Mestre Finezas Teste
Mestre Finezas Teste
Mestre Finezas Teste
mundo fora. Eu falhei um curso e arrasto, por aqui, uma vida de marasmo e ociosidade. H
entre mim e esta gente da vila uma indiferena que no consigo vencer. O meu desejo
partir breve. Mas no vejo como. E, quando o presente feio e o futuro incerto, o passado
vem-nos sempre ideia como o tempo em que fomos felizes. Da eu ser o confidente de
Mestre Finezas.
Ele ajuda as minhas recordaes contando-me dos dias a que chama da "sua glria".
Estamos sozinhos na loja. De navalha em punho, Mestre Finezas declama cenas inteiras dos
"melhores dramas que j se escreveram." E h nele uma saudade to grande das noites em
que fazia soluar de amor e mgoa as senhoras da vila que, amide, esquece tudo o que o
cerca e fica, longo tempo, parado. Os seus olhos ganham um brilho metlico. Fixos, olhamme mas no me vem. Esto a ver para l de mim, atravs do tempo.
Lentamente, aflora-lhe aos lbios, premidos e brancos, um sorriso doloroso.
- Eu fui o maior artista destas redondezas!... -murmura.
Na cadeira, com a cara ensaboada, eu revivo a infncia e sonho o futuro. Mestre Finezas
j nem sonha; recorda s.
De novo, a mo treme-lhe junto da minha cara. No espelho, vejo-lhe o busto mirrado, os
cabelos escorridos e brancos. Oio-lhe a voz desencantada:
-A navalha magoa-te? Uma onda de ternura por aquele velho amolece-me. D-me
vontade de lhe dizer que no, que a navalha no magoa, que nem sequer a sinto. O que
magoa ver a presena da morte alastrando pelas paredes escuras da loja, escorrendo dos
papis cados do tecto, envolvendo-o cada vez mais, dobrando-lhe o corpo para o cho.
Mas Mestre Finezas parece nada disto sentir. Salta de um assunto para outro com
facilidade. Preciso de tomar ateno para lhe seguir os fios do pensamento. Agora faz-me
queixas da vila. E termina como sempre:
-Esta gente no pensa noutra coisa que no seja o negcio, a lavoura. Para eles, a
nica razo da vida.
Volto a cabea e olho-o. Sei o que vai dizer-me. Vai falar-me do abandono a que o
votaram. Vai falar-me do teatro, da msica, da poesia. Vai repetir-me que a arte a coisa
mais bela da vida. Mas no. J nos entendemos s pelo olhar. Mestre Finezas salta por cima
de tudo isto e ergue a navalha num lance teatral:
- Que sabem eles da arte? Tu que estudaste, tu sabes o que a arte. Eles ho-de morrer
sem nunca terem gozado os mais belos momentos que a vida pode dar!...
Atravessou a loja, abriu um armrio cavado na parede, e tirou o violino.
- Eu no te disse nada, Carlinhos, mas, olha, tenho vendido tudo para no morrer de
fome... Tudo. Mas isto!...
Estendeu o violino na minha direco e continuou, reprimindo um soluo:
- Isto nem que eu morra!... a minha ltima recordao...
Calou-se por longo tempo de olhos no cho. Depois, de boca muito descerrada, disse-me
como quem pede uma esmola:
- Tu queres ouvir uma msica que eu tocava muito, Carlinhos?...
- Quero!... -respondi, forando um sorriso de agrado.
Nem me ouviu. Estava, ao meio da loja, entre mim e a porta e prendia o violino no
queixo.
O arco roou pelas cordas e um murmrio lento comeou, no silncio que vinha das ruas da
vila e enchia a casa. Lentamente, o fio de msica ia engrossando. Era agora mais forte
agudo, desamparado como um choro aflito. E demorava, ondeava por longe, vinha e
penetrava-me de uma sensao dolorosa.
Levantei-me de toalha cada no peito, cara ensaboada, preso no sei de que vagos
desgostosos pensamentos. Talvez pensasse em fugir, pedir-lhe que no tocasse mais
aquela msica desarmada e triste.
Mas, na minha frente, Mestre Finezas, alheio a tudo, fazia gemer o seu violino, as suas
recordaes. O sol da meia tarde entrava pela porta e aureolava-o de uma luz trmula. E
erguia o corpo como levado na toada que os seus dedos desfiavam; ficava nos bicos dos
ps, todo jogado para o tecto.
De sbito, uma revoada de notas soltaram-se, desencontradas, raivosas. Encheram a
loja, e ficaram vibrando.
Os braos caram-lhe para os lados do corpo. Numa das mos segurava o arco, na outra o
violino. E, muito esguio, macilento, Mestre Finezas curvou a cabea branca, devagar, como
a agradecer os aplausos de um pblico invisvel.
Manuel da Fonseca, in Aldeia Nova
4.
5.
5.1.
espao?
6.2.
unidas.
b.
descrio;
c.
dilogo.
II- Gramtica
1. Indica os advrbios e a locuo adverbial utilizados nas seguintes passagens e a
subclasse a que pertencem:
a.
b.
c.
2. Uma melodia suave saa da loja e enchia a vila de tristeza.. Divide e classifica
as oraes desta frase.
2.1.
2.2.
Transforma sucessivamente a frase, de modo a conter oraes
coordenadas:
2.2.1. adversativas ;
2.2.2. disjuntivas;
2.2.3. conclusivas.
4.
a.
escola.
b.
5. Agora, partindo das frases do exerccio anterior, indica a classe e subclasse das
palavras que se seguem: saa / / pior / tesoura / minhas / lhe / esguias / vila
Proposta de correo
I
1. a. V; b. F; c. F; d. F; e. V
1.1. b- O narrador homodiegtico, ou seja, participa na histria, mas no o
protagonista. O protagonista o Mestre Finezas.
c- Neste conto surgem vrias personagens. Alm do narrador, Carlos, e de Mestre
Finezas, temos ainda a me e o pai do narrador e o doutor delegado.
d- A ao atravessa vrios anos pois o narrador, por vezes, recorda a sua infncia.
2.
Presente
Passado
Passado
3. No existe essa coincidncia, uma vez que o narrador recorre vrias vezes a
analepses, isto , a narrativa recua temporalmente at pocas passadas para relembrar
acontecimentos que o marcaram e que esto vivos na sua memria.
4. Este conto passa-se entre dois espaos fsicos muito marcantes para o narrador: a
barbearia do mestre Finezas e o teatro.
5.1. Este conto passa-se numa vila e nota-se que existem algumas alteraes entre o
passado e o presente, principalmente na forma como as pessoas veem a arte.
Anteriormente, os habitantes da vila vibravam com as peas de teatro amador que se iam
fazendo por pessoas da terra e at vestiam os seus melhores fatos para irem assistir. Mas
hoje em dia Esta gente no pensa noutra coisa que no seja o negcio, a lavoura, pois o
dinheiro considerado mais importante que a arte.
6.1 Aproxima-os o facto de nem um nem outro terem conseguido realizar os seus
sonhos, ou seja, o Mestre Finezas desejava ter sido um grande artista a trabalhar na capital
e nunca saiu daquela vila. J o narrador falhou o curso e ambos eram ignorados pelos
outros habitantes.
6.2. No fim, as duas personagens acabam por permanecer unidas porque sentiam-se
distanciadas das outras pessoas da vila, por terem interesses diferentes. Apenas o narrador
sentia pela arte o mesmo amor que Mestre Finezas sentia.
7.Mestre Finezas tinha o caro severo de magro, o corpo alto, curvado. Era uma
figura alta e seca. As pontas dos dedos eram duras, os cabelos escorridos e brancos.
8. a. Nesse tempo tinha-lhe medo.
b. o caro severo de magro, o corpo alto, curvado
c. Estou um velho, Carlinhos
II
1. agora, nesse tempo e logo- advrbios de predicado com valor de tempo.
2.2.1.Uma melodia suave saa da loja, mas enchia a vila de tristeza.
2.2.2. Ou uma melodia suave saa da loja, ou enchia a vila de tristeza.
2.2.3. Uma melodia suave saa da loja, logo enchia a vila de tristeza.
3. Comparao.
4. a. complemento oblquo; modificador do grupo verbal; sujeito.
b. predicado; predicado.
c. complemento indireto; complemento direto.
d. complemento oblquo.
5. saa (verbo); (contrao da preposio a + determinante artigo definido a);
pior (adjetivo mau no grau comparativo de superioridade); tesoura (nome comum
contvel); minhas (determinante possessivo); lhe (pronome pessoal de complemento
indireto); esguias (adjetivo qualificativo); vila (nome comum contvel).