Produção de Modelagem em Sessões de Arteterapia No Contexto Hospitalar Pediátrico
Produção de Modelagem em Sessões de Arteterapia No Contexto Hospitalar Pediátrico
Produção de Modelagem em Sessões de Arteterapia No Contexto Hospitalar Pediátrico
RESUMO
A arteterapia é um processo que favorece a expressão da criatividade e pode influenciar no
desenvolvimento cognitivo, afetivo, psicomotor e social. O objetivo deste trabalho foi
comparar a produção de modelagem de crianças internadas, antes e após uma intervenção em
arteterapia. Foram avaliados dois grupos de crianças, um submetido à intervenção e o outro
não, num esquema quasi-experimental (n=10 em cada grupo). Os resultados mostraram que as
produções após a intervenção foram qualitativamente melhores. Concluiu-se que a arteterapia
pode ser uma intervenção útil em promover habilidades em crianças hospitalizadas.
Palavras-chave: terapia pela arte, saúde mental, criança hospitalizada, enfermagem
pediátrica.
INTRODUÇÃO
saberes, dentre os quais estão: a educação, a saúde e a arte, buscando resgatar a dimensão
1
Pesquisa inserida no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Integral da Faculdade de Enfermagem/
Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG). Este estudo é parte da dissertação da autora principal, intitulada:
“Arteterapia com crianças hospitalizadas” (2)
2
Enfermeira Pediátrica, Artista Plástica e Arteterapeuta. Professora Assistente da FEN/UFG. Doutoranda pela
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP).
3
Psicóloga. Professora Doutora da EERP/USP
Endereço para correspondência: Ana Cláudia A. Valladares – Universidade Federal de Goiás – Faculdade de
Enfermagem – Rua 227 Qd. 68 s/ nº Setor Leste Universitário – CEP: 74.605-080 – Goiânia – GO – Brasil - E-
mail: aclaudiaval@terra.com.br
2
informações relativo a cada uma delas, com o intuito de adequar essas modalidades
pessoa ao tocar a argila estabelece um contato de forma inédita com o material e assim evoca
sua criatividade, o que lhe permite criar novas formas e ampliar o mundo imaginário restrito
ao seu usuário(3). Os materiais utilizados para desenvolver esta modalidade expressiva podem
ser argila, papel-machê, gesso, plastilina, massinha de modelagem colorida, massa artesanal e
mesmas, isto é, todo seu contexto social, suas percepções sobre o mundo, sua identidade e sua
desenvolvimento e a avaliação emocional das crianças(4). Mas seria a arteterapia uma técnica
enfermos seriam capazes de transformar as imagens criadas por meio das produções da
sociedade, nos dias atuais, que está em constante mudança, de onde emergem terapias
baseadas na arte, música, dança e outras, como práticas complementares. A saúde mental e a
melhor, de práticas não-convencionais disponíveis não apenas para uso, mas para
investigações sistematizadas, que agora estão mais presentes em hospitais, por exemplo.
características, nos comportamentos, nas possibilidades e nas limitações de cada fase da vida,
indistintamente. Assim, a singularidade das crianças lhes é conferida por influências do seu
demais(5). Quanto ao desenvolvimento artístico da criança, este segue paralelo à sua evolução
global.
utilizada no ambiente hospitalar pediátrico. Assim, o objetivo deste trabalho foi comparar o
MÉTODO
experimental. Este estudo propõe-se a testar hipóteses sobre relações entre variáveis, envolve
características da amostra e período idêntico para pesquisa e internação das crianças. Quanto à
arteterapia.
A distribuição das crianças nos grupos ocorreu por escolhas causais simples e
alternadas, de acordo com seu ingresso na Instituição, isto é, uma para o GA (grupo
(grupo controle – crianças que não passaram por intervenções de arteterapia), levando-se em
contagiosas e parasitárias.
Definiu-se o número de sujeitos com base em estudos que focalizaram variáveis mensuradas
variáveis de controle, estas incluíram crianças de ambos os sexos, com tempo de internação
maior do que cinco dias até um mês. As variáveis dependentes abrangeram a seqüência de
técnicas dirigidas, como psicoterapia, terapia ocupacional ou classe hospitalar. Cabe ressaltar
que as crianças de ambos os grupos (GA e GB) não foram privadas do acesso à sala lúdica de
assistemáticas.
d) Procedimentos: esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica
sua produção, antes (avaliação inicial - AI) e após as intervenções de arteterapia (avaliação
final - AF). A técnica seguiu uma conduta padronizada com relação às avaliações (AI e AF),
isto é, propôs-se uma modelagem com temática livre e espontânea, quando as crianças
utilizaram massinha de modelagem colorida, argila, estecas, jornal, placas suporte, papel
sulfite branco e lápis grafite 6B. Estimulou-se, ainda, a criança a dar um título para a obra
produzida e, caso quisesse, poderia falar sobre a mesma. Para coleta dos dados, a autora
sobre o mesmo. Após acatar as sugestões convenientes e fazer as devidas correções, aplicou o
auxiliares de pesquisa, durante as avaliações (AI e AF), tendo estas últimas passado por um
treinamento prévio.
sete sessões, durante três dias e meio consecutivos, com duração variada de uma a três horas e
meia. A duração total da pesquisa foi de seis meses e, no decorrer das intervenções, a
técnicas lúdicas e de atividades artísticas, com condução espontânea das dinâmicas, o que
e) Análise dos dados: para análise comparativa aplicou-se o teste T de Wilcoxon(8) nas duas
amostras dependentes dos dois instrumentos. Nos protocolos de avaliação utilizados, estão
atribuíram-se níveis de gradação de pontos na ordem crescente, isto é, do nível inferior para o
superior de qualidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Controle 5 5 1 2 1 3 2 1 4 6 5 5 2 8 3 6 1 1 1 3 5 9,9
Legenda:
M – masculino L – leito
F – feminino SP – sala de psicologia
S – sim G – Goiânia
N – não IG – interior de Goiás
OE – outro estado
Já o Quadro 2 exibe os resultados obtidos nas AIs e AFs na comparação dos GA e GB,
QUADRO 2 – Comparação* intragrupo dos escores obtidos nas avaliações (AI e AF), com
relação à avaliação do desenvolvimento e da produção da modelagem,
Goiânia – 2003.
Modalidades de Avaliação GA GB
Seqüência de Fases da Modelagem AI < AF1 AI = AF
Produção da Modelagem AI < AF2 AI = AF
(8)
*Teste T de Wilcoxon 1 p < 0,02 2 p < 0,01
sobretudo ao oscilarem do nível de amassar, apertar, jogar e mexer com a massa (abaixo do
esperado para a idade) para o nível de formar figuras e objetos reconhecíveis. Além disso, a
Quanto ao GB, este não expressou diferenças nos dois momentos de AI e AF,
interrompido por uma doença. A arteterapia é uma profissão que desenvolve a capacidade
quando sua atenção volta-se para materiais empolgantes, repletos de magia, como: cores,
formas, texturas etc. Materiais, estes, estimulantes que favorecem seu desenvolvimento
desenvolvimento. Caso não sejam estimulados pelo meio, algumas crianças podem apresentar
relacionarem consigo mesmas e com os outros, processo que favorece o contato com novas
importante, pois possibilita uma melhor integração da criança com seu meio, em todos os seus
aspectos.
9
sua AF foi superior à AI, sobretudo nos aspectos relacionados à variedade da produção,
significativa nas duas avaliações (AI e AF), especialmente pela estabilidade apresentada nos
profundidade.
A argila é um recurso que vem sendo utilizado há anos, especialmente pela sua
facilitando que atinjam a solução almejada(10). Para a autora, o trabalho com argila possibilita
conflitos. A argila ainda auxilia a criança a enfrentar a sua problemática e se relacionar com
as pessoas que a rodeiam, pois a imagem representa a comunicação do seu sintoma. A argila
se modifica.
criança, uma vez que seu objetivo primordial, no contexto da doença pediátrica e dos
observou-se que os trabalhos das crianças deste grupo apresentavam uma diversidade
cromática mais intensa, relacionada, possivelmente, aos sinais de alegria expressos por elas na
Quanto aos trabalhos mais criativos realizados pelo GA, estes demonstraram uma
produção mais independente. Isso ocorreu porque seus componentes tiveram facilidade para
elaborar um trabalho mais expressivo, o que lhes permitiu manifestar mais originalidade,
arteterapia têm demonstrado que a autonomia criativa é uma das grandes possibilidades desse
CONCLUSÃO
crianças do outro grupo. Embora o processo de elaboração pela modelagem seja pouco
ocorre com o processo psíquico da criança, o que foi confirmado pelas novas imagens
como também seu mundo físico (sensório-motor), mental (cognitivo) e emocional, sua
imaginação e ainda o mundo das idéias, dos sonhos e da memória contidos em si mesmas.
ludicidade é um nutriente importante contra o estresse, seja para auxiliar na integração dos
dois lados do cérebro da criança, na manutenção do seu eixo criativo no seu bem-estar e
social, explora e interage com seu meio de forma contínua, quando lhe são oferecidas
fragilizado e internamente desorganizado em função de uma doença grave não é tarefa fácil.
ambiente estimulante e não ameaçador, e auxiliar a criança a restabelecer seu diálogo com o
saudável.
12
Após a realização deste trabalho, as autoras acreditam que a criação de espaços onde se
disfunções que venham atrapalhar seu crescimento normal. O profissional habilitado para
atuar como arteterapeuta pode originar de várias áreas, tais como: da saúde, da educação e das
que receber a formação específica em arteterapia. Este campo de atuação tem crescido muito
na área de enfermagem, nos últimos anos, tanto em nível nacional como internacional, sendo
profícua sua utilização no contexto da hospitalização pediátrica, isso porque nas situações em
Ademais, as autoras esperam que este estudo contribua para o avanço do conhecimento na
área da arteterapia dentro da enfermagem pediátrica, e que esta técnica seja disponibilizada às
SUMMARY
Art therapy is a process that allows creativity and self-expression and it affects the cognitive,
affetive and social development. The aim of this work was to compare the modeling outcomes
of hospitalized children, before and after an art therapy intervention. Two groups were
assessed (10 children in each group) in a quasi experimental design. Results showed that the
works produced by children after the intervention were qualitativaly better. It was concluded
that art therapy may be useful for promoting abilities in hospitalized children.
Key words: art therapy, mental health hospitalized child, pediatric nursing
RESUMEN
La arteterapia es un proceso que favorece la expresión de la creatividad y puede influenciar en
el desarrollo cognitivo, afectivo, psicomotor y social. La finalidad de este trabajo fue
comparar la producción de modelado de niños internados, antes y después de una intervención
en arteterapia. Evaluamos dos grupos de niños, uno de los cuales fue sometido a intervención
y otro no, en un esquema casi experimental (n=10 en cada grupo). Los resultados mostraron
13
que las producciones tras la intervención fueron cualitativamente mejores. Concluímos que la
arteterapia puede ser una intervención útil en promover habilidades en niños hospitalizados.
Palabras-clave: terapia con arte, salud mental, niño hospitalizado, enfermería pediátrica
REFERÊNCIAS
4. Driessnack M. Children’s drawing and their use in healthcare. J Pediatr Health Care. 2002.
16: 156.
6. Brasil Ministério da Saúde. Conselho Nacional da Saúde. Resolução 196/96 - pesquisa com
seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 1996.
7. Reily LH. Atividades de artes plásticas na escola. 2ª ed. São Paulo: Thomson Pioneira;
1993.
11. Pain S, Jarreau G. Teoria e prática da arte-terapia - a compreensão do sujeito. 2ª ed. Porto
Alegre: Artes Médicas; 2001.
13. Walsh SM, Martin SC, Schmidt LA. Testing the efficacy of a creative-arts intervention
with family caregivers of patients with cancer. J Nur Scholarship. 2004. 36: 214-9.
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ANEXO A
Ficha de Avaliação da Seqüência de Fases da Modelagem*
A criança:
a. explora o material de forma primária (usando o nariz, a boca e o tato);
b. amassa, aperta, joga e mexe com a massa. Tira partes do todo e junta-as novamente;
c. faz cobrinhas na mesa e entre as mãos: (1) grandes, achatadas; (2) finas e uniformes;
d. faz bolinhas na mesa, e entre as mãos;
e. junta cobras, bolinhas e outras formas em novas combinações; nomeia o que está fazendo;
f. forma figuras e objetos reconhecíveis, como potes simples, animais, pessoas, caracóis etc;
g. dá atenção ao acabamento, alisando o barro e enfeitando o trabalho com impressões de objetos, riscos e
desenhos.
ANEXO B
Roteiro para Avaliação da Produção da Modelagem*
Não Pertence
DESEMPENHO Nível Tendênci Nem (A) – Tendência Nível DESEMPENHO
NÍVEL (A) (A) a Nem (B) Para (B) (B) NÍVEL (B)
Para (A) 0 -1
+2 +1 -2
1.A) Variedade na 1.B) Empobrecimento
Produção Plástica da Produção Plástica
2.A) Policromático 2.B) Monocromático
*
Modelo baseado em Reily (1986)
*
Modelo de Dondis adaptado por Valladares (2003)
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Legenda:
1.a) Variedade na produção expressiva: quando existe uma diversidade produtiva nos trabalhos, pela variedade
de elementos;
1.b) Empobrecimento da produção expressiva: quando os trabalhos não possuem diversidade ou variedade de
elementos na sua produção.
2.a) Policromático: significa um trabalho apresentado uma diversidade cromática;
2.b) Monocromático: significa um trabalho apresentando apenas uma ou nenhuma cor.
3.a) Imagem bem configurada: reflete exatidão ou clareza das formas expressivas, demonstrando domínio sobre
sua capacidade de expressar sua intenção;
3.b) Imagem mal configurada: reflete dificuldade em definir as formas ou omissão de elementos.
4.a) Muito criativo: demonstra independência, facilidade em elaborar um trabalho expressivo;
4.b) Pouco criativo: demonstra pouca originalidade, flexibilidade, fluência, elaboração e avaliação ao
desenvolver os trabalhos.
5.a) Simetria: corresponde ao equilíbrio axial, a uma formulação visual resolvida, no qual cada unidade de um
lado da linha central é rigorosamente repetida do outro lado;
5.b) Assimetria: é quando os elementos de um lado da linha central não se repetem do outro lado da obra.
6.a) Regularidade: constitui a uniformidade dos elementos e o desenvolvimento de uma seqüência ordenada por
algum princípio ou método constante e invariável;
6.b) Irregularidade: constitui a ênfase no inesperado e no insólito e de certa forma caótico, sem se adequar a
nenhum plano decifrável
7.a) Complexidade: eqüivale à riqueza de detalhes, caracterizada pela distinção de sexo e dos tipos de
personagens, nas vestimentas e objetos, nas atividades e funções (convenções socioculturais) dos elementos,
além da maior complexidade de justapor, congregar, encaixar, preencher, repartir, dividir, retirar, combinar,
associar etc. Pode apresentar diferença de estilo;
7.b) Simplicidade: eqüivale a pobreza de detalhes.
8.a) Unidade: é uma forma de equilíbrio de elementos diversos de uma determinada totalidade percebida
visualmente ou sua integração;
8.b) Fragmentação: é a decomposição dos elementos e unidade de um elemento em partes distintas, mas que se
relacionam entre si apesar de manter um caráter individual.
9.a) Equilíbrio: sugere tamanho e proporção equilibrados ou distribuição harmoniosa de linhas, formas e cores,
ou boa organização espacial entre o mesmo elemento ou a relação entre os elementos contemplados na obra;
9.b) Desequilíbrio: sugere que o elemento seja extravagante, ampliado, intensivo ou, ainda, muito abrandado,
gerando desproporção do(s) elemento(s) visual(is).
10.a) Atividade: reflete movimento e ação, pela representação ou sugestão;
10.b) Estático: reflete rigidez dos elementos.
11.a) Exatidão: simboliza o objeto de acordo com sua aparência visual real;
11.b) Distorção: sugere adulteração, omissão, desvio ou desobediência nas proporções das imagens trabalhadas.
12. a) Profundidade: quando há presença de perspectiva e de suas leis, do efeito claro-escuro ou criação de
planos, sobreposições e aparecimento da tridimensionalidade;
12. b) Planura: quando não há o efeito de luz e sombra.