra e fogo. Que regulam o real e o
imaginrio enquanto matrias arquetpicas do inconsciente, alimentando pensamentos e
sonhos. So como que formaes simblicas vistas em diferentes dimenses. Freitas (2006, p.
43) comenta que o poder agregador desses arqutipos tetra-elementares geram configuraes
da imaginao, identificados nas obras do autor com os subttulos: A gua e os sonhos:
ensaio sobre a imaginao da matria (1942), O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginao
do movimento, A terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre a imaginao das foras,
A terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da intimidade e A psicanlise
do fogo. Recorda Ferreira (2008, p. 27) que na potica bachelardiana, arqutipos so
reservas de entusiasmo, possibilidades de devir. Graas a isso, o sonhador cria imagens, cria
um mundo.
Tambm, de acordo com o investigador, materializar significa garantir permanncia,
dar estabilidade s imagens poticas, isto , fac fixum volatile, fazer fixo o voltil. Tem incio,
assim, sua metafsica da imaginao potica, que se orienta primeiro para o elemento gua.
J no apenas um grupo de imagens conhecidas numa contemplao errante, numa
sequncia de devaneios interrompidos, instantneos; um suporte de imagens e logo
depois um aporte de imagens, um princpio que fundamentadas imagens. A gua
torna-se assim, pouco a pouco, uma contemplao que se aprofunda, um elemento
da imaginao materializante (BACHELARD, 1998. p. 12).

Ele preconiza, ainda (1998), que este elemento, agrupando as imagens e dissolvendo
as substncias, ajuda a imaginao em sua tarefa de desobjetivao e assimilao. Em alguns
momentos, a gua imaginria aparecer para o pensador como o elemento das transaes,
como o esquema fundamental das misturas. ela que vai predominar ao compor-se com os
outros elementos. Em outros, diz ser ela objeto de uma das maiores valorizaes do
pensamento humano, a da pureza. Mas que adquire o outro lado da imaginao, a dinmica e
por assim ser, se torna gua violenta.
Desse modo, a gua nos aparecer como um ser total: tem um corpo, uma alma, uma
voz. Mais que nenhum outro elemento talvez, a gua uma realidade potica
completa. Uma potica da gua, apesar da variedade de seus espetculos, tem a
garantia de uma unidade. A gua deve sugerir ao poeta uma obrigao nova: a
unidade de elemento (BACHELARD, 1998. p. 17).

A segunda configurao da imaginao potica bachelardiana representada pelo


elemento material ar. Ele re-significa sua imaginao material nas imagens do
movimento. So elas que
desempenham um papel em nossa vida. Vitalizam-nos. Por elas, a palavra, o verbo,
a literatura so promovidos categoria da imaginao criadora. O pensamento,
exprimindo-se numa linguagem nova se enriquece, ao mesmo passo que enriquece a
lngua. O ser torna-se palavra. A palavra aparece no cimo psquico do ser. A palavra
se revela como devir imediato do psiquismo humano (BACHELARD, 1990. p. 6).

Aqui se realiza a imanncia do imaginrio trajeto (dinmico) que conduz aos


domnios imaginativos das profecias e utopias: Cada objeto contemplado, cada grande nome
murmurado o ponto de partida de um sonho e de um verso, um movimento lingustico
criador (BACHELARD, 2001. p. 5).
No que concerne substncia terra, indica que, ao contrrio dos outros elementos,
tem como primeira caracterstica uma resistncia. Os outros [...] podem ser hostis, mas no
so sempre hostis. A resistncia da matria terrestre, pelo contrrio, imediata e constante
(BACHELARD, 2001. p. 8). pela dureza (da terra) que a matria torna-se ofensiva e atia
a musculatura do sonhador (FREITAS, 2006. p. 56 grifo nosso).

E, finalmente, no que tange ao fogo, mostra que este um objeto imediato. Para falar
desse elemento recusa o plano histrico, pois as condies antigas do devaneio no so
eliminadas pela formao cientfica contempornea (BACHELARD, 1994. p. 5). O fogo
pode ser visto por ele como estimulante dos processos qumicos, uma espcie de catalisador
que ativa um processo. Mas que possui, tambm, uma natureza dualista - o fogo catalisa e
destri. No pensar de Freitas (2006, p. 39), sua obsesso por este ltimo elemento vai
iluminar toda sua epistemologia e metafsica potica. Assim, compreende que
a um elemento material como o fogo se possa associar um tipo de devaneio que
comanda as crenas, as paixes, o ideal, a filosofia de toda uma vida. H um sentido
em falar da esttica do fogo, da psicologia do fogo e mesmo da moral do fogo. Uma
potica e uma filosofia do fogo condensam todos esses ensinamentos. Ambas
constituem esse prodigioso ensinamento ambivalente que respalda as convices do
corao pelas instrues da realidade e que, vice-versa, faz compreendera vida do
universo pela vida do nosso corao (BACHELARD, 1998. p. 5).

1.2.

Abordagem de Gilbert Durand


Gilbert Durand (1921), antroplogo e filsofo da cincia, fundador e animador do

Centro de Pesquisa do Imaginrio de Grenoble, criado em 1966. Segundo Wunenburger


(2007, p.19), Durand contribuir para amplificar as aquisies bachelardianas situando-se no
nvel de uma antropologia geral e sistematizar uma verdadeira cincia do imaginrio.
Durand desenvolve a ideia de que, frente angustiante conscincia da morte e do
devir, o homem adota atitudes imaginativas que buscam negar e superar esse destino
inevitvel ou transformar e inverter seus significados para algo reconfortante. Essas atitudes
imaginativas resultam na percepo, produo e reproduo de smbolos, imagens, mitos e
arqutipos pelo ser humano. Esse conjunto de elementos simblicos formaria o imaginrio,
cuja principal funo seria levar o homem a um equilbrio biopsicosocial diante da percepo
da temporalidade e, consequentemente, da finitude.
Faz um extensivo estudo da produo cultural humana, especialmente das imagens que
emergem das narrativas mitolgicas, das religies e das grandes obras literrias e artsticas.
Com isso, ele estabelece um trajeto antropolgico do imaginrio, que pode ser percorrido
tanto no sentido do biolgico em direo ao social, como do social em direo ao biolgico.

Na perspectiva de Durand, os gestos e reflexos dominantes: postural, copulativo e


digestivo - identificados em estudos anatomofisiolgicos e escatolgicos pela Escola de
Reflexologia de Leningrado, na 1 metade do sculo 20 esto diretamente relacionados s
estruturas presentes nas atitudes imaginativas do ser humano, e suas foras atuam em vrios
nveis de formao dos smbolos. O autor denominou as estruturas do imaginrio de heroicas
ou esquizomorfas - relacionadas ao gesto postural -, dramticas ou sintticas - relacionadas ao
gesto copulativo - e msticas ou antifrsicas - relacionadas ao reflexo digestivo.
O gesto ou reflexo postural associado ao posicionamento ereto do ser humano, remete
aos movimentos de ascenso e de verticalizao, que resultam em smbolos de potncia e de
herosmo, de subida em direo luz e ao sol, de elevao e pureza e de confronto e
separao. Esse reflexo inspira a produo de smbolos ascensoriais (cetro, flecha, asa, anjo),
espetaculares (luz, sol, ouro, fogo, cu) e diairticos (heri, espada). Durand classificou esse
conjunto de smbolos como Regime Diurno (RD) das imagens, composto por estruturas
heroicas (ou esquizomorfas), que a partir de uma atitude conflitual e antittica buscam vencer
a morte e o devir. So ligados ao gesto dominante postural e remetem figura paternal.
O RD caracteriza-se por aes de separar e pelas atitudes blicas de heris violentos.
O pesquisador afirma que todo o sentido do R D do imaginrio pensamento contra as
trevas; pensamento contra o semantismo das trevas, da animalidade ou da queda, ou seja,
contra Cronos, o tempo mortal (DURAND, 2002. p. 188).
J essas trevas, das quais o RD a anttese, caracterizam o que Durand denominou de
Regime Noturno (RN), cujas estruturas ligam-se ao reflexo dominante digestivo. No RN h a
inverso e a eufemizao das imagens ligadas aos temores da morte e da percepo do tempo,
que inexoravelmente passa e nos aproxima da finitude. O autor nomeou suas estruturas de
msticas ou antifrsicas. No processo de eufemizao que caracteriza esse Regime, os
smbolos da queda e do abismo transmutam-se em cavidade e descida, o tmulo vira bero e
nova morada na vida alm-morte. Identifica, ainda, inmeras manifestaes culturais de
valorizao do processo de digesto e alimentao e do movimento de descida em ritos
sacrificiais e na adoo de vasos e recipientes, como o Santo Graal, que se tornam smbolos
de uma me primordial, alimentadora e protetora. A transformao da queda em uma suave
descida em direo a uma intimidade acolhedora e miniaturizaes, como a que reduz o

abismo cavidade da taa, so exemplares desse processo de eufemizao. Em oposio


ao de separar e de distinguir que caracteriza o RD, no RN prevalece a ao do misturar e do
confundir, com verbos como prender, atar, soldar, ligar, aproximar, pendurar, abraar. Para
ele, no RN, as temidas trevas transformam-se em benfica noite:
O antdoto do tempo j no ser procurado no sobre-humano da transcendncia e da
pureza das essncias, mas na segura e quente intimidade da substncia ou nas
constantes rtmicas que escondem fenmenos e acidentes. Ao regime heroico da
anttese vai suceder o regime pleno do eufemismo. No s a noite sucede ao dia,
como tambm, s trevas nefastas (DURAND, 2002. p. 194).

Ao refutar o negativo - por meio da eufemizao e da inverso e que leva a um


mergulho na intimidade e na quietude - compe a atitude psquica mais radical do RN. O
pensador, no entanto, identifica que essa leva a uma outra, mais reconciliadora: a imaginao
noturna , assim, naturalmente levada da quietude da descida e da intimidade, que a taa
simbolizava, dramatizao cclica na qual se organiza um mito do retorno [...] (DURAND,
2002. p. 279).
H, assim, entre as atitudes psquicas associadas s imagens noturnas, aquelas que
fazem a sntese (ou a dramatizao, ao reunir o trgico e o heroico) do temor e da angstia
frente ao tempo e morte (estruturas msticas), com a esperana e a crena na vitria sobre o
tempo (estruturas heroicas). Elas fazem parte de estruturas que ele nomeia como sintticas ou
dramticas e que se ligam ao reflexo dominante copulativo. Narrativas de morte e
renascimento, caos e regenerao, androginia e ligao dos contrrios so exemplares desse
movimento cclico, polmico e de eterno retorno que caracterizam algumas das imagens
noturnas. Diferentemente do esquema de confundir e misturar, que aparece na atitude mais
radical do RN, neste caso h um esquema de reunir e ligar em que as partes no se confundem
nem se misturam, mas sim se juntam mantendo suas identidades. Esse esquema foi nomeado
Regime crepuscular (STRNGOLI, 2009. p. 27).
Para o autor, s existe imaginrio individual. E as estruturas e regimes desenhados por
ele para o imaginrio retratam de que forma o homem tem procurado equilibrar as tenses e
pulses que advm do seu prprio corpo e do mundo. Durand mostra em suas reflexes que a
arte um dos produtos mais reveladores dessas atitudes imaginativas, que realizam a

mediao entre o eterno e o temporal e constituem a prpria atividade dialtica do esprito


(DURAND, 1988. p. 97).
No desenvolvimento de sua argumentao, ele define imaginrio como o [...]
conjunto das imagens e das relaes de imagens que constitui o capital pensado do homo
sapiens [...], a estrutura essencial na qual se constituem todos os processamentos do
pensamento humano (DURAND, 1997. p. 14). Aponta seu dinamismo, atribuindo-lhe uma
realidade e uma essncia prpria. Inicialmente, o pensamento lgico e a imagem no esto
separados - a imagem carrega um sentido diretamente ligado significao imaginria, ou
seja, um signo, um smbolo. E seria por isso que [...] o imaginrio no s se manifestou
como atividade que transforma o mundo - imaginao criadora -, mas, sobretudo como
transformao eufmica do mundo, como intellectus sanctus, como ordenana do ser s
ordens do melhor (DURAND, 1997. p. 432). Ainda, para o terico (1997), o imaginrio
um motor repositrio, uma espcie de bacia semntica, local onde as imagens podem se
multiplicar. A noo de imaginrio , para ele, complexa.
1.3.

Contribuies de Michel Maffesoli


Maffesoli Doutor em Sociologia, pela Universidade Ren Descartes, Paris V,

Sorbonne. autor de A Violncia Totalitria, A Conquista do Presente, A


Transfigurao poltica: tribalizao do mundo e Nomadismo, sobre a sociologia do
presente. Criou, tambm, o Centro de Estudo sobre o Atual e o Quotidiano (CEAQ).
Ele (2001) admite a existncia de dois tipos de imaginrio, o individual e o coletivo.
Para ele, existe uma interface entre o real e o imaginrio e este algo que no se consegue
ver, mas se sente. Caracteriza-o como uma fora, um catalisador, uma energia e, ao mesmo
tempo, como um patrimnio de grupo (tribal); uma fonte comum de emoes, de lembranas,
de afetos e de estilos de vida; um patrimnio compartilhado que o autor tambm chama como
cimento social.
A construo do imaginrio individual se d, essencialmente, por identificao
(reconhecimento de si no outro), apropriao (desejo de ter o outro em si) e distoro
(reelaborao do outro para si). Por sua vez, o imaginrio social estrutura-se principalmente

por contgio: aceitao do modelo do outro (lgica tribal), disseminao (igualdade na


diferena) e imitao.
Ancorando-se nas postulaes tericas de Bachelard e Durand para compor seus
estudos a respeito do tema, Maffesoli refere o imaginrio como uma fonte racional e no
racional de impulsos para a ao. , tambm, uma represa de sentidos, emoes, vestgios,
imagens, sentimentos de afetos, smbolos e valores. Aponta que, de uma maneira geral, o
imaginrio ope-se ao real, ao verdadeiro. Seria uma fico, algo sem consistncia ou
realidade. Algo diferente da realidade econmica, poltica ou social, que seria, digamos,
palpvel, tangvel. Essa noo de imaginrio antiga. A velha tradio a romntica, em luta
contra a filosofia e o pensamento, ento hegemnicos na Frana. Tratava-se de demonstrar
como as construes dos espritos podiam ter um tipo de realidade na construo desta no
individual. Durante muitos sculos tudo isso foi abandonado em funo da dominao da
filosofia racionalista. Percebe-se que o terico no conceitua imaginrio. Ele o relaciona com
a cultura e comenta que o imaginrio estabelece um vnculo. cimento social. Logo, se o
imaginrio liga, une numa mesma atmosfera, no pode ser individual (MAFFESOLI, 2001,
p. 76).
Fica claro que o imaginrio algo que ultrapassa o indivduo, que impregna o coletivo
- ou, ao menos, parte do coletivo. Para ele, pode-se falar em meu ou teu imaginrio, mas,
quando se examina a situao de quem fala assim, v-se que o seu imaginrio corresponde
ao imaginrio de um grupo no qual se encontra inserido.
O imaginrio permanece uma dimenso ambiental, uma matriz, uma atmosfera,
aquilo que Walter Benjamin chama de aura. O imaginrio uma fora social de
ordem espiritual, uma construo mental, que se mantm ambgua, perceptvel, mas
no quantificvel. Na aura de obra - esttua, pintura - h a materialidade da obra (a
cultura) e, em algumas obras, algo que as envolve, a aura. No vemos a aura, mas
podemos senti-la. O imaginrio, para mim, essa aura, da ordem da aura: uma
atmosfera. Algo que envolve e ultrapassa a obra. Esta a ideia fundamental de
Durand: nada se pode compreender da cultura caso no se aceite que existe uma
espcie de algo mais, uma ultrapassagem, uma superao da cultura. Esse algo
mais o que se tenta captar por meio da noo de imaginrio (MAFFESOLI, 2001,
p.75).

Considera, ainda, que uma apropriao individual da cultura - o ser constri-se na


cultura por seu intermdio. Em contraposio s ideias de Durand, diz existir um imaginrio

coletivo, justamente pela tribalizao do mundo, j que o indivduo sofre influncia e


influenciado pelo entorno.
O imaginrio algo que ultrapassa o indivduo, que impregna o coletivo ou, ao
menos, parte do coletivo. O imaginrio ps-moderno, por exemplo, reflete o que
chamo de tribalismo. Sei que a crtica moderna v na atualidade a expresso mais
acabada do individualismo. Mas no esta a minha posio. [...] O imaginrio o
estado de esprito de um grupo, de um pas, de um Estado, nao, de uma
comunidade, etc (MAFFESOLI, 2001, p.76).

Por isso o pesquisador diz estabelecer vnculo (entre o ser e seu entorno): cimento
social. Observa que o termo imaginrio est em evidncia por causa do intenso
desenvolvimento tecnolgico, isto , alimentado por tecnologias (tv, cinema, internet, etc.).
A tcnica um fator de estimulao imaginal [...], ainda mais nas tecnologias de
comunicao, pois o imaginrio, enquanto comunho , sempre, comunicao. Internet uma
tecnologia da interatividade que alimenta e alimentada por imaginrios (MAFFESOLI,
2001. p. 80 grifo nosso).
Em continuidade tessitura terica do imaginrio, apresentamos uma abordagem
diferente das anteriores, formulada por Henri Corbin, que, a partir do estudo de textos
medievais rabes e persas, prope o conceito de mundo imaginal.
2.

O imaginal ou mundus imaginalis de Henri Corbin


Corbin (1903-1978), filsofo, tradutor e medievalista francs, foi um dos raros

ocidentais a estudar sistematicamente o Isl iraniano e, em particular, a gnose xiita. Para


Wunenburger (2007, p. 23), ao estudar:
[...] os principais textos das experincias msticas e visionrias dos persas zoroastras e
dos xiitas muulmanos, ele redescobre uma forma de imaginao metapsicolgica
pela qual a conscincia experimenta um mundo de imagens autnomas, designado por
imaginal, que constituem algumas apresentaes de um mundo inteligvel.

O medievalista inmeras vezes debruou-se na topografia do espao que os textos


medievais rabes e persas, dos quais intrprete e tradutor, consideram intermedirio e
mediador entre o emprico e o abstrato e designam pelo termo alam al-mital (equivalente

literal em rabe da expresso latina mundus imaginalis). Ao aproximar-nos dessa herana


esquecida, Corbin explica que o mundo da imagem,
[...] to ontologicamente real quanto o mundo dos sentidos e o mundo do intelecto.
Esse mundo requer uma faculdade de percepo que pertena a ele, isto , uma
potncia imaginativa, uma faculdade com uma funo cognitiva, um valor potico
que to real quanto o sentido da percepo ou a intuio imaginativa ou
imaginao cognitiva, no equivale fantasia que produz o imaginrio, na
linguagem corrente se confunde intelectual (CORBIN, 1972. p. 5).

Segundo o filsofo, a faculdade que percebe esta realidade, qual denomina


conscincia com o irreal, algo que permanece fora do ser e da existncia - em resumo, algo
utpico (CORBIN, 1972. p. 5). Para marcar a dessemelhana, ele prope o termo imaginal
ou a expresso mundus imaginalis. Esta apresenta a vantagem de reunir toda uma rede de
conceitos implicados em ideias, tais como percepo imaginativa, conhecimento imaginativo,
conscincia imaginativa, por exemplo. Ao contrrio das filosofias e espiritualidades - que se
mostram, ou se mostravam abertamente desconfiadas de tudo que se relacionava com a
imagem e, por extenso, do que depende da imaginao -, o mundus imaginalis representa
uma espcie de exaltao desta. Aqui, imaginao concebida como o eixo sem o qual se
desagrega o esquema dos mundos, o emprico dos sentidos e o abstrato do intelecto. Trata-se,
assim, de um lugar com dinmica prpria [...] um universo mediano e mediador, um
intermundo entre o sensvel e o inteligvel, intermundo sem o qual a articulao entre o
sensvel e o inteligvel fica integralmente bloqueada (CORBIN, s/d).
A funo especfica desse mundus imaginalis - ao romper radicalmente com a
dicotomia corpo/mente, desmaterializando as formas sensveis e imaginalizando as formas
inteligveis de modo a conferir-lhes figura e dimenso -, impor ao seu agente a
imaginao ativa, uma disciplina inconcebvel quela outra - passiva e muitas vezes
degradada pelo senso comum como fantasia capaz de todos os excessos.
Situa Corbin que, sem um mundo intermdio e o instrumento de ao que lhe prprio
- vises dos msticos e dos profetas, atos simblicos (ritos de iniciao, liturgias, tradio
alqumica), gestos das epopeias, em suma, toda aquela parte do ser que permanece parte,
folclorizada, proibida ou acessvel somente pelas anlises que dissecam -, perdem seu campo

existencial, seu lugar de existir. Sem este lugar, so somente imaginrio e fico. Com uma
diferena, porm: a fantasia (no imaginrio ) pode ser inofensiva; o imaginal nunca o
(CORBIN, s/d grifos nossos). Exatamente porque a sua funo fantstica no desempenha,
na prtica, o simples papel de refgio afetivo, ele bem uma auxiliar da ao (DURAND,
s/d), uma coisa concreta, e no um mero exerccio intelectual.
O mundus imaginalis, real e no inofensivo descrito por Corbin, nos remete a
caminhos que se fazem ao caminhar, isto , no so espaos objetivos, tampouco pblicos.
Desse modo, qualquer mapa [que fizermos deles] provisrio e de uso limitado porque a
paisagem est constantemente mudando e sempre nica, individual e pessoal, adverte-nos
Tom Cheetham (2009) comentarista de Corbin.
Mas no so incomunicveis. Alguns caminhantes, entre os quais filsofos, artistas e
cientistas, deixaram-nos relatos destas viagens interiores, vestgios, pegadas, testemunhos de
um percorrido. Do mesmo modo, vale lembrar que a mediao procurada entre o emprico e o
abstrato, entre o coletivo e o individual no privativa da constelao de relatos estudados
por Corbin. Antes, um trao em comum a alguns textos da cultura que se articulam em
gradaes variveis nas reflexes que ele nos deixa do mundo imaginal e seu agente, a
imaginao criativa.
O interesse no trabalho de Corbin, desse modo, duplo. Primeiro, porque a filosofia
medieval persa revela algumas particularidades bem definidas, tendo sido bero de uma
proposta extremamente interessante, que combina intuio mstica e rigor filosfico, diz
Cavaleiro de Macedo (2009, p. 121-142) desse conjunto de reflexes e conhecimentos que
ecoaram com particular incidncia no mundo medieval ibrico durante a conquista rabe e a
reconquista crist. Segundo, porque o autor detalha com maestria relatos que atribuem
pensamento ao corao, aos quais chama visionrios, reconhecendo neles um trao
arquetpico ao dimensionar a narrativa pessoal. Isto , um sujeito que se localiza
preferencialmente em eventos experenciados, ao invs de uma experincia do prprio
contador. Alguns dos estudos de Corbin tm esses elementos em comum, como por exemplo
o conjunto das obras de Suhrawardi e Avicena. Ao lado de trabalhos sistemticos
extremamente slidos, ambas possuem um breve ciclo de romances espirituais, narrativas de
iniciaes interiores e que marcam uma ruptura de plano com as exposies tericas s quais

esto interconectadas. Funcionam, por assim dizer, como o reverso do discurso, ou o cho
onde ele est plantado.
Consideraes finais
No diagrama a seguir buscamos resumir a evoluo das teorias do imaginrio de
Bachelard a Corbin apresentadas neste artigo.
EVOLUO DAS TEORIAS DO IMAGINRIO
Autores e teorias
Elementos do Imaginrio e concepo dos autores
BACHELARD (1884-1962)

AR

TERRA

FOGO

GUA

Imaginao Formal e Material

Movimento

Fora

Transformao

Materializao

CORBIN (1903-1978)

MUNDO IMAGINAL

Mundus Imaginalis

Conscincia imaginativa

DURAND (1921 - 2012)

DIURNO

NOTURNO

Imaginrio Diurno e Noturno

Esquizomrficas (ou
hericas)

MAFFESOLI (1944)

INDIVIDUAL

COLETIVO

Imaginrio Individual e Coletivo

Identificao pessoal

Compartilhamento de valores

Sintticas (ou
dramticas)

Msticas (ou
antifrsicas)

Diagrama 01 Esquematizao da evoluo das teorias do imaginrio abordadas neste texto. Fonte: os autores.

Ao retomar nossa proposta inicial, qual seja, compor algumas proposies tericas
sobre imaginrio, vimos que as diferentes abordagens, mesmo que falem sobre o mesmo
tema, abrem campos de investigao distintos. Nossa proposio foi quase que uma
apresentao introdutria, para que possamos desenvolver anlises posteriores que vinculem o
imaginrio. Dessa maneira, nosso campo investigativo no se finda aqui. Isso exige outros
espaos e em outros tempos. Por enquanto, foi possvel apenas pavimentar o caminho.
SLVIO ANAZ doutor em Comunicao e Semitica
pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
silvioanaz@hotmail.com

GRAZYELLA AGUIAR doutoranda em Comunicao e Semitica


pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
grazy.a@hotmail.com

LCIA LEMOS
lucialemos@gmail.com

NORMA FREIRE doutora em Comunicao e Semitica


pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
eire.tln@terra.com.br

EDWALDO COSTA doutorando em Comunicao e Semitica


pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
guga.aracatuba@terra.com.br

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