Anton Tchékhov - O Jubileu
Anton Tchékhov - O Jubileu
Anton Tchékhov - O Jubileu
Personagens
Andrei Andreievitch Chiputchin, presidente da Sociedade Crdito Mtuo de
N... Homem de certa idade. Usa monculo.
(Est de casaca. Traz, na mo, o lbum que seus colaboradores acabam de oferecer-lhe. Fica na porta, falando para o interior dos escritrios.) Este presente de
vocs, meus caros colaboradores, hei de conserv-lo at
a minha morte, como recordao de um dos dias mais felizes da minha vida! Sim, meus senhores, hei de conserv-lo! Mais uma vez obrigado! (Aplausos. Envia um bei-
(Levantando-se) Tenho a honra de felicit-lo senhor Andrei Andreievitch, pelo dcimo-quinto aniversrio do nosso
banco, e desejo que...
CHIPUTCHIN:
(Com um forte aperto de mo) Obrigado, meu caro, obrigado! Num dia glorioso como o de hoje, o dia do jubileu, suponho que podemos abraar-nos! (Abraam-se)
Estou muito, muito contente! Obrigado pelo servio... por
tudo... por tudo, obrigado! Se, durante o tempo em que
tenho tido a honra de ser presidente deste banco, alguma
coisa de til se fez, devo isso aos meus colaboradores.
(Suspira) , meu velho, quinze anos, quinze anos... como
me chamo Chiputchin. (Vivamente) Ento, como vai o
meu relatrio? Adiantado?
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
Excelente! Excelente! Como me chamo Chiputchin! A assemblia geral comea s quatro. Por favor, meu caro,
d-me a primeira parte, assim vou estudando... D-me,
depressa... (Abre o relatrio) Deposito neste relatrio
enormes esperanas... a minha profession de foi, ou
melhor, o meu fogo de artifcio... isso mesmo! Meu fogo
de artifcio, como me chamo Chiputchin! (Senta-se e l o
relatrio) Estou, entretanto, infernalmente cansado... A
noite passada, tive um ataque de gota... A manh inteira
passei atarefado, numa correria doida. Depois, essa excitao, tantas ovaes, toda essa agitao... Estou cansado, mesmo, cansado!
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
Houve, tambm, outra coisa desagradvel... hoje de manh, apareceu sua esposa, l em casa, e queixou-se de
novo do senhor. Disse-me que, ontem noite, o senhor
correu atrs dela e de sua cunhada, com uma faca na
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CHIPUTCHIN:
(Suspirando) Seu gnio impossvel, senhor Kusm Nicolaievith. O senhor uma boa pessoa... respeitvel...
mas com as mulheres, comporta-se como se fosse Jack,
o Estripador! Palavra! No compreendo porque que o
senhor as odeia tanto!
HIRIN:
E eu no compreendo, senhor Andrei Andreievitch, porque que o senhor gosta tanto delas!
Pausa.
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
Que idia!
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
... A sua senhora parece que instruda, mas na segunda-feira deum uma rata que fiquei dois dias de braos abertos, de to espantado... De repente, na presena de
gente estranha, perguntou: verdade que meu marido
deu ordem, no Banco, de comprar uma poro de aes
no Banco de Driajsk e que a cotao delas na Bolsa caiu
muito? Ah, meu marido anda agora to preocupado! E isto, na presena de gente estranha! No compreendo porque o senhor to franco com elas! Porque lhes fala de
coisas importantes? Diga-me: quer que elas o levem ao
tribunal um dia?
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
Otimamente bem. A mame e Ktia lhe mandam lembranas. Vassili manda-lhe um beijo. (Beija-o) Ah! se voc soubesse o que aconteceu. A titia mandou-lhe um pote
de doce e est muito zangada porque voc no lhe escreve. Zino manda-lhe um beijo. (Beija-o) Ah! se voc soubesse o que aconteceu! O que aconteceu... Tenho at
medo de contar... Ah, que coisa! Mas est vendo, nos
seus olhos, que voc no est contente de ver-me!...
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
Querida, hoje o dia do nosso jubileu. A qualquer momento pode aparecer a delegao dos membros do Conselho, e voc no est vestida...
TATIANA:
TATIANA:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
Digne-se ver, Vossa Excelncia: o meu marido, o escriturrio Martchutkin, ficou doente cinco meses, e quando estava de cama, em tratamento, em casa, foi despedido,
sem razo nenhuma, Vossa Excelncia, e quando fui
buscar o ordenado dele digne-se ver! eles descontaram do ordenado 24 rublos e 36 kopek! Por que? perguntei. E eles dizem: Ele pediu emprestado, da caixa do
auxlio mtuo, e os outros prestaram fiana por ele. Foi o
que responderam. Como isso? Como que ele podia
pedir emprestado, sem o meu consentimento? Assim no
possvel! Vossa Excelncia, no est certo! Sou uma
mulher pobre, s me aguento porque tenho uns inquilinos... Sou fraca, indefesa... Sofro ofensas de todo o mundo, e de ningum ouo uma boa palavra...
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
(A Hirin) preciso contar do comeo... Na semana passada, recebo, de repente, uma carta de mame. Ela escreveu que um tal Grendilevski pediu minha irm Ktia em
casamento. Um belo moo, modesto, mas sem meios e
sem nenhuma situao slida. E por desgraa imagine
o senhor Ktia apaixonou-se por ele! Que fazer? Mame pedia que eu fosse l e procurasse convencer Ktia...
HIRIN:
(Carrancudo.) Espere, por favor! A senhora me atrapalhou... Fica a, s voltas com mame e com Ktia... e
eu me atrapalhei todo. No entendo mais nada.
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TATIANA:
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
Batem porta.
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
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MERTCHUTKINA:
Sou uma mulher fraca, indefesa. De aparncia talvez pareo forte, mas se quiser verificar, no tenho nem um s
pedacinho em bom estado. Mal me agento em p e perdi
o apetite. Hoje tomei o caf sem prazer nenhum...
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
HIRIN:
Isso que a senhora tem a, em cima dos ombros, cabea ou o que que ?
MERTCHUTKINA:
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
E o dinheiro, como ?
HIRIN:
Numa palavra: isso, em cima de seus ombros, no cabea, mas isto... (Bate com o dedo na mesa e depois
na prpria testa).
MERTCHUTKINA:
(Ofendida) O que? Olhe l! Bata na cabea da sua mulher... Sou esposa de um escriturrio... Que est pensando? Comigo no!
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
Vossa excelncia...
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
(Sonmbulo) Est bem, minha senhora, eu vou resolver... tomarei providncias... V embora... depois! ( parte) Est comeando o ataque de gotas!
HIRIN:
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CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
Vossa Excelncia...
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
Uf!
TATIANA:
(A Mertchutkina) Vovozinha, esto dizendo-lhe que a senhora atrapalha. Como ? A senhora no compreende?
MERTCHUTKINA:
Minha beleza, minha senhorazinha, se eu no fao, ningum faz por mim... Parece que eu como e bebo, mas
s impresso... Tomei hoje o caf sem prazer nenhum...
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
(Sentando-se ao lado do marido) J vou para casa. (Olha o relgio) Mas ainda no terminei... Termino, num
minuto, e vou... O que aconteceu... Ah! o que aconteceu!
Ento fomos ao baile, em casa dos Barejnisky... No estava mal, quase animado, mas no muito... Naturalmente,
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l estava o admirador de Ktia, o Grandilevsky... Bem, falei com Ktia, chorei um pouquinho, tratei de convenc-la
e, l mesmo, ela se explicou com Grandilevsky e no aceitou seu pedido de casamento. Bem pensei eu arranjei tudo, no podia ser melhor: acalmei mame, salvei
Ktia, e agora posso ficar sossegada... Mas imagine voc o que aconteceu? Uns minutos antes da ceia, amos
com Ktia por uma alameda de parque e, de repente...
(Agitada) e, de repente, ouvimos um tiro... No, no posso falar nisso com calma. (Abanando-se com o leno)
No, no posso!
CHIPUTCHIN:
(Suspira) Uf!
TATIANA:
(Chorando) Corremos ao pavilho e l... l estava deitado, o pobre Grandilevsky, com uma pistola na mo...
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
TATIANA:
MERTCHUTKINA:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
TATIANA:
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
CHIPUTCHIN:
MERTCHUTKINA:
TATIANA:
Socorro! Socorro! Ai! Ai! Estou desmaiando... desmaiando... (Sobe numa cadeira e depois cai no div, gemendo como quem vai desmaiar).
HIRIN:
MERTCHUTKINA:
(Off) Delegao!
CHIPUTCHIN:
HIRIN:
Mui prezado e caro senhor Chiputchin! Lanando um olhar retrospectivo sobre o passado do nosso estabelecimento financeiro e percorrendo, com os olhos do esprito,
o seu desenvolvimento gradativo, chegamos a concluses
altamente favorveis e satisfatrias. verdade que no
primeiro perodo de sua existncia, o volume insignificante
de capital bsico, a ausncia de operadores considerveis, assim como a impresso dos alvos colimados, implicam a pergunta hamletiana: ser ou no ser?, e numa de16
terminada poca, chegou a ouvir-se rumor de vozes a favor do fechamento do nosso prezado banco. Mas naquele
momento surgiu Vossa Senhoria na chefia do estabelecimento. Seu saber, sua energia e seu tato incomum foram
as causas do invulgar xito e do florescimento raro da
nossa empresa. A reputao do Banco... (Tosse) reputao do Banco...
MERTCHUTKINA:
TATIANA:
1o DELEGADO:
CHIPUTCHIN:
Delegao... reputao... ocupao... (Recita dois versos de qualquer traduo portuguesa, bem conhecida, de clssico europeu. Pausa. Recita dois versos, de
preferncia, de outro clssico).
1o DELEGADO:
(Continua, mas com grande timidez) Em seguida, lanando um olhar objetivo sobre o presente, ns, muito prezado e caro senhor Chiputchin... (Baixando a voz) Nesse, caso, melhor continuar depois... melhor, depois...
sim... melhor...
CHIPUTCHIN:
PANO
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