Este documento apresenta uma introdução a um estudo exegético sobre Romanos 9:18. Primeiramente, contextualiza a situação teológica atual marcada por confusão doutrinária e a necessidade de um estudo criterioso da soberania divina e eleição. Em seguida, descreve o objetivo do estudo como defender a doutrina da predestinação a partir da exegese do versículo em questão. Por fim, indica o método de pesquisa bibliográfica que será utilizado, tendo a Bíblia como principal fonte.
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EXEGESE DO NOVO TESTAMENTO
ROMANOS 9:18
INTRODUO Vivemos nos dias de hoje uma situao caracterizada pela confuso residente nas reas teolgica e doutrinria da Igreja Crist. A Igreja Presbiteriana do Brasil, de modo particular, est inserida num contexto evanglico nacional marcado por uma intensa confuso teolgica. Confuso esta, que se manifesta pela expresso interna de desvios doutrina liturgia reformadas, e tambm externa, visto que se acha rodeada de outras denominaes que trazem na suas credendas 1 o pernicioso e esprio arminianismo. Esta linha teolgica, no que se refere a soteriologia, supostamente est fundamentada nas Sagradas Escrituras, sendo na verdade uma flagrante deturpao das verdades bblicas. Acreditamos que umas das possveis causas que possibilitaram as distores teolgicas em nosso meio o fato da ausncia de uma anlise profunda e estudo criterioso do que a Palavra de Deus ensina sobre a soberania divina, e mais especificamente, seu relacionamento com o decreto da eleio. A nfase numa teologia que exalte o homem em detrimento da glria e da soberania divina na salvao algo altamente danoso para a f crist. Para que tal desvio seja evitado, imprescindvel o conhecimento do que a Palavra de Deus diz nas suas lnguas originais. A compreenso dos idiomas nos quais a Bblia foi escrita necessria e de valor inenarrvel, se desejarmos que as verdades bblicas sejam extradas e repassadas ao povo pactual com fidelidade e inteireza de corao.
1 Credenda O corpo de doutrinas aceito por uma determinada denominao. 2 Infelizmente, o que tem sido diagnosticado no seio do protestantismo evanglico um desconhecimento de tais fatores indispensveis, o que resulta em anlises superficiais e interpretaes equivocadas. O motivo acadmico do presente estudo exegtico apresentar uma anlise de cunho monogrfica, com base em um versculo das Sagradas Escrituras, que se encontra na Epstola de Paulo aos Romanos, captulo nove, versculo dezoito, com o propsito de cumprir e satisfazer as exigncias da Constituio da Igreja Presbiteriana do Brasil e do Presbitrio Central do Cear (PCCE). Est presente nas nossas convices o fato de que a exegese extremamente importante para a compreenso das verdades reveladas por Deus, mediante a instrumentalidade de homens inspirados pelo Esprito Santo, visto que a exegese nos mune com o modus operandi indispensvel, que nos habilitar para uma aproximao da percope bblica, e com a iluminao do Santo Esprito, nos permitir alcanar a verdade apresentada na Bblia Sagrada. O objetivo pessoal ao qual nos propomos neste trabalho defender uma doutrina crucial da Teologia Sistemtica, alcunhada de Predestinao. Isso, partindo do pressuposto de que se trata de uma manifestao da prerrogativa soberana de Deus. A verdade de que Deus escolhe um certo nmero de homens para a salvao e reprova a outros, sem levar em conta qualquer obra por parte deles um fator essencial no entendimento soteriolgico calvinista, em oposio ao sistema arminiano, visto que esse apresenta idias equivocadas a respeito da predestinao divina. A escolha divina sem qualquer previso de bem ou mal por parte dos homens foi a doutrina apresentada desde os tempos mais remotos por 3 Agostinho na Idade Antiga, e pelos reformadores do sculo XVI e pelos puritanos do sculo XVII. Essa doutrina proclamada e defendida pelos grandes telogos cristos e reformados deve ser a verdade proclamada por ns, fiis depositrios da Palavra de Deus no mundo ps-moderno. Reafirmamos que a nossa proposta defender que o ato soberano de Deus decretado desde antes da fundao do mundo, pelo qual Ele elege a uns e pretere a outros tem como causa a sua vontade soberana, independentemente de obras boas ou ms praticadas pelos homens. E para que isso seja possvel, necessrio que se entenda que h um nico assunto principal abordado aqui: a soberania de Deus. Os outros dois (i.e., eleio e preterio), aparecem apenas como manifestaes dessa soberania. O mtodo que utilizaremos na reunio do material e na composio da argumentao teolgica o da pesquisa bibliogrfica. Faremos uso de diversas literaturas, a fim de conseguirmos elementos suficientes para a concretizao do trabalho proposto. Vale salientar, que a Bblia Sagrada a nossa principal fonte bibliogrfica, em vista do fato dela se constituir na nossa nica regra de f e prtica. A nossa expresso eucolgica que Deus nos habilite na nossa empreitada, e que o Seu nome seja glorificado por um correto entendimento da doutrina da predestinao. 4 ESTUDO PANORMICO DA EPSTOLA AOS ROMANOS 1.1 - Autoria A Epstola aos Romanos tem incio com a seguinte apresentao: Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apstolo, separado para o evangelho de Deus (Rm 1.1). Era uma caracterstica comum do estilo epistolar greco-romano, que os documentos produzidos tivessem no seu incio uma saudao e apresentao. claramente perceptvel essa caracterstica no incio de Romanos. O autor prontamente se identifica como Paulo. Esta afirmao traz logo mente a pessoa do apstolo Paulo, anteriormente chamado Saulo de Tarso. E isso tem sido quase que universalmente aceito e defendido pelos estudiosos e eruditos do Novo Testamento. Para se colocar o devido peso nessa informao, a atribuio da Epstola aos Romanos, juntamente com outros trs clssicos epistolares neotestamentrios (I e II Corntios e Glatas) ao apstolo Paulo absolutamente universal. Esta convico to forte entre os estudiosos, que C. K. Barret declarou que este assunto se trata de uma proposio que no precisamos discutir. 2 Entretanto, somente um caso de dvida quanto autoria paulina de Romanos registrada na histria. Trata-se da tese dos defensores da crtica radical: Bruno Bauer, A. Pierson, S. A. Naber, A. D. Loman, W. C. van Manen, G. A. van den Bergh van Eysinga e R. Steck. Estes homens negaram a autoria paulina at mesmo das outras trs grandes epstolas mencionadas, isso por causa de trechos considerados como inautnticos. Porm, tal posio se mostrou
2 C. K. Barret citado por John Murray, Comentrio Bblico Fiel: Romanos, (So Jos dos Campos: Fiel, 2003), 11. 5 insustentvel atravs de estudos posteriores (ver adiante, Integridade da Epstola aos Romanos). Em linhas gerais, fato que o apstolo Paulo costumava utilizar amanuenses (escribas) na composio das suas cartas (e.g. Trcio, mencionado em Romanos 16.22). O erudito do Novo Testamento F. F. Bruce afirma que a razo de Paulo empregar amanuenses na composio de suas cartas se dava pelo fato de que enquanto dita, ele v com os olhos da mente aqueles a quem est se dirigindo, e fala como se estivesse face a face com eles. Mesmo recorrendo a amanuenses o estilo dele. 3 Alm da liberdade do apstolo na utilizao de um escriba, de acordo com o costume da poca, ele fazia questo de marcar a sua autenticidade mediante uma saudao final, escrita de prprio punho. 4 E estas observaes so certamente vlidas para todas as epstolas atribudas a Paulo. No que concerne sua importncia e proeminncia, pode-se afirmar, que Romanos se adianta at mesmo s outras trs epstolas maisculas. 5
considerada como a mais importante epstola paulina, o que refletido no apenas por causa da sua extenso, mas tambm porque dentre todos os documentos neotestamentrios, Romanos sempre foi aceita como cannica, visto que quando das primeiras tentativas de se esboar um cnon, ela sempre esteve
3 F. F. Bruce, Paulo, O Apstolo da Graa: Sua Vida, Cartas e Teologia, (So Paulo: Shedd Publicaes, 2003), 12.
4 Werner Georg Kmmel, Introduo ao Novo Testamento, (So Paulo: Edies Paulinas, 1982), 321. relevante o fato, de que at mesmo um telogo de orientao liberal como Kmmel reconhece que Paulo o autor de Romanos.
5 Designao comumente utilizada para se referir a Romanos, I e II Corntios e Glatas. 6 includa, e tal fato se deu nas declaraes de pessoas ou grupos ortodoxos ou heterodoxos. As evidncias internas, que promovem o sustentculo para a autenticidade da autoria por parte de Paulo podem ser inquiridas a partir da constatao referente a estilo e vocabulrio presentes nas epstolas paulinas. Alguns exemplos podem aqui ser apresentados: 1. Em Romanos 3.20-24; 4.3, o apstolo fala de forma maravilhosa a respeito da doutrina da Justificao pela F, no atravs de obras meritrias humanas. Ele faz o mesmo na Epstola aos Glatas 2.16, quando afirma: sabendo, contudo, que o homem no justificado por obras da lei e sim mediante a f em Cristo Jesus, tambm temos crido em Cristo Jesus, para que fssemos justificados pela f em Cristo e no por obras da lei, pois, por obras da lei, ningum ser justificado (cf. Gl 3.6,11). Em Tito 3.5-7, o apstolo Paulo afirma: no por obras de justia praticadas por ns, mas segundo sua misericrdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Esprito Santo, que ele derramou sobre ns ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graa, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperana da vida eterna. Pode-se perceber aqui, a presena tanto de um vocabulrio idntico como de um mesmo estilo. 2. Paulo descreve a Igreja como o Corpo de Cristo, com muitos membros em Romanos 12.5. O autor mantm o seu discurso em I Corntios 12.12: Porque, assim como o corpo um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um s corpo, assim tambm com respeito a Cristo (cf. I Co 10.17; 12.27; Ef 2.22,23; Cl 2.19). 7 Fica claro ento, a partir dos exemplos sobrescritos, que todos os documentos tomados aqui, no que tange a estilo e vocabulrio, tiveram o mesmo autor sacro. R. N. Champlin faz uma afirmao por demais pertinente para o assunto. Ele diz o seguinte: Aceitar uma delas como paulina aceitar todas as outras trs; e rejeitar uma delas rejeitar s demais. Estilo e vocabulrio so elementos que no podem ser facilmente copiados ou imitados; e essas epstolas revelam-nos o mesmo homem dotado de um estilo literrio intensamente pessoal, o que revela a personalidade de seu autor de forma notvel e indiscutvel. Essas epstolas contm, em seu prprio contedo, a reivindicao de terem sido escritas pelo apstolo Paulo, e o contedo de cada uma delas consubstancia tal asseverao. 6
Algumas evidncias externas consubstanciam a autoria paulina da Epstola aos Romanos. Primeiramente, na prpria Escritura Sagrada temos a passagem de 2 Pedro 3.15,16, que afirma o seguinte: E tende por salvao a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmo Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca desses assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epstolas, nas quais h certas coisas difceis de entender, que os ignorantes e instveis deturpam, como tambm deturpam as demais Escrituras, para a prpria destruio deles.
Os comentaristas 7 so concordes em afirmar, que aqui Pedro est tomando mnemonicamente a passagem de Romanos 2.4. temos aqui, portanto, uma declarao apostlica de que Romanos realmente teve como autor o apstolo Paulo. O argumento supra, por si s, eminentemente conclusivo. No obstante, salutar e oportuno evocar as opinies dos antigos Pais da Igreja. Eusbio de
6 R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versculo Por Versculo, (So Paulo: Hagnos, 2002), vol. III, 556.
7 Ibid. Conferir tambm Michael Green, II Pedro e Judas: Introduo e Comentrio, (So Paulo: Vida Nova, 1993), 139.
8 Cesaria faz a seguinte declarao: As epstolas de Paulo so quatorze, todas bem conhecidas e indubitveis... Mas como o mesmo apstolo nas saudaes no final da Epstola aos Romanos tambm menciona entre outros a Hermes.... 8 O Fragmento Muratoriano 9 faz a seguinte afirmao: Ora, as epstolas de Paulo, quais so elas, donde e porque razo foram enviadas, elas mesmas esclarecem quele que est disposto a entender. Antes de tudo, ele escreveu por extenso aos Corntios... ento aos Glatas... e aos Romanos sobre a ordem das Escrituras, notificando tambm que Cristo o principal tema nelas. 10
Outro testemunho patrstico pode aqui ser citado. Clemente, bispo da igreja crist em Roma, na sua Epstola aos Corntios faz aluso s palavras de Romanos 1.29-32 e cita-as como tendo sido ditas por Paulo. Ele organiza algumas delas na seguinte ordem: injustia, impiedade, avareza (ou cobia). 11
Diante de todas estas evidncias, tanto internas quanto externas, so abundantes e absolutas as razes para crermos na firme asseverao da autoria de Romanos como tendo sido da lavra do apstolo Paulo.
8 Eusbio de Cesaria, Histria Eclesistica, (Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assemblias de Deus, 1999), III, 3, 80. Vale salientar, que quando Eusbio de Cesaria afirma serem quatorze as epstolas paulinas, logicamente ele inclui tambm a Epstola aos Hebreus.
9 O Fragmento Muratoriano um documento que data do segundo sculo e recebe esse nome em virtude de ter sido publicado pelo cardeal Ludovico A. Muratori (1672-1750). Foi descoberto na Livraria Ambrosiana de Milo e contm a mais extensa lista dos escritos neotestamentrios. incompleta e est escrito em latim vulgar e inclui ttulos de livros que foram lidos na Igreja de Roma durante os dias primitivos.
10 Citado por William Hendriksen, Comentrio do Novo Testamento: Romanos, (So Paulo: Cultura Crist, 2001), 12.
11 Carta de So Clemente de Roma aos Corntios, (So Paulo: Paulus, 1995),
9 1.2 Data e Local de Origem De acordo com os registros bblicos, o apstolo Paulo passou o perodo que abarca dez anos, mais especificamente os anos de 47 a 57 d.C., realizando grandiosa obra evangelstica nas regies que circundavam o Mar Egeu. As provncias do Imprio Romano da Galcia, Macednia, Acaia e sia foram evangelizadas. Como apstolo aos gentios, Paulo havia fundado comunidades crists nas cidades de Icnio, Filipos, Tessalnica, Corinto e feso. Mas interessante a conscincia que ele tinha de que a sua misso ainda no tinha chegado ao fim, pois concluda sua misso nas terras banhadas pelo Mar Egeu, tinha de localizar novos campos a conquistar para Cristo. 12 Era desejo do apstolo Paulo anunciar o evangelho nas regies que ainda no possuam fundamento alheio (Rm 15.20). Mediante uma leitura detalhada de Romanos 15.22-29, Atos 18.12-18; 20.2,3; 24.17, possvel estabelecer uma data aproximada para a escrita da epstola. Em 15.22-26 podemos perceber que o itinerrio de Paulo inclua trs localidades: Roma (v. 22), Espanha (v. 24) e Jerusalm (v. 26). Somos informados no texto que o destino imediato de Paulo era Jerusalm, e no versculo 26 est a motivao para tal iminncia: Porque aprouve Macednia e Acaia levantar uma coleta em benefcio dos pobres dentre os santos que vivem em Jerusalm. Paulo est levando uma oferta levantada pelas igrejas gentlicas que ele plantou, e no contexto imediatamente posterior (vv. 30-33) ele demonstra uma certa inquietao quanto forma como a oferta ser recebida, por causa dos rebeldes
12 F. F. Bruce, Romanos: Introduo e Comentrio, (So Paulo: Vida Nova, 1996), 13.
10 que vivem na Judia (v. 31). Outras epstolas da autoria de Paulo mencionam esta oferta, como por exemplo, 1 Corntios 16.1-4, 2 Corntios 8-9, alm de Atos 24.17. Champlin chama a ateno para o fato de que, os indcios de que dispomos mostram-nos que quando ele escreveu a Epstola aos Romanos, j havia completado o seu servio de recolhimento da oferta. 13 A passagem de 2 Corntios 9.3-5 indica que Paulo se dirigia para Corinto, onde a ltima parte da coleta se realizaria. Diante das informaes acima, possvel estabelecer o local de origem da Epstola aos Romanos. As indicaes claramente indicam que Paulo se aproximava do final da sua terceira viagem missionria. Ele estava prximo do final dos trs meses em que permaneceu na Grcia, de acordo com Atos 20.2,3. De forma mais especfica, consenso geral dos estudiosos que Paulo estava na cidade de Corinto. Tal afirmao corroborada ainda por algumas referncias pessoais deitas pelo apstolo: ele recomenda uma irm chamada Febe, a qual residia em Cencria, que se tratava provavelmente de uma pequena cidade cerca de doze quilmetros de Corinto 14 , ou ainda o porto oriental de Corinto. 15 A pressuposio mais coerente que tenha sido Febe que levou a carta de Paulo ao seu destino. Alm de Febe, no captulo 16.23, Paulo menciona Gaio e o alcunha de meu hospedeiro. Os comentaristas afirmam que esse homem aqui mencionado pode muito bem se tratar daquele que foi batizado por Paulo e
13 R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versculo Por Versculo, 558.
14 Walter A. Elwell e Robert W. Yarbrough, Descobrindo O Novo Testamento: Uma Perspectiva Histrica e Teolgica, (So Paulo: Cultura Crist, 2002), 276.
15 William Hendriksen, Comentrio do Novo Testamento: Romanos, 24.
11 mencionado em 1 Co 1.14; ele tambm menciona a Erasto, tesoureiro da cidade, mas de que cidade Ora, em 2 Timteo 4.20 Paulo afirma que Erasto ficou em Corinto, em adio a essa informao temos o registro de uma inscrio, que foi descoberta num dos blocos de uma calada de Corinto: Erasto fez essa calada sua prpria custa. 16 Fica claro, ento, que a partir das informaes aqui listadas, Corinto foi local de origem da epstola em foco. Resta ainda a questo referente data de Romanos, e aqui, uma considerao final deve ser feita. De total acordo com John Murray, o Novo Testamento no se refere a datas; assim, para chegarmos a esta espcie de informao dependemos de clculos derivados de outras fontes. 17 As opinies dos estudiosos variam, e tal variao se d por conta da dificuldade existente em se determinar com preciso os eventos da vida do apstolo Paulo. Esta cronologia de atividade sempre deixar margens para contestaes. Conquanto tal preciso cirrgica no possa ser atingida, uma gama enorme de estudiosos situa Romanos no ano 57 d.C., aproximadamente. 18
16 Ibid.
17 John Murray, Comentrio Bblico Fiel: Romanos, 15.
18 William Hendriksen, Comentrio do Novo Testamento: Romanos, 26. F. F. Bruce, Romanos: Introduo e Comentrio, 14. D. A. Carson, J. Moo e Leon Morris, Introduo Ao Novo Testamento, (So Paulo: Vida Nova, 1997), 270. Walter A. Elwell e Robert W. Yarbrough, Descobrindo O Novo Testamento: Uma Perspectiva Histrica e Teolgica, 276. F. J. Leenhardt, Epstola Aos Romanos: Comentrio Exegtico, (So Paulo: ASTE, 1969), 9. Outros estudiosos apresentaram algumas variaes da datao de Romanos: R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versculo Por Versculo, 558. Werner Georg Kmmel, Introduo Ao Novo Testamento, 403. John Murray, Comentrio Bblico Fiel: Romanos, 14. Oscar Cullman, A Formao do Novo Testamento, (So Leopoldo: Sinodal, 1990), 65. 12 1.3 Destinatrio Logo no incio da epstola encontramos uma referncia aos seus destinatrios. O versculo 7 afirma o seguinte: A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes santos, graa a vs outros e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. A epstola destinada aos amados de Deus, que viviam na capital do Imprio Romano (ver discusso infra sobre a Integridade da Epstola). Antes de observar de forma mais pormenorizada os aspectos referentes igreja dos romanos, cabem aqui algumas informaes a respeito de Roma. A capital do Imprio Romano era a maior cidade da antiguidade clssica no Ocidente. De todas as cidades que exerceram grande influncia no mundo da poca, nenhuma exerceu influncia to permanente sobre elas, e sobre outras bem distantes do Mediterrneo do que Roma. 19 O incio da histria dessa cidade se deu como um grupo de povoados agrcolas e pastoris na plancie latina, na margem esquerda do rio Tibre. Sua carreira como conquistadora comeou quando atravessou o Tibre para sitiar e tomar posse da cidade etrusca de Veii (cerca de 400 a.C.). Posteriormente, Roma se tornou senhora da regio do Lcio e depois da Itlia. Seu vasto domnio se estendia em direo ao Ocidente at a atual Gr- Bretanha, ao norte at a atual Alemanha, ao Oriente at o atual Ir e ao sul, centena de quilmetros at o Nilo no Egito. Poucos imprios, em qualquer poca na histria do mundo, rivalizaram em tamanho, poder e esplendor. 20 A populao
19 F. F. Bruce, Paulo, O Apstolo da Graa: Sua Vida, Cartas e Teologia, 17.
20 Walter A. Elwell e Robert W. Yarbrough, Descobrindo O Novo Testamento: Uma Perspectiva Histrica e Teolgica, 276. 13 romana era vastssima j no seu perodo neotestamentrio, contando com uma variao entre um milho e um milho e meio de habitantes. Era uma cidade cosmopolita dentro de um mundo inteiro romano. Esse era o potencial da cidade onde a comunidade onde a comunidade crist interlocutora de Paulo estava inserida. O Novo Testamento no apresenta uma narrao minuciosa acerca dos fatos que levaram fundao da igreja em Roma. Existem poucos informes, de modo que possibilitem a construo das opinies sobre a origem da comunidade e a sua composio no perodo em que o apstolo Paulo escreveu a epstola. O que certo, que a igreja crist da cidade de Roma j existia por algum tempo, visto que existem versculos que do esse suporte (e.g. Rm 1.8,10,12,13 e 15.23). Contudo, a data acerca da precisa organizao e as suas circunstncias no podem ser estabelecidas. 21
No livro de Atos dos Apstolos encontramos uma informao interessante acerca de uma possibilidade da origem da igreja em Roma. No captulo 2.10 est registrado que na festa de Pentecostes se encontravam em Jerusalm pessoas da Frgia, da Panflia, do Egito e das regies da Lbia, nas imediaes de Cirene, e romanos que aqui residem (nfase Minha). De acordo com esta informao escriturstica, perfeitamente plausvel, que alguns destes romanos que ouviram a pregao de Paulo por ocasio da festa de Pentecostes se encontrassem entre os trs mil que foram batizados e tenham retornado para Roma com a mensagem do Cristianismo, para as sinagogas daquela cidade. O que se passava nas regies
21 Uma informao interessante dada pelo historiador romano Suetnio, no sentido de que por volta do ano 49 d.C., j existiam cristos em Roma. 14 abarcadas pelo domnio do Imprio Romano, rapidamente se espalhava, devido s facilidades existentes por causa da Pax Romana 22 , que possibilitava aos habitantes do imprio o livre-trfego de uma regio para outra. Havia segurana tanto na navegao como na via trrea. Alm disso, as estradas romanas eram famosssimas por causa das suas belezas e organizao: Via pia, Vi a Cornlia, Via Aurlia, Via Valria e outras. De fato, era uma verdade que todas as estradas levavam a Roma. Diante disso, uma vez que o cristianismo estava firmemente estabelecido na Palestina e nos territrios circunvizinhos, era inevitvel que fosse levado para Roma. 23 Com certeza, quando os romanos convertidos por ocasio da festa de Pentecostes retornaram a seus lares em Roma, levaram consigo a mensagem do evangelho. Existem algumas tradies, que estabelecem relaes diretas dos apstolos Pedro e Paulo com a fundao da igreja de Roma. Por exemplo, o Pai da Igreja Irineu, no ano 180 d.C., identificou a Pedro e Paulo como fundadores da igreja em Roma (Contra as Heresias 3.1,2). Outro documento, o Catlogo Liberiano, datado do quarto sculo, menciona a Pedro como fundador e primeiro bispo de Roma. Contudo, o apstolo Paulo faz questo de elucidar ao longo da epstola, que no havia tido nenhum tipo de contato com a igreja naquela localidade (e.g. Rm 1.10,13). Numa outra passagem, em Romanos 15.22, ele afirma que por vrias vezes se sentiu impedido de visitar aquela igreja. Ademais,
22 A Pax Romana (Paz Romana) pode ser definida como uma conseqncia poltico-militar do Imprio Romano, que trouxe paz s estradas e aos mares com o banimento de assaltantes e piratas nos domnios de Roma.
23 F. F. Bruce, Romanos: Introduo e Comentrio, 15. 15 se Pedro tivesse tido participao direta na fundao da igreja de Roma, Paulo certamente no sentiria o desejo de realizar tal visita, visto que sua pregao do evangelho se dava no onde Cristo j fora anunciado, para no edificar sobre fundamento alheio (15.20). Dois testemunhos externos confirmam tal posio. Ambrosiastro, um Pai latino do quarto sculo, afirma na introduo do seu Comentrio Sobre Romanos, que no deveramos condenar os romanos, mas antes, louvar a sua f; porquanto, sem quaisquer sinais ou milagres, e sem terem visto qualquer dos apstolos, no obstante aceitaram a f em Cristo, ainda que de conformidade com os ritos judaicos. 24 Suetnio tambm fala da existncia de um conflito entre o imperador Cludio e os judeus, onde o imperador expulsou os judeus de Roma por estarem constantemente brigando, instigados por Cresto (Vida de Cludio 25.2). Esse comentrio do historiador Suetnio pode ser melhor entendido, como acerca de violentos debates dentro da comunidade judaica em Roma quanto s reivindicaes de Jesus ser o Cristo. 25 Conclui-se, portanto, que a comunidade crist em Roma teve uma origem sem a participao direta de Pedro ou de Paulo. Algo deve ser dito ainda, sobre a composio da igreja romana. Qual grupo era maior na poca em que Paulo escreveu a epstola: judeus ou gentios? correto, como bem frisou Halley, que o ncleo dessa igreja formara-se, provavelmente, dos romanos que estiveram em Jerusalm no dia de
24 Citado por R. N. Champlin, O Novo testamento Interpretado Versculo Por Versculo, 559.
25 D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris, Introduo Ao Novo Testamento, 271.
16 Pentecostes. 26 O texto de Atos 2.10 deixa claro que se tratavam de judeus e proslitos que l estavam e se converteram ao Cristianismo. Embrionariamente, por conseguinte, o ncleo da igreja crist em Roma era composto pelo grupo judaico. Entretanto, na poca em que Paulo escreveu a epstola, pode-se perceber que a igreja era agora uma comunidade mista, composta por judeus e gentios. Ao longo da carta Paulo se dirige tanto a judeus (2.1-3,8,17; 4.1; 6.14,15; 7.1,4; 16.3,7,11), alm de falar do papel de Israel na histria da salvao (caps. 9-11). Mas Paulo tambm se dirige aos gentios (1.5,6,13; 11.13; 15.7-9,14-21). O que se pode apreender dos textos citados acima, que na poca da escrita da epstola, os cristos gentios constituam maior nmero, pois o apstolo inclua a igreja de Roma dentro da esfera dos gentios para os quais seu apostolado estava direcionado, embora seja desconhecida a exata proporo de judeus em relao a gentios.
1.4 Propsito A determinao do propsito de Romanos, segundo os estudiosos 27 , um dos tpicos mais disputados no estudo contemporneo da epstola. Para se determinar o propsito de Paulo ao escrever uma declarao teolgica to detalhada aos cristos romanos, no se pode prender busca de declaraes explcitas no escopo da carta. H uma nica afirmao explcita, e esta, por sua
26 Henry H. Halley, Manual Bblico de Halley, (So Paulo: Vida Nova, 1997), 515.
27 Walter A. Elwell e Robert W. Yarbrough, Descobrindo O Novo Testamento: Uma Perspectiva Histrica e Teolgica, 276. 17 vez, tem um carter bastante genrico: Entretanto, vos escrevi em parte mais ousadamente, como para vos trazer isto de novo memria, por causa da graa que me foi outorgada por Deus (15.15). Contudo, podem ser percebidas ao longo da epstola algumas nuanas, que evidenciam certos propsitos, necessidades e circunstncias que requeriam a ateno por parte do apstolo Paulo. Primeiramente, preciso definir com clareza que o propsito de Romanos no foi apenas um. Por exemplo, alguns estudiosos costumam afirmar que a motivao de Paulo ao escrever esta epstola foi, unicamente, expor aos cristos gentios e judeus de Roma um panorama amplo e sistemtico do cerne do cristianismo. De acordo com Robert Gundry: A epstola aos Romanos, por conseguinte, um tratado a respeito do evangelho e cujo desgnio foi o de preparar os leitores de Paulo para seu futuro ministrio oral entre eles. 28 bem verdade, que foi um dos intentos de Paulo munir a comunidade crist em Roma com as mais preciosas verdades acerca da f crist, entretanto, deve ser salientado que se esse fosse o principal propsito de Paulo, ele indubitavelmente, teria acrescentado sees sobre escatologia, cristologia e instrues acerca da Ceia do Senhor, o que ele faz em outras de suas epstolas. Outros ainda afirmam, que o propsito de Paulo foi o de se apresentar aos cristos de Roma, visando prepar-los para a sua visita futura e para a preparao de patrocnio, no que diz respeito a uma futura viagem missionria na Espanha. Segundo este ponto de vista, era desejo de Paulo se hospedar em Roma para conseguir apoio daquela comunidade para a obra evangelstica nos confins da Europa continental (cf. 15.24-29). Nesse caso, os ensinamentos
28 Robert H. Gundry, Panorama do Novo Testamento, (So Paulo: Vida Nova, 1989), 326. 18 teolgicos e doutrinrios da epstola se deviam ao desejo do apstolo provar a sua ortodoxia. Mas, se esse fosse o propsito dominante de Paulo, seria de esperar que ele tivesse mencionado a Espanha muito antes do captulo 15. 29 Na verdade, h algo alm dos propsitos mencionados acima e de outros, como por exemplo: os problemas enfrentados pelo apstolo na Galcia e em Corinto, a crise futura que ele enfrentaria em Jerusalm e a unificao de judeus e gentios no mesmo Pacto. Existe um propsito maior, que d sentido a todos estes outros. O propsito da escrita da carta se coaduna perfeitamente com o propsito de Paulo em desejar visitar os cristos romanos. O propsito maior o do amor que Paulo nutria pelos seus irmos. Paulo escreve porque ama aquelas pessoas. Este amor evidenciado no desejo de fazer uma visita igreja, para ser uma bno l (cf. 1.10,11). Alm disso, atravs dessa visita, Paulo deseja ser reanimado por eles (15.22). Mas como fazer tal visita no momento impossvel, ele escreve uma carta. William Hendriksen afirma o seguinte: Ele escreve aos romanos porque os ama. So seus amigos em Cristo, e por meio dessa carta ele lhes comunica seu amor, louva-os (1.8), informa- os de suas constantes oraes por eles (1.9), pede-lhes que orem por ele (15.30) e conta-lhes sobre seus planos de viagem (1.10-12; 15.24s). 30
Com isso, fica claro, que a motivao doutrinria e a preocupao com a obra evangelstica so importantes, todavia existe uma razo primeva, a qual Paulo deixa transparecer em toda esta epstola. Esse amor demonstrado vividamente, no sentido de que era uma preocupao do apstolo sua viagem
29 D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris, Introduo Ao Novo Testamento, 280.
30 William Hendriksen, Comentrio do Novo Testamento: Romanos, 38. 19 rumo a Jerusalm, pois ele temia tanto uma investida dos judeus contra a sua vida, como uma rejeio dos donativos conseguidos pelos cristos gentios. Por conseguinte, se os destinatrios no mais pudessem ter contato com Paulo pessoalmente, pelo menos poderiam ler e reler essa preciosa carta. 31 Em suma, o propsito primevo de Paulo ao escrever a Epstola aos Romanos foi demonstrar de forma ardente, o seu amor por aqueles cristos. Todos os outros propsitos salientados, embora importantes, so subjacentes ao propsito maior.
1.5 Tema Central da Epstola Na determinao de um tema para a Epstola aos Romanos, o conceito semntico acerca da palavra tema deve ser devidamente clarificado. Deve-se determinar com exatido o que se pretende dizer com o tema da carta. Por exemplo, se com o vocbulo tema se tenta delimitar um assunto especfico, do qual Paulo nunca se desvie, pode-se afirmar que Romanos no tem um tema. Por outro lado, se com esta palavra estabelecida a procura por um tpico central, que ao longo da epstola esse tema ganhe delineamentos em associao a outras doutrinas tratadas, ento Romanos possui um tema. Os estudiosos so unnimes ao afirmar que o tema central da Epstola aos Romanos se encontra no captulo 1.16,17, onde est escrito o seguinte: Pois no me envergonho do evangelho, porque o poder de Deus para a salvao de todo aquele que cr, primeiro do judeu e tambm do grego; visto que a justia de Deus se revela no evangelho, de f em f, como est escrito: O justo viver por f. Sendo assim, o tema da epstola O Evangelho como Revelao do Poder e da
31 Ibid, 39. 20 Justia de Deus Pela Graa Mediante a F. Merril C. Tenney diz, que esse tema basilar em toda experincia crist, pois ningum pode entrar em contato com Deus seno depois de estabelecida uma via de acesso adequada. 32
O tema da epstola apresentado primariamente em 1.16,17, e expresso de forma mais plena em trechos subseqentes: 3.21-24,28; 5.1; 8.30-34; 9.30-32; 11.23-26; 16.26. De fato, o tema da epstola algo que nunca se ausenta da mente do apstolo Paulo ao longo de Romanos.
1.6 Doutrinas Principais da Epstola Em toda a epstola de Paulo aos Romanos, vrias doutrinas so abarcadas pelo apstolo, como por exemplo, a bondade de Deus, a justificao pela f somente, a santificao, a glorificao e a Lei de Deus. Entretanto, pode-se afirmar, que a justia divina e a soberania de Deus so as duas principais doutrinas tratadas em Romanos. Sendo assim, so estas duas doutrinas que sero aqui tomadas como referncia. 1.6.1 A Justia Divina Logo aps a saudao e a introduo da carta, o apstolo Paulo na primeira seo doutrinria passa a expor a doutrina concernente justia divina, que se revela de f em f, como afirma o versculo 17 do captulo 1. Essa doutrina tratada com maior vigor do captulo 1 ao captulo 3, quando estes apresentam a acusao do Deus que reto em todos os seus caminhos contra os seres humanos pecadores. Paulo fala da revelao da justia divina no
32 Merril C. Tenney, O Novo Testamento: Sua Origem e Anlise, (So Paulo: Vida Nova, 1989), 318. 21 evangelho como necessria, em virtude da revelao da Sua ira contra a pecaminosidade da humanidade (1.18). A justia de Deus apresentada em Romanos possui quatro aspectos: 1) a ira de Deus, que pode ser definida como seu puro e perfeito antagonismo com o mal. 33 Esta ira divina se volta contra toda impiedade e perverso dos homens que detm a verdade pela injustia (v. 18); 2) a sua fidelidade, segundo a qual, Deus permanece verdadeiro mesmo diante da falsidade de toda a humanidade. Deus fiel, em virtude do fato das suas promessas precisarem ser cumpridas para estarem em perfeita consonncia com a sua natureza divina (3.3,4); 3) a retido manifestada no sacrifcio de Cristo, a qual, de acordo com 3.25 serviu para evidenciar perfeitamente a sua justia e a sua indignao contra o pecado; e 4) a relao existente entre a justia divina e a f. O reformador Martinho Lutero por muito tempo se afligiu diante da passagem de Romanos 1.17, at ao dia em que ele entendeu, que aqui estava implcita a idia da justia que gratuitamente imputada ao pecador, com base na expiao perfeita de Jesus Cristo. Deus declara como possuidores da justia de Cristo, aqueles que, de acordo com 5.10 so por natureza seus inimigos. 1.6.2 A Soberania de Deus A doutrina da soberania de Deus pode ser percebida com clareza, mais especificamente do captulo 9 ao 11. Estes captulos mostram o desgnio universal 34 de Deus com respeito aos judeus e gentios. No incio do captulo 9, Paulo defende a fidelidade de Deus na manuteno da Sua aliana. O argumento
33 John Stott, A Bblia Fala Hoje: Romanos, (So Paulo: ABU, 2003), 35.
34 Esta terminologia deve ser compreendida como se referindo incluso das naes gentlicas no Pacto da Graa. 22 Paulino gira em torno da promessa destinada ao remanescente e no a todas as pessoas descendentes carnais de Abrao. Isso se d porque o que prevalece o propsito soberano de Deus, quanto eleio (9.11). Deus soberano na sua eleio, e no h nele injustia nenhuma (9.14); Ele se compadece de quem quer (9.18). O princpio da soberania divina pode ser percebido, quando da analogia empregada por Paulo para descrever Deus como um oleiro, que tem todo o poder sobre o barro, e no cabe aos seres humanos questionarem ao Deus soberano (9.19-21).
1.7 Integridade da Epstola Aos Romanos Na discusso acerca da autoria paulina da Epstola aos Romanos ficou definido, que praticamente universal por parte dos eruditos do Novo Testamento a sua aceitao. Os poucos que tm buscado contestar essa posio tiveram os seus argumentos reputados como infundados e acima de tudo desprovidos de qualquer objetividade e imparcialidade. Entretanto, o mesmo no pode ser dito a respeito da integridade da epstola. O cerne da argumentao levantada pelos estudiosos de linha liberal, que algumas questinculas, inclusive com respeito aos dois ltimos captulos, no correspondem redao original da epstola. Na verdade, toda essa discusso tem sido fomentada pelos estudiosos da Alta Crtica, que procura entender os meios histricos, segundo os quais, os documentos cannicos foram redigidos ou compostos. Sintetizados, so dois, os principais problemas que se levantam contra a integridade de Romanos. So eles:
23 1.7.1 O Problema da Composio e de Um Segundo Destinatrio Alguns estudiosos afirmam que Romanos , na verdade, um agrupamento de duas ou mais cartas originais ou do trabalho de um redator posterior, que inseriu vrias interpolaes no texto original escrito pelo apstolo Paulo. Um estudioso chamado Schimithals chegou a postular uma hiptese, de que a Romanos cannica seria uma combinao de um Romanos A com um Romanos B. Segundo Schmithals, cada uma dessas duas cartas era composta da seguinte maneira: ROMANOS A ROMANOS B 1.1-11.36 12.1-15.7 15.8-13 15.14-16.23
O grande problema com a teoria de Schmithals que ela no possui nenhum tipo de argumentao textual relevante, o que faz com que ela seja caracterizada, na verdade, como pura e simples hiptese e seja assim, totalmente descartada. Outros, mais moderados, afirmam que os dezesseis captulos so autenticamente paulinos, no entanto, o prprio Paulo foi o responsvel pelo aparecimento de duas cartas distintas. De acordo com esse argumento, Paulo teria entendido que tudo que era tratado at o final do captulo 14 era de interesse das igrejas em geral. J a carta menor, contendo os captulos 15 e 16, seria acrescentada ao restante, quando da ocasio do seu envio a Roma. Assim ele escreveu duas Romanos, uma com quatorze e outra com os dezesseis captulos. Mas, mais uma vez, esse argumento falho, visto que, se Paulo realmente tivesse feito isso, ele teria sido incoerente com o seu prprio trabalho. Ao agir assim, ele teria cortado ao meio o argumento que iniciara em 14.1, indo at o captulo 16.13. 24 Essa seo da epstola trata dos fortes e dos fracos. Conseqentemente, essa hiptese deve ser rejeitada. Outros afirmam, que o simples fato das palavras em Roma estarem ausentes de alguns manuscritos, inclusive o utilizado por Orgenes e Ambrosiastro, nos seus comentrios de Romanos, e das saudaes no captulo 16.3-15, onde Paulo demonstra que conhecia pessoas que faziam parte de uma igreja, a qual ele jamais estivera presente, tudo isso indica que a verdadeira destinatria da epstola era a igreja de feso. Oscar Cullman, por exemplo, afirma que isso explicaria que o endereo a Roma tenha sido suprimido na edi o efesina da epstola. 35 Aliado a isso, Kmmel argumenta que o mais provvel era que Epneto, Priscila e quila, as primcias da sia (16.5) estivessem em feso, e no em Roma. 36 Caso no seja possvel sustentar que a verdadeira destinatria era a igreja de feso apela-se para a hiptese de que essa epstola de tratava de uma epstola de circulao geral. Champlin corrobora esse pensamento com a seguinte afirmao: Um escriba pode ter querido fazer dessa epstola uma espcie de introduo para toda a coleo de escritos paulinos (conforme agora ela est situada, em nosso NT), pensando que se prestaria melhor a essa finalidade se fosse uma epstola geral, e no uma missiva dirigida a uma determinada comunidade, pelo que tambm apagou a palavra Roma. 37
Contudo, essas explicaes devem ser veementemente rejeitadas. As explicaes de Cullman, Champlin e Kmmel no possuem qualquer fundamentao textual plausvel, baseando-se assim, na mais pura e porque no
35 Oscar Cullman, A Formao do Novo Testamento, 66.
36 Werner Georg Kmmel, Introduo Ao Novo Testamento, 413.
37 R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versculo por Versculo, 561.
25 esdrxula cavilao especulativa. Elas no possuem apoio manuscritolgico relevante. Somente uns poucos manuscritos omitem a expresso em Roma (1.7,15). Tais manuscritos so: o 1739, o seu semelhante 1908 e o cdice greco- latino G. Alm de serem poucos, estes manuscritos so tardios 38 , o que compromete e muito a relevncia do argumento em favor de outro destinatrio. Alm disso, a evidncia interna (1.8-15), no caso o contexto, favorvel igreja em Roma. O estudioso F. F. Bruce diz algo interessante a esse respeito: Mas nenhum outro topnimo poderia ficar no lugar de Roma em 1.7,15, porquanto o contexto (1.8-15) refere-se a Roma, e somente a Roma. E ainda que o termo Roma fosse apagado em 1.7,15 sem ser substitudo pelo nome de nenhuma outra cidade, isso tornaria as referncias locais dos versculos 8-15 (e de 15.22-32) incompreensveis ou, quando muito, exigiriam elucidao mediante hbil inferncia. 39
Sobre as saudaes contidas no captulo 16, preciso ter o devido entendimento, que naquela poca, a movimentao por todo o Imprio Romano era muito fcil devido instaurao da Pax Romana. Logo, bastante razovel que Paulo havia conhecido outrora e em outras localidades as pessoas mencionadas. Junta-se a isso seu desconhecimento daquela igreja, pois o prprio fato de ele no ter estado em Roma pessoalmente torna tudo mais provvel que, por meio de efusivas saudaes queles que ele conhecia, desejasse ter um lugar no corao de toda a igreja romana. 40 A referncia a Epneto justificvel por
38 O MS 1739 datado do sculo X, o 1908 do sculo XI, o cdice G, por sua vez, datado do sculo IX. Um dos princpios de anlise manuscritolgica, no que diz respeito s evidncias externas que se deve valorizar mais a antiguidade do texto do que a do manuscrito propriamente dito. Isso quer dizer que, quanto mais antigo o documento mais valiosa ser a evidncia e quanto mais recente, mais viciado o documento deve estar pelos copistas. Conferir, Wilson Paroschi, Crtica Textual do Novo Testamento, (So Paulo: Vida Nova, 2004), 149.
39 F. F. Bruce, Romanos: Introduo e Comentrio, 28,29.
40 William Hendriksen, Comentrio do Novo Testamento: Romanos, 43. 26 ser ele ainda desconhecido dos cristos romanos como uma das primcias da sia. Se a carta fosse realmente destinada aos efsios tal informao seria completamente desnecessria, o que tambm indica que Epneto na era obrigado a permanecer na sia o resto da sua vida. 1.7.2 O Problema da Doxologia em Romanos 16.25-27 De todos os problemas existentes com respeito a Romanos, o mais controvertido o que diz respeito a doxologia no captulo 16.25-27. A prova disso que os liberais sempre apelam para a doxologia como ponto comum para basearem os seus argumentos funestos. A exata localizao do trmino da epstola aos Romanos possui algumas dificuldades de ordem textual. A grande questo a respeito da doxologia que essa doxologia costuma aparecer em trs posies diferentes nos manuscritos antigos. Em alguns manuscritos aparece mais de uma vez, ao passo que, em outros, no aparece nenhuma vez. 41 Segue abaixo uma tabela com as devidas evidncias textuais 42 : SEQUNCIAS MANUSCRITOLGICAS DE ROMANOS 16.25-27 Seqncia Manuscritos
1.1-14.2315.1-16.2316.25-27 p 61, a, B, C, D, 81, 365, 630, 1739, 2464, al, a, b, vg, sy p , co, Or lat mss , Ambst 1.1-14.2316.25-2715.1-16.2316.25- 27 A, P, 33, 104, 2805, pc 1.1-14.2316.25-27 15.1-16.24 T, 0209 vid , Texto Majoritrio, m vid sy h , Or lat mss , 1.1-14.23 15.1-16.24 (omitido) F, G, 629, Hier mss 1.1-15.3316.25-2716.1-23 p 46 (Papiro Chester Beatty II) 1.1-14.23 16.25-27 15.1-33 16.25-27 1506
41 R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versculo por Versculo, 561.
42 Brbara e Kurt Aland, Novum Testamentum Graece, 435. O NA 27 apresenta uma relao detalhada dos manuscritos que apresentam a variao da posio da doxologia.
27 De acordo com a teoria liberal, a percope que abarca a doxologia encontrada em alguns manuscritos em lugares diferentes do de Romanos cannica. Outros manuscritos omitem totalmente a doxologia. A tese liberal gira em torno da proposio de que, se existem manuscritos que trazem a doxologia em lugares diferentes, isso indica a existncia de uma outra carta. A carta original , no caso, teria terminado em algum local (possivelmente depois do captulo 15). A continuao se trataria, ento, de uma outra correspondncia. Esta posio conta com o apoio de p 46 (Papiro Chester Beatty II). 43 A relevncia desse manuscrito se encontra no fato da sua antiguidade. Mas o que pode ser notado, que mais uma vez, as evidncias textuais desfavorecem a proposio liberal. As fontes padecem devido a uma anlise distorcida das evidncias. Primeiramente, a respeito do testemunho de p 46 , preciso entender que, esse manuscrito no pode ser considerado como uma prova de que a epstola aos Romanos contendo quinze captulos tenha sido seu texto original. Alm disso, o fator antiguidade do manuscrito de grande importncia sem dvidas, mas isso no quer dizer que no exista a possibilidade de erros por parte dos copistas ao longo do tempo. John Murray faz uma declarao interessante a respeito dessa questo: embora a doxologia no aparea no manuscrito G e o texto de Marcim o tenha omitido, isto no nos
43 O Papiro Chester Beatty recebeu esse nome por ter sido adquirido no Egito, popr volta de 1930, por A. Chester Beatty, que era um colecionador de manuscritos, de origem americana e morava em Londres. No caso do Papiro Chester Beatty II, ele contm 86 folhas quase perfeitas de tinha num nico caderno 104 folhas. Quando Beatty comprou dez folhas desse papiro verificou que dez folhas eram pares e que nas primeiras cinco metades havia parte de Romanos e nas outras cinco, parte de Filipenses, Colossenses e 1 Tessalonicenses, tratando-se ento de um nico caderno de epstolas paulinas. Este papiro datado do final do sculo II ou incio do sculo III, o que atribui a ele grande importncia. Conferir, B. P. Bittencourt, O Novo Testamento: Metodologia da Pesquisa Textual, (Rio de Janeiro: JUERP, 1993), 75,76.
28 fornece motivo algum para atacarmos a sua genuinidade como texto escrito pelo apstolo Paulo. 44 Percebe-se a nessa declarao a existncia de uma relao entre o herege Marcio e a doxologia de Romanos. De fato, atribuda a Marcio a responsabilidade por toda essa confuso textual. Orgenes, no seu comentrio Romanos fez a seguinte afirmao: Marcio, que corrompeu as escrituras tanto os evangelhos quanto as epstolas , retirou por completo este trecho [16.25ss] da epstola em questo; e no fez somente isto, mas ainda, depois do lugar onde estava escrito: O que no vem da f pecado [14.23], ele eliminou tudo o que havia at o fim. 45
Esta declarao de Orgenes fielmente endossada pelo Pai da Igreja Rufino (c. 400 d.C.). Isso quer dizer que, Marcio cortou os captulos 15 e 16 dos seus manuscritos. O resultado imediato disso foi que o seu texto acabou contaminando alguns manuscritos da igreja ocidental e como naquela poca cpias dos textos sagrados eram raras, cristos desavisados, que tiraram cpias de tais manuscritos para si acabaram sendo enganados. A influncia dos manuscritos marcionitas acabou excedendo a dos manuscritos considerados como ortodoxos das epstolas paulinas. 46 Hendriksen afirma que no muito difcil imaginar o motivo que levou Marcio a eliminar um trecho to longo dos seus manuscritos, visto que, bem notria sua atitude negativa em relao ao Antigo Testamento e seu deus ou demiurgo. Portanto, havia muitas afirmaes no captulo 15 que o desgostava. Ver especialmente o versculo 4. No obstante, Romanos deve ter uma concluso apropriada. Portanto, no surpreende que a doxologia no final do captulo 16 fosse transferida para o captulo
44 John Murray, Comentrio Bblico Fiel: Romanos, 679.
45 Citado por Werner Georg Kmmel, Introduo Ao Novo Testamento, 408,409.
46 F. F. Bruce, Romanos: Introduo e Comentrio, 20,21.
29 14. Uma vez tenha incio o processo de transferir uma passagem de um lugar para outro, onde terminar? 47
Diante de tudo isso, fica claro que a argumentao liberal no tem nenhum valor, visto que as evidncias apontam para a apologia textual, que reafirma que a doxologia da epstola aos Romanos deva vir logo aps 16.24. Isso tambm ratificado pelo maior nmero de testemunhos manuscritolgicos em favor da posio tradicional. Definitivamente no h argumento algum que invalide a posio tradicional de Romanos 16.25-27.
47 William Hendriksen, Comentrio do Novo Testamento: Romanos, 43. 30 ESBOO DA EPSTOLA
I Saudao e Introduo: A Generosidade de Servir (1.1-18) A. O Servio de Paulo (1.1) B. O Servio da Divindade (1.2-4) C. O Servio dos Santos (1.5-7) D. O Servio Antecipado e Servio Atual (1.8-15) E. O Evangelho como Servo do Poder e da Justia de Deus (1.16-17) II O Conhecimento de Deus e A Universalidade do Pecado (1.18-3.20) A. A Pecaminosidade e A Condenao dos Gentios (1.18-32) B. A Igualdade de Culpa entre Gentios e Judeus (2.1-16) C. O Agravamento da Pecaminosidade e Condenao dos Judeus (2.17-29) D. A Fidelidade e A Justia de Deus (3.1-8) E. Concluso Acerca da Pecaminosidade da Humanidade (3.9-20) III A Justia de Deus em Cristo Jesus (3.21-31) IV A Justificao Pela F Comprovada no Antigo Testamento (4.1-25) A. No Exemplo de Abrao (4.1-5,9-25) B. No Exemplo de Davi (4.6-8) V O Carter Absoluto da Salvao em Cristo Jesus (5.1-11) VI A Analogia da Descendncia em Ado e Ascendncia em Cristo (5.12-21) VII Os Efeitos Santificadores (6.1-23) A. Batizados em Cristo da Morte para a Vida (6.1-14) B. Antes Escravos do Pecado, Agora Servos de Deus (6.15-23) VIII Livres da Lei, mas Casados com Cristo (7.1-6) IX A Contradio no Crente: A Batalha Entre o Ego Carnal e O Espiritual (7.7- 25) X A Redeno Pela Graa de Deus (8.1-39) A. A Direo e o Testemunho do Esprito Santo (8.1-16) B. Herdeiros de Deus e Co-herdeiros com Cristo (8.17) C. As Aflies do Presente e A Glria Futura dos Filhos de Deus (8.18-25) D. A Intercesso do Esprito Pelos Crentes (8.26-27) E. O Chamado, Justificao e Glorificao dos Filhos de Deus (8.28-30) F. A Absoluta Salvao dos Filhos de Deus e A Intercesso de Cristo (8.31-39) XI A Justia de Deus e A Sua Relao com Israel (9.1-11.36) A. A Preocupao de Paulo e A Incredulidade de Israel (9.1-5) B. A Rejeio de Israel e O Propsito de Deus (9.6-13) C. A Rejeio de Israel e A Soberania de Deus (9.14-29) D. A Responsabilidade dos Judeus Pela Sua Rejeio (9.30-33) E. Cristo Cumpre a Lei Para Judeus e Gentios (10.1-15) F. A Falcia do Argumento Judeu de Falta de Oportunidade (10.16-21) G. O Remanescente de Israel (11.1-10) H. A Plenitude de Israel (11.11-24) I. A Plenitude dos Gentios e A Restaurao Futura de Israel (11.25-32) J. A Doxologia (11.33-36) XII O Modo Cristo de Viver de Acordo com A Vontade de Deus (12.1-15.13) A. A Oferta de Sacrifcio como Culto de Adorao (12.1-2) 31 B. O Uso Humilde dos Dons em um nico Corpo (12.3-8) C. Multiformes Virtudes Prticas Recomendadas (12.9-21) D. Sujeio s Autoridades Civis: A Csar o que de Csar (13.1-7) E. O Cumprimento da Lei est no Amor ao Prximo (13.8-10) F. A Consumao Iminente: Vigilncia (13.11-14) G. Os Fortes e A Tolerncia Para com os Fracos na F (14.1-12) H. O Amor Fraternal e A Liberdade Crist entre Judeus e Gentios (14.13-23) I. O Exemplo Magno de Cristo (15.1-6) J. Judeus e Gentios Formam um s Povo (15.7-13) XIII Ministrio, Projetos e Plano de Ao de Paulo quanto aos Gentios (15.14- 29) XIV Paulo pede as Oraes Pela Sua Viagem Jerusalm (15.30-33) XV Saudaes e Doxologia Final (16.1-27) A. Recomendao de Febe e Saudaes do Prprio Paulo (16.1-16) B. Advertncia Contra Os Falsos Mestres e Enganadores (16.17-20a) C. A Bno Apostlica (16.20b) D. Saudaes dos Colaboradores de Paulo (16.21-23) E. A Bno Apostlica Novamente (16.24) F. Doxologia Final (16.25-27)
2.1 Comentrio Conclusivo do Esboo de Romanos O versculo tomado por base para o presente trabalho exegtico se encontra na Epstola aos Romanos, captulo nove, versculo dezoito, onde est registrado o seguinte: Logo, tem ele misericrdia de quem quer e tambm endurece a quem lhe apraz. Tal versculo, como pode ser atestado muito bem mediante uma observao do esboo supra, est inserido dentro de um bloco de percopes, que compreende do captulo nove, versculo um at o captulo onze, versculo trinta e seis. O bloco de percopes que abarca os captulos e versculos acima mencionados se encontra no esboo com o ttulo de A Justia de Deus e A Sua Relao com Israel. O versculo tomado para anlise est inserido, de igual modo, num bloco de material mais restrito, que abrange o captulo nove, versculos quatorze a vinte e nove, tendo como ttulo A Rejeio de Israel e A Soberania de Deus, o qual uma subdiviso do ttulo mais abrangente A Justia de Deus e A Sua Relao com Israel. 32 Ao se estabelecer uma comparao entre o versculo objeto de estudo da presente exegese, com os ttulos das divises nas quais ele est inserido, pode-se perceber que ele reflete de forma plena o assunto ali indicado. O assunto doutrinrio da diviso que compreende o captulo nove, dos versculos quatorze a vinte e nove a soberania de Deus, mais especificamente, a soberania de Deus na eleio e na preterio. Esta percope mostra de forma evidente a manifestao da soberania de Deus no Seu desgnio universal com relao aos judeus e gentios. O apstolo Paulo fala de maneira gloriosa como Deus soberanamente elege e pretere, tem misericrdia e endurece a quem Ele quer. O argumento de Paulo que ningum pode reivindicar nada para si, nenhum tipo de favor divino, isso porque a maneira como o Deus soberano age depende exclusivamente da Sua vontade. Ao expor assunto to complexo, o apstolo tem em mente refutar o entendimento farisaico daqueles que imaginavam, que unicamente por serem descendentes carnais de Abrao poderiam ter a certeza de que receberiam algum favor da parte de Deus, para ser mais claro, a salvao. Paulo em nenhum momento esquece do seu passado, que havia sido fariseu de fariseus, por isso mesmo ele sente a necessidade de doutrinar os cristos romanos de origem judaica e tambm os cristos gentios a esse respeito. O versculo dezoito do captulo nove de Romanos reflete de forma clara a mesma idia do bloco de percopes, no qual ele est inserido, visto que a soberania o fator determinante na eleio e preterio das pessoas, na imputao da justia de Cristo a alguns e do endurecimento de outros.
33 TEXTO GREGO E TEXTO PORTUGUS Romanos 9.18: aa eu | e| ..t ...t, e| e. ..t c-u|.t. (Novum Testamentum Graece. Brbara e Kurt Aland. 27 Ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994). 48
Romanos 9.18: Logo, tem ele misericrdia de quem quer e tambm endurece a quem lhe apraz. (A Bblia Sagrada. Traduzida em portugus por Joo Ferreira de Almeida. Edio Revista e Atualizada no Brasil. 2 Ed. So Paulo: Sociedade Bblica do Brasil, 1993).
ANLISE MANUSCRITOLGICA 4.1 Apresentao das Leituras Variantes TEXTO ECLTICO NA 27
aa eu | e| ..t ...t , e| e. ..t c-u |.t. (Novum Testamentum Graece, 27 ed, Nestl-Aland, 1994) TEXTUS RECEPTUS aa eu | e| ..t ...t , e| e. ..t c-u |.t. (TR Bezas Text, 1598) 4.2 Comentrio Acerca das Leituras Variantes A respeito da observao feita entre o texto crtico de Nestl-Aland, vigsima stima edio com o Textus Receptus, podemos notar com bastante clareza que no h nenhuma variante presente em Romanos 9.18 que dificulte a sua compreenso. No h, absolutamente, nenhuma diferena de leitura entre o Texto Ecltico e o Texto Majoritrio (Receptus).
48 O texto do NA 27 aqui citado se encontra na Bblia Sacra, Utriusque Testamenti: Editio Hebraica e Graeca, (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2002). 34 A concluso bvia, que as palavras gregas, tais como se encontram nos dois textos correspondem aos componentes da leitura original, visto que h unanimidade quanto aos manuscritos que trazem esta construo. No entanto, no aparatus criticus do texto de Nestl-Aland pde ser observado, que alguns poucos manuscritos trazem as palavras ho Theos antes do verbo eleei. Os manuscritos que trazem ho Theos no presente versculo so: D (datado do sculo V), pc (uma pequena quantidade de manuscritos), vg ms
(alguns manuscritos da verso latina de Jernimo) e os manuscritos utilizados por Ambrosiastro no seu comentrio Epstola aos Romanos. guisa de concluso sobre este assunto podemos afirmar, que a presena dessas palavras em uns poucos manuscritos no traz nenhuma complicao para o entendimento teolgico do texto, visto que assim como na lngua grega caso indica funo, fica claro que por ho Theos se encontrar no Nominativo, o sujeito ativo do versculo em questo Deus. Sendo assim, a presena de ho Theos nestes manuscritos tem o propsito apenas de enfatizar o sujeito da ao.
35 ANLISE LITERRIA A Epstola aos Romanos tem sido freqentemente classificada pelos estudiosos, sem nenhuma hesitao, como consistindo de um belssimo tratado de teologia crist. 49 Ela claramente apresenta algumas nuanas que a distingue de outros documentos neotestamentrios classificados como cartas, at mesmo de autoria paulina (I e II Timteo, Tito e Filemon). Alm disso, Romanos apresenta um contedo que transcende o tempo e se torna imperativa na vida de cada gerao de cristos. No entanto, tal classificao feita pelos estudiosos deve ser revista. indiscutvel o fato de que o contedo de Romanos indispensvel para cada gerao de cristos, e a histria tem mostrado inmeras pessoas que tm sido profundamente impactadas pela sua mensagem (e.g. Agostinho, Lutero e John Wesley). Acontece, que mesmo o seu contedo altamente doutrinrio est enraizado num documento escrito para um grupo especfico de destinatrios. Tal contedo tambm foi motivado por um propsito primevo essencialmente pessoal da parte de Paulo. Com isso em mente, acreditamos que a melhor classificao para Romanos a de uma carta-tratado. Conforme pode ser notado, ela possui a caracterstica mais marcante de uma carta: era endereada a um destinatrio em particular. 50 No obstante, tambm possui aspectos de um tratado teolgico, como, por exemplo, sua longa argumentao acerca de doutrinas especficas.
49 Melanchthon, por exemplo, chegou a definir Romanos como um tratado no-temporal, em outras palavras, um compndio de doutrina crist vlido para todas as pocas.
50 Gordon D. Fee e Douglas Stuart, Entendes O Que Ls? Um Guia Para Entender A Bblia Com O Auxlio da Exegese e da Hermenutica, (So Paulo: Vida Nova, 2001), 30.
36 Eram comuns no antigo estilo epistolar greco-romano vrios tipos de cartas, desde breves pedidos de dinheiro feitos por filhos longe de casa at longos artigos cujo propsito era alcanar um pblico vasto. 51 Romanos se enquadra perfeitamente nesse segundo grupo, visto que em todo o seu escopo, Paulo enumera uma srie de situaes definidas (1.1-17; 15.14-16.27), ao passo que, nesse nterim ele usa uma srie de raciocnios e argumentos para expor as verdades do evangelho. Isso endossado pelos recursos literrios e retricos utilizados pelo apstolo, quando das perguntas feitas por ele mesmo ao longo da carta (3.1,5,27; 4.1; 6.1,15). Estas perguntas visam promover o devido sustentculo para a elucubrao do apstolo Paulo diante de assuntos controvertidos. Diante disso, vlida a classificao de Romanos como uma carta-tratado. J no que diz respeito um gnero literrio especfico para este documento neotestamentrio, isso algo arriscado. Muitos estudiosos, incluindo Rudolf Bultmann tm comparado Romanos a uma diatribe. 52 Conquanto algumas passagens possuam aspectos da diatribe (2.1,17; 3.3-6; 6.2,15; 7.7,13; 9.14; 11.1,11), como uma pergunta direta feita a um interlocutor ou oponente, a carta- tratado de uma forma generalizada no pode ser classificada como tal. Carson chama a ateno para o fato de que, Romanos possui semelhanas com muitos gneros literrios: memorando, carta epiditica ou retrica, nota diplomtica, carta protrptica ou exortativa e ensaio epistolar. Mas ele faz questo de concluir sua
51 Carson, Introduo Ao Novo Testamento, 278.
52 A diatribe era um gnero de argumentao utilizada em debates muito popular entre os filsofos antigos de orientao cnica-estica.
37 anlise com a observao de que Paulo utilizou diversas convenes literrias de seus dias para fazer com que a sua mensagem fosse entendida. 53 A passagem de Romanos 9.18 no pode ser enquadrada em nenhum gnero literrio parte do gnero literrio geral da carta-tratado. A Epstola em si pode ser dividida em trs partes. A primeira parte compreende do captulo 1 ao 8, trazendo como discusso principal a doutrina da Justificao pela F Somente e a sua relao com o ser humano pecador. A segunda parte compreende do captulo 9 ao 11 e trata especificamente da soberania de Deus frente aos judeus e gentios. J a terceira parte consiste de exortaes e saudaes aos cristos da capital do Imprio e vai do captulo 12 ao 16.
53 Carson, Introduo Ao Novo Testamento, 279. 38 ANLISE MORFOLGICA aa Conjuno Hiperordenativa ou Partcula Conseqente Inferencial conseqentemente. eu | Conjuno Hiperordenativa portanto. e| Pronome Relativo, Acusativo, Masculino, Singular. Usado como Pronome, Dativo, Acusativo, Masculino, Singular de quem. ..t Verbo, Indicativo, Presente, Ativo, 3 Pessoa do Singular de .a (querer, desejar) quer, deseja. ...t - Verbo, Indicativo, Presente, Ativo, 3 Pessoa do Singular de ...a forma alternativa de ..aa (ter misericrdia) tem misericrdia. e| Pronome Relativo, Acusativo, Masculino, Singular. Usado como Pronome, Dativo, Acusativo, Masculino, Singular de quem. e. Conjuno Coordenativa porm. ..t Verbo, Indicativo, Presente, Ativo, 3 Pessoa do Singular de .a (querer, desejar) quer, deseja. c-u |.t Verbo, Indicativo, Presente, Ativo, 3 Pessoa do Singular de c-u |a (endurecer) endurece. 6.1 Consideraes Gramaticais do Texto medida que algumas consideraes gramaticais importantes forem apresentadas, tambm sero expostas as implicaes dessas consideraes para a interpretao do texto. 39 A conjuno hiperordenativa aa quase sempre usada de modo inferencial no Novo Testamento. Paulo, particularmente, constantemente utiliza a expresso aa eu | em Romanos (5.18; 7.3,25). No versculo em questo, Paulo faz uso dessa conjuno para reforar uma concluso que j evidente. A concluso evidente que Deus soberano na eleio e na preterio. Mas a conjuno aa exerce um efeito que intensifica a verdade da soberania de Deus. A conjuno hiperordenativa eu | a mais comum das conjunes utilizadas com sentido inferencial em todo o Novo Testamento. No caso das epstolas paulinas, ela sempre utilizada quando Paulo chega uma concluso por meio de uma longa argumentao. No versculo em questo, o apstolo a utiliza aps argumentar acerca do propsito soberano de Deus na eleio. O pronome relativo e| se encontra no texto com o claro objetivo de fazer uma ligao entre duas clusulas. No caso, Paulo estabelece uma relao entre a demonstrao de misericrdia para com Moiss e o endurecimento do corao do monarca egpcio. E como a considerao acerca do verbo subseqente mostrar, tanto Moiss quanto Fara servem como arqutipos para aqueles que so eleitos e preteridos em todas as pocas da existncia humana. Os verbos ..t, ...t e c-u |.t se encontram no modo indicativo. Deve-se entender, que o modo indicativo empregado todas as vezes que uma assero positiva ou desse teor semntico formulada. O indicativo expressa um fato tido como a mais absoluta certeza. O apstolo Paulo faz uso do modo indicativo nos verbos ..t, ...t e c-u |.t com vistas apresentao do seu posicionamento acerca da manifestao da misericrdia, eleio soberana de 40 Deus e do endurecimento que Ele produz nos coraes dos rprobos. Esta eleio vista como um acontecimento absolutamente certo. Paulo apresenta as suas prprias convices ao fazer uso do modo indicativo. No h nenhuma dvida na mente apostlica acerca do assunto abordado nesse versculo e nessa percope. Os verbos ..t, ...t e c-u |.t esto no tempo presente. No estudo gramatical da lngua grega, a idia dos tempos verbais a da qualidade da ao, o estado da ao verbal. Deve-se entender, que mesmo no indicativo a idia temporal secundria, sendo fundamental o estado da ao verbal. Normalmente, o tempo presente indica a ao num estado incompleto ou de uma ao continuada, que ganha contornos na ocasio da escrita e da fala, e pode ser denominada de ao durativa ou linear. Os verbos ..t, ...t e c-u |.t podem ser classificados, quando usados no tempo presente como gnmicos ou universais, em razo dos seus significados serem verdadeiros e relevantes para todas as pocas. 54 Pode-se concluir ento, que a crena asseverada por Paulo de que tudo o que Deus faz de acordo com a sua vontade, no uma verdade limitada nem pelo tempo nem pelo espao. Os verbos ..t, ...t e c-u |.t esto na voz ativa. No estudo gramatical, quando o sujeito est agindo, o verbo sempre aparece na voz ativa. O sujeito realiza a ao no com relao a si prprio. Paulo, no versculo dezoito do captulo nove de Romanos, mostra Deus ativamente agindo na eleio de alguns e na preterio de outros.
54 William Douglas Chamberlain, Gramtica Exegtica do Novo Testamento, (So Paulo: Cultura Crist, 1989), 96.
41 A conjuno coordenativa e. se d por ser ela a demonstrao da continuao seqncia do argumento Paulino. Chamberlain chama a ateno para o fato de que, nesse caso ela equivale a em seguida; a seguir. 55 Isso indica que, em seguida sua argumentao da ao de Deus em compadecer-se de alguns, h a assero de que tambm pelo usufruto de Sua vontade, Deus endurece a outros. 6.2 Comentrio Conclusivo da Anlise Morfolgica A anlise morfolgica juntamente com as consideraes gramaticais da passagem de Romanos 9.18 traz a lume as seguintes verdades relevantes: 1) Paulo ao fazer tal argumentao est altamente embasado das suas convices pessoais. O apstolo tem a mais imarcescvel certeza de que a sua crena asseverada na percope onde o versculo em foco est inserido verdadeira. Fica claro, ento, que a crena apresentada pelo apstolo Paulo, de que a soberania de Deus a causa determinante na eleio e na reprovao dos seres humanos no algo que esteja preso a uma determinada poca, no caso, o contexto em que escreveu para os cristos de Roma. Na verdade, algo verdadeiro para toda a histria humana. 2) Deus o agente soberano nas vidas dos seres humanos. Com isso Paulo demonstra que no h nada no homem que O leve a ser benigno ou no com ele. O destino das pessoas depende unicamente do Seu querer. Deus elege ou pretere soberanamente e no h nada que o homem possa fazer com relao a isso.
55 Ibid, 172. 42 ANLISE SINTTICA 7.1 Diagrama da Relao Sinttica de Romanos 9.18 V. Transitivo V. Intransitivo V. Transitivo V. Intransitivo
aa eu | e| ..t ...t, e| e. ..t c-u|.t.
7.2 Comentrio da Relao Sinttica 7.2.1 Relao Sujeito-Predicado, Predicativo do Objeto, Predicativo do Sujeito a) Como na sintaxe da lngua grega a quantidade de verbos determina a quantidade de oraes, podemos afirmar que a passagem de Romanos 9.18 consiste de um versculo com dois perodos compostos de duas oraes cada um. A primeira orao: aa eu | e| ..t, apresenta um sujeito oculto, implcito na desinncia verbal da 3 pessoa do singular (ele); a mesma coisa acontece com a segunda orao, correspondente ao verbo ...t,, apresentando sujeito oculto, tambm implcito pela desinncia verbal da 3 pessoa (ele). Isso tambm acontece com a terceira e a quarta orao. A terceira orao e| e. ..t e a quarta c-u |.t, ambas possuem sujeito oculto, implcito pela desinncia verbal da 3 pessoa do singular (ele). Conclui-se, que o elemento que executa a ao verbal em todas estas oraes no pode ser outro seno Deus. 43 b) Como o versculo 18 de Romanos apresenta quatro oraes, pode-se afirmar que ele tambm apresenta quatro predicados: 1) e| ..t; 2) ...t,; 3) e| e. ..t; e 4) c-u |.t. No existe nenhum elemento que estabelea uma relao de predicativo do sujeito ou predicativo do objeto. 7.2.2 Relao por Complemento Verbal, Complemento Nominal, Ncleo do Sujeito, Ncleo do Objeto a) O verbo ..t da primeira orao um verbo transitivo e pede um complemento verbal. Nesse caso, seu complemento o pronome relativo e|, que por se encontrar no acusativo masculino e levando em conta que na sintaxe grega caso indica funo, ele se apresenta na orao como objeto direto do verbo ..t. Na segunda orao, o verbo ...t, por assim dizer, um verbo intransitivo, no necessitando, portanto, de complemento verbal na orao, visto que um verbo de sentido completo. Na terceira orao e| e. ..t, repete-se o fato do verbo ..t ser um verbo transitivo direto, possuindo como complemento verbal o pronome relativo e|. Por sua vez, a quarta orao c-u |.t, de forma semelhante segunda, no necessita de nenhum complemento, por se tratar de um verbo intransitivo, ou seja, de sentido completo. Poderia ser argumentado, que o pronome relativo e| poderia funcionar como complemento verbal dos verbos ...t, e c-u |.t. Entretanto, isso no possvel, desde que, quando entendido dessa forma a construo sinttica perde completamente o seu sentido. Alm disso, j foi explicitado que estes dois verbos so intransitivos, excluindo-se assim, qualquer cavilao a respeito de outra funo do pronome relativo e |. 44 b) O ncleo do sujeito das quatro oraes est oculto, mas podendo ser determinado por causa do auxlio da desinncia dos quatro verbos existentes no perodo. 7.2.3 Relao por Modificao a) os nicos modificadores presentes no perodo so as partculas: aa, que morfologicamente se trata de uma conjuno hiperordenativa, mas que no versculo funciona como uma partcula inferencial, ou seja, ela se apresenta no texto com o propsito de reforar uma concluso que por si s j evidente. Como est colocada no incio de Romanos 9.18, ela quer dizer que a partir do que foi dito pelo apstolo Paulo nos versculos precedentes infere-se que Deus usa de misericrdia e endurece a quem ele bem entender; eu |, tambm uma conjuno hiperordenativa, mas que na passagem possui a funo de assinalar uma concluso a partir do que foi dito anteriormente; e a preposio e., que nas narrativas pode se apresentar como uma conjuno aditiva, mas nesse caso, de acordo com o contexto, acentua um contraste com as duas pri meiras oraes do perodo. Aqui e., contrasta as duas diferentes aes de Deus com relao humanidade. b) O conjunto das duas conjunes aa eu | funciona como adjunto adverbial do verbo ..t na primeira orao. 7.2.4 Relao por Coordenao e Subordinao a) Como j di dito, o perodo composto por quatro oraes. A primeira orao (aa eu | e| ..t) a orao principal; a segunda orao (...t,) exerce funo sinttica para com a primeira como orao subordinada objetiva indireta. A 45 terceira orao (e| e. ..t) a orao principal, enquanto que a quarta orao (c-u |.t) funciona como orao subordinada objetiva indireta.
7.3 Comentrio Conclusivo da Anlise Sinttica Com o estudo sinttico do presente versculo, pode-se perceber que a relao sinttica mais importante com vistas a um aproveitamento maior na interpretao do texto o caso do sujeito oculto nas quatro oraes. Conclui -se com uma certeza cada vez maior, que o agente nesse versculo Deus. Alm do mais, todas as oraes esto na voz ativa, o que pode ser percebido a partir de uma observao dos verbos empregados. Sintaticamente, o termo e| o objeto tanto da misericrdia como do endurecimento efetuado por Deus, e fica claro, que estas duas aes diferentes so feitas a quem Ele quiser. Com estes resultados, a sintaxe demonstra sem sombra de dvidas, que a demonstrao de misericrdia e o endurecimento so obras unicamente de Deus, e que os seres humanos so apenas os receptculos destas aes.
46 TRADUO LITERAL Conseqentemente, portanto, tem misericrdia de quem quer, porm, endurece a quem quer. OUTRAS TRADUES 9.1.1. A Bblia Sagrada. Edio Revista e Atualizada no Brasil. Logo, tem ele misericrdia de quem quer e tambm endurece a quem lhe apraz. 9.1.2. A Bblia Sagrada. Edio Revista e Corrigida no Brasil. Logo, pois, compadece-se de quem quer e endurece a quem quer. 9.1.3. A Bblia Sagrada. Edio Corrigida Fiel. Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer. 9.1.4. A Bblia de Jerusalm. De modo que ele faz misericrdia a quem quer e endurece a quem quer. 9.1.5. A Bblia Sagrada. Edio Pastoral. Portanto, Deus usa de misericrdia com quem ele quer, e endurece a quem ele quer. 9.1.6. A Bblia Sagrada. Edio Claretiana. Portanto, ele tem misericrdia de quem quer, e endurece a quem quer. 9.1.7. A Bblia Sagrada. Edio na Linguagem de Hoje. Portanto, Deus tem misericrdia de quem ele quer e endurece o corao de quem ele quer. 9.1.8. A Bblia Sagrada. Nova Traduo na Linguagem de Hoje. Portanto, Deus tem misericrdia de quem ele quer e endurece o corao de quem ele quer. 47 9.1.9. A Bblia Sagrada. Nova Verso Internacional. Portanto, Deus tem misericrdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer. 9.1.10. The Holy Bible. Authorized King James Version. Therefore hath he mercy on whom he will have mercy, and whom he will he hardeneth. Conseqentemente, tem ele misericrdia a quem ele quiser ter misericrdia, e a quem ele quiser ele endurece. 9.1.11. The Holy Bible. New Revised Standard Version. So then he has mercy on whomever he chooses, and he hardens the heart of whomever he chooses. Assim, ento, ele tem misericrdia daquele que ele escolhe, e ele endurece o corao daquele que ele escolhe. 9.1.12. La Biblia. Dios Habla Hoy. De manera que Dios tiene compasin de quien l quiere tenerla, y tambin le endurece el corazn a quien l quiere endurecrselo. De maneira que Deus tem compaixo de quem ele quer t-la, e tambm lhe endurece o corao a quem ele quer endurec-lo. 9.1.13. Santa Biblia. Reina Valera. De manera que del que quiere tiene misericordia; y al que quiere, endurece. De maneira que de quem quer tem misericrdia; e ao que quer, endurece.
48 9.2 Comentrio Conclusivo Sobre As Tradues O que se pode perceber atravs das vrias tradues apresentadas aqui que existem poucas variaes em uma delas. Basicamente, essa variao se d no significado do primeiro verbo do versculo e com algumas poucas inseres de palavras no presentes no texto original. A New Revised Standard Version, por exemplo, traduz o primeiro verbo como ele escolhe. Entretanto, essa pequena variao no diverge de forma alguma das outras no que diz respeito idia teolgica apresentada pela passagem da epstola aos Romanos. As tradues que mais se aproximam da traduo literal so: A Bblia Sagrada Revista e Corrigida, A Bblia Sagrada Corrigida Fiel, A Bblia Sagrada Edio Claretiana, A Bblia de Jerusalm, The Holy Bible Authorized King James Version, Santa Bblia Reina Valera. As outras verses que apresentam as pequenas variaes mencionadas so: A Bblia Sagrada Revista e Atualizada, A Bblia Sagrada Edio Pastoral, A Bblia Sagrada na Linguagem de Hoje, A Bblia Sagrada Nova Traduo na Linguagem de Hoje, A Bblia Sagrada Nova Verso Internacional, The Holy Bible New Revised Standard Version e La Bblia Dios Habla Hoy. No h, portanto, problemas de grande significncia referentes s tradues nas fontes aqui consultadas para o nosso estudo exegtico. O que pode ser verificado que todas estas tradues revelam o pensamento do autor sacro ao escrever de forma inspirada o texto escriturstico. Conclui -se, que estas tradues esto em harmonia com o sentido primevo do texto grego, visto que elas apresentam boas tradues de Romanos 9.18, de acordo com os resultados das pesquisas morfolgicas e sintticas. 49 ANLISE LEXICOGRFICA Na anlise lexicogrfica de Romanos 9.18 sero tomadas as palavras consideradas como mais importantes para a idia teolgica do texto, pois os termos aqui estudados, por si s j enunciam uma doutrina, um ensinamento, uma idia teolgica profunda. fato, que sem tais palavras e um estudo apropriado a passagem bblica no faria nenhum sentido, visto que s vezes uma palavra a chave para a compreenso do texto em sua inteireza. As palavras tomadas para esta anlise so apenas os trs verbos presentes no texto. So os seguintes: ..t, ...t e c-u |.t. 10.1 - ..t a) O verbo ..t infinitivo, presente, ativo do verbo .a (thelo), que apresenta alguns significados, como por exemplo: ter vontade, querer, desejar, determinar e ter prazer em. b) Uso na Literatura Clssica O verbo .a atribudo originalmente a Homero, embora aparea tambm nas conhecidas inscries ticas antigas na forma ethel. usado especialmente por Homero nas suas obras Ilada e A Odissia. Nessas obras .a significa estar pronto, preferir, estar inclinado e desejar ver. Plato, por sua vez, utiliza este verbo para denotar ter vontade, desejar e ter em mente. Ainda sobre o uso de .a por parte de Homero importante salientar que na sua obra Ilada a palavra empregada especificamente para traduzir 50 determinar, no sentido de uma tomada de deciso, e tambm ter fora de vontade, no sentido de competir e subjugar a vontade de outras pessoas. c) Uso no Antigo Testamento (Septuaginta) No Antigo Testamento, e para ser mais especfico, na LXX o verbo .a aparece numa quantidade maior que cem vezes. Freqentemente aparece associado a algum aspecto especfico do carter de Deus. Esta palavra tem os mesmos equivalentes no hebraico que boulomai, principalmente haphets (44 vezes), traduzido como ter prazer em, deleitar em (e.g. Sl 18.19; Ez 18.23); avah (33 vezes), traduzido como determinar e estar disposto (e.g. Dt 10.10). J a palavra derivada de .a, thlmai, aparece cerca de vinte e cinco vezes na LXX e traz consigo a carga semntica para se referir ao beneplcito divino, a vontade de Deus e tambm a operosidade da vontade soberana de Deus (Sl 40.8; 103.7,21; 143.10; Is 44.28; Jr 9.23; Ml 1.10). Quando esta palavra utilizada com relao aos seres humanos ela pode significar um desejo (e.g. Sl 107.30), a vontade (e.g. do rei, Dn 11.3), e tambm, negativamente, m vontade, comportamento arbitrrio (Jr 23.26; Sir 32.17). 56
d) Uso no Novo Testamento O verbo .a ocorre duzentas e sete vezes ao longo de todo o Novo Testamento. Ocorre com maior freqncia nos Evangelhos Sinticos, mais especificamente nos ditos de Jesus (cerca de 94 vezes). Entretanto, significativo o fato de que, depois dos sinticos este verbo ocorra com maior freqncia nas
56 Lothar Coenen e Colin Brown, Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, (So Paulo: Vida Nova, 2000), 2679. 51 epstolas paulinas. O apstolo Paulo emprega .a 61 vezes e a palavra derivada thlma cerca de 24 vezes. De uma forma generalizada, com exceo dos escritos de Paulo, este verbo aparece freqentemente num sentido secular para vontades e desejos (Mt 20.21; 26.17; Mc 14.12) significa tambm resoluta determinao (Mt 25.15; J 7.44), achar prazer em, gostar de (Mc 12.39; Lc 20.46), e tambm alegar (2 Pe 3.5). Contudo, nas epstolas paulinas, como o caso de Romanos, as palavras .a e thlma so usadas freqentemente para se referirem vontade de Deus (Rm 9.14ss; I Co 1.1; II Co 2.1; Ef 1.1,9,10; Gl 1.4; I Tm 2.4; II Tm 1.1). So usadas especialmente para descrever a origem verdadeira da totalidade do evento da salvao em Cristo. 57 Em outras palavras, o fato de ter Cristo morrido pelos eleitos tem a sua origem unicamente no beneplcito divino. Nos escritos joaninos, .a e thlma desempenham papis especiais. Joo emprega tais palavras para mostrar que Jesus age de acordo no com a sua prpria vontade, mas acima de tudo, com a vontade de seu Pai (e.g. Jo 5.30; 6.38). Faz parte da determinao do Pai, que Jesus no perca nenhum daqueles que so destinados para a vida eterna (Jo 6.39,40). interessante tambm o fato, que o Filho vivifica aqueles a quem quer (Jo 5.21). e) Concluso: Significado da Palavra no Texto em Exegese Pde ser percebido, diante de todos os dados que j foram coletados aqui, que o sentido do verbo ..t utilizado por Paulo em Romanos 9.18, e tambm no versculo 16 querer e determinar, indicando assim, uma determinao ativa
57 Ibid. 52 da parte de Deus no cumprimento dos seus desgnios com referncia demonstrao de misericrdia para com alguns e endurecimento de outras pessoas. Observemos ainda algumas declaraes escritursticas que confirmam este ponto de vista. Em Deuteronmio 10.10 est escrito: Permaneci no monte, como da primeira vez, quarenta dias e quarenta noites; o SENHOR me ouviu ainda por esta vez; no quis o SENHOR destruir-te. Este versculo deixa claro, que aps o povo de Israel ter sido infiel no seu relacionamento com Deus e aps a intercesso de Moiss, no foi o desejo ativo de Deus, ou seja, a determinao da sua vontade destruir o povo por causa da idolatria cometida contra ele. Portanto, o verbo traz nesse versculo a idia de que no foi o desejo de Deus destruir o povo de Israel. De forma positiva, pode ser dito que por uma determinao da sua prpria vontade, Deus retivera a sua mo de juzo de sobre o povo. J no Novo Testamento, retomando a passagem de Joo 5.21, encontramos a seguinte afirmao: Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim tambm o Filho vivifica a quem quer. Aqui mais uma vez, o verbo d a idia de que Cristo encerra em si mesmo a prerrogativa divina de conceder vida a quem a sua vontade determinar. 58 Ele concede vida a quem ele bem quiser. Agora, observemos o emprego do verbo ..t em Paulo. Um pouco antes, no versculo 16 de Romanos 9, o apstolo afirma: Assim, pois, no depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericrdia. O mesmo
58 F. F. Bruce, Joo: Introduo e Comentrio, (So Paulo: Vida Nova, 1997), 120. 53 verbo utilizado aqui, para se dizer que a vontade humana totalmente ineficaz na obteno da misericrdia divina. J no versculo 18, o verbo empregado para se referir vontade divina. Surge ento, o questionamento acerca do relacionamento entre a vontade humana e a determinao divina. Mas Paulo aqui no enfatiza nada acerca da vontade do homem, visto que ela no o fator determinante. O verbo ..t quando aplicado a Deus indica que no depende do esforo humano e tambm independe de sua resistncia. Qualquer tentativa de racionalizao no sentido de harmonizar a vontade de Deus e a vontade humana v, pois como afirma D. Mueller, a exegese paulina no est aberta anlise racional; coloca obstculos deliberados no caminho. 59 O fato que, por ser algo da vontade de Deus, isso por si s j bastante determinante. Por exemplo, tambm da vontade de Deus suportar os vasos de ira mencionados no versculo 22, e isso deve ser entendido no sentido, de que era a inteno de Deus, a determinao divina manifestar a sua ira, mas sendo primeiramente longnimo com estes vasos. Portanto, com base no que j foi apresentado, pode ser igualmente reafirmado, que o significado do verbo em foco na passagem de Romanos 9.18 querer e determinar. 10.2 - ...t a) O verbo ...t se encontra no indicativo, presente e na voz ativa do verbo ...a que no grego Koin assume a forma ..aa. Este verbo significa ter misericrdia, ter d, compadecer-se e sentir compaixo.
59 Coenen, Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2679.
54 b) Uso na Literatura Clssica O verbo ...a possui como palavra correlata o substantivo eleos, que de acordo com Rudolf Bultmann a emoo que se desperta em contato com uma aflio que cai sobre outrem, sem justa causa. 60 Mas, especificamente o verbo em questo aparece pela primeira vez tambm nas obras de Homero. Nos seus escritos aparece com o significado de ter compaixo, ter d de, mostrar compaixo, ser misericordioso. c) Uso no Antigo Testamento (Septuaginta) Tanto o verbo ...a como eleos e seus outros derivados aparecem quase quatrocentas vezes na LXX. So utilizados para traduzir a palavra hebraica hesed; contudo, em seis ocorrncias so utilizadas para traduzir rah a mm. O verbo representa na grande maioria das vezes a palavra hnan, que significa graa, embora sirva para representar tambm rham. Estas palavras hebraicas so usadas para representarem conceitos essencialmente legais, com conotaes referentes s clusulas pactuais entre Deus e o seu povo. Por exemplo, a palavra hesed significa comportamento correto segundo a aliana. Isso quer dizer, a solidariedade existente entre os contratantes da aliana. o resultado de uma ajuda que uma parte d outra que est precisando. Quando o verbo ...a ou eleos so usados para traduzir hesed possuem a conotao de lealdade ao pacto, bondade, misericrdia (e.g. Sl 25.6; 40.11; 51.1; 69.16; Is 63.7; Os 2.2; Zc 7.9). No pacto, Deus superior ao homem como parte contratante da aliana que permanece fiel. Por isso, sua misericrdia era entendida, de modo geral,
60 Ibid, 1295. 55 como uma ddiva, um presente gracioso. Pode ser notada na frmula do pacto, uma constante ratificao da renovao de sua misericrdia para com seu povo. Esse o sentido do verbo ...a quando empregado na LXX. d) Uso no Novo Testamento A palavra eleos e o verbo ...a ocorrem setenta e oito vezes no Novo Testamento. Lothar Coenen chama a ateno para o fato de que o maior nmero de ocorrncias se encontra nos escritos de Paulo (cerca de 26 vezes) 61 ; nos escritos lucanos aparece 20 vezes e no Evangelho mateusino aparece 15 vezes, estando ausente, todavia, de Joo, Filipenses e I e II Tessalonicenses. Nos evangelhos eleos e o verbo ...a significam o irromper da misericrdia divina no meio da desgraa humana. 62 Geralmente acontecia em algum pedido de socorro (e.g. Mc 10.47,48; Mt 9.27; 15.22; 17.15; Lc 17.13). Nas epstolas paulinas o que pode ser percebido, que o apstolo Paulo constantemente deixava transparecer que ele mesmo havia sido receptculo da eleos (misericrdia) de Deus. Foi pela misericrdia de Deus que ele se tornou apstolo (cf. I Tm 1.13,16). Na Epstola aos Romanos, objeto do nosso estudo exegtico, Paulo se esforou, diante da grande rejeio judaica do evangelho de Jesus Cristo, para deixar completamente transparente a soberania e a liberalidade da misericrdia divina. Isso pode ser atestado nas seguintes passagens das suas epstolas: Rm 9.15,16,18,23,24; 11.30; 15.9; Ef 2.4-9; Tt 3.5.
61 Ibid, 1298.
62 Ibid, 1296. 56 Nos outros escritos neotestamentrios o verbo ...a e eleos aparecem diante de expresses doxolgicas pela demonstrao da misericrdia de Deus. Por exemplo, Pedro louva a misericrdia de Deus mediante a qual se deu a regenerao para uma viva esperana (I Pe 1.3); Tiago argumenta que a falta de reconhecimento grandeza da misericrdia divina acarretar um juzo sem misericrdia (Tg 2.13). e) Concluso: Significado da Palavra no Texto em Exegese Diante de todas as informaes escritursticas que aqui j foram colocadas, pode-se afirmar com segurana que o sentido do verbo ...a utilizado pelo apstolo Paulo na passagem de Romanos 9.18 (cf. versculo 16), ter misericrdia e compadecer-se. Acreditamos no existir nenhuma reserva quanto ao significado do presente verbo, visto que as informaes proporcionadas pelas Sagradas Escrituras so uniformes em seu significado. Mas para um melhor entendimento observemos o que afi rmam algumas passagens. Na passagem veterotestamentria de Isaas 63.7 est escrito o seguinte: Celebrarei as benignidades do SENHOR e os seus atos gloriosos, segundo tudo o que o SENHOR nos concedeu e segundo a grande bondade para com a casa de Israel, bondade que usou para com eles, segundo as suas misericrdias e segundo a multido das suas benignidades. digno de nota que a palavra hebraica traduzida pelo verbo ...a nessa passagem hesed, a qual j foi dita como se referindo a uma postura correta no pacto divino. Isso se confirma pela associao dessa palavra com o tetragrama que usado pelos autores do Antigo 57 Testamento para se referirem ao nome pactual de Deus. a misericrdia do Deus da aliana que ovacionada aqui nessa passagem. Alm disso, a demonstrao de misericrdia para com a casa de Israel est correlacionada tambm com outras expresses da soberania de Deus, como os seus atos gloriosos e tudo que Deus havia concedido ao seu povo. a misericrdia soberana de Deus, que aqui mencionada. Na passagem objeto do nosso estudo exegtico, i.e., Romanos 9.18, Paulo fala da soberania e da liberalidade da misericrdia divina, demonstrada para com todas as etnias. No apenas os judeus so receptculos dessa ddiva de Deus. Muito pelo contrrio, a presena do verbo ...a em Romanos 9.15,16 e 18 deixa claro que a demonstrao de misericrdia era de acordo com a vontade soberana de Deus, e isso no se constitua em nenhuma contradio das clusulas do pacto divino. Essa misericrdia agora era estendida aos gentios (9.23,24), posteriormente, essa misericrdia seria demonstrada aos judeus (11.31) novamente em companhia dos gentios (11.32). Fica claro ento, que o sentido pretendido por Paulo ao usar o verbo ...a era comunicar a idia de que a salvao dos eleitos se devia unicamente misericrdia soberana de Deus. Em todo o escopo das Escrituras a misericrdia apresentada como ddiva. Logo, se uma ddiva no pode ser reclamada por ningum nem exigida por qualquer pessoa. Sua demonstrao se d apenas pela vontade de Deus. No mximo, pode o homem suplicar por misericrdia.
58 10.3 - c-u |.t a) O verbo c-u |.t se encontra, assim como os dois verbos supraestudados, no indicativo, presente e na voz ativa do verbo c-u |a, possuindo o significado de endurecer, fazer duro e tornar duro. b) Uso na Literatura Clssica O verbo c-u |a advm da palavra sklros, utilizada pela primeira por Hesodo, e que significa seco, duro e spero. No grego clssico, esse verbo era originalmente um termo empregado de forma medicinal. A primeira utilizao do verbo c-u |a se deu com Hipcrates. Quando era utilizado na voz ativa significava endurecer, mas quando era empregado na voz passiva passava a significar endurecer-se. c) Uso no Antigo Testamento (Septuaginta) No Antigo Testamento Grego (LXX), o verbo c-u |a tem como equivalente hebraico mais freqente o vocbulo qsh. Tambm empregado hzaq e outros verbos, entretanto, estes grupos de palavras so raros. 63 O emprego desse verbo na voz ativa indica que o endurecimento considerada no Antigo Testamento como uma manifestao do Juzo divino sobre as pessoas que se rebelaram contra Deus. No livro de xodo esto as principais passagens para o entendimento veterotestamentrio do emprego do verbo c-u |a. Ao todo, no livro de xodo existem dezoito referncias ao endurecimento do corao de Fara (e.g. 4.21; 7.3,13,14,22; 8.11,15,28; 13.15). Das dezoito vezes em que o verbo c-u |a empregado apenas em quatro ocorrncias ele aparece na voz
63 Coenen, Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, 610. 59 passiva. Em todas as outras, o verbo aparece na voz ativa e tendo Deus como o sujeito da ao. Alm disso, quando verificamos o Antigo Testamento Hebraico podemos perceber que nas ocorrncias em que Deus o sujeito da ao de endurecimento, os verbos qsh e hzaq se encontram no piel e no hiphil, o que significa que a intensidade verbal da ao divina no endurecimento do corao do monarca egpcio era muito forte. O livro de Josu tambm apresenta o verbo c-u |a na voz ativa, indicando que Deus, movido unicamente por sua vontade endurece os coraes dos povos. Outras passagens da LXX onde o verbo c-u |a aparece so: Sl 95.8; Pv 28.14; 29.1; Is 6.10; 28.12,13; Jr 31.33,34; 36.26,27. Percebe-se, com isso, que o emprego do verbo aqui inquirido abundante na LXX. d) Uso no Novo Testamento No Novo Testamento, o emprego do verbo c-u |a pouco, porm no raro. 64 Ele aparece apenas em seis passagens 65 , duas delas so os versculos 16 e 18 do captulo 9 de Romanos. Em algumas passagens como Hebreus 3.8,15; 4.7, o verbo c-u |a empregado transitivamente possuindo um ser humano como sujeito. Mas nas outras trs ocorrncias o sujeito o prprio Deus (e.g. Romanos 9.16,18,19). Dos escritores neotestamentrios, o apstolo Paulo aquele que mais se aproxima de Moiss, no que concerne ao emprego do verbo c-u |a.
64 O emprego de uma palavra no Novo Testamento s pode ser considerado como raro, quando tal palavra ocorre, no mximo, apenas trs vezes.
65 Fritz Rienecker e Cleon Rogers, Chave Lingustica do Novo Testamento Grego, (So Paulo: Vida Nova, 1997), 271. 60 Com isso em mente, fica claro que no pensamento do apstolo Paulo, o verbo c-u |a possui o significado de endurecer e tornar duro. e) Concluso: Significado da Palavra no Texto em Exegese Muitos comentaristas e estudiosos tentam suavizar as declaraes escritursticas a respeito do endurecimento que Deus opera nos coraes dos rprobos. Dizem eles, que Deus endurece a partir do momento em que os seres humanos se mostram obstinados diante da revelao divina. Entretanto, de posse das informaes aqui obtidas e de um estudo criterioso das passagens do livro de xodo, Josu e Romanos podemos perceber, que no h nenhum problema no fato de Deus produzir o endurecimento dos coraes tendo como fora motriz a sua vontade soberana. De acordo com Efsios 1.11, Deus faz (energiza) todas as coisas de acordo com a sua vontade. Isso, logicamente, inclui o endurecimento dos coraes. Entretanto, observemos duas declaraes escritursticas diretamente relacionadas com o assunto. Em Josu 11.20 est escrito: Porquanto do SENHOR vinha o endurecimento do seu corao para sarem guerra contra Israel, a fim de que fossem totalmente destrudos e no lograssem piedade alguma; antes, fossem de todo destrudos, como o SENHOR tinha ordenado a Moiss. Percebe-se nessa passagem que Deus o agente ativo desse endurecimento do corao dos moradores de Gibeom. O propsito de Deus nesse endurecimento fica claro a partir da expresso a fim de que fossem totalmente destrudos e no lograssem piedade alguma. O propsito de Deus era a destruio dos gibeonitas. No adianta, por conseguinte, tentar desvirtuar ou suavizar o sentido da declarao 61 bblica com o intento de livrar a Deus de uma responsabilidade que a prpria Palavra no intenta fazer. A Bblia declara que houve uma ao direta de YAHWEH no centro volitivo dos moradores de Gibeom, a fim de que o seu propsito fosse perfeitamente cumprido. J em Romanos 9.18 est escrito que Deus endurece a quem ele quer. Isto quer dizer que a sua vontade que determina a quem ele deve endurecer. Cai por terra o argumento que traria consigo a pressuposio de que uma obstinao humana levasse o Deus soberano a tomar parte nesse endurecimento. Fica clara, ento, a percepo da soberania divina na demonstrao de misericrdia para com algumas pessoas e no endurecimento de outras. O estudo lexicogrfico das palavras principais de Romanos 9.18 foi muito esclarecedor nesse sentido.
62 PARFRASE Assim, vocs percebem que Deus misericordioso com alguns s porque deseja s-lo, e endurece o corao de alguns porque deseja s-lo.
COMENTRIO TEOLGICO O comentrio teolgico da presente exegese est fundamentada no seguinte tema: A Vontade Soberana de Deus como Fundamento da Eleio e da Preterio. As anlises efetuadas nesse trabalho se limitaram ao versculo 18 de Romanos 9, que diz o seguinte: Logo, tem ele misericrdia de quem quer e tambm endurece a quem lhe apraz. No obstante, para termos uma compreenso mais clara de um versculo das Sagradas Escrituras, seja ele qual for, imprescindvel estabelecer uma anlise do contexto no qual o mesmo est inserido. No primeiro captulo da presente exegese foram apresentados dados informativos, que proporcionaram uma contextualizao holstica da Epstola aos Romanos. Mas aqui ser feita agora, uma breve exposio do contexto imediato no qual est includa a passagem base para o nosso estudo, bem como as suas implicaes bblicas e teolgicas. consenso dos estudiosos, que Romanos pode ser dividida em trs partes. Uma dessas partes se estende do captulo 9 ao captulo 11. Sendo assim, nos versculos 1 e 2 do captulo 9, o apstolo Paulo demonstra um autoconhecimento, um juramento legal, acerca da sua tristeza e dor no corao por conta da incredulidade dos seus patrcios. Diante disso, Paulo afirma que preferiria ser 63 antema e separado de Cristo por amor aos seus irmos da nao judaica (v. 3). E ento, nos versculos 4 e 5, ele arrazoa acerca dos privilgios que eram pertencentes aos israelitas, como a adoo e tambm a glria, as alianas, a legislao, o culto e as promessas; deles so os patriarcas, e tambm deles descende o Cristo, segundo a carne. De fato, a enorme tristeza de Paulo se dava em vista do fato do mau usufruto de todos os privilgios que a nao judaica possua. Anteriormente, nos versculos 1 e 2 do captulo 3 Paulo havia falado sobre o privilgio dos judeus, no sentido de que a eles foram confiados os orculos de Deus. J aqui, no captulo 9, Paulo passa a especificar com maiores detalhes quais eram essas regalias possudas pelos israelitas. Entretanto, mesmo movido de to grande tristeza e incessante dor no corao, Paulo, no versculo 6 afirma que mesmo diante de uma nao marcada pela incredulidade, a palavra de Deus no havia falhado. Surge ento a pergunta: mas que palavra de Deus no havia falhado? Ora, nada mais que o plano soberano de Deus, em constituir para si um povo eleito. Tratava-se da promessa feita por Deus como Deus da descendncia de Abrao (Gn 17.7,8). No obstante, a perspectiva bblica que mesmo na antiga administrao do pacto, no bastava estar includo entre os descendentes carnais de Abrao para garantir automaticamente a herana das inefveis promessas pactuais. Deve ser lembrado, que Deus sempre escolheu aqueles que seriam os herdeiros da promessa. Afinal de contas, Ismael e Esa tambm eram descendentes naturais de Abrao, no entanto foram preteridos por Deus. Isso se evidencia, ento, no prosseguimento da argumentao paulina nos versculo 7-9. A descendncia abramica se realizaria com Isaque e no com Ismael. Percebe-se aqui, o 64 princpio da eleio soberana de Deus bem como da preterio. O fator determinante, diga-se de passagem, a vontade de Deus, em contraposio vontade humana. As expresses presentes no versculo 8 filhos da carne e filhos da promessa so antitticas, o que quer dizer, que se a vontade humana fosse a constituinte dos beneficirios da promessa, Ismael ser-lhe-ia, incontestavelmente, herdeiro; nasceu ele como fruto dos atos de Abrao. Entretanto, somente Isaque quem fornecer a posteridade da promessa. 66 O Rev. Moiss Bezerril tambm faz o seguinte comentrio a respeito do princpio eletivo de Deus: Todos os dois so filhos de Abrao. Por que s entra na cena o filho da promessa e o outro no? Por que atravs de um vem o remanescente eleito e o outro abandonado no deserto? Paulo diz que isso o ensino da eleio de Deus. O Velho Testamento no existe para ns apenas para nos contar histrias, mas para pregar estas verdades. 67
Paulo, diante dessa realidade, prossegue mostrando como a soberania de Deus se relaciona com a incredulidade israelita, apelando para outro exemplo da eleio soberana de Deus: Jac. Diz ele no versculo 11, que antes mesmo dos gmeos terem nascido ou praticado atos de qualquer natureza, Deus j havia avisado a Rebeca que o mais velho entraria num estado de servido diante do mais moo. Resta agora um questionamento: qual a razo dessa palavra dada por Deus me dos gmeos? Ora, o prprio apstolo Paulo responde afirmando que era pra que o propsito de Deus quanto, eleio, prevalecesse, no por obras, mas por aquele que chama. Essa outra prova consubstancial do princpio da
66 F. J. Leenhardt, Epstola Aos Romanos: Comentrio Exegtico, 250.
67 Moiss Cavalcanti Bezerril, Os Cinco Pontos do Calvinismo em Gnesis, em Jornal Os Puritanos, vol. 2, (So Paulo: os Puritanos, 2003), 18. 65 eleio baseada unicamente na vontade soberana de Deus. Jac, o grande pecador que foi salvo pela graa de Deus. Quando analisamos os costumes familiares da poca, podemos perceber, que Jac no tinha direito a nada. Entretanto, foi ele e no o seu irmo mais velho, Esa, que foi herdeiro das promessas pactuais de Deus. E nas figuras desses dois irmos esto presentes tanto a eleio de um como a preterio do outro. Esta a mesma opinio de Joo Calvino ao comentar o presente versculo. Ele afirma, que: verdade que a causa imediata de reprovao consiste na maldio que todos ns herdamos de Ado. No obstante, o apstolo nos dissuade deste conceito, para que aprendamos a descansar exclusiva e simplesmente no beneplcito divino, at que se estabelea a doutrina de que Deus tem uma causa suficientemente justa para situar a eleio e a reprovao em sua prpria vontade. 68
Calvino ainda chama a nossa ateno para o fato de que, se tanto a eleio quanto a reprovao no estivessem solidamente fundamentadas na soberania divina, em vez de Paulo afirmar para que o propsito de Deus, quanto eleio, prevalecesse, o apstolo teria dito com toda certeza: para que a remunerao esteja relacionada com as obras. 69
Continuando, no versculo 13 Paulo mostra que a promessa feita a Rebeca est diretamente relacionada com o assunto abordado. A condio espiritual de Jac era testemunhada por seu domnio, e a de Esa, por sua servido. 70 Mas com isto, Paulo est mostrando que as condies diametralmente opostas dos dois gmeos se devia unicamente vontade de Deus. A condio de Jac
68 Joo Calvino, Comentrio Sagrada Escritura: Exposio de Romanos, (So Bernardo do Campo: Edies Paracletos, 1997), 326.
69 Ibid, 327.
70 Ibid, 328. 66 munificncia divina, e a de Esa liberdade da Sua vontade soberana. Deve ser levado em conta que, trata-se aqui, de uma reverberao das palavras do profeta Malaquias. Com isso em mente, tem de ser ratificado o princpio de que a expresso me aborreci de Esa no quer dizer apenas amei menos, como alguns estudiosos sugerem. Antes, tomando por base as palavras do profeta veterotestamentrio, significa uma intensa rejeio e antipatia. John Murray afirma que, a reao divina dificilmente poderia ser reduzida idia de no amar ou de amar menos. Pelo contrrio, a evidncia requer, para dizermos o mnimo, a idia de desfavor, desaprovao e desprazer. 71 E esse desfavor no deve ser entendido como um dio malicioso e vingativo, mas sim como uma livre expresso da soberania de Deus. No versculo 14, Paulo aborda algumas questes advindas da ptica humana, como por exemplo, por que Deus faz isto e no aquilo?. Isto se d em virtude de algumas pessoas, que tentando enquadrar Deus em categorias padronrias meramente humanas, comprometem a imparcialidade e a soberania divina com tais cavilaes fteis. Ento, o apstolo Paulo se utiliza de outra passagem do Antigo Testamento, para mostrar que a soberania de Deus algo inviolvel e inquestionvel, e por si s conclusiva desde os tempos de Moiss: Terei misericrdia de quem me aprouver ter misericrdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixo. Temos aqui diante de ns, uma declarao feita pelo prprio Deus a Moiss, aps o lamentvel episdio da idolatria do povo pactual com o bezerro de ouro. Com isso, Paulo mais uma vez demonstra que no por obras que o propsito de Deus chega sua consumao, pois se assim
71 Murray, Comentrio Bblico Fiel: Romanos, 384. 67 fosse, Deus no poderia ter feito outra coisa seno punir o povo idlatra com a mxima expresso de severidade. Mas ao contrrio, Ele deu ao seu povo uma demonstrao gratuita da sua misericrdia, e isso porque simplesmente determinou pela sua prpria vontade. Ento, o apstolo afirma no versculo 16, que os esforos humanos so totalmente ineficazes na obteno da manifestao da misericrdia divina, pois visto que soberania uma prerrogativa divina que abarca todos os seus atributos, conclui-se que a manifestao da misericrdia de Deus no aqui excluda. A grande questo por trs desse versculo, segundo John Stott que, uma vez que, quando se trata de salvar pecadores, Deus no se baseia em justia, mas sim em misericrdia. 72
Paulo havia recorrido a Moiss como exemplo, quando tratou acerca da manifestao da misericrdia de Deus para com o povo pactual. Mas agora ele se reporta ao que a Escritura 73 disse a Fara (v. 17), para provar a existncia do outro lado da moeda: a reprovao. Aqui Deus deixa claro qual o propsito da vinda de Fara a este mundo: Para isto te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra. Em xodo 9.16, Deus afirma que para isso te hei mantido. Isso quer dizer que a vinda de Fara no s quele contexto, mas acima de tudo a sua vinda ao mundo, teve um propsito predeterminado pelo Deus soberano. No contexto das pragas registradas em xodo, seis j haviam assolado a terra do Egito; Deus poderia muito bem ter destrudo tanto Fara quanto aos egpcios. Entretanto, Deus
72 John Stott, A Bblia Fala Hoje: Romanos, (So Paulo: ABU, 2000), 324.
73 Na passagem de xodo 9.16 quem fala com Fara o prprio Deus. Aqui Paulo utiliza a expresso a Escritura diz a Fara como equivalente de Deus diz a Fara, em vista do fato da palavra de Deus possuir a autoridade do prprio Deus. 68 poupou a Fara com o intuito de exibir nele o Seu poder e para que a Sua glria fosse manifesta de uma forma mais intensa para toda a terra, enviando juzo sobre a terra do Egito. Este o mesmo princpio apresentado no versculo 22. De fato, Deus suportou com muita longanimidade a Fara para no fim das contas derramar a Sua ira sobre ele. De acordo com o pensamento de Calvino, o propsito estabelecido por Deus foi mostrar por meio da imperfeio e subjugao de Fara quo invencvel o brao de Deus. 74 Deve ser notado, que em xodo 9.16 uma melhor traduo seria para isso te nomeei, indicando que Deus no somente previu a maldade de Fara, e que Ele tinha o poder necessrio para restringir essa violncia, mas acima de tudo, que Deus ordenara Fara para esse propsito, com o explcito intuito de glorificar o seu nome. Se o endurecimento de Fara foi de tal vulto que trouxe notoriedade para o nome de Deus, ento blasfemo acus-lo de injustia. 75 Tudo o que viera a ocorrer na vida do monarca egpcio era o desenrolar temporal e providencial do plano de Deus decretado desde antes da fundao do mundo. E por Sua soberania, Deus no tem a mnima obrigao de apresentar explicaes a nenhuma de suas criaturas corrompidas pelo pecado, pois tudo o que o Senhor faz procede de Sua prerrogativa soberana. Ento, aps toda a argumentao concernente ao exerccio da supremacia de Deus na eleio e na preterio dos seres humanos, Paulo introduz uma declarao guisa de concluso de tudo o que foi argumentado anteriormente. Ele diz no versculo 18: Logo, tem ele misericrdia de quem quer e tambm
74 Calvino, Comentrio Sagrada Escritura: Exposio de Romanos, 335.
75 Ibid, 336. 69 endurece a quem lhe apraz. A conjuno aa presente no incio do versculo indica que, diante de tudo o que foi apresentado e averiguado mediante provas extradas do Antigo Testamento, infere-se que a soberania de divina absolutamente determinante sobre a vida de todos os seres humanos. H quem argumente, de forma presunosa e quimrica, que a passagem estudada trata apenas da predestinao de Moiss e Fara em coisas circunstanciais, ou seja, a predestinao apresentada abarca apenas eventos cotidianos. Mas um questionamento surge: teria Deus soberania para determinar unicamente realidades efmeras na vida das Suas criaturas morais? A concluso qual devemos chegar que, Deus predestina acima de tudo, o destino eterno das Suas criaturas morais. 76 Como bem afirmou Arthur Walkington Pink: ao formar Fara, Deus no mostrou nem justia nem injustia, mas somente Sua desnuda soberania. Como o oleiro soberano ao formar vasos, assim Deus soberano ao formar agentes morais. 77
O verso 18 afirma que Deus tem misericrdia de quem ele quer. A nfase apresentada pelo verbo ..t na vontade determinativa de Deus, no exerccio de Sua misericrdia. Mas Paulo continua a sua concluso afirmando que, por outro lado, Deus endurece a quem lhe apraz, ou em outras palavras, endurece a quem quer. A nfase a mesma: na soberana, livre e determinante vontade de Deus. Fara o exemplo em foco desse endurecimento produzido ativamente por Deus.
76 Romanos 9.18 toma Moiss e Fara como arqutipos apenas da humanidade, no entanto, entre as criaturas morais de Deus esto includos tambm os anjos bons e maus.
77 A. W. Pink, A Soberania de Deus na Reprovao. Artigo disponvel no site http://www.monergismo.com. 70 Uma grande discusso tem girado em torno do que exatamente consiste o endurecimento do corao de Fara. Muitos exegetas afirmam que Deus endurece somente queles, que primeiramente, endureceram os seus coraes contra Deus. Aqui est um exemplo na pessoa do Dr. John Stott, que comentou o seguinte: o gesto de Deus, ao endurec-lo (Fara), foi um ato de juzo, abandonando-o sua prpria obstinao. 78 De acordo com essa posio, Fara endureceu o seu corao unicamente porque houve uma permisso da parte de Deus no incio. Nesse caso, repetimos um pensamento j exposto em outro trabalho: uma mera permisso implica em certo grau de passividade por parte daquele que emitiu tal permisso. Deus permitiu que Fara endurecesse seu prprio corao, mas a ao de endurecimento foi do prprio Fara. 79 O grande problema com esse ponto de vista que ele no corresponde ao estudo morfolgico apresentado anteriormente. Muitos estudiosos apelam para as passagens onde parece ser sugerido, que Deus endurece os coraes das pessoas depois delas mesmas terem endurecido seus prprios coraes, como por exemplo, Ezequiel 3.7, onde est escrito: Mas a casa de Israel no te dar ouvidos, porque no me quer dar ouvidos a mim; pois toda a casa de Israel de fronte obstinada e dura de corao; em I Samuel 6.6 est registrado: por que, pois, endurecereis o corao, como os egpcios e Fara endureceram o corao?; no livro de xodo encontramos uma sugesto de que Fara teria endurecido o seu prprio corao aps a terceira e a quarta praga enviadas por
78 Stott, A Bblia Fala Hoje: Romanos, 325.
79 Murray, Comentrio Bblico Fiel: Romanos, 390. Deve ser salientado, que o prprio John Murray no subscreve essa interpretao. Ele a utiliza apenas como exemplo do que alguns estudiosos entendem sobre Romanos 9.18. 71 Deus: Ento, disseram os magos a Fara: Isto o dedo de Deus. Porm o corao de Fara se endureceu, e no os ouviu, como o SENHOR tinha dito. Mas ainda esta vez endureceu Fara o corao e no deixou ir o povo (8.19,32). Estes versculos serviram para exemplificar algumas passagens escritursticas, que parecem sugerir a volio dos seres humanos como o fator determinante no endurecimento dos coraes. Mas uma anlise mais acurada das passagens veterotestamentrias que falam sobre o endurecimento dos coraes, e conseqentemente, a preterio das pessoas, revelar que a causa se encontra no no homem. Antes, esta causa se encontra unicamente no beneplcito divino. Quando examinamos o livro de xodo percebemos, que o nmero de referncias em que Deus o agente ativo no endurecimento do corao do monarca egpcio se sobrepe ao nmero daquelas que parecem sugerir o contrrio. Por exemplo, em xodo 4.21 o SENHOR disse a Moiss: quando voltares ao Egito, v que faas diante de Fara todos os milagres que te hei posto na mo; mas eu lhe endurecerei o corao, para que no deixe ir o povo. Um pouco adiante, em 7.2,3 Deus diz novamente a Moiss: Tu falars tudo o que eu te ordenar; e Aro, teu irmo, falar a Fara, para que deixe ir da sua terra os filhos de Israel. Eu, porm, endurecerei o corao de Fara e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas. Algo que foi dito acima deve ser repetido aqui. Em todas as ocorrncias que mostram Deus como o agente ativo no endurecimento do corao de Fara, os troncos verbais se encontram ou no piel ou no hiphil, intensificando assim, o sentido da ao divina no cumprimento dos seus desgnios. 72 Os versculos 16,18 e 19 de Romanos 9 so os nicos do Novo Testamento em que o verbo c-u |.t tem Deus como sujeito. E extremamente significativo o fato, do verbo se encontrar na voz ativa, dando claras indicaes de que Deus, de modo algum passivo no endurecimento do corao dos seres humanos. O grande problema, que muitos estudiosos diante da fora teolgica desses versculos tentam amenizar o seu significado, temendo que uma falsa concepo de Deus surja. Entretanto, justamente amenizando o significado dessa passagem que uma falsa noo de Deus aparece. Um Deus cuja soberania posta em xeque, devido vontade dos seres humanos. Mais uma vez citando Joo Calvino: O termo endurecer, quando aplicado a Deus, na Escritura, implica no mera permisso (como alguns exegetas fracos o interpretariam), mas tambm a ao da ira divina. Todas as circunstncias que contribuem para a cegueira dos rprobos so instrumentos de sua ira. Satans mesmo, que opera interiormente com seu poder compelidor, ministro de Deus, de tal maneira que ele s age em obedincia ordem divina. A evasiva trivial sustentada pelos escolsticos com respeito prescincia cai, portanto, por terra. Paulo no nos informa que a runa dos mpios prevista pelo Senhor, e, sim, que ordenada pelo seu conselho e vontade. Salomo igualmente nos ensina que a destruio dos mpios no foi apenas conhecida antecipadamente, mas que os mpios mesmos foram criados com o propsito especfico de perecerem (Pv 16.4). 80
A opinio de Calvino por demais interessante, e algo nela chama a nossa ateno. Ele nos lembra que tudo o que existe no universo atende aos propsitos divinos. Todas as circunstncias existentes so instrumentos de Deus. Pergunto: qual o artfice, que no manuseio dos seus instrumentos mantm uma postura passiva? Pode, porventura, o instrumento se automanusear? A resposta para essa pergunta uma s: No! Deus, como soberano artfice do universo dispe
80 Calvino, Comentrio Sagrada Escritura: Exposio de Romanos, 337,338. 73 de todos os Seus instrumentos como bem entender. Se for da vontade de Deus que algum seja preterido, isso justo diante dos seus olhos. As suas criaturas no tm o mnimo direito de questionarem o seu Criador. A pergunta de Paulo reverbera at aos dias de hoje: Quem s tu, homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou no tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?. Definitivamente, Deus soberano na predestinao dos seres morais. Eleio e reprovao. Estas duas doutrinas tm se mostrado extremamente controversas ao longo da Histria, e de fato o so. Champlin, por exemplo, mostra a forte mensagem de reprovao ativa, que repugnante para o senso moral comum. 81 A complexidade que envolve a doutrina da predestinao deve ser reconhecida e encarada com um enorme temor. No obstante, no pode ser negligenciada por parte daqueles que se propem a pregar todo o desgnio de Deus. Examinemos, de forma sucinta a eleio e a reprovao. A partir de uma inquirio do contexto imediatamente posterior e anterior de Romanos 9.18, possvel definirmos a eleio como sendo o decreto de Deus com relao aos homens e aos anjos, de acordo unicamente com a sua sbia, perfeita e soberana vontade, desconsiderando total e finalmente os mritos de suas criaturas, pelo qual Ele escolhe um nmero definido de Suas criaturas para serem os receptculos da grandiosa salvao em Cristo Jesus. O Dr. Louis Berkhof apresenta a eleio como sendo o ato eterno de Deus pelo qual Ele, em seu soberano beneplcito, e sem levar em conta nenhum mrito previsto nos
81 Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versculo Por Versculo, 755. 74 homens, escolhe um certo nmero deles para receberem a graa especial e a salvao eterna. 82 A eleio, no caso dos seres humanos, a predestinao de um determinado grupo de pecadores para o estado de salvao e bem- aventurana. Romanos 9.18 deixa claro que Deus o autor da eleio: tem ele misericrdia de quem quer. Acontece, que essa uma afirmao genrica, no sentido de que, a eleio nas Sagradas Escrituras atribuda s Trs pessoas da Trindade em sua perfeita unidade de conselho e vontade. A distino acontece apenas quando tratamos da economia da obra da salvao. Nela, a obra da eleio atribuda especificamente ao Pai. Foi no Conselho da Paz, realizado antes da fundao do mundo, que ficou estipulado o que cada uma das pessoas da Trindade realizaria: o Pai, a eleio; o Filho, a redeno; e o Esprito Santo, a santificao (cf. Jo 6.64,65; 17.6,9; I Ts 5.9). Percebe-se ento, que est doutrina est solidamente apoiada pelas Escrituras. Ela tambm mantm conexes diretas com outras doutrinas bsicas, como por exemplo, a doutrina da depravao total, visto que os que so soberanamente escolhidos so oriundos da mesma massa que aqueles que foram reprovados. Esse o princpio defendido no versculo 21 de Romanos 9. Todos os homens esto completamente inabilitados para obterem qualquer tipo de favor da parte de Deus. Esto mortos em seus delitos e pecados, incapazes de ouvirem a voz de Deus por eles mesmos. Uma mudana nesse status depende somente da eleio soberana de Deus. Fica claro ento, que esta a razo que somente aqueles que Deus escolheu dentre a humanidade perdida,
82 Louis Berkhof, Teologia Sistemtica, (So Paulo: Cultura Crist, 2001), 107. 75 e a quem ele concede nova vida, podem ouvir sua voz e viver. Se no fosse a eleio, ningum seria salvo. 83
Uma mudana to drstica desse estado de perdio s pode ser feita por algum infinitamente santo e poderoso, e desde que isto o ato de uma Pessoa infinitamente moral, representado como sendo a eterna, absoluta, imutvel e efetiva determinao da Sua vontade. 84 Retomando o pensamento exposto em Romanos 9.18, o agente da eleio o Deus soberano do universo. Essa verdade no pode ser encontrada unicamente nessa passagem, mas ela est presente em muitas outras passagens. Em Efsios 1.3-5 est escrito: Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (...) assim como nos escolheu, nele, antes da fundao do mundo (...) e em amor nos predestinou para ele, para a adoo de Filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplcito da sua vontade. Paulo continua no verso 11: nele, digo, no qual fomos tambm feitos herana, predestinados segundo o propsito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade. interessante como no primeiro captulo de Efsios o apstolo fala de forma to maravilhosa a respeito da eleio divina. Todos os verbos gregos aqui esto na voz ativa, mostrando que no h o mnimo espao para qualquer tergiversao sinergista. Alm do mais, encontramos o verbo .|.,eu|e; no verso 11, que indica que Deus energiza tudo o que acontece no universo, ou seja, Ele opera ativamente em todos os eventos, nesse caso especfico, na eleio.
83 Samuel Falco, Escolhidos em Cristo: O Que de Fato A Bblia Ensina Sobre A Doutrina da Predestinao, (So Paulo: Cultura Crist, 1999), 94.
84 Loraine Boettner, The Reformed Doctrine Of Predestination, (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1941), 83. Minha Traduo. 76 Pedro, na sua primeira epstola, sada os eleitos, segundo a prescincia de Deus Pai. Uma anlise feita em outra oportunidade deixou claro, que o termo :e,|act| no significa prever que certas pessoas exerceriam a f, mas significa pr-conhecimento, ou ainda, predeterminao. 85 Significa o conhecimento ntimo e amoroso de Deus para com o Seu povo eleito. Alm do mais, a prescincia de Deus se relaciona com indivduos e no com os atos destes. Esta a idia apresentada em Romanos 9.11,18 e corroborada pela apresentao das passagens mencionadas acima. A eleio um ato da graa e da misericrdia soberanas de Deus. Ele movido unicamente pela sua vontade. 86
De fato, fica eliminada toda e qualquer idia de feitos meritrios da parte daqueles a quem Deus elege. Em suma, a eleio no pelas obras; do contrrio, a graa j no graa (Rm 11.6). Com respeito doutrina da reprovao, preciso ter o devido entendimento, de que ela to verdadeira quanto doutrina da eleio. Ambas sempre esto juntas. Se uma cair, a outra tambm cai. Uma outra realidade, que da doutrina da predestinao, a reprovao ocupa o lugar mais difcil. A dificuldade reside no fato desta doutrina apresentar uma imagem muito dura de Deus, de forma que muitos telogos tm encontrado problemas em aceitar sua
85 Bibleworks 6.0.
86 A afirmao de que a vontade de Deus o fator determinante tanto na eleio quanto na preterio deve ser entendida corretamente. No h espao aqui para um entendimento voluntarista, segundo o qual, Deus se tornaria arbitrrio quando tomasse alguma deciso, j que seria movido unicamente pela Sua vontade em detrimento da Sua razo. Entretanto, devemos entender, que soberania implica em que todos os atributos divinos se harmonizam na ao de Deus. Isto quer dizer, que por ser sumamente sbio Deus no toma decises impulsivas. Pelo contrrio, por ser onisciente, Ele tem conhecimento perfeito de todas as implicaes do Seu decreto. 77 existncia. Alguns estudiosos calvinistas chegam a ponto de negar que Calvino tenha ensinado algo a respeito da reprovao. Outros vo mais longe, chegando ao cmulo de asseverarem que em parte alguma das Escrituras ela ensinada. Isso se enquadra perfeitamente, como sintomtico do caso do vaso querendo replicar ao seu oleiro: Quem s tu, homem, para discutires com Deus? Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?. O que podemos perceber que isso j era um possvel problema na poca em que Paulo escreveu Romanos. Vejamos se h, realmente, legitimidade para se ensinar a reprovao. Primeiramente, pode-se proferir uma veemente assertiva no sentido de que, falaciosa a idia de que Calvino no ensinou a preterio nos seus escritos. Quando tratou a respeito da doutrina dos decretos de Deus, Calvino ligou de forma interessante a doutrina da reprovao. Leiamo-lo: Chamamos predestinao o eterno decreto de Deus pelo qual houve em si [por] determinado qu acerca de cada homem quisesse acontecer. Pois, no so criados todos em igual condio; pelo contrrio, a uns preordenada a vida eterna, a outros a eterna danao. 87
lgico, que por danao devemos entender a reprovao daqueles a quem Deus no predestinou para a vida eterna. evidente, que o ensino a respeito da preterio fazia parte da agenda do grande reformador francs. De fato, ele ocupa boa parte da sua obra para expor essa doutrina e combater aqueles, que no seu tempo negavam a veracidade da mesma. Ele continua afirmando, que,
87 Joo Calvino, As Institutas ou Tratado da Religio Crist, vol. III, (So Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989), 389. 78 Havemos j ouvido que o endurecimento est no menos na mo e no arbtrio de Deus que a misericrdia. Nem, de fato, a exemplo destes que hei referido, moureia Paulo ansiosamente para a Deus excusar merc do respaldo da mentira; apenas adverte que no lcito coisa plasmada contender com seu plasmador (Rm 9.20). 88
Se mesmo depois de lerem as palavras de Jesus Cristo em Mateus 15.13, tais homens no se deixam persuadir da doutrina, diz Calvino, no h nada que lhes possa servir de prova. 89
Reprovao, de acordo com o que pode ser auferido a partir do texto de Romanos 9.18, e de outras partes das Escrituras, a ao de Deus, decretada desde toda a eternidade, pela qual, independentemente das obras de qualquer pessoa, mas unicamente por causa da Sua vontade soberana, Ele endurece os coraes de um certo nmero de homens e os priva da graa especial, com vistas manifestao da Sua justia e glria. A preterio significa que certas pessoas j vieram ao mundo com o seu destino de morte eterna predeterminado por Deus. Algumas outras passagens das Sagradas escrituras so muito elucidativas. No evangelho de Joo encontramos uma declarao, que provavelmente incomoda a muitas pessoas, que insistem em replicar contra o seu Criador. O Senhor Jesus Cristo, por ocasio da sua orao sacerdotal, afirmou que havia guardado todos aqueles que o Pai havia lhe dado, e que nenhum deles havia se perdido, exceto o filho da perdio, para que se cumprisse a Escritura (Jo 17.12). De acordo com o registro joanino, podemos perceber que a traio de Judas Iscariotes, de h muito tempo, j havia sido predeterminada por Deus, com o
88 Ibid, 410.
89 Ibid.
79 propsito de levar as Escrituras Sagradas ao seu pleno cumprimento. Conclui-se, que desde os tempos eternos, Deus j havia decretado a traio de Judas, bem como o havia preterido, dado o fato de que Jesus o chamou de Filho da perdio. A preterio de Judas no foi um mero passar de lado. Antes foi uma determinao prvia de traz-lo ao mundo para um fim especfico. Poder algum levantar a objeo de que, uma afirmao que a reprovao no passiva da parte de Deus traz consigo uma alta carga de hipercalvinismo. Entretanto, tal objeo no procede, visto que ao trabalharmos com Romanos 9.18 percebemos com muita clareza, que o verbo c-u |.t se encontra na voz ativa, ficando eliminada assim, qualquer interpretao passivista desse texto. O grande telogo e erudito Louis Berkhof afirma que a preterio puramente passiva, um simples deixar de lado, sem nenhuma ao exercida sobre o homem. 90 Os que assim procedem, deixam-se levar por especulaes filosficas apenas e por outras passagens que apresentam exortaes para os crentes no endurecerem seus prprios coraes (cf. Hb 3.8,15; 4.7). Entretanto, o autor de Hebreus no afirma que possvel o homem endurecer o prprio corao. Ele apenas os admoesta a viverem uma vida de obedincia aos mandamentos de Deus. A isso deve ser acrescido o fato, de que a reprovao divina se estende queles a quem Deus aborrece. Foi verificado anteriormente, que o verbo .tcca, traduzido como aborreo no significa apenas amar menos, mas sim odiar, rejeitar e desaprovar. Observemos o excelente comentrio de John Murray sobre esse assunto:
90 Berkhof, Teologia Sistemtica, 110. 80 A indignao um juzo ativo, e no meramente a ausncia de bno. Nas Escrituras, a ira de Deus envolve o derramamento ativo de seu desprazer. Aquilo que encontramos em Malaquias 1.1-5 ilustrado por outras passagens do Antigo Testamento, onde o desprazer divino mencionado e o objeto desse desprazer so pessoas ou coisas (cf. Sl 5.5; 11.5; Pv 6.16; 8.13; Is 1.14; 61.8; Jr 44.4; Os 9.15; Am 5.21; Zc 8.17 e Ml 2.16). 91
Com base no entendimento de que o decreto da reprovao oriundo da vontade soberana de Deus, devemos salvaguard-lo de qualquer tentativa de atribuio a Ele como autor do pecado. Deus no pode ser censurado nem questionado pelas Suas criaturas por dois motivos: 1) no existe nenhuma lei, decretada pelo prprio Deus, que o proba de fazer o que quiser aos homens, e, conseqentemente, o culpe por reprovar um determinado nmero de seres humanos; e 2) o prprio Deus no presta contas de Seus atos a ningum, visto que a diferena ontolgica entre Deus e o homem uma realidade. Ele o Totalmente Outro. O que nos resta silenciar exatamente onde as Escrituras silenciam e apenas aceitarmos e glorificar a Deus por tal decreto, mesmo no podendo compreender os arcanos do Todo-Poderoso. Romanos 9.18 afirma que, Deus endurece a quem lhe apraz. Este endurecimento diz respeito deciso divina de negar a sua graa salvadora a alguns homens. O verbo ..t usado no versculo empregado para proporcionar o entendimento, de que assim como a eleio, a reprovao tambm individual, pois Deus reprova ao homem que quiser. O verbo traz lume a soberania divina no que tange a quando Deus transforma lobos em ovelhas, usa de graa mais poderosa, que ele poderia propiciar, se quisesse, pois no
91 Murray, Comentrio Bblico Fiel: Romanos, 384. 81 destitudo dela. 92 Consideramos ser este o ensino da Confisso de F de Westminster, quando das seguintes afirmaes: Pelo decreto de Deus e para a manifestao de sua glria, alguns homens e anjos so predestinados para a vida eterna e outros so preordenados para a morte eterna.
Esses anjos e homens, assim predestinados e preordenados, so especfica e imutavelmente designados, e seu nmero to certo e definido, que no pode ser aumentado e nem diminudo.
Aqueles dentre a humanidade que so predestinados para a vida, Deus, antes que fossem lanados os fundamentos do mundo, segundo seu eterno e imutvel propsito, e o secreto conselho e beneplcito de sua vontade, escolheu em Cristo para a glria eterna, de sua mera e livre graa e amor, sem qualquer previso de f ou de boas obras, ou de perseverana em qualquer um deles, ou qualquer outra coisa na criatura, como condies ou causas que a isso o movessem; e tudo para o louvor de sua gloriosa graa. 93
Com base nas afirmaes da Confisso de F de Westminster, muitos estudiosos tm afirmado que h uma diferena considervel entre os termos predestinar e preordenar. De acordo com essa posio, o uso de tais vocbulos foi proposital por parte dos telogos da Assemblia. Entretanto, se existe alguma tentativa de diferenciao no significado de tais palavras, isso no o que pode ser percebido nas afirmaes da Confisso de F. Predestinar e preordenar possuem as mesmas cargas semnticas, ou seja, querem dizer exatamente a mesma coisa. Deus, desde de toda a eternidade preordenou um determinado grupo de seres humanos para que perecessem num estado de misria espiritual e rebelio contra o seu Criador. E a defesa da soberania de
92 Fred H. Klooster, A Doutrina da Predestinao em Calvino, (Santa Brbara dOeste: SOCEP, 1992), 56.
93 A. A. Hodge, Confisso de F Westminster Comentada por A. A. Hodge, cap. 3, sec. III, IV, V, (So Paulo: Os Puritanos, 1999), 102,103. 82 Deus se acha aqui, no fato dos telogos de Westminster se refugiarem na vontade e no beneplcito divino, como a causa do eterno decreto de Deus. Ademais, a Confisso expande a doutrina da soberania de Deus na predestinao quando afirma na seo VII que, Aprouve a Deus, segundo o insondvel conselho de sua prpria vontade, pela qual estende ou retrai sua misericrdia, como lhe apraz, para a glria de seu soberano poder sobre suas criaturas, no contemplar o restante e orden-lo para a desonra e ira por causa de seu pecado, para louvor de sua gloriosa justia. 94
Archibald Alexander Hodge comentando essa passagem da Confisso afirma, que a reprovao possui um aspecto negativo e outro positivo. Em seu aspecto negativo, diz ele, a reprovao simplesmente no-eleio, e absolutamente soberana, repousando unicamente no beneplcito divino, j que os que so reprovados no so piores que os eleitos. 95 evidente por si s, que a reprovao uma no-eleio, assim como, a eleio simplesmente no- reprovao. No h razo para se temer ratificar aquilo que as Escrituras dizem com toda suprema autoridade: Logo, tem ele misericrdia de quem quer, e tambm endurece a quem lhe apraz. Deus soberano, e essa prerrogativa diz respeito a todos os Seus atributos, bem como a todas as Suas obras. Sendo assim, quem somos ns para levantarmos qualquer objeo ao modo como Deus, soberanamente dispe de Seus vasos criados? A defesa da soberania de Deus deve ser encarada com enorme seriedade e zelo por parte daqueles, que crem nas verdades bblicas e so defensores da f que uma vez por todas foi entregue aos santos (Jd 4).
94 Ibid, sec. VII, 109.
95 Ibid, 110. 83 COMENTRIO HOMILTICO Texto: Romanos 9.18 Introduo Durante todo o perodo da Histria ps-queda, o homem sempre se deparou com o questionamento acerca de como poderia ele ser salvo. A nao judaica com o passar do tempo, e devido s interpretaes da mishnah e do talmude pensavam que, cumprindo a lei poderia adquirir a sua salvao. Mas essa no foi uma situao peculiar quele povo. A venda de indulgncias, o estopim da reao de Lutero, constitua-se em nada mais nada menos, que num sistema para se conseguir o perdo de pecados por aquisio monetria. Mesmo depois da Reforma Protestante do sculo XVI a salvao atravs das obras era crida e proclamada pelos chamados remonstrantes, ou como so mais conhecidos, os arminianos. O Snodo de Dordtrecht (1618-1619) empreendeu uma defesa vigorosa do princpio da Sola Gratia. Afirmando que a salvao se deve nica e exclusivamente a misericrdia e graa soberanas de Deus. A concluso de Dort foi que, se Deus no tivesse tomado para si o direito de salvar alguns dos pecadores miserveis, ningum seria salvo, dada a depravao em que o homem se encontra. Elucidao A Epstola aos Romanos foi escrita pelo apstolo Paulo (1.1), provavelmente no ano 57 d.C., na cidade de Corinto, por ocasio do final de sua terceira viagem missionria. Para um entendimento correto da passagem de Romanos 9.18 mister compreender, que a comunidade crist de Roma era constituda de cristos judeus e gentios. Em outras palavras, a igreja crist em 84 Roma era uma igreja mista. Isso explica o porqu de Paulo tratar temas especficos acerca de judeus e gentios em todo o escopo da epstola. O versculo que serve como base da nossa anlise est inserido num bloco de material, que faz um tratamento detalhado acerca do relacionamento da justia de Deus e Sua soberania para com a casa de Israel e o enxerto dos gentios no Pacto soberano de Deus (caps. 9-11). Um pouco antes, Paulo afirmou que a palavra de Deus dada a Abrao e a Rebeca no havia falhado (v. 6). Paulo mostra a ratificao que Deus faz da sua aliana (vv. 7-9). S que essa grandiosa aliana no era desfrutada unicamente pelos descendentes naturais de Abrao. Na verdade, o apstolo mostra a soberania de Deus pelo fato de que, os participantes da aliana so aqueles tomados da eleio soberana de Deus (v. 11- 13). Declaraes to contundentes como essas proferidas por Paulo poderiam suscitar acusaes da parte do homem pecador contra Deus (vv. 14-17). E refutando tais possveis acusaes, Paulo conclui enfaticamente, mostrando que Deus no age coagido por ningum. Na verdade, Ele age da forma como quiser, mostrando favor a uns e rejeitando a outros (v. 18): Logo, tem ele misericrdia de quem quer e tambm endurece a quem lhe apraz. Tendo isso em mente, desejamos meditar sobre o seguinte tema: Deus Soberano na Salvao, No Devendo Explicaes a Ningum. I Porque Ele Elege A Quem Quer Por causa do pecado cometido no jardim do den, o homem ficou completamente inabilitado para fazer qualquer coisa agradvel a Deus. O estado do homem aps a Queda foi o de morte, tanto espiritual quanto fsica. Ele se 85 tornou alienado de Deus e afeioado ao pecado. A perverso foi tal, que o homem passou a andar rodeando os seus prprios pecados (Ef 2.2), como se a maldade fosse a nica realidade objetiva existente. Conseqentemente, por causa da penalidade imposta por Deus o homem se tornou incapaz de adquirir salvao para si mesmo. Em vo lutava o homem para cumprir a lei, pois de acordo com o que Paulo afirmou em outra oportunidade, pela lei vem apenas o conhecimento do pecado (Rm 7.7-11). De forma alguma, o homem conseguiria a sua salvao mediante o cumprimento da lei. Mas a realidade que, Deus usando de condescendncia para com o homem enviou o Seu Filho, Jesus Cristo, a fim de fazer expiao pelos pecados do Seu povo, cumprindo perfeitamente a lei, recebendo o castigo pelo pecado e, finalmente, adquirindo a salvao para o homem. Entretanto, a salvao no estava ao alcance do homem como uma mercadoria, a qual ele pudesse adquirir mediante pagamento. Na verdade, tal salvao dependia nica e exclusivamente de Deus. Deus usando de misericrdia para com quem Ele quiser. Paulo diz em Romanos 9.18: Logo, tem ele misericrdia de quem quer. Com isso podemos entender que Deus, soberanamente, decidi quem sero as pessoas que recebero a manifestao da Sua misericrdia. E fica claro pelas declaraes de Paulo nessa seo da epstola, que somente aqueles que foram eleitos por Deus so os receptculos de to grandiosa bno. Portanto, o fato de desfrutarmos de toda sorte de bnos espirituais hoje, deve-se apenas ao beneplcito divino em nos eleger e salvar, sendo ns to miserveis pecadores.
86 II Porque Ele Reprova A Quem Quer Quando observamos o mundo que nos cerca podemos perceber que nem todas as pessoas desfrutam daquilo, que aqueles que foram eleitos por Deus desfrutam. A nica concluso qual podemos chegar, que, logicamente, o restante da humanidade no foi escolhido por Deus para a receber a graa especial e a salvao. Pode algum dos nossos amados irmos levantar o questionamento acerca do que teria Deus levado em conta, para que tais pessoas fossem reprovadas. E a nica explicao que o texto de Romanos 9.18 nos oferece, que a reprovao do restante da humanidade foi baseada unicamente na vontade soberana de Deus. Foi da vontade de Deus que o restante da humanidade perecesse no estado de depravao em que se encontrava. Foi assim com o Fara do Egito (v. 17), e assim tambm com todos aqueles a quem Deus no elegeu para a salvao em Cristo Jesus. E isso no apenas no sentido de que Deus permitiu que o homem endurecesse a si mesmo para s depois endurecer de forma judicial o corao do homem. Pelo contrrio, o decreto eterno de Deus tornou efetivo o endurecimento do corao dos rprobos. Paulo nos diz que ele tambm endurece a quem lhe apraz. Devemos perceber que Paulo no diz: Logo, tem ele misericrdia de quem e tambm endurece a quem primeiro endureceu a si mesmo. No! A afirmao da Palavra de Deus que Deus endurece, rejeita, aborrece, reprova e pretere a quem lhe apraz. E isso no deve causar em ns nenhuma cavilao pecaminosa, no sentido de querermos acusar a Deus de pecado, visto que Ele a nica lei para si mesmo.
87 Concluso do Comentrio Homiltico Desejamos concluir esse pequeno comentrio homiltico com uma instruo para a Igreja do Senhor Jesus Cristo. Temos diante de ns, como povo pactual do Senhor que somos, o dever cabal de darmos a glria devida ao nome de Deus pelas Suas obras grandiosas. E o nosso dever de glorificar ao Senhor soberano inclui tambm, glorific-lo tanto pela eleio maravilhosa da qual fomos alvo como pelo Seu decreto da reprovao. Sim, devemos glorific-lo tambm pela reprovao do restante da humanidade. No primeiro caso, porque fomos alvo da misericrdia soberana de Deus, sem a qual estaramos mortos em nossos delitos e pecados. No segundo caso, porque a justia soberana de Deus se manifesta no s na preterio, mas tambm na final condenao dos mpios. Entretanto, devemos lembrar que a teologia afirma que Deus incompreensvel em muitos dos seus atos. Sendo assim, devemos nos portar com toda reverncia quando o assunto a soberania de Deus na predestinao dos seres humanos. Portanto, j que no podemos compreender na sua totalidade a predestinao de Deus, incluindo o decreto horrvel da reprovao sigamos o exemplo de Paulo, que aps a exposio dessa doutrina exclamou: profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quo insondveis so os seus juzos, e quo inescrutveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restitudo? Porque dele, e por meio dele, e para ele so todas as coisas. A ele, pois, a glria eternamente. Amm (Rm 11.33-36). 88 CONCLUSO com profunda gratido que, chega-se ao final da presente anlise exegtica. A concretizao de tal empreendimento se fundamenta unicamente na graa soberana de Deus. A Ele, pois, toda a glria e os crditos por aquilo que de positivo, se fizer presente nesta anlise; j as limitaes e deficincias existentes no processo de confeco deste trabalho so da nossa alada. Acreditamos de todo corao que, fundamental para a Igreja Crist contempornea, uma crena correta a respeito da soberania divina sobre todas as coisas no universo, principalmente, na salvao e na condenao das pessoas. necessrio retomarmos a defesa dessa verdade, de forma mais enftica, na eleio de um determinado nmero de pessoas para o estado de bem- aventurana e na morte eterna do restante. A partir do momento em que a igreja perder de vista a noo da soberania de Deus, ou no estiver disposta a pagar o preo que essa afirmao exige, todas as reas da vida crist estaro sujeitas a condies doutrinrias bastante precrias. Entretanto, estando a igreja imbuda de um entendimento correto a esse respeito, entendimento que se coadune com a revelao bblica, ela poder alcanar uma maturidade cada vez maior no conhecimento do Deus soberano, e, conseqentemente, poder combater erros perniciosos j existentes, como o arminianismo, no que diz respeito sua soteriologia. Mediante a argumentao apresentada nesta exegese, algumas verdades escritursticas se mostraram bastante evidentes. nosso desejo apresentarmos, em carter mnemnico tais verdades enfatizadas no transcorrer da pesquisa 89 realizada, que se fundamentou na Epstola de Paulo aos Romanos, captulo nove, versculo dezoito. Vimos que Deus soberano sobre todas as coisas, exercendo a Sua supremacia no s na eleio, mas tambm na reprovao dos seres humanos depravados por causa do pecado. A eleio tem como causa a vontade soberana de Deus somente, no existindo nada no ser humano que possa contribuir para a efetivao da mesma. Deus, em Sua soberania, determinou eleger alguns homens e mulheres para serem os beneficirios da Sua graa especial e salvao eterna. Da mesma forma, com base unicamente em Seu beneplcito, Deus decidiu reprovar o restante dos seres humanos e negar-lhes a sua graa salvfica. Ele age diretamente no centro volitivo dos homens, o corao, produzindo endurecimento, que por sua vez, os conduzir ao estado final de condenao eterna. No cabe ao homem a tentativa de estabelecimento de qualquer padro de julgamento, no qual possa enquadrar ao Deus que o universo no pode conter. Isso porque no da competncia da criatura questionar ou atribuir qualquer tipo de falta ao seu Criador. Alm do mais, a vontade de Deus tanto na eleio quanto na preterio no arbitrria. Isso significa que, no h espao aqui para qualquer tipo de cavilao ftil ou noo voluntarista, no que diz respeito s aes de Deus. A perfeio divina exige que todos os Seus atributos interajam, evitando assim uma nfase excessiva em alguns, em detrimento de outros atributos. A ttulo de exemplificao, ao ser movido pela Sua vontade, Deus est agindo com toda sabedoria, justia, santidade e amor possveis. Por conseguinte, atravs da anlise de Romanos, captulo nove, versculo dezoito, configura-se a ntida e imacerssvel compreenso que, tanto o decreto 90 eterno da eleio de uns quanto o decreto eterno da reprovao do restante da humanidade tm como nico fundamento a vontade de Deus. Chega-se indelvel concluso de que, Deus soberano na salvao e na condenao dos seres morais decados. Apesar de no o compreendermos quanto a isso, podemos conhecer aquilo que Ele quis nos revelar, e, acima de tudo, devemos glorific-lo por causa do Seu decreto eterno, porque se no fosse a eleio ningum poderia ser salvo. Soli Deo Gloria!
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