Noções Do Imaginário: Perspectivas de Bachelard, Durand, Maffesoli e Corbin
Noções Do Imaginário: Perspectivas de Bachelard, Durand, Maffesoli e Corbin
Noções Do Imaginário: Perspectivas de Bachelard, Durand, Maffesoli e Corbin
Corbin
Slvio Anaz, Grazyella Aguiar, Lcia Lemos,
Norma Freire e Edwaldo Costa
Resumo: O objetivo deste artigo abordar algumas das proposies tericas sobre o imaginrio, apresentado
com diferentes sentidos e com novas dimenses - como fator de equilbrio biopsicossocial, como patrimnio de
um grupo ou, at mesmo, propondo uma nova denominao. No primeiro segmento de Gaston Bachelard a
noo de imaginrio como uma estrutura essencial na qual se constituem todos os processamentos do
pensamento humano. A seguir, apresenta-se a perspectiva de Gilbert Durand, que o considera como um vasto
campo, com imagens que podem se desenrolar - como a um novelo - e fornecer outras imagens. Como
contraponto, a contribuio de Michel Maffesoli, que admite a existncia de dois tipos de imaginrio - o
individual e o coletivo. Finaliza-se com a abordagem de Corbin, que prope novas denominaes como mundus
imaginalis ou imaginal, diferente da acepo consagrada no senso comum.
Palavras-chave: Imaginrio; Teorias do imaginrio; Perspectivas.
Abstract: The aim of this article has been to discuss some of the theoretical propositions about the imaginary,
made with different directions and with new dimensions-how to balance factor as the patrimony of a
biopsychosocial group or, even, proposing a new denomination. In the first segment, is of Gaston Bachelard the
notion of imaginary as an essential structure in which there are all human thought processes. The following
presents the prospect of Gilbert Durand, as a vast field, with images that can unroll - as a ball of thread - and
provides other images. As a counterpoint, the contribution of Michel Maffesoli, who admits the existence of two
kinds of imaginary - the individual and the collective. Ends with the approach of Corbin, proposing new names
as mundus imaginalis or imaginal, different from the meaning enshrined in common sense.
Keywords: Imaginary; Theories of imaginary; Perspective.
Introduo
Consagrado no senso comum como aquilo que fictcio, oposto do real e que pertence
ao mundo da imaginao, o imaginrio ganhou novas acepes a partir das teorias de
estudiosos de diferentes campos como a psicanlise, a antropologia, a hermenutica, os
estudos da religio etc. O termo um exemplo do que Umberto Eco (1986) chama de
mundos possveis - plenamente mobiliados de indivduos, aes, eventos e todas as demais
caractersticas presentes no mundo, alm de seguir algumas das principais convenes
culturais e sociais constantes no mundo real, atual, natural ou scio-histrico, tomando
lhes emprestadas referncias que remetem ao mundo conhecido do leitor (KESKE, 2003.p.
12).
Ao longo do sculo 20, o imaginrio foi tema de interesse de autores como Gaston
Bachelard, Sigmund Freud, Gilbert Durand, Michel Maffesoli, Jacques Lacan, Cornelius
Castoriadis, Paul Ricoeur e Henri Corbin, dentre outros. Esses tericos apresentaram
diferentes dimenses e significaes ao imaginrio, ao o estabelecerem como o conjunto das
atitudes imaginativas que resultam na produo e reproduo de smbolos, imagens, mitos e
arqutipos pelo ser humano (Durand), como o patrimnio de um grupo (Maffesoli) ou mesmo
ao darem novas denominaes, como mundus imaginalis (Corbin), para o diferenciarem da
acepo consagrada no senso comum.
No campo da Psicanlise, o imaginrio foi objeto de reflexo de Freud e Lacan. Para o
primeiro, a vida normal se passa no plano dos contedos manifestos. O nvel do contedo
latente o contedo inconsciente real e oculto, que se dissimula sob o contedo manifesto.
Portanto, o imaginrio refere-se ao ego, ao eu. J Lacan, ao delimitar o registro do imaginrio
(1936 a 1953), ressalta a importncia do outro para a afirmao da identidade na constituio
do eu. Ou seja, o outro a nossa medida. o lugar das identificaes e das relaes duais.
No universo das ideias e do pensamento do psicanalista, o avano da
conceitualizao do eu foi consequncia das modificaes que sofreram no decurso de sua
obra, as noes de objeto e de fantasia (LEITE, 2008. s/r). O eu, classicamente definido
como sede da funo percepo-conscincia, ao ser retomado por Lacan, aparece como um
objeto prprio ao homem, que tem como particularidade uma relao com o significante
(LEITE, 2008. s/r).
Para Lacan, trs so as categorias conceituais da realidade humana: 1) imaginrio teatro das iluses do eu, papis de um indivduo; 2) real - um excesso que no pode ser
simbolizado - o que no se consegue simbolizar; 3) smbolo como sendo o ideal do eu, que
determinaria e sustentaria a projeo imaginria sobre o eu-ideal (LEITE, 2008. s/r).
Salles (2005) refere o fato de Lacan (1953) estabelecer o narcisismo como centro de
sua teoria do imaginrio: para o narcisismo como momento primordial da constituio do
eu por imagens que se volta teorizao construda a propsito do estgio do espelho
(SALES, 2005. p. 114-115).
Santaella (1999, s/r) tambm lembra registros lacanianos, quando diz ser o ego servo e
senhor do imaginrio, que
se projeta nas imagens em que se espelha: imaginrio da natureza, do corpo, da
mente, das relaes sociais. Buscando por si mesmo, o ego acredita se encontrar no
espelho das criaturas para se perder naquilo que no ele. Esta situao
fundamentalmente mtica. Uma metfora da condio humana, uma vez que estamos
sempre ansiando por uma completude que no pode jamais ser encontrada,
infinitamente capturada em miragens que ensaiam sentidos onde o sentido est
sempre em falta.
1.1.
diversidade do seu pensamento entre cincia e poesia. Para Wunenburger (2007, p. 17-18),
Bachelard testemunha a onipresena da imagem na vida mental, atribuindo-lhe uma
dignidade ontolgica e uma criatividade onrica, fontes da relao potica para o mundo.
O pensador francs diferencia a imaginao em dois aspectos: formal e material.
Expressando-nos filosoficamente desde j, poderamos distinguir duas imaginaes: uma
imaginao que d vida causa formal e uma imaginao que d vida causa material; ou,
mais brevemente, a imaginao formal e a imaginao material (BACHELARD, 1998. p. 1).
Para o Doutor em Educao pela USP e estudioso sobre o imaginrio de Bachelard,
Alexander de Freitas (2006 p. 46), a imaginao formal
valoriza os modelos terico-matemticos e a formalizao lgico-emprica das
cincias naturais, remete tradio aristotlica, cartesiana e positivista de cincia.
Enquanto a imaginao material, obscurecendo a vigilncia epistemolgica,
imprescindvel atividade cientfica, instaura os devaneios noturnos da matria.
Ele preconiza, ainda (1998), que este elemento, agrupando as imagens e dissolvendo
as substncias, ajuda a imaginao em sua tarefa de desobjetivao e assimilao. Em alguns
momentos, a gua imaginria aparecer para o pensador como o elemento das transaes,
como o esquema fundamental das misturas. ela que vai predominar ao compor-se com os
outros elementos. Em outros, diz ser
ela objeto de uma das maiores valorizaes do
pensamento humano, a da pureza. Mas que adquire o outro lado da imaginao, a dinmica e
por assim ser, se torna gua violenta.
Desse modo, a gua nos aparecer como um ser total: tem um corpo, uma alma, uma
voz. Mais que nenhum outro elemento talvez, a gua uma realidade potica
completa. Uma potica da gua, apesar da variedade de seus espetculos, tem a
garantia de uma unidade. A gua deve sugerir ao poeta uma obrigao nova: a
unidade de elemento (BACHELARD, 1998. p. 17).
E, finalmente, no que tange ao fogo, mostra que este um objeto imediato.
Para falar
desse elemento recusa o plano histrico, pois as condies antigas do devaneio no so
eliminadas pela formao cientfica contempornea (BACHELARD, 1994. p. 5). O fogo
pode ser visto por ele como estimulante dos processos qumicos, uma espcie de catalisador
que ativa um processo. Mas que possui, tambm, uma natureza dualista - o fogo catalisa e
destri. No pensar de Freitas (2006, p. 39), sua obsesso por este ltimo elemento vai
iluminar toda sua epistemologia e metafsica potica. Assim, compreende que
a um elemento material como o fogo se possa associar um tipo de devaneio que
comanda as crenas, as paixes, o ideal, a filosofia de toda uma vida. H um sentido
em falar da esttica do fogo, da psicologia do fogo e mesmo da moral do fogo. Uma
potica e uma filosofia do fogo condensam todos esses ensinamentos. Ambas
constituem esse prodigioso ensinamento ambivalente que respalda as convices do
corao pelas instrues da realidade e que, vice-versa, faz compreendera vida do
universo pela vida do nosso corao (BACHELARD, 1998. p. 5).
1.2.
Por isso o pesquisador diz estabelecer vnculo (entre o ser e seu entorno): cimento
social. Observa que o termo imaginrio est em evidncia por causa do intenso
desenvolvimento tecnolgico, isto , alimentado por tecnologias (tv, cinema, internet, etc.).
A tcnica um fator de estimulao imaginal [...], ainda mais nas tecnologias de
comunicao, pois o imaginrio, enquanto comunho , sempre, comunicao. Internet uma
tecnologia da interatividade que alimenta e alimentada por imaginrios (MAFFESOLI,
2001. p. 80 grifo nosso).
Em continuidade tessitura terica do imaginrio, apresentamos uma abordagem
diferente das anteriores, formulada por Henri Corbin, que, a partir do estudo de textos
medievais rabes e persas, prope o conceito de mundo imaginal.
2.
existencial, seu lugar de existir. Sem este lugar, so somente imaginrio e fico. Com uma
diferena, porm: a fantasia (no imaginrio ) pode ser inofensiva; o imaginal nunca o
(CORBIN, s/d grifos nossos). Exatamente porque a sua funo fantstica no desempenha,
na prtica, o simples papel de refgio afetivo, ele bem uma auxiliar da ao (DURAND,
s/d), uma coisa concreta, e no um mero exerccio intelectual.
O mundus imaginalis, real e no inofensivo descrito por Corbin, nos remete a
caminhos que se fazem ao caminhar, isto , no so espaos objetivos, tampouco pblicos.
Desse modo, qualquer mapa [que fizermos deles] provisrio e de uso limitado porque a
paisagem est constantemente mudando e sempre nica, individual e pessoal, adverte-nos
Tom Cheetham (2009) comentarista de Corbin.
Mas no so incomunicveis. Alguns caminhantes, entre os quais filsofos, artistas e
cientistas, deixaram-nos relatos destas viagens interiores, vestgios, pegadas, testemunhos de
um percorrido. Do mesmo modo, vale lembrar que a mediao procurada entre o emprico e o
abstrato, entre o coletivo e o individual no privativa da constelao de relatos estudados
por Corbin. Antes, um trao em comum a alguns textos da cultura que se articulam em
gradaes variveis nas reflexes que ele nos deixa do mundo imaginal e seu agente, a
imaginao criativa.
O interesse no trabalho de Corbin, desse modo, duplo. Primeiro, porque a filosofia
medieval persa revela algumas particularidades bem definidas, tendo sido bero de uma
proposta extremamente interessante, que combina intuio mstica e rigor filosfico, diz
Cavaleiro de Macedo (2009, p. 121-142) desse conjunto de reflexes e conhecimentos que
ecoaram com particular incidncia no mundo medieval ibrico durante a conquista rabe e a
reconquista crist. Segundo, porque o autor detalha com maestria relatos que atribuem
pensamento ao corao, aos quais chama visionrios, reconhecendo neles um trao
arquetpico ao dimensionar a narrativa pessoal. Isto , um sujeito que se localiza
preferencialmente em eventos experenciados, ao invs de uma experincia do prprio
contador. Alguns dos estudos de Corbin tm esses elementos em comum, como por exemplo
o conjunto das obras de Suhrawardi e Avicena. Ao lado de trabalhos sistemticos
extremamente slidos, ambas possuem um breve ciclo de romances espirituais, narrativas de
iniciaes interiores e que marcam uma ruptura de plano com as exposies tericas s quais
esto interconectadas. Funcionam, por assim dizer, como o reverso do discurso, ou o cho
onde ele est plantado.
Consideraes finais
No diagrama a seguir buscamos resumir a evoluo das teorias do imaginrio de
Bachelard a Corbin apresentadas neste artigo.
EVOLUO DAS TEORIAS DO IMAGINRIO
Autores e teorias
Elementos do Imaginrio e concepo dos autores
BACHELARD (1884-1962)
AR
TERRA
FOGO
GUA
Movimento
Fora
Transformao
Materializao
CORBIN (1903-1978)
MUNDO IMAGINAL
Mundus Imaginalis
Conscincia imaginativa
DIURNO
NOTURNO
Esquizomrficas (ou
hericas)
MAFFESOLI (1944)
INDIVIDUAL
COLETIVO
Identificao pessoal
Compartilhamento de valores
Sintticas (ou
dramticas)
Msticas (ou
antifrsicas)
Diagrama 01 Esquematizao da evoluo das teorias do imaginrio abordadas neste texto. Fonte: os autores.
Ao retomar nossa proposta inicial, qual seja, compor algumas proposies tericas
sobre imaginrio, vimos que as diferentes abordagens, mesmo que falem sobre o mesmo
tema, abrem campos de investigao distintos.
Nossa proposio foi quase que uma
apresentao introdutria, para que possamos desenvolver anlises posteriores que vinculem o
imaginrio. Dessa maneira, nosso campo investigativo no se finda aqui. Isso exige outros
espaos e em outros tempos. Por enquanto, foi possvel apenas pavimentar o caminho.
SLVIO ANAZ doutor em Comunicao e Semitica
pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
silvioanaz@hotmail.com
LCIA LEMOS
lucialemos@gmail.com
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