Rep Sociais
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E SERGE MOSCOVICI
Rafael Augustus Sega
o conceito de "reprcsentacao social", da sociologia de Emile Durkheim, havia sido esquecido, mas, de uns tempos para ca, tern sido largamente utilizado nas ciencias humanas. 0 resgate foi feito por Serge Moscovici, em 1961, e busca designar fenomenos multiplos, observados e estudados em tennos de complexidades individuais e coletivas ou psicologicas e sociais. Hoje em dia, 0 tenno representacao social saiu da 6rbita da sociologia para gravitar na da psicologia social.
A representacao que urn gmpo elabora sobre 0 que deve fazer para criar uma rede de relacoes entre seus componentcs faz com que defina os mesrnos objetivos e procedimentos especificos. Descobre-se urn primeiro processo de representacao social: a elaboracao, por Ulna coletividade, sob inducao social, de uma concepcao de uma tarefa que nao leva em conta a "realidade" do comportamento social, mas a organizacao do funcionamento cognitivo de grupo.
As representacocs sociais se apresentam como uma rnaneira de interpretar e pensar a realidade cotidiana, uma forma de conhecimento da atividade mental desenvolvida pelos individuos e pelos grupos para fixar suas posicoes em relacao a situacoes, eventos, objetos e comunicacfies que lhes concernem. 0 social intervem de varias formas: pelo contexte concreto no qual se situam grupos e pessoas, pela comunicacao que se estabelece entre eIes, pelo quadro de apreensao que fornece sua bagagem cultural, pelos c6digos, simbolos, valores e ideologias ligados as posicoes e vinculacoes sociais especificas. Em outras palavras, a representacao social e urn conhecimento pratico, que da sentido aos eventos que nos sao normais,
Rafael Augustus Sega e professor de Historia no Centro Federal de Educacao Tecnologica do Parana, Unidade de Pato Branco, e doutorando em Historia no Programa de P6sGraduacao em Hist6ria do Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do SuI.
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forja as evidencias da nossa realidade consensual e ajuda a construcao social da nossa realidade.
A representacao e sempre a atribuicao da posicao que as pessoas ocupam na sociedade, toda representacao social e representacao de algum a coisa ou de alguem. Ela nao e copia do real, nem c6pia do ideal, nem a parte subjetiva do objeto, nem a parte objetiva do sujeito, ela e 0 processo pelo qual se estabelece a relacao entre 0 mundo e as coisas.
o aspecto da imagem, 0 lade figurativo da representacao, e inseparavel de seu aspecto significativo, a estrutura desdobrada de cada representacao tern duas faces tao indissociaveis como 0 verso e 0 reverso de Ulna folha de papel: a face figurativa e a face simb6lica. Mesrno nas representacoes sociais mais basicas, e 0 processo de elaboracao cognitiva e simb6lica que estabelece os comportamentos. E esse sentido que a nocao de representacao social inova em relacao as outras formas psicol6gicas, ela relaciona processos simbolicos e procedirnentos. Mas pode-se afirrnar, a partir disso, que as representacoes circulam na sociedade e que, assim, elas pr6prias terao urn papel e urna eficacia especifica.
Para Denise J odclet, a representacao social tern cinco caracteristicas fundarnentais:
a) e SelTIpre representacao de urn objeto;
b) tern sempre urn carater imagetico e a propriedade de deixar in-
tercambiaveis a sensacao e a ideia, a percepcao e 0 conceito;
c) tern urn carater simb6lico e significante;
d) tern urn carater construtivo;
e) tern urn carater autonomo e criativo.
Os divers os estudos dos fenomenos representatives abordam a dupla questao que e a base da teoria: como 0 social intervem na elaboracao psicologica que constitui a representacao social e como essa elaboracao psicol6gica intervem no social?
No caso das relacoes etnicas, inter-raciais ou intergrupais, como os julgarnentos sociais, os exemplos sao explicitos quando a tendencia e fixar a imagem do outro dentro de urn status "natural" ou biologico. Essa "biologizacao" do social transforma as diferencas sociais em diferencas de ser. Isso produz teorias sociais nas quais a historia nos ensina tristes licoes.
A estabilizacao do nucleo figurativo, a materializacao, a espacializacao dos seus elementos lhes conferem 0 estatuto de ambiencia e de instrumento para orientar as percepcoes e os julgamentos numa realidade socialmente construida. Sao dados os utensilios para a estabilizacao, a
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ancoragem, segundo processo de representacao social. Esse segundo processo trata do enraizamento social da representacao e de seu objeto. Nesse caso, a intervencao do social se traduz na significacao e na utilidade que lhes sao conferidas.
A ancoragem comporta, entretanto, urn outro aspecto, que diz respeito a integracao cognitiva do objeto representado no sistema de pensamento preexistente e as transformacoes decorrentes.
o sistema de interpretacao tern uma funcao de mediacao entre 0 individuo e 0 seu meio e entre os membros de urn mesmo grupo. Capaz de resolver e exprimir problemas comuns, torna -se c6digo, linguagem cornum, servindo para classificar os individuos e eventos, construir tipas nos quais as outros individuos e as outros grupos serao avaliados e posicionados. A representacao social se torna urn instrumento referencial que permite a cornunicacao em uma mesma linguagem.
E importante ressaltar as tendencias mais recentes de pesquisa sabre a cognicao, as imagens e a epistemologia convergem para a formulacao de certas imagens e estruturas de pensamento. Para superar as insuficiencias dessas teorias inspiradas no behaviorismo, pareceu necessario entender as representacoes como "teorias implicitas, que dao conta de operacoes mentais na interacao cotidiana com 0 rnundo, e em particular a integracao da novidade".
o contato entre a novidade e 0 sistema de representacao preexistente e a fonte de duas ordens de fenomenos, de alguma maneira em oposicao, que da as representacoes a dualidade de serem tanto inovadoras como rigid as . Ocorrem convers6es de experiencias, de percepcoes que conduzem a uma nova visao.
Os conceitos analiticos abrem inumeras categorias de Iinguagem, introduzindo Ulna outra ordem no ambiente, transfonnando os instrumentos naturais de compreensao, deixando os anteriores caducos.
Sob urn outro ponto de vista, a "familiarizacao do estranho", junto a ancoragern, faz com que prcvalecam as meios de pensamento antigos, arrumando os ja conhecidos. Essa categoria de pensamento caracteriza-se pela memoria e pela predorninancia de posicoes estabelecidas, aciona mecanismos gerais como classificacao, categorizacao, denorninacao e procedimentos de explicacao que obedecem a uma logica especifica. Cornpreender alguma coisa de novo, apropriar-se, e tambern explicar. 0 sistema de representacao fornece as meios, as balizas pelas quais a ancoragem vai classificar no familiar e explicar de uma maneira fami liar.
Isolando os mecanismos sociocognitivos que funcionam no pensa-
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mento social, 0 estatuto das representacoes sociais oferece uma alternativa excelente para os modelos de cognicao social. Seu alcance dentro da psicologia social vai muito alern, existcm ligacoes COITI a linguagem, a ideologia, 0 universo simb6lico eo imaginario social.
Por seu papel na orientacao das condutas e praticas sociais, as representacoes sociais sao 0 objeto de estudo que restitui it disciplina suas dimens5es historicas, sociais e culturais. Sua teoria deveria permitir uma aproximacao entre a psicologia social e as ciencias sociais, buscando unificar uma serie de questoes situadas entre essas disciplinas.
Para Serge Moscovici, ocorreu uma redescoberta do espirito nos ultimos anos. A razao disso reside num problema fundamental da psicologia social, ciencia fundada para formular as leis do espirito social. Distinguem-se tres fases na evolucao dessa disciplina; cada uma caracterizada por urn conceito bern definido: as atitudes sociais, as cognicoes sociais e as representacoes sociais. Em cada fase foi possivel resolver as dificuldades da fase precedcnte, 0 que era periferico numa fase tornouse central na seguinte.
As atitudes sao definidas em estruturas cognitivas, estados de espirito voltados para valores e estados de disponibilidade organizados atraves da experiencia. 0 hornem e muito mais Ulna criatura racionalizante do que racional. Suas mudancas de atitude e cognicao refletem seu esforce em alinha -las em relacao a seus comportamentos e seus motivos subjetivos, e nao 0 contrario. Toda vez que surge urn conflito entre Ulna opiniao e uma acao, 0 homem nao confia apenas na razao para resolve- 10. Ele racionaliza para reduzir a tensao entre as duas, e, se 0 conflito e
de origem externa, a tensao e menor. 4
Quando 0 cerebro efetua uma analise, nota-se a presenca de uma schemata. Esses esquemas sao como conexoes cognosciveis, organizacoes mentais que se situam entre a percepcao e a memoria, que buscam ordenar 0 fluxo de informacoes nao selecionadas em modelos apropriados. 0 prop6sito da schemata e remeter para a memoria uma situaC;ao anterior e sugerir urn comportamento conveniente para a situacao presente. Ela age de certa forma como modelos au como rascunhos, 0 presente copia 0 passado e, assim, evita a surpresa e seus decorrentes elementos imaginaries. Pode-se concluir que procuramos as informacoes que confirmam nosso ponto de vista e negligenciamos as que possam enfraquece-lo.
Os resultados das pesquisas em psicologia social mostram que existe uma certa impermeabilidade a informacao. As informacoes sao dispersas e se manifestam em diversas circunstancias Tanto que os sabios inge-
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nuos, as pessoas que tendem a resistir aos fatos, nao aceitam as teorias implicitas do conhecimento. Eles tendem a excIuir certas informacoes e apegar-se a outras menos importantes. Essas crencas conservam todas as informacoes que Ihes confinnam e se livram de todas as que lhes invalidam.
Cada um de nos vive dentro de um mundo fechado e tenta reproduzir nos outros comportamentos que confirmem as ideias preconcebidas que fazemos deles; na verdade, criamos essas informacoes. Uma vez que essas informacoes se manifestem, elas confirmam as coordenadas iniciais do nosso mundo individual e perpetuam-no.
o sabio ingenue, ao tentar buscar Ulna explicacao para 0 comportamento de uma pessoa, escolhe entre atribuir a causa do comportamento a suas disposicoes (carater, motivos, etc.) ou as circunstancias. 0 sabio ingenue e, entao, urn mau sabio. Ele 6 impermeavel as informacoes, limitando-se a confinnar suas proprias teorias no Iugar de falsifica-Ias, explica tudo que observa fundamentando-se em causas pessoais. Ele mantem seus enos sistematicos porque muda-los significa perigo a sua logica pessoal e a sua intuicao.
A cognicao social estava consagrada ao impasse desde 0 inicio, pois se limitava a urn so aspecto, a percepcao. Ao mesmo tempo, a realidade em questao era considerada como neutra, nao social e presumidamente objetiva. Por outro lado, urn des resultados mais chocantes e que tais experiencias nos forcaram a reconhecer que a informacae advinda do mundo exterior 6 modelada nao pela realidade neutra, mas por teorias e pre-concepcoes implicitas, e sao elas que modelam 0 mundo pelas pessoas, essa e a conclusao a que chega alguern que trabalha de alguma maneira com as representacoes sociais. Para Serge Moscovici, nao s6 as nossas imagens do mundo social sao urn reflexo dos eventos do mundo social, mas os proprios eventos do mundo social podem ser reflexos e produtos de nossas imagens do mundo social.
As representacoes sociais nascem no curso das variadas transformacoes que geram novos conteudos. Durante essas metamorfoses, as coisas nao apenas se modificam, sao tambem vistas de urn ponto mais claro. As pessoas tomam-se receptivas a manifestacoes que anteriormente lhes haviam escapado. Todas as coisas que nos tocam no mundo a nossa volta sao tanto a efeito de nossas representacoes como as causas dessas representacoes.
Os preconceitos sao dificiImente dissipados, os estereotipos nao sao enfraquecidos, pois, para Moscovici, nao existe nada na representacao que nao esteja na realidade, exceto a representacao eln si.
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
JODELET, Denise. Representation sociale: phenomemes, concept et theorie. In:
Psychologie sociale. Paris: PDF, 1990.
MOSCOVICI, Serge. L' ere des representations sociales. In: Textes de base en
psychologie. Paris: TDE, 1990.
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