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O Paradigma Micromundo

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CAPTULO 4

Histria e Tecnologia no Ensino da Matemtica, volume 1, pgs: 51:63.. Luiz M. Carvalho e Luiz. C. Guimares (organizadores) ISBN: 85-89498-01 2002, Editora IME-UERJ.

O PARADIGMA MICROMUNDO
Franck Bellemain Professor Visitante CIn Universidade Federal de Pernambuco endereo eletrnico: f.bellemain@terra.com.br Resumo: A introduo da tecnologia no ensino uma questo que vem sendo discutida h anos. Mesmo sendo, por razes tcnicas obvias, a integrao do computador no ensino uma coisa um pouco mais recente, j existe uma extensa produo de softwares educativos. Para entender como melhor usar os softwares j produzidos, e para facilitar o desenvolvimento de novos produtos, organizamos essa importante produo numa tipologia, destacando os paradigmas de aprendizagem subjacentes ao desenvolvimento dos mesmos. Depois de uma rpida descrio das grandes orientaes de diferentes softwares educativos, iniciamos uma analise mais aprofundada do paradigma de micromundo, que corresponde orientao dos nossos prprios desenvolvimentos. Exploramos num primeiro momento as origens, e o que fundamenta o conceito, destacando particularmente as contribuies do micromundo construo de conhecimentos pelo sujeito. Num segundo momento, abordamos a questo central da interao do sujeito com micromundo, e dos meios dessa interao. As formas de interagir nesse caso so ou baseadas na elaborao de instrues em uma linguagem estruturada, ou sobre a manipulao direta com os objetos representados. Observaremos a evoluo das concepes sobre a influncia dessas formas de interao sobre a construo de conhecimento pelo sujeito. Finalmente, terminamos com uma definio de micromundo, que resume as diversas reflexes sobre esse paradigma e seus efeitos na construo de conhecimento, levantando a questo da integrao do micromundo ao ensino. Palavras-chave: Micromundos; Geometria dinmica; Mecanismos de interao; Construo de conhecimento. Abstract: The introduction of technologies in education is an old issue. Even if the widespread integration of computers in the learning process is something more recent, for obvious technical raisons, a vast amount of software is currently available. As a reflection upon the use of these instruments in teaching, as well as to contribute in the development of new products, we begin the organization of this important production in a typology reflecting

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the diverse learning paradigms implicit in their development. After a short description of the main orientations of the production of educational software, we analyze in more dept the paradigm of microworld, which corresponds to the orientation of our own developments. Firstly, we explore the origins and what fundaments the microworld, stressing in particular the contributions of the microworld to the construction of knowledge by the subject. After that, we approach the central question of the interaction of the subject with the microworld, and the forms this interaction may assume. Mechanisms of interaction with a microworld are mostly based either on the elaboration of instructions in a structured language or on the direct manipulation of the represented objects. We observe the evolution of the conceptions on the contributions of these forms of interaction for the subjects learning process. Finally, we end with a definition of microworld whose captures the various reflections on this paradigm and its contribution to the construction of knowledge, raising the question of integrating the microworld into education. Key words: Microworlds; Dynamic geometry; Mechanisms of interaction; Construction of knowledge

1.

INTRODUO

A produo de softwares educativos aparece como cada dia mais importante e temos hoje muitas possibilidades de integrao da tecnologia no ensino. A diversidade de softwares disponveis associa-se obviamente diversidade dos contedos abordados. Mas, os softwares educativos distinguem-se tambm por suas formas de abordar os contedos. Assim, podemos constatar diversos tipos de softwares educativos que so, do nosso ponto de vista, frutos da combinao de vrios elementos, como: x x x a aplicao de um certo modelo de ensino-aprendizagem, a concretizao de um certo projeto didtico do autor,

a escolha do tipo de situao onde o software deve intervir. Com o objetivo de desenvolver uma ferramenta tanto para nortear o desenvolvimento de softwares quanto para organizar a integrao dos vrios tipos de software educativo, integramos esses elementos em uma tipologia contemplando: x a viso da educao que fundamenta cada tipo de software, e por conseqncia a maneira como ele

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pode ser integrado no sistema didtico (vises representadas pelos eixos vermelhos do esquema), x x x as contribuies que cada tipo de software traz aprendizagem e as preocupaes que eles procuram atender, a evoluo histrica dos softwares educativos (de fora para dentro do esquema), e aproximaes entre as diversas orientaes do desenvolvimento de softwares educativos.

A descrio do esquema acima foi apresentada no VI ECEM (Bellemain, 2002a). Aqui se apresentam apenas alguns comentrios sobre os trs eixos desse esquema que correspondem a trs modelos de aprendizagem: behaviorismo, instrucionismo e construtivismo. Os softwares seguindo o modelo behaviorista tentam resolver a questo da aprendizagem com sistema de treinamento, de aprendizagem por tentativa/erro (aprender associar). Nessa categoria aparecem os primeiros softwares educativos que foram desenvolvidos (Teaching Machine1) e os sistemas de treinamento (como, por exemplo, o simulador de vo Whirlwind). Os princpios de desenvolvimento desses ambientes baseiam-se no recorte do saber a ensinar em pequenos passos e, na criao de um sistema questo-resposta para passar esses passos. Na sua verso, Skinner considerava que o percurso pelo sujeito desses passos era predeterminado. Numa verso mais sofisticada, Norman Crowder desenvolveu um sistema onde a resposta dada pelo sujeito a cada pergunta determinava a pergunta seguinte. O computador contribui em automatizar um tal sistema. Se, para a aquisio de automatismo, o treinamento parece ainda o mais adaptado, para a aquisio de conhecimentos, as teorias behavioristas mostraram seus limites. Portanto, existem ainda muitos softwares seguindo os princpios behavioristas, organizando a aprendizagem em torno de sistemas de questoresposta. Os softwares seguindo o modelo instrucionista consistem em geral na automatizao pelo computador, das formas tradicionais de ensino. A questo da aprendizagem considerada como uma questo de transmisso de informao. O computador contribui permitindo uma organizao no linear da informao (utilizao de hipertextos) e a criao de mltiplas formas de apresentao dos conhecimentos, incluindo animaes. Nessa categoria colocamos os sistemas multimdias de apresentao de aulas como os sistemas de autoria de aulas multimdias (courseware). Os limites dessa viso do ensino e dessa utilizao do computador so que a informao no o conhecimento e que o sujeito somente manipula elementos ativos (zona hipertexto, botes, menus) e no os prprios conhecimentos. Os softwares seguindo o modelo construtivista criam, no mbito computacional, condies e ferramentas para expresso e resolues de problemas. Nessa categoria colocamos
1 : Sidney L. Pressey em 1924 e B.F. Skinner desenvolveram rote-and-drill teaching machine baseadas sobre princpios de condicionamento. No eram propriamente softwares.

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os micromundos e simulaes. O paradigma de micromundo ser desenvolvido ao longo do texto. Colocamos os tutores inteligentes no ponto de encontro desses trs eixos, porque justamente eles podem ser desenvolvidos seguindo as preocupaes que associamos com um ou outro dos trs modelos de aprendizagem. Com efeito, eles podem ser, por exemplo, desenvolvidos: x x x para acompanhar de forma inteligente a manipulao e construo de conhecimentos do sujeito com micromundos e simulao, para guiar o sujeito na explorao de contedos,

para construir um percurso dentro de uma tipologia de situaes que se adapte ao sujeito e suas respostas. Nesse esquema, certas formas de uso da tecnologia na aprendizagem como os jogos educativos ou sistema de educao distncia no aparecem. Do nosso ponto de vista, jogos educativos com o computador ou ensino a distncia caracterizam uma outra dimenso do uso da tecnologia na educao alm das dimenses contempladas por nossa tipologia de software. Os jogos educativos ou ambientes de educao a distncia no so tipo de software no nosso sentido. Um jogo educativo pode ser um micromundo, um tutor, um questionrio, etc. Um ambiente de educao a distncia pode tambm favorecer uma interao com os conhecimentos do tipo micromundo, simulao, etc. Propomos abordar o paradigma micromundo do ponto de vista terico, fazendo um levantamento de algumas questes sobre a definio desse paradigma como sobre a definio da interao com um micromundo.

2.

MICROMUNDO: SISTEMA FORMAL PARA A RESOLUO DE


PROBLEMAS

Segundo Noss e Hoyles (1996), a origem do termo micromundo remonta ao incio dos anos 70, na comunidade de Inteligncia Artificial, tendo como forte referncia os trabalhos de Minsky e Papert. Nessa comunidade, o termo micromundo foi inicialmente usado para definir um sistema que permite simular ou reproduzir um domnio do mundo real, e que tem como objetivo abordar e resolver uma classe de problemas. A associao da noo de micromundo resoluo de problemas permanece no mundo da informtica educativa e da educao matemtica. Assim, quando Thompson (1987) prope sua caracterizao introdutora de micromundo, considera dois focos interligados: o desenvolvimento conceitual e a resoluo de problemas. Com efeito, a resoluo de problemas , com freqncia, fonte de desenvolvimento conceitual. Essa caracterizao resume em poucas palavras o que fundamenta os micromundos e que detalhado nas diversas definies do paradigma e problematiza tanto a concepo como a anlise de micromundos, por meio das questes que gravitam em torno dos dois focos citados. 54

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Thompson e em seguida Laborde e Laborde interessando-se mais especificamente pelos micromundos matemticos, os descrevem como sistemas compostos de objetos, relaes e operadores transformando objetos e relaes e podendo ser expandidos pela criao de novos objetos, relaes e operadores: x I will use mathematical microworld to mean a system composed of objects, relationships among objects, and operations that transform objects and relationships. (Thompson, ibid., p.85) - un environnement dobjets et de relations,

-un ensemble doprateurs susceptible doprer sur ces objets en en crant de nouveaux prsentant certaines nouvelles relations. (Laborde e Laborde, 1991, p.159) Assim, trata-se, pelo micromundo matemtico, de fornecer um sistema prximo de um sistema axiomtico, que permite expressar e resolver um conjunto de problemas. Relativamente implementao de sistema axiomtico, o computador tem uma contribuio significativa, pois ele permite criar novos sistemas de objetos e relaes que oferecem novas formas de resolver os problemas. A importncia que demos a essa contribuio do computador conseqncia de uma certa viso da matemtica que compartilhamos com Thompson (ibid. p.84): ... mathematical symbol systems are fundamentally representational; they are contrived by individuals or communities to provide economic ways to think about complex ideas. As representaes tm um papel central na elaborao e evoluo dos saberes e na construo dos conhecimentos pelo sujeito, o computador pode contribuir de forma significativa nesses processos com novos sistemas de representao. Os softwares de geometria dinmica constituem exemplos do uso do computador na criao de novos sistemas de representao dos objetos da geometria. De um ponto de vista construtivista, a resoluo de problemas e o desenvolvimento conceitual so fortemente interligados. A resoluo de problemas tem um papel central na evoluo dos saberes e na construo de conhecimentos pelo sujeito1 e o micromundo contribui para o desenvolvimento conceitual por meio de seus aportes resoluo de problemas. Na verdade, de uma forma geral, o micromundo contribui para a aprendizagem permitindo as manipulaes pelo sujeito dos objetos e relaes atravs dos operadores e favorecendo assim a construo dos conhecimentos sobre esses objetos e relaes. Papert (1980, p.125) considera, por exemplo, falando do LOGO: The turtle world is a microworld, a place, a province of the mathland where certain kinds of mathematical thinking could hatch and grow with particular ease. Continuando nessa mesma idia, Papert (ibid. 122) prope a Dynaturtle para abordagem das leis Newtonianas: x

: O sujeito no assimila os conhecimentos na forma que eles so apresentados, mas reconstri esses conhecimentos num processo de assimilao e acomodao contnuo de novos conhecimentos aos antigos. A emergncia dos novos conhecimentos em geral ligada necessidade de resolver situaes problemticas que provocam conflitos cognitivos.

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"a computer-based interactive learning environment where the prerequisites are built into the system and where learners can become the active, constructing architects of their own learning." O micromundo prope ao sujeito um campo de experimentao onde ele constri conhecimentos sobre esses objetos manipulados: Piagetian learning, the natural spontaneous learning of people in interaction with their environment. (Papert, 1980)1. Papert prope assim que o sujeito seja ativo na sua prpria aprendizagem. De forma mais precisa, considera-se que a utilizao dos operadores dos micromundos, particularmente na resoluo de problemas, favorece a construo dos conhecimentos que justificam essa utilizao e se considera tambm que esses conhecimentos construdos so conhecimentos matemticos. Segundo Noss e Hoyles (ibid., p.73), com o objetivo de estudar os processos em jogo nas construes cognitivas feitas pelo sujeito na interao com um micromundo, Lawler (1985) prope distinguir diversos sistemas: microworld, miniworld e microview para diferenciar os objetos do mundo real das suas representaes intelectuais para o iniciante ou para o especialista. Assim, ele considera o miniworld como o objeto, em outros termos seria o sistema axiomtico implementado, e o microworld como o que pode ser feito nesse miniworld, integrando assim no micromundo elementos de atividades e interao. O microview caracteriza as estruturas cognitivas desenvolvidas pelo sujeito na interao com o micromundo. Nas distines de Lawler destaca-se a necessidade de colocar as atividades e interaes como elementos fundamentais do micromundo. Se os conhecimentos construdos nessas atividades dependem do sistema formal implementado, as interfaces de manipulao dos operadores como as representaes concretas dos objetos e relaes desse sistema tm tambm um papel central nessa construo de conhecimentos do sujeito. Podemos, por exemplo, considerar que a partir de um mesmo sistema de objetos, relaes e operadores, dependendo das interfaces, os problemas abordados e as aprendizagens podem ser diferentes. Nas caracterizaes de micromundo propostas por Lawler, Papert, Thompson ou Laborde e Laborde aborda-se sob diversos ngulos a questo da interao e da interface. Esses autores do interao papis diferentes relativamente aprendizagem e construo de conhecimentos pelo sujeito.

3.

A INTERAO COM O MICROMUNDO

De forma simples, a interao com o computador funciona em termos de entrada e sada. O usurio usa comandos (entrada) e recebe respostas (sada) a esses comandos. No caso de um micromundo, o usurio aciona os operadores de criao, manipulao de objetos e relaes e recebe respostas diversas (representao, movimento, etc). Esse par aoreao tem um papel central na aprendizagem:
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: Idia encontrada tambm em Thompson (ibid., p.84): It is that they (the mathematical microworld) act as objective systems, in the sense of physical systems studied by scientists.

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favorecendo a construo de conhecimentos sobre os objetos e relaes em funo das suas reaes (respostas) a aes e, x sobretudo necessitando a construo de conhecimentos permitindo antecipaes e a determinao das aes necessrias a uma reposta esperada. De forma geral, com o objetivo de colocar o sujeito como ator da sua prpria aprendizagem, o par ao-reao permite a criao de situaes a-didticas1 nas quais o sujeito pode elaborar e adaptar as aes em funo das respostas do computador2. Thompson prope uma interao com o micromundo por meio de um par comando simblico-visualizao (ibid., p.100) destacando a necessidade de comandos concisos (e prximos do formalismo matemtico convencional) e de uma visualizao3 reagindo aos comandos de acordo com seus fundamentos matemticos. Trata-se de uma viso bsica do que se pode esperar na interao com micromundo (um par ao-reao efetivo), com a considerao implcita que a adaptao do sujeito s exigncias sintxicas dos comandos equivalente a uma adaptao ao formalismo matemtico. Papert, de forma anloga, descreve um par comando simblico-deslocamento. No seu trabalho de desenvolvimento da tartaruga LOGO, ele apresenta, entre outros, dois pontos que merecem ser destacados: a integrao dos comandos simblicos a uma linguagem estruturada e o uso da tartaruga como uma incorporao concreta dos objetos matemticos. A integrao dos comandos simblicos a uma linguagem estruturada (linguagem de programao) tem por objetivo explorar a necessidade da comunicao com o computador como uma forma de problematizar a explicitao de conhecimentos e a organizao do pensamento. Papert prope o uso dessa linguagem para favorecer a elaborao de situaes de formulao. O objetivo do uso da tartaruga como uma incorporao concreta dos objetos matemticos facilitar a elaborao de significados das reaes e das respostas s aes. A significao das aes e das reaes para o sujeito um elemento crucial para que o par aesreao favorea efetivamente aprendizagens. Laborde e Laborde interessam-se pelo conceito de manipulao direta4 na elaborao das interfaces. Eles acrescentam sua contribuio definio de micromundo falando de un rapport plus ou moins net au concept de manipulation directe (ibid., p.159). O aporte central da manipulao direta interao com o micromundo que ela no exige o mesmo nvel de explicitao das noes envolvidas na interao que as linguagens de comandos e linguagens de programao. Uma parte dessas noes pode ser envolvida implicitax
Une situation a-didactique est une situation qui peut tre vcue par llve en tant que chercheur dun problme mathmatique, indpendant en ce sens du systme enseignant. (Margolinas, 1989, p.46) 2 Les rtroactions du milieu apparaissent comme objectivement lies la situation llve et sont moteurs de la poursuite dune recherche dune solution plus satisfaisante. (Capponi et Laborde, 1991, p. 221) 3 importante notar que Thompson no considera a natureza da visualizao como um elemento crucial: Decisions about the design of the graphics display are important, but are not among the most crucial decisions one makes in designing a mathematical microworld (ibid., p.100). 4 : Une interface est manipulation directe si lusager a limpression dagir directement sur les objets intervenant dans ses buts et intentions en manipulant les objets du systme (Nanard, 1990).
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mente nas aes quase fsicas sobre os objetos da tela. Por exemplo, no caso da construo de um quadrado com o Cabri-gomtre (ou outros softwares de geometria dinmica), a manipulao direta pode permitir a elaborao de um objeto na tela do micromundo sem que a explicitao de nenhuma das suas propriedades geomtricas seja necessria.

Construo a mo livre de um quadrado no Cabri-gomtre

Propriedades geomtricas do quadrado so implicitamente usadas para a elaborao do desenho, propriedades que podem ser em seguida explicitadas pela explorao do objeto e a interpretao de retroaes sua manipulao direta.

O deslocamento de um vrtice do quadrado pode, por exemplo, mostrar a necessidade de explicitar propriedades para a conservao dos ngulos retos.

No caso do LOGO, a explicitao prvia das propriedades necessria ao uso dos comandos para pilotar a tartaruga para que ela represente um quadrado. No caso dessa situao do quadrado, interessante trabalhar com os dois ambientes: Cabri-gomtre e LOGO, passando de situaes de ao (com Cabri-gomtre) a situaes de formulao (com LOGO), para conduzir o sujeito explicitao e formulao de propriedades geomtricas do quadrado. Pela manipulao direta, o par ao-reao, mais que no caso das interfaces simblicas, pode ter o papel esperado de favorecer a evoluo das aes a partir da observao das respostas que elas provocam. Com efeito, no caso da manipulao direta, a adequao entre a ao e a reao que motor da evoluo da atividade do sujeito enquanto no caso de linguagens de comandos, so as exigncias sintxicas e gramticais que precedem a ao. Um outro aspecto importante da manipulao direta que as visualizaes dos objetos e relaes do micromundo no so somente elementos no lado da sada, mas tambm so no lado da entrada. As visualizaes so tanto produto das aes como objeto das aes. A distncia semntica entre a interface de entrada e a interface de sada reduzida. As aes e 58

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as respostas apiam-se sobre um mesmo sistema de representaes e um mesmo conjunto de significaes.

4.

MICROMUNDO, SISTEMA FORMAL E SISTEMA


FENOMENAL

Para reunir numa mesma definio essas diversas contribuies na caracterizao do paradigma de micromundo, apoiar-nos-emos na definio de Balacheff (1999) segundo a qual um micromundo constitudo de: (i) um sistema formal no sentido matemtico, seja um conjunto de objetos primitivos, um conjunto de operaes elementares e um conjunto de regras exprimindo como as operaes podem ser executadas e associadas; (ii) um sistema fenomenal que determina os comportamentos na interface em relao com os objetos do sistema formal e as operaes sobre esses objetos. Esse sistema modeliza o tipo de "feedback" resultantes das aes e decises do usurio. Esse autor tambm considera que o micromundo deve permitir constituir objetos complexos ou processos complexos em novos objetos e novos operadores. Nessa definio, Balacheff interessa-se particularmente interface como produtora de representaes. O sistema fenomenal fornece representaes perceptveis1 sobre os objetos e relaes do sistema formal. Ele produz "feedback" que so manifestaes perceptveis pelo sujeito dos resultados das operaes sobre os objetos do sistema formal, portanto manifestaes significativas das propriedades desses objetos. Acrescentaremos definio de Balacheff um terceiro sistema caracterizando as possibilidades de aes do sujeito (Bellemain, 2002, p.41): (iii) a system of interpretation which determines the possible actions of the user. This system has a set of interface which interprets the subject actions and transforms these actions into operations on the elements of the formal system. The representations of the phenomenal system can be artifact for the subject to act on the elements of the formal system which they represent. In short, this system implements the principle of direct manipulation. Esse sistema constitudo de comandos e artefatos de construo e manipulao dos elementos do universo interno. E, de uma forma geral, e um pouco de maneira simtrica em relao com o sistema fenomenal, ele tem como funo descrever as aes significativas do usurio na interface em termos dos objetos, relaes e operadores do sistema formal, elementos processveis pelo computador. As caracterizaes do sistema fenomenal e do sistema de aquisio destacam a importncia, particularmente no caso da aprendizagem, das significaes envolvidas na interao
As representaes na interface so, em geral, dinmicas. O dinamismo usado como uma das propriedades das representaes com o computador que participa da construo de significados sobre essas representaes. certamente em relao a esse dinamismo que Balacheff fala de fenmenos.
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entre o sujeito e o micromundo. A interface deve produzir representaes significativas para o sujeito e interpretar suas aes, tambm significativas para ele, para poder processar essas aes de uma forma relevante.

5.

ENSINAR COM UM MICROMUNDO

Na verdade, embora o micromundo d condies que permitem a elaborao de situaes que favorecem a construo de conhecimentos pelo sujeito, ele no ensina nada: ... microworlds do not teach; they do not provide instruction. (Thompson, ibid., p.85). Ensinar com um micromundo necessita a elaborao de situaes de uso do micromundo pelo sujeito. Assim, voltando origem do paradigma (o micromundo fornece um sistema de objetos, relaes e operadores para a expressar e resolver problemas), a resoluo de problemas deve necessariamente ter um papel central na elaborao dessas situaes. A resoluo de problemas um motor da manipulao dos elementos do micromundo e o motor da construo dos conhecimentos que justifica essa manipulao. Escolher os bons problemas para ensinar com um micromundo no somente escolher problemas interessantes do ponto de vista das noes em jogo. Os problemas devem ser adaptados a uma explorao com um micromundo do ponto de vista das estratgias de resoluo que ele permite desenvolver. Com os novos sistemas de representao introduzidos pelos micromundos, novas formas de colocar os problemas aparecem. Por exemplo, na situao de construo de um quadrado apresentada no se trata do problema da produo do desenho de um quadrado, mas de um procedimento de construo de um quadrado. Assim, no caso do Cabri-gomtre, que tambm o caso da maioria dos softwares de geometria dinmica, diversos tipos de uso na sala de aula foram desenvolvidos correspondentes a diversas formas de problemas. Entre outros, existem problemas em torno de construes geomtricas (Capponi, 2000), de simulaes (Moreira Baltar, 1996), de caixas pretas (Charriere, 1996). A gesto pelo professor da resoluo e dos produtos dessa resoluo pelos alunos importante e deve considerar algumas especificidades ao uso do micromundo: x x existe uma contextualizao importante dos conhecimentos construdos pelo uso do computador (Artigue, 1991),

uma atividade importante do aluno com o computador no significa necessariamente que ele est construindo os conhecimentos que justificam essas aes (Guillerault, 1991). Uma das dificuldades encontradas pelos professores e que eles exprimem regularmente nos encontros onde se trata da questo da integrao da tecnologia no ensino, a dificuldade de acompanhar a atividade do aluno com o computador. Com efeito, muito da atividade do aluno acontece na interao aluno-computador e o professor em geral no tem acesso a essa interao. Recursos computacionais podem ser usados para ajudar o professor na tarefa de acompanhamento do aluno. 60

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Com o objetivo de facilitar o desenvolvimento de tais recursos, estamos trabalhando sobre o paradigma de agente micromundo (Bellemain, 2002b). Pelo agente micromundo, trata-se simplesmente de criar um micromundo capaz de comunicar com outros agentes. Em particular, ele pode comunicar uma descrio das manipulaes dos objetos, relaes e operadores pelo aluno a outros agentes capazes de tratar essas informaes e, por exemplo, fornecer informaes significativas ao professor sobre a atividade do aluno. O agente micromundo uma forma de trazer as propriedades de interface do micromundo entre sistema formal e sistema de representao em ambientes que podem explorar essas interfaces. O agente micromundo funciona como: x x um agente racionalizador da atividade do sujeito (sistema de aquisio). Os produtos dessa racionalizao podem ser tratados e,

como um agente produtor de representaes significativas sobre os resultados dos processos (sistema fenomenal), e eventualmente sobre os resultados dos tratamentos efetuados por outros agentes. Pelo agente micromundo, queremos desenvolver uma tecnologia que permite integrar o que o micromundo oferece do ponto de vista da interao com os objetos de saber a ambientes mais complexos integrando outros agentes considerando outros aspectos do funcionamento do sistema didtico.

Referncias
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