A Televisão e Os Padrões Da Cultura de Massa - T. W. Adorno
A Televisão e Os Padrões Da Cultura de Massa - T. W. Adorno
A Televisão e Os Padrões Da Cultura de Massa - T. W. Adorno
1
tendência
foi
pronunciada
no
teatro
neo-‐romântico
das
primeiras
décadas
do
nosso
século.
Cultura
Popular
Mais
Antiga
e
Mais
Recente
A
fim
de
se
fazer
justiça
a
todas
essas
complexidades,
requer-‐se
um
exame
muito
mais
aturado
dos
antecedentes
e
do
desenvolvimento
dos
meios
modernos
de
comunicação
de
massa
do
que
o
que
tem
realizado
a
pesquisa
sobre
comunicações,
geralmente
limitada
às
condições
presentes.
Seria
necessário
discriminar
o
que
a
produção
da
indústria
cultural
contemporânea
tem
em
comum
com
formas
de
arte
“inferiores“
ou
populares
mais
antigas
e
com
a
arte
autônoma,
e
onde
residem
as
diferenças.
Basta
que
se
diga
que
os
arquétipos
da
atual
cultura
popular
foram
estabelecidos
relativamente
cedo
no
desenvolvimento
da
sociedade
da
classe
média
–
mais
ou
menos
no
fim
do
século
XVII
e
no
princípio
do
século
XVIII
na
Inglaterra.
De
acordo
com
os
estudos
do
sociólogo
inglês
Ian
Watt,
os
romances
ingleses
desse
período,
sobretudo
as
obras
de
Defoe
e
Richardson,
assinalaram
o
começo
de
um
enfoque
na
produção
literária
que
criou,
serviu
e
por
fim
controlou
conscientemente
um
“mercado“.
Hoje
em
dia,
a
produção
comercial
não
de
artigos
culturais
aerodinamizou-‐se,
e
o
impacto
da
cultura
popular
sobre
o
indivíduo
aumentou
concomitantemente.
O
processo
não
se
limitou
à
quantidade,
mas
resultou
em
novas
qualidades.
Embora
a
cultura
popular
recente
tenha
absorvido
todos
os
elementos
e
difere
na
medida
em
que
se
desenvolveu
e
passou
a
constituir
um
sistema.
Nessas
circunstâncias,
a
cultura
popular
já
não
se
limita
a
determinada
formas,
como
romances
ou
musicas
de
dança,
mas
apossou-‐se
de
todos
os
meios
de
expressão
artística.
A
estrutura
e
o
significado
dessas
formas
exibem
um
paralelismo
surpreendente,
ainda
que
pareçam
ter
muita
pouca
coisa
em
comum
à
superfície
(como
no
caso
do
Jazz
e
do
romance
policial).
A
sua
produção
aumentou
a
tal
ponto
que
é
quase
impossível
fugir-‐lhes;
e
até
os
que
antigamente
se
mantinham
distantes
da
cultura
popular
–
a
população
rural
de
um
lado
e
as
pessoas
cultas
do
outro
–
sofreram
sua
influência.
Quanto
mais
se
expande,
tanto
mais
tende
o
sistema
de
“negociar“
cultura
a
assimilar
a
arte
“séria“
do
passado,
adaptando-‐a
aos
próprios
requisitos
do
sistema.
O
controle
é
tão
extenso
que
qualquer
infração
das
suas
regras
é
a
priori
estigmatizada
como
”intelectual”
e
tem
pouquíssimas
possibilidades
de
chegar
ao
grosso
da
população.
O
esforço
concertado
do
sistema
resulta
no
que
se
poderia
denominar
a
ideologia
preponderante
do
nosso
tempo.
Existem,
por
certo,
muitas
mudanças
típicas
no
interior
do
padrão
atual;
por
exemplo,
os
homens,
em
outros
tempos,
eram
apresentados
como
eroticamente
agressivos,
ao
passo
que
as
mulheres
se
mantinham
na
defensiva;
hoje
em
dia,
porém,
a
situação
se
inverteu
substancialmente
na
moderna
cultura
de
massa,
como
o
assinalaram
sobretudo
Wolfenstein
e
Leites.
O
mais
importante,
contudo,
é
que
o
próprio
patrão,
apenas
perceptível
nos
primeiros
romances,
e
basicamente
preservado
hoje,
agora
se
congelou
e
padronizou.
Acima
de
tudo,
essa
rígida
institucionalização
transforma
a
cultura
de
massa
moderna
num
meio
de
controle
psicológico
jamais
sonhado.
A
natureza
2
repetitiva,
a
mesmice
e
a
ubiquidade
da
cultura
de
massa
moderna
tendem
a
provocar
reações
automatizadas
e
a
debilitar
as
forças
da
resistência
individual.
Quando
o
jornalista
Defoe
e
o
impressor
Richardson
calcularam
o
efeito
das
suas
mercadorias
sobre
o
público,
precisaram
fazer
conjeturas,
seguir
palpites;
e
assim
se
estabeleceu
uma
certa
latitude
para
o
desenvolvimento
de
aberrações.
Tais
aberrações
foram
reduzidas,
hoje,
a
uma
espécie
de
escolha
entre
muito
poucas
alternativas.
O
que
se
segue
pode
servir
de
ilustração.
Os
romances
populares
ou
semipopulares
da
primeira
metade
do
século
XIX,
publicados
em
grandes
quantidades
e
servindo
ao
consumo
de
massa,
despertavam,
ao
que
supunha,
tensão
no
leitor.
Conquanto
a
vitoria
do
com
sobre
o
mau
fosse
geralmente
arrumada,
os
meandros,
as
tramas
e
as
subtramas
infindáveis
dificilmente
permitiam
aos
leitores
de
Sue
e
Dumas
uma
consciência
continua
da
moral.
Os
leitores
sabiam
de
antemão
que
alguma
coisa
devia
acontecer.
Isto
já
não
ocorre.
Todo
espectador
de
um
programa
de
mistério
da
televisão
sabe
exatamente,
com
absoluta
certeza,
como
é
que
ele
vai
acabar.
A
tensão
se
mantém
apenas
superficialmente
e
já
não
é
provável
que
exerça
um
efeito
sério.
Pelo
contrario,
o
espectador
sente
que
está
pisando
em
um
chão
firme
durante
o
tempo
todo.
Esse
anseio
de
“sentir-‐se
em
chão
firme“
–
que
reflete
uma
necessidade
infantil
de
proteção,
muito
mais
do
que
o
seu
desejo
de
um
frêmito
de
emoção
–
é
satisfeito.
Só
ironicamente
se
preserva
o
elemento
da
excitação.
Tais
mudanças
se
harmonizam
com
a
mudança
potencial
de
uma
sociedade
livremente
competitiva
para
uma
sociedade
virtualmente
”fechada”,
em
que
a
gente
deseja
ser
admitido
ou
da
qual
receia
ser
expulso.
De
certo
modo,
tudo
parece
“predestinado“.
A
força
cada
vez
maior
da
cultura
de
massa
moderna
é
ainda
mais
acentuada
pelas
mudanças
registradas
na
estrutura
sociológica
do
público.
A
velha
elite
culta
já
não
existe;
a
moderna
“intelligentsia“
apenas
parcialmente
corresponde
a
ela.
Ao
mesmo
tempo,
estratos
imensos
da
população,
outrora
não
familiarizados
com
a
arte,
passaram
a
ser
“consumidores“
culturais.
Embora
provavelmente
menos
capaz
da
sublimação
artística
gerada
pela
tradição,
o
público
moderno,
mais
astuto
em
suas
exigências
de
perfeição
de
técnica
e
segurança
de
informações,
bem
como
em
seu
desejo
de
“serviços“,
está
mais
convencido
do
poder
potencial
dos
consumidores
sobre
o
produtor,
seja
ou
não
esse
poder
realmente
exercido.
Também
se
pode
ilustrar
a
maneira
pela
qual
as
mudanças
operadas
no
seio
do
publico
influíram
no
significado
da
cultura
popular.
A
interiorização
desempenhou
um
papel
decisivo
nos
primeiros
romances
populares
puritanos
do
tipo
Richardson.
Esse
elemento
já
não
prevalece,
pois
se
baseava
no
papel
essencial
da
“interioridade“,
tanto
na
sociedade
protestante
original
quando
nos
primórdios
da
sociedade
de
classe
média.
À
medida
que
a
profunda
influência
dos
princípios
básicos
do
protestantismo
foi
declinado,
o
padrão
cultural
tornou-‐
-‐se
mais
e
mais
oposto
ao
“introvertido“.
Como
diz
Riesman,
...
o
conformismo
das
primeiras
gerações
de
norte-‐americanos
do
tipo
que
denomino
“dirigidos
para
dentro”
era
principalmente
assegurado
pela
sua
interiorização
da
autoridade
adulta.
O
norte-‐americano
urbano,
da
classe
média,
de
hoje,
“dirigido
para
outro”,
é
antes,
por
contraste,
num
sentido
caracterológico,
o
produto
de
seus
iguais
–
3
isto
é,
em
termos
sociológicos,
dos
seus
“grupos
de
iguais“,
os
outros
garotos
da
escola
ou
do
quarteirão.i
4
cuidadosamente
examinada.
Por
exemplo,
o
conceito
da
“pureza”
das
mulheres
é
uma
invariável
cultura
popular.
Antigamente,
esse
conceito
era
tratado
em
função
de
um
conflito
íntimo
entre
a
concupiscência
e
o
ideal
cristão
interiorizado
de
castidade,
ao
passo
que
na
cultura
popular
de
hoje
ele
é
dogmaticamente
postulado
como
um
valor
per
se.
Aliás,
até
os
rudimentos
desse
padrão
são
visíveis
em
produções
como
Pamela.
Ali,
contudo,
parece
um
subproduto
ao
passo
que
na
atual
cultura
popular
a
ideia
de
que
apenas
a
“moça
correta”
se
casa
e
precisa
casar
a
qualquer
preço
veio
a
ser
aceita
antes
mesmo
que
principiassem
os
conflitos
de
Richardson.iv
Quanto
mais
incapaz
de
expressão
e
difuso
parece
ser
o
público
dos
meios
modernos
de
massa,
tanto
mais
os
meios
de
massa
tendem
a
alcançar
a
sua
“integração”.
Os
ideais
de
conformismo
e
convencionalismo,
inerentes
aos
romances
populares
desde
o
princípio,
foram
agora
traduzidos
em
prescrições
bem
definidas
do
que
se
deve
e
do
que
não
se
deve
fazer.
O
resultado
dos
conflitos
é
preestabelecido,
e
todos
os
conflitos
são
enganosos.
A
sociedade
sempre
vence,
e
o
indivíduo
não
passa
de
um
boneco
manipulado
através
das
raças
sociais.
É
verdade
que
os
conflitos
do
tipo
do
século
XIX
–
as
esposas
que
desertam
os
maridos,
a
monotonia
da
vida
provinciana
e
as
tarefas
de
todo
dia
–
ocorrem
com
frequência
nas
histórias
das
revistas
atuais.
Entretanto,
com
uma
regularidade
que
desafia
o
tratamento
quantitativo,
tais
conflitos
se
decidem
em
favor
das
mesmíssimas
condições
de
que
essas
mulheres
querem
fugir.
As
estórias
ensinam
que
é
preciso
ser
“realístico”,
abrir
mão
das
ideias
românticas,
ajustar-‐se
a
todo
o
custo,
e
que
nada
mais
se
pode
esperar
de
ninguém.
O
perene
conflito
da
classe
da
classe
média
entre
a
individualidade
e
a
sociedade
reduziu-‐
se
a
uma
vaga
lembrança,
e
a
mensagem,
invariavelmente,
é
a
identificação
com
o
status
quo.
Esse
tema
tampouco
é
novo,
mas
a
sua
inabalável
universalidade
lhe
confere
um
significado
inteiramente
diverso.
O
constante
arrolhamento
dos
valores
convencionais
parece
significar
que
eles
perderam
a
substancia,
e
que
se
teme
que
as
pessoas
sigam
realmente
os
impulsos
dos
seus
instintos
e
as
duas
intuições
conscientes
se
não
forem
continuamente
advertidas
de
que
não
devem
fazê-‐lo.
Quanto
menos
se
acredita
realmente
na
mensagem
e
quanto
menos
se
harmoniza
ela
com
a
existência
real
dos
expectadores,
tanto
mais
categoricamente
é
mantida
na
cultura
moderna.
É
o
caso
de
perguntarmos
se
a
sua
hipocrisia
inevitável
é
concomitante
com
o
grau
primitivo
e
a
severidade
sadista.
Estrutura
de
Múltiplas
Camadas
O
enfoque
psicanalítico
da
televisão
tem
de
visar
à
sua
estrutura
de
camadas
múltiplas.
Os
meios
de
comunicação
de
massa
não
são
apenas
a
soma
total
das
ações
que
eles
retratam,
nem
das
mensagens
que
se
irradiam
dessas
ações.
Os
meios
de
comunicação
de
massa
também
consistem
em
várias
camadas
de
significados,
superpostas
umas
às
outras,
e
todas
as
quais
contribuem
para
o
efeito.
É
verdade
que,
em
virtude
da
sua
natureza
calculadora,
esses
produtos
racionalizados
parecem
melhor
delineados
em
seu
significado
do
que
as
autênticas
obras
de
arte,
que
nunca
podem
ser
reduzidas
a
umas
“mensagem”
inconfundível.
Mas
a
herança
do
significado
polimórfico
foi
encampada
pela
indústria
cultural
na
medida
em
que
se
organiza
o
que
ela
transmite
a
fim
de
fascinar
os
espectadores
simultaneamente
em
vários
níveis
psicológicos.
Na
5
verdade,
a
mensagem
oculta
pode
ser
mais
importante
do
que
a
evidente,
visto
que
a
primeira
escapa
dos
controles
da
consciência,
não
é
“trespassada
com
o
olhar”,
nem
desviada
pela
resistência
das
vendas,
mas
tende
a
penetrar
a
mente
do
espectador.
É
provável
que
os
vários
níveis
dos
meios
de
comunicação
de
massa
envolvam
todos
os
mecanismos
da
consciência
e
do
inconsciente
ressaltados
pela
psicanálise.
A
diferença
entre
o
conteúdo
superficial,
a
mensagem
evidente
do
material
televisado,
e
o
seu
significado
oculto
é
geralmente
pronunciada
e
quase
sempre
nítida.
A
rígida
superposição
de
várias
camadas
se
fundem
de
maneira
muito
mais
completa.
Não
se
pode
estudar
o
pleno
efeito
do
material
sobre
o
espectador
sem
tomar
em
consideração
o
significado
oculto
em
conjunção
com
o
significado
manifesto,
e
é
precisamente
a
interação
das
várias
camadas
que
tem
sido
até
agora
negligenciada
e
será
o
tema
da
nossa
exposição.
Isto
se
concilia
com
a
suposição,
partilhada
por
inúmeros
cientistas
sociais,
de
que
certas
tendências
políticas
e
sociais
do
nosso
tempo,
sobretudo
as
de
natureza
totalitária,
se
alimentam,
consideravelmente,
de
motivações
irracionais
e
amiúde
inconscientes.
Se
a
mensagem
consciente
do
nosso
material
é
mais
importante
do
que
a
sua
mensagem
inconsciente
é
difícil
predizer
e
só
pode
ser
determinado
por
uma
análise
cuidadosa.
Entendemos,
contudo,
que
a
mensagem
manifesta
pode
ser
interpretada
muito
mais
apropriadamente
à
luz
da
psicodinâmica
–
isto
é,
em
relação
com
os
impulsos
dos
instintos
e
com
o
controle
–
do
que
pelo
exame
ingênuo,
que
lhe
ignora
as
implicações
e
pressuposições.
A
relação
entre
a
mensagem
manifesta
e
a
oculta
se
revelará
altamente
complexa
na
prática.
Assim,
a
mensagem
oculta
visa
com
frequência
a
reforçar
atitudes
convencionalmente
rígidas
e
“pseudorrealísticas”
semelhantes
às
ideias
aceitas,
mais
racionalisticamente
propagadas
pela
mensagem
da
superfície.
Inversamente,
permite-‐se
a
certo
número
de
satisfações
reprimidas,
que
desempenham
um
papel
de
relevo
no
nível
oculto,
manifestar-‐se
à
superfície,
traduzidas
em
gracejos,
observações
ambíguas,
situações
sugestivas
e
artifícios
semelhantes.
Toda
essa
interação
de
vários
níveis,
entretanto,
indica
uma
direção
definida:
a
tendência
para
canalizar
a
reação
do
público.
Isto
se
coaduna
com
a
suspeita
amplamente
partilhada,
embora
difícil
de
ser
confirmada
por
dados
exatos,
de
que
a
maioria
dos
espetáculos
de
televisão
objetiva
hoje
produzir
ou,
pelo
menos,
reproduzir,
a
fatuidade,
a
passividade
intelectual
e
a
ingenuidade
que
parecem
ajustar-‐se
aos
credos
totalitários,
ainda
que
a
explícita
mensagem
de
superfície
dos
espetáculos
seja
antitotalitária.
Com
os
recursos
da
psicologia
moderna,
tentaremos
determinar
os
pré-‐
requisitos
primários
dos
espetáculos
que
provocam
reações
maduras,
adultas
e
responsáveis
–
que
implicam,
não
só
no
conteúdo,
mas
também
na
maneira
pela
qual
se
encaram
as
coisas,
a
ideia
de
indivíduos
autônomos
numa
sociedade
democrática
livre.
Compreendemos
perfeitamente
que
qualquer
definição
de
um
indivíduo
nessas
condições
será
arriscada;
mas
sabemos
muito
bem
o
que
um
ser
humano
que
mereça
chamar-‐se
“indivíduo
autônomo”
não
deve
ser,
e
esse
“não”
é
realmente
o
ponto
central
da
nossa
consideração.
Quando
nos
referimos
à
estrutura
de
camadas
múltiplas
dos
espetáculos
de
televisão,
estamos
pensando
nas
várias
camadas
superpostas
de
diferentes
graus
6
de
manifestação
ou
ocultação
utilizados
pela
cultura
de
massa
como
meio
tecnológico
de
“manejar”
o
público.
Isto
foi
expresso
com
muita
felicidade
por
Leo
Lowenthal
ao
cunhar
a
expressão
“psicanálise
ao
avesso”,
da
qual
se
infere,
de
certo
modo,
que
a
indústria
cultural
se
apropriou
do
conceito
psicanalítico
da
personalidade
formada
de
muitas
camadas
e
utiliza-‐o
para
apanhar
o
consumidor
no
laço,
tão
completamente
quanto
possível
e
colocá-‐lo
psicodinamicamente
a
serviço
de
efeitos
premeditados.
Põe-‐se
em
prática
uma
divisão
precisa
entre
satisfações
permitidas,
satisfações
proibidas
e
a
recorrência
das
satisfações
proibidas
numa
forma
um
tanto
modificada
e
defletida.
Para
ilustrar
o
conceito
da
estrutura
de
camadas
múltiplas:
a
heroína
de
uma
comédia
extremamente
leve
é
uma
jovem
professora
que
não
somente
percebe
um
salário
ridículo
mas
também
é
constantemente
multada
por
um
pomposo,
autoritário
e
caricato
diretor.
Nessas
condições,
sem
dinheiro
para
pagar
as
refeições,
ela
está
realmente
morrendo
de
fome.
As
situações
supostamente
engraçadas
consistem
quase
todas
nas
suas
tentativas
de
filar
uma
refeição
de
vários
conhecidos,
no
que
é
sistematicamente
mal
sucedida.
Qualquer
alusão
a
alimentos
ou
ao
ato
de
alimentar-‐se
parece
provocar
hilaridade
–
observação
que
pode
ser
feita
com
frequência
e
convida
a
um
estudo
específico.v
Manifestamente,
a
peça
é
um
leve
passatempo,
ensejado
principalmente
pelas
situações
penosas
em
que
a
heroína
e
o
seu
principal
adversário
se
veem
constantemente
metidos.
O
texto
não
procura
“vender”
ideia
alguma.
O
“significado
oculto“
emerge
simplesmente
da
maneira
pela
qual
a
história
encara
os
seres
humanos;
desse
modo,
o
público
é
convidado
a
encarar
os
personagens
da
mesma
maneira,
sem
ter
consciência
de
que
está
sendo
doutrinado.
A
professora
mal
paga,
maltratada,
é
uma
tentativa
para
se
chegar
a
um
compromisso
entre
o
desdém
vigente
pelo
intelectual
e
o
respeito
igualmente
convencionalizado
pela
“cultura”.
A
heroína
revela
tamanha
superioridade
intelectual
e
mostra-‐se
tão
corajosa
que
o
público
é
convidado
a
indentificar-‐se
com
ela,
ao
mesmo
tempo
que
se
oferece
uma
compensação
pela
inferioridade
da
sua
posição
e
a
da
sua
classe
na
organização
social.
A
personagem
central
não
somente
é
encantadora,
mas
também
faz
piadas
o
tempo
todo.
Em
termos
de
um
padrão
fixo
de
identificação,
o
texto
implica
o
seguinte:
“Se
você
for
tão
engraçada,
tão
bem
humorada,
tão
espirituosa
e
tão
encantadora
quanto
ela,
não
se
preocupe
por
ganhar
um
salário
de
fome.
Poderá
enfrentar
a
sua
frustração
de
uma
forma
cômica;
e
o
seu
espírito
e
a
sua
inteligência
superiores
a
colocarão
não
apenas
acima
das
privações
materiais,
mas
também
o
resto
da
humanidade”.
Em
outras
palavras,
o
texto
é
um
método
sagaz
de
promover
o
ajustamento
a
condições
humilhantes
dando-‐lhes
uma
aparência
objetivamente
cômica
e
apresentando
a
imagem
de
uma
criatura
para
a
qual
a
própria
posição
inadequada
é
objeto
de
riso,
aparentemente
livre
de
qualquer
ressentimento.
Claro
está
que
essa
mensagem
latente
não
pode
ser
reputada
inconsciente
no
sentido
psicológico
estrito,
senão
“discreta”;
a
mensagem
só
é
oculta
mercê
de
um
estilo
que
não
pretende
ventilar
nada
sério
e
espera
ser
considerado
muito
leve.
Não
obstante,
até
um
entretenimento
dessa
natureza
tende
a
fixar
padrões
para
os
membros
do
publico
sem
que
eles
tenham
consciência
disso.
Outra
comédia
feita
em
torno
da
mesma
tese
nos
lembra
as
histórias
em
quadrinhos.
Uma
velha
excêntrica
redige
o
testamento
do
seu
gato
(Mr.
Cassey)
e
7
lega
os
bens
do
bichano
a
alguns
professores.
Mais
tarde,
verifica-‐se
que
a
herança
consiste,
na
realidade,
nos
brinquedos
sem
valor
do
animal.
O
enredo
é
forjado
de
tal
maneira
que
cada
herdeiro,
ao
ouvir
a
leitura
do
testamento,
sente-‐
se
tentado
a
agir
como
se
tivesse
conhecido
o
falecido
(Mr.
Cassey).
O
certo
é
que
a
dona
do
gato
enfiara
uma
nota
de
cem
dólares
dentro
de
cada
brinquedo;
e
os
herdeiros
precipitam-‐se
para
o
incinerador
a
fim
de
recuperar
a
herança.
Dá-‐se
a
entender
ao
público:
“Não
espere
o
impossível,
não
se
entregue
a
devaneios,
seja
realístico.“
A
denuncia
desse
devaneio
arquetípico
é
ressaltada
pela
associação
do
desejo
de
bênçãos
inesperadas
e
irracionais
com
a
desonestidade,
a
hipocrisia
e
uma
atitude
quase
sempre
indecorosa.
Dá-‐se
a
entender
ao
espectador:
“Aqueles
que
se
atrevem
a
devanear,
esperam
que
o
dinheiro
lhes
caia
do
céu,
e
se
esquecem
de
toda
cautela
ao
aceitar
um
testamento
absurdo
são,
ao
mesmo
tempo,
os
que
se
podem
supor
capazes
de
enganar.”
8
parte,
deles.
Todos
estamos
familiarizados
com
a
divisão
do
conteúdo
da
televisão
em
várias
classe,
como
a
comédia
ligeira,
as
histórias
de
bandido
e
mocinho,
as
histórias
de
mistérios,
as
chamadas
peças
sofisticadas,
e
outras.
Esses
tipos
se
desenvolveram
em
Formulas
que,
até
certo
ponto,
preestabeleciam
o
padrão
de
atitudes
do
espectador
antes
do
seu
contato
com
qualquer
conteúdo
específico
e
determinam,
em
grande
parte,
a
maneira
pela
qual
qualquer
conteúdo
especifico
está
sendo
percebido.
Para
compreender
a
televisão
não
basta,
portanto,
expor
as
implicações
de
vários
espetáculos
e
tipos
de
espetáculos;
é
preciso
fazer
um
exame
das
pressuposições
dentro
das
quais
funcionam
as
implicações
antes
de
se
pronunciar
uma
única
palavra.
O
mais
importante
é
que
a
tipificação
dos
espetáculos
foi
tão
longe
que
o
espectador
se
aproxima
de
cada
um
com
um
padrão
fixo
de
expectativas
antes
de
assistir
ao
espetáculo
propriamente
dito
-‐
exatamente
como
o
ouvinte
de
rádio
que,
ouvindo
o
início
do
Concerto
para
Piano
de
Tschaikovsky
como
o
tema
de
uma
canção,
sabe
automaticamente,
“Aha,
música
séria!”
ou,
ouvindo
música
de
órgão,
responde
com
a
mesma
automaticidade
“Aha,
religião!“.
Tais
efeitos
de
halo
de
experiências
anteriores
podem
ser
psicologicamente
tão
importantes
quando
as
implicações
dos
próprios
fenômenos
cuja
cena
eles
preparam;
e
tais
pressuposições,
portanto,
devem
ser
tratadas
com
idêntico
cuidado.
Quando
um
espetáculo
de
televisão
se
intitula
“Inferno
de
Dante”,
quando
a
primeira
tomada
é
de
uma
boate
que
traz
esse
nome,
quando
vemos,
sentado
no
balcão,
um
homem
de
chapéu
na
cabeça
e,
a
certa
distancia,
uma
mulher
de
rosto
triste,
pesadamente
maquilado,
pedindo
outra
dose,
temos
a
quase
certeza
de
que,
dali
a
pouco,
será
cometido
um
crime.
A
situação
aparentemente
individualizada
funciona,
na
realidade,
como
um
sinal
que
encaminha
as
nossas
expectativas
para
uma
direção
definida.
Se
nunca
tivéssemos
visto
nada
a
não
ser
“Inferno
de
Dante”,
talvez
não
estivéssemos
tão
certos
do
que
iria
acontecer;
mas,
sendo
as
coisas
como
são,
dão-‐nos
realmente
a
entender,
por
meio
de
artifícios
mais
ou
menos
sutis,
que
se
trata
de
uma
história
de
crime,
que
estamos
autorizados
a
esperar
algo
sinistro
e
provavelmente
medonho
e
atos
sadistas
de
violência,
que
o
herói
será
salvo
de
uma
situação
que
dificilmente
se
poderia
esperar
que
escapasse,
que
a
mulher
sentada
ao
balcão
talvez
não
seja
a
principal
criminosa
mas
provavelmente
perderá
a
vida
por
ser
amásia
de
um
gangster,
e
assim
por
diante.
Entretanto,
esse
condicionamento
para
padrões
tão
universais
raro
termina
no
aparelho
de
televisão.
A
maneira
pela
qual
se
induz
o
espectador
a
olhar
para
itens
aparentemente
quotidianos,
como
a
boate,
e
a
tomar
por
insinuações
de
um
possível
crime
cenários
comuns
da
sua
vida
de
todos
os
dias,
faz
com
que
ele
encare
a
própria
vida
como
se
ela
e
os
seus
conflitos,
de
um
modo
geral,
pudessem
ser
compreendidos
nos
mesmos
termos.vi
Este
talvez
seja
o
núcleo
convincente
de
verdade
dos
argumentos
antiquados
que
acusam
todos
os
meios
de
comunicação
de
massa
de
incitar
a
criminalidade
no
publico.
O
que
é
decisivo
é
que
a
atmosfera
da
normalidade
do
crime,
a
sua
apresentação
em
termos
de
uma
expectativa
media
baseada
em
situações
da
vida,
nunca
se
expressa
em
tão
poucas
palavras,
mas
é
estabelecida
pela
irresistível
riqueza
de
material.
Pode
interessar
mais
profundamente
certos
grupos
de
espectadores
do
que
a
moral
9
manifesta
do
crime
e
do
castigo,
que
se
deriva
sistematicamente
de
espetáculos
desse
gênero.
O
que
interessa
não
é
a
importância
do
crime
como
expressão
simbólica
de
impulsos
sexuais
ou
agressivos,
aliás
controlados,
mas
a
confusão
desse
simbolismo
com
um
realismo
pedantemente
mantido
em
todos
os
assunto
da
percepção
sensorial
direta.
Dessa
maneira,
infunde-‐se
na
vida
empírica
um
significado
que
virtualmente
exclui
a
experiência
adequada,
por
mais
obstinadamente
que
se
tenha
construído
a
aparência
desse
“realismo”.
Isso
influi
na
função
social
e
psicológica
do
drama.
10
Assim,
as
pessoas
não
somente
perdem
a
verdadeira
visão
interior
da
realidade,
mas
também
acabam
perdendo
a
própria
capacidade
de
experimentar
a
vida,
embotada
pelo
uso
constante
de
óculos
azuis
e
cor-‐de-‐rosa.
Estereotipagem
Ao
enfrentar
esse
perigo,
talvez
não
façamos
inteira
justiça
ao
significado
de
alguns
estereótipos
com
os
quais
temos
de
lidar.
Nunca
deveríamos
esquecer
que
todo
o
fenômeno
psicodinâmico
tem
dois
lados,
o
elemento
inconsciente,
ou
id,
e
a
racionalização.
Conquanto
se
defina
psicologicamente
como
mecanismo
de
defesa,
esta
última
talvez
contenha
alguma
verdade
não
psicológica,
objetiva,
que
não
pode
ser
posta
simplesmente
de
lado
em
virtude
da
função
psicológica
da
racionalização.
Desse
modo,
algumas
mensagens
estereotípicas
dirigidas
para
um
pontos
mais
fracos
da
mentalidade
de
grandes
setores
da
população,
talvez
se
revelem
perfeitamente
legítimas.
Entretanto,
pode
dizer-‐se
justeza
que
as
bênçãos
discutíveis
da
moral,
como
aquela
que
“não
se
deve
permitir
arco-‐íris”
são
obscurecidas
pela
ameaça
de
induzir
as
pessoas
a
simplificações
mecânicas,
deformando
o
mundo
de
tal
maneira
que
ele
parece
ajusta-‐se
a
compartimentozinhos
pré-‐estabelecidos.
11
expressam
uma
idéia.
Afim
de
lidar
com
o
impacto
concreto
dos
sistemas
totalitários
é
mais
recomendável
mostrar
que
a
vida
das
pessoas
comuns
é
transformada
pelo
terror
e
pela
impotência,
do
que
medir-‐se
com
a
falsificada
psicologia
dos
manda-‐chuvas,
cujo
papel
heróico
é
silenciosamente
sancionado
por
esse
tratamento,
mesmo
que
eles
sejam
retratados
como
vilões.
Dificilmente
se
encontrará
uma
questão
tão
importante
quanto
a
analise
da
pseudopersonalização
e
o
seu
efeito,
que,
aliás,
não
se
limita
a
televisão.
Embora
a
pseudopersonalizaçao
denote
a
maneira
estereotipada
de
“encarar
as
coisas”
na
televisão,
devemos
também
apontar
para
certos
estereótipos
no
sentido
mais
restrito.
Muitas
peças
de
televisão
poderiam
ser
caracterizadas
pela
legenda
“uma
garota
bonita
não
pode
errar”.
A
heroína
de
uma
comedia
leve,
para
usarmos
a
expressão
de
George
Legman,
é
uma
“heroína
cadela“.
Comporta-‐se
em
relação
ao
pai
de
forma
desumana
e
cruel,
apenas
ligeiramente
racionalizada
como
“alegres
travessuras”.
E
acaba
sendo
castigada
muito
de
leve,
se
é
que
se
trata
realmente
de
um
castigo.
É
verdade
que,
na
vida
real,
raros
se
castigam
as
más
ações,
mas
isso
não
pode
aplicar-‐se
a
televisão.
Neste
ponto,
os
criadores
do
corte
de
produção
para
o
cinema
parecem
estar
certos:
o
que
importa
nos
meios
de
comunicação
de
massa
não
é
o
que
acontece
na
vida
real,
mas
as
“mensagens”
positivas
e
negativas,
as
prescrições
e
tabus
que
o
telespectador
absorve
através
da
identificação
com
o
material
que
está
vendo.
A
punição
infligida
à
bonita
heroína
só
satisfaz
nominalmente
por
um
segundo
as
exigências
convencionais
da
consciência.
Dá-‐se
porém,
a
entender
ao
espectador
que
a
heroína
bonita,
em
realidade,
se
safa
de
todas
as
dificuldades
pelo
simples
fato
de
ser
bonita.
A
atitude
em
apreço
parece
indicar
uma
inclinação
universal
em
outra
peça,
pertencente
a
uma
série
que
gira
em
torno
da
vigarice,
a
moça
atraente,
vigarista
que
faz
parte
de
faz
parte
de
um
bando
de
malfeitores,
não
somente
consegue
o
livramento
condicional
depois
de
ter
sido
condenada
a
uma
longa
pena,
mas
também
parece
ter
boas
probabilidades
de
casar
com
a
vítima.
A
sua
moral
sexual,
naturalmente,
é
irrepreensível.
Supõe-‐se
que
o
espectador
goste
dela
a
primeira
vista,
como
personagem
modesta
e
recatada
que
é,
e
o
telespectador
nao
pode
ser
decepcionado.
Embora,
se
venha
a
descobrir-‐lhe
as
falcatruas,
urge
restaurar
a
identificação
original,
ou
melhor,
mantê-‐las.
O
estereotipo
da
moça
boazinha
é
tão
forte
que
nem
mesmo
a
prova
da
sua
delinqüência
pode
destruí-‐
lo;
e,
por
bem
ou
por
mal,
ela
precisa
ser
ou
parece
ser.
Nao
será
preciso
dizer
que
esses
modelos
psicológicos
tendem
a
confirmar
as
atitudes
exploradas,
exigentes
e
agressivas
das
moças
–
estrutura
de
caráter
que
veio
a
ser
conhecida
em
psicanálise
sob
o
nome
de
agressividade
oral.
De
vez
em
quando,
tais
estereótipos
são
disfarçados
como
traços
nacionais
norte-‐americanos,
como
parte
do
cenário
da
cultura
norte-‐americana
em
que
a
imagem
da
garota
arrogante,
egoísta,
mas
irresistível
que
arrasa
o
pobre
papai,
passou
a
ser
uma
instituição
pública.
Essa
maneira,
de
raciocinar
é
um
insulto
ao
espírito
norte-‐americano.
A
publicidade
de
alta
pressão
e
a
propaganda
contínua
para
institucionalizar
algum
tipo
antipático
não
fazem
dele
algum
tipo
folclórico
sagrado.
Inúmeras
considerações
de
natureza
aprentemente
antropológicas
tendem
hoje
apenas
a
mascarar
tendências
condenáveis,
como
se
fossem
de
natureza
etnológica,
quase
natural.
A
propósito,
surpreendente
constatar
até
que
12
ponto
o
material
de
televisão,
mesmo
num
exame
superficial,
nos
traz
à
mente
conceitos
psicanalíticos
com
a
qualificação
de
psicanálise
ao
avesso.
A
psicanálise
descreveu
a
síndrome
oral
que
combina
tendências
antagônicas
de
traços
agressivos
e
traços
dependentes.
Essa
síndrome
de
caráter
é
acuradamente
indicada
pela
garota
bonita
que
não
pode
errar,
mas
que,
ao
mesmo
tempo
que
agride
o
pai,
explora-‐o,
dependendo
tanto
dele
quanto,
no
nível
superficial,
se
volta
contra
ele.
A
peça
difere
da
psicanálise
simplesmente
porque
exalta
a
mesmíssima
síndrome
que
é
tratada
pela
psicanálise
como
reversão
às
fase
infantis
de
desenvolvimento,
que
o
psicanalista
procura
dissolver.
Resta
saber
se
alguma
coisa
parecida
se
aplica
a
alguns
tipos
de
heróis
masculinos,
particularmente
o
supermacho.
É
possível
que
ele
também
não
possa
errar.
Finalmente,
deveríamos
tratar
de
um
estereótipo
muito
difundido
tanto
mais
realçado
quanto
mais
aceito
como
coisa
natural
pela
televisão.
Ao
mesmo
tempo,
o
exemplo
talvez
sirva
para
mostrar
que
certas
interpretações
psicanalíticas
de
estereótipos
culturais
não
são
muito
forçadas;
são
idéias
latentes
que
a
psicanálise
atribui
a
certos
estereótipos
sobem
à
superfície.
Existe
a
idéia
popularíssima
de
que
o
artista
não
é
apenas
mal
ajustado,
introvertido
e,
a
priori
um
tanto
ou
quanto
esquisito;
mas
também
que
ele
é
realmente
um
“esteta”,
um
fraco
e
um
“maricas”.
Em
outras
palavras,
o
folclore
sintético
moderno
tende
a
identificar
o
artista
como
homossexual
e
a
respeitar
somente
o
“homem
de
ação”
como
o
homem
de
verdade,
o
homem
forte.
Essa
idéia
está
expressa
de
maneira
surpreendentemente
direta
num
dos
textos
de
comédias
colocados
à
nossa
disposição,
que
trata
um
rapaz,
o
qual,
além
de
ser
o
“toxicômano”
que
aparece
com
tanta
freqüência
na
televisão,
é
também
um
poeta
tímido,
retraído,
e
por
conseguinte,
sem
talento,
cujos
poemas
idiotas
são
ridicularizados.
Ele
está
apaixonado
por
uma
moça,
mas
é
tão
fraco
e
inseguro
que
não
tem
coragem
de
entregar-‐se
às
práticas
bolinativas
que
ela
sugere
com
certa
desfaçatez;
a
moça
por
sua
vez,
é
caricaturada
como
caçadora
de
homens.
Como
sucede
frequentemente
na
cultura
de
massa,
os
papéis
dos
sexos
são
invertidos
–
a
moça
é
inteiramente
agressiva
e
o
rapaz,
aterrorizado
por
ela,
confessa-‐se
“manejado
por
mulheres”
quando
ela
consegue
beijá-‐lo.
Há
insinuações
vulgares
do
homossexualismo,
uma
das
quais
pode
ser
citada:
a
heroína
conta
ao
namorado
que
outro
rapaz
está
apaixonado
por
alguém,
e
o
namorado
pergunta:
“Por
quem
que
ele
está
apaixonado?”
E
ela
responde:
“Por
uma
moça,
naturalmente”
E
o
namorado
“Naturalmente,
por
quê?
Antigamente
era
um
neighbor’s
turtle,
e
o
que
é
mais,
chamava-‐se
Sam.”
Essa
interpretação
do
artista
como
inatamente
incompetente
e
proscrito
social
(pela
insinuação
de
inversão
sexual)
é
digna
de
exame.
Não
queremos
dizer
que
as
ilustrações
é
exemplos
individuais,
ou
as
teorias
pelas
quais
são
interpretados,
sejam
basicamente
novos.
Mas
em
vista
do
problema
cultural
e
pedagógico
apresentado
pela
televisão
não
nos
parece
que
a
novidade
das
conclusões
especificas
devem
ser
uma
preocupação
primordial.
Sabemos
pela
psicanálise
que
o
raciocínio
“Mas
nós
conhecemos
tudo
isso!”
é
frequentemente
uma
defesa,
para
dispensar
as
visões
interiores,
que
se
consideram
impertinentes,
porque
são
realmente
inconfortáveis
e
nos
tornam
a
vida
ainda
mais
difícil
do
que
já
é,
sacudindo
a
nossa
consciência
quando
deveríamos
estar
gozando
“os
prazeres
simples
da
vida”.
A
investigação
dos
13
problemas
da
televisão,
que
aqui
indicamos
e
ilustramos
com
alguns
exemplos
escolhidos
ao
acaso,
exige,
primeiro
que
tudo,
que
levemos
a
sério
noções
vagamente
familiares
para
a
maioria,
colocando-‐as
em
seu
contexto
em
sua
perspectiva
próprios
e
verificando-‐as
através
de
material
pertinente.
Propomo-‐
nos
focalizar
as
questões
que
temos
uma
vaga
mais
inconfortável
consciência,
ainda
que
isso
aumente
o
nosso
desconforto.
A
medida
que
prosseguirem
sistematicamente
os
nossos
estudos.
O
esforço
aqui
referido
é
de
natureza
moral:
enfrentar
conscientemente
mecanismos
psicológicos
que
operam
em
vários
níveis,
afim
de
não
nos
tornar-‐mos
vítimas
cegas
e
passivas.
Só
poderemos
mudar
esse
meio
de
extensas
possibilidades
se
o
encararmos
com
o
mesmo
espírito
que
esperamos
seja,
um
dia,
expressos
pelas
suas
imagens.
i
David
Riesman,
The
Lonely
Crowd
(New
Haven,
1950),
p.v.
ii
a
evolução
da
ideologia
do
extrovertido
também
tem
a
sua
longa
história,
sobretudo
nos
tipos
inferiores
da
literatura
popular
durante
o
19˚
século,
quando
o
código
da
decência
se
divorciou
das
suas
Raízes
religiosas
e,
com
isso,
atingiu
mais
e
mais
o
caráter
de
um
tabu
opaco.
Parece
provável,
no
entanto,
que,
nesse
sentido,
o
triunfo
dos
filmes
assinalou
o
passo
decisivo.
A
leitura
como
ato
de
percepção
e
apercepção
talvez
traga
consigo
uma
espécie
de
interiorização;
o
ato
de
ler
um
romance
se
aproxima
notavelmente
de
um
monologue
interieur.
A
visualização
nos
meios
modernos
de
comunicação
de
massa
favorece
a
exteriorização.
A
idéia
de
interioridade,
mantida
ainda
na
pintura
mais
antiga
de
retratos,
através
da
expressividade
do
rosto,
dá
lugar
a
sinais
óticos
indisfarçáveis,
que
podem
ser
apreendidos
num
relance.
Mesmo
que
um
personagem
de
um
filme
ou
de
um
espetáculo
de
televisão
não
seja
o
que
parece
ser,
a
sua
aparência
é
tratada
de
tal
modo
que
não
deixa
duvidas
quanto
à
sua
verdadeira
natureza.
Dessa
forma,
o
vilão
que
não
é
apresentado
como
um
brutamontes
tem
de
ser,
pelo
menos,
“suave”,
e
a
sua
repulsiva
oleosidade
e
as
suas
maneiras
macias
indicam,
sem
ambigüidades,
o
que
devemos
pensar
dele.
iii
Cumpre
notar
que
a
tendência
contra
à
“erudição”
já
se
evidenciava
nos
14
num
romance
como
The
Loved
One
de
Evelyn
Waugh.
É
quase
certo
que
o
texto
seria
reescrito
e
editado
tantas
vezes
que
não
ficaria
nada
remotamente
parecido
com
a
idéia
do
original.
v
Quanto
mais
a
racionalidade
(o
principio
da
realidade)
é
levada
a
extremos,
tanto
mais
a
sua
meta
final
(a
satisfação
real)
tende,
paradoxalmente,
a
parecer
imatura
e
ridícula.
Não
somente
o
comer,
como
também
as
manifestações
não
controladas
dos
impulsos
sexuais
tendem
a
provocar
o
riso
no
público
–
os
beijos
nas
fitas
de
cinema
tem
de
ser
preparados,
a
cena
tem
de
ser
arrumada
para
evitar
a
hilaridade.
Entretanto,
a
cultura
de
massa
jamais
consegue
extinguir
o
riso
potencial.
Induzido,
naturalmente,
pelo
suposto
infantilismo
dos
prazeres
sensuais,
o
riso
pode
ser
explicado,
em
sua
maior
parte,
pelo
mecanismo
da
repressão.
O
riso
é
uma
defesa
contra
o
fruto
proibido.
vi
Mais
uma
vez,
essa
relação
não
deve
ser
exageradamente
simplificada.
Seja
15