Geografia Na Idade Media
Geografia Na Idade Media
Geografia Na Idade Media
2 edio revisada
Reitora
Vice-Reitor
Diretora
Conselho Editorial
G. H. T. Kimble
Traduo
Mrcia Siqueira de Carvalho
K49g
Kimble, George Herbert Tinley, 1908A geografia na Idade Mdia [livro eletrnico] / George
H. T. Kimble ; traduo: Mrcia Siqueira de Carvalho.
Londrina : Eduel, 2013.
1 Livro digital.
Disponvel em: http://www.uel.br/editora/portal/
pages/livros-digitais-gratutos.php
Ttulo original: Geography in the middle ages.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7216-697-3
1. Geografia medieval. I. Carvalho, Mrcia Siqueira
de. II. Ttulo.
CDU 913.1
Direitos reservados
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Campus Universitrio
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Fone/Fax: (43) 3371-4674
86051-990 Londrina PR
www.uel.br/editora
eduel@uel.br
2013
SUMRIO
PREFCIO EN
APRESENTAO NE
1
2
3
6
7
8
9
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BIBLIOGRAFIA
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SUMRIO DE FIGURAS
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PREFCIO
PREFCIO
ix
Universidade de Reading
Janeiro 1938
APRESENTAO
APRESENTAO
xi
xii
APRESENTAO
xiii
APRESENTAO
SEGUNDA EDIO
fato vem comprovar a utilidade daquela obra clssica para os brasileiros preocupados
com a evoluo do pensamento geogrfico. Assim fica justificada a pertinncia
dos esforos despendidos tanto para a traduo quanto para a edio por
nossa colega Mrcia Siqueira de Carvalho, e expostos na apresentao daquela
primeira edio.
Esta obra do gegrafo britnico fundamental para dissipar as errneas
interpretaes que consideram a Idade Mdia como a Noite dos tempos. Tratou-se,
em verdade, de uma era de metamorfose no espao europeu pelo assentamento dos
povos brbaros que, absorvendo a cultura latina do Imprio Romano em queda e
gerando novas naes e novas lnguas, vo constituir o core do mundo cristo, dito
APRESENTAO
xv
de outros continentes, que as grandes navegaes dos povos ibricos iriam revelar e,
junto com outros europeus, gerar novos mundos.
Fica muito claro, nessa obra de Kimble, a importncia do papel cultural
desempenhado pelos rabes que, em sua grandiosa expanso para o ocidente at a
pennsula Ibrica, iriam resgatar os fundamentos culturais da Grcia clssica cientfica
e filosfica que, aliados ao misticismo fervoroso do cristianismo e s navegaes
ibricas, viram condicionar a ecloso do Renascimento.
Embora datada de 1938, A Geografia na Idade Mdia de Kimble ainda presta
enorme servio compreenso de como evoluiu o pensamento geogrfico naquele
momento. Como toda obra, de uma dada poca, ela representa o elo de uma cadeia
com outras obras anteriores e posteriores.
No esplendor da antigidade clssica, na Grcia do sculo V a.C., a exaltao
cultural ativava os gregos para uma expanso cultural, comercial, poltica por
vezes belicosa. Herdoto usava a Geografia e a Histria como meios preciosos para
conhecer as diferentes realidades naturais e sociais dos povos circundantes. Na Idade
Mdia, o mundo europeu mergulhava em si mesmo numa tarefa de gerao (criao,
produo) de novos territrios, novas naes, novas lnguas sob a diretriz da Igreja. At
que, chegado um novo momento de expanso, com as grandes navegaes.
Como obra subseqente, ocorre-me, aqui, lembrar a obra de outro britnico
Charles Boxer intitulada The Portuguese Seabom Empire 1415-1825 (1969) a qual
ressalta que os ibricos da orla ocidental da cristandade foram os pioneiros que
uniram, para melhor ou para pior, os ramos enormemente diversificados da grande
famlia humana.
xvi
No se dever esquecer que, entre Kimble (1938) e Boxer (1969), nosso historiador
Srgio Buarque de Holanda (1959) em sua obra Viso do Paraso apresenta os
navegantes portugueses sensveis muito embora, s louanias e gentilezas dos
mundos remotos a eles desvendados, no entanto, ao menos no caso do Brasil,
escassamente contriburam para a formao dos chamados mitos de conquista.
Mrcia Siqueira de Carvalho, uma carioca de razes paranaenses e santistas,
radicada em Londrina, onde desenvolve um intenso trabalho de docncia e orientao
nos cursos de Geografia graduao e ps-graduao da UEL, alm de estar
antenada com o que h de mais moderno, tem plena conscincia da importncia do
passado como meio de compreenso do evoluir da cincia geogrfica atravs dos
tempos. Alm de suas reas temticas de investigao dos problemas de alteraes
atuais nos espaos agrrios do Paran, desenvolve um profcuo trabalho de ensino e
orientao nas pesquisas de psgraduandos no campo da Epistemologia Geogrfica.
Pelo seu empenho em traduzir e editar essa obra de Kimble, que teve to boa acolhida,
merece receber nossos parabns.
Em meio a esta grande crise histrica que estamos presentemente a atravessar,
aquela Idade Mdia passada reveste-se de especial significado, porquanto alguns
atuais pensadores mais sensveis, pressentem sinais de que estamos no limiar de uma
Nova Idade Mdia Planetria, como prope Edgar Morin. A despeito das enormes
diferenas do ponto de vista cientfico-tecnolgico, e do acmulo de danos infligidos
natureza, o Homem atual, nesse mundo globalizado, no esconde o mal-estar na
hiper modernidade e no consegue disfarar o desencantamento do mundo. Principia
seu esforo de evaso para o espao intergaltico. Talvez, por isso, haja aqueles que
APRESENTAO
xvii
apregoam o fim da Histria quando talvez esteja ocorrendo o princpio de uma nova
Histria. E com isso, o termo Geografia vir a perder sua semntica atual. De qualquer
modo, cumpre que estejamos atentos, envolvidos na perene tarefa de descobrir o
sentido da nossa presena nestes complicados mundos.
xviii
.ECKH= A Concepo de Mundo de Macrbio, c. 1485. Frontspicio. (Extrado de Macrobii... in somnium Scipionis expositio)
xix
1
A
As trs restantes das sete artes liberais, ou seja, gramtica, dialtica e retrica.
A palavra geografia est ausente do entendimento comum nos mil anos da Idade Mdia.
entendemos pelo termo de histria poltica. Apesar de tudo, dentro desse vasto
campo a terra era muito comum; por isso possvel compreender, sem muita dificuldade,
o alcance do conhecimento do mundo num perodo especfico da Idade Mdia.
O incio exato da Idade Mdia obscuro. Obviamente impossvel assinalar uma
data; em vrios aspectos os Padres da Igreja podem ser considerados como pioneiros
dessa era, ainda que a civilizao clssica pag continuasse por muitos sculos.
Mesmo o fechamento da Escola de Atenas em 529 D.C. no um marco suficiente,
at porque nesse tempo as academias crists de Alexandria, Beirute e Constantinopla
serem certamente mais importantes. deveras interessante pensar sobre essa poca
como qualquer outro perodo de tempo convencional mais como uma sobreposio
poca anterior do que como uma descontinuidade. Para o nosso objetivo imediato,
uma linha divisria conveniente pode ser feita a partir do reino de Constantino
(c. 300). Da em diante, at a Colombo, a civilizao europia foi selada com a
marca de duas tradies e disciplinas a clssica e a crist. Elas eram os marcos
do perodo e, por mais que tentemos defini-las, no podemos perder de vista o
fato de que a Europa medieval deleitou-se em pensar sobre si mesma como o velho
mundo romano sob uma religio.5
Mas isso no quer dizer que o homem da Idade Mdia reuniu o lastro intelectual
e geogrfico dos Antigos. Nada pode estar mais longe da verdade. Para vermos o
quanto foi retirado da antigidade, a tpica concepo medieval de oikoumen, ou
mundo habitvel, para imaginarmos como eram limitados os horizontes mesmo dos
Vide Traduo para o ingls por A. Stewart (Palestine Pilgrim,s Text Society, Vol. I, 1887).
Ir at Stomatae (Castres)
VII lguas
IX lguas
VIII lguas
Ir at Trs rvores
V lguas
Ir at Oscineium (Honeilles)
VIII lguas
VIII lguas
Ir at Vanesia
XII lguas
VIII lguas
Ir at a sexta lgua
VI lguas
Ir at Hungunverrum
VII lguas
VII lguas
Ir ao Temple de Jupiter
VII lguas
VII lguas
Uma vez no territrio da Cidade Santa, o itinerrio ampliado para dar uma
breve imagem de todos os lugares de importncia histrica principalmente bblica.
Essas anotaes esto para nosso interesse enquanto comentrios acerca do
sistema de estradas do imprio daquela poca. O Itinerrio Antonino bastante
importante pela mesma razo. Ele descreve as rotas e as divises administrativas do
Imprio depois da sua reorganizao por Diocleciano e, por isso, oferece-nos elementos
para a geografia, mas no como um sistema geogrfico. Ainda mais, seu alcance est
confinado estritamente aos limites do Imprio Romano. Na Mauritnia, por exemplo,
no encontramos nenhuma cidade na costa oeste a no ser Sala, embora existisse
uma guarnio, chamada Mercurius, 16 milhas ao sul. Na direo da fronteira ao
norte, as Muralhas de Adriano eram o limite, exceto por um posto distante chamado
Bremenium, 20 milhas ao norte. Na Glia, encontramos o Reno sendo o limite absoluto
no Leste, como fazia o Danbio na direo do norte durante todo o seu curso, da
Guntia, perto de Ulm, at Noviodunum, a poucas milhas de sua embocadura. Na parte
leste, o itinerrio atinge rotas to distantes como Samosata no Eufrates e no limite
sul o no plus ultra substitudo pelo posto de Hiera Sycaminos, prximo de Dakkah, no
vale do Nilo.
A Tabula Peutingeriana (assim chamada por causa do seu primeiro proprietrio,
o arquelogo Konrad Peutinger de Augsburg) um itinerrio distinto. provvel que
tenha sido feito na metade do sculo III, numa tentativa de representar
cartograficamente o Imprio como era no sculo I, com exceo de poucos acrscimos
cristos. 8
bvio que esses trabalhos, tentativas de auxlio para formar o cenrio do
mundo do sculo IV, fazem pouco no sentido de preench-lo. Infelizmente, os gegrafos
dessa poca pouco tm a auxiliar. Os sculos III e IV apenas transmitiram o nome de
trs deles Julius Solinus, apelidado Polhystor,9 Avienus10 e Pappus11 e nenhum
deles descreve o mundo daqueles dias. A Collectanea Rerum Memorabilium de Solinus
um trabalho de pequeno valor geogrfico (ainda que, apesar de tudo, praticamente
inigualvel em popularidade na Idade Mdia). O que Solinus fez foi reunir, das mais
10
11
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13
And not far hence the Alpes rise up with rugged cliffs,
Their towering peaks beholding the dawn (i.e. east).
Beyond, amid the crags and the echoing rocks,
From the summit where Adulas, veiled in mists,
Rest his clouds, the Rhine pours forth its water,
And, sparkling, swirls its mighty torrent along,
Until it flows into the waters os the Northern Ocean
And cleaves them with its strong current. (Traduo de L. R. Harris).
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15
16
Fl. c. 470. Vide G. Sarton: Introduction to the History os Science, Vol. I, p. 385.
17
18
Ibid.
19
Ibid: II, 5. Essas barreiras intransponveis entre as partes habitveis da terra referidas por ele,
assim como por Ccero, servem para mostrar as clebres limitaes. Igualmente, ele sustenta
o argumento da necessidade de que a terra est sujeita, segunda sua considerao, de fluxos
de gua alternados por fogo, para provar as clebres limitaes na poca. A moral para
praticamente todo o conhecimento naquele perodo, foi vista como tendo um significado moral
de que a virtude no deve ser praticada com o objetivo de se obter celebridade.
20
10
Figura 2 Mapa mndi Segundo M. Capella extrado de Liber Floridus. Manuscrito do sculo XII (Wolfenbttel)
11
Ou De Nuptiis Philologiae et Mercurii et de septem artibus liberalibus libri novem (Editado por F.
Eyssenhardt, 1866). Numa recente monografia, intitulada Die Weltkarte des Martianus Capella,
R. Udhen destacou que o mapa mundo do manuscrito Liber Floridus de Lambert de S. Omer do
sculo XII (preservado em Wolfenbttel) traz uma legenda atribuindo o original a Capella. O
acerto da atribuio est fartamente testemunhada pela identidade de vrias legendas no mapa
com passagens em De Nuptiis ... Ver Figura 2.
22
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25
26
27
Ibid.:VI, 619.
28
12
Agora est claro que, a partir desses relatrios, no sculo IV, o pensamento
geogrfico estava distante de ser moldado nos padres ptolomaicos. Investigaes
posteriores mostram que as opinies de Herdoto, Eratstenes, Hiparco e Estrabo
no eram amplamente aceitas como autoridades, conforme tinham sido at aquele
momento. Por sua vez, De Situ Orbis de Pomponius Mela e a Histria Natural de Plnio,
obras visivelmente mais pobres, numa tica moderna, foram promovidas posio de
grande apreo. De fato, depois do sculo V e at o incio do sculo XV, encontramos
apenas ocasionalmente referncias a Ptolomeu e sua escola, portanto, sua Geografia
era raramente citada.
Isso significa, ento, que o mundo de Ptolomeu ficou restrito na poca de
Constantino? A obra de um homem como Capella deixa-nos uma pequena dvida como
resposta. Como vimos, ele orientou-se por Plnio e Solinus mais do que por Ptolomeu
e, significativamente, aqueles captulos mais relevantes so pobres em detalhes e
construdos com uma mitologia geogrfica que, durante a Idade Mdia, ofereceu
grande resistncia ao progresso cientfico: a perptua referncia aos Hiperbreos que
habitavam as ilhas do Norte onde a xis do mundo est sempre girando;29 a fonte
vermelha nas praias do Mar Vermelho;30as maravilhas da ndia, onde os homens
atingiam fabulosas alturas e idades; o culto de Hrcules, aqueles que nunca dormiam;31
a barra de ferro, que impedia a entrada no Estreito do Cspio;32o Monte Atlas
surgindo dos confins do crculo lunar acima do poder das nuvens33e Thule, perto de
29
Satyricon ...: VI 664, i. e. o eixo (xis) tanto celestial quanto terreno da esfera que se supunha girar.
30
31
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33
Ibid.: VI, 667. O fato de montanhas altas projetarem-se sobre as nuvens havia sido observada
por Aristteles: Meteorologica, I, 3 et seq.
13
34
Ibid.: VI, 666. Se Thule era a Islndia, ento esta afirmao contm um grmen de verdade.
35
Ibid.: VI, 676. Esta idia recua at Herdoto, ver Histria, Livro II, cap. 31.
36
Ibid.: VI, 695. Cf. Pomponius Mela: De Situ Orbis, Livro I, cap. 8, e C. Plnio: Histria Natural,
Livro III, cap. 3.
37
Capella foi lembrado com descaso pelos professores cristos que rigorosamente proscreveram
a literatura pag; e seu livro, apesar de se manter como autoridade durante a Renascena, no
era admitido em todo lugar. Ele est ausente no catlogo de Alcuno (c. 770) da biblioteca de
York, uma coleo claramente representativa dos livros que a maioria lia ento. Vide Sir Richard
Jebb in Cambridge Modern History, Vol. I, p. 533.
14
38
Vide J. B. Bury: History of the Later Roman Empire, Vol. II, p. 318.
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acadmico pelas terras que tinham conquistado. Seus gegrafos podem ser contados
nos dedos de ambas as mos e, o maior deles, Estrabo, foi um nativo da Amasia,
cidade de uma remota provncia da sia Menor, alm da qual ele era um desconhecido.39
Como Plnio, ele estava mais interessado apesar do ttulo de sua obra em aspectos
no naturais da histria natural do que nas descries no plano geogrfico. Os caminhos
lentos da investigao cientfica fizeram um pequeno aceno aos homens que pensavam
em termos de dominao do mundo e de um comrcio em terras prximas.
Para tornar a situao ainda pior, o utilitarismo romano foi seguido de uma
convenincia eclesistica que praticamente levou destruio de todas as esperanas
de uma verdadeira ressurreio cientfica. Durante os primeiros sculos da Igreja
Crist, atravs de suas autoridades mais importantes, a procura cientfica e filosfica
no foi apenas negligenciada, mas desencorajada. A maior parte das doutrinas teolgicas
que eram apresentadas s mentes humanas e a maior parte das regras sobre o desejo
e as paixes, as quais foram deixadas de lado pela religio, fizeram as investigaes
cientficas parecerem um uso condenado do poder humano.40Muitos dos Padres
foram at a recuperao da opinio de Scrates de que a nica busca frutfera
aquela que nos ensina os deveres morais e as esperanas religiosas. O pensamento
do Papa Gregrio I41, por exemplo, estava fechado a todo conhecimento sobre Deus e
39
Sua Geografia permaneceu desconhecida para a maioria de seus sucessores. Seu nome nem
citado entre os inmeros escritores apontados pelo antigo compilador Plnio: nem uma aluso
encontrada no maior trabalho de Ptolomeu. At a poca de Marcianus de Heracles um escritor
que no pode ser localizado antes do sculo III que o trabalho pode ser pela primeira vez
identificado. Mas suas referncias so totalmente isoladas e somente durante os ltimos tempos
do sculo V poca de Stephanus de Bizncio que ele comea a receber considervel
reconhecimento pstumo.
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17
Lactantius, outro dos primeiros Padres, declara que a cincia tola e falsa.
Para investigar ou desejar conhecer as causas das coisas naturais se o sol maior
do que parece ser, ou em vrias ocasies maior do que a terra; tambm se a lua
esfrica ou cncava; e se as estrelas esto fixas no cu ou com livre curso pelo ar;
sobre a magnitude do cu, que material composto; se ele imvel, ou gira em torno
com inacreditvel velocidade; o quanto grande a espessura da terra, ou se suas
fundaes esto pousadas ou suspensas o desejo de compreender essas coisas, eu
digo, atravs de dilogos e conjecturas, como se desejssemos discutir o que ns
poderamos supor o que caracterstico de uma cidade num remoto pas, que nunca
vimos, e da qual s temos seu nome atravs de notcias.44
E Lactantius era um produto tpico de sua Igreja: como ele existiam poucos na
sua poca, como Odo de Cluny, que no aceitou desprezar o trabalho filosfico dos
antigos.
42
C.f. S. Agostinho: Soliloquiorum libri duo, I,2. Deum et animam scire cupio. Nihilne plus? nihil
omnino.
43
44
Divinae Institutiones: III,3 (W. Fletchers Translation, Vol. XXI, Ante-Nicene Christian Library.).
18
O que de comum h entre Cristo e Belial? pergunta So Jernimo. Como pode Horcio
seguir os Salmos, Virglio os Evangelhos, Ccero os Apstolos? No um irmo feito
para tropear se ele o v sentado para a refeio no templo do dolo ...? Ns no
devemos beber do clice de Cristo, e, ao mesmo tempo, do clice do demnio.45
Por que citar para mim os ritos de nossos ancestrais? pergunta S. Ambrsio de
Symmachus que, num documento, props a remoo da esttua pag da Vitria do
Frum de Roma e fez um apelo para a manuteno da tradio. No existe vergonha
em se passar para coisas melhores.46 Do mesmo modo, o seu desdm talvez fosse
mais inventado do que real; para esses homens, os oponentes da cultura pag eram
os verdadeiros homens que deveriam manter isso vivo. Eles escreviam em latim,
empregando livremente citaes dos autores clssicos; ensinavam latim em suas
escolas e as regras e exemplos eram essencialmente aqueles da prtica clssica.
Ento, como vimos, o treinamento dos estudantes era baseado nas antologias e
livros-textos, o material era escolhido dos trabalhos exemplares da antigidade. Se
acrescentarmos a qualidade pobre de muitos escritos dos Padres, que no satisfaziam
nem ao intelecto nem ao corao, logo podemos compreender a atrao para a
aprendizagem da literatura clssica.
Ser, talvez, o caso de perguntar-se o que a Igreja fez com a cultura pag?
Para essa questo, o trabalho de Lactantius d uma resposta inesperada. Nos sete
livros de sua obra Divines Institutes, ele est sempre se referindo s fontes clssicas,
usando-as tanto criticamente quanto com simpatia. Do incio ao fim, deixa claro que
45
46
19
Depois, ele cita a autoridade bblica para a herana dos egpcios acrescentando
que no h deteriorao nos esplios.
47
Epsitolae: LXX, 6.
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Para quem est l e no conhece que em Moiss e nos profetas existem passagens
citadas dos livros gentlicos ... O apstolo Paulo tambm, escrevendo para Tito, usou
uma linha do poeta Epimnides. 48Em outra epstola, Paulo citou uma linha de
Menandro.49
Nem S. Jernimo deixou de praticar aquilo que ele pregava; em seu mosteiro em
Belm, ele e seus monges trabalharam com grande assiduidade na tarefa de copiar e
traduzir trabalhos clssicos, assim como as Escrituras. Esse magnfico exemplo de
sabedoria dos claustros a primeira foi seguida por uma sucesso de geraes de
eruditos. No sculo seguinte, Cassiodorus (fl. 500-560) fundou um mosteiro em Viviers
(Castellense) com o objetivo especfico de encorajar o ensino no como um fim em
si mesmo, mas como forma de obter uma melhor compreenso das Escrituras. Seus
monges eram treinados como copistas e eram incentivados a estudar cosmografia,
para, de alguma forma, serem capazes de compreender quando as Escrituras falavam
de pases, cidades, montanhas ou rios e em suas leituras referirem-se, alm de tudo,
s Escrituras e aos trabalhos de Julius Honorius, Dionsio, Marcellinus (que realizou um
levantamento de Constantinopla e Jerusalm) e mesmo Ptolomeu.50Para essa finalidade,
gastou grandes somas na busca de manuscritos de famosas bibliotecas de clssicos.
Sua determinao em utilizar as horas vagas do convento para a preservao dos
ensinamentos divinos e humanos51e transmiti-los para a posteridade foi responsvel
48
49
50
51
Sua obra mais importante intitulada Instituitiones Divinarum et Humanarum Literarum. O seu
trabalho no Trivium, De Artibus et Disciplinis Liberalium Artium, tornou-se um livro-texto favorito
na Idade Mdia.
21
pela sobrevivncia de muitas relquias dos sbios antigos. Por isso, amplamente
conhecido que a civilizao dos sculos seguintes e, em particular, a instituio das
bibliotecas e escolas dos monastrios, nas quais a luz do conhecimento continuou a
brilhar na Idade das Trevas, ganhou muito com a busca de Cassiodorus.
Quando tudo foi dito e feito, o temperamento dos escritores medievais no foi
muito diferente daqueles antigos. Se a cristandade transformou o povo para pensar
na vida aps a morte, o mesmo fez a filosofia pag testemunhada pelos dilogos de
Plato sobre a Imortalidade. Se a Igreja antiga falhou em estabelecer as artes acima
do absoluto, isso foi feito por Ccero. De fato, uma vez visto que a cristandade era a
herdeira de um passado e que negligenciar toda essa herana poderia trazer um
desservio f, os doutores da Igreja comearam a recultivar o solo clssico. Na
Itlia, os clssicos nunca deixaram de ser uma importante base de toda a vida
intelectual. No Norte dos Alpes, as cartas vinham como manuscritos no bojo da
cristandade latina um manuscrito que foi capaz de assegurar seu prprio valor e
tambm de despertar as mentes dos homens. Do sculo V em diante, os ensinamentos
eclesisticos tomaram cada vez mais a base da sua sustentao atravs dessas
fontes. Conseqentemente, podemos afirmar que o principal significado, atravs do
qual a cultura romana foi transmitida Idade Mdia, e que deu crescimento s diferentes
obras de sua cultura, deve ser atribudo poderosa organizao da Igreja Catlica.52
52
22
2
A
O PERODO DE TREVAS DA
GEOGRAFIA
23
troca intelectual? No se pode negar que muitos deles fizeram apenas um pobre e
ecltico uso da sua herana cultural. Suas explicaes de fenmenos naturais, de
foras fsicas, do tamanho e movimentos dos astros celestes foram freqentemente
infantis, ainda que eles estivessem longe de serem iletrados. Muitos tiveram a noo
do que poderia ter sido a divina cobia contempornea. Orosius, Isidoro, Gregrio, o
Venervel Beda e Raban Mauro escreveram enciclopdias que cobriam quase todos os
ramos do conhecimento. Os especialistas eram praticamente desconhecidos.
Quem comeou com esse trabalho de compilar enciclopdias foi Orosius, um
padre espanhol do sculo V. Aparentemente ele era inspirado por S. Agostinho, com
quem conviveu por vrios anos em Hippo, para complementar De Civitate Dei como a
histria do mundo. Porm era uma histria diferente. Embora seu trabalho fosse, de
fato, enciclopdico, seu objetivo principal era mostrar que a cristandade no era
responsvel pelas recentes calamidades,2 mas, ao contrrio, a maior desgraa havia
ocorrido sobre o Imprio nos tempos pagos e, dessa runa, uma nova religio tinha
realado a fora das influncias civilizatrias em todos os pases onde tinha sido
abraada. A Historia adversum paganos, 3como ela foi intitulada, ainda um
documento controvertido e radicalmente ahistrico no mtodo. Entretanto, seu
contedo melhor do que seu ttulo. O captulo introdutrio sobre pases e naes do
mundo lcido, sbrio e quase bem informado. As razes de Orosius para inserir uma
introduo geogrfica eram usando as suas prprias palavras quando os cenrios
Ele estava escrevendo logo aps a queda de Roma pelos godos em 410 D.C.
Vide Early English Texts Society, Vol. 79, 1883 (Traduo de I. W. Raymond.).
24
da guerra e das runas do mal devem ser descritos, quem quer que deseje fazer isso
mais facilmente obtm um conhecimento no apenas dos eventos e suas datas mas
de sua geografia como um todo. De proporo considervel, independente tanto de
Plnio e Ptolomeu, tendo baseado-se em fontes anteriores como Estrabo, apesar dele
no citar em lugar algum as suas fontes. O trecho a seguir representativo do
mtodo de Orosius e de seu estilo.
Nossos antepassados fizeram uma tripla diviso do mundo, que era cercada pelo
oceano na sua periferia. A estas trs partes eles chamavam Europa, frica ... sia,
cercadas nos trs lados pelo Oceano, que se estendia por todo o Leste. Na direo do
Oeste, sua direita, toca no limite da Europa, prximo do Polo Norte, mas sua
esquerda, alcana at a frica, exceto prximo ao Egito e Sria, onde ligado pelo
Mare Nostrum (obs.: Mar Mediterrneo) que comumente chamado de Grande Oceano.4
A Europa comea, como j disse, no Norte, no rio Tanais (obs.: Don), onde as Montanhas
Riphaean, elevadas s costas do Mar Sarmatian, se lanam frente das guas do
Tanais. As guas do Tanais atravessam os altares e fronteiras dos territrios de Rhobani
de Alexandre, o Grande, aumenta o Palus Maeotis (Mar de Azov), cuja imensa vazo
espalha-se at o Mar Euxino, prximo de Theodosia. Do Euxino, prximo de
Constantinopla, um longo e estreito canal leva ao mar que ns chamamos de Mare
Nostrum. O Oceano Ocidental forma o limite da Europa na Espanha, exatamente no
ponto onde as Colunas de Hrcules esto prximas s Ilhas de Gades e onde a mar
do Oceano alcana os Estreitos do Mar Tirreno.5
A frica comea com a terra do Egito e a cidade de Alexandria. Nas praias do Grande
Mar (Mediterrneo), as muralhas que tocam todos os continentes e as terras no centro
da terra, ns encontramos a cidade de Paraetonium (Marsa Labeit). Dali, os limites da
frica levam atravs de distritos que os habitantes chamam Catabathnob (Akaba),
no longe do Campo de Alexandre, o Grande, sobre o lago de Chalearzus, de onde
eles passaram s terras de Avasitae Superior e atravs dos desertos da Etipia
4
Historia: I, 2.
Ibid.: I, 2.
25
Ibid.: I, 2.
A teoria de Orosius de que o Nilo tinha suas nascentes perto da entrada do Mar Vermelho e do
Emporium de Mossylon e corria, da para oeste at a ilha de Mere, no foi encontrada em qualquer
outro escrito anterior. Parece provvel que essa estranha idia surgiu de uma confuso entre o
nome de Mossylon e Massyli (ou Massaesyli) onde Juba, como relatou Plnio, sups que o Nilo
surgisse pela segunda vez (Nat. Hist.: V, 9, par. 52). Em Solinus ns encontramos o promontrio de
Mossylon transformado em Massylium promontorium (cap. 56). - Bunbury: op. cit., Vol. II, p. 692.
Historia: I, 2.
26
O Alto Egito tem uma grande extenso na direo leste; ao Norte o Golfo Arbico,
ao Sul, o Oceano; ao Oeste (sic), o Baixo Egito; no Leste, o Mar Vermelho. Todos
dizem que existe vinte e quatro tribos.
27
Assim chamado porque o autor faz uma etimologia de tudo o que ele descreveu ou definiu. De
fato, o livro Dcimo contm apenas a definio etimolgica das palavras em ordem alfabtica.
Isidoro escreveu outros trabalhos. (N. B. De Natura Rerum), mas a Etimologias contm, numa
forma condensada, tudo o que ele havia escrito. A edio mais acessvel de Etymologiae foi
publicada por W. M. Lindsay da Coleo Oxford Classicals Texts, 2 vols., 1911. N.T. H uma
edio mais recente na lngua espanhola e latina organizada por Jose Oroz Reta e Manuel- A.
Marcos Casquero, Etimologas, Madrid: 1994. II Vol.
11
XIV, 2. i.
12
13
28
que duas partes Europa e frica ocupam metade do mundo e a sia sozinha ocupa
a outra metade. A primeira metade era dividida em duas partes por causa do Grande
Mar (chamado o Mediterrneo) que entra do Oceano entre elas e as divide...
14
Fazendo uma descrio sistemtica dos pases do mundo, Isidoro diz que a sia :
limitada a leste pelo sol nascente, ao sul pelo Oceano, a oeste pelo Mediterrneo, e ao
norte pelo Lago Maeotis (Mar de Azov) e o rio Tanais (Don). Ela contm muitas
provncias cujos nomes e localizaes geogrficas eu descrevo ligeiramente,
comeando pelo Paraso...15
Paraso um lugar situado na parte leste, cujo nome traduzido do grego para o
latim como hortus (jardim). Na lngua dos hebreus chamado de den, que traduzido
na nossa lngua como Deliciae (lugar de luxo ou delcias). Unindo-as nos d Jardim
das Delcias; onde existe toda a sorte de madeiras e rvores frutferas, tendo tambm
a rvore da vida.
L no existe frio ou calor, mas uma contnua temperatura de primavera.16
No meio do Jardim, jorra uma fonte de gua de um pequeno bosque e, dividindose, d origem a quatro rios.
17
A entrada a esse lugar foi vedada ao homem aps o pecado (N.T. original) e
agora cercada por todos os lados como por uma espada flamejante (romphoea
flamma), o que quer dizer que cercada por uma muralha de fogo que atinge
praticamente at o cu.18
14
15
Ibid.: XIV, 3, i.
16
17
Vide Figura 3.
18
29
Figura 3 Mapa-mndi do sculo X Manuscrito cpia da Etymologiae de Isidoro. (Academia de Histria, Madri)
30
Esse forte acento bblico, vindo logo no incio da seo topogrfica do trabalho,
deve levar-nos a esperar sua continuidade nos captulos seguintes; mas fora uma ou
duas referncias totalmente compreensveis doutrina bblica dizem que a Scythia
e Gothia foram denominadas de Magog pelo filho de Jaf19 e o rio Ganges que a
sagrada escritura denomina Phison, corre do Paraso para o reino da ndia20 apenas
o mais suave uso feito dessa fonte de informao. De longe, a maior parte do
material de Isidoro selecionado de fontes pags. De fato muito de sua geografia
deve ter sido escrita por autores clssicos tardios, como Mela e Solinus (Solino),
sendo assim, os erros da obra so, forosamente, desses ltimos. O tratamento das
terras habitveis possibilita-nos chegar com mais facilidade extenso do seu
conhecimento. No extremo leste da sia, os pases de Seres ricos de finas folhas,
das quais so cortadas ls de carneiro (velo) que os nativos se recusam a comercializar
com outros povos para us-las como vestimenta,21 limitam seu horizonte; da em
diante existe apenas o Oceano da Scythia vindo do Cspio ao Mar do Leste.22Na
direo norte encontra-se a Scythia, limitada pelo Oceano Srico (i.e. leste) a leste
e pelo Mar Cspio a oeste. Muitos distritos so ricos, mas alguns no so habitados,
ainda que ricos em ouro e pedras preciosas raramente so atingidos pela cobia
humana por causa da ferocidade dos grifos.23A terra de Hyrcnia, limitando a
19
20
21
22
23
Etymologiae: XIV, 3, xxxii. No livro XII da Etymologiae - sobre os animais - Isidoro assim os
descreve - Os grifos so assim chamados porque so quadrpedes alados. Esse tipo de besta
selvagem encontrada nos Montes Hiperbreos. Em toda a parte do corpo eles so lees, e nas
asas e na cabea so como guias, e eles so inimigos ferozes dos cavalos. Ainda mais, eles
despedaam os homens. Hesodo parece ter sido o primeiro a mencion-los: mas foi Herdoto
e Plnio, o Velho, que contriburam bastante para popularizar a crena neles.
31
Scythia a oeste, tem muitas tribos nmades que se deslocam at essa parte
estril dessas terras.24
A Europa, na tradio clssica, separada da sia pelo rio Don e limitada ao
norte pelo Oceano norte. Perto da, e formando o ne plus ultra do mundo conhecido,
est a terra da Barbria assim chamada por causa das tribos que nela habitavam.25
Entre elas esto os Alani, os Dcios, os Vndalos e os Suevos. Thyle a ilha mais
distante no Oceano nas guas ao norte e a oeste, alm da Bretanha.26 De acordo
com Isidoro esse nome foi tirado do sol, porque aqui o sol tem o seu solstcio de
vero e a durao do dia de vero muito longo,27o mar ao seu redor calmo e
congelado- mas presumivelmente no no vero.28A fronteira oeste do mundo
formada pelas ilhas Afortunadas, assim chamadas porque:
elas so abenoadas pela abundncia de produtos; suas rvores do mas
naturalmente, suas montanhas so cobertas com parreiras naturais e em todo lugar
existem lavouras e plantas no lugar de pastagens. Da a falsa opinio dos pagos, e
os poemas dos poetas antigos, apontando essas ilhas como o Paraso. Elas esto
situadas no Oceano na altura da costa da Mauritnia.29
24
Ibid.: XIV, 3, xxxi, uma referncia anterior ao nomadismo das estepes asiticas.
25
26
27
Ibid.
28
... tendo esse nome em funo do sol, porque l o sol faz seu alto, e no h dia da em diante:
por isso o mar est parado e congelado
29
32
Em relao frica, nosso autor diz pouco, o que nos permite pr limites. Ele
apenas nos fala que ela comea nas fronteiras do Egito,30 continuando para o sul
atravs da Etipia at o Monte Atlas.31 Em relao Etipia, ele afirma que
ela est inteiramente abaixo do hemisfrio sul, na direo oeste est uma rea
montanhosa; no centro arenosa; a leste um deserto... Ao sul limitada pelo Oceano,
e ao norte pelo rio Nilo. Ela tem muitas tribos de aspectos diferentes, com caractersticas
estranhas e proibidas.32
30
31
32
33
34
i.e. a Pennsula Dourada (Pennsula Malaia?) citada por Ptolomeu, vide Geography, VII, 4.
35
Cattingara?
36
Ibid.: XIV, 3, v.
37
33
38
Parece provvel que sua biblioteca de trabalho contenha obras dos seguintes autores: Lactantius,
Tertuliano, Jernimo, Ambrsio, Agostinho, Orosius, Cassiodorus, Suetnio, Plnio, Solinus,
Hygino, Sallust, Hegesipo, um resumo de Vitrvio, Servius, esclios de Lucano e Justino. Vide E.
Brehant: An Encyclopaedist of the Dark Ages, p. 47.
39
c.f. Etymologiae.: XIV, 3, xxiv, xxxii, com Solinus, Collectanea: ... cap. 20, 33.
40
41
34
Etimologias, por outro lado, como muitos tratados medievais, uma compilao
de compilaes. De alguma forma isso bom, pois d a Isidoro uma qualidade
representativa que um escritor mais original poderia ter perdido. Por isso, seu trabalho
oferece uma viso de alto a baixo do pensamento da Idade das Trevas42 e um
resumo do que era conhecido (ou talvez o que Isidoro achasse que devia ser conhecido)
na poca quando o processo de desecularizao, ao qual o pensamento europeu
estava submetido desde o incio da era crist, era quase completo.
Alm do mais, quando muitos dos enciclopedistas gozaram apenas de popularidade
efmera, Isidoro permaneceu em alta estima durante os sculos XIV e XV; sua influncia
era tanta que
mesmo quando voc tem um tratado geogrfico ou uma seo de geografia num
trabalho maior, voc deve ter certeza que encontrar Isidoro como uma das mais
importantes fontes. Muitos poemas annimos e tratados dos sculos VIII e IX dependem
basicamente dele, e Liber Glossarum, uma vasta enciclopdia com dicionrio retirada
basicamente desse autor.43
42
43
M. L. Laistner: Travel and Travellers in the Middle Ages, p. 37. Editado por A. P. Newton. O que
muito se assemelha com Liber Floridus de Lambert de S. Omer (c. 1120 D.C.)
35
Bem menos ortodoxo do que Isidoro foi o Gegrafo Annimo de Ravena da metade
do sculo VII. Mesmo sendo cristo devoto, no teve remorso em usar obras de
Porfrio, Iamblichus, Aristarco e Bollianus, todos filsofos pagos. Certamente, a maior
parte de seu material topogrfico foi tirada de fontes no-crists: com destaque
entre eles estava os itinerrios das estradas imperiais (includa a Tabela de Peutinger),
os trabalhos de Jordanis (Jornandes) sobre a histria dos vndalos, Castorius
(desconhecido em sua histria, mas presumivelmente um cosmgrafo romano do sculo
III) e mesmo Ptolomeu, a quem ele nomeia erroneamente rei da Macednia no Egito.
O resultado seguido, entretanto, por um resumo introdutrio acerca da grandeza e
da glria da criao de Deus, o uso ocasional das Escrituras Sagradas para sustentar
alguma posio ameaada e numerosas citaes de Orosius, Rigilinus, Isidoro e dos
primeiros padres da Igreja. De sua Cosmographia, vemos que o Gegrafo de Ravena
considerava a Terra como aproximadamente redonda e circundada pelo oceano, mas
o oceano no era inteiramente contnuo e no se estendia aps a ndia, que era o
limite oriental de seu oikoumen. Alm da ndia, localizava-se um deserto intransponvel.
Tentar levantar os segredos desses limites orientais era uma grande blasfmia para os
cristos, pois as Escrituras falavam que nenhum homem mortal poderia penetrar no
Paraso secreto de Deus, que estava no Extremo Oriente. Para as partes setentrionais
da Terra, estava claro na fala dos filsofos que, alm do oceano, existiam altas
montanhas erigidas pela vontade de Deus. Elas faziam a noite e o dia (como Cosmas
havia reafirmado) ao formar uma tela atrs da qual o Sol e a Lua desapareciam
durante seu curso. Alguns, aparentemente, negavam a existncia dessas montanhas,
afirmando que o Oceano era o fim do mundo habitado. Descaradamente eles
36
perguntavam: Quem j viu essas montanhas com seus prprios olhos? Onde elas
esto nomeadas nas Escrituras?. A esses ele respondia: Onde, sem dvida? obvio
que apesar de conhecidas pelo Criador elas foram proibidas por Ele ao conhecimento
humano e so, consequentemente, inacessveis?. Quanto s dificuldades das Escrituras,
no existe uma referncia no Livro do Gnese?, ele pergunta. O Sol levantou-se
sobre a Terra quando Lot entrou em Zoar.44 A subida do Sol no pressupe uma
altura a ser atingida? Se seus argumentos podem ser ainda refutados pelos cpticos,
ele acrescenta mas a maneira e a causa disso so conhecidas apenas por Deus.45
Embora as obras de Isidoro e de Antnio de Ravena tenham um carter realmente
representativo, poderia ser um srio erro supor que eles tipificassem o esprito ou o
conhecimento de um perodo to longo e iniciado com a Idade das Trevas. Elas so
tpicas daquela escola de pensamento e isso tem uma grande conseqncia que
no reconhecia a fundamental oposio entre cincia e religio e, praticamente sem
hesitaes, temperaram sua ortodoxia com a cultura pag. Para os homens dessa
convico, o Paraso Terrestre um lugar no oriente longnquo, alm de todas as
terras conhecidas46 era um fato to reconhecido quanto os elefantes na ndia. Mas
muitos eruditos tinham uma forte influncia eclesistica e consideravam as escrituras
como portadoras de um imprimatur, mas obrigando a ir, justamente, literatura
clssica. Eles alinhavam-se entre os moderados, como Raban Maur, Basil e os
44
45
Cosmographia: I, 2-9.
46
Cosmographia (Ravenna): I, 5.
37
extremistas, como Cosmas. Aqui, por exemplo, est o que Maur,47 na sua enciclopdia
intitulada De Universo, diz sobre o formato da terra.
O mundo conhecido por sua redondeza (orbis) semelhante a uma roda. Por qual
motivo uma pequena roda chamada orbiculus. Por isso as guas do oceano cercamna por todos os lados e circundam seus limites48. O mundo (orbis) significa tanto o
mundo da histria ou a igreja universal de alegoria, tambm usado, no sentido
oposto, para descrever os mpios que so freqentemente chamados pelo nome de
mundo. Sobre esses o Salmista diz: Ele deve julgar o mundo com justia49. Eles (o
povo do mundo) sero julgados pelo Senhor, e por causa de sua desobedincia eles
no tero perdo... Est certo que devemos perguntar o que o salmista quis dizer
com o crculo da terra quando ele fala que sua luz iluminou o mundo (orbis
terrarum)50 e porque, em vrios outros lugares, ele diz que a terra compreende a
mesma figura. Por outro lado, entretanto, no centsimo-sexto salmo51 ele compreende
que a terra se expande em quatro pontos cardeais, dizendo: Do leste ao oeste, do
norte at o sul. Uma passagem muito semelhante ocorre no Evangelho onde diz:
Ele dever mandar seu anjo com um alto som de uma trombeta e ele dever reunir
(os eleitos) dos quatro cantos do mundo.52 Porque apropriado, eu acho, indagar o
quanto as formas quadrada e circular da terra podem harmonizar-se, quando as formas,
como sustentam os gemeras, so diferentes. As Escrituras denominam a forma da
terra como crculo por essa razo, porque aqueles que olham para sua extremidade
(i.e. o arredondamento do horizonte)53, significando quatro vrtices de um quadrado
que esto dentro do citado crculo da terra. Se voc traa duas linhas retas do Leste,
47
Maur nasceu em Mainz em 776. Ele foi educado na Abadia de Fulda e depois, em Tours, sob
orientao de Alcuno. Em 804, depois da morte de Alcuno, ele tornou-se o abade da escola
monastrio de Fulda e, mais tarde, em 822, em Abbot. Morreu em 856. Suas obras, a maior
parte comentrios, ocupam seis volumes da Patrologiae Cursus Completus, sive Bibhlioteca ...
series Latina de Migne.
48
49
50
51
52
N.T. Quatro direes dos ventos (four winds). Ver Mateus xxiv. 31.
53
38
uma do sul e outra do norte, e da mesma maneira traa duas linhas retas do ponto
oeste, uma para cada dos pontos citados, a saber o sul e o norte, voc constri um
quadrado de terras dentro desse crculo. Como esse quadrado (demonstrativus
quadratus) pode ser inserido no crculo, Euclides mostrou claramente no Quarto Livro
dos Elementos. Conseqentemente as Sagradas Escrituras denominam a forma da
terra circular, e diz que isso contm os quatro pontos cardeais.54
Daqui a diante, Maur continua seu captulo, como ele comeou, com palavras
idnticas quelas da obra Etimologias. Entretanto, quando chega na diviso tripartida
do mundo habitvel, introduz o seguinte comentrio bblico:
E mais apropriada a diviso da terra em trs partes, pois foi favorecida com a f da
Santssima Trindade e ensinada pelos Evangelhos, onde lemos as palavras do Salvador
que o mundo55 como um fermento que a mulher tomou e ps em trs medidas de
alimentos56at que tudo tivesse crescido.57 Isto , a Santa Igreja na terra que foi
povoada pelos trs filhos de No fermentados pela doutrina dos Evangelhos, penetrar
nos coraes da f, at que toda a humanidade seja convertida pela retido e o
conhecimento espiritual para a adorao e o servio de Deus.58
Maiores leituras apenas servem para mostrar que a seo geogrfica inteira do
De Universo composta de passagens tiradas de Isidoro (Etimologias) ou de fontes
comuns, intercaladas com comentrios bblicos. A diferena entre essa compilao do
sculo IX e aquela predecessora do sculo VII est mais na nfase que no
conhecimento. Raban Maur apenas muda a disposio e dedica uma grande parte de
seu manuscrito aos tpicos religiosos. Ele adicionou mais material retirado do Padres
54
De Universo: XII, 2.
55
56
Os trs continentes.
57
58
De Universo: XII, 2.
39
59
De Universo: Prefcio.
60
61
c. 360-380 D.C.
62
Homlia: X.
63
Na Geografia clssica, os mares da Hyrcnia e Cspio eram os mesmos. Talvez Basil tenha
confundido o Mar da Hyrcnia com o Mar de Aral, pois a Hyrcnia era uma provncia do antigo
Imprio Persa situada no sul do Mar Cspio.
40
64
65
Editado por J. W. McCrindle (Hakluyt Society, Old Series, Vol. 98), p.8.
41
Com Cosmas e seu argumento teolgico contra uma Terra esfrica acarretou-se
um grande peso tambm. Isso podia ser resumido numa frase:
Aos apstolos foi ordenado percorrer todo o mundo e pregar o Evangelho a todas as
criaturas: eles no tinham ido a nenhuma parte da Terra como as Antpodas: eles l
no pregaram para nenhuma criatura: ergo, no existiam Antpodas.
66
67
68
McCrindle, op. cit., p. 17. Cf. Lactantius: Divinae Institutiones III, 34.
42
69
70
op. cit.,p.84.
71
72
73
43
Aqui, em De Natura Rerum,74 ele fala dos crculos norte e sul (consideradas inabitveis
por causa do frio) como sendo adjacentes um ao outro e os mostra numa figura.
Nela75fica evidente o que ele pensa sobre zonas e crculos em termos intercambiveis
e no esto dispostas volteando a circunferncia de uma Terra esfrica, mas dispostas
numa Terra achatada, onde preenchem a orbis terrae ou o crculo da Terra.
74
Cap. 10.
75
44
Mas, enquanto isso, pode-se descartar a principal opinio de Betten, pois pode
no haver contradio na verdade essencial de seu argumento. Como j vimos, mesmo
um forte defensor de uma Terra plana como Cosmas teve de admitir a existncia de
homens que pensavam o contrrio. Lactantius oferece-nos seus argumentos:
Se voc questionar (ele diz) aqueles que defendem teses de fices maravilhosas por
que todas as coisas no caem na parte mais baixa do cu, eles respondem que esta
a natureza das coisas, que corpos pesados so mantidas no meio, e que eles esto
todos agrupados na direo do meio, como ns vemos, falam de uma roda: mas que
os corpos que so leves como a nvoas, a fumaa, o fogo, so afastados do meio, de
modo a chegar ao cu.76
77
Maur: De Universo, VIII,4. As razes pelas quais os no ortodoxos estavam preparados para
admitir a possibilidade de habitao de humanos nessa regio eram de dois tipos; primeirra, no
campo racional como no caso de Cosmas: segunda, na esfera das Escrituras. Ningum
diz S. Agostinho, ir negar que esses (os membros da raa humana) so todos descendentes
de um nico homem (Ado) e por isso todas as raas as quais nos referimos se diferenciaram
na aparncia corprea do curso normal que a Natureza genericamente e mesmo universalmente
preserva, ... inquestionavelmente traa suas linhagens para aquele primeiro pai de todos ...
Continuando, ele declara: um absurdo dizer que alguns homens podem ter tomado navios e
atravessado o grande oceano, cruzando deste lado do mundo ao outro, e que, at os habitantes
destas regies distantes so descendentes desse primeiro homem(De Civitate Dei: XVI, 8).
Assim como a Igreja no pde tolerar a idia de uma humanidade poligentica, pois somente
em seu ponto de vista isso implicava que Cristo teria sofrido e morrido mais de uma vez, os
Antpodas permaneceram esquecidos. Ao mesmo tempo, rumores continuamente vinham
tona de que naqueles confins a raa dos Antpodas fabulosamente dizem que existe(Isidoro:
Etymologiae, XIV, 5, xvii).
45
No sculo VIII, a Igreja parece ter esquecido suas dvidas anteriores sobre a
forma da Terra e ter aceitado a sensata opinio dos Antigos.78 Tendo em vista o vivo
interesse dos sbios da Igreja no aprendizado clssico nessa poca, no to
surpreendente como possa parecer. Por exemplo, Beda fala-nos que o primeiro Abade
de Wearmouth, bispo beneditino, saiu vrias vezes da Bretanha, em peregrinao at
Roma e trouxe vrios livros de todo o tipo de ensinamento divino, que tinham sido
comprados ou dados gratuitamente por seus amigos.79 Em outro lugar, descobrimos
que entre estes livros estava um manuscrito de cosmgrafos... o mais excelente
para a humanidade.80 Na mesma poca, de alto a baixo no continente e na cidade
de Armagh, na Irlanda, escolas monsticas81estavam sendo fundadas onde a lngua
grega, at ento perdida, estava sendo ensinada. Isso e os movimentos paralelos,
que constituram a chamada Renascena Carolngia, deixaram sua marca na literatura
da poca. Embora no seja possvel ler os escritos de Alcuin (Alcuino), o diretor da
Escola e da Biblioteca de York e, mais tarde, o lder espiritual do renascimento no
reinado de Carlos Magno (c. 782), ou o grande pensador irlands do sculo IX, Scoto
Eriugena, sem reconhecer que eles eram intelectuais de calibre diferente daquele de
seus predecessores. Mesmo com uma leve desconfiana sobre os ensinamentos pagos,
Alcuino amou o templo das musas e foi o seu maior sacerdote e apstolo na poca em
que os seus apreciadores eram poucos. Ao mesmo tempo, ele prprio parece ter sido
78
79
Lives of the Abbots . Historical Works of the Venerable Bede, published in Loeb Classical Library),
p. 399-401.
80
Ibid.: p. 429.
81
46
82
83
47
sobre as recentes viagens de Arculf, o bispo gauls, e avana seu prprio conhecimento
sobre as mars.84 Menos de um sculo depois (c. 825), Dicuil, o sbio monge escocs,
est descrevendo a descoberta contempornea da Islndia e o canal de gua entre o
Nilo e o Mar Vermelho,85enquanto em um pouco conhecido tratado astronmico
escrito (c. 814), criticava as teorias planetrios correntes e perguntava se algum
poderia lhe dar melhor soluo para o problema, assim, ele alegremente poderia adotla. Mais tarde, no mesmo sculo, Alfredo, o Grande, traduziu a Ao Pastoral de
Gregrio; o De Consolatione Philosophiae de Boethius (Bocio) e a Histria de Orosius
para lngua verncula e adicionou nessas obras suas prprias reflexes e outras questes
que no estavam presentes nos originais. Traduzindo Orosius, reescreveu a introduo
geogrfica, inserindo uma descrio da Alemanha (que ele conheceu inteiramente
desde o rio Don ao Reno e do Danbio ao Mar rtico) e dois trechos recebidos de seus
vassalos feudais Norse, Ohthere e Wulfstan. Sua mente brilhante mostrada pelo
emprego do conhecimento geogrfico mais recente. A descrio da Alemanha, apesar
de ser um pouco mais que uma lista de fronteiras, era, pela sua acurada comparao
com a topografia, uma verdadeira contribuio ao conhecimento daquele tempo, talvez
vinda das notcias de viajantes, visitando a corte saxnica Ocidental. Os relatos de
Ohthere, o qual dobrou o Cabo Norte, e o de Wulfstan, que navegou da Schleswig s
praias do leste do Bltico, certamente vieram dessas fontes.
84
Em sua obra De Temporum Ratione, o mais maduro de seus estudos cientficos, ns encontramos
a primeira meno ao aspecto fsico ou intervalo de tempo entre o meridiano lunar e a conseqente
mar, o intervalo sendo diferente de lugar para lugar - um apontamento baseado presumivelmente
em suas prprias observaes.
85
48
86
De Mensura Orbis Terrae: IX, 3. Cf. A concepo homrica do monte Olimpus, Odissia, VI, 41
et seq.
87
Vide De Natura Rerum, cap. 46. Ele provou ter sido um livro-texto muito popular nos ltimos
sculos e foi traduzido para o anglo-saxo no sculo X, seno antes. Vide T. Wright: Popular
treatises on Science written during the Middle Ages.
49
fazem afirmaes extraordinrias como a seguinte: o Monte Pelion est a 250 milhas
da base ao topo; os Alpes tm apenas 50 modestas milhas de altura e o mundo
inteiro tem dois mares, setenta e duas ilhas, quarenta montanhas, sessenta e cinco
pases, duzentas e oitenta e uma cidades, cinqenta e cinco rios e cento e dezesseis
povos.88 Beda no to inclinado em procurar segurana nos nmeros, mas quando
o faz, como na sua diviso da Terra em tipos de zonas diferentes, auxilia-se nas
tradies estabelecidas de Macrobius, Isidoro e Plnio, com o resultado de que essas
discusses so meras verses escritas. Logo:
A terra est dividida em cinco zonas, as diferenas entre elas sendo que certas partes
temperadas so habitadas, enquanto outras permanecem desabitadas em funo do
rigor do frio e do calor. A primeira a zona norte, desabitada em funo do frio, cujas
estrelas nunca aparecem para ns. A segunda a solsticial ou zona do vero do
nosso ponto de vista, e temperada e habitada. A terceira a equinocial coberta pela
metade do crculo do zodaco, trrida e desabitada. A quarta a zona invernal ou
brumosa, na parte de baixo do zodaco na direo do plo sul, e temperada e
habitvel. A quinta est no sul, em torno do polo sul e coberta de terra, mas desabitada
em funo do frio. As trs zonas mdias so caraterizadas pela desigualdade de suas
estaes enquanto as outras esto no equincio e no solstcio de inverno. As zonas
extremas esto sempre sem sol. De onde, a um dia de navegao da ilha de Thule na
direo norte, chega-se ao mar congelado.89
Beda, na sua diviso territorial, baseia-se na tradio corrente, por isso quase
uma cpia exata do texto de Isidoro. Essas divergncias, como as que ele admite, no
so suficientemente importantes para as citaes reconhecidas. A mesma coisa
88
89
50
90
Vide Examen critique de l histoire de la gographie du nouveau continent ..., vol. II.
91
51
Razes como essa ajudam-nos a ver porque nos primeiros sculos da Idade
Mdia o trabalho de observao era em grande medida rejeitado pela coleo e
anlise; porque prticos eram substitudos por comentadores; porque a crtica tomou
o lugar da induo e porque, em vez de explorao geogrfica, ns tivemos um
conhecimento enciclopdico. O extraordinrio que muito deve ter sido salvo da
destruio do mundo antigo e que poderia ter sido empregado mais sabiamente.
92
52
3
S
O APOGEU E A QUEDA DA
GEOGRAFIA MUULMANA
potncias da poca, tornando-se herdeiro dos persas e roubar dos bizantinos uma de
suas mais bonitas provncias, inegavelmente poderia transformar-se em alvo de risos.
E foi exatamente isso que aconteceu. Prximo data da morte do Profeta (632), a
Arbia tinha transformado-se, como num passe de mgica, num viveiro de heris
difceis de serem enfrentados. As campanhas militares de Al Walid e Al-, que
atravessaram o Iraque, Prsia, Sria e Egito, esto entre as mais brilhantes na histria
das batalhas e podem ser comparadas com as de Anbal, Alexandre e Napoleo.1
Mesmo que algumas provas de suas bravuras apaream neste captulo, difcil
ver as descobertas geogrficas dos rabes2na sua prpria perspectiva sem que nos
recordemos da natureza espetacular de um avano precoce.
1
53
Nada fala mais do crescimento explosivo do Isl do que o brilhante incio dessa era a apenas
dezessete anos depois do acontecimento inicial. O estabelecimento da Era Crist teve incio no
sculo V at o sculo X.. G. Sarton: Introduction to the History of Science, Vol. I, p. 464.
54
duas questes. A primeira vinculava-se a sua inicial ignorncia da lngua grega (Os
tradutores empregados pelos califas de Bagd do sculo VIII eram judeus e
nestorianos4). A segunda, e mais importante, vinculada a sua subservincia viso
obscurantista religiosa que lhes impedia de ver a crescente e forte origem de informao
na sua prpria luz. Assim como os Padres da Igreja Crist sepultaram suas crenas
ortodoxas nas fontes, tanto materiais quanto espirituais, como a Bblia sendo seu livro
texto, assim fizeram os doutores do Alcoro, legislando sobre os mesmos assuntos
com igual veemncia. Entre os preceitos do Alcoro, que os auxiliaram a renovar o
pensamento geogrfico, est a declarao duplamente recorrente de que Deus havia
separado os dois oceanos atravs de uma barreira insupervel. Essas palavras eram
interpretadas como uma aluso ao Mar Mediterrneo e ao Oceano ndico (incluindo o
Mar Vermelho). E, na autoridade dos contemporneos do profeta, muitas opinies
curiosas eram sustentadas em relao extenso do mundo, suas partes, as fontes
do Nilo e tpicos similares. Entre elas encontramos a comparao do mundo a um
pssaro, cuja cabea estava na China e a cauda no Norte da frica.5Principalmente
opinies como essas deixavam pouca escolha entre os estudantes cristos e rabes
nos primeiros 150 anos dessa nova era. Mas justia seja feita sabedoria rabe.
honesto dizer que os seus preconceitos raramente foram to obscurantistas quanto
os dos seus contemporneos cristos.
Estes nestorianos eram srios em sua maioria, e traduziram do grego para o siraco e, ento, do
siraco para o rabe.
Vide J. H. Kramers em The Legacy of Islam (publicado por Sir Thomas Arnold), p. 83.
55
A cincia secular encontrou sua primeira brecha entre os rabes, na poca dos
primeiros califados da dinastia Abssidas, cujos caminhos e pensamentos foram
moldados por sua residncia na Prsia, entre as influncias de uma f antiga e de
idias que eles possuam, em ltima instncia, surgidas dos gregos. No sculo VIII
(c.766), o trono do imprio foi transferido para Bagd, na rota do comrcio oriental, e
a distante Corasam (Khorasan) tornou-se a provncia favorita do califa. Era ento
inaugurado o perodo da supremacia persa, no qual o Isl abriu-se totalmente
corrente da cultura estrangeira. O incentivo ao estudo secular surgiu, entretanto,
no atravs do povo, mas do prncipe. Foi luz dos favores da corte que os estudiosos
de Bagd e Nishpur atraram primeiro os estudantes dos vales de Andaluzia e das
terras altas de Trans-oxiana. Al Mansur, o segundo dos Abssidas, encorajou a
apropriao da cincia grega, mas foi Al-Ma,mum 6que mereceu no Imprio
Maometano a mesma posio de Carlos Magno, de real patrono e benfeitor na
histria da cincia latina.
No incio do sculo IX (c. 830), Al-Ma,mun fundou uma academia cientfica em
Bagd, chamada A Casa da Sabedoria, uma biblioteca e um observatrio. Ele comeou,
ao mesmo tempo, a colecionar manuscritos gregos e siracos, buscando atravs deles
fazer um mapa de latitude e longitude de todos os lugares conhecidos. Incentivou os
sbios de todos os tipos e crenas. Judeus e nestorianos com conhecimento em
lnguas eram empregados com grande estima e fizeram tradues de muitas obras
cientficas gregas. O barbarismo desses antigos crentes estava passando ao largo, e
Fl. c. 813-33.
56
57
58
Esse trabalho foi acompanhado pelo mapa do mundo feito por Al-Khwarizmi e por mais sessenta
e nove estudiosos sob a inspirao de Al-Mamum (o primeiro desse tipo feito no Isl). Masudi
(vide infra) consultou esse mapa.
11
12
59
13
60
Tal como ocorre num trabalho similar, O Livro dos Pases de Al-Yaqubi (c. 891),
que estampa uma nova face ao enfatizar os detalhes topogrficos e econmicos, a
obra Mapas dos Climas de Al Balkhi (921), consistindo basicamente de mapas regionais;
o Rotas das Provncias de Al-Istakhri (fl. 950), alm de uma edio ilustrada mais
elaborada do anterior. Este foi revisto mais tarde e comentado, por solicitao de AlIstakhri, por Ibn Haukal (c. 977), sob o nome de Livro das Estradas e Provncias.
mesma categoria pertence o mais original trabalho de Al-Maqdisi (Al-Muquaddasi) intitulado
O Melhor da Classificao do Conhecimento sobre Climas (c.985). No sculo seguinte,
Al-Bakri, o mais antigo gegrafo muulmano do Oriente, cujas obras sobreviveram, continuou
a seqncia escrevendo O Livro das Estradas e dos Reinos (c.1050).
O modelo iniciado por Ibn Khurdadhbih e Al-Balkhi prestou pouca ateno aos
pases fora do Isl e transformou o trabalho muito mais numa descrio acompanhada
de mapas. Uma leitura atenta desses trabalhos deixa claro que os autores tinham
14
15
61
dificuldade para obter informaes detalhadas de cada lugar, acerca do clima, dos
produtos, da situao do comrcio, do sistema monetrio, pesos e medidas e de
caractersticas gerais dos habitantes. Ibn Haukal ainda aponta:
descrever os vrios climas e regies da face da terra no interior do crculo do Isl, ou
da religio muulmana e suas vrias divises, de tal maneira que todos os lugares
importantes de cada regio devam ser conhecidos, e todos os limites e territrios
deles dependentes, seus distritos, suas cidades, montanhas, rios, lagos e desertos
[...] e para deline-los nos mapas.16
17
Mar Vermelho.
18
Golfo Persa.
19
Mar Cspio.
20
Mar Mediterrneo
21
62
63
22
Oceano ndico.
23
Mar Negro.
24
Mar de Azov.
25
Mar Cspio.
26
Meadows of Gold ... (Traduo de A. Sprenger), p. 297. Mais ou menos na frase seguinte,
entretanto, Masudi esclarece essa afirmao dizendo que no h qualquer ligao com o Mar
Cspio. Cf. descrio de Ibn Haukal, ante p. 52.
27
Meadows of Gold ..., p. 377. E ento, apesar desse fato, Masudi reduz o seu Oceano Atlntico a
modestas propores. Suas Ilhas Afortunadas (i.e. Canrias) alcanam a ndia! De outro lado,
o seu Mar de Habach (i.e. Oceano ndico) tem a maior parte da superfcie do Globo.
64
29
Atlntico.
30
Regio de Zanzibar.
31
65
66
Vide C. R. Beazley: The Dawn of Modern Geography, Vol. III, p. 532-3 (nota).
33
67
35
Ilhas Afortunadas.
36
37
Cabo Timiris?. Vide E.G.R. Taylor: Pactolus - River of Gold Scottish Geographical Mag. Vol.
XLIV, p. 137.
38
39
Lamlam (ou Lemlem) provavelmente identificada com o hinterland das Costas do Marfim ou
da Libria. Vide E.G.R. Taylor: loc. cit., p. 139 et seq.
68
Figura 5 Mapa-mndi atribudo a Al-Idrisi do manuscrito do sculo XII (?). (Biblioteca Nacional de Paris, n. 2.221 rabe)
69
Wargla.
41
Marrocos.
42
70
Sudo e essa informao autntica em relao quelas ilhas ao sul estava comeando a
insinuar-se nos centros europeus de conhecimento. Quando recordamos que a exata
hidrografia da terra do Nilo Ocidental no tinha sido descoberta at o sculo XIX, a
narrativa de Idrisi assume uma profunda importncia. A autenticidade de muitos lugares
que ele cita indiscutvel. Assim, Ghana (situada perto de Timbuktu), Silla (possivelmente
Ysilgam na Carta Portulano de Valseccha de 1434)43 e Tracour (Tekrour no Senegal)
eram, nessa poca, centros florescentes da cultura muulmana. A referncia Wangara
implica num conhecimento da regio das cheias do Nilo acima de Timbuktu44 e a meno
do comrcio do sal de Oulil sugere que havia na Europa um vago conhecimento sobre as
costas do Senegal, mesmo antigamente, na metade do sculo XII.
Em vista de sua modernidade e elevado valor intrnseco, difcil entender
porque o trabalho de Idrisi, composto como foi, do ponto de vista cronolgico e
geogrfico entre a civilizao crist e muulmana, permaneceu por tanto tempo sem
ser utilizado pelos estudiosos cristos da Siclia, Itlia e outros pases cristos, at
lembrarmos que o principal devemos dizer praticamente o nico interesse dos
latinos ocidentais na literatura estava centrado na preparao de calendrios, tabelas
astronmicas e horscopos, e na redescoberta da sabedoria antiga. Esse trabalho
no era muito considerado no sculo XII com a geografia descritiva da frica ou da
sia.45 Depois da poca de Idrisi, a literatura geogrfica rabe excluda a literatura
43
44
45
A primeira traduo conhecida desse trabalho foi publicada em Roma somente em 1619, e
mesmo assim numa forma bem reduzida. O tradutor nem conhecia o nome do autor!
71
46
47
72
48
Ilhas Canrias.
49
Marrocos.
50
Sudo.
51
Fonte Djallon Montanhas na frica Ocidental? O rio Nilo (O Nilo de Oeste) nasce nelas.
52
Regio de Zanzibar.
53
73
54
Por Idrisi que concebia o Oceano ndico como sendo parcialmente fechado.
55
56
A no ser que isso possa ser interpretado com qualquer direo a leste do sul.
74
tudo o que eles tinham at ento, acabaram por ganhar o seu respeito, o que ajudou
a retardar o crescimento de conceitos geogrficos mais acurados.
At o ano de 1410, a Cristandade tinha aceitado a viso muulmana com respeito,
embora com um pouco de discordncia, nascida da intolerncia religiosa. Da em
diante, a Cristandade estava determinada a separar o seu conhecimento do
conhecimento mais antigo em primeira mo.
A contribuio original dos gegrafos rabes para a sua cincia durante esses
sculos ficou confinada praticamente ao setor matemtico e fora a elaborao da
teoria antiga dos ciclos csmicos,57consistia na melhoria das tcnicas de observao
astronmica e de cartografia. Os rabes sentiram cedo a necessidade de melhorar a
determinao dos lugares, isso porque a orientao correta de suas mesquitas dependia
desse conhecimento. De acordo com a lei muulmana, eles tinham de voltar-se na
direo de Meca. A astrologia, que era tida em alta estima no Isl, tambm encorajou
o mesmo tipo de investigao, pois para preparar um horscopo era necessrio conhecer
onde estavam as estrelas no cu num determinado momento e, certos disto, era
preciso conhecer a latitude e a longitude. Assim, muitos estudiosos muulmanos
contriburam para o desenvolvimento dos mtodos a fim de encontrar essas coordenadas
geogrficas e com bons resultados, para nmeros normalmente empregados nas suas
tabelas, que so consideradas mais exatas do que as fornecidas por Ptolomeu. Al
Zarqali, um muulmano espanhol do sculo XII, forneceu a extenso do Mar
57
75
58
Assim chamadas porque as tabelas astronmicas e astrolgicas tinham sido compiladas nessa
cidade logo aps o final do sculo XI.
59
cf. 62 de Ptolomeu.
76
O mtodo de observar estrelas fixas muito mais simples. Tudo o que o observador
tem de fazer determinar a elevao do plo celeste acima do horizonte. Para encontrla ele seleciona algumas estrelas que no se movem e mede a elevao acima do horizonte,
nos dois pontos onde esta estrela corta o meridiano na sua trajetria mais alta e mais
baixa em torno do plo celeste. O plo, obviamente, meio caminho entre os dois pontos
e a elevao em graus do plo sobre o horizonte o mesmo que a latitude.60
Um mtodo engenhoso e um pouco mais elaborado de calcular a latitude foi
usado por Al-Haithan,61que recomendou usar uma estrela fixa brilhante para determinar
a altitude do plo celeste. Uma estrela que no seu ponto mais alto atingisse o znite
ou que lhe estivesse muito prxima. Ento, bem perto do znite, as duas chamadas
altitudes da estrela, no Leste e no Oeste, seriam feitas com o astrolbio. Desse
modo, a influncia da refrao poderia ser eliminada, sabido que afeta a medida das
altitudes de estrelas muito distantes do znite. O tempo decorrido entre o momento
em que a estrela fixa deixa a sua altitude a leste e o momento em que atingiu sua
altitude a oeste era medido com o maior cuidado possvel atravs de um relgio
dgua. Quando as duas altitudes observadas, o intervalo entre a observao, e (no
caso da estrela no ter atingido o znite) a altitude de seu ponto mais alto tivessem
sido medidos a latitude do lugar poderia ser observada.62No se sabe quantos clculos
60
Para uma discusso mais ampla vide J.K. Wright: Notes on the Knowledge of Latitudes and
Longitudes in the Middle Ages Isis, Vol. V., 1923.
61
62
77
foram feitos por esse mtodo, mas certamente algumas descobertas rabes estavam
espantosamente prximas da verdade. A latitude de Bagd foi calculada pelos filhos
de Musa Ibn Shakir em 33 20 N fato que correto por um minuto.
Para o clculo de longitude, os rabes utilizaram-se bastante dos eclipses lunares.
certo que a Lua era usada no caso das Tabelas de Toledo, por Roger de Hereford,
que adaptou as Tabelas para o meridiano de sua prpria cidade, e que nos fala do
eclipse de 1178 observado em Toledo, Hereford e Marselha e as suas longitudes em
relao a Arin, o centro do mundo rabe, que tinham sido determinadas desta
maneira.63 Apenas num lugar o chamado clculo de longitude terrestre mencionado.
Isto est no trabalho de Al-Biruni, que descreve, tendo determinado cuidadosamente
a menor distncia linear entre dois pontos, as latitudes de cada um e as respectivas e
mtuas posies. Ele fez o clculo entre a diferena em longitude a partir dos dados
que tinha, o que fez com que Al-Biruni afirmasse ter chegado a isso por ser o mtodo
muito bom, a partir de um clculo feito para a diferena de longitude de Bagd e
Ghazna que de 24 20.64
O mtodo do eclipse nos explicado claramente nas Tabelas Hakimitas de Ibn
Yunus, mas os resultados eram geralmente incertos. Dessa forma, Hereford, Londres,
Paris e Marselha tm as seguintes longitudes em relao a Toledo nas tabelas dos
sculos XII e XIII.
63
64
78
Hereford
Londres
Paris
Marselha
Porm, se os rabes eram bons astrnomos, eles eram maus cartgrafos. Quando
afastavam-se de Ptolomeu, o que freqentemente faziam, seus mapas tornaram-se
mais veculos de fantasias que de fatos. Mesmo os mapas-mndi atribudos a Idrisi,
cuidadosamente desenhados como foram e muito devendo a Ptolomeu, revelam uma
triste ignorncia do significado das coordenadas geogrficas como entendidas pelo
mestre alexandrino.65 Exemplares da arte dos cartgrafos, de antes e depois dele,
so moldados numa forma tosca. Eles devem mais escola latina tardia do que aos
ptolomaicos e esto mais prximos de diagramas que de mapas. Mas nesse sentido,
apenas correto afirmar que sua autoria , quase sem exceo, discutvel e que est
inserido na parte escrita da obra. Apesar disso, agora possvel agradecer bastante
s pesquisas de Konrad Miller66 e do prncipe Youssouf Kamal67 por chegar-se a uma
estimativa mais satisfatria da cartografia rabe que ainda no tinha sido feita at
65
Em seu trabalho erudito, Mappae Arabicae-Arabische Welt und Lander Karten des 9-13.
Jahrhunderts, Konrad Miller de opinio de que a influncia ptolomaica tem sido muito exagerada.
Assim, por exemplo, embora Idrisi tenha adotado o sistema de climata na tica regional, no
detalhe isso tinha muito pouco em comum com o de Ptolomeu. Ainda, todo delineamento da
costa sul da sia e Malsia difere em muito da de Ptolomeu, mais notvel sendo talvez a
omisso de qualquer indicao da Pennsula Malaia, que mostrada com dimenses de forma
exagerada at por Ptolomeu.
65
op. cit.
67
79
aqui por outros estudiosos ocidentais. De maneira geral, seus mapas-mndi seguiam a
velha e clssica noo de um oceano envolvendo a terra habitvel que comumente
assumia a forma circular. Seguindo Ptolomeu, a terra habitvel era dividia em climata,
ou zonas latitudinais, e estendia-se apenas um pouco na direo do hemisfrio sul. A
frica, embora encurtada, tem um prolongamento oriental que, entretanto, no bloqueia
o Oceano ndico.68 mantida a comunicao entre este e o Mar Circundante atravs
de um canal estreito como o descrito por Al-Biruni. Muitos mapas revelam que a
influncia ptolomaica ainda durou por mostrarem nascentes do Nilo nas latitudes
equatoriais,69 mas outros seguem a idia de Plnio de um brao oriental do rio nascendo
no Saara. Outras caractersticas comuns so o tamanho desproporcional dos mares
internos e golfos ocenicos, o freqente desacordo entre o texto e o desenho no qual
a localizao geogrfica de cidades, rios e montanhas esto relacionadas, o costume
da orientao dos mapas com o norte acima e de escrever as rubricas no lado norte,
a ausncia de linhas de latitude e de longitude, a adoo de um ponto dado sob o
nome de Arin por onde passava o primeiro meridiano,70 e, ocasionalmente, a
68
Vide Figura 5.
69
Miller (op.cit.) novamente cptico sobre a extenso da influncia ptolomaica. De fato, ele
argumenta que uma pesquisa mais acurada dos sistemas sobre o Nilo de Idrisi e o de Ptolomeu
revela mais pontos em desacordo do que de semelhana e que a explicao de Ptolomeu , de
longe, a mais correta.
70
80
71
Youssoulf Kamal: Quelques claircissements pars sus mes Mon. Cat. Africae, p. 107-8.
72
81
na Cristandade estavam fazendo uma tentativa semelhante, como vimos, que finalmente
veio tona triunfante. Da em diante, experincias e no submisso foram o guia
principal dos pesquisadores que buscavam o conhecimento. O Oriente rabe, de outro
lado, sucumbiu ao desafio e a supremacia de seus eruditos passou-se gradualmente
ao Ocidente cristo.
82
4
S
O RENASCIMENTO DOS
ESTUDOS GEOGRFICOS NA
CRISTANDADE
83
84
por nenhuma outra entre as histrias medievais. Tampouco ns devemos nos esquecer
da importncia do hbito de viagens ao estrangeiro estimulado pelas Cruzadas.
verdade que as viagens ao estrangeiro no eram novidade na Cristandade. A
peregrinao, assim como as misses religiosas e diplomticas, sempre existiram,
desde que comeou a nova poca. Nem por isso, com o constante aumento dos meios
de comunicao, da segurana das viagens e do governo da Europa isso assumiu um
significado maior.
Ora, o que todas as grandes religies como o Judasmo, o Budismo e o Cristianismo,
assim como o Isl, sempre tiveram em comum foi o fato de serem universais e alguns
lugares na terra foram particularmente sagrados para elas. Visitar esses lugares era a
ambio de todo seguidor devoto. O cristo, assim como o muulmano, no era
obrigado a sair em peregrinao, mas tudo lhe incentivava a faz-lo para o gozo da
absolvio total e indulgncias. Roma, Santiago de Compostela, Tours, Chartres,
Canterbury, Assis e tambm Jerusalm, para os poucos que poderiam visit-las, eram
todos centros de peregrinao. A popularidade dessas peregrinaes est claramente
demonstrada pela criao de hospedarias mantidas por religiosos ao longo das rotas
regulares at estes lugares, como Roncesvalles, nos Pirineus, no topo de S. Bernardo
e na passagem de Septimer, nos Alpes.
Em alguns casos, sem dvida, o motivo mais imediato para a viagem no era o
religioso, mas um desejo de recompensar o esprito de Wanderlust, ou simplesmente
ver o mundo. Muitas vezes, um cavaleiro que ganhou honra e reconhecimento na
Palestina foi mais pirata do que santo. Mas estamos menos preocupados com os seus
85
Description of the Holy Land ... Publicado por A. Stewart (Palestine Pilgrims Text Society, 1890), p. 3-4.
86
Este, por fim, faz uma leitura mais interessante do que a narrativa de Joo de
Wrzburg, com a virtude adicional de ser matria geogrfica mais nova.
Brief Description of the Castles and Cities from Antioch to Jerusalem ... Publicado por A. Stewart
(Palestine Pilgrims Text Society, 1889), p. 9.
87
88
da Espanha Central pelos mouros nos sculos XI e XII e, na mesma poca, a ocupao
da Siclia e do Sul da Itlia pelos normandos. Mais que qualquer outro acontecimento,
esses pavimentaram o caminho para a aquisio dos ensinamentos rabes e gregos
pelos estudiosos cristos.
Naquele momento, como j ressaltamos antes, o conhecimento da Europa
Ocidental, na generalidade, estava arruinado pelo desconhecimento da lngua grega.
At mesmo o alfabeto estava perdido.Como resultado, os caracteres gregos nas mos
de um escriba medieval eram textos sem sentido e a palavra grecum estava comumente
sendo inserida nos seus lugares era tudo grego para ele. No final do sculo XII,
encontramos o primeiro humanista, Joo de Salisbury, que nunca citava um autor
grego sem que houvesse uma traduo latina.6 Na Europa Ocidental e na Siclia a
situao era diferente. L, tendo Constantinopla e Palermo como os focos intelectuais,
as tradies gregas estavam vivas. A lngua grega continuou sendo a da legislao,
do governo, da literatura, alm de ser a lngua civil e eclesistica. E, como a Igreja
Bizantina estava, naquele tempo, bem estabelecida na sia Menor e na Sria (qual
Constantinopla estava ligada por fortes afinidades geogrficas), a cultura grega passou
por uma ampla popularizao no Levante, muito tempo antes da lngua grega ter sido
substituda pela lngua franca. Aqui muitos dos clssicos foram traduzidos para o
rabe e o aramaico, algumas vezes diretamente, mais freqentemente atravs do
siraco e do hebraico. Com a expanso territorial do Isl por toda a costa oriental, sul
O estudo do grego foi cultivado nos mosteiros irlandeses por um tempo. Joo Escoto Eriugena,
cujos conhecimentos incluam alguma instruo em grego, foi educado na Irlanda, e de acordo
com Matthew Paris, Grosseteste era auxiliado por um padre grego de S. Albans na traduo do
Testament of the Twelve Patriarchs para o Latim.
89
Embora Gerbert no parea ter tirado das fontes arbicas o que utilizou na poro semi-geogrfica
de seu trabalho Liber de Astrolabio.
90
que todas as estradas levassem Espanha. Adelard de Bath, Plato de Tivoli, Joo da
Espanha, Roberto de Chester, para apontar apenas alguns, lideraram os que fizeram
parte dessa migrao. Cansados de publicar e republicar os aforismos dos Padres da
Igreja, comearam a adquirir uma obra de conhecimento do rabe e ento dedicaramse tarefa das tradues. Alguns estabeleceram-se em Barcelona, outros em Tarragona,
Leo, Segvia e Pamplona, contudo, Toledo foi o foco principal de atrao.
O mais importante lugar de encontro da cultura antiga e medieval foi, entretanto,
o reino normando da Siclia, pois apenas l as civilizaes Grega, Latina e rabe
viveram lado a lado em paz e sob mtua tolerncia. As trs lnguas eram de uso
corrente, todas faladas e escritas, porque o conhecimento de mais de uma delas era
uma necessidade para os oficiais da Corte Real, onde os homens de conhecimento de
todas as partes eram bem recebidos. A produo de tradues era praticamente
inevitvel nesta atmosfera cosmopolita, especialmente porque isso era incentivado
diretamente pelos reis sicilianos, desde Roger at Frederico II e Manfredo, como parte
das suas polticas de expandir a cultura.
Pouco se conhece sobre a maioria destes tradutores, domiciliados na Espanha e
na Siclia, alm de seus nomes e dos nomes dos livros que traduziram. Felizmente,
muitos detalhes so conhecidos sobre Gerard de Cremona, o qual pode ser lembrado
com alguma justia como pioneiro. Por esses detalhes, fornecidos por seus alunos,
sabemos da sua partida para Toledo na busca do Almagesto de Ptolomeu, que no
podia encontrar entre os latinos e que conhecia apenas pelas referncias na literatura.
Ele no apenas o encontrou, mas descobriu um nmero muito grande de livros rabes
em todos as reas, e lamentando a pobreza dos latinos, aprendeu o rabe para
91
traduzi-los. Sua verso do Almagesto data de 1175. Anteriormente a sua morte, aos
73 anos, que ocorreu em Toledo, em 1187, ele havia traduzido para o latim ao todo,
73 obras. Esse nmero de trabalhos est catalogado numa verso do Tegni de Galeno.
Trs deles so sobre lgica e muitos deles so sobre matemtica, incluindo os Elementos
de Euclides, e muitos so sobre astronomia e astrologia, enquanto a lista de tradues
de Aristteles apenas superada, em extenso, pelas tradues sobre o tema mdico
dos trabalhos de Galeno e Hipcrates. No exagero dizer que Gerard fez mais do que
qualquer outro ao traduzir a sabedoria rabe para os leitores do mundo latino.
Nos sculos posteriores, o trabalho pioneiro de Gerard foi seguido por homens
como Alfredo, o Ingls, Miguel Scoto e Herman o Germano.9
O trabalho mais importante foi a introduo sobre os estudos rabes no Ocidente
feita por Renan10, o qual fez uma diviso na histria da cincia e filosofia na Idade Mdia
em dois perodos distintos. No primeiro, o conhecimento humano teve acesso, a fim de
satisfazer a sua curiosidade, apenas aos poucos fragmentos das escolas romanas reunidas
nas compilaes de Martianus Capella, Beda, Isidoro e certos tratados tcnicos, cuja
ampla difuso os salvaram do esquecimento. No segundo, a antiga cincia voltou uma
vez mais ao Ocidente, mas ento preponderando os comentrios rabes ou trabalhos
originais da cincia grega que tinham sido substitudos pelos compndios dos romanos.11
9
Nem todas essas tradues eram feitas do rabe. Umas poucas foram do grego para o latim,
e.g. aquelas de Roberto Grosseteste e de William de Moerbeke que traduziam vrias obras de
Aristteles ao mesmo tempo em que Toms de Aquino (c. 1263), no sentido de evitar as
inadequaes das tradues de Aristteles para o rabe.
10
11
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93
como ela se sustenta? Por que a gua do mar salgada? Qual a causa dos
terremotos? Por que os ventos sopram sobre a superfcie da Terra e no somente na
direo ascendente? Se a Terra fosse perfurada, at onde iria cair uma pedra, atirada
pelo buraco? Como os rios conseguem manter uma vazo constante?
Apesar de poucas dessas questes feitas por ele serem originais,13 isso no
anula os crditos que devem ser atribudos a ele pelo seu tratamento ponderado.Adelard
tem pouco daquele interesse dos primeiros estudiosos da ortodoxia bblica. Ao mesmo
tempo no um novato, pois numa passagem em outra obra sua De Eodem et Diverso
ele fala sem pacincia e at com desdm sobre aqueles que enchem os nossos
ouvidos com novidades diariamente e que novos Plates e Aristteles que nascem a
cada dia, e com a cara mais lavada afirmam, igualmente, coisas que eles sabem e sobre
aquelas que desconhecem e cuja suprema f est na sua excessiva verbosidade.14
Para ns, a obra de Adelard de Bath importante principalmente como um exemplo da
outra fase do despertar intelectual e como reveladora de uma at ento insuspeita
qualidade da importncia da investigao das causas dos fenmenos naturais.
William de Conches, um contemporneo de Adelard, importante pelas mesmas
razes. Trata-se essencialmente de um apstolo da razo, no que diz respeito
cincia natural. Para ele, o argumento de seus correligionrios obscurantistas de que
ns no sabemos como as coisas podem ser, mas ns sabemos que Deus pode fazlas leva a respostas cheia de desdm de que Deus pode fazer uma vaca entender
13
14
94
uma rvore, mas Ele j fez isso? Da em diante demonstre alguma razo do porqu
uma coisa como ela , ou pare de afirmar que isso assim.15 No difcil de se ver
porque a tentativa de pr esse preceito em prtica deve ter colocado William em
conflito com as autoridades eclesisticas. Sob presso, ele recuou em algumas das
suas mais heterodoxas controvrsias, tal como a sua rejeio de uma parte do Gnese
sobre a Criao, incluindo o nascimento miraculoso da primeira mulher, mas ele parece
nunca ter renunciado as suas concepes com respeito a superioridade da razo
sobre a autoridade em relao especulao cientfica. Apesar das restries clericais
ao seu trabalho Dragmaticon,16 este teve uma ampla circulao, como est atestado
pelo nmero de manuscritos em Viena, Munique, Paris, Canterbury, Oxford e outros
centros europeus de conhecimento. Ele era, alm do mais, freqentemente citado por
escritores do sculo seguinte.
A inspirao desse novo movimento intelectual no permeou imediatamente a
literatura geogrfica do perodo. Procuraremos em vo por mudanas radicais tambm
nos contedos ou nas descries do liber cosmographicus do sculo XII. O Liber
Floridus de Lambert de S. Omer e o annimo De Imagine Mundi (c. 1100) esto de
acordo com a tradio ortodoxa. O autor deste ltimo tratado afirma que ele no
havia localizado nada no seu trabalho exceto o que est aprovado pelas melhores
autoridades que, no preciso dizer, so homens como Isidoro e Orosius. Lambert
agiu da mesma maneira.17
15
16
17
95
Vide cap. 7.
19
96
grande para o leitor comum, esse monge dominicano decidiu selecionar certos trechos
entre os existentes no conjunto da literatura e classific-los entre as trs divises de
Speculum Naturale, Speculum Doctrinale e Speculum Historiale, tratando
respectivamente da cincia natural, filosofia e histria. O resultado est num trabalho
enciclopdico de um tamanho talvez sem paralelo. Ele composto de quatro grandes
volumes flio nas primeiras edies contra um oitavo em volume da Etymologiae de
Isidoro. Praticamente a metade do trabalho, somando em torno de 3.000 pginas
flio, trata de tpicos cientficos. Ele essencialmente uma enciclopdia feita a partir
de elementos das enciclopdias existentes. Nas palavras de seu generalis prologus a
obra uma coleo de
Certas flores reunidas, de acordo com a minha pequena capacidade, de todas as que
eu tive a capacidade de ler, sejam dos nossos doutores catlicos ou poetas e filsofos
pagos. Especialmente, eu retirei deles o que parecia pertencer tanto ao
engrandecimento do nosso dogma, ou sobre instrues morais, ou o estmulo caridade,
ou explicao mstica de sua verdade.
Ao mesmo tempo, o Speculum foi produzido com base em muito mais fontes que
qualquer outra obra anterior. Alm dos sempre presentes Isidoro e Plnio, o recmdescoberto Aristteles, muitos textos rabes, especialmente sobre medicina (e.g.
Avicena e Averris) e, significativamente, um nmero de escritores recentes so
citados, como Adelard de Bath e William de Conches. E um smbolo mais significativo
da poca o fato de que seus dados geogrficos sobre a sia incluem a narrativa
contempornea de Joo de Piano Carpini e Simo de S. Quentin. O feitio do Speculum
est, entretanto, de acordo com a tradio, no apenas na sua minuciosa classificao
e subdiviso escolstica s o Speculum Naturale est divido em 32 livros de 3.718
97
captulos mas subordinando tudo seqncia dos eventos bblicos. Logo, o Speculum
Naturale trata da cincia natural pela ordem dos seis dias da Criao; o Speculum
Doctrinale comea com a queda do homem e trata das vrias formas da filosofia
atravs da qual o homem se levanta dessa Queda; o Speculum Historiale dedica-se
histria de Ado e de seus descendentes.20
O captulo topogrfico do Speculum Naturale, com a exceo daqueles sobre a
Tartria, so inteiramente histricos, formados de fragmentos dos primeiros escritores
medievais. Com freqncia, Vincent no faz mais do que retirar passagens de suas
autoridades. Por isso, ao falar do Oceano,21comea com todas as citaes da opinio
de Aristteles, seguidas das de Isidoro em De Imagine Mundi e, por fim, as de Adelard.
Da mesma maneira, o seu relato sobre o rio Nilo simplesmente uma compilao dos
trechos relevantes das obras de Isidoro, Solino, Comestor, Plato, Deuteronmio,
Avicena e Sneca, nesta ordem.
Aqui e ali o Speculum revela-se cada vez mais um plgio, com sees inteiras
sendo retiradas de trabalhos de compiladores anteriores como Bartolomeu Anglicus e
Toms de Cantimpr, enquanto uma grande parte consiste numa repetio literal da
Histria Natural de Plnio. Entretanto, seu trabalho no inclui tudo que est nos
escritores medievais anteriores sobre a natureza e a concluso de muitos especialistas
em estudos da cultura medieval a de que o Speculum Naturale est longe de ser um
20
Depois de considerar como proceder e agrupar o tema, Vincent chega concluso de que no
havia mtodo melhor do que aquele que ele havia escolhido, de maneira sbia, depois da
ordem das Sagradas Escrituras, eu tratei primeiro do Criador, depois da Criao, ento da
Queda do homem e a reparao, e ento dos eventos cronolgicos.
21
98
22
Lynn Thorndike: History of Magic and Experimental Science, Vol. II, p. 476.
23
A Ordem Dominicana tinha sido fundada recentemente (1215), isto na poca em que o mundo
ocidental estava tendo contato com o conhecimento aristotlico. Embora inicialmente fosse um
movimento religioso (o avano da sacra doctrina, o conhecimento salvador das Escrituras, todo
o estudo era a principal finalidade entre os Dominicanos e Franciscanos, essa fora espiritual
que animava, tambm estimulava as energias mentais daqueles que com ela trabalhavam, o
que resultava que a maior parte da produo intelectual do sculo XIII originava nessas duas
ordens mendicantes.
24
c. 1193-1280.
25
C. Jessen: Alberti magni historia animalium, Archiv f. Naturgeschichte, Vol. XXXIII, 1867, p.
99. Jessen fala corretamente; ao copiar Orosius, Alberto faz a aplicao a toda a Europa da
descrio da pennsula da Espanha da sua autoridade. Cf. De Natura Locorum: III, 7 e Historia:
I, 2.
26
99
pode ser dito, mas procurar as suas prprias causas de cada coisa natural... A
experincia a melhor professora de todas essas coisas.27Os ttulos dados por ele
aos captulos freqentemente sugerem uma anttese entre a autoridade antiga e o
mtodo experimental moderno: Em relao ris da Lua e o que os antigos disseram
sobre isso e o que os modernos testaram atravs de experincias.
Alberto viveu numa poca de mudanas e foi afetado pela ampliao do
conhecimento. Ao mesmo tempo, ela precisou de um intrprete, de algum que pudesse
tentar expor o conhecimento recm-adquirido e que o adaptasse dentro do esquema
escolstico, sem xito. a nossa inteno ele escreveu no incio da sua explicao
na Fsica de Aristteles, fazer inteligveis aos latinos todas as ditas partes. E fez
isso, no apenas nesse trabalho, mas em muitos da mesma maneira. Nisso reside o
maior valor de seu trabalho. No lado puramente experimental, mesmo as suas prprias
observaes dos fenmenos naturais parecem no t-lo levado a novas concluses.28
Na parte cosmogrfica de seu trabalho (contida no Tractatus III de De Natura Locorum),
nos fala pouco sobre o que novo, e suas estatsticas, impressionantes na sua
verissimilitude, apenas iludem.29 Isso ocorre quando diante da controvrsia em que
Alberto parece levar vantagem. Ento, na discusso da questo da habitabilidade do
hemisfrio sul, um tema que nunca deixou de atrair o estudioso medieval ou em
27
oportet experimentum non in uno modo, sed secundum omnes circumstantias probare.
Ethics: VI, 2, xxv.
28
29
e.g., no captulo iv ns somos informados de que a quarta parte (sul) da terra habitvel
formada por dois mares, dezoito ilhas, seis cadeias montanhosas, doze provncias, quarenta e
quatro cidades, dois rios, alm de vrias tribos humanas.
100
revelar o seu calibre intelectual, Alberto demonstra uma rara clareza de percepo
contida neste problema. Sentindo-se satisfeito por haver uma grande evidncia disso,
tal como a presena de cidades no sul da ndia e as tribos da Etipia prximas do
Equador, acredita que a regio que aos antigos pareceu estar na Zona Trrida
habitvel.30 Ele considera, primeiramente, os argumentos contra a teoria. Seu principal
opositor entre os antigos , com certeza, Ptolomeu. Os argumentos que Alberto
atribui a ele so de trs tipos:
Um deles a direo do caminho do sol em torno do trpico (sul) ao se aproximar de
Sagitrio e o seu caminho at Capricrnio. A segunda causa est na queda
perpendicular dos raios solares nessas reas... e a terceira a proximidade da massa
do sol...
31
evidncia testemunhada por algum de que tais homens haviam comunicado-se alguma
vez com os do hemisfrio norte, ao sugerir duas possibilidades. Na parte sul da Zona
Trrida (de acordo com um certo filsofo que Alberto tinha lido) existem montanhas
rochosas que dizem ser magnticas. A fora do magnetismo tal que atrai carnes e
30
De Natura Locorum: I, 6.
31
101
sangue (carnes humanas) tal como o im comum atrai o ferro. por isso que ningum
pode atravess-las.
Mas (Alberto continua) eu no penso que esse obstculo ocorra em todo lugar, mas
apenas em alguns lugares. J no levantamento do mundo feito sob o governo de
Caesar Augustus, ns lemos que Augustus mandou mensageiros aos reis do Egito e
da Etipia que providenciaram navios e despesas necessrias para aqueles que ele
mandou fazer a viagem. Quando chegaram perto do Equador, eles encontraram regies
pantanosas onde o Nilo corria e lugares pedregosos que eles no puderam cruzar
nem a p nem por barcos. Eles voltaram da sem concluir sua incumbncia. Eu mesmo
tenho visto homens que do uma razo do porqu as montanhas no so cruzadas
pela sua natureza ngreme e estril, mas isso parece incrvel para mim, de que elas
no possam ser atravessveis em toda a sua extenso. Eu creio que seja mais correto
dizer que a travessia difcil mas no impossvel, e isso, levando em conta os vastos
desertos de areia que so apresentados como lugares vazios em funo da violncia do
sol; isso faz a tarefa impossvel sem provises prprias para longas expedies. por
essa razo, eu acho, que existe pouca ou nenhuma comunicao entre os homens alm
do Equador nas regies meridionais e os que vivem conosco no hemisfrio norte.32
Na sua atitude crtica contra a autoridade e no seu uso amplo e diferenciado das
suas fontes de informao, o dominicano Alberto, o Grande rivalizado apenas pelo
franciscano Roger Bacon. Embora esses dois homens paream nunca terem se
encontrado, tinham muito em comum intelectualmente, apesar do desdm que Bacon
tinha pela ordem rival. Na sua obra Opus Tertius, fala de um grande homem em Paris
(Alberto? Toms de Aquino?) que est tornando-se uma autoridade nas escolas,
como Averris ou Aristteles, mas cujos trabalhos trazem meramente infinitas vaidades
pueris ... verborragias suprfulas e a omisso das partes mais necessrias da filosofia.33
32
De Natura Locorum: I, 7.
33
102
Muitas das afirmaes de Bacon sobre a fabilidade dos antigos devem ter sido extradas
de Alberto. Considere-se, nessa relao, a seguinte avaliao da obra de Aristteles
encontrada na Opus Majus.
De longe o mais famoso dos filsofos, Aristteles, com seus seguidores, est gravado
na memria com a aprovao dos homens mais sbios, pelo fato dele ter organizado
os ramos da filosofia to bem quanto era possvel na sua poca; mas de maneira
nenhuma ele chegou ao limite da sabedoria...34
Ou ainda:
No apenas os filsofos, mas at os autores sagrados tm sido submetidos a algum
tipo de fraqueza nesse respeito, porque eles se desdizem em muitas das suas prprias
declaraes ... At Paulo ops-se a Pedro, como ele prprio confessa. Agostinho
encontra falhas na viso de Jernimo: e Jernimo contradiz Agostinho em muitos
lugares... Logo, ento, os fatos so como so, ns no devemos dar ouvidos a tudo o
que ns ouvimos e lemos, mas ns devemos examinar cuidadosamente as afirmaes
filosficas dos antigos escritores, completar suas deficincias e corrigir os seus erros.35
34
35
103
36
Questiones Naturales.
37
Oceano ndico.
38
39
40
104
Mas como Bacon sabe que essas terras eram habitveis? Plnio e Ptolomeu entre
os antigos e Ambrsio e Basil entre os Padres haviam dito isso.
41
105
42
43
op. cit.: Vol. I, p. 36. O Opus Majus foi dedicado ao Papa Clemente IV, cuja patronagem Bacon
esperou assegurar, e que sem dvida ajudou a sua atitude de compromisso em relao
cincia e religio.
Ele tinha a obsesso com a idia [escolstica] de que a filosofia, inclusive todos os ramos do
conhecimento, deveria servir teologia, e mesmo nessa atitude ela encontra a sua justificativa.
Mas o que a qumica tinha a ver com a teologia? E a matemtica? E o que tinha a ver o mtodo
experimental? Por manter a utilidade destes para a teologia, Bacon salvou a sua ortodoxia
medieval, e com certeza, a sua pele da fogueira. Mas isso arruinou o talento do seu trabalho.
H. O. Taylor: op. cit., Vol. II, p. 516.
106
44
45
Oceano ndico.
46
47
48
Cf. Ptolomeu Montes Barditi Qui meridionalem limitem nostra habitabilis terminant lhes d a
latitude de 16 S.
49
atravs de Mere.
50
107
... est Berenice, a cidade dos etipios trogloditas. A Escritura menciona estes trogloditas
no segundo livro dos Apcrifos...
51
De acordo com Isidoro, no nono livro, existem trs tribos principais dos Etipicos,
os Hesprios, os Garamantes e os Hindus. Os Hesprios esto no oeste... Entretanto
existem muitos outros etipios ligados a essas tribos em lugares diferentes, muito
degradados tambm do que a natureza humana deveria ser, cujos nomes, localidades
e hbitos no esto dentro do mbito do presente argumento...
A Etipia termina abaixo do lado leste do Mar Vermelho, com a frica ao Oeste e o
Egito no meio desses dois extremos. No meio dessa diviso est a cidade de Siene, da
qual Ezequiel fala explicitamente nos captulos xxix e xxx... Siene o limite mais
baixo da Etipia e o mais remoto do Egito... mas Mere o limite mais acima52 da
poro do mundo habitado, de acordo com Plnio... De Siene a Mere de acordo com
Plnio... so 5.000 estdios... Siene est localizada no Trpico de Cncer.53
51
52
sul.
53
108
54
Vide L. Thorndike: History of Magic and Experimental Science, Vol. II, p. 536-7.
55
109
A Geografia da Renascena inglesa tambm tem uma grande dvida com Roger
Bacon, no apenas pela sua Opus Majus. Seus ensinamentos gerais, como a importncia
das matemticas aplicadas e da viso experimental da cincia, influenciaram
profundamente homens como Ricardo Eden e John Dee, ou seja, os pioneiros do
Renascimento geogrfico ingls.
56
57
58
110
Uma vez que os clssicos gregos e rabes tinham sido traduzidos para o latim, as
tradues posteriores feitas para a lngua verncula foi apenas uma questo de tempo. O
latim, como hoje, era uma lngua desconhecida para as massas, e por isso a divulgao e
a popularizao do conhecimento dependia da comunicao oral e da traduo para as
lnguas faladas na poca. No sculo IX, o rei Alfredo lamentava isso, embora as
Igrejas por toda a Inglaterra estejam cheias de tesouros e livros, e tambm exista
um grande nmero de servos de Deus [ainda que] eles tenham um conhecimento
muito pequeno acerca dos livros, eles no podem compreend-los porque eles no
esto escritos na sua prpria lngua (anglo-sax).59
Foi por esse motivo que ele traduziu alguns livros que eram os mais necessrios
para todos os homens conhecerem, numa lngua que eles pudessem compreender...60
No mesmo sculo, Raban Maur, sobretudo seus ensinamentos em latim, alimentou o
seu interesse pela sua lngua materna e incentivou as pregaes em alemo. Com a
ajuda de seu pupilo favorito, Walafrido, preparou interpretaes em alemo e um
glossrio latim-alemo das Escrituras. Antes da sua morte, as tradues populares
dos Evangelhos tinham aparecido. Logo no final do sculo X e no incio do XI, Notker,
o Alemo,61 um padre de S. Gall, fez tradues de Bocio, Virglio, Terncio e Capella
(De Nuptiis). E antes do sculo X terminar, a obra De Natura Rerum de Beda estava
traduzida para o anglo-saxo.62
59
60
Vide Essay on the State of Literature and Learning under Anglo-Saxons, T. Wright, p. 52 et seq.
61
Falecido em 1022.
62
111
No final dos sculo XII, essas lnguas estavam sendo empregadas crescentemente,
no eram apenas faladas, mas tambm utilizadas nas funes diplomticas e
profissionais. Mas o conhecimento ainda era basicamente monoplio do clero. Como
continuavam a escrever na lngua de suas liturgias, eles nada fizeram para promover a
laicizao do conhecimento. Conseqentemente, poucos trabalhos clssicos foram
traduzidos antes para as lnguas vernculas. Entretanto, vrias obras geogrficas de
caractersticas semipopulares tiveram o seu lugar na divulgao antes do sculo XIII.
De forma notvel, entre elas est a Image du Monde, geralmente atribuda a um certo
Ossuin de Metz, e a obra annima norueguesa Konungs Skuggsj (O Espelho do Rei). A
primeira, originalmente composta na forma mtrica, mas quase imediatamente vertida
para prosa, um trabalho de um homem versado nas letras. Muitos autores, ao
mesmo tempo clssicos e medievais, so citados e algumas vezes copiados literalmente.
Todavia, mais do que uma compilao e contm o suficiente do grotesco63e do
inesperado para assegurar-lhe uma longa vida de sucesso. Ela provou ser to popular
que logo foi reescrita em prosa e traduzida em vrias lnguas faladas, inclusive o
alemo e o ingls. O segundo trabalho, praticamente da mesma data, c. 1250-60,
de grande valor geogrfico. Apesar da distncia, o seu autor estava melhor informado
e era obviamente mais inteligente do que os seus contemporneos franceses.
Embora conhecendo bem a maior parte da literatura medieval anterior, ele se deu ao
direito de reduzir surpreendentemente as suas concepes fabulosas. Ns no vemos
nada dos vrios povos fabulosos que ainda eram comuns entre muitos autores posteriores,
nem sobre redemoinhos de gua, nem de mar coagulado e escuro, mas pelo contrrio,
ns temos informaes abundantes e novas sobre as regies setentrionais...64
63
64
112
calota glacial.
66
67
113
prprios olhos os pases que descreve, o trabalho tem um valor inquestionvel como
modelo das idias de um secular do sculo XIV acerca do mundo.
A terra [ele nos diz] muito larga e muito grande, e tem na sua redondeza e no seu
dimetro, de cima at abaixo, 20.425 milhas, de acordo com a opinio de antigos e
sbios astrnomos;68 e eu em nada reprovo essa opinio. Mas, depois da minha
pequena considerao, me parece, guardando o respeito, que algo mais.
Deixe que eu lhe explique porqu. Imagine um grande crculo. E num ponto desse
crculo grande est o centro, onde h um crculo pequeno. Depois, o grande crculo
est dividido por linhas em vrias partes, e todas elas se encontram no centro. Assim,
em muitas partes que o grande crculo pode ser dividido, tal como as muitas partes
que podem ser divididas o pequeno crculo, embora os espaos fiquem menores.
Agora ento, o grande crculo est representado como o firmamento, e o pequeno
crculo representando a terra. Ento o firmamento dividido pelos astrnomos em
doze signos, e cada signo est dividido em trinta graus; ou seja, 360 graus que tem o
firmamento. [Entendendo que de acordo com as obras de astronomia, 700 furlongs69
de terra corresponde a um grau do firmamento, o que sero 87 milhas e quatro
furlongs.]70Agora est que aqui multiplica-se por 360 sithes, e ento eles sero 31.500
milhas e cada milha correspondendo a uma nossa milha de 8 furlogs.71 Ento essa
a circunferncia da terra de acordo com a minha opinio e o meu entendimento.72
68
69
70
71
72
De fato, essa afirmao no combina com qualquer uma das afirmaes dos antigos astrnomos.
Ptolomeu, o que mais se aproximou, calculou em 22.500 milhas. Somente os novos (medievais)
astrnomos, como Honrio de Autun e William de Conches, que chegaram perto daquela medida,
e mesmo assim o clculo mais comum era de 20.520. A discrepncia est, sem dvida, em funo
do emprego de diferentes valores para o estdio, a unidade bsica de medida na Antigidade, cuja
relao com a milha era calculada de modos diferentes. Vide E. G. R Taylor: Some Notes on Early
Ideas of the Form and Size of the Earth. Geographical Journal, Vol. 85, p. 85 et seq.
N.T. Furlong uma medida de comprimento que corresponde a 1/8 de uma milha, ou seja, 201, 164m.
O trecho entre colchetes foi omitido na traduo de Egerton, suprimido da traduo de MS. Harley
4383. N.T. A frase est na traduo de Cotton a qual foi transcrita na presente obra de Kimble. Foi
feita uma comparao desta traduo inglesa com a do livro The Travels of Sir John Mandeville,
traduzida por C. W. R. D. Moseley da edio da Penguin Books, London, 1983. p. 130. Em uma ou
outra frase demos preferncia ltima traduo para maior clareza em portugus.
um clculo de Isidoro (vide ante, cap. 2) e estava baseado na concepo de Macrbio (em
Eratstenes) de que a circunferncia da terra era igual a 252.000 estdios. Ao fazer a equivalncia
de estdio por furlons, o valor de 87 milhas, ou 700 estdios, era conseqentemente obtido
para a extenso de um grau.
The Travels of Sir John Mandeville: the version of the Cotton MS. in modern spelling (Library of
English Classicas): p. 123-4.
114
73
N.T. Na verso de C. W. R. D. Moseley da edio da Penguin Books, London, 1983. p. 128, o termo
encontrado wealth que traduzimos como riqueza. Na traduo de Cotton o termo conduct.
74
Estrela Polar. N. T. Na traduo de Moseley esse termo foi substitudo pelo Plo rtico.
75
76
77
Publicado por American Historical Review, 1907, por C. R. Beazley, que atrubuiu este trabalho
a W. Adam, um bispo dominicano da Prsia, 1323-9.
115
rtica, mas em seu lugar a Antrtica, numa elevao de 24, enquanto calcula que
certos comerciantes chegaram at um ponto onde a elevao chega a 54.78
Como Beazley demonstrou na edio do seu trabalho, no est afastada a
possibilidade de que o autor tenha estado no sul do Equador. Madagascar j era
conhecida atravs dos escritos de Marco Plo79 e o autor possivelmente pode ter
chegado a um ponto no sul dessa ilha onde a estrela Antrtica est numa elevao de
24.80 Se ele esteve ou no, deve ser uma questo de conjecturas, mas pelo menos
indica a crena de uma zona trrida transponvel e habitvel. Que o autor no tinha
como provar esta hiptese est claro num outro trecho do documento, no qual ele
conclui que deve haver muito mais terra habitvel no sul e no Oriente do que geralmente
se sups e que o conceito de Antpodas no nem falso, nem frvolo.
No temos como dizer exatamente at que ponto termina o fato e comea a
fico nessas narrativas; nem isso tem importncia, visto que estamos mais
interessados nas crenas populares que em uma determinao precisa dos horizontes
do mundo. O importante que as histrias desse tipo exerceram uma influncia
profunda na laicidade da Idade Mdia tardia. Contos de Viagens sempre tiveram um
grande apelo, por boas razes: os homens universalmente tiveram a tendncia natural
em afirmar, e de gostar de escutar, sobre coisas que beiram o sensacional, o
extravagante, o incrvel e de ir tanto contra a razo quanto a experincia. Senhor,
eu acredito, auxilia-me na minha descrena, expressa uma atitude de pensamento
comum em coisas materiais assim como espirituais, tanto nos tempos antigos quanto
78
79
80
116
nos modernos. Isso requer pouca imaginao da em diante para evocar o impacto
desses contos, como As Viagens de Sir John Mandeville sobre as mentes dos homens
vivendo numa poca que era surpreendentemente de f. A leitura deles, assim como
as da Mirabilia (ou livro de maravilhas), os Bestirios81(ou livros sobre animais) e
Lapidrios (histrias das propriedades, geralmente mgicas de pedras) emocionaram
no apenas o povo comum mas tambm os homens de educao e inspiraram as
ilustraes pictricas de muitos famosos mappaemundi.82
De fato, seria difcil superestimar o fascnio que esse tipo de literatura exerce sobre
os grandes representantes do pensamento medieval e do renascimento, quer seja em
geografia, histria natural ou zoologia. Ainda em 1505, vemos Duarte Pacheco, o grande
navegador portugus e cientista, falando num momento com a exatido de um livroguia moderno e noutro fala sobre a existncia de serpentes de uma milha de
comprimento!83 Quando recordamos que a Histria Natural de Plnio, a Collectanea de
Solino... e a annima Physiologos (uma reunio de histrias baseadas nas peculiaridades
maravilhosas dos animais, composta circa ano 200, nas quais as alegorias crists foram
adicionadas posteriormente) foram os trs maiores livros fontes da Idade Mdia, a
dominao exercida por estas tradies teratolgicas imediatamente compreendida.84
81
Vide The Bestiary de Philippe de Thaun no trabalho de T. Wright Popular Treatises on Science
written during the Middle Ages.
82
83
84
Nem o Physiologus nem os livros de maravilhas eram totalmente tpicos da posio de pessoas
educadas no final da Idade Mdia em relao Natureza. Por isso, em relao histria do
pelicano que restaurava a sua juventude com o seu prprio sangue e outras fbulas semelhantes
encontradas no Phyisiologus, Alberto escrevia que elas pertencem ao reino dos livros de
estrias mais do que s coisas provadas filosoficamente pela experincia. Ao mesmo tempo,
ele est longe de rejeitar indiscriminadamente todas as afirmaes inacreditveis de Plnio.
117
Figura 6 frica de acordo com o mapa de Hereford (c. 1280). Catedral de Hereford. O leitor
poder observar que, tendo uma vista do mapa, a frica chamada de Europa.
118
5
A
AMPLIANDO OS HORIZONTES
FRICA
eram muito comuns e pouco a pouco acabaram por moldar as opinies geogrficas,
tanto as instrudas quanto as de cunho popular.
As primeiras notcias sobre as exploraes vieram do Sul. Logo depois da poca
de Al-Masudi, os rabes buscando converses e comrcio acabaram por estabelecer
contato com as terras ao sul do Saara. Em 1076, o reino sudans de Ghana (hoje uma
das cidades perdidas da frica) chegou a conhecer a suzerania do Imprio Muulmano.
Esse fato tornou possvel a livre movimentao pelo Saara e abriu o caminho para a
explorao comercial nas terras dos Negros. Muitos anos se passaram, porm, antes
dos povos cristos da Europa participarem diretamente desse comrcio, em parte por
causa do seu preconceito anti-muulmano e, em parte, porque qualquer tipo de
atuao organizada no comrcio poderia despertar a mais cerrada oposio dos mouros.
Foi somente depois de ocorrer um contato amigvel com os muulmanos na
119
Espanha e na Siclia, durante o sculo XII, revelando aos povos cristos a existncia
de uma civilizao no interior do continente, que eles comearam a mostrar um
grande interesse no Sudo. Ento veio o desejo, acima de tudo, de chegar ao pas de
Wangara, onde, dizia-se, existia muito ouro.
O primeiro sinal indiscutvel desse interesse data do ano de 1223, quando os
genoveses construram uma fbrica em Tnis. L eles estabeleceram relaes comerciais
com os mercadores de Timbuctu. Podemos considerar que o primeiro contato europeu
com o Sudo foi feito logo depois. O relato autntico mais antigo da regio, feita por
um cristo, datado do ano de 1283. Foi quando Ramon Lull escreveu no seu livro
Blanquerna que o mensageiro de um certo cardeal havia empreendido uma viagem ao
sul do Saara. Ele
Encontrou uma caravana de 6.000 camelos carregada com sal deixando uma cidade
chamada Tibalbert e se dirigindo para aquele pas onde est a nascente do rio
Damiata.1Foram tantas as pessoas que auxiliaram este guia que em quinze dias todo
o sal havia sido vendido: e estes homens eram negros e adoravam dolos. Nesta terra
est uma ilha no meio de um grande lago e na ilha mora um drago ao qual todos os
ilhus fazem sacrifcios ... e as pessoas ficaram muito maravilhadas com o mensageiro,
porque ele era branco e cristo: nunca antes eles tinham sabido que um cristo tinha
chegado at aquela terra.2
Rio Nilo.
um gentio.
120
cidade que chamada Ghana. Nesta terra existiam muitos prncipes que adoraram
dolos e tambm o sol e as estrelas, e os pssaros e os animais. O estrangeiro
continua a relatar como na sua busca pela verdadeira religio ele viajou por vrias
terras para procurar aquilo que fosse digno de adorao acima de todas as coisas, e
como ele finalmente chegou a Roma. Como conseqncia de sua misso, o Papa
enviou padres que haviam aprendido rabe, e estes padres foram ao rei dos
Sarracenos... e, pela graa de Deus, eles converteram o rei sarraceno e um grande
nmero de pessoas. 4
muito angustiante o fato da narrativa terminar logo depois de uma breve
referncia a essas terras, mas deve-se lembrar que os interesses de Lull eram
declaradamente no geogrficos, visto que o primeiro livro completo de viagens sobre
o Sudo apareceria no sculo seguinte e feito por um rabe, no por um europeu.
Ele foi feito por Ibn Abdallah Mohammed, apelidado de Ibn Batuta o viajante
no de uma poca, mas do Isl.5Nascido em Tanger, no incio do sculo XIV, ele
manifestou o seu gosto pelas viagens desde cedo e com apenas vinte e dois anos
de idade fez uma peregrinao at Meca, visitando ao mesmo tempo as colnias
rabes na costa leste africana. Nisso, de fato, ele estava apenas seguindo os
passos de Masudi.
Aps dezoito anos de viagens praticamente contnuas pela China, Malsia,
Sumatra, sia Central e, talvez, ao rtico, ele voltou em 1352 para sua terra natal,
121
apenas para viajar rapidamente ao Nilo dos negros. Sua narrativa, escrita
provavelmente na sua volta do Sudo, rica em informaes da poca e joga uma luz
considervel sobre a questo do conhecimento sobre a frica medieval. A citao
seguinte foi retirada de uma traduo resumida de um manuscrito rabe preservado
em Cambridge.
Nem gua, pssaro ou rvore, mas apenas areia... soprada pelo vento de modo a no
deixar vestgios do caminho. As pessoas podem viajar, ento, apenas com guias do
mercadores, os quais existem muitos... Ns passamos por ele (o deserto) em dez
dias, dali para Abu Latin... Este o primeiro distrito do Sudo... As roupas dos nativos
so todas trazidas do Egito. A maioria dos habitantes so mercadores... Eu ento fui
... para Mali,6 que dista uma jornada de 24 dias, feita com esforo... Depois de dez
dias de termos deixado Abu Latin ns chegamos vila de Zaghari que grande e
habitada por mercadores negros. Entre eles vive um nmero de pessoas brancas ....
Ns ento deixamos este lugar e chegamos a um grande rio que o Nilo (Niger);
acima a cidade de Karsanju de onde o Nilo se dirige para Kabara, e da para Zaga,
cujos habitantes foram os primeiros a abraar o Isl... Deste lugar o Nilo corre para
Tambucutu, da para Kawkaw,7 que o mais afastado distrito de Mali8; [e] segue at
Yuwi9... nenhum homem branco pode entrar l... O Nilo ento corre deste lugar at o
pas da Nbia, cujos habitantes so cristos, e da para Dongola... O Nilo, depois,
corre at as Cataratas que terminam as regies do Sudo...10
Acreditava-se que o reino de Melli tinha as suas fronteiras ao sul alm da grande curva norte do
Niger, desde as suas nascentes at a confluncia com o rio Riva perto da moderna cidade de
Gomba.
10
The Travels of Ibn Batuta, traduzido por S. Lee: p. 233 et. seq.
122
Figura 7. frica de acordo com o Atlas Catalo de Carlos V, 1375. (Biblioteca Nacional de Paris)
123
11
12
124
Esmeraldo de Situ Orbis, op. cit.: I, 29 e Appendix n. III. Os egpcios pr-dinsticos enfeitavam-se
com rabos, como fazem algumas tribos negras modernas para ocasies de cerimnias, enquanto o
negro prognato freqentemente possibilita a descrio de com aparncia de cachorro.
125
apenas que eles estavam a oito dias de jornada a partir de Gana que uma cidade
perdida novamente sem indicar uma direo. Cadamosto14 no presta maior auxlio.
Porm, quando se recorda que essa fronteira das tribos negras era freqentemente
invadida pelos vizinhos mouros do norte, os quais vendiam os negros como escravos,
difcil pensar que eles preferissem ficar escondidos quando da permuta do ouro ou
que mentissem sobre o aspecto da hinterland da zona aurfera quando aprisionadas.
Repelidos, mas no intimidados pelos obstculos geogrficos na sua expanso
terrestre, os mercadores logo voltaram a sua ateno para a navegao dos mares
adjacentes. Nesses mares, os rabes iriam ter pouca importncia porque tinham um
profundo horror pelo Atlntico O Mar Verde das Trevas. At mesmo Idrisi partilhou
da idia das trevas perptuas e intensas se multiplicando sobre o Oceano Ocidental.
Os doutores do Coro afirmavam que um homem suficiente louco para navegar nas
suas guas deveria ter os seus direitos civis cassados. Depois, Ibn Said declarou que
ningum tinha feito isso por medo dos redemoinhos que certamente poderiam destruir
qualquer um que pelo Atlntico se aventurasse.15At a gerao imediatamente anterior
do prncipe Henrique, o Navegador, outro sbio do mundo muulmano declarou que o
Oceano Ocidental era
Ilimitado, de modo que os navios no deviam se aventurar para alm da viso da
terra, mesmo que os marinheiros conhecessem a direo dos ventos, eles no saberiam
para onde aqueles ventos poderiam lev-los. Como para alm no existe terra habitada,
eles corriam o risco de se perderem na neblina, nas sombras ou no nevoeiro.16
14
15
Este, deve ser lembrado, exatamente o destino de Ulisses como resultado de seu louco vo
alm das Colunas de Hrcules, conforme se referiu Dante. Vide Inferno: XXVI, 124 et seq.
16
126
De todo modo, ao menos um rabe, chamado Ibn Fathima, correu o risco e viveu
para contar a histria. J que Said fez referncia ao relato desta viagem, a qual
bastante paradoxal e no menos importante para a histria da explorao africana
(porque Cabo Branco havia sido contornado na viagem), ns a citaremos por inteira.
Ibn Fathima relata como, numa ocasio, encontrou-se em Noul Lamtha perto das
praias do Mar Circundante e embarcou num navio. O navio estava praticamente
destrudo, indo para um baixio na praia. Os marinheiros tinham se perdido e no
sabendo onde estavam, abandonaram o navio e saram num bote para reconhecimento.
s vezes o barco passou por molhes de plantas marinhas; s vezes o barco ficou
suspenso pelos remos (sic). Tendo chegado no meio do Golfo (de Arguim), os
marinheiros ficaram espantados com a grande quantidade de atuns que viviam naquelas
bandas. Eles ainda no tinham visto terra quando notaram que as suas provises
tinham acabado. Ao atingirem a montanha Branca alguns brberes da tribo Godala
fizeram sinais para eles para que no se aproximassem da montanha; os marinheiros
no compreenderam o motivo do gesto. Contudo, eles viraram na direo norte e
continuaram a voltear a montanha. Ento apareceu um homem que falava duas lnguas,
o rabe e o brbere ... Eles contaram o que havia acontecido. ... Ento eles compraram
alguns cavalos e foram na direo da principal cidade da tribo Godala. a cidade de
Tegazza, 11 de longitude e 20 norte. De acordo com Ibn Fathima, o pas ocupado pelos
Godala, embora semelhante a outras partes do Saara e pases desrticos em geral,
muito apropriado cana-de-acar. De fato o pas irrigado por cinco rios que nascem
na Montanhas Branca. Ptolomeu tinha feito meno a estes rios meridionais.17
Os motivos para identificar a montanha Branca com o Cabo Branco (ou Blanco)
so esses. No h outro cabo ao longo do litoral desrtico merecedor da denominao
de montanha.18 Alm disso, a cor dos penhascos branca e os bancos de areia so
17
18
Isto no invalidado pela referncia aos cinco rios. Ibn Said est provavelmente dando a sua
prpria teoria ao sistema hidrogrfico ptolomaico que procedia das Montanhas da Lua. Vide
Africa Pilot: Part I, p. 289 (edio de 1920).
127
o sinal da sua proximidade.19 Ainda mais, o Golfo de Arguin a sudeste uma notvel
terra de atuns, e o comrcio de atuns sustentou a vida da colnia de mouros l
existente desde tempos imemoriais.20 A referncia abundncia de plantas marinhas
fortalece sua identificao ainda mais porque o mar nesta parte da costa africana
coberto de plantas aquticas numa extenso que dificilmente um exagero de Ibn
Fathima afirmar que o barco no conseguia sair do lugar. Foi por conta disso que os
portugueses mais tarde deram o nome de Sargao21 a esse litoral.
A explorao de Fathima no parece ter tido seguidores. Seus contemporneos,
devemos considerar, estavam assustados com os perigos muito mais que estimulados
pelas vises de recompensa. Embora ele no aponte para nenhuma moral da histria,
mais que provvel em vista da advertncia acima citada que Ibn Said relatou a
viagem com o objetivo de dissuadir quaisquer conquistadores.
Evidentemente, os reinos muulmanos estavam muito ocupados com a busca do
comrcio e de trocas para ter tempo ou nimo de resolver mistrios que poderiam ser
apenas iluses. Em conseqncia, devemos procurar em outros lugares, mais que
entre os rabes, pelo mpeto da explorao.
Nessa poca, tal mpeto existiu entre os povos martimos da Europa por vrias
circunstncias, entre as quais uma era proeminente. Primeiro, a queda do Acre nas
mos dos sarracenos em 1291. Isso significou a destruio total das esperanas e
planos baseados numa dominao de terras do Levante pelos latinos. Novos caminhos,
a partir da, tinham de ser encontrados para o esprito de aventura e Wanderlust
19
20
Vide A . Gruvel e A . Bouyat: Les Pcheries de l,Afrique Occidentale franaise, p. 115 et seq.
21
128
Figura 8 frica De acordo com o Mapa-mndi Borgiano, ante 1450. (Museu do Cardeal Stefano Borgia, Velletri)
129
23
24
The Chronicle of the Discovery and Conquest of Guinea: Vol I, p. 28 (Hakluyt Society).
25
130
navegou at uma cidade da Etipia chamada Menam, onde viviam sditos do Preste
Joo. Nenhum dos membros da expedio voltou, mas Usodimare, que encontrou
Cadamosto na sua primeira viagem, afirma que ele falou com um descendente do
ltimo sobrevivente!26 claro que deve-se dar pouqussimo crdito a evidncias
desse tipo. Beazley diz que isso parece como uma tentativa [de Usodimare] para
entreter seus leitores com aventuras interessantes.27 Podemos passar pela viagem
de Jaime Ferrer em 1346 ao Rio do Ouro, porque nenhum registro da expedio
sobreviveu alm da notcia de sua partida e do seu objetivo.28Tambm podemos
rejeitar as hipotticas viagens francesas do mesmo sculo, pois foi provada de uma
vez por todas a evidncia da sua inveno por La Roncire.29
Chegamos, ento, ao annimo franciscano espanhol do sculo XIV,30 cuja obra,
Libro del conoscimiento de todos los regnos y tierras (c.1350), tem opinies muito
diversas. Primeiro, quem conheceu a obra apenas atravs de referncias no trabalho
de Bethancourt A Conquista das Canrias achou-a uma compilao confusa de
tradies geogrficas da poca e uma requentada (rchauff) de Idrisi,31 enquanto
Beazley a classifica como um grande testemunho de uma jornada imaginria.32La
Roncire diz praticamente a mesma coisa.33
26
27
The Cronicle of the Discovery and Conquest of Guinea: Introduction to Vol. II.
28
Vide Figura 7.
29
30
Tudo o que se conhece sobre ele foi feito por seu prprio punho no primeiro pargrafo do seu
trabalho. Eu nasci no reino de Castela, no reinado do muito nobre rei D. Fernando ... quando
Cristo tinha 1304 anos.
31
32
33
131
Na Introduo desse trabalho feito por ele para a edio da Sociedade Hakluyt,
afirmou que no havia nada dentro da narrativa que no tivesse sido pirateado.34
Para no deturpar o relato do padre no campo da explorao africana, citaremos sua
narrativa com algum detalhe. Ele havia acabado de voltar para Gazula (a Gazora dos
Vivaldi) depois de uma grande viagem ao Norte da frica e s Canrias quando encontra
alguns mouros que tinham
organizado uma galera para ir ao Rio do Ouro, onde eles teriam muitos lucros. Eu fui
com eles por conta de algo que eles haviam falado para mim, e ento ns samos de
Gazula na galera. Sempre se mantendo perto da costa do Mar Ocidental ns passamos
o Cabo Na (non) e San Bin e Buyder (Bojador), todos numa costa desabitada, e
chegamos ao Rio do Ouro, j mencionado, que um brao do Nilo nascendo nas altas
montanhas do Polo Antrtico,35onde, se diz, est o paraso terrestre ... Ns seguimos,
depois de deixar este rio, por uma distncia muito grande sempre mantendo a viso
do litoral, deixando para trs as Islas Perdidas e chegamos a uma ilha habitada por
muita gente. Eles chamam esta ilha de Gropis.36 uma ilha bem abastecida mas o
povo idlatra. Eles nos levaram at o rei e quiseram saber muito sobre ns e a
nossa lngua e costumes. Os mercadores que organizaram a galera tiveram muito
lucro. ... Ns deixamos a ilha de Gropis e seguimos num curso para leste na direo
do Mar do Sul at que ns encontramos outra ilha chamada Quible.37 Esta ilha ... est
no Mar do Sul e povoada por negros. Ns a deixamos no nosso lado direito, mantendonos ao longo da costa e vimos uma montanha muito alta chamada de Alboch.38 Ns
fomos at l e encontramos muita gente. L nasce um rio39 que torna-se muito largo
e que corre por um pas requintado. Aqui a galera voltou e permaneceu por algum
tempo. Depois disso eu parti de Alboch com algumas pessoas e fui a uma outra
34
35
no Hemisfrio Sul.
36
37
Ilha de Sherbro?
38
Sierra Leone?
39
Rio Niger?
132
montanha chamada Lirry. Um rio chamado Enalco nasce nela. Eu deixei este reino ...
e fui a uma outra chamada Gotonie formada por montanhas altssimas. Eles dizem
que no existem outras mais altas no mundo. Elas so chamadas Montanhas da Lua.40
O frade continua a narrativa contando das suas viagens terra de Preste Joo,
Etipia, Mesopotmia e ao Extremo Oriente.
Uma leitura superficial do Conoscimiento poderia nos levar a acreditar que o
franciscano fosse nada mais que um segundo Mandeville um plagiador sem princpios.
Beazley e outros, vendo que nenhum homem poderia ter realizado tudo aquilo que o
escritor afirma ter feito, levaram o trabalho inteiro ao descrdito. Mas um exame mais
cuidadoso da narrativa mostra que um julgamento como esse no faz justia aos
fatos. Em primeiro lugar, o Conoscimiento no uma mera recapitulao de livros de
viagens j existentes porque impossvel encontrar paralelos com a maioria das
descries na literatura da poca ou anterior. Em segundo, a narrativa carrega um
sinal de credibilidade que est muitas vezes ausente em obras como As Viagens de Sir
John Mandeville. Existe, como nas viagens de Ibn Batuta, apenas um uso econmico
do miraculoso: nesse caso, o frade no produz gente do interior do continente como
Sciapodes ou Monoculi algo mais recomendvel em vista da simpatia que o pblico
leitor daquela poca tinha pela coleo dessas maravilhas. Em terceiro, o trabalho
caracterizado por uma bon fide, forma de expresso que parece desfigurar a marca
de fabricao, testemunho de traos to naturais como Eu sa com eles por causa do
lago que eles falaram para mim e Eles nos levaram diante do rei e quiseram saber
muito sobre ns e nossos ... costumes; novamente, Os mercadores que organizaram
40
133
a galera tiveram muito lucro41. Em suma, deve-se admitir que sua descrio das
costas da Guin tem a qualidade importante da verossimilhana. A informao avanada,
embora muito de leve, aponta para um conhecimentoapenas proveniente de e perto
do local em questo.
Rejeitar as afirmaes da narrativa criar muitas dificuldades para resolv-las.
Como o conhecimento poderia ter sido transmitido ao frade? Dizer, como La Roncire
faz, que o franciscano coletou o seu material dos rabes estar em discordncia com
a tendncia geral da literatura rabe sobre o Oeste da frica. Isso notvel pela
ignorncia da parte do sul descrita pelo autor. Ainda mais, ele revela uma estranha
falta de conhecimento do interior do continente, um fato particularmente curioso se
os seus informantes fossem rabes. Markham sugere, de outra maneira, que o
conhecimento podia ser devido ao contato com os membros das caravanas de
genoveses e venezianos que penetraram bastante pelo interior a partir do Cairo.42
Isso abre caminho a uma crtica similar: nenhuma noo correta das terras ao sul do
sistema Senegal-Niger, ou do litoral a partir da, chegou at ns a partir dos relatos
dos viajantes medievais e dos mercadores na frica. Nem Anselme dIsalguir de Tolouse,
que viveu em Gao, de 1405 a 1413, nem Antonio Malfante, o genovs que escreveu
uma descrio da bacia do Niger, em 1447, possuram qualquer conhecimento das
terras ao sul. Malfante escreve que ele tinha se esforado para determinar o lugar de
origem do ouro, mas sempre foi malsucedido.43
41
42
43
Para ver o texto, vide Charles de la Roncire, op. cit. Vol. III, p. 6 et seq.
134
45
Ibid.: p. 96.
46
loc. cit.
135
uma descoberta anterior do rio Senegal. certo que essa afirmao contraria a idia de
uma descoberta francesa do Senegal no sculo XIV, entretanto, no existe evidncia que
contrarie a idia da expedio de uma outra nao atingindo esse objetivo.
Uma outra prova do crdito do Conoscimiento est disponvel no mapa-mndi
Estense, de c. 1450, porque pode existir uma leve dvida de que a representao da
costa Oeste da frica ao sul de Cabo Verde esteja baseada nos dados fornecidos pela
narrativa do franciscano.47
Em suma, poderia parecer que a evidncia documental dessa viagem,
reconhecidamente frgil, mais forte que toda evidncia que pode ser levantada
contra ela. Talvez no seja to fantasioso supor que o frade fez a viagem em companhia
de Jaime Ferrer, cujo objetivo foi mencionado claramente pelos mercadores na narrativa
o Rio do Ouro. De qualquer modo, as atividades martimas dos mouros ao longo da
costa so to pouco conhecidas que no existe lugar para uma rejeio dogmtica de
toda a narrativa.
Tornando agora a considerar o conhecimento medieval do Oeste da frica, como
exposto pelo mappaemundi, novamente encontramos dificuldades para fazer quaisquer
generalizaes proveitosas. possvel ser taxativo em dois pontos, pelo menos. Em
primeiro lugar, o Cabo Non deixou de ser Caput finis Africa l por meados do sculo
XIV. Em segundo, as costas ocenicas to afastadas como o Cabo Bojador (mais
corretamente, to distante como a enseada no seu lado sul) foram conhecidas e
mapeadas desde a poca da carta portulano de Pizzigani (1367).
47
Vide Figura 9 e o Memorial, por G. H. T. Kimble, que acompanha a reproduo do The Catalan
World Map of the R. Biblioteca Estense at Modena feita pela Royal Geographical Society
136
137
Cabo Bojador.
49
Vide Figura 7.
138
Vide Figura 10. Este mapa-mndi, adequadamente chamado Portolano Laurenziano-Gaddiano, faz
parte de um atlas, consistindo de 8 folhas, e est na Biblioteca Laurenciana em Florena. Para
maiores detalhes, vide The Laurentian World Map ..., de G. H. Kimble in Imago Mundi, Vol. I, 1935.
51
Recherches sur la priorit de la dcouverte des pays situes sur la cte occidentale d,Afrique: p. 89.
52
139
Figura 10 frica De acordo com o Mapa-mndi Laurenciano, c. 1351 (Biblioteca Laurenziana, Florena)
140
141
54
55
Feitos por F. von Wieser in Die Weltkarte des Albertin de Virga aus dem Anfange des XV. Jahrnunderts.
142
57
Pouco se conhece da vida de Mauro alm do fato de que ele foi um monge da Ordem dos
Camaldules em S. Michele di Murano, perto de Veneza, e que ele teve uma grande reconhecimento
em matemtica e fsica, e que ele foi um cosmgrafo incomparvel. provvel que o Planisfrio
tenha sido feito s ordens e s custas do governo de Veneza. Vide P. Zurdla: Il Mappamondo
di Fra Mauro Camaldolese, passim.
58
Por volta do ano de 1420, uma embarcao hindu, ou um junco, que na sua viagem cruzou o
Oceano ndico na direo das Ilhas dos Homens e das Mulheres, foi pega por uma tempestade
e arrastada por 40 dias a 2.000 milhas alm do Cavo de Diab na direo oeste e sudoeste, e
quando o tempo melhorou, foram 70 dias para retornar ao Cabo.
143
Abavi, so os rios abissnios Mareb, Takkazie, Menna, Tellare e Abbai; enquanto flumen
Xebi e flumen Avasi so traados com uma extraordinria fidelidade a ponto de
serem imediatamente identificados com os rios Ghibie e Hawash do sul da Abissnia
uma regio no totalmente explorada at a poca recente. O fato desses rios serem
os desenhos mais meridionais do mapa esto colocados na mesma latitude do Cavo
de Diab torna praticamente impossvel acreditar que Mauro conhecia qualquer coisa
da frica ao sul do Equador. Como ento interpretamos o Diab, o interior do Cabo,
descrito pelo cartgrafos como uma regio muito frtil que foi recentemente
conquistada pelo rei da Abissnia, em 1430? Dentro dos limites impostos pelo
conhecimento de Mauro acerca do interior, a nica regio que pode ser comparada
a pennsula da Somlia e importante que num documento da mesma poca, na
biblioteca de S. Michele, em Murano, esteja registrado que Diab uma grande
provncia, em cujas regies existe uma abundncia de todas as coisas boas, sua
cidade principal sendo chamada de Mogadis59, que deve ser Magadoxo na costa
somali. Cavo de Diab, no caso, torna-se Cabo Guardafui.60 Por isso, o grau de
verosimilhana da parte sul do litoral da frica devida, em boa parte, s exigncias
da forma circular do mapa.61
59
60
Sem dvida pode-se objetar que Diab representado por uma ilha e no uma pennsula.
Podemos usar a desculpa do argumento de que a inteno de Mauro era a de harmonizar
teorias conflitantes, exceto onde elas eram mutuamente exclusivas. Aqui, ns devemos considerar
que ele tenta incorporar a idia rabe de um canal ligando a ndia com o Oceano Atlntico (vide
ante, cap. 3, p. 74) com a sua informao baseada nos desenhos dos viajantes que estiveram
l. Como todos parecem ser viajantes por terra, muito provvel que eles no tenham nada
para contribuir para o pouco conhecimento do Leste da frica e, conseqentemente, Mauro
ficou apenas com as suas prprias idias.
61
144
Figura 12 frica de acordo com Fra Mauro, 1459. (Biblioteca Marciana, Veneza)
145
146
6
E
AMPLIANDO OS HORIZONTES
SIA
Cabo Comorin?
para o norte.
Montanhas do Pamir.
Sarmatia?
Rio Oxus?
147
Dentro desta rea est a ndia; a oeste faz limite o rio Indus que corre para o Mar
Vermelho; ao norte, pelos Montes Cucasos; o resto da ndia est circunscrita pelos
Oceanos ndico e Oriental. Este pas tem 44 povos diferentes (se ns incluirmos a ilha
de Tapobrana que tem 10 estados e muitas outras ilhas habitveis). A partir do rio
Indus que est a leste do rio Tigris que est na direo oeste, existem os seguintes
distritos, todos montanhosos e escarpados: Aracsia,7 Prtia, Assria, Prsia e Mdia.
Ao norte eles fazem fronteira com os Montes Cucasos; ao sul, pelo Mar Vermelho e
Golfo Persa. Os principais rios que correm pelo meio destes pases o Hydaspes8 e o
Arbis.9 Aqui existem 32 povos. (O pas que as Sagradas Escrituras chama de Mdia
agora comumente chamada de Prtia). Entre o rio Tigre e o rio Eufrates est a
Mesopotmia, um pas que comea no norte a meio caminho entre o Taurus e o
Montes Cucasos; ao sul sucedido pela Babilnia, e da pela Caldia e finalmente
pela Arbia. Esta avana na direo leste num estreita faixa de terra entre os golfos
Persa e rabe. Nestes pases existem 28 povos diferentes.10
Afeganisto.
10
11
cf., por exemplo, as descries da terra de Seres na Geografia, VI, 16; Histria Natural, VI, 20,
e Histria, XXIII, 6.
12
O Mapa Cotton (Cottom MSS. Tib. B. v. fol. 56v) nos d uma idia do esboo do mundo de
Orosius, porque ele est baseado em grande parte na sua concepo geogrfica e deve mesmo
ter sido tirado do atualmente perdido mappamundi Orosiano. Vide C. R Beazley: The Dawn of
Modern Geograhy, Vol. II, p. 562.
148
florescer como tinha sido no sculo V.13 A explicao est, como pode ser visto, na
mudana da mentalidade da poca. A Cristandade estava preocupada com o
fortalecimento da f de seus convertidos e tinha pouqussimo tempo para buscas
ostensivamente privadas de significado religioso.
Logo depois de ter ocorrido o contrabando dos primeiros bichos da seda para a
Europa, na metade do sculo VI, o comrcio com a China sempre lento e arriscado
comeou a diminuir e as relaes entre o Ocidente e o Oriente tornaram-se, em
conseqncia, extremamente incomuns. Entre os sculos VII e XII, com uma nica
exceo, no existe um trabalho em grego ou latim que revele um conhecimento vivo
da China.14 A exceo Thopylactus Simocatta, um grego egpcio que, escrevendo
em 628, fala da terra de Taugas, fazendo fronteira com os turcos nmades. Os
povos de Taugas,15diz, formam uma das maiores naes do mundo em poder e
populao; eles so idlatras, mas possuem leis justas; produzem seda e desenvolvem
um grande comrcio. Ele fala de suas terras divididas em duas partes por um rio
poderoso16 e de uma guerra recente entre estados rivais em ambas as margens do
rio, acabando na destruio de um deles.17Mas a Histria de Simocattas teve pequena
ou nenhuma repercusso e assim o livro-texto da geografia do Extremo Oriente continuou
13
Vide G. F. Hudson: Europe and China ..., p. 109 et seq. Tambm Cosmas Indicopleustes: Christian
Topography (Hakluyt Society), p. 47 et seq.
14
Entretanto, existem vrios documentos chineses que indicam que nunca houve uma quebra
total do contato entre o Oriente e o Ocidente mesmo nos obscuros sculos VII e VII. Vide G. F.
Hudson: op. cit., p. 128 et seq.
15
16
Yangts-Kiang?
17
Isso, sem dvida, se refere batalha entre as dinastias Sui e Chen que terminou na vitria da
primeira e com a unificao da China sob seu controle no ano de 588.
149
histrico e desatualizado. Beda no sculo VIII, Dicuil no sculo IX, Gerbert no sculo
X, Adam de Bremen no sculo XI e outros numerosos escritores cristos no sculo XII
apenas repetiam o que Orosius tinha escrito.
Enquanto isso, os rabes estavam ocupados com misses e comrcio na ndia e
terras mais alm. Essas atividades logo produziram uma literatura que, pelo seu tamanho
e mrito, se igualou s mais recentes narrativas dos Plos e seus compatriotas. A
data precisa da chegada dos primeiros rabes na China no conhecida, mas podese calcular que no ocorreu muito depois do incio do sculo VIII, porque no ano de
758, no porto de Canto, eles tinham nmero suficiente para atacar e pilhar a cidade.
No mesmo sculo, os rabes tambm comearam a comerciar com o Norte da China
por via terrestre, assim como por via martima. Porm, existiu um considervel intervalo
de tempo entre as primeiras imagens e as descries sistemticas das novas terras,
pois o relato mais antigo existente uma compilao datada da metade do sculo IX
e do incio do sculo X. A primeira parte dessa obra composta de uma reunio de
notas sobre a ndia e a China,18 baseadas na experincia pessoal, no caso da ndia,
e de informaes de outrem, no caso da China. Praticamente no existe informao
geogrfica relativa ao segundo pas nessa parte do trabalho, a no ser a meno ao
Tibet como um dos vizinhos a oeste da China e a presena de algumas ilhas
chamadas Sila- no leste do pas.19 A segunda parte da compilao foi escrita por um
18
Vide H. Yule-H. Cordier: Catai and the Way Thither (Hakluyt Society), Vol. I, p. 241 et seq.
19
Idrisi tambm fala dessas ilhas que parecem ser identificadas com o arquiplago japons,
embora Cordier afirme que a Coria seja igualmente uma alternativa. Vide op. cit. Vol. I, p. 131
note e p. 257 note.
150
certo Abu Said e notvel, inter alia, pelo seu conhecimento de Khamdan,20a capital
da China no sculo X, e a rota terrestre entre Sogdiana e a prpria China. De acordo
com o relato de Abu Said, a fronteira entre esses dois pases estava a dois meses de
jornada de distncia atravs de uma regio desrtica. A dificuldade de cruzar esse
deserto, assim afirmaram os seus informantes, por si s tinha protegido a China da
tentativa de invaso dos exrcitos muulmanos em Khorasan. Um amigo do autor
tinha contado a ele, porm, que viu um homem em Khanfu21 com uma saco cheio de
almscar s costas, tendo vindo a p por todo o caminho, desde Samarcanda.22
Mais metdico, mas ao mesmo tempo ambguo, o trabalho de Ibn Khurdadhbih
sobre a China, quase da mesma poca. Em seu livro Book of the Routes and
Provinces23,ele nos conta muito mais do que evidentemente verdadeiro sobre a
vida e o comrcio do pas. Assim como:
[em] Al Wakin que o primeiro porto da China24 ... voc pode encontrar o excelente
ferro chins, porcelana e arroz. Voc pode ir de Al-Wakin, que um grande porto, at
Khanfu em quatro dias por mar ou em vinte dias por terra. Khanfu produz todo tipo de
frutas, legumes, trigo, cevada, arroz e cana-de-acar ...Em todos os portos da China
voc encontra um grande rio navegvel afetado pela mar ...
25
20
Chang-ngan- hoje Si-ngan-fu em Shensi que foi a capital de vrias dinastias chinesas entre
os sculos XII A . C. e X depois de Cristo
21
Hanchow? Canto?
22
Vide J. T. Reinaud: Relation des voyages faits par les Arabes et les Persans dans lInde et la
Chine dans le IXe sicle chrtienne (Texto e traduo), Vol. I, p. 114.
23
24
Canto?
25
151
26
Pennsula de Shantung?
27
152
28
29
30
Fl. c. 1340.
31
De c. 960-c. 1280 a China era regida nominalmente pela dinastia Sung. Seu governo verdadeiro,
porm, estava confinado ao sul da China. O norte da China, entretanto, estava na sua maior
parte dominada pelos nmades da Mandchria. Foi durante este perodo que os nomes de Catai
e Manzi comearam a ser utilizados para denominar o norte e o sul da China, respectivamente.
Mantiveram-se sob o Imprio Mongol, eles foram adotados pelos ocidentais. Naquela poca
Catai cobria toda a China.
153
36
Embora Ibn Batuta esteja obviamente nos dando algumas informaes corretas
sobre essa poca, elas no estavam totalmente livres de erro, porque a China no
32
33
34
Khinsai?
35
Pequim.
36
154
tem nenhum rio que corre do norte para o sul, cortando as plancies de Kiang-su e
Shantung, mas apenas um canal que nenhuma pessoa que tivesse navegado por ele o
confundiria com um rio. Tambm muito confusa a idia dele sobre o interior da China.
Ele nos informa em outro trecho que l existe um rio chamado a gua da Vida que
nasce em algumas montanhas ... perto de Khan-Balik e corre atravs do centro da
China numa distncia de seis meses de viagem, at finalmente chegar em Sin asSin,37Canto. Novamente, afirma que os elefantes so usados como bestas de
carga em Catai um fato que levou um estudioso a concluir que Ibn Batuta nunca
tivesse ido China.38Mas deve-se ter em conta que Batuta nunca afirmou ter visitado
todos os lugares que descreveu.
Supondo, e no parece improvvel, que ele visitou apenas as costas da China, o
seu erro sobre o interior parece compreensvel, pois pela sua anlise equivocada das
informaes chinesas (e nem sempre verdadeiras) era fcil confundir o sistema do
Grande Canal que ligava o Hwang-Ho e o Yang-ts Kiang com o sistema hidrogrfico
que corria na direo norte-sul. Sendo assim, no h dvida quanto autenticidade
da maioria das suas viagens. Como j vimos em relao frica, as descries de
Batuta sobre esse continente tm toda a aparncia de exatido e o mesmo
certamente verdadeiro sobre a ndia e mesmo sobre lugares que no devem ser
levados em conta, como as ilhas Maldivas.39
37
Ibid.: p. 282.
38
Vide G. Ferrand: Relations de voyages et textes gographiques Arabes, persans et turkes relatifs
al Extrme-Orient du VIIe au XVIIIe sicles. Vol. II, p. 433.
39
155
156
40
Um termo vago, porque na Idade Mdia existiam trs ndias, a saber, ndia Minor, ndia Major e
ndia Tertia, i.e. Sind, Hind e Zinj dos rabes. As duas primeiras se localizavam na sia, e a
ltima na frica (na Etipia).
41
42
Jibal na Sria.
157
eram chamados de Samiardes43 e tomou sua capital Ecbatana. Aps esta vitria o
presbtero Joo porque era assim que ele gostava de ser chamado avanou para
lutar pela Igreja em Jerusalm; mas quando ele chegou ao Tigre e no encontrou
meios de transporte para seu exrcito, ele seguiu para o norte, porque ele soube que
o rio naquela lugar ficava congelado durante o inverno. Aps ter ficado durante vrios
anos (sic) nas suas margens na expectativa de uma geada, ele foi obrigado a voltar
para casa.44
Falou-se mais tarde que o Preste descendia de uma raa dos Trs Homens
Sbios, tendo reinado sobre as mesmas naes que eles haviam reinado e que era to
rico a ponto de usar um cetro feito de esmeralda.45
A forte impresso que esse relato teve sobre os lderes da Igreja Ocidental foi
ultrapassada, vinte anos depois, pela circulao de uma carta que dizia-se ser
endereada pelo Preste Joo ao imperador bizantino Manuel I. Nela h a afirmao de
que o monarca reinava sobre as trs ndias e a descrio de seus poderes e suas
posses nos termos mais impressionantes. Ela comea assim: Joo, Padre pelo Todo-
43
Ou Sanjardes.
44
45
A identidade deste potentado foi objeto de muita controvrsia. A. dAvezac (Recueil de voyages
et de mmoires, publi par la Socit de Gographie, Paris, Vol. IV) e G. Oppert (Der Presbyter
Johannes in Sage und Geschichte) mostraram que ele deve ter sido Gur Khan, ou Kor Khan, que
teve um grande reino na sia Central, tendo como centro Balasaghun, uma cidade situada ao
norte das Montanhas Tian Shan. Em 1141 a ajuda deste soberano foi pedida por Shah de
Kharezm contra Sanjar, o senhor seljcida da Prsia que tinha expulso o Shah do seu prprio
reino e matado seu filho. O Gur Khan respondeu enviando um exrcito de turcos e outros e
derrotou Sanjar perto de Samarcanda. O principal obstculo para aceitar esta identificao
que Gur Khan no era cristo: na verdade ele era budista. (Mas de acordo com Sir Henry Yule
havia constantes confuses dos rumores entre estas duas religies como elas existiram na sia
Central; vide Cathay and the Way Thither: Vol. III, p. 22). Bruun, por outro lado, pensa que ele
encontra uma resposta melhor na indicao de um prncipe caucasiano do sculo XII, chamado
Joo Orbelian, que era cristo. Vide Yule-Cordier: The Book of Ser Marco Polo (3rd edition), Vol.
I, p. 232 et seq.
158
Poderoso poder de Deus e pelo poder de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei dos Reis, Senhor
dos Senhores ... A seguir, o escritor afirma que ele o maior monarca sob o cu, assim
como um cristo devoto. A carta trata finalmente da fama milenar de seu territrio:
O mel brota na nossa terra e o leite abunda por todo lugar. Numa regio no existe nem
venenos e nem coaxam os sapos barulhentos; no existem escorpies nem serpentes
rastejam pelo cho ... Numa das provncias corre um rio chamado Indo que, nascendo no
Paraso, estende-se por vrios canais por toda a provncia; e nele encontram-se
esmeraldas, safiras, carbnculos, topzios ... e muitas outras pedras preciosas.46
Citado na ntegra por Sir E. Dennison Ross em Travel and Travellers in the Middle Ages (editado
por A . P. Newton), p. 174 et seq.
47
Vide F. Zarncke: Der Priester Johannes in Iabhandlungen der phil.-hist. Classe der K. Schsischen
Gesell. D. Wissenschaften, Vol. VII, VIII, 1879, 1883. Oito deles esto no Museu Britnico, dez
em Vienna, treze em Paris e quinze em Munique.
48
Chronica Maiora, editada por H. R. Luard (Rolls Series, n. 57), Vol. II, p. 317-17.
49
Chronica, editada por W. Stubbs (Rolls Series, n. 51), Vol. II, p. 168-70.
159
cristo, de seu piedoso desejo de ter instruo na f e de possuir uma igreja em Roma
e um altar em Jerusalm. Ele achou isso impossvel, por conta da distncia e das
dificuldades do caminho, mandar qualquer um a nostro latere, porm poderia mandar
Filipe para lhe dar instrues.50No est escrito que Filipe tenha verdadeiramente
estado na corte de Preste, consta apenas que tinha ouvido os piedosos desejos de
sua majestade de conversar com pessoas ilustres no seu reino, as quais o mdico
tinha encontrado in illis partibus. A interpretao exata dessa ltima frase d margem
dvida. Sir Henry Yule, aceitando a interpretao da carta feita por Baronius a
verso de Hoveden de que o rei dos indianos, vulgarmente chamado de Pretejanni,
reino longe, distante e extenso sobre a Etipia, era o rei da Abissnia, de opinio
que a frase pode se referir ao Egito ou Palestina, onde Filipe pode bem ter se
encontrado com peregrinos abissnios. A fragilidade dessa controvrsia, como Yule
logo aponta, que a atribuio do ttulo de Preste Joo ao rei da Abissnia foi
provavelmente um negcio posterior. Alm disso, numa carta reproduzida por Matthew
Paris escrita pelo Prior Dominicano da Palestina em 1237 lemos sobre aquele cuja
prelazia se estende por toda a ndia Maior e o Reino de Preste Joo e outros reinos
mais prximos do sol nascente.51
Nada mais se ouviu sobre a lenda de Preste Joo, at 1221. Nesse ano vieram
notcias do Oriente de que um grande monarca cristo estava lutando contra os
50
Licet autem grave nimis videatur et laboriosum existere ad praesentiam tuam inter labores et
varia itineris locorum discrimina, et inter longas et ignotas oras, quemlibet a nostro latere
destinare... (traduo de Hoveden).
51
Vide Cathay and the Way Thither: Vol. III, p. 18 nota; tambm The Travels of Sir John Mandeville:
op. cit., p. 122.
160
muulmanos e destruindo-os. O nome que lhe atribuam era David, e alguns o chamavam
de filho, outros de neto do Preste Joo da ndia. Realmente, esse novo conquistador
era o imperador trtaro Chinghiz Khan. A iluso foi rapidamente destruda, contudo de
pouco serviu para sufocar os espritos daqueles que tentavam encontrar essa grande
monarquia. Papas e reis foram mais longe mandando missionrios franciscanos para as
tribos mongis. Enquanto esses mensageiros do Evangelho no encontravam seu
alvo, eles fizeram outras descobertas que, do ponto de vista da extenso das fronteiras
geogrficas, trouxeram uma grande compensao.
Essas descobertas so atribudas a dois frades, Joo de Plano Carpini e William
de Rubruck, pois foram os primeiros a irem por terra at a Tartria. Embora Carpini
nada fale sobre Preste Joo, refere-se a suposta piedade dos habitantes de Catai52que
diziam ter
As Escrituras do Velho e do Novo Testamento. Eles tambm registraram a histria das
vidas dos seus antepassados: e eles tm eremitas, e certas casas construdas aos
moldes dos costumes das nossas igrejas.
... Eles adoram somente um Deus. Eles adoram e reverenciam Cristo Jesus Nosso
Senhor, e acreditam na vida eterna, mas no so batizados. Eles tambm reverenciam
e respeitam as nossas Escrituras...53
52
Na narrativa de Carpini o reino do Norte da China chamado de Catai pela primeira vez.
53
The Voyage of Johannes de Plano Carpini: Cap. 9 (in Navigations, Voyages and Discoveries,
1598-1600. Edio de Richard Hakluyt). N.T. Edio mais moderna: The Story of the mongols
whom we call the Tartars. Giovanni Di Plano Carpini: Travel. Erik Hildinger. Boston: Brauden,
1996.
161
54
55
Fl. c. 1270-1300.
56
162
57
Em 1300.
58
59
Vide Mirabilia descripta per Fratrum Jordanus, editado por Coquebert-Montbret in Recueil de
voyages et de mmoires, publi par la Socit de Gographie, Paris: Vol. IV. 1839, p. 57-58.
Jordanis de Severac, ao fazer de Negus da Abissnia o monarca mais rico e mais poderoso do
mundo que recebia a homenagem de 52 reis e ao mesmo tempo seguia alguns princpios
cristos, conseguiu ressucitar a antiga lenda e dirigir a ateno do Ocidente para o trabalho de
cooperao com Preste na tentativa de derrotar a aliana egpcia-asitica do poder muulmano.
Ver tambm Cronica, de John Marignholli, c. 1355.
60
61
163
62
Vide infra, p. 190. Entretanto, Pedro de Abano escrevendo c. 1300 foi suficientemente corajoso
para intitular Polo como o maior viajante e mais atento pesquisador que eu conheci. Vide
Conciliator differentiarum philosophorum et precipue medicorum, traduzido por H. Yule: op. cit.,
Vol. I, p. 120.
63
Apareceram, pelo menos, vinte e nove publicaes das Viagens de Mandeville, contra cinco de
Polo, antes de 1500. No existiu uma edio na lngua inglesa antes de 1579. Excetuando a
referncia de Roger Bacon (vide ante, Cap. 4), as viagens de Rubruck ficaram at ento
esquecidas, trs sculos depois Richard Hakluyt reparou esta injustia.
64
O Rabi Benjamim de Tudela visitou as comunidades judaicas nesta cidade c. 1173. Vide The
itinerary of Benjamin of Tudela, organizado por A. Asher, p. 93 et seq. William de Rubruck,
porm, fala de certos frades predicantes que visitaram a terra de Pascatir uma regio ao
norte cheia de florestas, (Sibria Ocidental?) antes dos trtaros virem do estrangeiro. Vide
Journal, op. cit., chap. 23. N.T. O Itinerrio de Tudela compe um dos relatos do livro Jewish
Travellers in de Middle Age: 19 Firsthand accounts, de El Kan Nathan Adler: New York, Dove,
1987. p. 38-63.
164
Dez anos mais tarde, Nicolo e Maffeo Polo, usando a mesma rota, chegaram na capital
de vero do grande Khan, na montanha da regio rural de Pequim. Ainda mais
notvel, voltaram para contar a histria. Todavia, mesmo esse feito foi sombreado
pelo Polo mais jovem, Marco, que durante vinte e quatro anos viajou pela sia,
percorrendo no menos de 30.000 milhas, 10.000 a mais que qualquer europeu
havia percorrido at ento.
Esses homens, diplomatas, comerciantes e missionrios no foram apenas grandes
viajantes, foram grandes observadores. Suas narrativas esto cheias de descries
que so, por si mesmas, honestas e sem enfeites, nota-se uma extraordinria qualidade
quando lembramos dos padres indiferentes da literatura de viagens mais antiga,
negligente com a verdade, e a popularidade dos livros de maravilhas da poca.
Do ponto de vista da geografia fsica, tais expedies foram muito importantes
por causa da descoberta do sistema do complexo montanhoso no corao da sia.
Nas obras dos ltimos viajantes, o Tian Shan, o Pamir e o Hindu Kush so descritos
claramente e tem-se a orientao aproximada. At ento, havia prevalecido a idia
clssica de uma nica cadeia na direo leste e oeste cruzando o continente. Mesmo
Rubruck, que no foi alm, quando na vizinhana das montanhas de Tian Shan perguntou
que montanhas eram aquelas e pela resposta recebida entendeu que eram as
montanhas dos Cucasos que seguem adiante e continuam nas duas partes at o
mar, do oeste at o leste65... O Deserto de Gobi era o que mais atraa a ateno na
65
The Texts and Versions of ... William de Rubruquis, editado por C. R. Beazley: p. 226.
165
66
Karakorum.
67
68
Pequim?
69
166
de caa, j que no inverno o frio to forte que nem os pssaros nem os animais
podem permanecer l.70
No aspecto hidrogrfico, a contribuio dos viajantes medievais ao conjunto
dos conhecimentos existentes no foi nem um pouco negligenciada, apesar da ausncia
de mapas e de instrumentos de pesquisa. Em tais circunstncias talvez fosse inevitvel
a ausncia de um tratamento sistemtico sobre os sistemas hidrogrficos da China.
Mas isso fcil de se explicar pela ausncia de noes corretas, ou mesmo aproximadas,
da sua orientao ou do seu traado. At mesmo Polo parece no ter escapado
totalmente do erro de Ibn Batuta ao supor que havia um sistema norte-sul principal,
pois falando do porto de Zaiton,71 diz que banhado por um rio que um brao
daquele que passa pela cidade de Kinsai.72 Ao mesmo tempo, ele nota que o Yangts-Kiang nasce nas montanhas alm do Sze-chwar73 e que o Hwang-Ho tem as
suas nascentes na sia Central.74 Nem ele nem os da sua poca souberam qualquer
coisa exata sobre o mais setentrional dos trs maiores rios o Si-Kiang.
70
Ibid., p. 134. Sem dvida, o melhor relato existente sobre a orografia da sia Central vem de
um Muulmano cujo trabalho annimo recentemente ficou disponvel para estudantes
ocidentais numa edio erudita intitulada Hudud al Alam (As regies do Mundo), traduzida e
analisada por V. Minorsky, publicada por E. J. W. Gibb Memorial, Novas Sries, Vol. 17, 1937. A
respeitada opinio do tradutor sobre este trabalho afirma que antes do sculo XIX ns devemos
procurar toa por uma descrio lmpida das cadeias da sia Central. Mas o trabalho no
parece ter influenciado a opinio daquela poca ou mais tarde, muulmana ou crist.
71
72
73
Ibid.: p. 235.
74
Ibid.: p. 272. O Hwang-Ho que, atualmente, quase no navegvel na sua parte mais baixa
devido fora da sua corrente, descrito por Polo como sendo um grande rio ... com uma
milha de distncia entre as duas margens e grande profundidade ...o que faz com que somente
grandes navios possam naveg-lo com segurana. Num lugar deste rio, em torno de uma
167
A honra da mais importante contribuio para a hidrografia da sia deve ser dada a
Rubruck pela sua redescoberta do verdadeiro carter do Mar Cspio. O rio Volga, ele diz,
Corre para um certo lago ou mar, que depois chamado de Mar da Hircnia ... Mas
Isidoro chamou-o de Mar Cspio ... Este mar ... cercado por montanhas em trs dos
seus lados, mas ao norte por uma plancie ... Um homem pode viajar em torno dele
durante quatro meses. E no verdade o que Isidoro afirmou, ou seja, que este mar
uma baa ou golfo saindo do oceano: porque ele em nenhum lugar se junta ao
oceano, mas cercado pela terra em todos os seus lados.75
milha de distncia do mar, existe uma parada para 15.000 embarcaes. Sua descrio do
Yang-tse-Kiang como o mais largo rio do mundo ...acima de cem dias de jornada [no
comprimento] ... [tendo] um grande nmero de outros rios navegveis que aumentam as suas
guas ... e mais de 200 [cidades e metrpoles] situadas nas s suas margens ... (ibid., p. 283)
essencialmente correta se descontarmos os superlativos.
75
The Journal of Friar William de Rubruquis (Edio de Richard Hakluyt), Captulo 20. O prprio
Rubruck passou apenas pelas margens norte e oeste do Cspio. Um amigo seu, Andr de
Longjumeau, tambm um frade e um enviado de S. Lus ao Grande Khan passou pelas margens
sul e leste.
76
77
Vide The Jounal of Friar William Rubruquis: op. cit. Cap. 2 et seq.
168
Figura 13. O mundo de acordo com Marino Sanuto, 1321. (Museu Britnico, Add. MSS. 27.376)
169
85
78
79
80
Vide Mirabilia Descripta per Fratrum Jordanum ...: op. cit., p. 42 et seq.
81
Vide Odorico: op. cit., Cap. 16 e Marignolli, in Yule-Cordier: op. cit., Vol. II, p. 309-94.
82
Vide Odorico: op. cit., Cap. 20. Polo fala de mercadores de Manzi (i.e. Sul da China) comerciando
em Quilon. Travels: op. cit., p. 377.
83
84
85
170
Nunca saldaremos a dvida com Polo pela maior riqueza de informaes sobre
as atividades econmicas dos povos orientais e sobre a cultura deles. Sua Viagens
, de fato, to rica em informaes sobre esses assuntos que difcil fazer uma
seleo mais cuidadosa. Para o estudante de geografia no so menos interessantes
os trechos em que ele descreve a extraordinria densidade populacional chinesa e
as formas empregadas para enfrent-la. Ela to grande que nenhum nico pedao
de terra fica inculto se pode ser cultivado.86 Felizmente a produtividade da terra
suficiente para as trs colheitas dos gros mais importantes: arroz, paino e
milho ... rendem, no seu solo, cem medidas por uma.87Duplamente sortudos so
aqueles que possuem um tipo de pedra negra que eles escavam nas montanhas
onde esto os veios, porque quando elas so acesas, elas queimam como carvo
vegetal e mantm o fogo muito melhor do que a madeira... verdade que no
existe falta de madeira no pas, mas a quantidade de habitantes to grande ...
que a quantidade no poderia suportar a demanda....88A densidade da populao
rural muito impressionou Plo. Todavia, ele ficou ainda mais perplexo com as
propores astronmicas das cidades. s vezes, o seu espanto tornava-se mais
extravagante, como no caso de Kinsai a cidade celestial, [um nome] cujos
mritos provenientes da sua proeminncia sobre todas as outras cidades do mundo,
do ponto de vista da grandeza e da beleza, assim como pelos seus prazeres
abundantes que podem levar os seus habitantes a pensar que esto no paraso.89
86
87
Ibid.: p. 209.
88
Ibid.: p. 215.
89
171
Mas existe alguma desculpa para isso se, como ele afirma, a cidade tinha mil milhas
de circunferncia,90 contendo dez grandes mercados centrais e cada um deles
permanecia aberto durante trs dias na semana e eram freqentados por uma
multido de quarenta a cinqenta mil pessoas,91 e abrigavam 1.6000.000 famlias.
luz destes fatos, no surpresa lermos que, como atualmente, a fome era
uma ameaa peridica estabilidade da vida na China. Para lutar contra ela, o Khan
enviava seus representantes a toda parte para
Descobrir se algum de seus sditos tinha perdido sua produo de milho por causa do
tempo, ou por chuvas ou ventos, ou por gafanhotos, ou ainda por qualquer outra
praga; e nestes casos ele no apenas suspendia a cobrana do tributo normal daquele
ano, como tambm fornecia a eles de seus armazns o trigo necessrio subsistncia,
assim como para semear a terra. Com esta viso, na poca de grande fartura, ele
mandava fazer grandes compras daqueles gros mais teis, que eram guardados em
armazns espalhados de acordo com as vrias provncias, e tratados com tanto cuidado
para proteg-los por trs ou quatro anos sem prejuzos.
92
90
Mesmo supondo que essas milhas fossem chinesas 1 li igual a 1.900 ps (NT: 0,30 m)
aproximadamente a circunferncia ainda enorme para os padres medievais europeus.
91
92
Ibid.: p. 212-13.
93
Ibid.: p. 214.
172
constante para ser agradecido ao Khan pela sua subsistncia, assim como pelas
casas de correios situadas em todas as grandes estradas, numa distncia de vinte e
cinco a trinta milhas.94Nem um pouco surpreso, Polo observou que mesmo nos
distritos montanhosos, afastados das grandes estradas, onde no existiam vilas e as
cidades estavam muito distantes uma da outra, sua majestade tinha igualmente
mandado construir casas do mesmo tipo, com tudo o que era necessrio...95
Vindo de uma famlia de comerciantes, como ele mesmo declara, Polo talvez
possa ser perdoado pela grande nfase que d s manufaturas orientais e artigos de
comrcio. No todo, menciona perto de oitenta produtos comerciveis diferentes. O
mais importante entre eles a pimenta, uma das especiarias mais cobiadas no
mundo medieval ocidental e a posse de poucas libras desse produto significava riqueza.
Ns bem podemos imaginar o pensamento de Polo quando soube que o despacho
dirio de pimenta de Zaiton apenas para a cidade de Kinsai era de quarenta e trs
cargas, cada carga formada por duzentos e quarenta e trs libras.96 Em todo lugar,
ligado com o comrcio de Zaiton, ele calcula que a quantidade de pimenta importada
to grande que o que levado para Alexandrina para atender demanda das reas
ocidentais do mundo insignificante em comparao, talvez no mais do que a centsima
parte.97Entre os muitos outros artigos a que Polo se refere, os de porcelana recebem
mais que sua cota de ateno, embora isso seja mesmo difcil de se entender por
94
Ibid.: p. 206.
95
96
Ibid.: p. 297.
97
Ibid.: p. 317.
173
parte de um veneziano. O mtodo dessa manufatura descrito por ele com detalhes,
assim como a manufatura do vinho, do papel, do ndigo, das roupas de l e dos
tapetes,98entretanto, num trabalho desse tipo no possvel mais que fazer uma
ligeira referncia a eles. Felizmente, Viagens encontrada em tantas edies que o
seu estudo no apresenta dificuldades.
Mas ainda no foi dito o suficiente sobre o carter e a qualidade dessas narrativas
asiticas. Seus autores eram essencialmente reprteres, quase sempre satisfeitos em
descrever o que tinham visto ou ouvido. Em alguns momentos parece que no
descrevem tudo o que viram. Por isso, uma anlise do livro Viagens, de Plo, sugere
que ele sonegou muitos dos fatos mais espetaculares das suas experincias orientais,
por medo, talvez, de despertar o desdm dos seus sofisticados compatriotas.99Por
exemplo, no h meno s Muralhas da China, embora esteja muito claro que Plo ao
menos as viu quando viajou ou mesmo percorreu-as por uma grande distncia.100
Tambm nada dito sobre os ps comprimidos das mulheres chinesas, ou sobre o
hbito de se pescar cormores e a imprensa e as letras peculiares da escrita chinesa.
98
99
Jacobo de Acqui, um contemporneo de Polo, escrevendo uma crnica confusa chamada Imago
Mundi afirma que o que ele [Polo] contou no Livro no foi tudo o que ele realmente viu, porque
as lnguas dos caluniadores que, estando prontos para impor suas prprias mentiras aos outros,
so muito apressados em classificar como mentiras o que eles, na sua perversidade, no
acreditam. E porque existem muitas coisas formidveis e estranhas naquele Livro que contam
com todos os crditos, os seus amigos pediram a ele, no seu leito de morte, para corrigir o
Livro removendo tudo o que estava alm dos fatos. Ele respondeu que no tinha contado nem
a metade das coisas que ele realmente havia visto. Vide Yule-H. Cordier: The Book of Ser
Marco Polo ..., Vol. I, p.292-4.
100
174
101
102
Ibid.: p. 379.
103
104
Vide H. Yule-H. Cordier: Cathay and the Way Thither, Vol. III, p. 246.
175
106
107
108
176
110
Fl. c. 1300.
177
prxima das indicaes da narrativa de Polo.111 Nenhum dos mais importantes cartgrafos
do sculo XV, Fra Mauro e Martin Behaim112, tiveram problemas para elaborar os itinerrios
(caso eles permitissem uma reconstituio), pois contentavam-se em combinar os traados
errados das autoridades mais antigas incompetentes. Paradoxalmente, o nico mapa que
fornece toda, ou quase toda, informao contida nas vrias narrativas data do sculo
XVI, poca em que j havia se tornado obsoleto.113
Diante deste marasmo no de se admirar que as conquistas da poca de Ouro
das Exploraes Medievais tivessem vida curta. Com a morte de Joo Marignolli, o
ltimo embaixador europeu em Pequim, essa poca teve seu final. Vinte anos depois,
a Peste Negra comeou a castigar o Ocidente, reduzindo a populao da Europa
praticamente metade, desorganizando a sociedade e paralisando temporariamente
a energia dos seus povos. Vinte anos mais tarde, a dinastia mongol, que j h algum
tempo mostrava sinais de fraqueza, caiu diante do poder emergente dos Mings. Os
novos monarcas da China voltaram tradicional poltica do pas e da em diante
mantiveram os estrangeiros a uma respeitosa distncia. Em virtude disso, os missionrios
e os comerciantes desapareceram do cenrio oriental.114 A escurido mais uma vez
111
H. Cordier de opinio que o conhecimento do cartgrafo sobre a sia Oriental foi totalmente
tirada de Marco Polo. Vide H. Yule-H. Cordier: Cathay and the Way Thither, Vol. I, p. 302.
112
113
Vide A . E. Nordeskiold: The Influence of the Travels of Marco Polo on Jacobo Gastaldis Map of
Asia, Geographical Journal, 1899, p. 296-406.
114
Os nicos viajantes europeus desta nova poca cujas obras sobreviveram, Clavijo e Schiltberger,
no entraram mais alm de Samarcanda (Vide as edies dos seus trabalhos feitos pela Hakluyt
Society). Mas est evidente nos seus trabalhos que um grande comrcios continuou entre a
China e a Rssia, e quando Clavijo estava em Samarcanda uma caravana de 800 camelos
chegou l vindo da China, trazendo seda, pedras preciosas, almscar, ruibarbo que eram trocados
com os comerciantes russos por peles e linho.
178
cobre a face do Oriente e Manzi e Catai esto fora da viso europia. At mesmo a
suas lembranas comeam a se turvar.
Entretanto, cometeremos um erro ao supor que essas calamidades anularam os
conhecimentos dos exploradores asiticos. Os resultados imediatos sobre a teoria
geogrfica foram pequenos. Os resultados das misses religiosas certamente no
foram surpreendentes, mas a vitalidade dos boatos e das narrativas no foram
rapidamente dissipadas nem foi logo esquecida a memria do lucrativo comrcio das
especiarias e dos metais preciosos. Pelo contrrio, essas coisas serviram, de alguma
forma, para estimular alguns povos deserdados na procura de caminhos alternativos
para as ndias.115 Foi to grande o efeito psicolgico da descoberta do Extremo
Oriente que dificilmente exageramos ao dizer que ela contribuiu mais que qualquer
outro acontecimento medieval para a mudana do Weltanschauung da civilizao
europia. Embora a substituio da era terrestre da histria humana pela era ocenica
no tenha ocorrido antes do sculo XV, uma leitura da literatura do sculo XIV e XV
torna isso bvio, e que a transio da perspectiva que via o mundo inteiro subordinado
ao Mediterrneo para outra que no admitia limites ao oikoumen, pelos menos, tinha
suas origens nos dois ltimos sculos antes da poca de Colombo.116Cinqenta anos
de Catai tinham feito uma mudana maior na viso do mundo ocidental que toda a
poca da Europa medieval.
115
O nome Catai apenas, e raramente, encontrado nos livros-textos e mapas do sculo XV.
116
179
7
N
A GEOGRAFIA FSICA NA
IDADE MDIA
morar numa plancie, seguindo um hbito de vida adquirido, est interessado, por
necessidade, no comportamento do rio que fertiliza as plancies. Afinal de contas, os
egpcios se perguntavam: por que o Nilo cobria as reas inundveis todos os veres
quando justamente a terra estava exausta sob um sol inclemente? Se as pessoas
vivem perto do mar, dificilmente podem se abster de especular por que as guas esto
sempre em movimento, ou qual a causa das mars e por que elas so salgadas.
Tambm a populao que infelizmente vive no raio de abalos ssmicos no precisa de
incentivo para se perguntar qual a causa dessas ocorrncias sinistras. Em resumo,
podemos dizer que o interesse nessa matria elementar e praticamente universal
como o homem. Alm do mais, isso foi um hbito que persistiu mesmo durante aquela
era de escurido na histria da humanidade, quando o interesse se tornou pequeno
mundialmente. Certamente foi o caso na Idade Mdia, quando era a exceo encontrar
181
182
desse tipo, o conhecimento da Idade das Trevas no era completamente livre dos
grilhes da interpretao bblica1. Quando as Escrituras falaram de coisas fsicas,
deixe Deus ser a verdade e todos os homens mentirosos.
O tpico bblico que causou confuso em muitas mentes dos Padres da Igreja foi
a declarao na histria da Criao de que Deus fez o cu e dividiu as guas que
estavam sob o cu daquelas que estavam sobre o cu ...2 No existia nada de novo
em acreditar em guas acima do firmamento, isso encontrado nas cosmogonias dos
egpcios antigos e entre os persas, assim como na literatura caldia, na qual era
tambm associada crena de um cu sob a forma de abbada. Contudo, isso
desapareceu desde h muito tempo das vises do universo propostas por Aristteles
e seus seguidores. De modo a racionalizar essa crena, alguns dos Padres chegaram
a imaginar montanhas na extremidade do firmamento e a afirmar que as guas eram
contidas nas concavidades e vales entre elas.3Outros pensavam que as guas no
eram para serem consideradas literalmente, mas apenas a gua sob a forma de vapor,
enquanto outros, incluindo Jernimo, Ambrsio e Beda, afirmavam que as guas eram
cristais. Agostinho foi mais sbio entre todos os da sua gerao e simplesmente
preferiu uma reunio das vrias vises que havia sobre o assunto.
Foi uma prtica comum para os escritores tratar esses assuntos na ordem em que foram
primeiramente mencionados no Gnese. Isidoro no seu menos conhecido tratado sobre os
fenmenos fsicos, intitulado De Natura Rerum, trata, sendo o primeiro de todos, dos perodos
de tempo (i.e. cronologia), e dos cus (i.e. astronomia, ao qual dedicada poucos captulos na
parte de meteorologia), seguido pelo mar (oceanografia) e as terras secas (fisiografia).
Gnese i. 7.
Vide Gregrio de Nazianzus: In Hexaemeron Liber in Migne: Patrologia Graeca, Vol. XLIV, cols.
89-90.
183
184
METEOROLOGIA
CLIMAS
185
Mas para que no imaginemos que observaes desse tipo sejam tpicas da
meteorologia popular da poca, s precisamos nos referir ao tratado de Agobard,
um arcebispo de Lion do sculo IX, intitulado Liber contra insulsam vulgi opinionem de
grandine et tonitruis (Contra a Opinio Absurda e Vulgar em relao ao Granizo e
Trovoadas)8. Nele, o escritor ataca os charlates que afirmam poder controlar o
tempo (weather), produzir tempestades e granizo atravs da vontade. O pobre
mundo ele declara, est sob a tirania da tolice; cristos acreditam em coisas to
absurdas que ningum antigamente poderia levar os pagos a acreditar nelas. A
viso geral na Idade Mdia, sancionada pelos papas e compartilhada pelos poetas,
pintores e padres, raramente era, entretanto, menos tola.
Vide J. P. Migne: Patrologia Latina ..., Vol. CIV (tambm R. L. Pole: Illustrations of the History of
Mediaeval Thought, p. 40 et seq.).
186
10
11
12
Ibid.: XIII, 8.
13
187
com a altitude, deduziu que a influncia do sol no ar mais denso das baixas altitudes
muito mais potente que no estrato rarefeito mais acima.
Embora o calor seja emanado do sol, que pela natureza das coisas quente, ele no
pode aquecer nada at se misturar com a umidade, o que se transforma na sua
prpria natureza. Por isso, nas montanhas, porque o ar rarefeito pela sua grande
distncia da[superfcie da] terra, ele no pode ser aquecido pelo sol; ao contrrio,
como resultado de sua leveza, levado aqui e ali e consequentemente esfriado. Nos
vales, por outro lado, porque o ar denso e, portanto, quase parado, rapidamente
aquecido e torna-se quente.
14
Mas se a atmosfera se torna cada vez mais rarefeita com o aumento da altitude,
por que as camadas mais elevadas eram freqentemente mais nubladas que a dos
nveis mais baixos? Esta questo William de Conches respondia acertadamente ao
afirmar que as nuvens no eram compostas de ar de maior densidade que o ar das
partes circunjacentes da atmosfera, mas de vapor dgua que surge dos vales
(trazendo mais calor) e condensado em nuvens e neve ao entrar em contato com
o ar mais frio da atmosfera superior.15 Alm disso, destacava o fato de que esse
processo freqentemente levava s chuvas.16Notou tambm que pequenas rs e
14
De Philosophia Mundi: IV, 5 (in J. P. Migne: Patrologia Latina ..., Vol. CLXXII).
15
De Philosophia Mundi: IV, 5. Cf. Image du Monde: Cap. 15. Of Therthe groweth the rayn and
the clowdes also, as of a cloth that is weet and shold be dreyd by the fyre; thenne yssueth like
a smoke or fumee and goth upward. Who thenne helde his hande moyst and weet; yf it dured
longe he sholde appertly knowe that his hande were alle weet, and that water sholde droppe
and falle therof. And thus I saye to yow that in this maner growe ofte the clowdes and raynes
(Traduo de Caxton)
16
Vide E. W. Gudger: Rains of Fishes, Natural History (Journal of the Americans Museum of Natural
History), Vol. XXI, 1921, p. 607-19.
188
peixes caam com as gotas de chuva durante os furaces e deduziu a partir deste
fato que o vapor dgua deveria ter vindo da superfcie de lagos, brejos ou rios.17
Para o estudioso medieval, o objeto da chuva nunca estava muito afastado do
Dilvio (da Bblia). Ele poderia prontamente entender enchentes numa escala normal,
embora no fosse necessrio supor que ele entendesse o fenmeno fascinante do
clima chuvoso ao qual estava acostumado: mas, como poderia a totalidade do
oikoumen ser inundada de uma s vez e simultaneamente? E obviamente as guas
tinham inundado a Terra inteira, como disse Isidoro (e como concordavam seus
numerosos seguidores).
ns observamos a profundidade disto mesmo no presente, nas pedras que
habitualmente ns vemos e observamos nas montanhas distantes, que nelas tm
misturadas conchas de moluscos e ostras e tambm so freqentemente escavadas
pelas guas.18
Vrias hipteses foram levantadas. Pedro Abelardo citou a teoria a que ele
no defende de que era o propsito destas misteriosas guas acima do firmamento
suprir quelas guas.19Pedro Comestor20(Devorador) e Gervsio de Tilbury21acreditavam
que elas vinham tanto de debaixo da terra quanto do ar, uma viso que estava de
acordo com a afirmao do stimo captulo do Gnese todas as fontes de grande
17
De Philosophia Mundi: III, 6. Cum enim ... aqua vento sustollitur, contingit quod ranuculos et
pisces secum elevat, quibus ex naturali grandine descendentibus, stupent ignorantes.
18
19
Expositio in Hexaemeron, De Secunda Die, in Migne: Patrologia Latina, Vol. CLXXVIII, col.
743-4.
20
Historia Scholastica, Liber Genesis: cap. 34, in Migne: op. cit., Vol. CXCVIII, cols. 1045-1722.
21
189
22
23
24
Cf. Image du Monde, II, 29, que retirada da obra De Philosophia Mundi: The wyndes renne
round aboute therthe oftymes and entre counte and mete in som place so asprely that they ryse
upon heyght in such wyse trat they lyft up thayer on hye. And thayer that is so lyft and taken
from hisplace remeveth other ayer in suche facion that it reterneth as it were afterward, and
gooth cryeng and brazeng (=braying) as water rennyng; for wynde is none other tryng but ayer
that is meuyd so longe tyl hisforce be beten down with the stroke. Thus come ofte clwdes,
raynes, thondres and lyghtnyngs ... (traduo de Caxton).
190
25
O seu argumento, que tem o seu mrito, diz o seguinte: Si in duabus refluxionibus ad
septentrionem vergentibus, Boreamque praedicto modo generantibus contingat, quod orientalis
ex aliquo accidente sit velocior, ultra medium septentrionem et occidentem occurrit, nascituurque
ventus collateralis, inter Boream et Zephyrum. Si vero, ultra medium septentrionalis orientali
occurrit, fit ventus collateralis inter Boream et Eurum De Philosophia Mundi: III, 15.
26
27
191
28
29
De Philosophia Mundi: IV, 6. Era por essa razo que os antigos tinham o hbito de fazerem as
suas salas de jantar voltadas para o sul ou para o norte, e ento poderiam jantar na sala
voltada para o sul no inverno, e na voltada para o norte no vero. Ibid.
30
Ibid.
31
Os conceitos dos quatro elementos (terra, gua, ar e fogo) e as suas propriedades (seca,
mida, fria e quente) eram frteis em todos os ramos da cincia natural medieval. E so baseadas
nelas que as estaes (e freqentemente os ventos) eram ordinariamente explicadas. A
primavera composta de umidade e calor; o vero, de fogo e seca; o outono, de seca e frio; o
inverno, de frio e umidade. Vide Isidore: De Natura Rerum, VII, 4.
192
33
193
34
35
36
194
dessas influncias, como, por exemplo, quando Alberto relaciona aspectos do oeste,
do leste, do sul e do norte com calor, frio, umidade e seca, respectivamente, e
quando tenta traar as influncias da latitude sobre o trigo.37
Um sinal dos tempos ainda mais importante que as observaes climticas de
Alberto so aqueles feitos por William Merle38 e atravs dele temos o primeiro e
detalhado registro climtico de alguma durao. Seu tratado intitulado
Consideraciones teperiei pro 7 annis 1337-1344.39 um registro mensal do estado
atmosfrico passado. No ano de 1340, os detalhes tornam-se mais completos. So as
excees que atraem sua ateno mais freqentemente, o tempo quente em janeiro,
tempestades, neve, gelo, etc. A manuteno desse registro parece sugerir a composio
de um trabalho sobre fenmenos meteorolgicos. O objetivo de Merle, como ele coloca
no incio, duplo: conhecer os critrios do tempo no futuro (previso) e reunir o
material necessrio para esses critrios. O trabalho destina uma importncia mnima
s supersties populares em relao aos sinais aceitos como prognsticos do tempo.
Na sua ateno s condies pretritas como fontes das bases das condies futuras,
ele est mais prximo do moderno que do perodo medieval.40
37
38
Um pouco conhecido escritor do sculo XIV. Ele descrevese, no ttulo de seu trabalho, como
socium domus de Merton.
39
40
Lynn Thorndike: History of Magic and Experimental Science, Vol. III, p. 144. Existe um trabalho
quase da mesma poca sobre meteorologia feito por Evno de Wnzburg: mas primordialmente
uma compilao de regras de previso do tempo, e diferentemente do trabalho de Merle no
est baseado numa compilao de registros do tempo. Ver tambm A Meteorological Chronology
to A.D. 1450. De C. E. Britton, Geo-physical Memoirs (Meteorological Office, Air Ministry), N
70. 1937.
195
OCEANOGRAFIA
Aqui, como em outros ramos do conhecimento, o estudioso da cristandade
medieval estava se arriscando caso desprezasse as crenas da Igreja. Embora a Bblia
tivesse pouco a dizer nessa esfera, como em outras, o que estava dito era considerado
de suprema importncia no seu contexto. Isso porque a declarao sobre a histria
da Criao, de que Deus havia juntado todas as guas num s lugar,41havia sido
construda para significar que as guas sob o firmamento ou nos reservatrios
subterrneos, oceanos, lagos, rios ou na atmosfera estavam ligadas entre si. A grande
autoridade, que era S. Agostinho, tinha declarado que isso significava que todas as
guas teriam vindo de uma s fonte. Isidoro denominou essa fonte de abismo,
reafirmando que todas as guas e torrentes retornam por canais secretos ao abismo
de onde vieram42. Ainda mais, esse ponto de vista estava de acordo com as
observaes do Pregador no Livro do Eclesiastes: todos os rios correm para o mar,
ainda que o mar no esteja totalmente cheio: at o lugar de onde os rios vieram, para
l eles retornam novamente43. no ficamos surpresos em ver que isso era endossado
pelos estudiosos medievais. Pedro Abelardo, Pedro Comestor (o Devorador), Hugo de
S. Victor, William de Conches, Bartolomeu Anglicus e o autor do annimo De Imagines
Mundi estavam entre aqueles que concordavam com isso. Este ltimo escritor,
argumentando sob a forma de analogia, afirmava que em funo dos vasos sangneos
41
Gnese, i. 9.
42
43
I. 7.
196
penetrarem em todas as partes do corpo humano, era razovel supor que a terra
estivesse crivada de canais e de cursos subterrneos.44At mesmo Frederico II no
teve dvidas sobre isso. Ns sabemos que todas as guas vm do mar, e passando
por diversas terras e cavidades retornam ao mar que o leito e receptculo de todas
as guas correntes.45
No havia um consenso em relao distribuio geogrfica das terras e das
guas. A opinio era profundamente dividida entre as teorias ocenica e continental.
A primeira sustentava que o oikoumen era cercado pelas guas e, de acordo com
isso, desfrutava do apoio dos ortodoxos, na medida em que se acreditava estar em
conformidade com as Sagradas Escrituras, [Deus] estendeu as terras sobre as
guas46. Mais existiam vrias concepes relativas ao tamanho do oceano ou oceanos
que cercavam a terra habitvel. Abelardo, por exemplo, disse que toda a superfcie da
terra, exceto o oikoumen era coberto por gua.47Enquanto o autor do Lumen
Animae no sculo XIV (?) afirmava que o mar mil vezes maior do que a extenso das
regies habitveis, e que os astrnomos haviam provado isso, Joo Calderia de
Veneza48 concordava com o ponto de vista de Abelardo que era bastante comum
44
All in lyke wyse as the blood of a man goth out and yssueth in somme place, all in lyke wyse
renneth the water by the vaynes of therthe and sourdeth and spryngeth out by the fontaynes
and welles ... (Traduo de Caxton do Mirrour of the World, II, 19)
45
46
Salmo CXXXVI. 6.
47
Expositio in Hexaemeron, De Tertia Die, Migne: Patrologia Latina: Vol. CLXXVIII. Ao comentar
sobre as palavras em um lugar Abelardo afirma: Id est cedentibus aquis in unam partem
terrae, altera detecta est, sicut scriptum est: Qui fundavit terram super aquas. Quasi enim
globus ita in aquaconstituatur, ut una pars ejus superemineat, ita ille globus terrae in aquis
insedit, ut ex parte eum mare contingeret, et per venas ejus se infunderet, unde nobis vel
flumina nescerentur.
48
Fl. c. 1450.
197
49
198
Uma grande terra que se estendia [desde] 70 ao Norte do equador ...[at] 28 1/2
no outro lado do Equador ...Sua grandeza e extenso em ambos os lados no se viu
ou se conheceu o seu final, por isso certo que ela corre em torno de todo o globo.50
50
51
52
199
guas era um problema insolvel, enquanto William, o Breto, era de opinio que s
Deus entendia disso e que nenhum homem poderia entend-lo nem naquela poca e
nem em tempo algum. Para ns que vivemos nosso destino aqui em baixo, basta
conhecer o fato; no nos permitido conhecer as suas causas.53 Porm, existiram
mentes mais curiosas que se recusavam a aceitar esse tipo de paralisia intelectual.
Estes homens se dividiram em dois campos: os que defendiam as hipteses astrolgicas
e os que defendiam as hipteses fsicas. O primeiro, Roberto Grosseteste,54 atribuiu
s mars a influncia da lua e fazendo isto gozou da companhia de Posidnio, Plnio e
outras autoridades clssicas. O segundo, Lambert de S. Omer, atribuiu s mars
causas terrestres como o impacto das correntes ocenicas. Existiram alguns que,
porm, no consideraram nenhuma das duas totalmente adequadas. Abelardo e William
des Conches55 estavam entre eles: suas solues eram a de casar as duas teorias
cujos resultados eram originais, ainda que insatisfatrios. Nas palavras de Abelardo:
Eu admito os recuos (refluxiones) e no nego os seus impactos; mas eu no aceito
que eles corram juntos ou que entrem em conflito violento. A causa disto eu tomo da
situao da terra: porque os canais do mar so fortemente impulsivos em se encontrar
com outros e correrem junto, ainda que isto ocorra pela interposio das montanhas
e de alguns lugares elevados da terra que nas suas vazantes traam este curso
particular. O resultado que eles so refreados pelas suas posies ao ponto em que
eles so empurrados pelos seus movimentos naturais e herdados ...56
53
Gesta Philippi regis Franciae (organizado por H. F. Delaborde): VI, 550-1. Ele , de fato, como
que preparada para acreditar que as mars causam o movimento da lua e vice-versa, porque
o mar foi criado antes da lua (ibid.: VIII, 73-7).
54
55
56
200
Infelizmente, nem William nem qualquer outro de seus defensores explicou como
ocorria essa oscilao. O papel da lua plenamente aceito por ele, mas o melhor que
ele pode fazer em relao diferena entre a mar de quadratura e a mar de sizgia
supor que isso ocorre em funo das variaes do poder da lua em aquecer e esfriar
a atmosfera. Argumentando que ocorre um mnimo tanto na lua cheia quanto na nova,
capaz de explicar a ocorrncia das mars de sizgias nessas ocasies, mas por que
isso ocorre no mnimo, ele ficou nos devendo a explicao.
Giraldus Cambrensis (146-1222) inventou uma teoria ainda mais engenhosa,57
unindo astrologia a Macrbio, ou seja, a corrente do oceano, aspectos e a teoria
do redemoinho (baseada na de Paulo, o Dicono),58que supunha a existncia de
quatro grandes vrtices nos confins opostos da terra, na direo dos quais existiria
uma corrente de guas vindo de todos os lados, at que, lanando-se nos nichos
secretos da natureza, elas so tragadas pelo abismo.59 Roberto de York, ou o
Prescrutator, como ele prprio se intitulava,60tem a opinio invulgar de que a
influncia da lua nas mars sentida apenas na stima climata, i.e. na parte mais
setentrional do mundo habitvel. Em outras partes o mar no reage, mas resiste,
em suas palavras, lua.61Ele tambm argumenta que essa teoria explica a causa
57
58
59
60
Fl. c. 1326.
61
Vide M. S. (sem ttulo) na Biblioteca da Universidade de Cambridge: 1i, i, 1, fol. 24r, cols. 1-2.
Liquet ex predictis occeani tantum partes que latera superfluunt climatis septimi dominio lune
obedire; reliquum mare rigidum stare rebelle.
201
62
O raciocnio no fcil de ser seguido. Traduzido literalmente, o trecho referido lido assim:
Quando a lua se aproxima do leste da Stima Climata, ento o litoral do mar retrocede (exeunt)
do leste na direo oeste e do oeste na direo do leste de acordo com a fora do poder da lua
porque a influncia da lua numa parte da terra (pelo motivo do fato de que a rea de terra
contnua) penetra (interfluit) rapidamente, num e no mesmo momento, em todas as partes
remanescentes da terra; e com toda essa grande fora porque as outras regies do mar no
respondem [ atrao lunar], enquanto as regies da terra formam uma obstruo como
vista quando a luz do sol refletido atravs de um objeto opaco numa direo oblqua. bvio,
por isso, porqu, num modo similar, as mars vazantes do mar fluem fortemente e
simultaneamente contra suas praias no leste e oeste de modo que encontre uma sada. Do
mesmo modo, quando a lua est na direo oeste, a mesma coisa acontece se quando ela est
no leste porque atrai as guas que no podem correr de acordo com o seu curso da lua como
quando est no leste, porque, como foi dito, o resto do mar movido de maneira contrria. A
ao da lua , ento, ao contrrio (refletctitus) e o mar agitado pela ao reflexa [como uma
extenso] que se levanta muito acima da terra o que bvio que sua prpria mar baixa e
fluxo (reflexio) no rejeitada (repudietur) ... A partir disso poder ser visto como rodamoinhos
vm a se formar no oceano, um no leste e o outro no oeste ...
63
64
202
no comportamento das mars est disponvel numa tabela de mars do sculo XIII,
preservada no Museu Britnico,65 dando a hora do fllod at london brigge (N.T. do
fluxo da ponte de Londres) para cada dia do ms lunar e tambm as horas de luar.
A questo da salinidade do mar oferecia pouco espao para controvrsias. Fora
algumas poucas conjecturas ingnuas (nave) como aquela feita por Alexandre Neckam66,
e repetida pelo autor da Image du Monde de que a salinidade era devida constante
diluio de montanhas salgadas nas profundezas do oceano,67a opinio geral era a de
Abelardo, literalmente, de que o calor do sol e dos planetas era a maior causa.
O verdadeiro oceano corre atravs da zona trrida e central, e isto atravs da
mesma zona, embora indiretamente, em que os planetas tm a sua rbita: e como
um resultado do grande calor das estrelas, o prprio mar necessariamente aquecido
e consequentemente se transforma em sal. Um fato que sustenta esta teoria , que
em distritos beira-mar prximos ao oceano, a gua dos mar quando evaporada pelo
sol sobre as rochas est sem nenhum processo artificial se transformando em sal.68
66
67
Part II, Cap. 23. A traduo de Caxton do seguinte trecho: Ffor in the see bem right grete and
hye montaynes and depe valeyes whiche bem ful of biternesses grevous and infected. And the
erthe whiche isin the bottom of thise valeyes scumeth for the heete os the sonne upward,
whiche medleth with the water in the depe in suche wyse that it draweth the saltnes up by the
hete of the sonne, so long til it be medlyd with that other ...
68
69
Existiam vrias.
203
II, d conta disso. As guas do mar so mais amargas porque elas so mais velhas
(do que as da terra) e no esto expostas ao calor do sol.70 No menos importante
foi a opinio de Gervsio de Tilbury de que o montante da evaporao das guas
equatoriais poderiam torn-las extremamente viscosas e ser um obstculo navegao
como as guas congeladas do Norte!71
FISIOGRAFIA
Durante os primeiros sculos da Idade Mdia, as explicaes dos livros-textos
dos fenmenos de fisiografia e geomorfologia eram meras reprodues, geralmente
muito imperfeitas, de argumentos empregados pelos Clssicos. As concepes fsicas
de Plnio e Plato eram especialmente populares no menores, talvez, porque elas
tenderam a confirmar, at onde a questo do carter subterrneo da terra era associada,
as concepes materialistas do Inferno, encorajadas pelos Padres da Igreja. Mesmo
no tempo do renascimento aristotlico os homens continuavam a imaginar se o porto
do Abismo estava nos vulces das ilhas Lipari e da Siclia ou na ilha ao Norte vista por
So Brando72e, mesmo no sculo XIII, um religioso declarou que tinha visto, de
fato, os portes do Inferno num lago na Itlia.73
70
71
Otia Imperialia: III, 40. Hinc enim, frigore congelatum sub septentrione, fit rigidum: illinc nimio
solis ardore spissatum, transeuntibus efficitur ab Euro ad Austrum et meridiem inmeabile.
72
73
204
Que seja dito em favor do nosso autor que teoria muito pior foi posta em relevo
nos sculos seguintes. A esse respeito, de fato (no que desejemos depreciar o
mrito do argumento), o ambiente do deserto dos rabes encorajava especulaes
desse tipo, porque atualmente se v o predomnio do poder da eroso do vento e da
gua nos climas ridos.
74
205
75
76
No sculo XIV, no entanto, o autor annimo do tratado sobre Metafsicas e Filosofia Natural
(preservado na Biblioteca Natural. Paris, 6,752) sugere que a terra deve, em certas partes, ser
to condensada pela ao da gua, ou frio, at deslocar outras partes pelo seu grande peso. Tal
condensao, ele admite, poderia ocorrer to gradualmente parecendo imperceptvel. Essa
noo de uma lenta deriva da crosta da terra e do seu interior ele partilhou com outros pensadores
do sculo XIV, como Alberto da Saxnia.
77
Mas talvez a inspirao dessa teoria foi clssica, pois Aristteles afirmava que os mares
mudavam de lugar ao passar dos sculos.
206
uma forte terremoto ou aos movimentos das guas que erodem as partes mais
moles da terra, deixando as partes mais duras como montanhas. Os lugares que so
muito erodidos tornam-se fundos de mares e leitos de rios. Sua explicao sobre os
terremotos um plgio da Meteorologica de Aristteles.78Devido a mistura do ar e
do fogo com a terra, a terra est oca em algumas partes e como uma esponja e os
ventos entram por esses buracos sacode e carrega partes da terra, causando
terremotos79 que por sua vez podem construir montanhas. A ligao sugerida aqui
entre o aparecimento de montanhas e terremotos foi aceita por praticamente todos,
mas poucos parecem ter associado a isso a atividade vulcnica. A maior parte dos
estudiosos, incluindo Hildegard de Bingen, Gervsio de Tilbury, Abelardo de Bath e
Bartolomeu Anglicus estavam satisfeitos em aceitar o veredicto clssico de que os
vulces eram causados pelos vapores e exalaes de dentro da crosta terrestre,
enquanto uma minoria argumentava que eles no eram devidos a causas puramente
fsicas, mas eram aparies ou pressgios enviados por Deus. Exatamente como os
vapores, etc., poderiam dar origem atividade vulcnica elucidado por Miguel Escoto.
Ele defendia que, em algum lugar nos confins da Terra, os ventos da superfcie da
Terra eram empurrados para o centro onde eles entravam em contato com rochas
78
79
C.d. Isidoro: Etymologiae: XIV, 1, iii. Outros consideram que a terra do formato de uma
esponja, e que parte dela caem em runas porque as partes superiores so sacudidas. O despertar
da terra tambm causado tanto pelo movimento das guas baixas, ou por trovoadas freqentes,
ou por ventos que arrebentam as partes ocas da terra. Neckam, Honrio e o autor da Image du
Monde, tambm concordavam com esse ponto de vista. Na obra De Mundi Constituitione (de
um autor desconhecido, mas inicialmente atribuda a Beda) o autor fala daqueles que dizem
que a terra contm o animal leviat, e que ele segura a sua cauda depois de se arrumar, o que
s vezes chamuscada pelo sol, e ento a terra sacudida pelo gesto de sua indignao...
Vide A. D. Withe: The Warfare os Science with Theology, Vol. I, p. 327.
207
80
Vide texto in C. H. Haskin Studies in the History of Mediaeval Science p,. 297. Sed cum
misericordia sit maxima in dispositione contituitiones mundi, hunc sulphurem et hos lapides
locavit inter terram proper melius, nolens quod mundus taliter destruatur, unde voluntate Dei
flamme dictorum locorum nec mundum destruunt nec loca sit propinqua ...
81
208
As guas foram criadas com a virtude inesgotvel de jorrar desde que o mundo
existe, e elas se movem pela terra como o sangue nas veias, a qualidade da gua
depende das rochas que ela atravessa, e o seu calor vem das rochas secas e quentes,
especialmente o enxofre.82
No sculo XIV, essa viso era oposta a de um certo John de Dondis83, que
afirmava que elas eram aquecidas pelos fogos e gases subterrneos. Os gases quentes
so vapores quentes gerados e elevados graas ao sol e as estrelas e ele justifica
esse argumento astrolgico lembrando aos seus leitores que Aristteles, no Livro
Primeiro de sua obra Meteorolgica, declara que os elementos devem ser guiados,
regulados e governados pelas estrelas.84Mas de Dondis no est inclinado a dar
muita importncia na explicao dessas relaes.
Eu aprendi atravs de longa experincia [ele afirma] que no existe aquilo que no
seja maravilhoso e que a afirmao de Aristteles verdadeira... que em todo o
fenmeno natural existe algo maravilhoso, ou muitas maravilhas... Ns nascemos e
vivemos entre maravilhas e cercados por elas, de maneira que em qualquer objeto
que se ponha os olhos, o mesmo maravilhoso e cheio de prodgios, mesmo que ns
o examinemos por uma nica vez.
Desse modo, de Dondis (ele fala pelo seu sculo) mistura sua credulidade com
seu ceticismo.
Os processos geolgicos de superfcie atraram pouca ateno na Idade Mdia.
Lugares comuns e elementos estveis da superfcie da Terra como colinas, vales e
82
83
Fl. c. 1380.
84
209
plancies no foram muito valorizados por aqueles que procuraram explicar os segredos
da Natureza. Uma plancie era uma plancie e um vale era um vale porque Deus assim
os construiu. Era mais o comportamento da excentricidade que da normalidade o que
era normalmente considerado digno de registro. O trabalho comum dos agentes qumicos
e mecnicos da eroso, consequentemente, no encontrava espao nos livros-textos
desse perodo. Mas rios com cursos subterrneos; rios da mesma fonte que corriam
em direes opostas (como se pensava que faziam); rios com regimes intermitentes;
rios com margens inundadas pelas mars; rios que mudavam seu leito; nascentes85e
fontes86 especialmente se lhes fossem atribudas propriedades mgicas; lagos
especialmente se a eles estivessem associados fatos importantes como o Mar Morto e
geleiras: suas caractersticas so comumente descritas e discutidas.
A crena medieval comum sobre os rios foi a de que eles no poderiam ser
entendidos como um simples resultado da precipitao, mas que eram alimentados
pelo mar e que a gua encontrada no alto das montanhas subia pelos poros na terra.
A idia, como muitas outras, no se originou na Idade Mdia. Com toda probabilidade
ela encontra sua origem na idia mencionada por Aristteles, mas por ele considerada
errnea,87de que o tamanho das cavidades subterrneas o que faz com que
alguns rios sejam perenes e outros no. Essa viso elaborada admiravelmente por
Ristoro de Arezzo, um escritor do final do sculo XIII.88Em comum com seus
85
A fonte em Munster, Irlanda, quando se aproximava qualquer ser humano, sempre ocorria uma
inundao de toda a provncia pela chuva. Vide Giraldus Cambrensis: Topographia Hiberniae,
II, 9.
86
87
88
210
89
Cf. Abelardo: Quaestiones Naturales, LVI. desde que nos intestinos da terra os rios dividem
seus cursos em vrios caminhos, isso pode fazer com que uma fonte possa entrar pela terra
que est bloqueada por obstculos por todos os lados, e est dessa maneira obrigada a ascender,
se caso exista uma sada: subindo sem parar, obrigada a sair na superfcie uma coisa que
voc pode verificar mesmo em trabalhos feitos pelo homem para represar a gua. (traduo
de Gollancz.)
90
Vide John Michael Albert de Carrara: De Constitutione Mundi, XI, 5,7. A mesma teoria ainda foi
aceita aqui e acol no sculo XVII. Vide Lynn Thorndike: Science and Thought in the 15th
Century, p. 203.
211
concepo de que as cheias eram o resultado das chuvas no hemisfrio Sul. Pacheco,
obcecado com a importncia da descoberta da rota do Cabo para as ndias, sugere
que elas se deviam s chuvas de vero na regio do cabo. Na sua estimativa, apenas
em poucos dias os efeitos se faziam sentir no Egito, pela rpida correnteza do
rio.91 Que tipo de gradiente o Nilo deveria ter para correr por 8.000 e tantas milhas
(N.T. 1 milha = 1.609,35m) que separam o Karroo do Cairo num perodo de tempo to
curto deixado para a nossa imaginao. A causa real das enchentes era conhecida
e analisada naqueles dias, como fica claro na obra Itinerrio de Benjamim de Tudela.
Nela lemos que
Pessoas que pesquisam qual a razo das cheias do Nilo, dizem os egpcios que elas
so causadas pelas fortes chuvas que caem no Pas da Abissnia, a Havilah da Escritura,
e ela elevada acima do nvel do Egito: isto fora o rio a extravasar o seu leito e
inundar todo o pas.92
Lo Africano, escrevendo bem no final do perodo (c. 1500), poderia ter contado
a Benjamim o quanto demorava para que as guas das cheias chegassem ao Baixo
Egito, literalmente, em torno de 40 dias.93
91
92
93
212
O ESTUDO
DAS
INFLUNCIAS AMBIENTAIS
213
de outra forma, tambm so frios e midos para produzir mais que modestas safras do
que quer que seja. Os solos vermelhos, ela sustenta, preservam um bom balano da
umidade e por isso so altamente produtivos.95Infelizmente, para os leitores de
inclinaes mais prticas, esta classificao raramente est de acordo com os fatos.
Algumas das mais valiosas e interessantes observaes feitas sobre o objeto
tratam da influncia do clima sobre as plantas e o homem. Por isso, William Merle, no
seu trabalho sobre meteorologia, dedica um captulo completo (um de doze) s causas
climticas, precedentes e concomitantes, da escassez das colheitas, especialmente
em certas reas da Inglaterra.96Entre outras coisas, so listados dez modos de
como a umidade pode produzir uma quebra de safra. E Giraldus Cambrensis, no
satisfeito com as explicaes comuns que circulavam sobre os climas do oikoumen,
antecipava a viso de que o Ocidente, com seu clima chuvoso e mido, era mais
saudvel que o Oriente.
Nesse pases [orientais] ... os cus nos aterrorizam com seus troves e o claro dos
relmpagos iluminam os nossos olhos. O sol intenso no nos d descanso. Se voc
comer demais, a morte est s portas; se voc bebe vinho sem diluir com gua, a
morte est s portas. Alm disso, o veneno ameaa por todos os lados ... Ns podemos
dormir seguros [na Irlanda] a cu aberto ... ns no tememos o vento nos aoitando
com o frio, derrubando as nossas foras com o calor ou trazendo a pestilncia consigo.
O ar que respiramos e que nos envolve, nos d seu auxlio benfico e salutar.97
95
96
97
214
Alm disso, ele nos oferece sua opinio de que a Irlanda possua o melhor clima
do mundo98 uma opinio que pode no ser endossada pelos seus habitantes, mas
que combinava extraordinariamente com algumas concepes do sculo XII. Tambm
se dizia que na Irlanda os homens viviam tanto que eles pediam para serem levados
para pases de climas menos saudveis para enfim poderem morrer!99 Na companhia
de Bartholomen Anglicus e de Gervsio de Tilbury, Giraldus vai ainda mais longe e
reafirma a viso comum entre os gegrafos clssicos de que as caractersticas dos
diferentes povos variam de acordo com as condies climticas.
Quanto mais prximo ...ns vamos para as regies do Oriente e de climas mais quentes,
... os povos, graas atmosfera mais brilhante, embora mais delgados, so de um
intelecto mais refinado. Por isto eles recorrem mais ao veneno do que violncia
para terem sucesso nos seus planos e atingirem seus propsitos, mais por suas artes
do que por seus braos. Mas quando ns chegamos s terras ocidentais do mundo,
ns encontramos o solo mais estril (sic), o ar mais saudvel, e o povo menos
inteligente [acute], mas mais robusto: onde a atmosfera pesada, os campos so
menos frteis do que a perspiccia.100
98
Ibid.: I,25.
99
Vide Popilius Azalus alis G. da Fontana: Liber de omnibus rebus naturalibus quae continentur
in mundo ... c. 1450, fols. 117, 140v.
100
Topographia Heberniae: I, 27. Cf. Gervsio: Otia Imperialia, II, 3. De acordo com as diferenas
do ar os romanos so srios, os gregos so volveis, os africanos dissimulados, os gauleses
ferozes, os ingleses possuem grande habilidade (ingenio potentiores) e os teutnicos so robustos.
101
215
calor. Por essa razo os homens do norte so altos em estatura e bonitos de corpo.
O vento sul, de outra forma, quente e mido. Por esta razo os homens das terras
do sul so diferentes dos do norte na estatura e na aparncia. Eles no so to
corajosos, nem to colricos, nem to furiosos... Mas as opinies estavam divididas
mesmo aqui. Joo Calderia (um fsico veneziano do sculo XV), por exemplo, empregando
toda uma srie de argumentos astrolgicos, calculou que as diferenas entre o sul e o
norte eram devidas ao fato de que a influncia das estrelas era mais fraca no sul que
no norte e que os signos do Zodaco eram menos afortunados. Por isso o Sul por
necessidade mais estril, mrbido e pestilento; o norte frtil, aprazvel e mais
saudvel. Ele fortalece essa controvrsia com um argumento baseado na natureza
do vento sul. Por causa da sua umidade, ele induz corrupo da matria e da mente.
Os homens do Sul, em funo disso, so selvagens, brutais, sem religio e
freqentemente canibais. Para piorar esta situao existe uma multido de espritos e
demnios l.102 Al-Masudi tenta explicar as anormalidades do negro perguntando se
o calor da faixa equatorial
Predispem no humor a tendncia de subir para as partes mais altas do corpo: ento
seus olhos so grandes, os lbios grossos, o nariz chato e grande e a cabea grande.
A constituio (OBS: crasis) do crebro est, por isto, fora de proporo e a mente
no manifesta perfeitamente sua ao; a exatido na clareza e ao da compreenso
so confusas.103
102
103
216
105
106
107
108
217
109
218
8
C
conhecimento possvel. Mas sua funo nem sempre foi essa. Na Idade Mdia, os
mapas-mndi e os mapas em geral desempenhavam geralmente outros papis alm
desse. Por exemplo, eles refletiam idias comuns da poca, inclusive as teorias quase
cientficas dos gregos, as mitologias pags e os sistemas de cosmografia crist.
Pouqussimos deles quase nenhum antes do ano de 1.400 refletiram a extenso
real do conhecimento da poca. Ainda que fosse grande o compromisso dos autores
medievais com a erudio clssica e clerical, dificilmente ela pode ser
responsabilizada pela inexatido comum dos mapa-mndi. Neles, as terras muito
conhecidas e bem descritas nos livros textos da poca so distorcidas e exageradas
at ficarem irreconhecveis.
Apesar disso, esses mapas so interessantes e possuem valor, pois preservam
as bases das concepes de mundo que cercavam os estudantes daquela poca.
219
Vide G. H. T. Kimble: Memoire on the Catalan World Map of the R. Biblioteca Estense at Modena,
p. 5, e Figura 9.
220
Figura 14 Diagrama das zonas na obra Imago Mundi de Pierre DAilly (?1480)
221
Sobre uma discusso das lendas medievais acerca de Alexandre, vide Lynn Thorndike: History
of Magic and Experimental Science, Vol. I, p. 551 et seq.
222
prncipes africanos, tenta ao mesmo tempo fornecer uma imagem atualizada do mundo
e resolver o antigo enigma da Africa nondum cognita. O mapa mundo de Borgia8,
praticamente da mesma poca, 1450, parece ter alguma coisa mais prtica, pois de
acordo com A. E. Nordenskiold, foi feito mais provavelmente para ilustrar contedos
dos elementos do globo, ou, mais corretamente, de geografia, das condies naturais
e de etnografia do disco terrestre.9 Ainda mais notvel, e a esse respeito parece ter
sido praticamente o nico entre os mapas medievais, o fato de que parece ter sido
feito, no por algum estudioso das antigas autoridades, mais ou menos clssicas, mas
pelo que havia visto e ouvido de um homem muito observador e muito viajado. Mesmo
ele, porm, no podia resistir tentao de atiar o paladar dos seus leitores, porque
preenche os espaos continentais inexplorados e vazios com todo o tipo de figuras
lendrias e tradicionais, inclusive o mago da histria do Evangelho.
Em vista da extenso do vis religioso por toda essa era, o uso de material
bblico e a busca de objetivos bblicos no so surpreendentes. Alguns mapas eram
executados para mostrar a extenso da f crist sobre a Terra. Esse motif est
claramente expresso num dos mapas de Beatus10 a cpia do Mapa de Osma (ano de
1203) no qual vemos uma srie de figuras dos Doze Apstolos, cada um no lugar onde
a tradio os havia colocado pelas suas pregaes e dioceses. Outros, como o mapa
Cotton, tinha como sua principal caracterstica o lugar das Doze Tribos de Israel.11
8
Vide Figura 8.
10
Denominado depois a um padre espanhol do sculo VIII que escreveu um ilustrado Commentary
on the Apocalypse. Entre as ilustraes estava um mappamundi que foi copiado, ou bastante
modificado com todas a transcrio do trabalho. So conhecidas cerca de dez cpias deste
trabalho. Vide Add. MSS. 11,695 (Museu Britncio).
11
Cotton MSS., Tib. B. v. fol. 58 (Museu Britnico). Vide tambm o mapa de Henry de Mainz que
acompanha o seu manuscrito do annimo (de Honorius de Autun?).
223
A influncia clerical sobre o conhecimento foi responsvel por duas das mais
importantes caractersticas do mapa mundo tpico; primeiro, a proeminncia dada aos
aspectos bblicos e topogrficos e, segundo, a sobrevivncia de certas tradies na
poca em que o conhecimento recente estava tornando-as insustentveis ou no
mnimo exigindo modificaes. O Paraso terrestre, por exemplo, era um componente
praticamente constante dos mappamundi. E o que seria mais natural? Os cristos
no ortodoxos na Idade Mdia duvidaram da existncia desse lar original da humanidade
como um fato da histria contempornea. Muitos escritores dedicaram extensos
captulos descrio dos seus encantos, embora nenhum de primeira mo! At
Mandeville, o mais romntico gegrafo da poca, confessa que no o havia visitado
por conta de no ter sido digno, mas que tinha tirado sua informao de um homem
confivel. Joo de Hesse (Hese) defende t-lo visto distncia no Extremo Oriente12
e John Marignolli foi convencido pelos nativos do Ceilo de que o Pico de Ado estava
apenas a 40 milhas de distncia do Paraso e que num dia claro era possvel se ouvir a
gua caindo do rio que saiu do den para regar o Jardim. So tpicas as descries
circunstanciais deste den terrestre que vieram da pena de Gervsio de Tilbury13 e
de Ranulfo Higden,14que se basearam principalmente nas opinies dos primeiros Padres,
de Agostinho, de Basil e Ambrsio. Mas a autoridade em que os fazedores de mapas
mais confiavam foi Isidoro, cuja afirmao de que o Paraso estava limitado por todos
12
Vide Peregrinatio Joannis Hesei. Ele (fl. c. 1380) tambm atribui uma localizao terrestre ao
Purgatrio, possivelmente baseado em Dante que nos fala que o Paraso Terrestre estava
situado no Hemisfrio Sul no topo do monte do Purgatrio antpoda a Jerusalm. Vide Apndice,
p. 335-339.
13
14
Op. cit.
224
os lados por uma muro alto de chamas... de maneira que o fogo chega at ao cu15
est vividamente descrito no mapa de Hereford. A fora da tradio era to grande
que este Jardim das Delcias, com os seus quatro rios correndo na direo oeste,
estava sendo ainda localizado no Extremo Oriente muito depois das viagens de Odorico
e dos Polos terem demonstrado a impossibilidade desse tipo de anomalia hidrogrfica16
e as dificuldades para a identificao de Catai com o Paraso, embora Andrea Bianco
(Bianchi), no seu mapa mundo de 1436, mostre o Paraso Terrestre fazendo divisa
com o Cabo de Comorin, enquanto os quatro rios so mostrados como nascendo do
centro da ndia um para norte do Mar Cspio, perto de Agrican, que o Astracan (o
Volga), o segundo na direo do sul do Mar Cspio, perto de Jilan (Araxes?), o
terceiro para o Golfo de Scanderoon (Oronte?), e o quarto o Eufrates.17
Outras histrias do Velho Testamento muito celebradas eram as da Arca de No,
a punio da esposa de Lot, a destruio de Sodoma e Gomorra, a passagem pelo
Egito e o xodo.18 Porm, de todos os temas que tiveram uma expresso pictrica,
poucos tiveram tanto sucesso quanto s terras de Gog e de Magog. A razo est
muito clara. Durante toda a Idade Mdia, geralmente se acreditou que os habitantes
dessas terras eram to poderosos que a nica coisa que os haviam impedido de
dominar outras naes teria sido uma imensa barreira19levantada por Alexandre, o
15
16
O problema criado por esta afirmao de que as nascentes dos rios eram, em geral, remotas foi
afastado ao se admitir que cada uma das correntes, ao deixar o Paraso, corriam por debaixo
da terra e reapareciam nas suas respectivas nascentes.
17
Muitas pessoas acreditavam na existncia real do den Terrestre muito tempo depois da Idade
Mdia. Sua localizao ainda era uma questo acadmica quando o bispo Huet de Avranches
escreveu o seu Tractatus de Situ Paradisi Terrestrii no sculo XVIII.
18
19
225
Figura 15 Mapa do Salmo Sculo XIII. (Museu Britnico. Add Manuscritos 28.681)
226
Grande, voltando da para casa, nas plancies desoladas em torno do Mar do Norte.
Desse lugar eles marchariam no final dos tempos, trazendo a morte e a destruio
para todas as terras da Cristandade. No sculo XIII, a antecipao desse tenebroso
evento anuviou os grupos dos intelectuais a tal ponto que at mesmo o mais ilustrado
deles, um telogo e sbio como Roger Bacon, recomendou o estudo da cosmografia
para determinar a data mais provvel em que essa invaso ocorreria.20 As profecias
de Ezequiel,21associadas s declaraes contidas no Livro das Revelaes,22deram
a base para que as Escrituras garantissem a crena.
O mesmo respeito excessivo para o tipo de expresso proftica no Velho e no
Novo Testamentos tambm explica a ocupao de Jerusalm (freqentemente dominada
no sculo XV) numa posio orbi-cntrica nos mapas-mndi.23 Isso particularmente
visvel no caso do mapa dos Salmos (Psalmer Map), do sculo XIII24 e no mapa de
Higden, do sculo XIV. Uma vez mais o Livro de Ezequiel nos d as informaes, pois
nele, lemos: Eu a coloquei no meio das naes e dos pases que esto em torno
dela.25 Essa razo pode muito bem ser utilizada para explicar a orientao oriental
da maioria dos mapas medievais apenas quando Matthew Paris produziu o seu mapa
da Inglaterra que o norte ficou no seu lugar e a representao dos lugares
20
21
xxxix, 2.
22
xx, 8.
23
Pelo menos at 1664 o eminente padre francs Eugene Roger ao escrever da Palestina, estendiase nas referncias do Antigo testamento no sentido de provar que o centro exato da terra era
um ponto marcado no cho da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalm. Vide La Terre Sainte: p.
89 et seq.
24
25
v, 5.
227
26
228
e.g. o mappaemundi de Reims (P. Mela MS.), c. 1471 e o manuscrito annimo do sculo XIII MS.
N. 4,126 (Sries Latinas) Nat. Bibl. Paris.
28
29
30
31
229
33
Op. cit.: Vol. I, p. 177. O trabalho de Konrad Miller Mappaemundi, die ltesten weltkarten (18958), ainda um trabalho exemplar sobre mapa-mndi medievais em geral.
34
Vide Four Maps of Great Britain, designed by Matthew Paris, c. 1250. Publicado pelo Museu
Britnico, 1928.
230
Figura 16 O Mundo De acordo com Andreas Walsperger, 1448. (Biblioteca Vaticana, Roma)
231
Para uma anlise completa destes mapas, vide J. B. Mitchell: Early Maps of Great Britain, em
Geographical Journal, Vol. LXXXI, p. 27 et seq.
232
The Book of Ser Marco Polo: op. cit., Vol. II, p. 312-13.
37
Vide Arbor Scientiae (escrito c. 1300), edio de Lyon, 1515, fol. cxci. Marinarii quomodo
mensurant miliaria in mari? ... Et ad hoc instrumentum habent, chartam, compassum, acum et
stellam maris.
38
Vide G. Sarton: Introduction to the History of Science, Vol. II, part I, p. 221.
39
40
Ordenanzas de las armadas navales de la corona de Aragon, aprobadas por el rey D. Pedro IV,
ao de 1354, Appendix n. I, p.2.
233
41
42
E. Nordenskiold afirmado que os lugares coloridos de vermelho, por exemplo, so, com excees
raras, os mesmos em todos os portulanos desde o incio do sculo XIV at o final do sculo
XVI.- Periplus: p. 18. Ele tambm tem mostrado que a respeito do contorno do Mediterrneo e
do Mar Negro, todos os portulanos so praticamente cpias do mesmo original.- Ibid.: p. 21.
234
qualquer original. Outra diferena que algumas cartas tm apenas 16 rumos (linhas)
para cada foco, como a Carte Pisane, enquanto outras tm 24 e at mesmo 32,
como a carta de Giovanni da Carignano mais ou menos da mesma poca, ano de 1300.
O modelo mais comum era o foco central, ou rosa (dos ventos), ser circundado por um
nmero de interconexes e rosas dos ventos subsidirias que poderiam ocupar os
pontos de cada octgono. Todas as linhas de cada rosa eram feitas at as margens
de cada carta. Com a ajuda destes cruzamentos, o piloto poderia determinar a posio
relativa dos lugares, mas apenas de modo aproximado.
A maneira de usar a carta portulano nos demonstrada num livro do sculo XVI,
intitulado The Boke of Ydrography.43Parafraseando a lngua arcaica, chegamos a
isto: selecione uma linha, prxima dos portos de sada e de chegada percorridos por
um dia, de modo que esteja mais perto possvel paralela linha (imaginria) juntandose os portos, comparando com as duas linhas divisoras: ento veja que a linha que
passa atravs do centro da rosa dos ventos est paralela linha selecionada e ento
obtm-se os pontos de apoio procurados.
Ns vemos ento que, todo o complicado sistema de linhas encontrado nestas cartas
reduzem-se a dezesseis conjuntos de linhas paralelas superpostas. Em cada um destes
conjuntos est uma linha que passa por um ponto aproximadamente do centro da carta.
As dezesseis linhas que passam por este ponto formam uma rosa dos ventos com os
seus 32 pontos; e deste a direo representada por qualquer uma das linhas na carta
determinada. De fato, o usurio da carta elege o conjunto de paralelas que est mais
prximo na direo do curso desejado e ento l o que escolheu do conjunto das linhas.44
43
Feito por Jan Rotz natural de Diepp, no ano de 1542. Vide o prefcio do autor.
44
N. H. de Vaudrey Heathcote: Early Nautical Charts, Annals of Science, Vol. I, 1936, p. 26.
235
Vide A. E. Nordenskiold: op. cit., p. 23. Esta a medida de distncia que Nordenskiold nomeou
de milha-portulano. Parece que prxima da legua dos catales.
236
237
mostraram uma louvvel restrio a esse respeito. Por isso, buscamos em vo por
aquelas criaturas fantasiosas as quais os cosmgrafos daquela poca enchiam os
continentes vazios. Ao mesmo tempo, esses homens no viam nada de estranho em
acreditar no Paraso Terrestre ou num sistema hidrogrfico que ligava um mar a outro.46
Isso porque a maior parte das suas especulaes eram de outro tipo e em geral
continham uma meia-verdade. Por exemplo, Lacus Nili o Pactolus de Estrabo e
o Palolus dos ltimos mapas que, no Atlas Catalo e em trabalhos posteriores est
localizado na vizinhana de Timbuctu, pode razoavelmente ser identificado com a
regio das cheias do rio Niger, acima daquela cidade. Tambm, no mapa annimo
datado de 1440, a presena, ao sul, de Palolus, da lenda Montanie del Lor, em que
as cinco fontes alimentadoras daquele lago tinham as suas nascentes, uma possvel
tentativa de mostrar as montanhas Fouta Djallon da (N.T. antiga) Guin Francesa.
Nesse sentido, no sem importncia que a cadeia de montanhas tenha cinco
tributrios, denominados Gmbia Superior, Faleme, Bafing, Tinquisso e Niger.
Em uma coisa o cartgrafo dificilmente poderia escapar da especulao, por
esta razo: a explorao das terras durante muito tempo tinha fugido das descobertas
ocenicas, e assim, em relao frica, por exemplo, muito mais era conhecido sobre
o Sudo no final do sculo XIV como vimos no captulo anterior47 do que era
conhecido da orla ocenica das mesmas latitudes. Os primeiros desenhistas insistiram
no corte do continente logo depois do limite do conhecimento do litoral, isto , nas
vizinhanas do Cabo Bojador. Fazendo isso, porm, eles se viram reduzindo a vasta
46
Vide Figura 9.
47
238
48
Vide Figura 7.
239
tipo. Nos restringiremos a um nico exemplo. No incio do perodo Catalo, o Rio del
Oro uma herana da geografia clssica era concebido desembocando no Atlntico
imediatamente ao sul do Cabo Bojador. Com a extenso do comrcio transaariano no
sculo XIV e o aumento do conhecimento geogrfico, o Rio del Oro foi empurrado, aos
poucos, mais para o sul, at que no Mapa Estense ele estava localizado aproximadamente
na latitude do sistema Senegal-Niger, que sem dvida se prope a representar.
Antes da metade do sculo XV, esse problema de harmonizao apresentou
uma srie de obstculos. A explorao martima tinha comeado, a duras penas, a
apresentar resultados enquanto a explorao das terras feita por Polo e por seus
contemporneos ainda no tinha produzido uma reviso sistemtica das idias correntes
da poca. Quando os resultados no combinavam com as idias, e geralmente ocorria,
era praticamente comum tais resultados serem distorcidos aps serem descobertos,
ou serem totalmente negligenciados. Ento, na sua geografia da Abissnia, Fra Mauro,
o grande cosmgrafo veneziano do sculo XV, mistura a narrativa de Polo com a teoria
rabe, e faz ambas combinarem com as noes topogrficas da Abissnia, as quais
tinha obtido de fontes em primeira mo. Mais uma vez, enquanto demonstra
conhecimento das viagens de Polo pela sia, Mauro nem mesmo alude natureza
peninsular do Sul da ndia, fato tcito nas narrativas de Polo.
Com o desenvolvimento das viagens martimas portuguesas no sculo XV e o
conseqente conhecimento do horizonte meridional, o problema da harmonizao
tornou-se cada vez mais srio. Cada cartgrafo atacava esse problema de novo, o
que dificilmente fazia com que dois mapas-mndi deste perodo nos desse a mesma
viso de mundo. Comparemos entre si os mapas Estense, Walsperger e o
240
50
241
Figura 17 frica De acordo com o Mapa-mndi Genovs, c. 1457. (Biblioteca Nacional, Florena).
242
Alm da linha equinocial Ptolomeu registra uma ilha desconhecida, mas Pomponius
[Mela] assim como muitos outros levantam uma dvida se possvel uma viagem
deste lugar at a ndia; [embora] eles digam que muitos tm passado por estas
partes da ndia para a Espanha ... especialmente Pomponius nesta ltima parte.
51
243
direo sul de novo at o limite do mapa, perto de onde lemos a observao noptolomaica que Em volta deste plo existem muitas criaturas maravilhosas, no apenas
animais, mas tambm homens. O prolongamento oriental do continente se estende
at a Java Insula, separado da sia apenas por um pequeno estreito, uma vez mais
nos traz de volta a verdadeira tradio ptolomaica, assim como a colocao das
nascentes do Nilo no corao da frica.
Assim, e para o resto do mundo, ele totalmente medieval no seu ponto de
vista. As fantasias correm soltas e os fatos so terrivelmente distorcidos. Dois lagos
do Nilo, o Lacus Maroys e o Lacus Affrorum, tm os seus tamanhos estimados na
dimenso da Ibria. Os rios, em nmero de quatro, correm na direo norte das
Montanhas do Atlas e cada um deles mais extenso que o Elba e o Oder. O
estoque dos telogos aproveitado para oferecer um Paraso Terrestre e suas
vantagens usuais ao autor. Jerusalm, de acordo com a crena popular, est
localizada no centro do mundo.
Apesar das suas individualidades essenciais, muitos mapas desse perodo,
especialmente aqueles que datam da segunda metade do sculo XV, testemunham
o aparecimento de um novo fator. Isso pode ser comprovado pelos seguintes fatos:
o primeiro a raridade de mapas retratando as descobertas portuguesas. No
restam dvidas de que os portugueses tinham mapas e os produziram quando
recorremos s numerosas aluses a eles na literatura daquela poca. A afirmao
de Alfonso, por exemplo, de que at a poca do Prncipe Henrique ningum conhecia
nada das terras situadas alm do Cabo Bojador, nem estavam marcadas nas cartas
de navegao e nem nos mappaemundi guardados segundo a vontade dos
244
Alguns documentos do archivo nacional da Torre do Tombo acerca das navegaes e conquistas;
Portuguezas, p.8.
53
Captulo 78.
54
I, 5, e I, 13 (Hakluyt Society).
55
56
245
57
58
Vide G. H. Kimble: Portuguese Policy and its Influence on 15th-century Cartography. American
Review, Oct. 1933.
59
246
247
Que ao menos um destes nomes so bon fide, isto praticamente certo de que
eles originaram-se de uma fonte lusitana, especialmente porque Behaim estava
profundamente ligado vida de Lisboa entre 1484 a 1490. Porm, se esse fosse o
caso, difcil entender porque os nomes no foram sequer utilizados pelos cartgrafos
seguintes uma dificuldade to grande, como Behaim avaliou, se ele acompanhou
Diogo Co na sua segunda viagem de 1484-5, quando a informao deve ter sido
guardada. Teremos de admitir que Behaim inventou 50% da sua nomenclatura?
Essa concluso, embora insossa, parece no ter escapatria, mas podemos entender
isso facilmente se os portugueses guardaram a informao da qual ele estava
precisando. Na Alemanha, as pessoas estavam buscando uma imagem do mundo
que pudesse incorporar os resultados das recentes descobertas. Teria Behaim
admitido que os portugueses haviam lhe negado os detalhes, ou foi ele quem os
inventou? O desejo de se passar por um explorador bem sucedido, assim como um
grande viajante diante de seus patrcios, parece ter cunhado a resposta.60
O terceiro fato que aponta para o aparecimento de uma nova influncia o
retardo entre o descobrimento e o mapeamento.
O mais antigo e insuspeito registro cartogrfico da descoberta portuguesa
representado pela carta portulano de Andrea Bianco, datada de 1448, ou seja, quinze
anos depois de se dobrar o Cabo Bojador. ( digna a meno de que este mapa mostra
as descobertas de exploraes muito recentes, inclusive a descoberta de Cabo Verde).
Nada foi feito nos dezenove anos seguintes e quando, em 1467, Gratiosus Benincasa
60
248
elaborou a primeira da sua famosa srie de cartas, parecia tanto com o mapa de
Bianco que deve ter sido dele copiada ou de um original comum a ambos. Alm do
mais, parece que um pouquinho do conhecimento tinha chegado at a Itlia durante
uns vinte anos, pois durante esse tempo, Cadamosto e seus companheiros tinham
esticado para baixo o litoral em seis graus do Equador. No antes de 1468, catorze
anos depois da descoberta, vinha luz uma carta, tambm de Benincasa, que incorporava
os descobrimentos da expedio de Cadamosto ao territrio da Senegmbia.
Como devemos encarar esses trs fatos? Tem sido demonstrado por alguns
estudiosos portugueses61 que, na sua ambio de manter o monoplio do comrcio
com o Oeste da frica, sucessivos reis de Portugal decidiram suprimir toda a informao
que pudesse estimular o interesse e a inveja de outros governantes. Alm disso, os
navios de outras naes eram proibidos de navegar em guas do Oeste da frica.
Duarte Pacheco nos conta de uma das expedies feita por um Flemings, em 1475 at
Mina, desafiando a proibio e acrescenta que a sua loucura foi devidamente
recompensada, pois Deus lhe deu um fim muito ruim.62
Joo II (reinado de 1481-95) foi o primeiro a implantar esta poltica, usando as
suas energias para evitar o vazamento das novas descobertas na poca em que os
estrangeiros estavam procurando obt-las de todas as maneiras. No reinado de seu
sucessor, Manuel I, a vigilncia do Governo foi intensificada, especialmente depois da
volta de Cabral das ndias. impossvel ter uma carta da viagem, escreveu um
61
62
249
63
64
65
250
66
251
9
D
O CONHECIMENTO
GEOGRFICO NA POCA DOS
GRANDES DESCOBRIMENTOS
253
Infelizmente, isso foi precisamente o que eles no fizeram. Isso comeou na exumao do
escolasticismo no sculo XIII.
254
Ibid.
255
256
Sobre a histria dos empreendimentos martimos no sculo XV, vide, inter alia, E. Prestage:
Portuguese Pioneers e A. P. Newton (editor): The Great Age of Discovery.
10
Fl. c. 1400.
257
viajante medieval, quer asitico, quer africano. difcil acreditar que todo o
conhecimento dessas exploraes recentes tenham escapado ateno do cardeal.
No tinham seus prprios compatriotas, Jean de Bethencourt e Gadifer de la Salle, por
exemplo, tentado conquistar e evangelizar as Ilhas Canrias bem no incio do sculo
XV? O trabalho inteiro, com exceo de umas poucas citaes rabes, principalmente
de tradues para o latim das obras de Avicena e Averris, pode ter sido feito uns
cem anos antes. Realmente, parte dele o foi. Peguese apenas um exemplo sua
discusso acerca dos Antpodas.11 Sobre essa controvrsia, dAilly afirma com muita
clareza que ns esperamos ouvir dele a declarao da verdade. Mas como bom
telogo ele encontra-se diante dos argumentos de Santo Agostinho e de textos
bblicos nos quais se fundamentava.12 Poderoso pela sua autoridade, dAilly se
refugia no ouvir dizer.
Alguns dizem isso (i.e. a zona entre o invernal Trpico de Capricrnio e o Crculo
Antrtico) temperado e habitvel como o nosso ... Entretanto, de acordo com eles,
no pode haver comunicao entre os Antpodas e ns por causa da impossibilidade
de se cruzar a Zona Trrida e os Trpicos. De acordo com esta opinio, a populao
dessa regio deve ser ignorante em relao aos ensinamentos de Cristo e dos
Apstolos, o que contrrio sagrada afirmao de que seus ensinamentos saram
por toda a terra e suas palavras at os confins do mundo.13 No captulo 16 de sua
Cidade de Deus, Santo Agostinho refuta esta opinio. Porm, certos escritores afirmam
que isto uma fbula e que a quarta zona (a zona temperada sul) est em sua maior
parte coberta por gua, e essa viso defendida por razes altamente provveis...
11
12
13
Romanos X.18.
258
259
16
Cap. 19. ... Multo major est longitudo terrae versus orientem quam ponat Ptolomeus, et secundum
philosophos Oceanus Qui extendit inter finem Hyspaniae ulterioris, id est Africae, a parte occidentis,
ad inter principum Indiae a parte orientis, non est magnae latitudinis. Nam expertum est quod hoc
mare navigabile est paucissimis diebus si ventus sit conveniens... Secundum vero quod protendunt
autores et maxime Plinius, mare indicum decurrens per latus meridianum ... indie. Deinde immensum
terre spacium absorbens se flectit fauces maris rubri et mare ethiopum ubi incipit Ethiopia. C.f. R.
Bacon: Opus Majus, Parte IV, p. 329. (Edio de R. B. Burke).
260
Quando tudo foi dito e feito, porm, dAilly no seno respeitoso. No existe
uma s idia em qualquer dos seus escritos geogrficos que no possa ser rastreada,
encontrada numa impecvel fonte ortodoxa mais recente ou mais antiga. Na mesma
poca h um senso agudo de proporo penetrando em todos eles e uma bvia
sinceridade de intenes. Por isso, o cardeal prontamente contesta ter alguma coisa
com aquele tipo de supersties como os monstruosos gigantes de um olho s os
Monoculi e seus companheiros dos ps de sombrinha os Scyapodae que
comumente eram tidos como habitantes da frica Central. Por outro lado, pode-se
ignorar que a sua preocupao com a erudio clssica deve ter-lhe cegado para a
importncia dos fatos mais prximos da sua poca.
Infelizmente, essas preocupaes com o passado no se restringiram a dAilly.
Novas antologias de geografia histrica constantemente surgiam e, aps a produo
do editor, gozavam de uma circulao fenomenal. O prprio Caxton editou pelo menos
dois trabalhos desse tipo, A Imagem do Mundo17 e o Polychronicon.18At onde
podemos ver, impossvel encontrar uma obra original. Se o fato de que estes dois
livros fizeram parte de vrias edies incunabula algum critrio da difuso e da
aceitabilidade de seus contedos, ento certo que os eventos contemporneos pouco
fizeram para modificar o conhecimento geogrfico estabelecido ao longo do tempo.
17
N.T. The Mirrour of the World. Traduo do annimo Image du Monde, vide ante, cap. Iii.
18
261
Affrica contenyeth many provynces and landes. Fyrst it conteneth the West dele of
Ethiopia, thenne libia, tripolis, getula, numdia and two Mauritania... Ethiopia hath thre
partyes, the fyrst is hilly and montuous and stretched from the mount Atlhas unto
Egypte. The myddle partye is full of gravel. The thyrdde, that is, the lest partye is
almost wyldernes, that partye is bytwene the South Ocean and the Ryver Nylus and
hath the Reed see on east syde... In Ethiopia been many dyverse pepple wonderly
and grysly and shapen... Somme curse the sonne for his grete heete. Some ete
serpentes and addres, somme hunt lyons and panters. Somme dygge caves and dennes
and dwelle under erthe...
19
Embora essa descrio fosse escrita um sculo antes, sendo publicada no ano
de 1480, Caxton tomou-a como conhecimento corrente.
O letrado papa Pio II (Aeneas Silvius), escrevendo na poca em que Caxton
estava publicando, reuniu a ignorncia dominante dos descobrimentos
contemporneo. A frica, verdade, no era um assunto seu.20 O pouco que ele
faz est na introduo, entretanto, interessante, de sua crtica teoria de Ptolomeu
sobre o Oceano ndico. Nesse trabalho, mostra uma bem vinda independncia de
pensamento. Por outro lado, existe uma lamentvel ignorncia de fatos da sua
poca (ou que no tinham interesse para ele).
19
Feito no sculo XIV por um monge de Chester, chamado Ranulfo Higden. Numa traduo mais
compacta, afirma-se que a frica formada por vrias provncias.. A primeira fica no lado
Ocidental e esto a Lbia, Trpoli, Getula, Numdia e as duas Mauritnias. A Etipia dividida em
trs partes, sendo uma delas montanhosa (entre os Montes Atlas e o Egito), a parte central
pedregosa e a terceira, selvagem, situada entre o Oceano Sul e o Rio Nilo, tendo o Mar Vermelho
ao lado oriental. Muitos povos nela habitam, e alguns maldizem o calor. Alguns comem serpentes
e outros caam panteras e lees. Alguns constrem cavernas e moram debaixo da terra (N.T.).
20
O trabalho intitulado Asiae Europaeque elegantissima descriptio ... e foi escrito provavelmente
durante o seu perodo papal, i.e. 1458-64.
262
O senso comum afirma (ele nos assegura) que em todo o mundo habitvel existem
trs regies principais, as quais, do ponto de vista do tamanho, a sia a primeira, a
frica a segunda, e a Europa a terceira. A sia est ligada frica (como foi mostrado
por Ptolomeu) pelas costas da Arbia, que separa o nosso oceano (i.e. o Mediterrneo)
do Golfo Arbico. Ningum nega isso, mas ele (Ptolomeu) acrescenta que em
determinado lugar, est ligada por uma terra desconhecida que envolve o Oceano
ndico. Ele est sozinho na sua opinio. Todos os que ns encontramos escrevendo
sobre a fisionomia da terra colocam o Oceano ndico ao Sul e a Leste, sem atribuir-lhe
qualquer limite, sendo de opinio de que faz parte do oceano (aberto) como tm
afirmado aqueles que tm navegado desde o Golfo Arbico at o Oceano Atlntico e
as Colunas de Hrcules.21
21
Ibid.: Cap. 6. Esta uma referncia, sem dvida, expedio ordenada pelo Fara Necho, c.
600 A . C.
22
Ibid.: Cap. 2.
23
Ibid.: Cap. 5.
24
263
mais de um cartgrafo do sculo XV j havia adotado uma viso prxima disto. Nos
livros textos da poca, encontramos, entre outros, Giovanni da Fontana fazendo isso
como um reajuste entre o rabe e o alexandrino. Ele defendia que o Oceano era
praticamente fechado, sendo circundado a leste e a sul por uma massa de terras
desconhecida que era parcialmente acessvel e atravs da qual, existia uma passagem
ligando as guas do Oceano ndico com o mar exterior. O primeiro, na sua viso, fazia
parte de uma vasto mar interior que abarcava o Mediterrneo e outros mares interiores.
O ltimo era simplesmente parte do rio Oceano que envolvia toda a Terra.
evidente, a partir dos fatos anteriores, que Ptolomeu estava gozando de uma
considervel popularidade nas ltimas dcadas do sculo XV. No que ele fosse um
nome novo para os estudantes de geografia medieval. Desde o sculo XII (a traduo
do Almagesto por Gerard de Cremona data de 1175), as tradues latinas de seus
trabalhos matemticos e astrolgicos comearam a aparecer com uma enorme rapidez.
Enquanto todas estas obras contriburam de alguma maneira para a estima reverncia
a melhor palavra que ele adquiriu, o Almagesto exerceu de longe a maior influncia
no pensamento cientfico medieval. Reunindo tudo isso, os trabalhos de Ptolomeu e de
seus antecessores na forma explicativa e sistemtica adquiriram rapidamente, para os
sarracenos e cristos, o carter de uma importante revelao. De fato, o nome pelo
qual conhecido comumente explicado como um ttulo superlativo.25 E o que este
livro era para a Astronomia, o Quadripartium (ou Tetrabiblos) de Ptolomeu era para a
astrologia. Traduzido inicialmente para o rabe, foi amplamente lido entre os muulmanos
25
A palavra Almagesto derivada do rabe Al-Majisti, ou Al-Mijisti que derivado, por sua vez,
do grego megistos, i.e. o maior.
264
265
27
Op. Cit. Fol. 90 r. ed qui successerunt cosmographi et proprie Qui vera experientia et peragratione
itinerum et diligenti naviatione certioris facti sunt invenerunt eltra circulum equinoctiali suppositum
versus Austrum esse partem notabilem habitabilem ab aqua discoperta (m) et insulas multas
atque famosas ... Nec est omnino illa zona inter torridam et extremam Australem inhabitabilis
ex quibus insulis et partibus ad nos deferentur optimata omnis fere generis et margaritae
memmae pulcherrimae et sericum et multa pretiosa.
28
Vide Lynn Thorndike: History of Magic and Experimental Science, Vol. IV, p. 175-6.
266
29
Cf.. Ristoro de Arezzo: La Composizione del mondi di Ristoro ..., IV, 5, vii.
30
31
267
32
Sobre o encantamento e o engodo das Ilhas Atlnticas, reais ou imaginrias, para os exploradores
do sculo XV, vide W. H. Babcock: Legendary Islands os the Atlantic; G. E. Nunn: The Geographical
Conceptions of Columbus (passim); J. Corteso: The Pre-Columbian Discovery of America,
Geographical Journal, Jan. 1937, e G. R. Crone: The Alleged Pre-Columbian Discovery of
America, Geographical Journal, May 1937.
33
Vide Cecil Jane na Introduo ao Vol. I., p. Cxiv et seq., de Voyages of Columbus (Hakluyt Society).
268
34
Ibid.: p. cxv.
35
36
Ibid.: VIII, 8.
269
De Elementis.:III, 19.
38
39
Tanto que, por exemplo, os homens continuaram acreditando que o mar era circundado por
terras por todos os lados, e conseqentemente, de que a superfcie de terras no era menor do
que a de guas, mas talvez de grande extenso. De fato, essa era a opinio que prevalecia nos
sculo XVI e XVII e que foi definitivamente descartada com as viagens do capito Cook no
sculo XVIII.
270
40
40
271
10
D
OS PRIMRDIOS DA
CINCIA GEOGRFICA
seus navios na superfcie dos mares. Essa incapacidade teve um efeito muito forte na
navegao, embora no impedisse os homens, aqui e ali, de atingir os feitos memorveis
dos descobrimentos. Tais feitos aparecem ainda mais memorveis quando lembramos
que, no sculo XIII, os marinheiros tinham pouco mais do que a Estrela Polar e suas
habilidades para gui-los e que as suas embarcaes no eram maiores do que
barcaas e geralmente no muito adequadas para o mar. Sob essas circunstncias,
o milagre no tanto o que eles conseguiram em termos de descobertas em
vrias um homem havia se perdido em praias estranhas mas que voltassem para
contar o que havia acontecido.
Enquanto as viagens martimas estiveram confinadas regio mediterrnea,
onde quase no havia a necessidade de se perder de vista o litoral, seno por algumas
horas, navegar por instinto parece ter servido muito bem para esses bravos pioneiros.
273
Mas quando, nos primeiros anos do sculo XV, os homens comearam a planejar a
explorao da desconhecida zona do Equador e dos oceanos do sul, ficou muito claro
que o empirismo na questo nutica no seria suficiente. O crescimento da cincia
nutica foi a sada lgica em funo das necessidades criadas por estas expedies.
Qual era o estado da navegao no alvorecer dessa nova era? Quais eram os
recursos comumente empregados e como os homens pilotaram os navios sobre guas
no cartografadas, por exemplo?
Sem dvida, o instrumento que eles possuam geralmente era a bssola e a sua
mais remota referncia, na literatura crist, ocorreu no incio do sculo XII, nos
trabalhos de Alexandre de Neckam1e Jacques de Vitry.2Acreditando que a bssola j
era usada muito tempo antes pelos rabes e pelos chineses3na navegao , a
primeira vista, curioso, pois as primeiras referncias persas e rabes4datam depois
da latina. Isso explicvel se levarmos em conta que tal descoberta no havida sido
publicada pelos pilotos que provavelmente a criaram, nem pelos seus auxiliares que
tinham toda razo em mant-la em segredo. Se isto fosse finalmente publicado, seria
feito por pessoas alheias e apenas mais tarde. O fato que a meno de Neckam
bssola praticamente casual e l-se o seguinte: Quando os marinheiros no
conseguem ver o sol por causa do tempo nublado, ou noite, e no podem dizer qual
De Naturis Rerum.
A primeira referncia numa obra rabe foi encontrada numa coleo persa de histrias escritas
por Al-Awfi c. 1230. Um dos contos da coleo nos fala do autor como se fosse um marinheiro
que havia encontrado o seu caminho atravs de um peixe revestido com um im.
274
o caminho que a proa est seguindo, eles colocam uma agulha sobre um im que gira
at a sua ponta ficar voltada para o Norte e ento assim se mantm5 d a impresso
que o seus leitores tenham entendido o seu significado e pressupe que isso j existia
h bastante tempo antes da poca da sua obra ser escrita. bem possvel que uma
razo de a bssola no ser de uso comum na Cristandade at o sculo XIV fosse por
causa daqueles que tinham a posse do seu segredo e no o revelaram com o receio de
serem acusados de praticar magia ou que os marinheiros estivessem igualmente com
medo de empregar a nova inveno pela mesma razo!6A evidncia documentada
que nos autoriza esta explicao, entretanto, muito pequena.7No sculo XIV, a
bssola estava sendo utilizada no apenas em propsitos nuticos, mas tambm nos
terrestres. Os artesos de Nuremberg conhecidos h longo tempo, tanto naquela
poca quanto atualmente, pelos seus instrumentos de preciso, inventaram um novo
tipo de bssola que batizaram de organun viatorum. Ela incorporava uma miniatura de
um relgio de sol no mecanismo da bssola e combinava as funes de um indicador
de direo com uma pea de medir o tempo. Com a introduo dos mapas terrestres
Vide Lynn Thorndike: History of Magic and Experimental Science, Vol. II, p. 388.
Num artigo recentemente publicado no Mariners Mirror (Jan. 1937) Dr. Heirich Winter publica a
reivindicao de que os vikings teriam inventado a bssola (independente dos chineses). Utilizando
o fato de vrias sagas antigas (aquelas da Ilhas Fare principalmente) mencionarem as
magnetitas (ims) flutuando num recipiente, que eles tinham o hbito de determinar a longitude
pelo auxlio de um relgio de gua e a latitude atravs de um instrumento do tipo gnomon, que
eles estavam fazendo viagens ocenicas antes do ano 1.000, e que desde o sculo IX em diante
eles entraram no Mediterrneo e l, com reforos contnuos de homens e de barcos de seus
lugares de origem fundaram reinos prprios em particular o reino da Calbria e Aplia que
Rogrio II fundou uma universidade em Salermo em 1.100 e alm disso, teve um mapa do
mundo feito sob sua encomenda; ele pergunta, diante destas evidncias cumulativas, se no
uma mera possibilidade que teriam sido os vikings quem introduziram entre os italianos as
formas primitivas da bssola. Vol. XXIII, p. 102.
275
que precisavam de uma orientao cuidadosa, j no final do sculo XV, esse instrumento
tornou-se uma pea indispensvel no equipamento de qualquer viajante terrestre.
Os dois outros instrumentos de uso generalizado no sculo XIV, a saber, eram o
esquadro e o astrolbio. O primeiro parece ter sido utilizado pelos astrnomos desde a
mais antiga data, embora no haja evidncia definitiva de que os homens do mar
fizeram dele uma prtica regular antes do sculo XII ou XIII. Na sua forma mais
simples, consistia de duas tbuas de madeira de comprimentos diferentes. A mais
longa das duas em torno de trs ps de comprimento era o mastro e graduada
de maneira que quando a cruz estava na posio, registrava a altitude da Estrela
Polar pela viso. A cruz era feita de modo a deslizar sobre o mastro em ngulos
retos, seu comprimento era normalmente de 26 polegadas e era dividido em nveis ou
pinules. Uma mira tambm era fixada no final do mastro para os olhos poderem ver,
ao mesmo tempo, os dois objetos geralmente a Estrela Polar e o horizonte cuja
distncia angular poderia ento ser medida em separado.8
Mais conveniente do que o esquadro para medir alturas era o astrolbio. Como
somente um instrumento astronmico, data do tempo de Eratstenes e Hiparco, mas
parece que no foi usado para observaes nuticas, na Europa at a poca dos
rabes. O modelo padro era geralmente feito com prata ou cobre (o peso era
considerado necessrio para fix-lo quando em uso, principalmente no mar) e variava
de dimetro desde 2 polegadas at um p (de 5 a 30 centmetros) ou mais. A parte de
O sol no era usado at o final do sculo XV, pois para o clculo da latitude seria necessria
uma tbua de declinaes. Vide infra, p.303-304.
276
277
10
Vide Quadraans Judaiicus ou Quadrans novus, Bibl. Nat., Paris, Latim M.S. 7,437. Os primeiros
quadrantes consistiam num quarto (ento era o seu nome) do astrolbio aumentado, com
escalas fixas colocadas na linha vertical passando pelo zero, ou paralelas. Uma agulha fina ou
fio esticado por uma chumbada de prumo, indicava a altura da parte graduada A maior vantagem
desse instrumento era o raio aumentado que parecia dar leituras mais acuradas do que o
astrolbio do mesmo tamanho A ausncia de subdivises mais acurada dos graus, a dificuldade
de mirar uma estrela do convs balanante de um navio e a espessura do fio, foram os
impedimentos para sua melhoria, para o que naquele momento no havia remdio.
11
Vide J. Bensaude: LAstronomie nautique au Portugal a lpoque des Grandes Dcouvertes, p. 35.
278
Sanuto, escrevendo entre 1306 e 1320, teve problemas ao copiar um deles inserindoo no seu livro Liber secretorum fidelium crucis.12Antes de sua poca, porm,
encontramos aluses s direes da navegao e citaes sobre elas. Dessa maneira,
o trabalho annimo, intitulado Gesta regis Ricardi, que descreve os atos de herosmo
de Ricardo Corao de Leo, d muitas informaes sobre as rotas seguidas por ele,
enquanto Roger Hoveden, na sua Crnica da Inglaterra (em 1200), descreve o itinerrio
de Ricardo de maneira semelhante.13Existe, alm do mais, um notvel livro de
navegao escandinavo, datado do final do sculo XIII, da rota entre a Dinamarca e
a Sria. A existncia de vrias cpias desse documento sugere que os povos do norte
da Europa Ocidental estavam familiarizados com os manuais de navegao naquela
poca. Daquele tempo tambm existe um livro de navegao alemo do sculo XV
(mas incorporando materiais no mnimo de 100 anos antes, segundo Nordenskiold14),
que d uma descrio das costas ocenicas da Europa no Mar Bltico. No podemos
esquecer o notvel tratado cosmogrfico em versos do sculo XIV, de origem florentina,
conhecido (pelo ttulo da primeira seo) como La Sfera e geralmente atribudo a
Leonardo Dati. 15A segunda parte que trata das normas de navegaes, da
12
II, 25-6.
13
Chronica ... (Rolls Series, organizado por W. Stubbs): Vol. III, p. 39 et seq. Deinde venit epse
ad civitatem quae dicitur Tharracene, ubi quondam erat portus cupro tectus.
Deinde venit ipse ad Garrilam: et inde ad castellum quod dicitur le Cap del Espurun. Hic est
divisio terrae Romanoorum et terrae regis Siciliae, in illa parte quae dicitur principatus capuae.
Deinde praeterit rex insulam quae dicitur Lapaaantee quae destat a Gaeta civitate per quadraginta
milliaria. Pantee terra fuit Pilati: et ibi erat portus cupro rectus.
Deinde praeteriir rex insulam quae dicitur Istele major, quae semper fumat. Haec insula dicitur
accensa fuisse ab insula quae dicitur Vulcanus: multum distat insula quae dicitur Isle de Girun,
ubi est castellum bonum et portus...
14
15
Ibid.: p. 45.
279
16
Vide Add. MSS. 22, 329, 24,942 (Museu Britnico) e Figura 19.
17
O nico livro de navegao ingls da Idade Mdia que parece ter sobrevivido foi publicado pela
Hakluyt Society sob o ttulo Sailing Directions for the Circumnavigation of England ... from a
15th century MS. Organizado por J. Gairdner, 1889.
18
280
Figura 19 Mapa do litoral do Levante de LA SFERA de Dati. (Museu Britnico, Add. Manuscritos 24.942)
281
A CONTRIBUIO
DOS
PORTUGUESES
1416.
20
282
de seu irmo Pedro que, numa ocasio, trouxe para Portugal uma quantidade de
mapas que auxiliaram-no (Henrique) bastante e favoreceram as suas descobertas.21
Para marcar o seu interesse nas questes nuticas, fundou uma cadeira de Astronomia
na Universidade de Lisboa em 1431.
Enquanto raros trabalhos da Escola de Sagres sobreviveram aos sculos no
conhecemos nada sobre os trabalhos de Jacomo enquanto esteve l evidente que
as realizaes foram slidas e duradouras. A sua demonstrao est dividida, no
mnimo, em duas direes: a primeira, numa mudana de perspectiva intelectual. A
experincia, pouco a pouco, mais do que a tradio, tornou-se a orientao principal
do pensamento portugus um princpio que geralmente expresso por palavras, tais
como: A experincia no nos ilude sobre os erros e as fbulas... dos antigos
cosmgrafos.22 Em segundo lugar, como j vimos, as coisas comeam a acontecer
nessa poca. A antiga palavra de ordem do medo do desconhecido foi quebrada
praticamente no intervalo de uma noite, enquanto as caractersticas fabulosas que
cercavam a Zona Trrida foram rapidamente dissipadas. A cada ano via-se um territrio
sendo incorporado terra habitvel em latitudes que anteriormente tinham sido
consideradas inabitveis.
Na medida em que as descobertas progrediam, ficou muito claro que o
conhecimento dos marinheiros era inadequado, particularmente em relao ao clculo
das latitudes em guas equatoriais. Era muito simples achar a latitude de um lugar nas
21
22
283
23
Rio Jeba, 12 N.
24
Vide Relation des voyages la cte occidentale dAfrique dAlvise de Cada Moste, 1455-7.
(traduzida por J. Temporal, 1895): p. 178-9.
25
1471.
26
284
A julgar pela opinio de Mestre Joo, piloto de Cabral na sua expedio de 1500, havia
certamente mais para ser dito sobre esse novo mtodo do que sobre o antigo.
Parece-me (ele diz) praticamente impossvel tomar a altura de uma estrela no mar,
no importando o quanto eu trabalhe nisto ou quanto menos o barco balance, existem
erros de 4 a 5 que isto s pode ser feito em terra firme ... No mar melhor se
orientar pela altura do sol do que por qualquer uma estrela e melhor usar o astrolbio
do que o quadrante ou qualquer outro instrumento.27
27
Vide Alguns documentos do archivo nacional da Torre do Tombo, Lisbon, 1892: p. 121-3. Essa
opinio foi confirmada pela maioria dos navegadores portugueses.
285
31
lugares com suas latitudes ao sul do Equador digna de nota, especialmente quando
lembramos que o Rei Manuel baixou um decreto, em 1504, ordenando a supresso de
todo tipo de informao, includas as latitudes, sustentculos da navegao da costa
da frica alm do rio do Padram, (7 S). E assim parece que similarmente,33o
Esmeraldo foi banido pelos inquisidores nacionais e essa foi uma das razes que
contriburam para esta proibio.
28
Um momento de reflexo bastar para mostrar que Pacheco havia errado aqui, porque quando
o observador est entre o sol e o Equador, a altura do sol ao meio-dia e a declinao sempre
dever ser mais do que 90. Esta frmula, porm, boa para o caso que ele continua a descrever.
29
30
31
32
Com 2 de erro.
33
286
No foi antes da dcada seguinte que este objeto foi tratado pela primeira vez
num manual de navegao e apenas em uma tentativa. Em seu Regimento para
longitude, c. 1517,35Ruy Faleiro props trs mtodos diferentes: eles usavam as
latitudes lunares,36as conjunes e oposies do sol e da lua e a declinao da
bssola. Francisco Faleiro, poucos anos depois, reiterou o ltimos destes argumentos,
porm sem estabelec-los.37Joo de Castro e Pero Nunes,38por causa dos seus
conhecimentos astronmicos, no foram capazes de fazer contribuies positivas ao
tema, mas Castro, ao menos, chegou concluso de que a declinao magntica
no tinha conexo com as diferenas de meridiano.39 E assim continuou a busca at
34
op. cit.: I, 8.
35
Conhecido apenas atravs de uma parte extrada da obra Replazione del primo viaggio intorno
al mondo de Pigafetta; vide p. 39-40 (edio Alpes, 1928).
36
Regiomontanus, o astrnomo alemo, defendeu este mtodo na sua obra Ephemerides (1474).
Ele consistia na medida da distncia angular entre a lua e uma estrela dada, mas ele era de
valor muito limitado naquela poca pelo conhecimento rudimentar das verdadeiras posies da
lua e das estrelas e a falta de meios instrumentais que calculassem estas distncias com preciso.
37
38
Tratado em defensam da certa de marear: (1537) p. 140 et seq. Edio fac-smile de J. Bensaude,
1915.
39
287
que o objetivo fosse atingido, dois sculos depois, resultado da inveno do sextante
e do cronmetro. At ento, a prtica comum de clculo da distncia leste-oeste
como os portugueses utilizavam para a palavra longitude est admiravelmente
explicada na seguinte descrio do sculo XVI(?):
Existem os que so muito curiosos para se calcular a longitude, mas isto muito
tedioso para os homens do mar, pois requerem um conhecimento profundo de
astronomia. Por causa disso, no haveria nenhum homem que pensasse que a longitude
pode ser calculada no mar por qualquer instrumento: ento no vamos confundir os
homens do mar com este mtodo, mas (de acordo com a sua maneira costumeira)
deix-los com um clculo perfeito da rota de seus navios.40
40
41
O uso do pairfait clocke foi sugerido naquele ano por W. Cunningham na sua obra
Cosmographical Glass, vide E. G. R. Taylor: Tudor Geography.
288
velocidade do barco. Como os resultados eram to ruins por serem visivelmente errados,
no nos surpreende encontrar marinheiros que preferiam adivinhar onde estavam
apontando a escala de longitude42.
O clculo da subida e da descida das mars s foi menos importante do que o
clculo de latitude e, longitude e como Pacheco nos recorda com este conhecimento...
os navios sero capazes de entrar nos rios com segurana e em outros lugares que
seja necessrio para conhecer o regime das mars.43As observaes sobre o
comportamento das mars antecede poca dos pioneiros portugueses,44mas no
foi antes do aparecimento do Esmeraldo de Pacheco em 1505, que temos a primeira
discusso sistematizada sobre esse tema. Nos dois captulos introdutrios45, descreve
como possvel calcular a baixa-mar e a preamar na maior parte das costas da
Espanha e em outras regies onde h mars. A relao entre o movimento da Lua e
as mars admite com certeza, mas subestima bastante a complexidade do fenmeno
quando declara que o conhecimento do ciclo lunar permite ao marinheiro julgar qual
a situao da mar, no importando onde ele est. Ele no sabia, o que de
conhecimento comum atualmente, que os componentes do regime das mars varia de
lugar para lugar, e nunca pareceu perceber o efeito de variao da configurao
42
Thomas Stevens, escrevendo de Goa em 1579, vide Voyages de Hakluyt: Vol. XI (edio de
Goldsmith). p. 266. Sobre a questo das idias dominantes sobre o tamanho de um grau
geogrfico, vide G. E. Nunn: The Geographical Conceptions of Columbus; Ibid.: Marinus of
Tyres Palce in the Columbus Concepts (Imago Mindi, Vol. II, 1937) e E. G. R. Taylor: Some
Notes on Early Ideas of the Form and Size of the Earth (Geographical Journal, Vol. LXXXV,
1935).
43
44
45
Cap. 11 e 12.
289
46
A este respeito, Pacheco ficou atrs de seus contemporneos. Por exemplo, Roberto de York
(vide ante, cap. 9) observou, em relao com as mars dos rios, que uma mar que se manifesta
no oceano quando a Lua est ao sul no atingir 30 milhas rio acima at que a Lua atinja a
direo Sudoeste ou mais ou menos por a. (op. cit.), enquanto o autor do Atlas Catalo de
1375 fala do estabelecimento do porto, i.e. o intervalo entre o apogeu da Lua e as ocorrncias
da prxima mar alta. J no sculo XII, Giraldus Cambrensis, como j vimos (cap. 7), tinha
observado a diferena do momento da mar alta nas costas do Mar Irlands era mais do que
uma atuao do apogeu lunar.
47
O sol, teoricamente, d uma volta em torno dos oito pontos da bssola a cada 24 horas: da,
eles passam de uma quadratura (quarter point) a cada 45 minutos.
48
I, 12. N.T. trecho extrado do Captulo 12 in Esmeraldo de Situ Orbis, por Duarte Pacheco
Pereira, com introduo e anotaes histricas de Damio Pereira. Lisboa: Academia Portuguesa
da Histria. 1954. p. 50.
290
A partir deste ponto sua orientao bastante explcita, mas quando chega na
questo da distribuio do atraso dirio de 45 minutos nos quadrantes da bssola,
parece incapaz de perceber as implicaes de seu prprio argumento. Ento, tendo
afirmado isso, quando o Sol e Lua esto em conjuno, a baixa-mar ocorre fora das
costas da Espanha s 9 horas da manh (quando, de acordo com o seu clculo, o Sol
e a Lua esto a sudeste), continua dizendo que a mar alta ocorrer quando o Sol
est a sudoeste, s 3 horas da tarde, e a prxima baixa-mar ser quando o Sol estiver
a noroeste, s 9 horas da noite, considerando, por hiptese, a mar alta ocorrer s
3 horas e 11 minutos da tarde e a mar baixa s 9 horas e 22 minutos da noite.
Aparentemente, ele no percebeu que alguma coisa estava errada at que trabalhou
com os quadrantes da bssola para leste, que provavelmente, poderia ver que o seu
mtodo de clculo daria 9 horas da manh para a prxima baixa-mar, em vez de 9
horas e 45 minutos noite, porque nesse ponto ele insere uma frase de que como a
Lua est a 45 minutos atrs do Sol, isso far a mar se comportar na mesma hora
como no dia anterior. No foi antes dele trabalhar com a situao da mar quando o
Sol est a sudeste no leste que reconhece a diferena de 45 minutos.49Porm,
tirando os raros lapsos isolados desse tipo, o tratamento de Pacheco em relao
questo nutica altamente louvvel.
O clculo das posies e das distncias sofreu outras limitaes nesta poca,
como a ignorncia dos marinheiros sobre o fator magntico. Exatamente quando os
portugueses, ou qualquer um dos povos nuticos do sculo XVI, comearam primeiro
49
Loc. Cit.
291
a se dar conta disso, difcil de se dizer. O fato do ponto Norte da bssola normalmente
no apontar para o ponto do plo verdadeiro parece que foi notado numa poca mais
recuada,50mas existe pouca ou nenhuma evidncia de que as variaes da atrao
magntica fossem observadas antes da poca de Colombo. Em todo caso, a primeira
referncia autntica a esse fenmeno encontra-se no dirio da viagem de 1492 de
Colombo51; porm, em lugar nenhum nesse dirio est implcito que esta foi a primeira
observao conhecida, ou mesmo que era incomum. A expresso usada por Colombo
sugere que o fenmeno era de conhecimento geral naquela poca. Por isso, ele acha
que os seus leitores sabero o que significa agulha nordesteau ou noruesteau.
Martin Behaim refere-se mesma coisa no seu globo tambm de 1942 quando
fala: Os que navegam neste mar (Atlntico Sul) devem determinar o seu curso pela
ajuda do astrolbio, porque a bssola no funciona l. Como sua informao para
essa parte do globo estava baseada exclusivamente em fontes portuguesas52, deixando
de lado a possibilidade de que alguns de seus fatos poderiam ser produto de uma
imaginao super ativa bvio que homens como Bartolomeu Dias estavam cientes
dessa variao. Ao mesmo tempo, igualmente bvio pela literatura do perodo que
eles no sabiam o quanto isso era srio, ou como corrigi-lo. Uma comparao entre
um mapa moderno do Oeste da frica e um baseado na inadequada marcao de
posies e latitudes de Pacheco ilustra admiravelmente a extenso do erro.53
50
51
52
Vide G. H. Kimble: Some Notes on Medieval Cartography... Scottish Geographical Mag.: Vol.
XLIX, 1933, p. 95 et seq.
53
Vide Esboo dos mapas no final da obra Esmeraldo... (Hakluyt Society), construdos por W. F. Morris.
292
54
op. cit.
55
56
293
Ele diz que tambm descrever os habitantes da terra da Etipia e o seu modo
de vida.
57
58
294
Infelizmente, o seu projeto parece no ter sido totalmente realizado. Trs dos
cinco livros planejados ainda existem e parte do quarto tem descries do Rio do
Infante na frica do Sul em diante. De certa forma, o autor certamente cumpriu sua
promessa. As indicaes do litoral, para tomar apenas um dos aspectos do seu trabalho,
so, como um todo, to precisas que tem sido possvel identificar quase todas as
vrias centenas de marcos terrestres descritos. O Africa Pilot pode nos oferecer
poucos avano em relao a outras descries.
Em vista da prtica crescente da determinao de latitudes pela altura do sol ao
meio dia foi bastante normal encontrar essas descries do litoral prefaciadas por um
captulo sobre esse tema. Alm disso, vendo que um conhecimento elementar de
cosmografia tambm era essencial aos viajantes martimos, foi muito comum que o
Esmeraldo e roteiros posteriores tivessem outra seo sobre as relaes terrestres
entre as terras e os mares e tpicos semelhantes.59
Depois do Esmeraldo, famoso na poca, vieram os roteiros do Oceano ndico de
Joo de Lisboa e Andr Pires. O trabalho do primeiro 1514, foi tido em grande conta na
sua poca e foi provavelmente uma edio revisada de um roteiro anterior, aumentado
para incluir o litoral da ndia e da Malsia. Como nenhum navio portugus tinha
chegado s ilhas do arquiplago das ndias Orientais que foram registradas nessa
obra, parece-nos praticamente certo que o autor tirou parte de suas informaes dos
navegadores rabes contemporneos. Mas o Livro das Rotas, como era chamado,
59
Em meados do sculo XVI passou a ser comum estas tabelas de latitudes e declinaes estarem
presentes s introdues e tambm s cartas de pilotos e descries com a finalidade de ilustrar
o corpo do trabalho.
295
passou por crticas, uma delas feita por Diogo do Couto, o famoso cronista das ndias,
que sarcasticamente observou que ele tinha pouca utilidade para os pilotos que eram
hbeis na construo de mapas e exmios nos instrumentos matemticos, mas que
invariavelmente se acabavam no naufrgio de seus navios em alguma praia e assim
perdiam suas vidas.60 Os roteiros de Joo de Castro foram notveis entre os demais
roteiros portugueses: de fato falou-se que foram um marco na histria da cincia
nutica,61 o modelo que nunca foi superado em Portugal. Pouco parece ter escapado
do conhecimento do autor. Tirando suas observaes sobre a declinao magntica,
j referidas nas descries do fenmeno meteorolgico de Castro, tais como a tromba
dgua e o halo, extremamente exatas, suas explicaes sobre a navegao costeira no
deixam nada a desejar. A preciso de seus mapas que acompanham as descries de
suas viagens a Diu e ao Mar Vermelho do a eles a qualidade das cartas hidrogrficas.62
Somando a esses manuais prticos, as primeiras dcadas do sculo XVI nos
deram um nmero de obras voltadas aos aspectos tericos da cincia nutica. O mais
importante deles foi o Tratado em defensam da carta de Marear de Pedro Nunes. As
disputas entre Portugal e Espanha da possesso das Ilhas Molucas deu origem a toda
uma srie de problemas cientficos, levando a uma maior exatido dos mapas existentes.
Em 1529, o ano do congresso das Molucas, Nunes foi indicado como o gegrafo do
governo portugus. Foi perfeitamente normal, portanto, que ele estivesse preocupado
com a melhoria da tcnica cartogrfica corrente. Infelizmente, no foi muito longe
nesta busca; Embora tivesse considerado muitas questes pertinentes, sua tarefa foi
60
61
C. R. Boxer: Portuguese Roteiros, 1500-1700, Mariners Mirror, Vol. XX, 1934, p. 176.
62
296
Figura 20 Ilustrao tpica do ROTEIRO de Joo de Castro, (Da ndia ao Suez) 1541. (Museu
Britnico, Coleo Cotton, Manuscritos Tib. D. 9)
praticamente uma reviso das tabelas de declinao existentes. No lado terico, sua
reputao foi a de defender rigorosamente a cartografia cientfica. Constantemente
enfatizava a necessidade de se resolver os problemas das coordenadas geogrficas e de
loxodromia numa superfcie plana. Sua maior queixa era que os mapas que no possuam
essas informaes eram inteis, embora eles tivessem muito ouro e muitas bandeiras,
elefantes e camelos.63 Num terreno como esse, Nunes preparou a terra para os pioneiros
flamengos da geografia matemtica e particularmente para o trabalho de Mercator.
63
297
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312
ANEXO
O CONHECIMENTO GEOGRFICO DE DANTE
Paradiso: IX, 84. quel mar cha la terra inghirlanda. Cf. Brunetto. Il Tesoro, I, 122.
Convivio: III, v.
ANEXO
313
Em outro lugar, ele descreve o hemisfrio sul como um mondo senza gente.5 A
noo de uma raa de antpodas censurada por ele da mesma maneira com que os
Antigos e os cristos poderiam ser contrrios crena da origem poligentica da raa
humana. Se Aristteles perdoar a expresso, algum pode bem cham-las (pessoas)
de burras quem acredita em coisas deste tipo!6Ao procurar explicar este contraste
entre os dois hemisfrios, Dante cai na especulao (provavelmente original) de que
quando Lcifer caiu do cu, ele iluminou o hemisfrio sul e a terra que estava ali, por
medo dele, cobriu-se com a gua.7Quando ele se refugiou nas cavernas da terra, a
terra que l estava fugiu e, criando um espao vazio, se amontoou formando o
solitrio Monte do Purgatrio.8
Mas Dante geralmente muito menos original na sua concepo geogrfica. Por
exemplo, ele no tem nada em comum com os seu contemporneos, os quais afirmam
que a circunferncia aqutica do globo est, em alguns pontos,9acima da terra
emersa e seca. Na obra Quaestio de aqua et terra, uma preleo em latim escrita em
Verona, em 1320, ele mostra que a grande massa da circunferncia de gua que
cobre a maior parte da nossa esfera deve ter o mesmo centro da circunferncia da
terra, por envolv-la; que a superfcie da gua est sempre na mesma distncia do
centro e que se a terra, que mais leve do que a gua, aparece em cima numa
Esta a nica terra seca no hemisfrio sul, mas como os seus habitantes no mais faziam parte
deste mundo, era correto dizer que o hemisfrio era mondo senza gente.
314
regio, a causa no deve ser buscada entre as leis naturais, porque o fenmeno
contrrio lei da gravidade. So as estrelas, ele acha, que pela sua atrao colocaram
uma parte da terra submersa acima das guas. O porqu de Deus ter ordenado essa terra
ficar no hemisfrio norte e no no hemisfrio sul um mistrio que pode levar presuno
quem tentar prov-lo. No foi J quem falou Procure e voc encontrar Deus?10
Sobre o dimetro da terra, Dante adotou a estimativa de 20.400 milhas que
estava baseada nos dados de Alfragan de 56 milhas para um grau e 4.000 cvados
para uma milha,11porque ele nos diz que Roma est a 2.700 milhas do Polo Norte, o
que resulta em 10.200 milhas para a semi-circunferncia do globo.
Sobre a extenso da terra emersa (gran secca), Dante afirma que a sua
longitude tal que no equincio o sol est se pondo para aqueles que esto nestes
limites, quando ele est nascendo para quem est no outro (lado).12 Isso, obviamente,
corresponde a uma diferena de 180 graus - uma estimativa de algum modo
conservadora de acordo com os padres medievais.13Em relao latitude, no mesmo
trabalho14, diz que sua extenso vai desde aquelas reas onde o znite um
crculo descrito do polo do zodaco em torno do polo da terra como um centro
10
11
Aqueles, e.g. Sacrobosco em sua climata e Pierre dAilly na sua obra Imago Mundi, que
consideraram estes cvados como sendo cvados pequenos de 15 polegadas obtiveram a soma
de 20.400 milhas, mas aqueles - a maioria dos seguidores de Alfragan - que consideraram
como sendo cvados grandes de 18 polegadas chegaram ao valor mais prximo da realidade
de 24.480 milhas.
12
13
14
ANEXO
315
15
16
De Monarchia: I, XIV.
17
18
De Monarchia: I, XIV.
19
20
21
22
316
23
De acordo com a crena medieval popular, as perturbaes atmosfricas eram causadas pelas
atividades diablicas, i.e. o prncipe do poder dos ventos.
24
Vide Figuras 3 e 15. Tempos depois, nos mapas da segunda metade do sculo XIV e XV, o
Paraso s vezes estava localizado no centro ou no sul da frica; vide figuras 9, 10 e 11.
25
26
27
28
ANEXO
317
NDICE ONOMSTICO
A
Abavi 144
Abelardo
88, 189, 191, 196, 197, 200, 203,
207, 211, 257
Abissnia
63, 74, 144, 160, 163, 212, 240
Abrao Zacuto 284
Abu Latin 122
Abu Said 151
Abul Fida 72, 73, 74, 153, 300, 310
Accon 86
Achillini 270, 300
Acre 128, 228, 254
Adam de Bremen 150
Adelard de Bath
91, 93, 94, 97, 277
Aeneas Silvius 262, 300
frica
7, 14, 15, 25, 26, 28, 29, 33,
55, 63, 65, 66, 68, 71, 73, 74,
80, 108, 118, 119, 122, 123, 124,
125, 129, 130, 132, 134, 135, 136,
137, 139, 140, 141, 142, 143, 144,
145, 146, 155, 157, 238, 241, 242,
243, 244, 245, 249, 251, 260, 261,
262, 263, 268, 286, 292, 294, 295,
316, 317
Agatocles 257
Agobard 186, 300
Agostinho
18, 20, 24, 34, 43, 45, 47,
103, 182, 183, 184, 196,
224, 258, 317
Agrican 225
Agysimba 260
Ailly
27, 51, 110, 176, 220, 221,
253, 257, 258, 259, 260,
261, 266, 269, 300, 307, 315
Akaba 25
Al Mansur 56
Al Marrakushi 76
Al- 53
Al-Bakri 61
Al-Balkhi 61
Al-Batriq 57
Al-Battani 58
Al-Biruni 66, 74, 78, 80
Al-Farghani 300
Al-Haitham 77
Al-Idrisi 69, 125, 152
Al-Istakhri 61
Al-Khazwini 72
Al-Khwarizmi 58
Al-Mamum 59
Al-Maqdisi 61
Al-Masudi
57, 59, 63, 64, 119, 121,
152, 216
Al-Mo Tamid 61
Al-Muqaddasi 62
Al-Zarqali 76
Alani 32
Albert de Carrara 211
Alberto da Saxnia 206, 253
Alberto, o Grande 253, 313
Albertus Magnus 96, 99, 300
Alboch 132
Alcuno 14, 38
Alexandre III 159
Alexandre, o Grande 25, 225
Alexandria 3, 8, 25, 90
Alfonso 90, 244
Alfragan 58, 59, 300, 313, 315
Alfredo de Sareshel 205
Alfredo, o Grande 27, 48
Alfredo, o Ingls 92
Almagesto
57, 58, 59, 74, 91, 92, 96,
103, 107, 259, 264
Alpes 8, 9, 22, 50, 85, 287
Ambrsio
19, 34, 43, 47, 105, 106, 182,
183, 224, 239
Amrica 110
Anaxgoras 193, 211
Anaximandro 229
Andaluzia 56, 65
Andr de Longjumeau 168
Antioch 87, 304
Antiquia 84, 90
Antipater 12
NDICE ONOMSTICO
319
Antpodas
10, 42, 45, 115, 116, 258,
269, 314
Aquino, Toms de 88, 92, 102, 187
Arbia
15, 53, 54, 87, 104, 148, 263
Aracsia 148
Araxes 225
Arculf 48
Arguim, Golfo de 127, 138
Argyra 33
Arin 78, 80
Aristarco 36
Aristteles
13, 41, 54, 57, 58, 92, 94,
97, 98, 99, 100, 101, 102, 103,
104, 183, 193, 194, 205, 206,
207, 209, 210, 239, 253, 257,
265, 270, 314
Armnia 157
sia
7, 17, 25, 26, 28, 29, 31,
32, 33, 60, 63, 66, 71, 79,
79, 89, 97, 121, 139, 147, 148,
156, 157, 158, 163, 164, 165,
166, 167, 168, 169, 177, 178,
228, 237, 240,
244, 263,
266, 294
Assria 148
Assis 85
Astracan 225
Astrolbio
76, 77, 146, 276, 277,
278, 284, 285, 292
Astrologia
75, 92, 201, 253, 259, 264
Atenas 3
Atlntico, Oceano
10, 64, 65, 67, 74, 126, 144,
153, 236, 240, 263, 292
Atlas
13, 26, 33, 49, 139,
244,
262, 307, 309, 310
Atlas Catalo
122, 123, 130, 138, 177,
220, 237, 238, 290
Austro 190
Averris 57, 97, 102, 104, 258
Avienus 8, 9, 300
B
Babilnia 148, 228
Bagd
54, 55, 56, 60, 77, 78, 80, 164
Bandinus de Arezo 257, 301
Barcelona 91
Barditi 107, 259, 260
Barros 282, 306, 310
Bartolomeu
96, 98, 194, 196, 206, 207,
217, 292
Basil
37, 40, 47, 105, 106, 224, 301
Batavi 27
Beatus 220, 223, 301
Beda, Venervel
46, 47, 49, 50, 51, 92, 107, 111,
150, 182, 183, 186, 193, 207
Behaim, M.
245, 246, 247, 248, 251, 292,
310
Benincasa 248, 249
Benjamin de Tudela 164, 212, 301
Bethencourt 130, 135, 258, 301
Bianco 225, 246, 248, 249
Boethius 1, 48
Bordeaux 4
Breas 190
Borgia 129, 130
Bssola
234, 274, 275, 278, 287, 290,
291, 292
C
Cabo Bojador
135, 136, 138, 238, 240, 244, 248
Cabo Branco 127
Cabo da Boa Esperana
143, 250, 286
Cabo Non (Cabo No) 136, 138
Cabo Roxo 246
Cabo Verde 136, 248
Cabral, A. 249
Cadamosto 130, 131, 249
Cdiz, Gades 104, 230
Cairo 134, 212, 310
Calicute 250
Cambrai 176, 257
Canal de Moambique 66
Canterbury 85, 95, 156
D
Daghouta 74
Damasco 54, 87
Dante, A.
126, 224, 302, 309, 311, 313,
314, 315, 316, 317
Danbio 6, 48
Dicono, Paulo 201
Dirio de bordo 146, 293
Dicuil 48, 49, 51, 150, 182, 302
Dinastia Abssida 56
Diu 296
Djallon 73, 238
Dulcerto, Carta Portulano 138
Duns Escoto 253
320
E
den
Egito
F
Faleiro, F. 287, 302
Faleiro, R. 286
Fouta Djallon 238
Fra Mauro
143, 145, 178, 220, 237, 240,
245, 306, 312
Furlong 114
G
Galeno
Galcia
H
Hanno 12
Havilah 212
Henrique, o Navegador, Prncipe
126, 130, 142, 177, 244, 282, 283
Hereford
78, 117, 118, 157, 177, 222, 225,
230, 307
Hereford, Mapa 118
Herdoto 7, 13, 14, 31, 168
Higden
220, 224, 225, 227, 228, 261, 262
Hilary de Poitiers 43
Hildegard de Bingen 207, 213
Hindu Kush 165
Hiparco 13, 276
Hiperbreos, povos 13, 31
Homero 229
Horscopo 75
Humboldt, A. von
51, 139, 143, 284, 308
Hyrcnia 31, 40
I
Ibn Batuta
121, 122, 133, 154, 155, 167
Ibn Fathima 127, 128
Ibn Haukal 61, 62, 64
Ibn Kahlan 233
Ibn Khaldun 218
J
Jacob ben Machir 278, 302
Jacobo de Acqui 174
Jacomo de Maiorca 282
Jafa 228
Japo 176
Java 152, 170, 175, 244
Jernimo, S.
19, 20, 21, 34, 47, 103, 183
Jerusalm
4, 21, 54, 85, 86, 87, 158,
160, 222, 224, 227, 230, 244,
316
NDICE ONOMSTICO
321
K
Kabara 122
Karakorum 166
Khan Baliq 166
Khorasan 56, 151
L
La Cosa 246
La Roncire
71, 131, 134, 139, 144
Labrador 199
Lactantius
18, 19, 20, 34, 42, 45, 303
Lacus Nili 238
Lambert de S. Omer
12, 35, 95, 200
Laurenciano, Mapa 139, 140, 143
Legua 236
Lemlem 68, 124
Lipari, Ilhas 204
Lisboa
248, 250, 283, 287, 290, 293
Lisboa, J. 295
Londres 78, 79, 203, 222, 317
Longitude
56, 68, 74, 75, 78, 80,
127, 234, 260, 265, 275,
287, 288, 289, 293, 315
Loxodromas 234
Lull, R. 120, 121, 233, 303
M
Macrobius, A. T.
9, 10, 12, 14, 50, 51, 303
Madagascar
63, 74, 116, 175, 177
Maeotis, Lago 25, 29
Maffeo Polo 165
Magadoxo 144
Magalhes, F. 146
Magog 31, 153, 225
Maiorca 237
Malabar, Costa do 163, 170
N
Necho 263
Neckam, A. 207, 274, 304
Nestorianos 55, 56, 162
Niger
122, 124, 132, 134, 238, 239,
270, 304
Nilo, Rio
6, 14, 26, 33, 48, 55, 65, 68,
70, 71, 73, 80, 98, 102, 107,
120, 122, 124, 132, 181, 211,
212, 243, 244, 262
Nordenskiold, A. E.
223, 233, 234, 236, 309
Nbia 122
Nunes, P. 287, 296, 297, 304
O
Occam, W. 253, 254, 304, 305
Oceano Srico 147
Oceanografia 104, 182, 183, 196
Oder, Rio 244
Odo de Cluny 18
Odorico de Pordenone 163, 164
Oikoumen
3, 10, 36, 73, 179, 189, 197,
198, 214, 260, 267
Oresme, N. 253, 304
Orosius, P.
25, 26, 27, 34, 36, 48, 49, 51, 95,
99, 147, 148, 150, 313, 316
Oulil 68, 71
Outremeuxe, J. D 113
Oxford 28, 88, 95
P
Pacheco, D.
117, 125, 198, 199, 211, 212,
245, 249, 250, 283, 285, 286,
287, 289, 290, 291, 292, 294,
304
Padram, Rio 286
Pas dos Negros 73, 74
Palermo 66, 89, 90
Palestina
26, 85, 86, 160, 227, 228
Pamir, Montes 147, 165
Pappus 7, 8
322
Paraso
29, 31, 32, 36, 37, 132,
142, 159, 171, 224, 225,
238, 241, 243, 244, 268,
270, 317
Paris
69, 78, 79, 88, 95, 102,
123, 158, 159, 163, 206,
229, 232, 278, 299, 300
Prtia 148
Pathalis 106
Patmos 230
peripli 234, 278
Prsia
53, 54, 56, 115, 148, 157, 158
Peste Negra 178, 253
Petrarca 255
Phocas, J. 86, 87, 304
Physiologus 117
Pico de Ado 224
Pigafetta, A. 287
Pirineus 85, 90
Pitgoras 12
Plnio
7, 13, 14, 17, 25, 26, 31,
34, 41, 47, 49, 50, 51, 72,
80, 97, 98, 104, 105, 106,
107, 108, 117, 148, 185,
187, 200, 204, 211, 229, 239,
243, 260
Preste Joo
130, 131, 133, 157, 158, 159,
160, 161, 162, 210, 241
Ptolomeu
8, 9, 10, 12, 13, 14, 17, 21,
25, 33, 36, 43, 47, 57, 59,
61, 63, 66, 67, 68, 70, 74,
75, 76, 79, 80, 91, 96, 101,
103, 105, 107, 114, 127,
148, 236, 239, 241, 243, 259,
260, 262, 263, 264, 265
Purgatrio 224, 314
Pytheas 12
Q
Quadrivium 1, 57
Quible 132
Quiloa 124
Quilon 170
R
Regimento 284, 287
Regiomontanus 284, 287, 305
Renascimento
83, 110, 256,
257,
266,
269, 270, 271, 313
Reno, Rio 6, 9, 48
Ricardo Corao de Leo 86, 279
Rio do Infante 295
Rio do Ouro
130, 131, 132, 135, 136
Rio Grande 245, 284
Riphaean, Montes 25, 316
Ristoro de Arezzo
210, 267, 269, 316
Roberto de Chester 91
Roberto de York 201, 290
Roger Bacon
51, 88, 96, 102, 107, 108,
109, 110, 164, 185, 194,
227, 253, 257, 309
Roma
4, 15, 19, 20, 24, 46, 71,
85, 121, 160, 163, 230,
231, 255, 315, 316
Roncesvalles 85
Roteiros
293, 294, 295, 296, 298, 307
S
Saara
80, 119, 120, 124, 127, 138,
239, 241
Sacrobosco, J., John of Holywood
10, 96, 305, 315
Sagres 282, 283
Salamanca 284
Salisbury, J. 88, 89
Santarm, Visconde de
139, 228, 230, 306, 310
Santiago de Compostela 85
Sanuto, M.
140, 168, 169, 177, 179,
229, 279, 305
So Paulo 187
Sargao 128
Saxo Grammaticus 305
Sciapodae 243
Scylax de Carianda 234
T
Tabelas Hakimitas 78
Tabula Peutingeriana 6
Tanais, Rio 25, 29
Tnger 65
Tapobrana 33, 106, 147, 148
Tarragona 91
Tartria 98, 161
Terra Australis 63
Terra Santa 4, 86, 256
Thule 13, 14, 50, 259
Tigris, Rio 148, 317
Timbuktu 71
Toledo 76, 78, 90, 91, 92
Trpico de Cncer 108, 269
Trpico de Capricrnio 106, 258
Tyle 33
V
Valseccha, carta portulano de
71, 138
Veneza 143, 145, 177, 256
Viladestes, carta portulano de
122, 138
NDICE ONOMSTICO
323
W
W. Adam 115
Walsperger, mapa de
229, 240, 243
Wangara 70, 71, 120
William de Conches
94, 97, 114, 187, 188,
190, 192, 193, 194, 196
William de Rubruck
161, 162, 164, 257, 305, 306
Z
Zanzibar 65, 72, 73, 175
Zfiro 190
Zurara, E.
130, 177, 245, 280, 306
Ttulo
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