A Moura Torta
A Moura Torta
A Moura Torta
Era uma vez um príncipe que, tendo chegado à idade de se casar, não encontrou nenhuma
moça que lhe agradasse. Seu pai, que já estava muito velho, vivia muito triste por não ter
seu filho encontrado uma princesa para esposa. Receava morrer, deixando o filho solteiro.
Como poderia ele governar seu reino sem uma rainha e sem herdeiros ?
Aconselhou então o príncipe a visitar outros países. Talvez ele encontrasse, fora do reino,
uma princesa capaz de lhe inspirar amor. O jovem aceitou o conselho do seu velho pai e,
para não ser reconhecido, partiu vestido modestamente. Depois de muitos dias de viagem,
quando se achava próximo de uma cidade, encontrou uma velhinha corcunda, carregando
um feixe de lenha. O príncipe ficou com pena da pobre velha e ofereceu-se para carregar a
lenha. Quando chegou à cidade, deu à velhinha uma bolsa cheia de moedas. A velha
agradeceu a bondade do rapaz, abençoou-o e disse:
— Meu filho, não sei como retribuir o que fez por mim. Só tenho estas laranjas para lhe
oferecer. Mas, quando
O príncipe guardou as laranjas e seguiu viagem. Depois de muito caminhar sob um sol
abrasador, sentiu sede. Não encontrando água no caminho, lembrou-se das laranjas da
velha. Tirou uma do alforje e começou a descascá-la. De repente, a laranja partiu-se ao
meio e dela saltou uma linda moça, gritando: — Quero água! Quero água! O rapaz ficou
extasiado com a beleza da moça, mas como não houvesse naquele lugar uma gota dágua,
ela imediatamente desapareceu.
O príncipe ficou muito triste com o fato e seguiu viagem. Dias depois, atravessava ele um
grande deserto, quando sentiu uma violenta sede. Lembrou-se, mais uma vez, das laranjas
e, quando descascava uma, saltou do seu interior uma jovem, ainda mais bela do que a
primeira, pedindo água pelo amor de Deus. O príncipe saiu correndo à procura de água,
mas não conseguiu sequer uma gota. Quando voltou ao lugar, a linda moça havia
desaparecido, sem deixar nenhum vestígio.
O príncipe ficou muito acabrunhado, mas prosseguiu sua viagem. Depois de percorrer
vários países, sem encontrar uma princesa que lhe agradasse, resolveu regressar a seu reino.
Quando se encontrava próximo do palácio do seu pai, sentiu uma sede irresistível. Resolveu
chupar a última laranja, mas, lembrando-se do que acontecera antes, andou até encontrar
um rio. Quando chegou às margens deste, parou e descascou a terceira laranja. Dela saltou
uma jovem mais formosa do que as outras, pedindo um pouco dágua. O príncipe correu e
trouxe do rio um copo dágua, que ofereceu à linda moça. Esta matou a sede e ficou
desencantada. Por isso, não desapareceu.
Contou sua história ao príncipe. Era filha de um rei muito rico, que havia sido transformada
em laranja por sua madrasta, que era feiticeira. O príncipe ficou apaixonado pela moça.
Pediu-a em casamento e foi aceito. Resolveu então apresentá-la ao pai. Mas como a moça
estivesse muito mal vestida, achou conveniente ir sozinho ao palácio buscar roupas bonitas
e uma carruagem para sua noiva. Disse à princesa que subisse a uma árvore, que ficava à
margem do rio, recomendando-lhe que não falasse com ninguém, durante sua ausência.
Feito isso seguiu, a toda pressa, para o palácio.
Mal o príncipe saiu, chegou à beira do rio uma negra muito feia, cega de um olho, a quem
chamavam a Moura Torta. A negra abaixou-se para encher o pote no rio. Nisto, avistou o
belo rosto da moça refletido no espelho das águas. Ficou admirada de tanta formosura.
Julgando que era seu próprio rosto, exclamou:
— Ora essa! Uma moça tão bonita como eu, carregando água! Isto não pode ser! E atirou o
pote nas pedras, reduzindo-o a cacos. Depois disso, afastou-se toda orgulhosa, da beira do
rio. Quando chegou em casa, disse à patroa que o pote havia escorregado de sua mão e
caído no rio.
A patroa ficou aborrecida com a história, mas deu-lhe outro pote e mandou-a de volta ao
rio. Quando a negra mergulhou o pote na água e viu novamente o rosto da moça, refletido
no rio, ficou outra vez convencida da própria beleza. Atirou o pote para longe e voltou para
casa, inchada de orgulho. A moça, ao ver a "pose" da Moura Torta, quase soltou uma
risada, mas conseguiu reprimir o riso e ficou à espera do noivo, que já estava tardando
A patroa, quando viu a negra sem o pote, ficou furiosa. E ameaçou cortá-1a de chicote, se
ela voltasse para casa sem água. A Moura Torta, muito sucumbida, tomou de novo o
caminho do rio, levando, desta vez, um caldeirão de ferro. Quando se abaixou para tirar
água e viu, mais uma vez, a imagem da moça, ficou desesperada. Agarrou o caldeirão de
ferro, que a patroa lhe havia dado, e começou a bater com êle nas pedras.
A princesa ao ver a cena, não se pôde conter e soltou uma boa gargalhada. A Moura Torta,
espantada, olhou para
cima e viu a moça na árvore. Compreendeu logo o que havia acontecido e disse:
— Ah! é você, minha pombinha? Que está fazendo aí nessa árvore? A moça contou que
estava esperando o príncipe, seu noivo. Diante disso, a negra subiu até onde estava a
princesa e começou a conversar com a mesma. Elogiou os lindos cabelos da moça e pediu
licença para penteá-los. A princesa, sem nada desconfiar, atendeu ao seu pedido. Quando a
Moura Torta, que era feiticeira, pôs a mão na cabeleira dourada da moça, aproveitou um
momento de distração desta e enterrou na sua cabeça um alfinete mágico. Imediatamente a
princesa se transformou numa pomba branca, que saiu voando pelo espaço.
A Moura Torta tomou então o lugar da jovem e ficou à espera do príncipe. Quando este
chegou, numa carruagem lindíssima, trazendo ricos vestidos para a noiva, ficou
desapontado ao encontrar, em seu lugar, uma negra feia e caolha. A Moura Torta lhe disse
que tinha ficado assim devido ao sol que queimara a sua pele e aos espinhos da árvore que
haviam furado seu olho.
O príncipe ficou muito acabrunhado, mas, como havia dado sua palavra, levou a bruxa para
o palácio. O rei quase morreu de desgosto quando conheceu sua futura nora, mas ficou
calado para não aborrecer seu querido filho.
Começaram então os preparativos para o casamento. O príncipe enviou convites para todos
os reis e príncipes dos países vizinhos. E a Moura Torta mandou fazer os mais belos
vestidos e as mais ricas jóias. Mas quando os experimentava, ficava ainda mais feia e
ridícula. Ninguém suportava a presença da horrível bruxa.
O jardineiro do rei estava colhendo flores para o casamento, quando viu uma pombinha
branca pousar numa roseira e dizer:
O jardineiro contou o caso ao rei e este ao príncipe. O rapaz ficou intrigado com o
acontecimento. Resolveu vestir a roupa do jardineiro e observar a pombinha.
No dia seguinte, à mesma hora, apareceu, de novo, a pombinha, que pousou num galho de
roseira e exclamou:
O príncipe respondeu:
Come bem, dorme bem, Passa a vida regalada. Tão feliz e sossegado, Como no mundo
ninguém!
E acrescentou: — Põe o teu pezinho aqui, minha pomba. — Não, que o meu pé não foi
feito para laço de darbante. Dizendo isso, a pombinha bateu asas e fugiu. O príncipe
preparou então um laço de ouro. Também falhou Preparou um laço de diamante. Desta vez,
a pombinha deixou-se prender. O príncipe levou-a para o palácio e tratou-a com muito
carinho.
A Moura Torta, vendo a pomba, nela reconheceu a princesa encantada. Disse ao príncipe
que lhe desse a pombinha, pois desejava comê-la. O rapaz ficou com muita
pena, mas não teve remédio senão atender ao pedido da noiva. Antes, porém, de entregar a
linda ave, resolveu fazer-lhe um último carinho e passou a mão pela sua cabeça. Notou,
com surpresa, que nela existia um pequeno caroço. . . Puxando-o, tirou o alfinete mágico.
No mesmo instante, a pomba transformou-se na bela princesa que êle havia deixado na
árvore.
O príncipe ficou radiante de alegria e ouviu da moça a sua triste história. Ficou então
sabendo da malvadeza da Moura Torta. A notícia espalhou-se pela cidade. O povo ficou tão
indignado que correu ao palácio, tirou de lá a bruxa e a queimou na praça pública. Depois,
lançou suas cinzas no rio. O príncipe casou-se com a linda princesa. E o velho rei pôde
então morrer, tranqüilo e feliz, abençoando o filho, que o sucedeu no trono.