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Lei Da Boa Razao

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A LEI DA BOA RAZO E AS FONTES DO DIREITO: INVESTIGAES SOBRE AS MUDANAS NO DIREITO PORTUGUS DO FINAL DO ANTIGO REGIME THE "LEI

DA BOA RAZO" AND THE SOURCES OF LAW: INQUIRIES ABOUT THE CHANGES ON PORTUGUESE LAW IN THE END OF ANCIEN RGIME Gustavo Csar Machado Cabral RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar as mudanas ocorridas em Portugal no final do Antigo Regime, especialmente a partir dos governos de D. Jos I e do Marqus de Pombal (1750-1777). O foco do estudo so as mudanas oriundas da promulgao da Lei da Boa Razo (1769), a qual alterou profundamente a sistemtica das fontes do direito portugus. Apesar de as leis, em sentido amplo, j ocuparem papel relevante entre as fontes no perodo anterior a 1769, foi com a Lei da Boa Razo que se consolidou essa predominncia da legislao ptria. Alm de privilegiar os atos legislativos emanados do rei, a Lei da Boa Razo cuidou da interpretao, preferindo a interpretao autntica e a realizada pela Casa da Suplicao, cuja atividade, principalmente para a recepo do direito natural, foi fundamental para o perodo. PALAVRAS-CHAVES: Antigo Regime. Fontes do Direito. Lei da Boa Razo.

ABSTRACT This paper intends to discuss the changes happened in Portugal in the end of the Ancien Rgime, especially from the governments of D. Joseph I and the Marquis of Pombal (1750-1777). The focus of this study are the changes coming from the enactment of the Lei da Boa Razo (1769), which has profoundly modified the systematic of the sources of Portuguese Law. Although the laws have already occupied a relevant role among the sources of Law before 1769, the Lei da Boa Razo consolidated this leading figure of the domestic laws. Besides focusing on the legislative acts emanating from the King, the Lei da Boa Razo dealt with the interpretation, preferring authentic interpretation and the interpretation executed by the Casa da Suplicao, which activities, mainly in the reception of the Natural Law, were primordial to that time. KEYWORDS: Ancient Rgime. Sources of Law. Lei da Boa Razo. INTRODUO A segunda metade do sculo XVIII representou, para Portugal, um perodo singular. Internamente, viu-se uma alterao no cenrio poltico: a partir de 1750, quando assumiu o trono D. Jos I, instalou-se um governo forte e centralizado, no qual a figura do Ministro Sebastio Jos de Carvalho e Mello, futuro Conde de Oeiras e Marqus de Pombal, simbolizou a autoridade do Estado. Esse novo governo tratou de implementar uma srie de reformas que atingiram diversos pontos. Na economia, a necessidade de se aumentar a arrecadao fez com que a Coroa se fizesse mais presente no Brasil, a mais importante de suas colnias, realizando com mais intensidade a fiscalizao tributria na regio das Minas. Em outras reas da colnia, procurou-se incentivar a agricultura, que ficara esquecida desde a descoberta do outro. Procurou-se, na Metrpole, dar incentivos indstria nacional, ainda bastante incipiente. O objetivo dessas medidas era um s: fazer diminuir a dependncia externa de Portugal e promover o desenvolvimento nacional[i]. A Administrao sofreu mudanas nessa poca. No mbito fazendrio, para dar mais segurana arrecadao de tributos no local onde mais se contribua para dar riquezas a Portugal, as Minas Gerais, foram criados as Intendncias do Ouro e, posteriormente, o cargo de Intendente-Geral do Ouro, bem como a Intendncia dos Diamantes[ii]. Na justia, descentralizou-se a jurisdio de segunda instncia com a criao do Tribunal da Relao do Rio de Janeiro, em 1751, o qual facilitou a aplicao do Direito Real nas regies mais distantes de Salvador, onde ficava o nico Tribunal da Relao at ento, o da Bahia. O Direito no passou imune por mudanas. Em 18 de agosto de 1769, promulgou-se a Lei da Boa Razo, a qual cuidava de um problema elementar, o das fontes do direito. Apesar de a monarquia nacional portuguesa j estar consolidada h sculos, a questo das fontes do direito permanecia problemtica, em virtude da fora de que dispunha o direito subsidirio, composto por elementos como o direito cannico e o direito romano. A existncia de uma consolidao de leis, as Ordenaes Filipinas (1603), e de uma infinidade de normas esparsas no era suficiente para sanar todas as divergncias e conflitos na aplicao das leis. Dentro do cenrio poltico que permeava Portugal na metade do sculo XVIII, dvidas sobre as fontes do direito seriam extremamente prejudiciais para as reformas que se pretendiam. E mais: a falta de segurana jurdica gerada por esse problema ia de encontro aos planos polticos josefinos e pombalinos. O modelo de Estado que se tentava implantar na poca, fortemente influenciado pelo iluminismo[iii], fez surgir em Portugal o que se convencionou chamar de despotismo esclarecido: um governo forte e autoritrio, que se utilizava de preceitos iluministas na conduo do Estado. Nesse contexto, a Lei Boa da Razo o principal objeto de investigao deste artigo. Aps dar explicaes gerais necessrias sobre a situao poltica e econmica de Portugal no sculo XVIII e tratar do
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010

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tema das fontes do direito at a promulgao da referida lei, investigam-se as alteraes trazidas pelo mencionado diploma, abordando-se, principalmente, os seguintes pontos: a idia de boa razo, a lei enquanto fonte principal, as fontes subsidirias, as interpretaes e o papel da Casa da Suplicao. Pretende-se, assim, apresentar um panorama geral do Direito Portugus com a vigncia da Lei da Boa Razo, relacionando essa nova situao ao contexto poltico em que se inseriu Portugal no final do Antigo Regime. 1 O REINO DE PORTUGAL NO SCULO XVIII Por questes sucessrias, Portugal foi anexado pela Espanha, no final de 1580, passando o rei espanhol a acumular a coroa portuguesa. Portugal no deixou de ter um rei prprio, mas este era o mesmo da Espanha, e assim foi at que, em 1640, um movimento liderado pelo Duque de Bragana expulsou os espanhis e restaurou a independncia, consolidada com as cortes de 1641, as quais confirmaram no trono o referido nobre, dali em diante chamado de D. Joo IV, no trono. Os eventos que se sucederam reconquista da soberania portuguesa causaram prejuzos a Portugal. Guerras freqentes com a Espanha e com a Holanda, neste caso para expulsar os batavos do Nordeste do Brasil, ocasionaram um endividamento externo considervel, alm de terem representado o fim da parceria com os holandeses no negcio do acar. A perda econmica, portanto, se manifestou de duas formas: a guerra com a Holanda, alm de cara, causou a superao da produo aucareira luso-brasileira pelo plo produtor holands no Caribe. Enquanto os reinados de D. Joo IV (1640-1656), D. Afonso VI (1656-1683) e D. Pedro II (16831706) foram marcados pela beligerncia e pelas dificuldades financeiras, os tempos do reinado de D. Joo V foram bem diferentes, caracterizados por paz e riqueza; a ausncia de guerras externas, a estabilidade poltica dentro de Portugal e o sucesso do domnio sobre o Brasil garantiram uma situao tranqila, ainda mais saborosa em virtude dos excelentes resultados do empreendimento colonial. Representaram esses anos o auge da explorao aurfera no Brasil, transferindo-se da Colnia Metrpole uma quantidade impressionante de riquezas. Com ela, financiou-se o luxo da Corte de D. Joo V, cujo principal smbolo era a suntuosa Biblioteca Real, a qual, com seus cerca de sessenta mil volumes, era uma das maiores do seu tempo[iv]. Os altos custos de uma corte rica eram garantidos pela aplicao de boa parte dos recursos extrados do Brasil. A exuberncia dos resultados, como nos luxuosos palcios reais, custou caro a Portugal, em que pese no ter sido essa riqueza observada nas ruas; apesar de Lisboa ser uma das cinco maiores cidades da Europa na poca, a sua infra-estrutura era lastimvel, enfrentando graves problemas de higiene, de iluminao e de segurana[v]. Ao falecimento de D. Joo V, em 1750, seguiu-se a ascenso de D. Jos I ao trono portugus, momento em que se constatou a necessidade de se reestruturar financeiramente o Pas, em razo da preocupante situao das contas pblicas, e o aumento da arrecadao passou a ser a principal alternativa. A fim de cuidar da principal fonte de receita da poca, a minerao no Brasil, D. Jos designou Carvalho e Melo que seria Conde de Oeiras em 1759 e Marqus de Pombal em 1769 , logo aps traz-lo para comandar o seu Ministrio. Um evento contribuiu decisivamente para consolidar essa necessidade de virada dos rumos da poltica fiscal: o terremoto que destruiu Lisboa, em 1 de novembro de 1755[vi]. Combatendo a superstio religiosa, de matriz jesuta, para quem o desastre seria fruto do castigo divino, Carvalho e Melo afirmou que a tragdia tivera causas naturais e soube tirar proveito dos acontecimentos para implantar um novo modelo de Estado. Trs pontos sintetizavam os planos de Carvalho e Melo: introduo de indstrias em Portugal, fazer do comrcio algo ainda mais rentvel e conseguir o melhor proveito do ouro que vinha do Brasil[vii]. O que se pretendia era diminuir, na economia portuguesa, a dependncia externa, em especial da Inglaterra, a qual s havia aumentado desde o Tratado de Methuen, de 1703. A estratgia pombalina era fazer de Portugal um pas industrializado e moderno, e a principal fonte de recursos para essa almejada revoluo industrial no seria outra que a oriunda das minas brasileiras. Desta forma, o modelo econmico que se pretendia no era o liberal, que vinha sendo adotado pela Inglaterra, mas o velho modelo mercantilista[viii]. A idia metalista[ix] era encarada como fundamental para o Portugal desses tempos, possibilitandolhe a industrializao. Outro elemento fundamental do mercantilismo encontrado no modelo pombalino a idia de pacto colonial[x], cabendo principal colnia portuguesa, o Brasil, servir de fonte de recursos para Portugal e de mercado consumidor para a produo portuguesa. Disso se percebe que o mercantilismo pombalino foi uma reao ao liberalismo ingls e uma tentativa de financiar a industrializao portuguesa. No se pode afirmar que, caso esta tivesse sido bemsucedida, Portugal teria adotado uma poltica econmica liberal, na busca por mercados consumidores para
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os seus produtos; no entanto, a tendncia que tivesse seguido essa direo. Os rumos polticos e econmicos dados por Pombal, ainda que bem-sucedidos, sofreram crticas, tendo sido Carvalho e Melo acusado de proteger a burguesia e de tomar medidas contrrias nobreza e ao clero. Certo que a tese da supremacia da autoridade real no comportava excees e se estendia a todo o Estado; a condenao do Marqus de Tvora, do Duque de Aveiro e de outros importantes membros da nobreza pelos crimes de lesa-majestade, traio e rebelio contra o rei[xi], em 1758, e a expulso dos jesutas do Imprio Portugus[xii], no ano seguinte, mostraram que D. Jos I e o Marqus de Pombal no mediram esforos para acabar com qualquer tipo de oposio ao seu projeto para Portugal. O governo instaurado em Portugal em 1750, desta forma, pretendeu ser suficientemente forte para implementar as reformas das quais o Pas necessitava. No se discutia a legitimidade do seu poder[xiii], o que implicava estar o soberano apto a guiar Portugal da maneira como bem entendesse[xiv]; assim, D. Jos I cuidou de ser um rei-legislador dos mais profcuos, destacando-se nessa atividade. Desta forma, o Estado Portugus da segunda metade do sculo XVIII foi amplamente marcado pela fora das leis produzidas pelo monarca. A relevncia do Direito nesse contexto foi tamanha que surgiram leis justamente para regular o prprio Direito, num exerccio auto-reflexivo sem o qual a autoridade real no pode exercer plenamente os seus poderes. 2 AS FONTES DO DIREITO EM PORTUGAL AT 1769 Ao tratar das fontes do direito em Portugal, este trabalho fez do ano de 1769 um paradigma, em razo de que, nessa data, alterou-se consideravelmente o disciplinamento legal do tema. Em tpico prprio, as referidas alteraes merecero reflexo especfica. Antes de tudo, preciso afirmar as dificuldades que cercam o tema das fontes do direito. Expresso plurissignificativa, o seu emprego se d, freqentemente, de modos diversos. Trcio Sampaio Ferraz Jnior constatou essa ambigidade no uso da expresso, a qual pode significar, de forma simultnea e confusa, a origem histrica, sociolgica, psicolgica, mas tambm a gnese analtica, os processos de elaborao e de deduo de regras obrigatrias, ou, ainda, a natureza filosfica do direito, seu fundamento e sua justificao [xv]. No mbito da dogmtica, precisamente na dogmtica analtica, Ferraz Jnior constata que a utilizao da expresso fonte serve para descrever os modos de formao das normas jurdicas, ou seja, sua entrada no sistema do ordenamento [xvi]. nesse sentido, por exemplo, que Miguel Reale[xvii] emprega o termo fonte e deste conceito que se parte neste trabalho. Voltando ao perodo que ora se estuda, deve-se dizer que a posio da lei enquanto principal fonte do direito em Portugal j estava consolidada h alguns sculos, pelo menos desde a Baixa Idade Mdia. Sobre o Direito dessa poca, vlido mencionar que uma das alteraes mais visveis entre os ordenamentos medievais e os modernos foi, justamente, o fim, ou, pelo menos, a diminuio do pluralismo que caracterizou o medievo. Conviviam ordenamentos internos e externos, direito nacional (iura propria) e direitos externos, de matrizes romano-cannicas (ius commune) [xviii]. Na Ibria, a lei foi utilizada desde tempos bem anteriores e com muito mais freqncia do que em outras regies[xix]; exemplo disso foi o Liber Iudiciorum ou Lex Visigothorum, compilao de leis visigticas do sculo VII, assim como as prprias Siete Partidas, finalizadas em 1265, durante o reinado de Alfonso X de Castela, e aplicadas em Portugal. Precoce tambm foi a atividade legislativa prpria de Portugal. As Ordenaes Afonsinas, primeiro corpo de leis essencialmente portugus, apareceram em 1446; tratavam-se, em verdade, de uma compilao de leis e no de um cdigo com leis novas, e isso s indica ser ainda anterior ao sculo XV a utilizao das leis como fonte do direito. A elas, s Ordenaes Afonsinas, seguiram-se as Manuelinas (1521) e as Filipinas (1603). As leis das quais se tratou eram os atos dos soberanos, cujas principais caractersticas eram a generalidade e a destinao a todos os sditos ou a uma parte deles. Estava intimamente ligada idia de iurisdictio, que, antes do sculo XVIII, correspondia titularidade do poder de aplicar e de produzir direito, seja a produo anterior ou concomitante com a aplicao[xx]. Mas o termo latino lex, ao qual se faz a correspondncia com a idia de lei, era bem mais amplo no setecentos: compreendia os atos legislativos do soberano, o direito romano, os costumes e a legislao estatutria[xxi]. Mais prximo estava da idia de fonte do direito. No se pode, desta forma, compreender as leis das quais se trata aqui como as leis com as caractersticas liberais, fruto de deliberaes parlamentares; por lei, no perodo analisado, quer-se expressar uma idia mais prxima do conceito de lex acima apresentado. Jos Homem Correia Telles, ao analisar a Lei da Boa Razo, no comeo do sculo XIX, indica que, mais importante do que a forma, o elemento material, a fora de lei que possuem os diferentes instrumentos normativos de que dispunha o legislador portugus do sculo XVIII[xxii]. Considervel foi a atividade legislativa em Portugal mesmo antes de 1750. S em relao a 1701,
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por exemplo, Jos Justino de Andrada e Silva relacionou vinte e um alvars, trs provises e duas cartas rgias[xxiii]. Os autores da primeira metade do sculo XVIII, contudo, no se mostravam favorveis a uma intensa atividade legislativa; Airton Seelnder[xxiv] faz referncia especial a dois juristas, Diogo Guerreiro C. de Aboym (1663-1709) e Joo Pinto Ribeyro (+1649), para quem o papel do rei seria conservar o ordenamento e as leis existentes, a fim de que elas mantivessem a pureza inerente aos diplomas antigos. No obstante o posicionamento dos referidos autores, a atividade legislativa no pode ser considerada inexpressiva: em 1709, ano da morte de Aboym, foram publicadas vinte e quatro leis[xxv], enquanto que, em 1729, ano da edio das obras de Ribeyro utilizadas por Seelnder, foram publicadas oito[xxvi]. No comeo do sculo XVIII, a principal referncia legal portuguesa eram as Ordenaes Filipinas, as quais seguiram a tradio inaugurada pela Ordenaes Afonsinas de se privilegiar o direito ptrio, nascido internamente em Portugal; igualmente, previa o que se convencionou chamar dirieto subsidirio, aquele que seria aplicvel nos casos em que o direito principal, o ptrio, no poderia ser utilizado. As hipteses de emprego do direito subsidirio, contudo, eram to extensas que h autores, como Paulo Ferreira da Cunha[xxvii], que se posicionam por uma ligeira falseabilidade dessa subsidiaridade: as hipteses em que cabia o direito subsidirio eram to freqentes que estaria descaracterizada a prpria de idia de que seriam supletivas. O Ttulo LXIV do Livro Terceiro das Ordenaes Filipinas indica as fontes do direito: leis, estilos da Corte e costumes; subsidiariamente, o direito romano, o direito cannico[xxviii] e a doutrina, em primeiro lugar as Glosas de Acrsio e, em segundo, as de Brtolo. Caso ainda assim no se resolvesse o problema, cabia a interpretao autntica, por deciso do prprio Rei, j que atuava como legislador. Havia, contudo, um condicionamento aplicao do direito romano: As quaes Leis Imperiais mandamos, smente guardar pola boa razo em que so fundadas. Tratava-se, portanto, de limitar o emprego do direito romano aos casos que a razo o considerasse adequado. No obstante a tentativa de se impor barreira ao uso do direito romano, tal determinao, na verdade, servia para muitas interpretaes, em razo de ser tal expresso muito vaga, o que s reforou a necessidade de tornar mais claros os critrios para a utilizao dessa fonte do direito. 3 A LEI DA BOA RAZO E AS ALTERAES DELA DECORRENTES 3.1 O que foi a Lei da Boa Razo A Lei da Boa Razo foi publicada em 18 de agosto de 1769 pelo rei D. Jos I, tendo como principal objetivo reformular as matrias concernentes s fontes do direito em Portugal, bem como fornecer um critrio seguro e objetivo sobre o que seria a boa razo sobre a qual se referiram as Ordenaes Filipinas quando a estabeleceu como critrio aplicao do direito romano. Seu carter instrumental notrio. Era uma lei cuja finalidade foi tratar de outras leis, ou, mais precisamente, aplic-las do modo mais adequado. Mais do que uma simples norma sobre aplicao, a Lei da Boa Razo trazia, alm do modo de utilizao das leis, o que poderia ser aplicado; era uma meta-norma, instrumento legal indicador do que era Direito no Portugal do sculo XVIII. As mudanas trazidas pela Lei da Boa Razo ao Direito Portugus foram profundas. Apesar de serem muitas delas apenas a consolidao e o reforo de algumas posturas j h algum tempo tomadas pela Coroa, a publicao de uma lei reguladora do Direito foi importante para dar a segurana almejada principalmente pelo Estado. As incertezas sobre as matrias jurdicas eram prejudiciais e s atrapalhavam as tendncias centralizadoras de D. Jos I e do Marqus de Pombal. 3.2 Principais alteraes 3.2.1 Sobre a fonte principal do direito A Lei da Boa Razo no inovou quanto principal fonte do direito em Portugal, uma vez que, conforme se demonstrou acima, a lei ocupava esse posto h tempos. O referido diploma fortaleceu essa predominncia dos instrumentos legislativos sobre as demais fontes. Quando da criao das Ordenaes Filipinas, tentou-se reunir a integralidade da legislao ainda vigente em Portugal na poca, da o porqu de se falar em casos omissos na referida consolidao[xxix]. Todo o direito portugus se encontrava, em 1603, nas Ordenaes, mas estas, pensando na sua aplicabilidade por muito tempo avante, trataram de fazer referncia a casos que, porventura, no se enquadrassem entre os regulados por elas; abriram-se, portanto, s situaes no antes previstas, fazendo com que o direito subsidirio pudesse ser utilizado como fonte do direito. A lei aplicvel deveria ser a portuguesa, oriunda do legtimo legislador portugus, o rei. No cabia a qualquer lei a predominncia entre as fontes, mas somente lei ptria, o que perfeitamente coerente com a postura de fora do governo josefino. Alm das referidas espcies de instrumentos normativos[xxx], poderiam ser as leis do perodo classificadas de acordo com outros critrios, em especial quanto origem. Existiam leis nacionais, as j referidas leis ptrias, mas existiam normas cuja incidncia no se limitava aos mbitos territoriais das naes; nestas, enquadravam-se o direito romano, referido na legislao portuguesa como Leis Imperiais, j que,
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poca, persistia, ainda que formalmente, o Imprio Romano[xxxi], e o Direito Cannico, cuja incidncia, em tese, deveria ser restrita s matrias espirituais. Por outro lado as legislaes temporais se contrapunham no somente legislao cannica, mas, tambm, s leis que estavam acima dos homens. Tratam-se das leis divinas, eternas e naturais, sistematizadas por Toms de Aquino[xxxii], conceitos cuja influncia na Europa se estendeu por sculos; em Portugal, essa influncia foi ainda mais forte, em decorrncia da fora da Escolstica espanhola do sculo XVII[xxxiii]. Entre as leis ptrias, Jos Homem Correia Telles tratou de separ-las em dois grupos, a partir do objeto da norma. Dividiu-as em leis polticas e leis econmicas; as primeiras teriam como objeto o Direito Ptrio Pblico Externo[xxxiv], enquanto as segundas tratariam do Direito Ptrio Pblico Interno[xxxv]. Tal separao, mais do que a sua finalidade didtica, evidencia referncia explcita da filosofia poltica aristotlica: Jos Homem Correia Telles parte da diviso entre assuntos polticos, os concernentes ao Direito Pblico Universal, por ser referente a qualquer Estado ou Repblica, e assuntos econmicos, aqueles que se relacionam a qualquer dos membros de uma famlia[xxxvi]. Para esclarecer essa deciso, o autor lana mo de dois exemplos: a Lei que excle da successo os bastardos dos Nobres, he huma Lei Economica; e a que excle da successo da Cora as filhas dos Reis, que casarem com estrangeiros, huma Lei Poltica[xxxvii]. Ou seja, as leis polticas se refeririam a assuntos de Estado, enquanto as leis econmicas regulariam a vida privada. evidente que os juristas sentiram dificuldades para aplicar as leis ptrias em primeiro lugar; a pouca importncia conferida a essas leis at 1769 era referendada por uma formao universitria de cunho romanista e cannica. Trs anos depois da Lei da Boa Razo, contudo, promulgaram-se os Estatutos da Universidade de Coimbra, reformados justamente com a inteno de preparar os juristas para essa nova realidade do Direito Portugus. Os novos Estatutos coimbros complementaram as reformas iniciadas com a Lei da Boa Razo. Ambos os diplomas foram normas que versaram sobre o prprio Direito, servindo como instrumentos para a sua utilizao, a qual deveria ser a adequada com os objetivos do governo instalado em Portugal[xxxviii]. 3.2.2 A idia de boa razo O termo boa razo j aparecia nas Ordenaes Filipinas e era utilizado como critrio para a aplicao ou no do direito romano. A abertura que possui o significado da expresso, contudo, dificultava o seu adequado emprego, sendo necessrio um conceito mais preciso. A Lei da Boa Razo, em cujo nome se evidencia a relevncia possuda pela idia de boa razo, tratou de fixar parmetros seguros para a expresso utilizada nas Ordenaes. Para isso, no apresentou um conceito fechado, preferindo a isso relacionar trs hipteses daquilo que poderia ser utilizado para fundamentar a boa razo. Inicialmente, a lei, no seu item 9, indica aquilo em que no consiste a boa razo:
E mando pela outra parte, que aquella boa razo, que o sobredito prembulo determinou, que fosse na praxe de julgar subsidiaria, no possa nunca ser a da authoridade extrnseca destes, ou daquelles textos do Direito Civil, ou abstractos, ou ainda com a concordncia de outros

Essa excluso de antemo serviu para impedir a aplicao de textos por motivos outros que no a sua adequao boa razo. Os fundamentos para da aplicao devem vir da prpria lei, da sua compatibilidade com os critrios objetivos da boa razo, e no por argumentos como o de autoridade[xxxix]. Em seguida, o legislador comea a tratar dos elementos apontados como componentes da boa razo. No primeiro caso, ela consistiria nos primitivos princpios, que contm verdades essenciaes, intrnsecas, e inalterveis, que a Ethica dos mesmos Romanos havia estabelecido, e que os Direitos Divino, e Natural, formalizaro para servirem de Regras Moraes, e Civis entre o Christianismo. A importncia dessa determinao visvel; de uma vez, ela d relevncia ao direito natural, o qual fundamentar o direito burgus nas revolues liberais, e condiciona o direito romano ao direito natural e ao divino. Em outras palavras, a Lei da Boa Razo indica que o direito romano s aplicvel se estiver em conformidade com os ensinamentos cristos. Jos Homem Correia Telles afirmou no ser adequado o emprego do direito romano caso ele tenha fundamentos pagos e d numerosos exemplos desses casos[xl]. No segundo caso, seria boa razo a que se funda nas outras Regras, que de universl consentimento estabeleceo o Direito das Gentes para a direco, e governo de todas as Naes civilisadas. A conformidade do direito romano deveria ser conferida perante os pases que compunham o mundo civilizado, mas a lei no indica quais os pases iluminados nem um critrio para hierarquizar esses direitos potencialmente concorrentes[xli]. Analisando a totalidade da lei, pensa-se que por civilizado quis-se indicar as naes crists[xlii]. J quanto idia de direito das gentes, Paulo Ferreira da Cunha menciona a influncia do pensamento de Hugo Grotius na formao desse conceito[xliii]. Por fim, no terceiro caso, entender-se-ia por boa razo a que
se estabelece nas Leis Polticas, Economicas, Mercantis e Maritimas, que as mesmas Naes Christs tem promulgado com manifestas utilidades, do socego publico, do estabelecimento da reputao, e do
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augmento do cabedaes dos povos, que com as disciplinas destas sabias, e proveitosas Leis vivem felices sombra dos thronos, e debaixo dos auspcios dos seus respectivos Monarcas, e Principes Soberanos.

Jos Homem Correia Telles indica que a razo pela qual se remeteram discusses referentes a matrias comerciais a normas externas foi a insuficincia de leis ptrias sobre o tema, cabendo o socorro s leis de matrizes romanas[xliv]. O direito comercial, alis, teve profundas ligaes com o direito romano; a lex mercatoria, cuja origem remonta aos tempos imperiais, influenciou profundamente as leis comerciais ainda hoje vigentes. Ainda que tenha tentado clarear o conceito de boa razo, a Lei de 18 de agosto de 1769 no o fez com o sucesso pretendido, e isso foi constatado pouco depois, com a reforma dos Estatutos da Universidade Coimbra, em 1772. Nesta, indicou-se a importante frmula da verificao do uso atual: na dvida sobre se uma norma de direito romano estaria conforme ou no boa razo, deveriam os juzes verificar qual o uso moderno que se fazia, entre as naes civilizadas, da referida norma[xlv]. Consagrou-se legislativamente, portanto, a doutrina do usus modernus pandectarum[xlvi], de origem alem e influenciada por autores como Benedikt Carpzov (1595-1666)[xlvii], Justus Henning Bhmer (1674-1749)[xlviii], Augustin Leyser (1683-1752)[xlix] e Johann Gottlieb Heineccius (16811741)[l]. A influncia da pandectstica em Portugal, chegando essa tendncia, inclusive, lei, foi anterior Escola Pandectstica Alem, cuja origem remonta aos autores mencionados, mas que s se desenvolveu no sculo XIX[li]. 3.2.3 Direito subsidirio Tendo j apresentado em que consistia o direito subsidirio e restando claros os limites daquilo que se considerava boa razo, fica claro que o emprego do direito subsidirio, especialmente do Direito Romano, foi bastante restrito. As leis ptrias, oriundas do rei-legislador, ganharam importncia com a Lei da Boa Razo e passaram a ser mais relevantes do que o direito romano, o qual s era utilizado diretamente[lii] em situaes excepcionais e dentro dos limites traados em 1769. O direito cannico aparecia nas Ordenaes como fonte subsidiria do direito, mas, com a Lei da Boa Razo, sofreu alteraes substanciais, as quais, em verdade, restringiram a sua aplicao. Isso porque a lei em comento, no seu item 12, reservou o uso do direito cannico exclusivamente para materia que traga peccado, excepcionando os casos em que o pecado no aparea s hipteses em que os Sagrados Canones determinem o contrario. A convivncia entre direito laico e direito cannico foi intensa, especialmente no medievo[liii], tendo assim permanecido at o Setecentos, fruto da influncia da Igreja no Estado. Apesar de essa ingerncia religiosa nos assuntos de governo ter diminudo progressivamente desde a Baixa Idade Mdia, ela ainda persistia no sculo XVIII, manifestando-se, inclusive, na ampla utilizao do direito cannico em Portugal, uma vez que o extenso rol de matrias enquadradas como de peccado fazia do direito cannico verdadeiro substituto do direito ptrio em diversos temas, a exemplo do penal. A centralizao josefina e pombalina refletiu na tentativa de diminuir a presena eclesistica em assuntos que fugissem aos seus temas. Medidas como a expulso dos jesutas e a reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra exemplificam essa tendncia, da mesma forma que a comentada restrio do uso do direito cannico. Quanto a esta, outro aspecto merece destaque: a Lei da Boa Razo determinou que, em casos de conflito entre o direito ptrio e o direito cannico, aquele deveria prevalecer, e no este, como mandava a tradio. Alterou-se, portanto, a secular predominncia do direito cannico sobre o ptrio. Outra tradicional fonte subsidiria cuja importncia sofreu drstica reduo foi a doutrina. As obras de Acrsio e de Brtolo, com as Ordenaes Filipinas, foram aladas categoria de fontes subsidirias em Portugal, o que s retrata a importncia que lhes era dada j h alguns sculos. O prestgio que tiveram os glosadores e os comentadores, representados, respectivamente, por Acrsio e Brtolo, foi intenso desde a Baixa Idade Mdia, momento em que se deu a recepo do direito romano. Prestou-se Acrsio funo de reunir as glosas elaboradas por juristas anteriores numa obra intitulada Glosa ordinaria[liv]. Sobre a obra dos glosadores, Paolo Grossi rebate as crticas de que os seus trabalhos eram exegticos e imobilizariam o direito, defendendo, ao contrrio, que os glosadores teriam sido corajosos ao utilizar um instrumento lgico til e inovador que ajudou a modificar a cultura jurdica[lv]. Brtolo, por sua vez, apesar de ter utilizado largamente citaes de outros autores, adicionava a esses ensinamentos comentrios seus, o que foi de extrema utilidade, principalmente nas situaes em que entrariam em conflito o ius commune, de ordem geral e emanado do Imprio, e o ius proprium, particular de cada local. A tentativa desse jurista foi de concili-los, interpretando o segundo a partir do primeiro[lvi]. Com a Lei da Boa Razo, a doutrina deixou de ser fonte do direito, ainda que subsidiria. O referido diploma no se contentou em retirar-lhes a autoridade, tecendo-lhes duras crticas e afirmando que eles teriam sido destitudos da instruo da histria romana, elemento fundamental para entender os textos jurdicos romanos, no conheceriam perfeitamente a filologia e a lngua latina e estariam desprovidos do conhecimento das regras fundamentais do direito natural e do direito divino que cercariam a boa razo. Seus juzos seriam vagos, errantes e contrapostos boa razo[lvii].
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No passou imune a crticas essa inovao legislativa. Jos Homem Correia Telles, em que pese reconhecer que os dois autores no teriam sido bons intrpretes das leis romanas, justifica essa deficincia pela poca em que ambos viveram, entre os sculos XIII e XIV, chegando a afirmar que se das suas opinies no resultava perigo de salvao eterna, quanto melhor segui-las, que vagar na incerteza! [lviii]. Termina fazendo sugesto sobre a doutrina: Conviria pois que a nossa Lei desauthorisando Accursio e Bartholo, lhes substitusse outros DD. de melhor nota, a fim de ficar menos campo ao perigoso arbitrario dos Julgadores[lix]. 3.2.4 O costume O uso dos costumes, antes reconhecidos e utilizados como fonte subsidiria, no cessou com a Lei da Boa Razo. Eles continuaram a figurar entre as fontes do direito; entretanto, com a nova lei, sofreram severo disciplinamento. O legislador optou por lhes condicionar a aplicao a trs critrios legalmente estabelecidos, os quais, importante que se frise, deveriam ser cumpridos cumulativamente. Aparecem no item 14 os trs requisitos. No primeiro deles, subordinam-se os costumes s mesmas bas razes, colocando-lhes em conformidade com o restante da lei e ligando-lhes s idias acima mencionadas do que seria a boa razo. O segundo requisito condiciona a existncia de costumes inexistncia de contraposio s Leis ptrias, o que indica a proibio do costume contra legem. Por fim, no ltimo requisito, o mais difcil de ser alcanado: o de ser to antigo, que exceda o tempo de cem annos. Esse requisito temporal serviu no somente para preservar a autoridade de costumes realmente tradicionais e fortemente arraigados na cultura jurdica portuguesa, mas, principalmente, para limitar consideravelmente o direito costumeiro. Entende-se essa medida a partir do contexto em que ela se deu. D. Jos I e o Marqus de Pombal pretendiam racionalizar o Estado portugus, o que implicava a necessidade de se excluir o carter espontneo da formao do direito, o qual caracterizava, justamente, as origens do direito consuetudinrio; Mrio Reis Marques chama ateno para a contraposio entre razo e tradio, tendo o iluminismo privilegiado a primeira[lx]. Da mesma forma, permitir um direito que no se originasse do legislador seria um contrasenso diante do governo forte ali instalado. 3.2.5 Sobre a interpretao 3.2.5.1 Interpretao autntica Logo nas primeiras linhas de uma de suas mais conhecidas obras, Jos Homem Correia Telles indica em quais casos ele acreditava ser absolutamente necessria a interpretao as leis:
1 quando na Lei se encontra alguma obscuridade, alguma ambigidade, ou falta de expresso; 2 quando o sentido da Lei he claro nos termos, mas conduzir-nos-hia a consequencias falsas, de decisoens injustas, se indistinctamente fosse applicada a tudo o que parece ser comprehendido nas suas palavras[lxi].

Essa passagem representa o que se pensava sobre a interpretao das leis em Portugal entre os sculos XVIII e XIX: nem tudo precisa ser interpretado, mas somente os casos em que a clareza inexistente prejudicasse o bom entendimento e a boa aplicao da norma. Assim como no eram todos os casos que ensejavam a necessidade de se interpretar, esse exerccio no caberia a qualquer um. A interpretao ideal deveria ser realizada pelo autor da lei, pois, como dele partiu o ato legal, s ele poderia indicar o que se quis expressar. Mas a determinados rgos caberia a interpretao das leis, como aos tribunais. Em Portugal, por exemplo, o rei D. Manuel I transferiu Casa de Suplicao a possibilidade de indicar a autntica vontade da lei[lxii]. Desta forma, o conceito de interpretatio trazido por Giovanni Tarello[lxiii] se enquadra no que aqui se quer demonstrar. Os elementos principais dessa interpretao eram a razo e a autoridade: a primeira fundamentaria a deciso de quem poderia interpretar por estar investido na segunda. A interpretao mais importante, no momento, era a autntica, com a qual se pretendia indicar a vontade do legislador a partir de esclarecimento prestado por ele prprio. No que se proibisse a interpretao por outros rgos, muito pelo contrrio; conforme j expresso pargrafos acima, a Casa de Suplicao tinha a incumbncia de interpretar e de uniformizar a interpretao das leis, e a Lei da Boa Razo no alterou essa determinao, prevendo no seu sexto item, inclusive, um longo procedimento a ser seguido. Entretanto, caso persistissem dvidas depois da interveno pela Casa de Suplicao, ao rei caberia se pronunciar sobre elas, conforme determina o dcimo primeiro item da Lei da Boa Razo. Esse recurso funcionava como ltimo justamente pelo prestgio da interpretao autntica, j que ela resolveria definitivamente qualquer dvida que eventualmente aparecesse. Rui Manuel de Figueiredo Marcos relaciona a opo e o prestgio da interpretao autntica no perodo josefino com as duas grandes preocupaes da ordem jurdica do perodo, que eram a segurana jurdica e a modernizao da ordem jurdica nacional[lxiv]. A interpretao autntica, por servir ao esclarecimento daquilo que quis o autor da lei, no poderia ser mais til segurana jurdica, ainda mais pelo fato de que, por ser realizada pelo rei, tinha-se a certeza do cumprimento da sua autoridade. Da mesma
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forma, estando o soberano comprometido com as alteraes necessrias dentro da ordem jurdica portuguesa, mesmo porque ele as comandava, no deixaria de realizar a interpretao autntica em conformidade com aquilo que se passou a entender enquanto boa razo. 3.2.5.2 Interpretaes ampliativas e restritivas Em regra, a interpretao das leis deveria ser estrita, bem como a sua aplicao; em outras palavras, as leis s deveriam servir aos casos estritamente previstos por elas. Disso se conclui que no deveriam ocorrer extenses ou restries da aplicao da lei, mas to-somente a aplicao dela aos casos para os quais ela fora pensada. Nesse sentido, as atuaes da Casa de Suplicao e do prprio rei indicavam as funes originais das leis. Apesar dessa proibio, a Lei da Boa Razo, no seu dcimo primeiro item, excetua os casos em que se admitem restries e ampliaes na aplicao das leis. A letra do texto dizia o seguinte:
Exceptuo comtudo as restrices, e ampliaes, que necessariamente se deduzirem do esprito das minhas Leis significado pelas palavras dellas tomadas no seu genuno, e natural sentido: as que se reduzirem aos princpios acima declarados: e as que por identidade de razo, e por fora de comprehenso, se acharem dentro no esprito das disposies das minhas ditas Leis.

O texto de grande importncia para a questo da interpretao, j que d ao tema as diretrizes a serem seguidas. Constata-se que o sentido primeiro e mais importante das leis era, nos termos da Lei da Boa Razo, o natural ou genuno, a partir do qual se parte para a descoberta do esprito da lei, o qual era entendido, segundo Jos Homem Correia Telles, como o fim ao qual se destinava a lei, podendo se manifestar nas suas mesmas palavras, na natureza e no fim do negcio ao qual ela se destina ou na compreenso do entendimento da ocasio em que a lei surgiu[lxv]. Compreendido como se manifestava o esprito da lei, seria possvel ampliar o restringir o seu alcance, no sentido de permitir que somente aos casos enquadrados nesse esprito coubesse a lei em anlise[lxvi]. Outra hiptese que se afigurava como possvel caso de restrio ou ampliao se dava quando de ferimento da boa razo. Portanto, caso a no restrio ou ampliao viesse a ferir a boa razo, no se podia impedir que ela acontecesse[lxvii]. Por fim, h um ltimo caso, o da identidade de razo. Jos Homem Correia Telles explica que razo da Lei he a causa, respeito, e fim que moveo o Legislador a estabelece-la[lxviii]. No persistindo mais o que deu causa necessidade de se nascer determinada lei, perdia-se, ainda segundo o mesmo autor[lxix], o sentido de se aplic-la. Desta forma, no havendo mais a razo, no deveria persistir a lei. Caso a razo persistisse, os casos nela enquadrados deviam receber o mesmo tratamento. 3.2.6 O papel da Casa da Suplicao No se sabe ao certo a partir de quando foi instalada a Casa da Suplicao. Desde as Cortes de vora (1481-1482), porm, falou-se em tribunais com funes judiciais, quando coexistiam a Casa do Cvel, cuja criao remonta o ano de 1355, e a Casa da Suplicao[lxx]. De certo, contudo, que a Casa da Suplicao funcionava como um tribunal de ltima instncia para a maioria das controvrsias judiciais[lxxi]. As Ordenaes Filipinas falavam nos estilos das cortes como fonte do direito, os quais consistiam, segundo Jos Homem Correia Telles, no uso acerca do modo de praticar o que as Leis mando, sendo definidos justamente pelos tribunais[lxxii]. A Lei da Boa Razo, porm, limitou, no dcimo quarto item, a aplicao dos estilos das cortes sua converso em assentos pela Casa da Suplicao[lxxiii]. Isso implicava uma centralizao do poder decisrio dentro da funo jurisdicional: somente a Casa da Suplicao, e no outros tribunais do Reino, podia assentar e, uma vez feitos os assentos, finalizar as controvrsias interpretativas sobre um tema. Essa centralizao resolvia fato apontado como problemtico: os Tribunais da Relao do Porto, de Goa, de Salvador e do Rio de Janeiro fixavam interpretaes sobre determinadas leis que, muitas vezes, conflitavam entre si e divergiam da fixada pela Casa da Suplicao. Com a competncia privativa desta para exercer esse poder, racionalizava-se a interpretao e garantia-se a segurana jurdica, uma vez que a obedincia a essas decises da Casa da Suplicao era estrita, em razo do seu efeito vinculante. A importncia dos assentos da Casa da Suplicao foi enorme em Portugal, especialmente a partir da Lei da Boa Razo. Rui Manuel de Figueiredo Marcos faz uma diviso em dois perodos dos assentos a partir da referida lei; antes de 1769, eles funcionavam com uniformizadores da jurisprudncia. Contudo, a partir desse ano, a sua importncia cresceu, pois eles passaram a liderar o processo de recepo jurisprudencial das novas idias jusnaturalistas[lxxiv]. O direito natural, que funcionava como um dos elementos da boa razo, apareceu, inclusive, como fundamento nico de diversas decises, a exemplo de um dos assentos de 20 de julho de 1780[lxxv]. Alguns desses assentos funcionavam, tambm, para fixar critrios interpretativos, alguns dos quais extremamente importantes, como o princpio da irretroatividade das leis[lxxvi], fixado em um assento do dia 23 de novembro de 1769, e da proteo do direito adquirido[lxxvii], em assento do dia 9 de abril de 1772.
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4 CONSIDERAES FINAIS Diante do que se exps, pretende-se, nesta parte final, apresentar algumas consideraes conclusivas sobre a matria discutida. Em meio situao poltica e econmica na qual se inseria Portugal na segunda metade do sculo XVIII, as principais medidas adotadas pela Coroa para modernizar o Direito Portugus foram as edies de duas leis, a da Boa Razo (1769) e a reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), ambas de carter instrumental, pois alteraram o prprio funcionamento do direito. A Lei da Boa Razo, anterior s revolues burguesas, trouxe j para o ordenamento nacional uma srie de elementos que seriam, posteriormente, objeto da pretenso liberal. O recebimento das idias iluministas sobre o direito natural, diferente da tradio escolstica espanhola e portuguesa, claramente percebida com o advento da lei referida. A fora de um ordenamento nacional racionalmente elaborado, no qual a lei, pensada e escrita em conformidade com o direito natural, pode ser observada em Portugal antes mesmo das revolues liberais e do positivismo que as seguiu. Muito do que os positivistas vieram a implementar na Frana, como a interpretao estrita e autntica, passou a ser realidade em Portugal ainda no sculo XVIII. O direito natural, como se quis demonstrar, fundamentava as leis e era utilizado em alguns momentos para fundamentar determinadas decises da Casa da Suplicao. No se quis aqui afirmar que a Lei da Boa Razo implantou em Portugal um liberalismo precoce. Isso jamais poderia ser defendido por razes diversas, dentre as quais o carter absolutista do Estado Portugus na segunda metade do sculo XVIII, a inexistncia de um cdigo perfeito e sem lacunas, como pretenderam os liberais franceses, e a diferena de quem ocupava o posto de legislador, pois, em Portugal, tal posio cabia unicamente ao monarca. Quis-se chamar a ateno, contudo, para uma srie de similaridades entre o Direito Portugus alterado pela Lei da Boa Razo e os ordenamentos oriundos das revolues liberais, como a valorizao do direito ptrio, bem como a importncia conferida s leis, que, apesar se expressarem em diversas espcies, como se demonstrou, tinham em comum as caractersticas de possurem forma escrita e carter genrico. REFERNCIAS Legislao impressa ALMEIDA, Cndido Mendes de. Cdigo Filipino, ou, Ordenaes e Leis do Reino de Portugal: recompiladas por mandado del-Rei D. Filipe I. Ed. Fac-similar da 14 ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra, de 1821. v 2. Braslia: Senado Federal, 2004. Colleco Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicao e do Civel. v 1. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1791. Ordenaes Manuelinas. Ed. Fac-similar da edio feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. v. 5. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1981. RIBEIRO, Joo Pedro. Indice Chronologico Remissivo da Legislao Portugueza Posterior Publicao do Codigo Filippino com hum Appendice. Parte 1: desde a mesma publicao at o fim do reinado do Senhor D. Joo V. 2 ed. Lisboa: Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1805. SILVA, Jos Justino de Andrada e. Colleco chronologica da Legislao Portugueza compilada e anotada. Lisboa: Imprensa de J. J. A. da Silva, s.d.

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[i] A complexidade que envolve as questes econmicas, especialmente quando aliadas s polticas, tamanha que, caso fosse explorada, acarretaria a fuga do tema aqui proposto. Desta forma, remete-se o leitor a outro trabalho deste autor, intitulado Direito, economia e liberdades em Portugal, sculo XVIII, ainda indito. [ii] Sobre a administrao fazendria no Brasil Colonial, cf. SALGADO, Graa (Org.). Fiscais e meirinhos: a Administrao no Brasil Colonial. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, 83-95. [iii] Sobre a dvida quanto a ter havido iluminismo em Portugal, cf. CARVALHO, Flvio Rey de. Um Iluminismo portugus?: a reforma da Universidade de Coimbra (1772). So Paulo: Annablume, 2008. [iv] SCHWARCZ, Llia Moritz. A longa viagem da Biblioteca dos Reis: do terremoto de Lisboa Independncia do Brasil. 2 ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 78. [v] SCHWARCZ, Llia Moritz, op. cit., p. 43-45. [vi] Sobre as medidas de urgncia tomadas a partir da atividade legislativa, cf. MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo. A legislao pombalina: alguns aspectos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2006, p. 69-70. [vii] SCHWARCZ, Llia Moritz, op. cit., p. 96. [viii] Sobre o perfil das medidas econmicas adotadas no governo de D. Jos I, afirmou Airton Seelnder: Seit seinen Aufenthalten als Botschafter in London (1738-1743) und Wien (1745-1749), befrwortete Sebastio Jos de Carvalho e Melo die Anwendung eines neuen Regierungsstils: die Krone, die bisher nur sporadisch die Initiative im Wirtschaftsbereich ergriffen hatte, sollte nun energisch eine umfassende, kohrente merkantilistische Wirtschaftspolitik durchsetzen SEELNDER, Airton Cerqueira Leite. Polizei, konomie und Gesetzgebungslehre: ein Beitrag zur Analyse der portugiesischen Rechtswissenschaft am Ende des 18. Jahrhunderts. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2003, p. 15. [ix] Essa idia foi deduzida da seguinte observao: a prosperidade dos pases parece estar na razo direta da quantidade de metais preciosos que possuem. HUGON, Paul. Histria das doutrinas econmicas. 14 ed. So Paulo: Atlas, 1984, p. 65. [x] Sobre o tema, cf. HUGON, Paul, op. cit., p. 78-82. [xi] Sobre o tema, cf. SCHWARCZ, Llia Moritz, op. cit., p. 100-101; MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. cit., p. 104-114; MOTA, Carlos Guilherme. A idia de revoluo no Brasil e outras idias. 4 ed. So Paulo: Globo, 2008, p. 281. Silvia Hunold Lara, ao tratar da condenao dos Tvora e do Duque de Aveiro, afirma que a crueldade das suas penalidades teve como finalidade servir de exemplo do que aconteceria queles que resistissem ao poder e s aes de D. Jos I e de Pombal. Cf. LARA, Silvia Hunold. Campos da violncia: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 91-94. [xii] O que motivou a expulso dos jesutas foi a acusao de terem alguns membros dessa ordem se envolvido com o atentado vida de D. Jos I, o qual fundamentou a execuo dos nobres mencionados. As razes reais, contudo, ligam-se ao enorme poder que a Companhia de Jesus exercia no Reino, representando entrave execuo das pretenses de Pombal. Cf. SCHWARCZ, Llia Moritz, op. cit., p. 101-103. Ainda que a Igreja tenha continuado a exercer forte influncia em Portugal, a sua submisso ao poder secular foi visvel. [xiii] No se aprofundar neste artigo sobre a origem da legitimidade do poder dos reis, mas preciso que se esclarea que a hiptese mais aceita por este autor a de que ela se originaria da sua aclamao nas Cortes, em que se reuniam os trs braos do Reino nobreza, clero e o povo, atravs dos procuradores das vilas e das cidades. Sobre a tese aqui levantada, cf. CABRAL, Gustavo Csar Machado; DINIZ, Mrcio Augusto de Vasconcelos. As Cortes e a legitimidade do poder em Portugal (sculos XII-XVII). In: Conselho Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Direito - CONPEDI; Centro Universitrio de Maring - CESUMAR. (Org.). Anais do XVIII Encontro Nacional do CONPEDI. 1 ed. Florianpolis: Fundao Boiteux, 2009, p. 5054-5081. Para um panorama geral das Cortes em Portugal, cf. GRAES, Isabel. Contributo para um estudo histrico-jurdico das Cortes portuguesas entre 1481-1641. Coimbra: Almedina, 2005. [xiv] O poder real no era, de fato ilimitado. Jean Bodin defendia que o seu exerccio encontrava barreiras nas leis divinas, nas leis naturais e nas leis fundamentais, cf. BODIN, Jean. Les six livres de la Rpublique. Paris : Librairie Gnrale Franaise, 1993, p. 111-137 e 151-178. Sobre as leis fundamentais, cf. SEELNDER, Airton Cerqueira Leite. Notas sobre a constituio do direito pblico na Idade Moderna: a doutrina das leis fundamentais. Seqncia: Estudos Jurdicos e Polticos n 53. Florianpolis: Fundao Boiteux, dezembro de 2006, p. 197-232; MOHNHAUPT, Heinz. Konstitution, Status, Leges fundamentales Von der Antike bis zur Aufklrung. MOHNHAUPT, Heinz; GRIMM, Dieter. Verfassung: zur Geschichte des Begriffs von der Antike bis zur Gegenwart. Berlin: Duncker & Humblot, 1995, p. 62-66. [xv] FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do Direito: tcnica, deciso, dominao. 4 ed. So Paulo: Atlas, 2003, p. 225. [xvi] FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio, op. Cit., p. 227. [xvii] Por fonte do direito designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurdicas se positivam com legtima fora obrigatria, isto , com vigncia e eficcia no contexto de uma estrutura normativa. O direito resulta de um complexo de fatores que a Filosofia e a Sociologia estudam, mas se manifesta, com ordenao vigente e eficaz, atravs de certas formas, diramos mesmo de certas frmas, ou estruturas normativas, que so o processo legislativo, os usos e costumes jurdicos, a atividade jurisdicional e o ato negocial. REALE, Miguel. Lies preliminares de Direito. 27 ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 140. [xviii] Falando mais precisamente da Baixa Idade Mdia, Paolo Grossi trata dessa pluralidade: Nel secondo medioevo medioevo sapienziale unaltra singolarissima convivenza ci segnaler il marcato pluralismo di questa esperienza giuridica: nello stesso territorio avranno vigenza e applicazione nei modi che si tenter di precisare pi innanzi sia i considdetti iura propria, cio le norme particolari consolidate in consuetudini o emanate localmente da monarchi e da citt libere, sia lo ius commune, cio il maestoso sistema giuridico universale elaborato sulla piattaforma romana e canonica da un ceto agguerritissimo di giuristi (maestri, scienziati, pratici), patrimonio scientifico ovunque presente a fornire schemi interpretativi, invenzioni tecniche, soluzioni per i troppi casi localmente non previsti dalla miopia dei singoli legislatori GROSSI, Paolo. Lordine giuridico medievale. 2 ed. Bari: Laterza, 1996, p. 54. [xix] Grossi reconhece esse fato: De leggi cio di atti autoritati generali e rigidi destinati a tutti i sudditi o a una parte cospicua di essi nemmeno il primo medioevo scarso. I monarchi visigoti in Spagna e quelli longobardi in Italia, al vertice di regni che per pi secoli costituiscono un regime stabile, rispettivamente, per lintera penisola iberica e per buona parte dellItalia centro settentrionale (secc. Vi-VIII), sono impegnati in una ripetuta attivit legislativa GROSSI, Paolo, op. Cit., p. 55. [xx] Anteriormente al seccolo XVIII la parola iurisdictio (e le parole che nelle varie lingue traducevano pi o meno soddisfacentemente quella parola latina) indicava la titolarit e lestensione di un potere giuridico di applicare diritto (di creazione sia altrui sia propria) e di producere diritto (sia precedentemente, sia in concomitanza con lapplicazione). TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e codificazione del diritto. Bologna: Il Mulino, 1993, p. 53. [xxi] Per lex si intendeva lintervento legislativo del sovrano, Il texto del Corpus iuris ove recepito ed in quanto legge del sovrano, le consuetudini in quanto fissate e compilate, e tutta la legislazione statutaria (da qualsiasi potere statutante provenisse). TARELLO, Giovanni, op. Cit., p. 67. [xxii] Carta de lei, ou simplesmente Lei, em nada differem. Os Alvars com fora de Leis valem como ellas, e s differem em comear pelo nome appellativo = Eu El-Rei. = Os Decretos tambm tem fora de Leis; mas comeo pela determinao do Soberano, occultando o mais das vezes o motivo, e apenas so firmados com a Rubrica do Monarca, nunca passando pela Chancelaria-Mr do Reino. As Cartas Rgias comeo pelo nome da Pessoa, que vo dirigidas; e estas, e bem assim as Resolues sobre as Consultas dos Tribunaes, valem como Leis, e servem para a deciso de casos semelhantes. TELLES, Jos Homem Correia. Commentario crtico Lei da Boa Razo, em data de 18 de agosto de 1769. Lisboa: Typografia de N. P. de Lacerda, 1824, p. 5. [xxiii] SILVA, Jos Justino de Andrada e. Colleco chronologica da Legislao Portugueza compilada e anotada. Lisboa: Imprensa de J. J. A. da Silva, s.d., p. 1-22. [xxiv] SEELNDER, Airton Cerqueira Leite, op. Cit., p. 46-47. [xxv] RIBEIRO, Joo Pedro. Indice Chronologico Remissivo da Legislao Portugueza Posterior Publicao do Codigo Filippino com hum Appendice. Parte 1: desde a mesma publicao at o fim do reinado do Senhor D. Joo V. 2 ed. Lisboa: Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1805, p. 290-291. [xxvi] RIBEIRO, Joo Pedro, op. Cit., p. 318. [xxvii] CUNHA, Paulo Ferreira da. Para uma histria constitucional do Direito Portugus. Coimbra: Almedina, 1995, p. 174. [xxviii] Em verdade, o direito cannico no era subsidirio; tratava-se de direito especial, pois cuidava de matrias ligadas f e espiritualidade. Como o rol destas era bastante extenso, via-se, na prtica, um enorme aplicao do direito cannica em Portugal, principalmente atravs do Tribunal do Santo Ofcio. [xxix] O nome dado ao Ttulo LXIV do Livro III das Ordenaes Filipinas no deixa dvidas: Como se julgaro os caso, que no
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forem determinados por as Ordenaes. [xxx] As Cartas de Lei, as Leis, os Alvars e os Decretos, cf. SEELNDER, Airton Cerqueira Leite. A polcia e o rei-legislador: notas sobre algumas tendncias da legislao portuguesa no Antigo Regime. In: BITTAR, Eduardo. C. B. (Org.). Histria do Direito Brasileiro: leituras da ordem jurdica nacional. So Paulo: Atlas, 2008, p. 97. [xxxi] O Imprio Romano do Ocidente caiu em 476, mas a coroao de Carlos Magno em 800 fez nascer o Imprio Carolngio, encarado como continuao do Imprio Romano. Um de seus sucessores, Otto, foi coroado Imperador Romano 962, iniciando o Sacro-Imprio Romano Germnico, que durou at 1806. Sobre a primeira dinastia, descendente de Carlos Magno, cf. SCHNEIDMLLER, Bernd. Die Kaiser ds Mittelaltters: Von Karl dem Groen bis Maximilian I. 2 ed. Mnchen: C.H. Beck, 2007, p. 44-56. O prestgio e a influncia dos imperadores romano-germnicos diminuram com o passar dos sculos, sendo j o Kaiser mero figurante na poltica europia no sculo XVIII. [xxxii] Segundo Santo Toms de Aquino, o conceito eterno de lei divina tem a natureza de lei eterna, enquanto ordenada por Deus para o governo das cousas por ele pr-conhecidas. AQUINO, Santo Toms de. Suma Teolgica. v 15. Trad. Alexandre Correia. So Paulo: Profissionais Salesianas, 1954, p. 24. Enquanto que a lei natural no mais do que a participao da lei eterna pela criatura racional. AQUINO, Santo Toms de, op. cit., p. 28. [xxxiii] Dentre os principais autores identificados com a escolstica espanhola est Francisco Surez (1548-1617), que viveu os ltimos vinte anos de sua vida em Portugal, onde foi professor da Universidade de Coimbra. Sobre a sua obra, cf. VILLEY, Michel. A formao do pensamento jurdico moderno. Trad. Cludia Berliner. So Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 393-422. [xxxiv] A lei que reformou os Estatutos da Universidade de Coimbra, em 1772, elencou as matrias envolvidas no Direito Pblico Externo e que deveriam ser abordadas pelo professor da respectiva disciplina no Livro II, Ttulo III, Captulo 3, 5. [xxxv] Sobre as matrias lecionadas pelo professor de Direito Pblico Interno, os Estatutos as mencionam no Livro II, Ttulo VI, Captulo 2, 4. [xxxvi] TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 53. [xxxvii] Idem, ibidem. [xxxviii] Rui Manuel de Figueiredo Marcos indica que, para acabar com a predominncia da escolstica no ensino jurdico portugus, criticada especialmente por Lus Antnio Verney, a mtodo mais adequado era acabar com o arbtrio dos alunos e dos professores quanto ao que era ensinado e ao que estudado. A lei, no caso os Estatutos, deveria guiar os planos de estudos jurdicos em Coimbra. Cf. MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 160-161. Essa medida adequou-se perfeitamente ao perfil centralizador do governo josefino. [xxxix] Quanto ao Direito Romano, era possvel que, poca, se reconhecesse a aplicabilidade de determinada lei simplesmente porque ela fora promulgado por um imperador conhecido, sem antes verificar se ela era adequada ao que determinava a lei portuguesa. [xl] Cf. TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 34-36. [xli] Cf. MARQUES, Mrio Reis. Histria do Direito Portugus Medieval e Moderno. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 165. [xlii] Sobre o tema, afirmou Jos Homem Correia Telles ter-se por civilisadas todas as Naes da Europa, s se exceptuarmos a Turquia. TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 62. Isso indica que o critrio de ser crist era fundamental, poca, para o critrio de civilizao. [xliii] CUNHA, Paulo Ferreira, op. Cit., p. 183. [xliv] Cf. TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 62-63. [xlv] MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 156. [xlvi] Neste sentido, cf. MARQUES, Mrio Reis, op. Cit., p. 166; MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 156. [xlvii] Sobre o autor, cf. OTTO, Jochen. Benedikt Carpzov. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. Mnchen: Beck, 1995, p. 115-116. [xlviii] Sobre o autor, cf. LANDAU, Peter. Justus Henning Bhmer. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. Mnchen: Beck, 1995, p. 93. [xlix] Sobre o autor, cf. LUIG, Klaus. Augustin Lyser. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. Mnchen: Beck, 1995, p. 377-378. [l] Sobre o autor, cf. LUIG, Klaus. Johann Gottlieb Heineccius. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. Mnchen: Beck, 1995, p. 279-280. [li] Essa Escola Pandectstica Alem fez mais famosos autores como Georg Friedrich Puchta (1798-1846) e Bernhard Windscheid (1817-1892) do que os anteriormente citados, em razo de ter recebido influncia da Escola Histrica de Friedrich Carl Von Savigny (1779-1861) e de ter servido ao positivismo alemo de Karl Friedrich von Gerber (1823-1891) e de Paul Laband (1838-1918). Sobre a Pandectstica Alem do sculo XIX, cf. WIEACKER, Franz, op. Cit., p. 491-524; LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 2 ed. Trad. Jos Lamego. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1989, p. 19-39 [lii] Fala-se em aplicao direta do Direito Romano porque possvel enxergar a sua aplicao indireta: preceitos romanos j haviam sido inseridos na legislao portuguesa, adquirindo o carter de lei ptria. Portanto, nesta no se inseriam apenas as normas originariamente portuguesas, mas toda lei que emanasse do legislador portugus, ainda que o seu nascedouro fosse o Direito Romano. [liii] Medieval canon law and civil law developed a close symbiotic relationship with one another. Canonists had to study a good bit of elementary Roman civil law as part of their training, while jurists who studied Roman law in the schools also had to acquire more than a slight facility with canon law in order to make a reasonable living. Church law and the laws of civil society complemented each other, but also competed with each other on many matters. BRUNDAGE, James A. Medieval Canon Law. New York: Longman, 1995, p. 96-97. [liv] WIEACKER, Franz, op. Cit., p. 58-59. [lv] GROSSI, Paolo, op. Cit., p. 159. [lvi] STEIN, Peter. Roman Law in European History. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 71-73. [lvii] Dizia o texto original o item 13 da Lei da Boa Razo: Sendo certo, e hoje de nenhum douto ignorado, que Accursio e Bartholo, cujas auctoridades mandou seguir a mesma Ord. no 1 do sobredito tit., foro destitudos no s da instruco da Histria Romana, sem a qual no podio bem entender os textos que fizero os assumptos dos seus vastos escriptos; e no s do conhecimento da Philologia, e da boa latinidade, em que foro concebidos os referidos textos; mas tambem das fundamentaes regras do Direito Natural, e Divino, que devio reger o esprito das Leis, sobre que escrevero. E sendo igualmente certo, que ou para supprirem aqquellas luzes, que lhes faltavo; ou porque na falta dellas ficaro os seus juzos vagos, errantes, e sem boas razes que se contrahissem; viero a introduzir na Jurisprudencia (cujo caracter frmo a verdade, e a simplicidade) as quase innumeraveis questes metaphysicas, com que depois daquella Escola Bartholina se tem illaqueado, e confundido os direitos, e domnios dos litigantes intoleravelmente: mando que as glossas, e opinies dos sobreditos Accursio, e Bartholo no posso mais ser allegadas em Juzo, nem seguidas na pratica dos Julgadores; e que antes muito pelo contrario em hum, e outro caso sejo sempre as boas razes acima declaradas, e no as auctoridades daquelles, ou de outros semelhantes Doutores da mesma Escola, as que hajo de decidir no foro os casos occorrentes; revogando tambem nesta parte a mesma ordenao, que o contrario determina. [lviii] TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 85. [lix] TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 85-86. [lx] MARQUES, Mrio Reis, op. Cit., p. 167. [lxi] TELLES, Jos Homem Correia. Theoria da interpretao das Leis e ensaio sobre a natureza do senso consignativo. Lisboa: Typografia Lacerdina, 1815, p. 5. [lxii] Ordenaes Manuelinas, Liv. V, tt. 58, 1. [lxiii] Per interpretatio si intendeva qualunque espressione normativa fosse stata enunciata da tribunali o da giurisperiti, in assenza di lex applicabile ad un dato aso, in base a ragioni (rationes) o ad opinioni cui si attribuiva autorit (auctoritates). TARELLO, Giovanni, op. Cit., p. 67. Deve-se ressaltar que o autor trata, nessa passagem, de um momento especfico (comeo do sculo XVIII); apesar de dizer que os conceitos por ele trabalhados se aplicam a todas as regies da Europa continental, ele enfatiza a sua aplicabilidade s culturas jurdicas francesa, germnica e italiana. [lxiv] MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 182. [lxv]TELLES, Jos Homem Correia. Commentario crtico Lei da Boa Razo, em data de 18 de agosto de 1769. Lisboa: Typografia de N. P. de Lacerda, 1824, p. 74. [lxvi] Quando pois o Esprito da Lei for significado pellas palavras della, e de tal esprito se infira alguma restrico, ou ampliao, que necessaria seja, para se no preverter esse mesmo esprito; tal restrico ou ampliao he justa. TELLES, Jos Homem Correia,
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op. Cit., p. 75. [lxvii] Cf. TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 76. [lxviii] TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 77. [lxix] Idem, ibidem. [lxx] SALGADO, Graa (Org.), op. Cit., p. 38. [lxxi] Neste trabalho no se tratar com mais profundidade de como se organizavam os rgos com funo jurisdicional em Portugal. Recomenda-se, para esse fim, outro trabalho deste autor. Cf. CABRAL, Gustavo Csar Machado. O Reino de Portugal, a Colnia do Brasil e os rgos Jurisdicionais: breve anlise da estrutura judiciria luso-brasileira. Revista dos Estudantes da Faculdade de Direito da UFC (online). Ano 2. Volume 6, mai./jul. 2008, p. 93-110. [lxxii] TELLES, Jos Homem Correia, op. Cit., p. 15. [lxxiii] Declaro, que os estylos da Crte devem ser somente os que se acharem estabelecidos, e approvados pelos sobreditos Assentos na Casa da Supplicao. [lxxiv] MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 200. [lxxv] Assento CCLXXX: Penas impostas ao cnjuge, que por morte de outro cnjuge no fez inventrio, devem ser julgadas por Sentena Feito, que por ele tenha sido contestado. A fundamentao foi a seguinte: Assentou-se por quaze todos os votos, que ainda que a pena pelo mesmo facto esteja imposta pela Lei, sempre he precisa Sentena declaratoria de facto: porque de outra frma, se executaria a pena sem ter ouvido o Reo com as defezas, que pde ter contra os principios de Direito Natural. Colleco Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicao e do Civel. v 1. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1791, p. 553554. [lxxvi] Assento CCXLIX: A Lei de 9 de setembro de 1769 29 comprehende somente os cazos futuros. Colleco Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicao e do Civel. v 1. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1791, p. 470-471. [lxxvii] Assento CCLXV: As fmeas , que, por serem chamadas com preferncia, tinho antes da Lei de 3 Agosto 1770 adquirido direito successo de Morgados por falecimemto dos Administradores, devem ser no mesmo direito conservadas, ainda mesmo achando-se de posse Irmos, que na havendo a referida clausula, serio os legtimos Administradores. Colleco Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicao e do Civel. v 1. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1791, p. 499-501.

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