Guerra Dos 30 Anos PDF

Revista Acadmica
Ano 4 n 6-8 2012
Revista Acadmica, Ano 4, ns 6-8 2012 UNIBR, Faculdades So Sebastio
Expediente UniBr Faculdade So Sebastio Rua Agripino Jos do Nascimento, 177 Vila Amlia So Sebastio SP CEP11600-00 www.unibr.com.br Tel. (12) 38933100
Mantenedores Prof. Maria Amlia Governo Merlin e Fbio Merlin Diretor Geral Prof. Ms. Leandro Jos Giovanni Boaretto Diretor Acadmico Profa. Ms. Patrcia de Souza Guilherme da Costa
Revista Acadmica www.unibr.com.br ISNN 2175-4659
A Revista Acadmica uma publicao semestral, de carter multidisciplinar.
Diretora: Prof. Dra. Eliane de Alcntara Teixeira Conselho Editorial Prof. Dr. lvaro Cardoso Gomes USP e UNISA Prof. Ms. Leandro Jos Giovanni Boaretto - UNIBR Prof. Dr. Silas Dvila Silva - UNIBR
Apresentao
Como toda Instituio de Ensino que se preze, a UNIBR, Faculdades So Sebastio, desde a sua fundao, procurou acentuar seu compromisso com a educao superior, com a divulgao da cultura e a produo cientfica. Desse modo, a criao de um rgo, que divulgasse trabalhos acadmicos de seus docentes (e de docentes de outras instituies nacionais e estrangeiras) e alunos, veio se mostrando como algo imperioso, o que fez que seus gestores investissem na criao de uma publicao on-line a Revista Acadmica , cujo fim seria o de apresentar o que de mais atual houvesse no plano da pesquisa e da produo cientfica. Vem da que a revista tenha sido planejada com um carter propositadamente multidisciplinar, reunindo, em todas as suas edies, artigos e resenhas de diferentes reas.
So Sebastio, outubro de 2012.
Prof. Dr. Eliane de Alcntara Teixeira Diretora
Sumrio
1. Guerra dos Trinta Anos: imagens de um perodo de transio, p. 5 Antnio Jackson de Souza BRANDO 2. O reconhecimento da vontade nos contratos eletrnicos de consumo, p. 30 Thiago Gomes Luiz DE PAULA 3. Baudelaire e a correspondncia das artes, p. 48 lvaro Cardoso GOMES 4. Deconstruccin y produccin de espacios urbanos en Ensayo sobre la ceguera de Jos Saramago. Desvos y circularidad ideolgica, p. 61. Charo GONZLEZ
5. Uma leitura de Clarice Lispector luz de Julia Kristeva, p. 70 Alessandra M. PIRES 6. A importncia do processo de ensino e aprendizagem no mbito do desenvolvimento econmico do indivduo: um estudo sobre educao financeira, p. 84 Alberto Manoel SCHERRER Apndice Trabalhos de concluso de curso de alunos
7. Formulao da estratgia de uma pequena empresa do ramo do pet shop, p. 94 Ktia Carneiro da CUNHA Elizabeth Macuco ZANETTI NORMAS EDITORIAIS, p. 103
Guerra dos Trinta Anos: imagens de um perodo de transio

Antnio Jackson de Souza BRANDO*
Resumo: Este ensaio procura traar um panorama do sculo XVII durante a Guerra do Trinta Anos, cujo palco foi o Sacro Imprio Romano Germnico. Concomitante aos conflitos religiosos sangrentos, a Europa conheceu o significado das crises econmicas que se abateram no continente nesse momento de transio para o surgimento do Estado moderno. Palavras-chave: Guerra dos Trinta Anos, Reforma, Contrarreforma, crise social
Aspectos gerais
Para se compreender o sculo XVII alemo mister conhecer dois aspectos fundamentais dos sculos anteriores: sua estrutura poltica e religiosa. Politicamente, no havia uma nao alem, pois essa era dividida em mais de trezentos estados semiautnomos e cada um deles governado por um prncipe, bispo ou conde, apesar da aparente unidade transmitida pelo Sacro Imprio Romano-Germnico, cujo imperador era eleito pelos prncipes mais poderosos os Eleitores; do ponto de vista religioso, a regio foi o bero da Reforma, que mudaria o destino da Igreja Catlica e da Europa, provocando uma srie de conflitos e guerras. Martinho Lutero, o arauto da insatisfao que se alastrava por todos os recantos da Europa contra a instituio eclesistica, soube aproveitar os preceitos e o desenvolvimento trazidos pelos ideais renascentistas que dominavam o sculo XVI. Paradoxalmente, poderamos considerar que a Reforma foi tanto uma reao contra o
Professor do Mestrado da Universidade de Santo Amaro.
Renascimento como seu resultado, na medida em que se no fossem as inovaes trazidas pelos Quinhentos, dificilmente haveria espao para que as propostas reformistas lograssem xito; por outro lado, muitos aspectos referentes liberdade que foram alcanados no perodo tambm foram condenados pelos reformadores. Se, por um lado, Lutero teve a inclinao religiosa de tornar o cristianismo mais puro, no foi o que imaginaram muitos de seus protetores, entre eles prncipes poderosos que vislumbraram, no movimento, a oportunidade de se apropriarem dos bens eclesisticos, como sada para contornarem a necessidade de dinheiro tanto para sustentar uma administrao cada vez mais complexa, quanto para equipar seus exrcitos, ou mesmo para adquirir objetos de luxo para a ostentao de sua posio.1 No entanto, aquilo que poderia ser apenas uma disputa de alguns prncipes com os prelados em seus territrios, assumiu grandes propores, levando as grandes potncias europeias a digladiarem-se, naquela que seria uma das mais brutais guerras conhecidas pela humanidade: a Guerra dos Trinta Anos, iniciada em 1618. O j fragmentado pseudoestado alemo, ou melhor, os limites do Sacro Imprio Romano-Germnico, tornou-se, devido a sua falta de unidade e de interesses polticos contrrios aos Habsburgos, um palco onde se definiria a fase decisiva da luta entre catlicos e protestantes. Desde seu incio, porm, ficou claro que os motivos da beligerncia iam muito alm das questes religiosas e adentraram em questes seculares. Isso fica claro ao verem-se naes de credos diferentes que se preocupavam mais em buscar alianas para derrotar os Habsburgos, a Casa mais poderosa da Europa, do que, efetivamente, a expanso de sua f. Pode-se exemplificar essa situao com Francisco I (1515-1547) da Frana que se aliou no s com os protestantes suecos e dinamarqueses, como tambm com os muulmanos turcos (1543), a fim de derrotar o imperador Carlos V (1519-1558); ou, anos mais tarde, o todo-poderoso cardeal francs Richelieu (1585-1642), que compactuou com o rei protestante da Sucia, Gustavo Adolfo. No difcil compreender que, quando em 1648, o Tratado de Vestflia ps termo guerra, encerrou-se a era dos conflitos religiosos, instaurando-se a dos conflitos polticos2; alm disso, sinalizou que a concepo medieval da Europa, h muito moribunda, chegara a ser termo, dando lugar ao aparecimento do Estado moderno.
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Vivian H. Hooward Green. Renascimento e Reforma: a Europa entre 1450 e 1660. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1984. 2 Oliveira Lima. Histria da civilizao. So Paulo: Melhoramentos, 1922.
Desdobramentos da Guerra dos Trinta Anos
Figura 1 Destruio de imagens religiosas durante a Era Puritana, Londres (?), s/d
lugar-comum afirmar que os conflitos humanos, mormente as guerras, tm sua origem em fatos anteriores a sua ecloso. Conhecem-se bem as causas da Grande Guerra a frgil poltica das alianas entre as potncias europeias , mas foi necessrio o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-hngaro, em 1914, como estopim para seu incio; ou, ento, a invaso do exrcito alemo Polnia, em 1939, mesmo aps a Anschluss da ustria e de parte da Tchecoslovquia pelos nazistas para que se desencadeassem as sucessivas declaraes de guerra que levariam Segunda Guerra Mundial. Somos, muitas vezes, levados a pensar que somente ambas foram os piores momentos em que grande parte da humanidade se digladiou em nvel mundial, houve, entretanto, no sculo XVII, um momento em que as naes europeias participaram de um conflito de dimenses at ento desconhecidas e somente revividas no sculo XX. Tal conflito foi conhecido como Guerra dos Trinta Anos, que se estendeu de 1618 a 1648, e cujo palco foi a Europa central, no territrio compreendido pelo antigo Sacro Imprio Romano-Germnico. Assim, para se compreender o cerne desencadeador e o porqu da complexidade dos confrontos nesse perodo, faz-se necessrio conhecer sua gnese. Exatamente cem anos antes do estopim da guerra, em 1517, Martinho Lutero afixara suas 95 teses em Wittenberg, inaugurando a era dos conflitos religiosos. Suas ideias logo conquistaram a simpatia de parte da nobreza alem, pois o luteranismo tornara-se um seguro aliado do particularismo poltico dos prncipes alemes. O prncipe, estivesse ou no
genuinamente convertido verdade das ideias luteranas, frua lucros terrenos da confiscao dos bens da Igreja, aumentava o seu controle sobre os negcios eclesisticos e adquiria um maior grau de independncia do imperador catlico.3
Figura 2: Panfleto da Reforma contra Lutero (As sete cabeas de Martinho Lutero), Leipzig, 1529
Lutero, ao ser condenado por heresia na Dieta de Worms, acolhido por nobres alemes e lana os fundamentos de sua doutrina, que sero combatidos pelo imperador Carlos V, afinal o reformador acabou por fomentar tambm o particularismo dos prncipes, o que poderia diminuir a autoridade imperial e romper, com isso, a unidade do Imprio que o imperador pretendia tornar forte e centralizado. Sucederam-se e intensificaram-se, a partir da, querelas militares, religiosas, polticas como a rivalidade entre os Valois e Carlos V , alm de sociais como a Guerra dos Camponeses (fig. 3). As ideias de Lutero no atingiram apenas os prncipes que enxergavam nelas benefcios para si mesmos, mas chegaram tambm aos menos afortunados, representados pelos camponeses. Liderados por Thomas Mnzer, esses viam no movimento reformista a oportunidade de quebrar a estrutura feudal e o vnculo que os ligava a seus senhores, nem que para isso tivessem de usar da fora para conquistar terras da Igreja e da prpria nobreza. Lutero, entretanto, condenou com veemncia tal atitude, incitando os prncipes a esmagarem os insurretos, fato que ocorre em 1525 com a morte de Mnzer, apesar de haver focos rebeldes que se estenderam at 1526. Apesar disso, os conflitos envolvendo os prncipes do Norte e o Imperador prosseguiram, quando se estabeleceu uma trgua, em 1555, a conhecida Paz de
Vivian H. Hooward Green. Renascimento e Reforma: a Europa entre 1450 e 1660. Op. cit., p. 157.
Augsburgo, quando se determinou que cada prncipe decidiria qual religio adotaria (cuius regio, eius religio): ou o luteranismo ou o catolicismo. Como o tratado no era para defender a tolerncia, j que apenas consentiu na existncia de duas religies nem o povo nem a Igreja teriam direito escolha prpria: ou se aceitava, ou se retiraria para outro lugar, deixando para trs tudo o que se construra estava claro que tal compromisso cedo ou tarde seria desafiado.
Figura 3 Cena da Guerra dos Camponeses, na qual esses aprisionam um cavaleiro. Observa-se que os camponeses levam a bandeira do Bundschuh, literalmente sapato amarrado, smbolo empregado por eles em contraposio s botas, empregadas pelos nobres. Augsburg, 1532
O desafio, por sinal, foi constante nos sculos XVI e XVII, como ficou claro na geopoltica europeia com os constantes enfrentamentos entre suas potncias, que visavam a uma maior participao territorial, econmica e poltica. Podem-se, inclusive, enumerar alguns exemplos: se, por um lado, a Espanha buscava manter-se como potncia hegemnica no continente europeu, a Frana, por outro, procurava desestabilizar a atuao e o poder dos Habsburgos em seus dois ramos, o espanhol e o austraco; se por um lado a Inglaterra buscava condies para sua futura dominao dos mares, por outro, as Provncias Unidas lutavam por sua independncia da Espanha e do Imprio; enquanto Dinamarca e Sucia disputavam a hegemonia na regio do Bltico, o Imprio Otomano visava avanar ainda mais em solo europeu, a fim de manter o controle e o comrcio com o Oriente; havia ainda a busca, pela Igreja Catlica pstridentina e contrarreformista, por sua reestruturao, quando se ratificaria a ruptura permanente entre a doutrina catlica e a protestante, e a consequente luta para reconquistar o espao perdido pela Reforma. Essa reconquista, no entanto, perpassa as paredes da Igreja e pode nos dar uma ideia clara da exaltao dos nimos, bem como da realimentao do esprito belicoso
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entre muitos prncipes que foram rduos defensores ou dos ideais catlicos como Maximiliano I, da Baviera ou dos protestantes como Gustavo Adolfo, rei da Sucia. Cada um dos grupos no via com bons olhos o avano do outro lado.
Figura 4 Defenestrao de Praga, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathus Merian (o velho), 1662
Assim, enquanto o contrarreformismo avanava, o mesmo se dava com os reformados, cujos membros ganhavam posies nas Dietas, apesar de estarem divididos entre luteranos e calvinistas, o que, seguramente, os enfraquecia. Em maio de 1608, fundada a Unio Evanglica que reunia os prncipes protestantes, aceitando-se a incluso dos calvinistas aps a Paz de Augsburgo. Um ano depois, a vez dos catlicos unirem foras na Liga Catlica encabeada por Maximiliano II, da Baviera. Em 1609, o imperador Rodolfo II havia fixado sua residncia em Praga e, diante de uma iminente rebelio na Bomia, concede aos protestantes a Carta de Majestade, garantindo-lhes a liberdade de praticarem sua religio. Em 1612, Matias I torna-se imperador e promete aos bomios manter sua liberdade religiosa, apesar de demonstrar a vontade de impor a Contrarreforma na regio. Os protestantes se opem, na Dieta da Bomia, e reivindicam junto ao imperador que mantenha a Carta de Majestade, no entanto o imperador dissolve-a, proibindo seu culto e encontros.
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Figura 5a Frederico V e o acampamento para recepcionar sua noiva vinda da Inglaterra, Elisabeth Stuart, em Nurembergue, gravura de Georg Keller, 1613
Figura 5b Frederico V, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathus Merian (o velho), 1662
Enfurecidos, os protestantes dirigiram-se ao Palcio Hradschin e, aps terem se atracados com os regentes imperiais, atiraram-nos pela janela, fato conhecido como a Defenestrao de Praga (fig. 4), dando incio Revolta da Bomia, marco inicial dos conflitos que culminaram com a Guerra dos Trinta Anos, que afundou a Alemanha num mar de sangue e lgrimas.4 Os rebeldes instauraram um governo novo e formaram um exrcito. Entrementes, morreu o Imperador Matias I e elegeram, revelia, Frederico V (fig. 5b), eleitor do Palatinado, como seu rei, mesmo sabendo que o trono caberia a Fernando da
Imanuel Geiss. Geschichte griffbereit. Band 5: Staaten: die nationale Dimension der Weltgeschichte: Hamburg, 1987, p. 180.
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Estria, sobrinho do imperador morto, e que se tornou o novo imperador, Fernando II (fig 6). Este se lana contra os sublevados aps receber apoio da coroa espanhola e do prncipe Maximiliano da Baviera, cujo apoio militar seria recompensado com o eleitorado palatino.
Figura 6 Coroao de Fernando II, em Frankfurt, em 1619, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathus Merian (o velho), 1662
Figura 7 General imperial Jean T'Serclaes de Tilly, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathus Merian (o velho), 1662
Em novembro de 1620, as tropas catlicas da Liga e do Imperador , sob o comando do general imperial Johann TSerclaes de Tilly (fig. 7), invadiram a Bomia e derrotaram os rebeldes na Montanha Branca a poucos quilmetros de Praga (fig. 8). Aps a derrota, Frederico V foge para a Silsia e de l para a Holanda.
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O imperador foi implacvel com os sublevados: todos os cabeas do movimento foram executados, suas famlias desterradas, seus bens confiscados e distribudos s famlias catlicas que lhe eram leais. Extinguiram-se praticamente todas as liberdades dos bomios: sua coroa passou a ser hereditria da Casa de Habsburgo; a religio catlica foi imposta fora, fecharam-se as igrejas protestantes; a lngua alem passou a ter o mesmo peso da tcheca; intensificou-se a germanizao da regio; a educao ficou a cargo dos jesutas e destituram-se, assim, os professores protestantes, entre os quais Comenius, considerado um dos maiores educadores do sculo XVII, que exps, em uma carta a Samuel Hartlieb, amigo de Milton, a arbitrariedade com que se processou tal ato e quem foram os atingidos: Alle, die ber Frmmigkeit, Sittlichkeit, Wissenschaftlich und Knste geschrieben haben, gleichviel ob Christ oder Mohammedaner, Jude oder Heide oder welcher Sekte sie immer angehrt haben mgen, Pythagorner, Akademiker, Peripatetiker, Stoiker, Esser, Griechen, Rmer, Alte oder Neue, Doktor oder Rabbi, jedwede Kirche, Synode, Kirchenversammlung: alle, sage ich, sollen zugelassen und gehrt werden.5
Figura 8 Batalha na Montanha Branca, prximo a Praga, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 1), 1662
Hans Jessen. Der Dreiigjhrige Krieg im Augenzeugenberichten. Darmstadt: DBG, 1966, p. 123.
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Figura 9 Cristiano IV, rei da Dinamarca, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 2), Mathus Merian (o velho), 1646
Fernando II conseguiu debelar de forma eficaz a rebelio na Bomia, e a Dieta de Regensburg concedeu a Maximiliano da Baviera a dignidade de Eleitor no lugar de Frederico V, alm do Alto Palatinado. Entretanto, a poltica extremamente repressora do Imperador fez com que surgissem vrias reaes contra os Habsburgo em toda Europa, prolongando e extrapolando uma revoluo que seria intestinal. Vrios fatores foram decisivos para isso, como, por exemplo, o final da Trgua dos Doze Anos (1621) entre Holanda e Espanha (outro brao dos Habsburgo); o receio dos reis da Dinamarca e da Sucia (protestantes) de que o Imperador aproveitasse a situao para restaurar seu poder por toda a Alemanha e impor, fora, a f catlica; da mesma forma, os reis catlicos tambm queriam assegurar sua hegemonia na Europa setentrional. Assim, Cristiano IV, rei da Dinamarca (fig. 9), e o conde Ernst von Mansfeld (fig. 10), mercenrio que estava a servio de Frederico, invadem o imprio e so seguidamente derrotados pelo general Tilly, que ocupa o ducado de Schleswig-Holstein, a Jutlndia, Mecklemburgo e a Pomernia.
Figura 10 Ernst von Mansfeld, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathus Merian (o velho), 1662
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Surge, nesse momento, uma figura importante no cenrio da guerra: Albrecht Eusebius Wenzel von Wallenstein (fig. 11), quem derrota Mansfeld que recebia ajuda de Jaime I, da Inglaterra. Aps a vitria das tropas imperiais, assinado o Tratado de Lbeck (1629), pelo qual a Dinamarca recebe novamente seus territrios para que no interferisse mais em assuntos do Imprio, e que abandonasse suas pretenses aos bispados de Bremen e de Verden.
Figura 11 Albrecht Wallenstein, de Anthonis van Dyck, por volta de 1636/1641
As sucessivas vitrias de Fernando II levaram-no a promulgar o Edito de Restituio anulando a Paz de Augsburgo que, alm de obrigar a devoluo das terras secularizadas pelos protestantes Igreja Catlica, destitua os calvinistas de seus cargos, o que pressupunha que tentaria impor o catolicismo a todo o Imprio. A execuo do edito foi delegada a Wallenstein, que no o via com bons olhos, pois acreditou que perderia as regalias conquistadas com a guerra. Essas, por sinal, irritavam profundamente muitos prncipes alemes, entre eles Maximiliano, que solicitavam ao imperador a sada do bomio do comando das tropas. Apesar da relutncia de Fernando II, este, finalmente, concedeu. Sua sada foi em parte uma demonstrao do que fazia (e queria) a diplomacia francesa nos bastidores em sua busca pela desestruturao do Imprio por meio de intrigas entre os prncipes catlicos e o Imperador, como a que se verificou na Dieta de Regensburg (1630), quando alguns prncipes foram contrrios ao envio de tropas imperiais a Mntua que auxiliariam os espanhis em detrimento dos franceses; ou a neutralidade de Maximiliano I, em relao aos franceses, que se mostraria,
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posteriormente, desastrosa Baviera; ou ainda por meio de acordos beligerantes com outros pases, visto que a Frana ainda no tinha condies de intervir diretamente no conflito. Assim, a poltica externa francesa consistia tanto em semear a discrdia dentro do Sacro Imprio quanto em outros pases, como forma de alcanar sua supremacia na Europa. Isso ficaria evidente com Richelieu que apoiaria, financeiramente, Gustavo Adolfo, o rei da Sucia protestante. O sueco via, dessa forma, a possibilidade de dominar o Bltico, pois seu concorrente direto, a Dinamarca, havia sucumbido e assinara o Tratado de Lbeck (1629). Estabeleceu-se entre a Frana e a Sucia o Tratado de Brwalde (1631), cuja durao seria de seis anos, segundo o qual os suecos receberiam dinheiro para enfrentar os Habsburgos, desde que respeitassem a religio catlica nos territrios ocupados.
Figura 12 Gustavo II Adolfo, rei da Sucia, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 2), Mathus Merian (o velho), 1646
A chegada de Gustavo Adolfo (fig. 12) aos limites do Sacro Imprio transformou, indiscutivelmente, a guerra num conflito europeu, pois representou a confluncia do imperialismo bltico protestante e do receio francs s ambies dos Habsburgos; alm disso, foi inconteste que o rei sueco tenha sido uma das maiores personagens da guerra, j que via tambm em sua expanso territorial e no aumento da rea de influncia sueca uma forma de proteo maior contra as agresses habsburga e polaca. A Pomernia e a costa bltica so os redutos exteriores da Sucia, escreveu ele; so suas garantias contra o imperador.6 Alm de querer restaurar os prncipes protestantes destitudos e defender as liberdades polticas religiosas no Sacro Imprio, devido a seu interesse pela causa protestante, queria levar adiante o imperialismo sueco.
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Vivian H. Hooward Green. Renascimento e Reforma: a Europa entre 1450 e 1660. Op. cit., p. 340.
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No era de se estranhar que grande parte dos prncipes alemes fosse protestantes ou catlicos, no confiava nos suecos. Para Gustavo Adolfo, que j possua em seu curriculum trs guerras vencera a Polnia contra seu primo Sigismundo III (1621-1629), a Dinamarca (iniciada por seus pai Carlos IX e encerrada em 1613) e a Rssia (terminada em 1617) , foi relativamente fcil invadir a Alemanha, conseguindo uma importante vitria sobre as tropas imperiais sob o comando de Tilly, em Breitenfeld (1631), o que alargou sobremaneira seus objetivos polticos e imperialistas. Diante disso, deixara de cumprir o pacto que fizera com os franceses, ao impor o luteranismo por onde passava. Em 1632, o general imperial Tilly morre cinco dias aps ter sido ferido prximo a Rain am Lech, abrindo, destarte, o caminho ao rei sueco rumo a Munique.7 Diante desse acontecimento, no restou outra alternativa a Fernando II que se reconciliar com a Liga e com Wallenstein, que derrota Gustavo Adolfo em Nurembergue onde a penria devido escassez de vveres j era reinante.8
Figura 13 Morte de Gustavo II Adolfo, em uma batalha prxima a Ltzen, , ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 2), Mathus Merian (o velho), 1646
Junto com seu exrcito, o rei sueco dirige-se para o norte e, dessa vez, surpreende e derrota as tropas do general Gottfried Heinrich von Papenheim e as de Wallenstein. Entretanto, em meio a essa batalha, em Ltzen, Gustavo Adolfo tombou (fig. 13) e seu
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Hans Jessen. Der Dreiigjhrige Krieg im Augenzeugenberichten. Op. cit. Ibidem.
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exrcito, um dos mais disciplinados e bem preparados da guerra, transformou-se num corpo de mercenrios, controlado em grande parte por Richelieu.9 Ambicioso, Wallenstein queria vingar-se do imperador que j o destitura uma vez. Tal desejo aumentou ainda mais com sua derrota em Ltzen, quando conspirava contra o imperador com o inimigo. Acusado de traio, assassinado em Eger (fig 14), juntamente com um grande nmero de seus Friedlnder, a mando do prprio Imperador. Vale a pena ler a carta do confessor do Imperador, o jesuta Wilhelm Lamormaini, de 3 de maro de 1634, na qual explicita algumas razes encontradas por Fernando II para destitu-lo novamente, alm de conden-lo morte por traio:
Die geheimen Machinationen des Friedlnders mndeten schlielich am 12. Januarii in eine Verschwrung. Er wollte den Kaiser verderben, das Haus sterreich auslschen, die Knigreiche und sterreichichen Lande in seine eigene Hand bekommen und die Gter und Herrschaften der getreuen Diener des Kaisers unter seine Mitverschworenen verteilen.10
Figura 14 Assassinato de Wallenstein, retirado de JESSEN, 1966, p. 345
Aps a morte de Wallenstein, o comando das tropas imperiais passa para o conde Matthias Gallas que, juntamente com o cardeal-infante D. Fernando, irmo de Felipe IV da Espanha, e o rei da Hungria vo reconquistando posies ao norte. Impuseram uma grande derrota ao exrcito do duque protestante Bernardo do SaxeWeimar e, em 6 de novembro de 1634, vencem os suecos em Nrdlingen. Os suecos deixam, aparentemente, de ser uma ameaa estabilizao do Imprio; diante disso, os protestantes, sem seus principais aliados, procuram encontrar uma soluo pacfica para
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Vivian H. Hooward Green. Renascimento e Reforma: a Europa entre 1450 e 1660. Op. cit. Hans Jessen. Der Dreiigjhrige Krieg im Augenzeugenberichten. Op. cit., p. 354.
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o conflito, o que culminou com o Tratado de Praga, quando se fizeram importantes concesses aos protestantes, modificando-se, inclusive, algumas resolues do Edito de Restituio. Aquilo que parecia ser apenas uma negociao isolada entre o Imperador e o Eleitor do Saxe, estendeu-se a toda a coalizo protestante. No entanto, o que seria o prenncio da paz, no o foi, pois segundo escreveu Richelieu (fig. 15): O Eleitor da Saxnia fez a sua paz, mas isso no ter sobre ns outro efeito alm do de nos fazer redobrar de esforos para termos tudo a postos.11 Se no incio da Guerra dos Trinta Anos a Frana no agiu diretamente por no estar preparada, chegou agora sua vez de entrar diretamente no conflito para desestabilizar, em definitivo, o poder habsburgo. O fato preponderante para isso fora a derrota de seus aliados em Nrdlingen. Assim, nove dias antes de ser assinado o Tratado de Praga entre o imperador e os lderes protestantes, sob comando do Eleitor da Saxnia, a Frana declara guerra Espanha.
Aunque sus recursos militares estaban relativamente subdesarrollados, Francia por lo menos entraba en la guerra de refresco. Por el contrario, Espaa llevaba quince aos combatiendo, y los combates habran de durar otros veinticinco aos y llegar hasta la propia Pennsula.12
Figura 15 Cardeal Richelieu, Armand-Jean, ilustrao do Theatrum Europaeum (Bd. 2), 1646
A Frana entra na guerra com tropas regulares ao lado dos suecos, segundo Richelieu, numa clara demonstrao que a razo de estado deve prevalecer sobre a da
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Ibidem, p. 343. Henry Kamen. Una sociedad conflictiva: Espaa, 1469-1714. Madrid: Alianza Editorial, 1984, p. 333.
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confisso religiosa. Em 1636, os suecos vencem em Wittstock e avanam em direo Morvia, chegando a Praga em 1645; os franceses, por seu turno, j dominam grande parte da Rennia e chegam Baviera em 1646. Dessa forma, a Alemanha torna-se um campo de batalha dos exrcitos francs e sueco, que espalham a peste e o medo; at o prprio Imperador teve de abandonar Praga. Apesar de tais conquistas, no houve batalhas decisivas nessa fase da guerra, com exceo de Rocroi, em 1643, quando os franceses impuseram uma grande derrota aos espanhis, iniciando assim as discusses de paz. Estas se estenderam at 1648, com o Tratado de Vestflia, mas at se chegar a ele, houve longas negociaes, pois as partes envolvidas no chegavam a um consenso, principalmente aqueles que mais se beneficiaram com os ltimos anos da guerra: os franceses e os suecos. Dessa forma, a paz foi firmada em dois blocos: de um lado entre o Imperador (e seus aliados) e o rei da Frana; de outro entre o Imperador e a rainha da Sucia13, isso explica o porqu de o tratado ter sido celebrado em duas cidades: Mnster e Osnabrck. Alm de territrios cedidos e perdidos entre as partes, o Tratado de Vestflia:
revoga o Edito de Restituio, decidindo que as terras da Igreja ficariam nas mos daqueles que as possussem em janeiro de 1624; praticamente manteve as clusulas da Paz de Augsburgo, como o princpio cuius regio, eius et religio, no qual os prncipes impem a religio a seus territrios, independentemente da vontade do povo;
permitiu que os prncipes adquirissem maior autonomia em relao ao Imperador, apesar de estarem ainda sujeitos lei imperial; ratificou a fragmentao da Alemanha em mais de duzentos estados, nos quais no havia uma conscincia nacional; preparou o caminho para a poltica de engrandecimento da Frana, que passa a ser o Estado mais poderoso da Europa e ter na figura de seu rei, Lus XIV, o paradigma do soberano absoluto;
assinalou o fim da concepo medieval europeia com o surgimento do Estado moderno.
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Ernst Walter Zeenden. Das Zeitalter der Glaubenskmpfe: 1555-1648. Mnchen: Deutscher Taschenbuch Verlag, 1978.
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A Guerra dos Trinta Anos e a crise do sculo XVII
Figura 16 Saqueando e queimando uma vila, A misria da guerra, gravura de Jacques Callot, 1632
A Guerra dos Trinta Anos, alm de ter sido uma guerra religiosa e europeia, foi uma variante poltico-militar de uma crise geral que se abateu sobre o Velho Continente no sculo XVII. Constitui-se, dessa maneira, em uma forma extrema rumo mudana sociopoltica da Alemanha e da Europa em direo modernidade, mesmo que esse impulso modernizador tenha trazido com ele tamanho horror.14 Como a histria j demonstrou inmeras vezes, quem mais sofre direta e indiretamente com os conflitos a populao. Veremos a repetio dessa mxima durante os trinta anos do conflito que dominou o cenrio europeu na primeira metade do sculo XVII. Dados apontam para mais de 300.000 pessoas mortas nos campos de batalha, alm de milhares de civis, em decorrncia de doenas, da desnutrio, da ferocidade das tropas (fig. 16 e 17), dos grandes xodos e deportaes em massa. Entretanto, vale salientar que, apesar de haver muitos dados sobre as perdas humanas na Alemanha ao longo da guerra, nunca ser possvel precisar seu nmero, pois so muito contraditrios. Alguns do conta que cerca de dois teros da populao alem pereceu, j que cinco sextos das aldeias do imprio foram destrudos15; a Alemanha possua, por volta de 1600, 15 milhes de habitantes, nmero que chegou perto dos 10 milhes em 1650. Provavelmente, seja possvel afirmar que as maiores perdas foram no campo (fig. 18)
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Heinz (Hg) Schilling 1648. Krieg und Frieden in Europa. (Ausstellungskatalog) Mnster/Osnabrck, 1998. 15 Leo Hubermann. Histria da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985.
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cuja populao mais sofreu com as nefastas consequncias da guerra16 , oscilando entre 35% a 40%; na cidade cuja proteo aparente era devida a suas inexpugnveis muralhas , entre 25% e 35%.17
Figura 17 rvores eram empregadas como forca coletiva, A misria da guerra, de Jacques Callot, 1632
Vale salientar, porm, que nem todas as regies do Imprio foram assoladas pela guerra concomitantemente: muitas foram poupadas; outras, em contrapartida, foram devastadas vrias vezes. Ser que somente a guerra, com sua brutalidade e inumanidade, poderia ter causado tamanha destruio no solo europeu e alemo? Houve fatores paralelos a tamanha misria? Poder-se-ia justificar tal barbrie somente por contendas religiosas ou seriam tambm elas sociais, apesar de sua inter-relao? Maravall afirma que
no se pode identificar essa crise comum do sculo XVII como um fenmeno novo derivado da conflagrao quase generalizada da Guerra dos Trinta Anos, porque comea muito antes, afeta esferas no ameaadas pela guerra, foi mais grave nos pases que no sofreram os estragos da soldadesca e seu processo de restabelecimento no acompanhou a linha de recuperao das perdas da guerra. A crise do sculo XVII no pode ser entendida [...] sem que se leve em conta o amplo contexto europeu no qual se desenvolve (...) Tampouco possvel entender essa crise se referindo apenas s dificuldades econmicas por mais graves que tenham sido (...).18
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Ruth E Mohrmann. Alltag in Krieg und Frieden. In BUMANN, Klaus. SCHILLING, Heinz (Hg) 1648. Krieg und Frieden in Europa.Op. cit. 17 Friedrich-Wilhelm Hennig. Das vorindustrielle Deutschland 800 bis 1800. Paderborn, Ferdinand Schningh, 1974. 18 Jos Antonio Maravall. A cultura do Barroco: anlise de uma estrutura histrica. So Paulo: Edusp, 1997, p. 74.
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Figura 18 Pilhagem a uma grande fazenda, A misria da guerra, de Jacques Callot, 1632
Vemo-nos diante de uma sucesso de conflitos banais, agravadas por crises econmicas num momento de transio, quando o capitalismo, que dera seus sinais vitais j no Renascimento, impulsionou os navegadores em busca de riqueza. Para piorar o quadro, v-se diante de uma nobreza inepta, que visaria riqueza e ao lucro fcil por meios da explorao da riqueza alheia. Dessa forma, a grande potncia do sculo XVII, a Espanha, cuja Casa tambm dominava o Imprio, a representao fidedigna do exposto acima, pois enquanto mercadores da Inglaterra, Holanda e Frana amontoavam fortunas enormes no comrcio, os espanhis haviam descoberto uma forma mais simples de aumentar as somas de dinheiro do tesouro: a explorao das minas de ouro e prata da Amrica.19 O afluxo dos metais Europa resultou numa revoluo de preos jamais vista: os preos das mercadorias em 1600 eram mais de duas vezes superiores aos que foram em 1500, e em 1700 estavam ainda mais altos mais de trs vezes e meia o que haviam sido quando a revoluo dos preos teve incio.20 De repente, a Espanha viu-se assolada por uma inflao sem precedentes que, rapidamente, se espalhou por toda a Europa. As pessoas no tinham como comprar nada, sequer conseguiam entender o porqu daquela situao e buscavam culpar-se mutuamente, pois era-lhes incompreensvel que tal fato tivesse origem internacional.21 Em breve, grande parte da Europa viu-se ocupada por um sem-nmero de mendigos que ocupavam todos os grandes centros; Paris, por exemplo, na dcada de 1630, contava com um quarto de sua populao constituda por eles.22
19 20
Leo Hubermann. Histria da riqueza do homem. Op. cit.,1985. Ibidem, p. 109. 21 Ibidem, p. 110. 22 Ibidem, p. 107.
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Essa massa de indigentes, deslocados e cheios de rancor, surgiram das guerras, das epidemias, da opresso dos poderosos, da falta de trabalho que obriga a crise da economia. No sculo XVII, eles se encontravam em todos os lados: so conhecidos na Frana, na Alemanha, em Flandres.23
Figura 19 Estalagens eram usadas por soldados e depois pilhadas, A misria da guerra, de Jacques Callot, 1632
Assim, essa crise encerrar uma grande dicotomia em solo europeu: apesar de ter sido uma poca de profundo desenvolvimento econmico vislumbrado na expanso colonial , ser uma poca repleta de miserveis; a burguesia que havia sido a corresponsvel pelos descobrimentos, v-se agora relegada a um segundo plano, enquanto a nobreza tenta de toda forma aumentar seu patrimnio, pois j reconquistara seu poder poltico, levando pequenos proprietrios penria e obrigando-os a abandonar o campo, o que aumentava os deslocamentos das massas humanas em direo s cidades.24
Figura 20
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Ibidem, p. 106. Jos Antonio Maravall. A cultura do Barroco: anlise de uma estrutura histrica. Op. cit.
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Soldados renegados eram punidos em praa pblica, como o que est pendurado no pndulo, ou como os quatro que esto do lado esquerdo, montados no burro espanhol, A misria da guerra, de Jacques Callot, 1632
Havia de um lado grupos que tentavam manter e aumentar seus privilgios e riquezas e poderiam faz-lo , j que viam a crise os ameaar; de outro, uma massa, aparentemente amorfa, aoitada por pestes, pobreza, fome e guerra (fig. 19). Aqueles, sabendo que os recursos da represso fsica poderiam no conter esta, viam-se obrigados a buscar uma cultura coercitiva, para manter a massa dentro da ordem estabelecida socialmente.25 Dessa forma, buscaram-se meios de penetrao nas conscincias bem como o controle psicolgico que favoreceriam o processo de integrao, alm de combater os rancores e a violncia. A nobreza estaria assegurando assim sua superioridade sobre o conjunto. Utilizam-se todos os recursos ideolgicos, artsticos e sociais para manterem-se as vontades sob controle.26 possvel verificar isso ao se deparar com caractersticas da arte barroca, pois esta acaba sendo um drama estamental: a submisso do indivduo moldura da ordem social; reprime-se, assim, toda a individualidade. Na Frana de Richelieu,
aspectos tradicionais da estrutura de poder e da sociedade eram mantidos pela fora, assim como a sujeio imposta ao povo e a dura represso de seus protestos [...]. Sempre foi o castigar razo de Estado, escrevia C. de Bocngel, mas nunca como na monarquia do sculo XVII, sua razo de ser to principal.27 Isso fica claro nas relaes dentro dos regimentos do exrcito, pois no havia mais a antiga camaradagem, mas uma constituio senhoril severa. Os prprios comandantes e seus oficiais utilizavam de extrema violncia para com os soldados (fig. 20), que eram dominados por uma rgida disciplina e submetidos a castigos.28 Contra esse estado de tenso e mesmo diante de tamanho aparato, eclodiam levantes por toda Europa; parcela da populao insurgia-se contra as autoridades locais, viam-se ondas de sedies e de revoltas que eram prontamente sujeitadas pelos exrcitos reais e pelos nobres. Muitos desses, temerosos da perda de seu status quo e das nefastas propores a que tais atos poderiam levar, sequer cumpriam sua nica ou
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Ibidem. Ibidem. 27 Ibidem, p. 94. 28 Willi Flemming. Deutsche Kultur Verlagsgesellschafte Athenaion, 1937.
im
Zeitalter
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Barock.
Potsdam:
Akademische
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quase nica carga, o servio militar. Alguns nobres furtavam-se assim de suas obrigaes, preferindo at contribuir com o rei ou mesmo alegando que no possuam fundos para custear os gastos da expedio.29 Mais uma vez, o nus dessa situao recairia sobre os mais pobres, que iriam aos campos de batalha fora. Demonstra-se, assim, que as bases sociais em que estava alicerada essa sociedade comeariam a ruir em todas as camadas. Diante desse estado de infortnios, surgem, por toda Europa, legies de ladres e salteadores.
Existe inegavelmente uma relao entre Barroco e crise social. Encontramonos no apenas na Espanha, mas em toda a Europa diante de uma poca que, em todas as esferas da vida coletiva, se v arrastada por foras irracionais, o apelo violncia, a multiplicao de crimes, o relaxamento moral, as formas alucinantes de devoo etc. Todos esses aspectos so resultado da situao pattica na qual se exterioriza a crise social subjacente e que se expressa nas manifestaes da mentalidade geral da poca.30 Isso tornaria a Guerra dos Trinta Anos extremamente perversa, pois no havia mais limites para as aes humanas, o caos instaurara-se, como demonstram as relaes entre os membros do exrcito, mormente os soldados. Estes eram os profissionais mais inseguros que havia no momento, no s por verem-se a todo momento diante da morte, mas tambm por terem de trabalhar meses, anos e, de repente, seu regimento no existir mais, vendo-se na rua com mulher e filhos.31 No que a profisso fosse recompensada altura dos inmeros sacrifcios exigidos, porque no era, j que o soldo prometido mormente no era pago, quando o era; entretanto, poderiam ressarcir-se por meio de extorses e pilhagens, pois essas eram permitidas.32 Assim, o despojo era um elemento do qual no poderiam abrir mo para a segurana existencial de si mesmos e de suas famlias. Em primeiro lugar estava a luta pela sobrevivncia, no uma tendncia criminosa latente, que os levava a roubar. Dessa forma, a populao local ficava merc dos regimentos e dos exrcitos que invadiam suas cidades, obrigando-a a toda sorte de maus-tratos e violaes. Nos cinco a seis meses de inverno, por exemplo, os soldados aquartelavam-se nas casas dos moradores. Os que estavam a p ficavam nas cidades, os a cavalo, no campo, usufruindo
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Jos Antonio Maravall. A cultura do Barroco: anlise de uma estrutura histrica. Op. cit., p. 9. Ibidem, p. 115. 31 Willi Flemming. Deutsche Kultur im Zeitalter des Barock. Op. cit. 32 Ibidem.
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de tudo que o morador pudesse ou no oferecer. A exceo eram as casas de prncipes, nobres e sacerdotes.33 A exao compensatria pelo no recebimento dos soldos, imposta por meio da ocupao dos exrcitos, era extremamente dura populao local. Alm do aquartelamento, vinha outra solicitao a contribuio imposta pelo comandante, atingindo tanto o campo quanto a cidade, que era o pagamento nico e em prazo curto de uma alta soma de dinheiro.34 Encontramos, por exemplo, essa situao nos exrcitos que travaram as inmeras batalhas na Guerra dos Trinta Anos, cuja principal caracterstica em relao s outras foi a casualidade. Tudo nela foi casual: sua origem, seu desenvolvimento, seu alargamento, seu fim.35 Pode-se demonstrar isso na prpria formao de seus exrcitos, cujos soldados ou eram obrigados a se alistar ou no tinham outra opo diante da misria que se alastrava por todos os meios, sem contar os exrcitos como o de Wallenstein, cujos soldados no tinham compromissos com povo algum, diferindo muito do de Gustavo Adolfo, cuja formao era de camponeses extremamente religiosos e nacionalistas.36
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Herbert Langer. Heeresfinanzierung, Produktion und Mrkte fr die Kriesgsfhrung. In BUMANN, Klaus. SCHILLING, Heinz (Hg). 1648. Krieg und Frieden in Europa. (Ausstellungskatalog) Mnster/Osnabrck, 1998. 34 Ibidem. 35 Willi Flemming. Deutsche Kultur im Zeitalter des Barock. Op. cit., p. 414. 36 Ibidem.
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O reconhecimento da vontade nos contratos eletrnicos de consumo
Thiago Gomes Luiz DE PAULA*
Resumo: O presente artigo analisa os reflexos da evoluo tecnolgica sobre a celebrao de contratos no ambiente virtual, em especial, discutindo o reconhecimento da vontade das partes nos contratos de consumo eletrnicos. Palavras-chave: evoluo tecnolgica, contratos, ambiente virtual, consumo eletrnico.
Introduo
No incio duas ou mais pessoas buscavam a satisfao de suas necessidades atravs do acordo onde a palavra era a garantia do cumprimento das obrigaes assumidas. A evoluo tecnolgica, em especial a ocorrida aps o final do sculo XX, proporcionou uma revoluo da informao e comunicao. O encurtamento das distncias proporcionou maior interao dos indivduos por todo territrio nacional e mundial, ocasionando formao de novos mercados at ento inexistentes. A evoluo tecnolgica traz consigo tambm novos problemas que a sociedade busca no direito a soluo desses conflitos. Tendo em vista a crescente comercializao de produtos e servios atravs da internet, o presente trabalho dedica-se a enfrentar o reconhecimento da vontade sob o prisma da relao de consumo virtual.
1. O comrcio eletrnico e os contratos eletrnicos no Brasil
Advogado, Mestre em Direito, Professor do Centro de Educao Tecnolgica Estadual Paula Souza e da UniBR, Faculdade de So Sebastio.
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O comrcio eletrnico, tambm denominado e-commerce, apresentado por Rodney de Castro Peixoto como: [...] a atividade comercial explorada atravs de um contrato de compra e venda com particularidade de ser este contrato celebrado em ambiente virtual, tendo por objeto a transmisso de bens fsicos ou virtuais e tambm servios de qualquer natureza.37 O comrcio eletrnico no Brasil apresenta um crescimento mdio de 6,3% ao ano. O nmero estimado de consumidores eletrnicos em 2008 foi de aproximadamente 13,2 milhes. A maior parte deles encontra-se na faixa etria de 35 a 49 anos, possui ensino superior completo e renda mensal entre 1000 e 3000 reais. Tal dado demonstra que a classe mdia, embora no detenha o acesso internet quando comparado com outros pblicos, representa parcela significativa dos usurios desse servio.38 Os dados apresentados no deixam dvidas do crescimento expressivo dessa forma de comrcio e reforam, consequentemente, a relevncia da discusso proposta no presente trabalho. Entre as razes da larga contratao eletrnica pode-se afirmar que a variedade de produtos, facilidade na aquisio, preos competitivos, disponibilidade 24 horas por dia estimulam o crescimento desse setor no pas, seja o cliente residente nos grandes centros urbanos como tambm aqueles localizados no interior do pas. A abordagem inicial tende a acreditar que o comrcio eletrnico restringe-se esfera privada. Entretanto importante ressaltar que o poder pblico tambm efetua transaes eletrnicas. O prego eletrnico, modalidade de licitao inserida no ordenamento jurdico brasileiro atravs da Lei Federal 10.520/2002, permite que o Poder Pblico licite39 via internet, proporcionando maior agilidade, maior nmero de concorrentes e, consequentemente, menor custo Administrao. Classifica-se o comrcio eletrnico de acordo com a forma de contratao e quanto as partes envolvidas. A forma de contratao pode ser direta ou indireta. Entende-se como contratao direta aquela em que em todas as fases da contratao,
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Rodney de Castro Peixoto. O comrcio eletrnico e os contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 10. ECOMMERCEORG. Quantidade de e-consumidores no Brasil (em milhes). Disponvel em <http://www.e-commerce.org.br/stats.php#topo>. Acesso em: 15 fev 2010. 39 Digenes Gasparini conceitua a licitao como o procedimento administrativo atravs do qual a pessoa a isso juridicamente obrigada seleciona, em razo de critrios objetivos previamente estabelecidos, de interesses que tenham atendido sua convocao, a proposta mais vantajosa para o contrato ou ato de seu interesse. A pessoa obrigada a licitar denominada licitante e a que participa do procedimento da licitao, com a expectativa de venc-la e ser contratada, chamada proponente ou licitante particular, Direito administrativo. 12. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 475.
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desde a oferta at a entrega do produto, ocorrem no mundo virtual. Ilustra tal tipo de contratao os casos de download40 de programas, jogos, vdeos, servios e outros contedos disponibilizados online. J a contratao indireta nada mais seno aquela cujo seu processamento se d por meio virtual entretanto o bem objeto do contrato chega ao cliente fisicamente por meios comuns, em outras palavras, via os tradicionais sistemas de postagem e empresas especializadas no transporte de mercadorias. Quanto os partcipes envolvidos o comrcio eletrnico classificado em B2B business to business, B2C business to consumer e C2C consumer to consumer. A primeira abrange as transaes comerciais realizadas entre empresas e objetivam tornar mais eficaz seus processos produtivos medida que tal forma de negociao permite a reduo dos estoques e custos de produo. J a segunda hiptese versa sobre as transaes realizadas por meio eletrnico entre estabelecimentos comerciais virtuais e o consumidor final. A terceira hiptese compreende a relao entre dois ou mais consumidores que realizam negcios entre si utilizando sites como meio de aproximao, a exemplo o Mercado Livre41. As negociaes no meio virtual se materializam atravs do contrato eletrnico. O contrato eletrnico nada mais seno um negcio jurdico bilateral para constituir, conservar, modificar ou extinguir um vnculo jurdico de carter patrimonial por meio de computadores ou outros aparelhos eletrnicos dotados de conexo com a internet. Quanto a sua natureza jurdica a doutrina diverge se o contrato eletrnico constitui ou no nova modalidade contratual.42 Em razo de suas particularidades Leal o apresenta como nova forma contratual. Souza e Teixeira manifestam contrrios a tal entendimento e afirmam que o elemento diferenciador em relao aos demais contratos reside simplesmente no fato de sua formao estar atrelada execuo ou elaborao promovida por intermdio do ambiente virtual, utilizando computadores conectados internet.43 Sustentar que o contrato eletrnico contrato como outro qualquer significa afirmar que as normas vigentes aplicam-se satisfatoriamente ao meio virtual. Entretanto
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Genericamente o termo download significa realizar a transferncia de arquivos de um computador para outro atravs de uma rede. 41 O site do Mercado Livre est estabelecido no seguinte endereo eletrnico: <http://www.mercado.com.br/ > 42 Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. Contratos eletrnicos: Validade jurdica dos contratos via internet. So Paulo: Atlas, 2009, p. 96. 43 Vinicius Roberto Prioli de Souza. Contratos eletrnicos & validade da assinatura digital. Curitiba: Juru, 2009, p. 75 e Tarcsio Teixeira. Direito eletrnico. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 99.
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sabe-se que tal premissa no verdadeira, pois as partes encontram-se em condio de maior vulnerabilidade, expostos a riscos e fraudes quando comparado com outros contratos. Apesar de no possuir regulamentao especfica, as tnues porm significativas particularidades do contrato eletrnicos so suficientes para caracteriz-lo como um novo tipo contratual e, ao mesmo tempo, demonstram a necessidade de dispositivos legais que proporcionem maior segurana jurdica, conforme demonstrarse- adiante. Em razo da constante evoluo dos termos tcnicos informticos importante estabelecer algumas diferenciaes. O contrato eletrnico no se confunde com contrato informtico. Nesse diapaso esclarece Jos Wilson Boiago Jnior: Outra expresso utilizada o contrato informtico, que so simplesmente contratos que disciplinam a compra e venda ou locao de bens e servios, como a manuteno de hardware, aquisio de software, etc. Assim verificase que os contratos informticos tm por finalidade os bens jurdicos relacionados informtica, enquanto que os contratos eletrnicos propriamente ditos, tm, na realidade, a informtica como meio para estruturao e sua formao.44
O contrato eletrnico apresenta particularidades com relao ao contrato tradicional. Esse tpico analisar no primeiro momento as caractersticas do contrato eletrnico B2C business to consumer, denominados doravante de contratos eletrnicos de consumo, e em seguida as semelhanas e diferenas com relao contratao tradicional. O objetivo de limitar o estudo deve-se ao fato de que os contratos eletrnicos B2B business to business tm como caracterstica principal a negociao de bens de produo, regidos pelas normas do Cdigo Civil e, portanto, divergem da temtica inicial proposta, qual seja, os contratos eletrnicos de consumo. Uma das maneiras de se contratar no ambiente eletrnico se d atravs de comunicadores instantneos45, chats46 e e-mail. Quando celebrados dessa forma so
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Jos Wilson Boiago. Contratao eletrnica: Aspectos jurdicos. Curitiba: Juru, 2005, p. 81. Os comunicadores instantneos podem adotar sistemas de udio, tcnica conhecida como voz por IP, a exemplo Skype, ou sistemas escritos, a exemplo o Windows Live Messenger, Google Talk e Yahoo Messenger. 46 Os chats so salas virtuais de conversao em tempo real, in Tarcsio Teixeira. Direito eletrnico. Op. cit., p.119.
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denominados como contratos eletrnicos interpessoais, classificao doutrinria que toma por base o grau de interao do homem com a mquina.47 Entretanto a maior parcela dos contratos eletrnicos de consumo se d por meio de sites ou lojas virtuais, denominadas juridicamente como estabelecimentos virtuais. No ano passado 17,6 milhes de brasileiros compraram em lojas online e at o final de 2010 estima-se que o faturamento ultrapasse os 13,6 bilhes de reais.48 As contrataes em lojas virtuais guardam algumas caractersticas interessantes. Nelas os negcios so celebrados eletronicamente por meio de contratos de adeso regidos pelo Cdigo de Defesa do Consumidor. A manifestao de vontade se d por meio de um clique do mouse em campos previamente determinados, a exemplo, concordo ou ainda aceito. Tais contratos so classificados pela doutrina como interativos pois resultam de uma comunicao entre uma pessoa e um sistema previamente programado.49 Traadas as caractersticas elementares do contrato eletrnico de consumo surge ento a necessidade de identificar suas diferenas comparao com o contrato tradicional. Inicia-se a partir da viso principiolgica. Os contratos tradicionais, conforme discutido no captulo 1, regem-se pelos princpios da autonomia de vontade, funo social, consensualismo, boa-f, obrigatoriedade da conveno e relatividade dos efeitos contratuais. Alm destes os contratos eletrnicos de consumo, em razo de sua natureza, observam tambm outros princpios ligados ao direito eletrnico50 e do consumidor. No Cdigo de Defesa do Consumidor encontram-se princpios gerais e outros princpios especficos relacionados aos contratos de consumo. Almeida elenca como especficos os princpios da transparncia, boa-f e equidade.51
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Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. Contratos eletrnicos: Validade Jurdica dos Contratos Via Internet. Op. cit., p. 85, Jos Wilson Boiago. Contratao eletrnica: Aspectos Jurdicos. Op. cit., p. 90 e Paulo Antonio Nevares Alves; Priscila Pacheco Nevares Alves. Implicaes jurdicas do comrcio eletrnico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 114. 48 O estudo divulgado pela empresa E-bit recebe o nome de WebShoppers e atualmente encontra-se em sua 21 edio, E-BIT, 2009, p. 08. 49 Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. Contratos eletrnicos: Validade Jurdica dos Contratos Via Internet. Op. ci., p. 86, Jos Wilson Boiago. Contratao eletrnica: Aspectos Jurdicos. Op. cit., p. 92 e Paulo Antonio Nevares Alves; Priscila Pacheco Nevares Alves. Implicaes jurdicas do comrcio eletrnico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 115. 50 A conceituao dessa nova rea do direito ainda no pacfica. Tambm conhecida como direito virtual, direito da informtica e direito digital. 51 Almeida indica tambm a boa-f como principio aplicvel aos contratos de consumo. Observaes a esse princpio foram dispensadas em razo de comentrios j realizados em tpicos anteriores, 2010, p. 138.
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O princpio da transparncia traduz o dever do fornecedor em disponibilizar ao consumidor as informaes claras e corretas acerca do objeto a ser negociado bem como o conhecimento prvio do contedo do contrato a ser celebrado, obrigaes que se materializam no s no art. 4 46 54 do cdigo consumeirista. O princpio da transparncia imprescindvel na contratao eletrnica de consumo pois na maior parte das vezes o consumidor no tem possibilidade de ter contato anterior com o produto ou servio e, portanto, as informaes indicadas no site ou loja virtual so as nicas formas dos clientes determinarem se o bem atender ou no suas necessidades. A falta de informaes ou apresentao incorreta podem induzir o cliente a erro e, consequentemente, levar a aquisies equivocadas ou insatisfatrias. O princpio da equidade, por sua vez, tem por objetivo assegurar o equilbrio de direitos e obrigaes entre os contratantes da relao jurdica de consumo como forma de assegurar a justia contratual. Atrelado isonomia constitucional, tal princpio se revela pertinente na discusso dos contratos eletrnicos de consumo uma vez que a condio de vulnerabilidade do consumidor torna-se ainda maior no ambiente virtual. com fundamento no princpio da equidade que se extraem as proibies de clusulas abusivas55, interpretao contratual em favor do consumidor56 e reviso dos contratos por onerosidade excessiva57, circunstncias essas previstas no Cdigo de Defesa do Consumidor. Com relao ao direito eletrnico os contratos de consumo eletrnicos observam os princpios da equivalncia funcional e conservao. O princpio da equivalncia funcional estabelece que os contratos realizados por meio eletrnico tero os mesmos
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como, respectivamente, nos art. 6, inciso III
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, e art.
A Poltica Nacional das Relaes de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade e segurana, a proteo de seus interesses econmicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparncia e harmonia das relaes de consumo [...].(Art. 4, caput, Lei Federal n 8070/90) 53 So direitos bsicos do consumidor: III - a informao adequada e clara sobre os diferentes produtos e servios, com especificao correta de quantidade, caractersticas, composio, qualidade e preo, bem como sobre os riscos que apresentem. (Art. 6, inciso III, Lei Federal n 8070/90) 54 Os contratos que regulam as relaes de consumo no obrigaro os consumidores, se no lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prvio de seu contedo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreenso de seu sentido e alcance. (Art. 46, Lei Federal n 8070/90) 55 So direitos bsicos do consumidor: IV - a proteo contra a publicidade enganosa e abusiva, mtodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra prticas e clusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e servios. (Art. 6, inciso IV, Lei Federal n 8070/90) 56 As clusulas contratuais sero interpretadas de maneira mais favorvel ao consumidor. (Art. 47, Lei Federal n 8070/90) 57 So direitos bsicos do consumidor: V - a modificao das clusulas contratuais que estabeleam prestaes desproporcionais ou sua reviso em razo de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. (Art. 6, inciso V, Lei Federal n 8070/90)
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efeitos jurdicos e validade dos meios escritos ou verbais. Tal princpio traz segurana s contrataes eletrnicas e, embora seja apontado atualmente somente na doutrina, se faz presente na maioria dos projetos de lei em discusso acerca do comrcio eletrnico no pas58.59 Apesar de possuir caractersticas particulares, tanto o contrato eletrnico como o comrcio eletrnico no possuem atualmente regulao especfica. Tal situao no afasta a possibilidade de atuao do direito no ambiente virtual em razo do princpio da conservao. O princpio da conservao pode ser compreendido como a regra elementar do direito eletrnico pela qual se aplica a legislao geral na ausncia ou lacuna de dispositivos legais especficos. Nesse ponto importante mencionar a observao de Guilherme Magalhes Martins: Alguns problemas relativos matria em estudo podem ser facilmente resolvidos por intermdio da adaptao das normas jurdicas existentes, como ocorre no campo da interpretao do contrato, da disciplina das respectivas clusulas, da responsabilidade civil ou da liberdade de expresso, dentre outros; porm h searas que exigem uma nova regulamentao, no se mostrando suficientes os esquemas tradicionais, tais como a formao, prova e forma do contrato, bem como no que tange aos meios de pagamentos.60 Os contratos eletrnicos de consumo observam os mesmos requisitos de validade exigidos aos contratos tradicionais, regidos pelo art. 104 do Cdigo Civil, quais sejam, a capacidade, objeto e forma. A particularidade do contrato eletrnico de consumo quanto a capacidade reside da dificuldade em saber se consumidor e fornecedor esto aptos civilmente para efetuar contratos. A distncia entre as partes, a no apresentao de documentos para comprovar se a pessoa quem apresenta ser e a possibilidade de utilizao dos dados de terceiros favorecem a ocorrncia de fraudes, contrataes eivadas de nulidade ou ainda passveis de anulao.
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Vide comentrios acerca dos projetos de lei em tramitao no item 3.4. Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. Contratos eletrnicos: validade jurdica dos contratos via internet . Op. cit., p. 89. 60 Guilherme Magalhes Martins. Boa-f e contratos eletrnicos via internet. In: Gustavo Tepedino [Coord.] Problemas do direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 141.
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Maiores comentrios acerca da capacidade e identificao das partes sero trabalhadas a seguir na discusso do reconhecimento da vontade. Todavia oportuno mencionar a maioria dos sites e lojas virtuais, adotam atualmente avisos claros e expressos acerca da no contratao com menores de idade assim como o preenchimento de formulrio com dados pessoais tais como Cadastro de Pessoa Fsica, Registro Geral, e-mail e data de nascimento a fim de evitar tais riscos.61 O objeto na contratao eletrnica tambm deve ser lcito, possvel, determinado ou determinvel. Podem ser corpreos, de maneira que a contratao tem incio no ambiente virtual e concluso com a entrega do produto ou servio, ou ainda incorpreo, situao de comercializao de bens imateriais tal como o download de certo programa. Embora a maioria dos contratos eletrnicos de consumo sejam de adeso, aqueles cujas clusulas so pr-dispostas, no se pode afirmar que esta sua forma obrigatria. Assim como nos contratos tradicionais, conforme menciona o art. 107 do Cdigo Civil62, a forma de contratao eletrnica livre, salvo nos casos exigidos expressamente em lei. O problema surge no momento de executar esse contrato por via judicial. Apesar da existncia de mecanismos que permitam atribuir validade aos documentos jurdicos, a exemplo assinatura eletrnica e outras tecnologias tratadas no tpico seguinte, os contratos eletrnicos de consumo no possuem por si s eficcia executiva pois, segundo o art. 585, inciso II do Cdigo de Processo Civil, se faz necessrio no s a assinatura do devedor como tambm outras duas testemunhas. Jos Wilson Boiago Jnior aponta o caminho a ser adotado nesses casos:
Dessa forma, como no h possibilidade de se apor a assinatura eletrnica de duas testemunhas em um contrato eletrnico, verifica-se que este tipo de contrato, ao ser instrudo em uma demanda judicial, dever ser a ao tramitada pelo rito ordinrio, sumrio ou pelo procedimento monitrio, conforme o caso.63 Tal qual no contrato celebrado pelas vias tradicionais, o contrato eletrnico de consumo preserva as trs fases, quais seja, negociao preliminar, proposta e aceitao, porm com caractersticas peculiares.
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Jos Wilson Boiago. Contratao eletrnica: Aspectos Jurdicos. Op. cit., p. 101. Art. 107. A validade da declarao de vontade no depender de forma especial, seno quando a lei expressamente a exigir. (Art. 107, Lei Federal n 10406/02) 63 Jos Wilson Boiago. Contratao eletrnica: Aspectos Jurdicos. Op. cit., p. 101.
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Nas negociaes preliminares as partes trocam idias, estudam e manifestam seus entendimentos com relao ao contrato a ser firmado. Se a relao de consumo for estabelecida atravs e-mails, sites64, chats ou comunicadores instantneos, em outras palavras, as contrataes eletrnicas interpessoais, h que se falar na possibilidade de ocorrncia das tratativas. Se a relao de consumo for estabelecida atravs das lojas virtuais, nas contrataes denominadas doutrinariamente de interativas, afirma-se que, em razo das clusulas pr-estabelecidas, inexiste a figura da negociao preliminar. A proposta a fase em que uma das partes declina outra sua vontade definitiva de contratar. Tanto na esfera do direito civil como do consumidor pode ser caracterizada como uma declarao unilateral de vontade do proponente com fora vinculante. Por observar o Cdigo de Defesa do Consumidor, a proposta nos contratos eletrnicos de consumo denominada oferta, nos termos do art. 30 da respectiva legislao. Quem realiza a oferta o fornecedor que nessa forma de contratao virtual ser o site ou loja virtual65. O cdigo consumeirista estabelece no art. 31 as caractersticas da oferta: A oferta e apresentao de produtos ou servios devem assegurar informaes corretas, claras, precisas, ostensivas e em lngua portuguesa sobre suas caractersticas, qualidades, quantidade, composio, preo, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam sade e segurana dos consumidores.66
As informaes no se restringem aos produtos e servios comercializados. Os fornecedores no ambiente virtual, em consonncia com os princpios da transparncia e boa-f, devem disponibilizar em seus endereos eletrnicos dados de contato tais como endereo fsico, telefones e e-mails em locais que permitam sua fcil identificao do usurio e potencial consumidor. Cabe mencionar ainda a questo da responsabilidade do fornecedor diante da oferta. nesse ponto em que se encontram as maiores diferenas da proposta do diploma civilista em relao ao do consumidor.
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Embora a loja virtual no deixe de ser tambm um site, utilizaremos os termos de forma distinta no trabalho para fins didticos. Por loja virtual entender-se- a empresa que explora o comrcio eletrnico utilizando-se primordialmente de sistemas informticos que permitam a interao e celebrao de contratos diretamente com o consumidor. J o termo site ser empregado para referir-se aqueles que exploram o comrcio na internet mas celebram contratos tipicamente interpessoais. 65 A diferena entre loja virtual e site apontada na nota 55. 66 (art. 31, Lei Federal n 8070/90)
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O art. 34 do Cdigo de Defesa do Consumidor determina a responsabilidade solidria do fornecedor perante os atos de seus prepostos ou representantes autnomos. Aplicando o dispositivo ao comrcio eletrnico chega-se a concluso de que se determinado fornecedor eletrnico contrata os servios de outro site especializado em busca e pesquisa de preos na internet e este ltimo veicula de seus produtos ou servios incorretamente no h possibilidade de escusa no cumprimento da oferta, salvo nos casos de erro visvel na mensagem67. As conseqncias diante da recusa no cumprimento da oferta tambm diferem do contrato tradicional em relao ao eletrnico de consumo. No primeiro a recusa implica somente em perdas e danos enquanto no segundo, protegido pela legislao consumeirista, oferece ao consumidor, alternativamente e sua livre escolha, a possibilidade de exigir o cumprimento forado da obrigao, aceitar outro produto ou prestao de servio equivalente ou ainda, em ltimo caso, rescindir o contrato, com direito restituio de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos o cumprimento68. A aceitao nada mais seno a declarao de vontade que revela concordncia com os termos da proposta. No ambiente eletrnico encontramos dificuldades na verificao dessa aceitao e, consequentemente, formao do contrato eletrnico de consumo. A legislao consumeirista nada fala a respeito, entretanto, utilizando subsidiariamente o Cdigo Civil, chega-se a algumas concluses. Nos contratos interpessoais a manifestao de vontade varia de acordo com a simultaneidade do meio eletrnico utilizado. Se permite a comunicao direta e instantnea entre as partes considera-se o contrato formado com a manifestao imediata nos casos em que o ofertante no estipular prazo para a aceitao69. Caso conceda prazo para a aceitao do consumidor, reputar-se- concludo se a vontade manifestada dentro do prazo70.
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Entende-se como erro visvel na mensagem aquela oferta evidentemente falha que contrarie qualquer padro regular e usual de preo de venda do produto daquele tipo, in Luis Antonio Rizzato Nunes. Curso de direito do consumidor. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p.417 68 Se o fornecedor de produtos ou servios recusar cumprimento oferta, apresentao ou publicidade, o consumidor poder, alternativamente e sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forado da obrigao, nos termos da oferta, apresentao ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestao de servio equivalente; III - rescindir o contrato, com direito restituio de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. (Art. 35, Lei Federal n 8070/90) 69 Fundamento Legal: Art. 428. Deixa de ser obrigatria a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, no foi imediatamente aceita. Considera-se tambm presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicao semelhante. (Art. 428, Lei Federal n 10406/02)
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Embora nos casos acima a lei exija simplesmente a manifestao imediata ou no prazo, entende-se que essa resposta deve ser dada, para fins de caracterizar a aceitao, no somente dentro da data estipulada como tambm pelo mesmo meio de comunicao direto e instantneo utilizado no oferecimento da proposta, salvo nos casos em que o ofertante conceda outros meios para manifestar a aceitao. Se a comunicao no for instantnea entre as partes, a exemplo por meio do email, o art. 434 do Cdigo Civil71 determina que tome a aceitao como o momento da expedio, exceto nos casos em que antes ou ao mesmo tempo da aceitao chegar a retratao do aceitante e nas hipteses em que o ofertante determinar a configurao da aceitao no momento em que ele receber a resposta72. Os contratos interativos so mais freqentes no comrcio eletrnico e, em razo de seu dinamismo peculiar, a manifestao de vontade mais simples. Como o cliente interage com um sistema pr-programado da loja virtual a aceitao se d com o clique em campos previamente determinados tais como confirmo ou aceito aps o preenchimento do formulrio com os dados cadastrais do cliente e escolha das condies de pagamento. Logo o critrio para a aceitao aplicvel nesse tipo de contratos o momento da expedio, previsto no art. 434, caput, do Cdigo Civil. Importantes consideraes cabem ao local de formao dos contratos eletrnicos de consumo. Durante sua celebrao as partes envolvidas no se encontram na mesma localidade fsica e, considerando a possibilidade negocial mundial proporcionada pela Internet, h possibilidade que estejam ou no situadas no territrio nacional. Inicialmente vejamos a determinao do local de partes residentes em territrio nacional. Nesse caso tanto nos contratos tradicionais como aos eletrnicos de consumo aplica-se, via de regra, o disposto no art. 435 do Cdigo Civil, ou seja, o local onde foi proposto. No ambiente eletrnico nem sempre esse local ser de fcil determinao pois a loja virtual ou site pode apresentar em locais distintos seu endereo fsico, domnio e
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Fundamento Legal: A aceitao fora do prazo, com adies, restries, ou modificaes, importar nova proposta. (Art. 431, Lei Federal n 10406/02) 71 Fundamento Legal: Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitao expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela no chegar no prazo convencionado. (Art. 434, Lei Federal n 10406/02). 72 O inciso III do art. 434 no foi citado por questes bvias. Corroborando pensamento expresso nesse trabalho Gonalves esclarece que Se h prazo convencionado e a resposta no chega no intervalo determinado, no houve acordo e sem ele no h contrato in Carlos Roberto Gonalves. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. So Paulo: Saraiva, 2004. v.3, p. 60. .
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servidor onde seu sistema est hospedado. Nesse ponto a definio legal supracitada parece-nos insuficiente para determinar qual dos endereos considerar-se- como local da formao do contrato de consumo eletrnico. Por mais que seja virtualizada a atividade comercial no se deve esquecer que o proponente em algum lugar est estabelecido fisicamente. Uma soluo possvel nesse caso a identificao domiclio oficial elegido pelo proponente. Se o fornecedor possuir domiclio ou representao constituda no Brasil aplica-se a legislao consumeirista nas contrataes eletrnicas de consumo praticadas por seus sites ou lojas virtuais. Se o fornecedor estiver fora do pas o contrato de consumo eletrnico sujeitarse- pela ao disposto no art. 9, 2 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil73 que determina a aplicao da lei do domiclio do proponente. Tal fundamento legal poderia trazer prejuzos e danos aos consumidores brasileiros em razo das eventuais e menores protees da relao de consumo da legislao estrangeira. Sheila do Rcio Cercal dos Santos Leal em seus estudos afirma, fundamentando no art. 17 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil
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e art. 1, caput, da Lei Federal n
8078/9075, que a proteo e defesa do consumidor so questes de ordem pblica e, portanto, a aplicao de norma estrangeira s ter eficcia quando no ofender o disposto no cdigo consumeirista nacional.76 Cabem ainda alguns comentrios acerca do foro para discusso judicial dos contratos de consumo eletrnicos. Para os celebrados no pas considera-se foro o domiclio do consumidor, por inteligncia do art. 101, inciso I, do Cdigo de Defesa do Consumidor. Aos contratos internacionais de consumo celebrados dentro pas o foro competente ser o Brasil contudo dever observar a legislao do pas proponente, salvo nos casos em que a norma estrangeira contrariar legislao consumeirista ptria, segundo entendimento da supracitada Sheila Rcio. A aplicao de legislao estrangeira nos contratos internacionais, embora definida em lei, no se revela eficiente pois necessita de homologao no pas
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A obrigao resultante do contrato reputa-se constituda no lugar em que residir o proponente. (art. 9, 2 do Decreto-Lei n 4657/42) 74 Art. 17. As leis, atos e sentenas de outro pas, bem como quaisquer declaraes de vontade, no tero eficcia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pblica e os bons costumes. (art. 17 do Decreto-Lei n 4657/42) 75 O presente cdigo estabelece normas de proteo e defesa do consumidor, de ordem pblica e interesse social, nos termos dos art. 5, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituio Federal e art. 48 de suas Disposies Transitrias. (art. 1 da Lei Federal n 8078/90) 76 Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. Contratos eletrnicos: Validade Jurdica dos Contratos Via Internet. Op. cit., o. 120.
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estrangeiro para ser cumprida. H que se registrar a possibilidade do consumidor pleitear diretamente sua ao no pas do proponente mas, conforme o perfil dos consumidores virtuais brasileiros, verifica-se que tal hiptese demasiadamente custosa para nossos padres e praticamente invivel. A caracterizao e comparao do contrato eletrnico de consumo com o tradicional evidencia que o ordenamento jurdico brasileiro atual, assim como a maioria dos demais pases, no foi concebido para lidar adequadamente com as necessidades de uma sociedade cada vez mais global e conectada.
2. O reconhecimento da vontade nos contratos eletrnicos
O intenso processo de virtualizao das relaes na sociedade da informao e a proliferao dos contratos em massa trazem tona novas discusses acerca da manifestao da vontade nas contrataes eletrnicas. A distncia que favorece a concorrncia e variedade de produtos a mesma que causa problemas nessa discusso pois, assim como nos contratos tradicionais, as partes envolvidas via de regra no dispem de meios para avaliar com segurana se a manifestao de vontade partiu de fato dos contratantes ou se o contrato eletrnico no sofreu em algum momento uma adulterao. Sabedores de que os contratos de papel tendem a cada vez mais dar lugar ao contrato digital, o objetivo do presente tpico analisar os problemas e dificuldades encontrados atualmente no reconhecimento da vontade no ambiente virtual bem como as medidas propostas pela doutrina e legislao para conferir maior segurana nas contrataes eletrnicas, especialmente naquelas voltadas relao de consumo, objeto do trabalho. Alm das exigncias legais previstas no Cdigo Civil, Cdigo de Defesa do Consumidor e outras indicadas anteiormente, os contratos eletrnicos merecem a observncia de outros requisitos, entre eles, a autenticidade, integridade e privacidade. Por autenticidade entende-se todos os mecanismos e procedimentos adotados para assegurar a real identificao das partes contratantes, evitando que terceiros assumam obrigaes em nome outrem. No intuito de inibir fraudes e proporcionar maior
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segurana a maioria dos sites e lojas virtuais adotam atualmente o preenchimento de cadastro com vrias informaes do consumidor antes de efetivar a compra77. Se contratos em papel so passveis de falsificaes ou adulteraes o mesmo se diga dos contratos eletrnicos. Nesse sentido, apresenta Augusto Tavares Marcacini78: No estando presos aos meios em que foram gravados, os documentos eletrnicos so prontamente alterveis, sem deixar qualquer vestgio fsico. Textos, imagens ou sons, so facilmente modificados pelos prprios programas de computador que os produziram, ou se no, por outros programas que permitam edit-los, byte por byte.79
Por essa razo afirma-se que os contratos eletrnicos de consumo devem possuir mecanismos protetores de sua integridade, em outras palavras, que impeam a modificao de seu contedo ou, ocorrendo tal condio, permitam sua identificar a existncia de adulterao aps sua concepo. O ltimo requisito recomendado aos contratos eletrnicos a privacidade. Tem por objetivo evitar a exposio do contedo das mensagens a pessoas estranhas relao contratual bem como a assegurar a privacidade dos dados particulares dos contratantes. Em termos gerais pode-se afirmar que o dever de assegurar essas condies contratuais no meio eletrnico recai a quem oferece o produto ou servio que, na relao de consumo, no outro seno o fornecedor. O crescimento do comrcio eletrnico, bem como as dificuldades enfrentadas no reconhecimento da vontade no ambiente virtual, impulsionaram o desenvolvimento de novas tecnologias que proporcionaram no s maior segurana como tambm a garantia da validade e eficcia probatria do contrato eletrnico. Uma dessas tecnologias a biometria. Utilizando do reconhecimento dos padres de voz, exame de retina ou impresses digitais o sistema automatizado identifica um determinado indivduo de acordo com sua caracterstica fisiolgica que
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Diversamente aos requisitos elencados no trabalho, Jos Wilson Boiago Jnior refere-se a autenticao no somente no tocante identificao das partes contratantes como tambm ao contedo da mensagem, p. 84 78 Augusto Tavares Marcacini apud Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. Contratos eletrnicos: Validade Jurdica dos Contratos Via Internet. Op. cit., p. 155. 79 Sequncia constituda de um nmero fixo de bits adjacentes, considerada como a unidade bsica de informao, e cujo comprimento geralmente constitudo de 8 bits; octeto, in Ferreira, 2009.
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nica.80Apesar do custo elevado trata-se de uma tendncia para o futuro pois dificulta consideravelmente a possibilidade de manipulao bem como dispensa o uso de inmeros cartes, senhas e outros registros. Na atualidade a tecnologia mais utilizada vale-se de mtodos criptogrficos. A criptografia, oriunda do grego kypts e grafos, consiste na tcnica de redigir mensagens em cifras ou cdigos de forma a torn-la incompreensvel a outras pessoas que no o remetente e destinatrio. Tal sistema vale-se de duas operaes bsicas. A encriptao transforma o contedo da mensagem em cdigos e a descriptao o processo inverso, tornando a mensagem inteligvel. Sua importncia nos contratos eletrnicos ressaltada por Vinicius Roberto Prioli de Souza:
[...] para que os contratantes tenham a plena certeza do que foi contratado da autenticidade das informaes e, ainda, da identidade do outro contratante -, se faz necessria a utilizao da criptografia como meio de segurana nas relaes virtuais.81 Existem modernamente dois mtodos criptogrficos: simtrico e o assimtrico. Tambm conhecida como criptografia tradicional, no sistema simtrico a chave secreta utilizada para codificar a mensagem a mesma para descodific-la, o que exige seu conhecimento tanto pelo emissor como para o receptor.82 A desvantagem de sua utilizao deve-se a dificuldade de assegurar que a chave secreta chegar ao destinatrio sem o conhecimento anterior de terceiros. Outro fator negativo e, certamente o preponderante, recai sobre o fato de que o referido mtodo no possui tanta confiabilidade uma vez que, sendo a chave que gera o documento idntica a que permite a visualizao, qualquer pessoa que conhec-la poder no s ter acesso ao contedo da mensagem como tambm alter-la, inviabilizando como instrumento na verificao da manifestao de vontade. J o sistema assimtrico trabalha com um par de chaves, sendo uma privada e outra pblica. A chave privada, sigilosa e de uso exclusivo do seu proprietrio, responsvel pela codificao do documento enquanto a pblica, disponvel ao
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Matte, 2002, p. 47. Vinicius Roberto Prioli de Souza. Contratos eletrnicos & validade da assinatura digital. Op. cit., p.118. 82 Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. Contratos eletrnicos: Validade Jurdica dos Contratos Via Internet. Op. cit., p. 160.
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conhecimento do destinatrio, serve para que este ltimo descodifique o documento enviado, verifique a identidade do remetente e o recebimento integral das informaes. Jos Wilson Boiago Jnior apresenta a razo de seu largo emprego, inclusive nos servios prestados entre os clientes e a instituio bancria:
A principal vantagem da tcnica de chave pblica [criptografia assimtrica] em relao tcnica de chave secreta [criptografia simtrica] o fato de existir maior segurana, tendo em vista que a chave privada no precisa ser transmitida ou revelada por qualquer outra pessoa, pois, no caso da criptografia simtrica, sempre existir a possibilidade de um terceiro estranho tomar conhecimento da chave secreta.83 O desenvolvimento criptografia assimtrica permitiu o desenvolvimento da chamada assinatura eletrnica, recurso capaz de revelar no s a identidade do destinatrio e possveis adulteraes no curso do envio como tambm a manifestao da vontade de contratar de forma inequvoca tal qual nos documentos reais. importante ressaltar que a assinatura digital uma sequncia de bits baseada em processos matemticos que no se confunde com a imagem digitalizada de uma assinatura manuscrita ou ainda com outras senhas utilizadas no acesso de sistemas tais como nos sites de relacionamento84. Uma das dificuldades no emprego da assinatura eletrnica seria saber se a chave pblica apresentada corresponde de fato a quem diz ser. Por essa razo e para maior segurana as assinaturas eletrnicas devem ser certificadas digitalmente. A certificao digital tem por finalidade atestar a titularidade de uma chave pblica e realizada por uma entidade denominada Autoridade Certificadora, responsvel pela emisso, renovao e revogao dos certificados. Em suas lies, Souza compara didaticamente a certificao digital a uma espcie de Registro Geral do mundo online, proporcionando segurana nas transaes financeiras celebradas no mundo virtual.85 No pas a certido digital foi normatizada atravs da Medida Provisria n 2.2002 de 24 de agosto de 2001 que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Pblicas Brasileira 83 84
Jos Wilson Boiago. Contratao eletrnica: Aspectos Jurdicos. Op. cit., p.70. Vrios usurios da internet utilizam dos servios de sites de relacionamento visando fazer novas amizades, encontrar grupos de interesses semelhantes, reencontrar amigos entre outros. Para participar necessrio, via de regra, a criao de uma conta no site com nome de usurio e senha que ser utilizado a cada acesso ao sistema. 85 Vinicius Roberto Prioli de Souza. Contratos eletrnicos & validade da assinatura digital. Op. cit p.118.
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ICP-Brasil, conferindo, dessa forma, a mesma validade jurdica dos documentos e contratos celebrados pelas vias tradicionais.
Concluso
O avano da tecnologia coloca a cada dia novos desafios a serem discutidos pelo direito. Embora seja ainda um tema recente, a preocupao com a manifestao da vontade vem ganhando importncia medida que os contratos e o consumo se tornam cada vez mais virtualizados. Nesse sentido, verifica-se que regulamentao do sistema de chaves pblicas constitui importante marco legal nas contrataes eletrnicas e que, se aplicadas amplamente ao comrcio eletrnico, tendem a trazer maior segurana e credibilidade aos consumidores e, consequentemente, um maior volume de negcios realizados. Por fim, conclui-se que a inevitvel evoluo tecnolgica traz reflexos diretos sociedade. Isso exige cada vez mais preparao do Estado para lidar com essas questes. A discusso exaustiva, como a proposta no presente trabalho a primeira etapa na busca de solues justas aos conflitos da vida moderna.
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Baudelaire e a correspondncia das artes

lvaro Cardoso GOMES*
Resumo:Este artigo trata das concepes estticas de Baudelaire, tendo como ncleo a questo das correspondncias das artes. O poeta, em sua vertente de crtico, concebe a correspondncias entre as artes, tendo em mira manter, no plano da criao artstica, da crtica e do comentrio esttico, um liame com as correspondncias universais ou, pelo menos, tenta encontrar, por meio de um sucedneo artstico, uma unidade que a realidade circundante ou mesmo a natureza no pode lhe oferecer. Palavras-chave: correspondncias, esttica, artes plsticas, Sales.
O princpio da Correspondncia das Artes percorre toda a obra de Baudelaire com insistncia e tem no s uma explicao esotrica, mstica (a exemplo do soneto Correspondances, por exemplo), como tambm permite uma explicao puramente esttica.86 Ao escrever o necrolgio de Delacroix, Baudelaire diz que na obra do pintor francs havia algo de misterioso que se manifestava pelo invisvel, pelo impalpvel, pelo sonho, pelos nervos, pela alma, conseguido apenas atravs do contorno e da cor, com a perfeio de um pintor consumado, com o rigor de um literato sutil, com a eloqncia de um msico apaixonado.87 O poeta concebe a correspondncia entre as artes, visando a manter um liame entre elas e as
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lvaro Cardoso Gomes, professor Titular da Universidade de So Paulo (FFLCH), doutor em Literatura Portuguesa pela mesma universidade. Atualmente trabalha no mestrado da Universidade de Santo Amaro. Foi Visiting Professor da University of California, Berkeley e Writer in Residence no Middlebury College. tambm romancista. alcgomes@uol.com.br.
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Na realidade, separar, em Baudelaire, o esotrico e o mstico do esttico significaria mesmo romper com o fluxo eternamente vital de seu pensamento, significaria romper a linha da correspondncia universal que, nele, obedece ao princpio de fazer da arte um meio de traduzir a harmonia entre todas as coisas que os msticos e esotricos sempre perseguiram. 87 Charles Baudelaire. Oeuvre et Vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, Paris: Garnier, 1962, p. 424.
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correspondncias universais. Sua esttica coerente com uma tica ou com uma metafsica como veremos adiante, o trabalho artstico (e mesmo intelectual) um meio para se superar a ciso, a ruptura com uma hipottica unidade e para instaurar ordem, harmonia no caos existente. A correspondncia das artes vem, portanto, cumprir esse desiderato. Contudo, em se tratando da correspondncia entre as artes, Baudelaire acabou por condenar um procedimento artstico comum na poca, que era o de fazer uma pintura potica ou de buscar uma forada correspondncia entre as artes. o que ele critica na arte de um pintor medocre da poca, seu contemporneo:
M. Ary Scheffer apercebeu-se, um pouco tarde sem dvida, que no tinha nascido pintor. Desde ento era preciso recorrer a outros meios; e ele pediu ajuda e proteo poesia. Erro ridculo por duas razes: de incio a poesia no o fim imediato do pintor; quando ela se encontra misturada pintura, a obra no melhor por isso e nem pode disfarar as fraquezas. Procurar a poesia de parti pris na concepo de um quadro o meio mais seguro de no a encontrar. Ela deve vir sem o conhecimento do artista.88
Tomadas as precaues necessrias para se evitar o parti pris da correspondncia das artes, Baudelaire admite existir entre elas uma unidade natural. Pelo menos, entre a pintura, a msica e a literatura89, h um princpio comum que ser reconhecido como a poesia, que se atinge quanto o poeta (ou o pintor) se serve de determinados faculdades intelectuais, como a curiosidade, a contemplao, o devaneio, a memria, a imaginao. Nesse sentido, levando s ltimas consequncias essa ideia de plena correspondncia entre as artes, Baudelaire trata indistintamente da poesia e da pintura como artes afins, que nascem de influxos semelhantes e que causam efeitos similares nos leitores e espectadores. No toa que, vrias vezes, Baudelaire tenha chamado Delacroix de poeta ou mesmo tenha chegado a coloc-lo acima de Victor Hugo, no que diz respeito expresso do sentimento potico: Victor Hugo se tornou um pintor em poesia; Delacroix, sempre respeitoso de seu ideal, , s vezes, sem o seu conhecimento um poeta na pintura.90 Em Victor Hugo, o comentrio tem um sentido negativo, porque Baudelaire d a entender que o poeta e romancista romntico teria
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Ibidem, p. 170-171. Baudelaire afasta a escultura do ranking dessas artes supremas, ao argumentar, de maneira exageradamente categrica (em flagrante contradio com seus princpios de crtico imparcial), que ela tem vrios inconvenientes que so a conseqncia necessria de seus meios. Brutal e positiva co mo a natureza, ao mesmo tempo vaga e inapreensvel porque mostra vrias faces de uma s vez, Ibidem, 168. 90 Ibidem, p. 117.
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orientado sua obra na direo de um princpio mimtico. Por outro lado, no que diz respeito a Delacroix, o comentrio positivo: a contaminao potica de uma pintura, quando no realizada de caso pensado (sem o seu conhecimento), tem necessariamente um sentido, porque evita a mimese, evita que a obra de arte se torne simples cpia da realidade. O potico ser assim o elo entre os trs tipos de arte a pintura, a msica, a literatura , a essncia procurada por todo artista, aquele vago, aquele indefinido que vibrar na alma do espectador, do ouvinte, do leitor sensvel, provocando-lhe uma comoo especial. Ao defender a correspondncia das linguagens artsticas, Baudelaire elege trs mestres espirituais, a saber, Delacroix, Wagner e Poe. Somente que pensaramos numa hierarquia entre eles: em primeiro lugar, viria o poeta americano, que influencia Baudelaire com suas teorias acerca do belo, da arte pela arte, do descompromisso com o didtico e da fora da imaginao. Em segundo lugar, Delacroix que, ao enveredar por uma pintura sugestiva por excelncia, leva Baudelaire a construir sua teoria pictrico-potica baseada na rejeio da cpia da natureza e na supremacia do imaginativo.91 Em terceiro lugar, viria Wagner que o influencia com a sua idia de arte total, englobando a msica, a representao e a literatura. Mas nessa hierarquia algo chama logo a ateno: embora Poe tenha aparentemente oferecido maior contribuio teoria esttica de Baudelaire, este contemplou a Delacroix com estudos mais extensos do que os dedicados ao autor de O corvo (na edio Garnier das obras de Baudelaire, verifica-se que os trs estudos dedicados a Delacroix compreendem um total de 64 pginas; os dois estudos dedicados a Poe, 45 e o estudo dedicado a Wagner, 32) Mas no somente isso: a base da esttica baudelaireana quase toda fundada na pintura e no na literatura (outra simples observao estatstica nos permite ver que, ainda na edio Garnier da obra esttica de Baudelaire, 531 pginas foram reservadas s artes plsticas e 269 literatura e para a msica-poesia de Wagner). Como entender o aparente paradoxo? H algumas explicaes possveis. Henri Lemaitre comenta a respeito do assunto:
se, por exemplo, no conjunto da bor crtica de Baudelaire, a parte literria , no total, bastante inferior parte artstica, que, precisamente, a literatura contempornea, na Frana, contava com um nmero de escritores importantes,
91
Para Bernard Howells, a influncia de Delacroix sobre Baudelaire explica-se pelo seguinte: ele tem o tipo do temperamento dominante que transforma experincia num consistente, unificado estilo e d a suas telas aquela forte e subjetiva coerncia que Baudelaire procura como alternativa para a contingncia da natureza, Baudelaire: portrait of the artist in 1846, Charles Baudelaire, New York: Chelsea House Publishers, 1987, p. 98.
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mas nenhum que possusse verdadeiramente a virtude da estimulao, essa virtude que Baudelaire procura revelar.92 Se, em parte endossamos a opinio de Lemaitre, tambm somos tentados a v-la como insuficiente para resolver a questo. Se, talvez, os escritores franceses da poca ( exceo de um Thophilde Gautier que Baudelaire venerava como um mestre) no conseguissem estimul-lo, por que Baudelaire no poderia conseguir um estmulo fora de seu pas? No foi o que aconteceu com Poe? Na carta dirigida a Armand Fraisse, Baudelaire diz que, ao ficar familiarizado com Poe, experimentou uma emoo peculiar.93 Numa das cartas dirigidas me, refere-se incrvel atrao exercida pelo escritor americano sobre ele. Assim, o problema no se restringe somente a uma questo de inexistncia de escritores contemporneo de Baudelaire que o estimulassem; essa sua fascinao pelas artes plsticas talvez se explique devido ao incio do predomnio da imagem visual, que seria talvez estimulada pelo aparecimento da fotografia na poca do poeta. Em decorrncia desse interesse pelo visual, as artes plsticas se popularizam entre a burguesia. O crtico Timothy Raser afirma que a vida de Baudelaire coincidiu com o perodo de maior importncia do Salo anual e dos compte rendus (apreciaes) dessas exposies conhecidas como Sales. Antes da revoluo francesa, essas mostras haviam sido bem menores, consistindo essencialmente na exibio dos prprios trabalhos dos acadmicos.94 Cremos, assim, que Baudelaire tem sua ateno afetada pelo fenmeno da ecloso da imagem visual devido a trs fatores principais. Primeiramente, porque na pintura que ele encontrar, de maneira mais flagrante, um sensualismo, ou seja, um servilismo maior ao princpio imitativo que tanto lhe repugnava e que tanto lhe estimulava a veia crtica. Por razes bvias, esse tipo de arte, bastante popular no sculo XIX, presta-se mais mimese do que s outras artes. Parece que mais na pintura do que no folhetim e no teatro (outros tipos de artes populares) que esse problema se colocava de maneira aguda, o que fez com que Baudelaire se debruasse com tanta ateno no apenas sobre a obra dos gnios do perodo (Delacroix, Ingres, Courbet, Corot), mas tambm sobre a obra dos artistas responsveis pelos gneros menores, como a aquarela, o retrato, a paisagem, a caricatura, etc. Em segundo lugar, se s considerarmos a ateno dada a artistas de
Henri Lemaitre. Preface a Oeuvre et Vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, Paris: Garnier, 1962, p. XXIV. 93 Charles Baudelaire. Lettres de Baudelaire. Paris: Mercure de France, 1907, p. 46.
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Timothy Raser. Baudelaire and the Salon, A poetic of art criticism: the case of Baudelaire, Chapel Hill: University of North Carolina, 1989, p. 73
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segundo plano, acreditamos que Baudelaire viu nesse universo de exposies sempre renovadas a marca registrada da modernidade. E qual seria essa marca registrada? Para Baudelaire, o belo teria uma composio dupla, pois seria feito de um elemento eterno, invarivel e de um elemento relativo, circunstancial95, ou seja, na era moderna, j no mais se admite o belo absoluto, na medida em que ele no refletiria a multiplicidade da poca. Desse modo, o belo s pode ser admitido como tal, se contiver em si algo de relativo, de circunstancial. E onde encontrar esse belo circunstancial? Na moda e nos Sales, onde abundava um tipo de arte de circunstncia. E acontece que essa arte de circunstncia sofre uma metamorfose: h como que a preservao do efmero ou a estetizao do que passageiro, quando um efmero e descartvel objeto, ao ganhar o espao de um salo (e no de um museu), adquire, mesmo que num curto espao de tempo, a aura de obra de arte e sua cota de eternidade. Recorramos novamente ao auxlio de Baudelaire: em Le peintre de la vie moderne, ao tratar dos artistas de segundo escalo, ele no s privilegia a moda, como tambm d a ela o estatuto de arte: Por tanto amar a beleza geral, que expressa pelos poetas e artistas clssicos, no estaria menos errado quem negligenciasse a beleza particular, a beleza de circunstncia e o trato dos costumes. Na sequncia, Baudelaire fala da diferena entre a contemplao das vestes num quadro clssico e nas modas francesas. No primeiro caso, as vestes podem recuperar a luz, podem fremir, vibrar, ganhar vida, atravs da imaginao do espectador. No o que acontece no segundo caso: nada h de surpreendente nelas, nada h que magnetize o espectador; na passagem dos sculos, h sempre a mesma harmonia, pois o imortal apetite do belo sempre encontrou sua satisfao.96 Em realidade, num e noutro caso, houve o desejo da beleza, a tentativa de superao da feira ambiente, somente que em grau diverso. Nas estticas antigas, predominava um conceito de belo eterno, regido por leis, que faziam que o objeto artstico buscasse superar a transitoriedade. A moda, portanto, foge ao conceito de belo das estticas do passado, porque, nela, a onipresena do transitrio patente; contudo, mesmo assim, ela pode ser considerada como espcie de arte, se se alterar o conceito de belo, visto agora em sua dupla face. Ora, essa dualidade ser expressa na arte mais superficial (expressa e velada) a moda que mostra (e vela), em si, numa quantidade menor, os traos de uma beleza eterna e, numa quantidade maior, os traos do
Charles Baudelaire. Oeuvre et vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, Paris: Garnier, 1962, p. 455-456. 96 Ibidem, p. 454 e 455.
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que passageiro, relativo, circunstancial. A moda, sem critrio determinado, no pretende perdurar, pois ela se substitui de maneira vertiginosa. Em consequncia, ela atrai de maneira mais evidente o artista de circunstncias, o pintor de retratos, de paisagens, o pintor que obedece ao gosto burgus vigente. Dessa perspectiva, se entende por que Baudelaire escreveu tanto sobre a pintura e, especificamente, escreveu tanto sobre os Sales e sobre uma quantidade bastante grande de artistas do segundo escalo na pintura francesa de sua poca. H uma terceira razo para explicar o fascnio de Baudelaire pelas artes plsticas, que se prende quase que exclusivamente a uma questo de auto-promoo. Lembremonos de que Baudelaire, quando comeou a escrever sobre os Sales, contava ento somente com 24 anos e pretendia iniciar carreira como crtico profissional. O caminho mais fcil que encontrou foi o de se tornar um escritor de compte rendus, de programas de Sales. Era que estava na moda os escritores entregarem-se a esse tipo de trabalho que devia render mais dividendos do que as atividades de crtico musical e de crtico literrio. De acordo com Raser, os escritores dos Sales incluam crticos profissionais de arte, membros do governo, novelistas e poetas, assim como os prprios artistas.97 Joseph Sloane ilustra estatisticamente o enorme crescimento dos artistas nos Sales: 1806: 707 quadros; 1848: 5.180 quadros; 1810: 303 artistas; 1850: 1.664 artistas98, o que serve para demonstrar o grande nmero de especialistas envolvidos nessa atividade, para divulgar os nomes presentes nas exposies, por meio de catlogos, e para orientar o pblico. Baudelaire engajou-se nesse tipo de trabalho, e o que se pode depreender de sua correspondncia que ele esperava no s lanar seu nome no mundo da crtica (de incio como Baudelaire-Dufays), como tambm ganhar dinheiro com isso. Pelo que demonstramos, portanto, possvel concluir que Baudelaire concentrou mais a ateno nas artes plsticas do que nos outros campos, tanto por um interesse intrnseco (a atrao exercida por uma arte circunstancial), quanto por um interesse extrnseco (a busca da notoriedade, da fortuna). Outro problema que se coloca o da denominao dos trabalhos de Baudelaire, de modo mais especfico os sobre pintura, que aparecem sob a rubrica Curiosits esthtiques. Aparentemente, os termos colidem entre si: a palavra curiosidades parece ter um sentido mais leviano, menos srio do que estticas, ainda mais pelo fato de vir
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Timothy Raser. Baudelaire and the Salon, A poetic of art criticism: the case of Baudelaire, p. 75.
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Joseph Sloane. French paintings between past and present, Princeton: Princeton University Press, 1951, p. 23.
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grafada no plural. Por que curiosidades? O ttulo do livro originalmente concebido por Baudelaire deveria ser Bric--brac, segundo Henri Lemaitre, um tipo de ttulo que estava bastante na moda.99 Ao tratar do Salon de 45, aps curta introduo, em que basicamente discute o mtodo de abordagem da sua matria, segue-se o autntico bric-brac, com a descrio e a interpretao de quadros, obedecendo a um critrio tipolgico: quadros de histria, retrato, quadros de circunstncia, paisagens, desenhos-gravuras, esculturas. Excetuando Delacroix e Corot, os demais artistas so de segunda categoria e caram na vala do esquecimento, alguns no merecendo de Baudelaire seno 2 ou 3 linhas (Schnetz, Du Gasseau, Pilliard, Laviron, etc), mas, assim mesmo, servem para que Baudelaire sutilmente desenvolva sua teoria de arte. De Du Gasseau, ele nos diz: pintura sria, mas pedante; de Laviron: quadro srio cheio de inexperincias prticas. Eis o que acontece quando se conhece muito, de muito pensar e no pintar o bastante.100 Ironicamente, Baudelaire, en passant, trata do convencionalismo em pintura. Contudo, o que preciso considerar que o ento iniciante crtico, embora d um tratamento superficial ao artista menor, no deixa mesmo assim de estimular sua curiosidade pelo acadmico (ainda que seja um estmulo num grau menor), para que, pelo contraste, valorize o no acadmico. O curioso tem os olhos abertos para os variados aspectos do mundo e necessita ser constantemente estimulado, mesmo por aquilo que receba o nome pejorativo de bric--brac. A apologia da curiosidade em Baudelaire toma lugar muito importante em sua esttica e est ligada a um conceito bastante especfico (e por que no dizer moderno?) de arte. A curiosidade diametralmente oposta ao tdio, aquele estado de letargia, em que o ser experimenta a angstia dos minutos pesados que se arrastam. Por meio dela, o homem se liberta do fardo de viver, lanando-se em direo de algo que o espicaa e que lhe mantm o esprito eternamente em viglia. A referncia curiosidade em Baudelaire surge de maneira bem clara em Le peintre de la vie moderne, ensaio sobre a obra de Constantin Guy, um desenhista, que se dedicou a registrar os mltiplos aspectos da vida mundana de Paris. Com base na paixo de Guys pela realidade exterior, Baudelaire cria para ele um epteto. Em vez de consider-lo simplesmente um artista, prefere cham-lo de homem do mundo. O homem do mundo o observador privilegiado que em toda parte goza de um incgnito e cuja paixo e profisso esposar a multido, ou
Henri Lemaitre. Prface a Oeuvre et vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, Paris: Garnier, 1962, . XIX 100 Carles Baudelaire. Oeuvre et Vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, Paris: Garnier, 1962, p. 35 e 38.
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seja, o homem do mundo est sempre fora de casa, mas mesmo assim se sente sempre em casa. Esse tipo esboado por Baudelaire o ser privilegiado, atrado pelos variados aspectos do mundo contemporneo, que lhe oferece o alimento necessrio para a sua alma sedenta do novo; ele um eu insacivel do no-eu, que, a cada instante, o exprime em imagens mais vivas que a prpria vida, sempre instvel e fugitiva. Pois bem, nesse homem, segundo Baudelaire, a curiosidade pode ser considerada como o ponto de partida de seu gnio e torna-se uma paixo fatal, irresistvel.101 Para melhor explicar essa curiosidade do homem do mundo, Baudelaire recorre, como era de seu feitio, a duas metforas, a do convalescente e a da criana. No primeiro caso, ele refere-se ao conto O homem da multido, de Poe, em que um convalescente de uma grave doena, senta-se mesa de um caf e observa todos os eflvios da vida. Como se tivesse nascido de novo, experimenta o espetculo sempre renovvel do mundo, com um apetite voraz. Esse prazer acrescido, porque ele escapou dos braos da morte e, metaforicamente, est vendo as coisas como pela primeira vez. Em determinado momento, esse homem fica to fascinado com a fisionomia de um desconhecido que se precipita atrs dele no meio da multido. Assim, o convalescente o homem que rejeita o sentimento de dj vu e que dominado pela compulso da curiosidade. Essa compulso eterna alimenta-o e o faz entregar-se obsessivamente doentia paixo de se banhar na fugidia existncia. Ora, essa metfora desdobrada numa outra, a da criana, que v tudo como novidade, e est sempre embriagada102, ou seja, ela animada incessantemente pela curiosidade e, como um animal, tem os olhos extaticamente abertos ao novo, ao luminoso, ao colorido. Embora haja diferenas entre o adulto e a criana (no adulto, predomina a razo e, na criana, a sensibilidade), aquele no seno a infncia recuperada sem que o queira, a infncia dotada agora, para se expressar, de rgos viris e do esprito analtico que lhe permite ordenar a soma de materiais involuntariamente amontoada.103 Baudelaire voltaria a desenvolver idntico ponto de vista em Les paradis artificiels, no captulo intitulado Le gnie enfant. Ao se referir gnese dos sonhos dos homens adultos, Baudelaire d a entender que esses se devem curiosidade da criana: o gnio no seno a infncia nitidamente formulada, dotada agora, para se exprimir, de rgos viris e possantes.104
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Ibidem, p. 463, 464, 461. Charles Baudelaire. Preface a Oeuvre et vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, Paris: Garnier, 1962, p. 462. 103 Ibidem. 104 Charles Baudelaire. Les paradis artificiels, Paris: Garnier, 1966, p. 136.
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Assim, para Baudelaire, o gnio uma criana superdotada. Animado pelo demnio da curiosidade est sempre atento s mltiplas faces que o real lhe oferece. O universo cheio de sons, cheiros, luzes e cores o atrai de maneira vertiginosa, a ponto de lhe provocar a angstia da curiosidade.105 Aberto vida agitada da grande metrpole, o artista deve possuir a naivet, a inocncia infantil, que o faz repentinamente sair de si prprio, para mergulhar avidamente na pulsao, no fugidio da vida moderna. O artista dono de um eu insacivel da vida universal e procura express-la com imagens poderosas, para mant-la eternamente viva. O sair de si, portanto, a frmula que o poeta encontrar, para poder abraar os infinitos aspectos que a realidade mbil lhe oferece.106 Sendo tudo uma vaga passageira, fragmentos que se sucedem na escalada do tempo, no se concebe mais que um eu supersaturado de emoes se disponha a se projetar individualmente sobre as coisas, como uma forma de desvelar-se para o outro. A esse propsito, Walter Benjamin observa que atrs das mscaras que usou, o poeta em Baudelaire preservou seu incgnito. 107 O eu saturado de sensibilidade, de acordo com Baudelaire, tem de ser todos, tem de alimentar a sensibilidade as coisas e os seres que o cercam, num processo infinito de mascaramento. o que ele expe no poema em prosa Les foules:
No dado a todos tomar um banho de multido: gozar da multido um arte; e s pode fazer essa farta refeio, custa do gnero humano, aquele em que uma fada insuflou no bero o gosto do disfarce e da mscara, o horror ao domiclio e a paixo da viagem. Multido, solido: termos iguais e conversveis para o poeta ativo e fecundo. Quem no sabe povoar a sua solido tambm no sabe estar s em meio a uma multido atarefada. O poeta goza do incomparvel prazer de ser, sua vontade, ele mesmo e outrem. Como as almas errantes que procuram um corpo, ele entra, quando quer, na personalidade de cada um. Para ele somente, tudo est vago; e se alguns lugares lhe parecem vedados, que a seus olhos tais lugares no valem a pena de serem visitados.108 Ao ver o poeta (ou o pintor) como um ser doentiamente atrado pela multido, Baudelaire reflete em sua esttica as transformaes que a sociedade francesa sofreu no sculo XIX, sob o impacto da 2 Revoluo Industrial, sob o impacto do alto
105 106
Idem. Le spleen de Paris, Oeuvres de Baudelaire, 3 vols. Paris: A la Girouette, 1948, p. 43. O curioso que Baudelaire antecipa aqui a tendncia despersonalizao, muito comum entre os poetas do sculo XX, entre eles, um Fernando Pessoa, que se multiplicava em eus, para sentir tudo de todas as maneiras. 107 Charles Baudelaire: A lyric poet in the era of high capitalism, traduo inglesa, London, New Left Books, 1973, p. 98. 108 Charles Baudelaire. Les paradis artificiels, op. cit., p. 36.
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Capitalismo. A marca registrada dessa poca a velocidade imposta pela produo em massa de objetos de consumo e pelos meios de locomoo. A velocidade109 provoca a sensao de que as coisas so marcadas pela transitoriedade, como se nada mais perdurasse na corrente do tempo. nesse instante que a importncia da palavra moda toma maior vulto: vive-se um momento de substituio vertiginosa de objetos, de valores e at mesmo do gosto. A esse respeito, Arnold Hauser observa que a velocidade furiosa do desenvolvimento no s acelera a mudana da moda, mas tambm as variaes nos critrios do gosto esttico.110 O poeta, portanto, precisa ficar atento a essa mudana contnua das coisas; mas no s isso: como veremos adiante, ter de promover uma reciclagem completa de seu conceito de arte, de belo, coerente com a mutabilidade de valores instaurada pelos novos tempos. Contudo, preciso considerar que a figura do poeta tambm sofre modificao fundamental quando toma esse banho de multido. Como os pintores impressionistas que deixavam os estdios, para se deixar encantar pelo espetculo mbil da vida cotidiana, o poeta igualmente abandona seu domiclio (ou melhor, escolhe agora como domiclio as ruas, as praas, os cafs da grande cidade) e empreende uma perambulao contnua pelo mundo cosmopolita.111 A analogia com o pintor no despropositada, na medida em que o prottipo do artista moderno com que Baudelaire se identifica projetado na figura do desenhista Constantin Guys. A ele, inclusive, o autor de Les fleurs du mal dedicaria o importante ensaio Le peintre de la vie moderne.112 Na poca de Baudelaire, havia um gnero em prosa muito em moda que eram as fisiologias, ou seja, livros que procuravam retratar os tipos fsicos e sociais mais comuns da metrpole. As fisiologias investigavam tipos que podiam ser encontrados por qualquer pessoa que desse uma olhada no mercado. Do vendedor itinerante nos bulevares ao dandy, no salo de descanso da pera, no havia uma figura da vida parisiense que no tivesse sido esboada por uma fisiologia (Benjamin, 1973, p. 35).
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Num protesto contra a velocidade, diz-se que Baudelaire costumava passear em Paris, conduzindo uma tartaruga com um cordel e Gerard de Nerval, uma lagosta! 110 Arnold Hauser. Historia social de la literatura y el arte, trad. esp., 3 vols., Madrid Guadarrama, 1969p. 201-202. 111 Walter Benjamin aponta no ensaio j citado as substanciais modificaes introduzidas nas grandes cidades do sculo XIX, que chegaram a facilitar incrivelmente a vida dos transeuntes. Entre elas, destacam-se as arcadas, que protegiam os passantes contra os atropelamentos, e a difuso dos lampies a gs. Este aumento de segurana na cidade fez que as multides se sentissem em casa nas ruas, mesmo noite, Charles Baudelaire: A lyric poet in the era of high capitalism , op. cit., p. 50. 112 A respeito da aproximao entre o poeta e o pintor de se notar que, em Le spleen de Paris, Baudelaire se inspirou em Constantin Guys. Isso fica evidente na importncia do olhar para o poeta, que se sente atrado visualmente por figuras e situaes da realidade cotidiana, como se fosse o privilegiado observador, o convalescente de Edgar Allan Poe.
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Baudelaire, em sua obra esttica, trata basicamente de duas figuras: do flneur e do dandy. O primeiro o homem que se compraz em andar pelos meandros da grande cidade, para se afogar na multido. A metfora do flneur pode ser traduzida da seguinte maneira: deixar o prprio domiclio e encontrar domiclio no mundo significa abandonar o recesso do eu e abraar deliberadamente o no-eu. desse modo que Baudelaire descreve o flneur:
A multido seu domiclio, como o ar do pssaro, como a gua, do peixe. Sua paixo e sua profisso desposar a multido. Para o perfeito flneur, para o observador apaixonado, uma imensa alegria eleger domiclio no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugitivo e no infinito. Estar fora de si, contudo, sentir-se dentro de si em toda parte; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer escondido no mundo, tais so alguns dos menores prazeres desses espritos independentes, apaixonados, imparciais que a lngua no pode seno desajeitadamente definir. O observador um prncipe que goza em toda parte de seu incgnito.113 Uma das faces assumidas ento pelo artista moderno o do observador apaixonado que desposa a multido para sair de si. Mas possvel igualmente pensar em outra figura pertencente s fisiologias que ajudar a completar o retrato do artista moderno: o dandy que passa a vida a cultivar a idia do belo em sua pessoa, a satisfazer suas paixes.114 Prncipe de uma sociedade submissa ditadura da moda115, o dandy o aristocrata, o homem refinado, que cultiva o belo pelo belo, que chega mesmo a se transformar num ser de pura beleza, na medida em que a palavra dandy implica uma quintessncia de carter e uma inteligncia sutil de todo o mecanismo moral do mundo; mas, de outro lado, o dandy aspira insensibilidade.116 Este ser requintado representa assim a outra face do artista moderno,117 ou seja, este cultor da beleza, fundador de uma nova aristocracia, dominado pela insensibilidade que o faz ocultar os sentimentos ou assumir propositadamente uma frieza assombrosa: o carter de beleza do dandy consiste, sobretudo, no ar frio que vem da inabalvel resoluo de no se comover; dir-se-ia um fogo latente que se deixa adivinhar, que
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Oeuvre et vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, op. cit., p. 463. 114 Ibidem, p. 484. 115 Gerald Froidevaux. Baudelaire: rpresentation et modernit, Paris: Jos Corti, 1989, p. 68. 116 Charles Baudelaire. Oeuvre et vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, op. cit., p. 463. 117 No toa que Baudelaire procure identificar seus grandes mestres espirituais Delacroix e Poe com o dandy. Do primeiro, diz o seguinte: ainda que fosse um gnio, participava bastante do dandy , (ibidem, p. 439) e, do segundo, faz questo de acentuar o seu culto Beleza e os modos aristocrticos.
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poderia mas no quer brilhar.118 A identificao do artista moderno com o dandy supe que aquele o curioso, dotado de grande apetite pelo belo, cuja sensibilidade, portanto, est sempre flor da pele, mas que, todavia, oculta sua sensibilidade, fora de um controle quase que absoluto da emoo. Em carta sua me (17 de maro de 1862), Baudelaire diz que no conhece nada mais estpido que os puros sentimentos.119 Em outra carta dirigida ao amigo Ancelle, Baudelaire expressa idia semelhante, acompanhada de preconceitos anti-feministas: Falando de sentimentos, de corao e outros lixos femininos, lembre-se do profundo dito de Leconte de Lisle: todos os elegacos so aborrecidos.120 Disso tudo, se conclui que o artista no pode se emocionar por duas razes principais: em primeiro lugar, porque ele deve necessariamente abandonar o eu, sair de si, para poder abraar os mltiplos aspectos da realidade; em segundo lugar, porque Baudelaire supe um controle quase que absoluto do fazer potico. Ao tratar de Delacroix, no Salon de 1846, ele diz a respeito do assunto que: no h acaso na arte, como no h em mecnica. Uma coisa felizmente encontrada a simples consequncia de um bom raciocnio.121 O trabalho alqumico com a realidade mutvel at o resultado final da obra de arte concebido por Baudelaire no como obra da inspirao, do acaso, mas como complexa operao que compreende vrias etapas. E quais seriam essas etapas que provocariam um distanciamento entre o eu emprico, ncleo de sentimentos e sensaes, e o eu intelectual, responsvel pela enunciao no interior dos poemas (ou na superfcie das telas)? A primeira delas, como j vimos, a curiosidade, a ateno constantemente voltada para o novo. curiosidade, seguem-se a contemplao, o devaneio, a memria e, por fim, a imaginao.
118 119
Ibidem, p. 486. Charles Baudelaire. Baudelaire: a self-portrait, London: Oxford University Press, 1957, p. 187. 120 Ibidem, p. 233. 121 Charles Baudelaire. Oeuvre et vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, op. cit p. 117.
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BAUDELAIRE, Charles. Lettres de Baudelaire. Paris: Mercure de France, 1907. _____________________Le spleen de Paris, Oeuvres de Baudelaire, 3 vols. Paris: A la Girouette, 1948. Baudelaire: a self-portrait, London: Oxford University Press, 1957. Oeuvre et vie d'Eugene Delacroix, Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, Paris: Garnier, 1962. ____________________ Les paradis artificiels, Paris: Garnier, 1966. BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: A lyric poet in the era of high capitalism, trad. ing., London, New Left Books, 1973. BOIME, Albert. The academy and French painting in the nineteenth century, London: Phaidos, 1971. FROIDEVAUX, Gerald. Baudelaire: rpresentation et modernit, Paris: Jos Corti, 1989. HAUSER, Arnold. Historia social de la literatura y el arte, trad. esp., 3 vols., Madrid Guadarrama, 1969. HOWELLS, Bernard. Baudelaire: portrait of the artist in 1846, Charles Baudelaire, New York: Chelsea House Publishers, 1987. LEMAITRE, Henri. Introduction a Charles Baudelaire. Curiosits esthtiques, lart romantique et autres oeuvres critiques, op. cit. RASER, Timothy. Baudelaire and the Salon, A poetic of art criticism: the case of Baudelaire, Chapel Hill: University of North Carolina, 1989. SLOANE, Joseph. French paintings between past and present, Princeton: Princeton University Press, 1951.
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Deconstruccin y produccin de espacios urbanos en Ensayo sobre la ceguera de Jos Saramago Desvos y circularidad ideolgica Charo GONZLEZ*
Si el territorio es un lugar ocupado, el espacio es ante todo un lugar practicado. Al lugar tenido por propio por alguien suele asignrsele un nombre mediante el cual un punto en un mapa recibe desde fuera el mandato de significar. El espacio, en cambio, no tiene un nombre que excluya todos los dems nombres posibles: es un texto que alguien escribe, pero que nadie podr leer jams, un discurso que slo puede ser dicho y que slo resulta audible en el momento mismo de ser emitido. Manuel Delgado, El animal pblico. No ha dicho cmo se llama, seguro que sabe que eso aqu no tiene importancia Jos Saramago, Ensayo sobre la Ceguera.
Con la modernidad y la creciente migracin desde los centros rurales hacia las ciudades, entr en la escena de la vida diaria, la novedosa, estimulante y compleja red de relaciones de convivencia urbana entre los sujetos que transitan, se muestran y se esconden en los espacios citadinos. Desde fines del siglo XIX y principios del XX, las artes, las ciencias sociales y el pensamiento filosfico renovaron sus disciplinas en busca de representar e interpretar cmo estas interrelaciones pblicas, annimas e instantneas socavaban las normas de etiqueta tradicionales y rompan con la rutina estable de las sociedades comunales que iban quedando detrs. Dentro de la concreta delimitacin de la ciudad, el espacio urbano surgi como la superficie no materializada donde se entrecruzaba la muchedumbre de caminantes desconocidos en contradictoria existencia social: por una parte disfrutando y protegiendo una existencia de invisibilidad, y, por la otra, afirmando su lugar en la red urbana, exigiendo ser vistos. El flaneur modernista, los cronistas y reporteros, y tambin los observadores sociales, particularmente los antroplogos urbanos, retrataban y recreaban la experiencia fragmentada, disociada y a la vez embelezada de estos individuos inmersos en la ciudad moderna. La literatura y las ciencias visuales no tardaron en experimentar con originales y escabrosas situaciones lmites. La ciudad personaje ha sido acogedor refugio, escondite, virtual teatro e impredecible monstruo. Tambin ha sido todo esto y ms,
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Spanish 200B, Spring 2011, University of California, Berkeley, CA, EUA.
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como la ciudad representada en Ensayo sobre la ceguera de Jos Saramago, publicada en 1995. En este ensayo, propongo un anlisis de dicha novela a partir de la dialctica entre dos importantes ramas tericas: la primera es la Antropologa de los Espacios, que responde al estudio de las relaciones dentro de la ciudad como territorio materializado. Este acercamiento encuadra al trabajo pionero de Henri Lefebvre y, en el contexto de mi anlisis, informa sobre la funcionalidad y mecanismo sistmico en la designacin de espacios pblicos urbanos para contener a los personajes ciegos en la novela y la vulnerable interdependencia entre la urbe, la polis y la ciudad que los negocia. La segunda rama terica la aporta la Antropologa Urbana, en su visin del uso de los espacios pblicos como la construccin de un espacio no materializado sino practicado.122 Nada ms cercano a la experiencia de los ciegos y los contagiados de esta ciudad ficticia quienes ni siquiera pueden ver el espacio que ocupan, pero deben apropiarse y disponer del mismo, compartiendo una privacidad que slo existe por invisible. El manicomio y luego la ciudad que los contiene se convierten en la trinchera invisible desde donde la poblacin resiste el derrumbe del sistema. A grandes rasgos, el Ensayo sobre la ceguera, de Jos Saramago recrea la vida urbana en una ciudad donde inexplicadamente, se desata una fulminante epidemia de ceguera. Los primeros afligidos se separan en cuarentena. En la fase inicial, el aparato institucional logra tomar medidas de proteccin social. A medida que empeora la situacin, sin embargo, flaquean los sistemas de contencin hasta que virtualmente colapsan. El sistema de abastecimiento y servicio de la ciudad no tarda en caer y la imparable incapacitacin allana todas las jerarquas de poder, control y acceso preexistentes. Como si un silencioso e invisible terremoto hubiera azotado al engranaje central de la ciudad, Saramago despeja en cada rplica, los conatos de adaptacin de los grupos que se forman y disuelven para dictar y hacer cumplir las nuevas normas alternativas que rigen el derecho al espacio pblico y a la propiedad privada. En un fluir de huidas, desalojos y encierros, los habitantes de la ciudad deambulan en busca de un lugar donde sobrevivir, albergarse, alimentarse y rearmar sus vidas. Ante esta situacin lmite cmo se representa en la novela la produccin y negociacin del espacio privado y pblico cuando colapsa el estado? Al deconstruir las capas ideolgicas que dan forma
122
Manuel Delgado Ruiz. El animal pblico. Hacia una antropologa de los espacios urbanos. Barcelona: Editorial Anagrama, S.A. 1999, p. 9-60.
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especfica a la creacin de espacios en una sociedad determinada qu se comenta en cuanto a ese mecanismo? pueden las relaciones urbanas hacer frente a este debacle? La discusin sobre la sistmica produccin de espacios pblicos dentro de un sistema de relaciones de produccin que lo sustenta no puede evadir el aporte antropolgico de Lefebvre, recogido y expandido por el Interaccionismo Simblico de la Escuela de Chicago123. Un concepto central aportado por este ltimo es el proceso de reconocimiento del otro generalizado como producto de una construccin esteriotipada, una suerte de catlogo internalizado y utilizado para entablar relaciones improvisadas en el trnsito por la urbe. A estos dos importantes marcos quisiera acoplar el giro performativo evidente en estas transacciones que propone el antroplogo Manuel Delgado en su actual estudio del desarrollo de neoetnias globalizadas dentro del espacio citadino barcelons.124 Para este ensayo, tomar el argumento de Lefevbre sobre la ntima relacin de dependencia entre el xito y la supervivencia del sistema capitalista por un lado, y la efectiva y sistmica produccin de espacios urbanos contenedores e instrumentales a las necesidades de una sociedad de consumo, por el otro. Estos espacios privados y pblicos, producidos para generar y promover el sistema capitalista conllevan una marca de desigualdad.125 Lejos de ser una conspiracin encubierta, bajo el velo ilusorio de un planeamiento urbano reside una ideologa diseminada y diseminadora que fomenta sistemticamente la fragmentacin, homogenizacin y jerarquizacin de los espacios de acceso pblico y/o privado. Segn esta teora, la produccin de espacios est supeditada a las necesidades de una sociedad de consumo, y al mismo tiempo, a la reproduccin contradictoria de las relaciones de produccin que sostienen al sistema capitalista.126
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El trabajo de Lefevbre y sus seguidores europeos se recoge y expande a partir de la dcada del veinte en Estados Unidos por el movimiento que se llam Interaccionismo Simblico, mayormente asociado con la Universidad de Chicago. Un aporte es el concepto de otro generalizado: el sujeto urbano se identifica con/contra la informacin que recoge sobre s mismo y sobre los dems mediante la interaccin annima con el medio social. 124 Manuel Delgado Ruiz. Dinmicas identitarias y espacios pblicos. Revista Cidob DAfers Internacionals. (vol 43-44, pp. 17-33). Barcelona: Fundacin Cibob. 1988, p, 17-33. 125 Edward W. Soja. Postmodern Geographies. The Reassertion of Space in Critical Social Theory. London: Verso. 1989, p. 49-51. 126 Para que el sistema contine, el mismo cuadro que representa a un individuo marginado confinado a un espacio reducido y alejado del centro urbano, pasajero apretado hacia y desde su lugar de trabajo debe, simultneamente conllevar una imagen de potencial satisfaccin que sostenga esta existencia. Henri Lefebvre. Writings on Cities. (1905) Trans. Eleonore Kofman and Elizabeth Lebas. Massachussets: Blackwell Publishing. 1996, p. 147-159.
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Manuel Delgado, en conversacin con esta tradicin terica y los Interaccionistas, privilegia la experiencia urbana sobre la materialidad de la ciudad, la que define como un entretejido de campos identitarios poco definidos ambiguos, que hacen imposible cualquier tipo de mayora cultural clara un calidoscopio donde cada movimiento del observador suscita una configuracin indita de los fragmentos existentes.127 Individuos y grupos negocian activamente, en el espacio pblico, su propio lugar en la sociedad, tanto empujando como relajando los lmites de las fronteras, crecientemente ms mviles y fluidas, que entrecruzan la red de espacios urbanos. Estos actos de afirmacin forjan tanto un lugar concreto, como otro tcito dentro de la sociedad. Espacio e identidad, entonces, se reafirman y repiten mutuamente. Aqu entra el elemento performativo sealado por Delgado: Cualquier grupo humano con cierta consciencia de su particularidad necesita ponerse en escena, marcar de alguna manera su diferencia en el tiempo y el espacio la diferencia, cabe aclarar, no es otra cosa que su puesta en escena.128 En el caso de la novela, la escenificacin casi teatralizada, por as decirlo, de alianzas de supremaca y de resistencia concretizan la apropiacin del espacio pblico como tal y a los individuos como agentes participantes de la sociedad. La relevancia de esta definicin econmica-performativa es particularmente pertinente a un acercamiento a Ensayo sobre la ceguera para observar la dialctica entre el debacle del sistema de mercado con su consecuente cada en domin de cada una de las fronteras que contienen a los ciegos y, paralelamente, la supervivencia y renovacin dinmica de un sistema alternativo, impulsado an por la inercia de la que podramos llamar una tradicin urbana. Dentro de los confines del territorio, el ciudadano es interpelado por el sistema capitalista, el urbanita, que observa Delgado es El ser de las calles [que] ostenta su invisibilidad y justamente por ello, se convierte en fuente de inquietud para todo poder instituido: es visto porque se visibiliza, pero no puede ser controlado, porque es invisible.129 En esta lnea, la existencia masificada y annima, entonces, tambin podra ofrecer refugio y espacio de resistencia. En trminos generales, se enmarcan dos espacios pblicos dentro de la novela: El primero, an construido por el sistema, alberga a las vctimas iniciales en
cuarentena: el manicomio. El segundo, es el espacio exterior que comprende a las calles,
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Manuel Delgado Ruiz. Dinmicas identitarias y espacios pblicos. Op. cit., p. 18. Ibidem. 129 Ibidem, p. 17.
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los almacenes y otras despensas abandonadas y las casas desocupadas por una poblacin desorientada que no puede encontrar sus domicilios. Elocuentemente contenidas en el siguiente prrafo del texto se sugiere el marco ideolgico, ntimamente ligado a la economa de mercado, en cuando a la planificacin inicial de la cede de la cuarentena.
De qu posibilidades inmediatas disponemos, quiso saber el ministro, Tenemos un manicomio vaco, en desuso, a la espera de destino, unas instalaciones militares que dejaron de ser utilizadas como consecuencia de la reciente reestructuracin del ejrcito, una feria industrial en fase adelantada de construccin, y hay tambin, y no han conseguido explicarme por qu, un hipermercado en quiebra, Y, en su opinin, cul servira mejor a los fines que nos ocupan, . El cuarteles demasiado grande y la vigilancia de los internos sera difcil y costosa. el hipermercado, impedimentos jurdicos, cuestiones legales la feria No le gustara al ministerio de Industria, se han invertido millones Queda el Manicomio, S seor ministro, el manicomio tiene dos alas, una que destinaremos a los ciegos propiamente dichos y otra para los contaminados, el cuerpo central servir de tierra de nadie. [no ser necesario personal de vigilancia] En caso de que uno de los contaminados se quede ciego. Los que an conservan la vista lo echarn de all de inmediato. Del mismo modo que no permitiran la entrada de un ciego que quisiera cambiar de sitio.130
La designacin del manicomio conlleva, en su diseo como cede de la cuarentena, las pautas prescriptivas para la conducta de sus habitantes. Se recrean las dinmicas asimtricas (ciegos vs/ expuestos que an ven) y un espacio transitorio entre ambos, donde el grupo marginado resiste, cuidando no alienar al grupo percibido como superior y agresor, del cual depende para su supervivencia (una de las muchas lecciones que se aprenden en la calle). Se corre aqu el velo al que alude Lefebvre y se pone en descubierto el mecanismo generador del sistema, la vulnerabilidad y asimetra de las interdependencias necesarias que aseguran que la sociedad se auto-vigile con un mnimo de control. Sin embargo, este microcosmos del sistema no logra producir nada ms que una fantasmagora ideolgica, porque no recibe ni sustento, ni retribucin que vuelva a poner en marcha la reproduccin circular del sistema. Este desligamiento material, percibido por los ciegos como castigo por su marginalidad, quiebra el contrato tcito de sometimiento al sistema. Abyectos por el sistema econmico, los urbanitas en
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Ibidem, p. 58.
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el manicomio acuden a las estrategias de supervivencia aprendidas en la calle. Se ponen en escena, apropindose y definiendo su lugar social. Cito a Delgado: En las relaciones de trnsito entre desconocidos totales o relativos la situacin es un fenmeno social autorreferencial, en el que es posible reconocer dinmicas autnomas de concentracin, dispersin, conflicto, consenso y recomposicin en las que las variables espaciales y el tiempo juegan un papel fundamental, precisamente por la tendencia a la improvisacin y a la variabilidad que experimentan unos componentes obligados a renegociar constantemente su articulacin.131 Se estudian, reconocen a los otros generalizados y actan adecuadamente. Estas negociaciones y actuaciones continan hasta que la ceguera se eleva a virtual pandemia y el espacio de la ciudad y del manicomio se funden. Se eyectan los engranajes mltiples y annimos que sostenan el abastecimiento de la ciudad: obreros, agricultores, transportadores, abastecedores, ninguno puede cumplir su annimo rol (notemos, aqu, que Saramago, quizs reforzando la idea de invisibilidad urbana no da nombre a ningn personaje sino que los identifica segn una calificacin: el nio estrbico, la mujer del mdico, la seorita con gafas, el ministro, etc). Hambrientos, sedientos, sucios, lastimados, perdidos y confundidos, no saben a qu ni a quien acudir, porque el motor de un sistema, como bien sabemos, no tiene cara ni atiende en ventanillas. Los representantes que otrora se reconocan como tales yacen ms all de la ceguera, tambin ciegos. Cuando les llega su turno, los nuevos ciegos que otrora estaban a cargo de la diseminacin y cumplimiento de sistema ideolgico, tambin deben abandonar sus puestos: policas, abogados, educadores, trabajadores sociales: todos ciegos. En este cruce, se paraliza el sistema capitalista y su sustento ideolgico, y con l, las normas que regan el uso y abuso de la propiedad privada, crucial cimiento del sistema. En realidad, la funcin o relevancia de la propiedad privada queda en tela de juicio ya que, como se representa en la novela, esta nueva sociedad de ciegos depende de un espacio privado colectivo para su subsistencia ms primaria: Cuando vamos a buscar comida [vamos en grupo] la nica manera de no perdernos unos de otros, y como vamos todos, como no queda nadie cuidando la casa, lo ms seguro, suponiendo que consigamos volver, es que est ocupada por otro grupo somos una especie de noria, siempre dando vueltas, al principio hubo algunas peleas, pero nos dimos cuenta de que los
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Ibidem, p. 29-30.
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ciegos no tenemos nada a lo que llamar nuestro, a no ser lo que llevamos encima.132
La eleccin del sintagma noria es estratgicamente revelador, especialmente porque enmarca, en el monlogo del nico personaje que ve la ciudad, el cclico peregrinaje dentro y fuera y vuelta a empezar en un espacio sistmico estancado y los conatos de adaptacin puestos en marcha por la memoria de urbanidad internalizada. Una vez que sucumbe el sistema abastecedor de bienes, el aparato ideolgico queda en suspenso. Gradualmente, las desigualdades internas y la lucha por el dominio dentro de la sociedad de consumo se van asfixiando, a momentos, en horroroso despliegue de la profunda indiferencia cvica que las distracciones materiales disimulaban. En la nueva configuracin no abastecida por distracciones ideolgicas ni de mercado, desaparece el nexo demanda-abastecimiento de orden consumista en favor del binomio ms poderoso por ms instintivo necesidad/saciedad. Lo que queda de relieve, despejado el sistema que produce los espacios, es la circularidad del mecanismo que los reproduce, la conducta, aparentemente instintiva, de repetir circuitos, de reafirmar procesos que nos devuelvan la ilusin de progreso. Sin embargo, segn Delgado, en el caso del sistema urbano, esta circularidad no sera tal, sino una bifurcacin ms en el camino de resistencia alternativa: las discontinuidades, intervalos, cavidades e intersecciones obligan a [los] miembros individuales y colectivos a pasarse el da circulando, transitando, generando lugares que siempre quedan por fundar del todo, dando saltos entre un orden ritual y otro, entre regin moral y regin moral, entre una microsociedad y la siguiente.133 Desahuciados con una existencia de animales de rapia, los grupos temporalmente reunidos se consolidan en comunidades establecidas. Ya no pueden deambular en su ciudad como urbanitas en transicin porque han cambiado las dinmicas sociales que custodiaban su anonimato. El proceso mediante el cual la urbe se haba consolidado como espacio abierto, heterogneo, annimo, alternativo se revierte y tambin flaquea. Convertidos en una comunidad familiar, el primer grupo de ciegos decide mudarse al campo donde resolvera el problema de la supervivencia inmediata. Pasaran de un
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Jos Saramago. Ensayo sobre la ceguera. (1995) Trad. Basilio Losada. Madrid: Grupo Santillana de Ediciones, S.A. 2000, p. 298. 133 Manuel Delgado Ruiz. El animal pblico. Hacia una antropologa de los espacios urbanos. Op. cit., p. 45.
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territorio circulatorio a un espacio residencial, de los territorios situacionales a uno fijo; de un anonimato, a una identidad reconocible, por extensin, revertera la direccionalidad de la modernidad urbana. Es entonces cuando mgicamente como lleg, culmina la epidemia de ceguera y el primer contagiado logra ver. En este dramtico juego de espacios pblicos y privados, comunitarios y urbanos dentro de la novela, se pone de relieve el colapso de las dos visiones antropolgicas como posibilidades funcionales separadas e independientes. Si como arguye Delgado, la sofisticacin y la perfeccin de los dispositivos de fiscalizacin panptica y las estratagemas de imposicin de significados [en este caso de significacin capitalista] no tienen garantizado el xito. Una y otra vez ven desbaratada su intencin por una hiperactividad urbana que , de un modo u otro, siempre acaba escapndoseles de entre las manos..., debemos agregar que la resistencia urbana lo es tal, dentro y fuera de la novela, porque resiste algo, un sistema, desde dentro de los espacios producidos in-equitativamente por ese sistema, pero bajo contrato tcito de que el sistema les proveer de bienes .134 Ni las interpelaciones ideolgicas son completas ni lo es la posibilidad de una existencia urbana completamente separada de un sistema de suministro. Ensayo sobre la ceguera recrea las dinmicas e interdependencias operantes en la produccin e uso de los espacio citadinos. Escenifica, quizs, la fantasa o la nostalgia por una mayor familiaridad cvica, o de una invisibilidad ms humanizada, pero, en definitiva, revela la imposibilidad de deslindar, al menos en esta ficcin, el mecanismo reproductor del sistema, del mecanismo urbano que lo resiste, porque coexisten uno en funcin del otro, y bajo el anonimato de invisibilidad que los dos promueven, los individuos responden y dependen dinmicamente de ambos.
CRESSWELL, Tim. Place: a short introduction. Massachussets: Blackwell Publishing. 2004

RUIZ, Manuel Delgado. Dinmicas identitarias y espacios pblicos. Revista Cidob DAfers Internacionals. (vol 43-44, pp. 17-33). Barcelona: Fundacin Cibob. 1988.
134
Ibidem, p. 196.
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___________________________. El animal pblico. Hacia una antropologa de los espacios urbanos. Barcelona: Editorial Anagrama, S.A. 1999. LEFEBVRE, Henri. Writings on Cities. (1905) Trans. Eleonore Kofman and Elizabeth Lebas. Massachussets: Blackwell Publishing. 1996. SARAMAGO, Jos. Ensayo sobre la ceguera. (1995) Trad. Basilio Losada. Madrid: Grupo Santillana de Ediciones, S.A. 2000. SHIELDS, Rob. Henri Lefebvre Key Thinkers on Space and Time. (2004) Ed. Phil Hubbard and Rob Kitchin. Los Angeles: Sage. 2011 (278 - 285). SOJA, Edward W. Postmodern Geographies. The Reassertion of Space in Critical Social Theory. London: Verso. 1989.
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Uma leitura de Clarice Lispector luz de Julia Kristeva

Alessandra M. PIRES*
A questo saber aguentar. Pois a coisa assim mesmo. s vezes no se tem nada a fazer e ento se faz pipi Lispector. Por enquanto. Via crucis do corpo. Vivre avec lautre, avec ltranger, nous confronte la possibilit ou non dtre un autre.135 Kristeva. Seule une femme.
Resumo: Este artigo analisa trs contos de Clarice Lispector, Rudo de passos, Ele me bebeu, e Por enquanto, luz de elementos do livro Seule une femme de Julia Kristeva. A psicoanalista francesa discute o papel da mulher e interroga seu ser inconvenientemente situado no mundo. Ao longo desta problemtica, Lispector estabelece sua prpria anlise e um paralelo com a de Kristeva, quando ela cria a frmula Para qu?, que percorre o conto Por enquanto. Clarice Lispector questiona o que poderia ser comparado ao lacaniano falta, como a base do seu pensamento, que permeia o ttulo do livro Seule une femme, de Kristeva, e
tambm ressalta o significado de ser mulher no meio da solido, independentemente de que esteja cercada pelos outros.
Palavras-chave: Clarice Lispector, A via crucis do corpo, Julia Kristeva, psychoanalysis.
Nesta anlise, proponho uma leitura de trs contos de Clarice Lispector , Rudo de Passos, Por enquantoe Ele me bebeu includos na antologia A via crucis do corpo136, luz dos ensaios e entrevista da psicanalista francesa de origem blgara, Julia Kristeva, em seu livro Seule une femme137, utilizando ainda a anlise do romancista Milan Kundera a respeito das noes de leveza e peso do estar no mundo,
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Missouri State University, Department of Modern and Classical Languages, AlessandraPires@missouristate.edu. 135 Viver com o outro, com o estrangeiro, nos confronta possibilidade ou no de ser um outro. 136 Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1974. 137 Julia Kristeva. Seule une femme. Intro. Marie-Christine Navarro. Paris : Ed. de laube, 2008.
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encontradas em seu romance The Unbereable Lightness of Being, bem como as noes emprestadas psicoterapia de Irvin D. Yalom em seu livro Loves Executioner, no qual nos apresenta uma srie de tales of psychotherapy138 que ilustram as dificuldades em racionalizar conceitos como a liberdade, o amor, a auto-conscincia, bem como a sua ausncia. Em vrios ensaios de Seule une femme, Julia Kristeva discute o papel da mulher (La Surfemme, Lui et elles, Vive les femmes savantes, Au bord de la mre, etc), apresentando questes que tocam o ser feminino mergulhado no mundo. Mulheres re-apresentam-se como mes, diretoras, escritoras, professoras, mdicas, fazendo parte da fora de trabalho, porm sofrendo momentos de vazio que restam sempre a serem definidos e/ou compreendidos. A questo a ser formulada no que toca o texto de Lispector luz dos ensaios de Kristeva surge na problemtica clariceana que determinei chamar o para qu? interrogativo e que a escritora menciona em seu conto Por enquanto, propondo-o entretanto de forma quase afirmativa : Quando a gente comea a se perguntar: para qu? Ento as coisas no vo bem (meus itlicos).139 Outra questo que se impe a de compreender porque as coisas no vo bem, porque h a perene necessidade de se encontrar um desfecho feliz ou auto-realizado. Evidente que tais perguntas geram as idias segundo as quais Lispector desenha seus personagens e os faz viver. Proponho assim neste artigo que o Para qu? clariceano se inse re na fundao do pensamento psicanaltico, do qual se serve Kristeva para interrogar o vazio e o tdio femininos em seu livro de ensaios acima mencionado, livro que reflete as personagens de Lispector em sua experincia da descrio narrativa. Em entrevista na mesma coletnea de ensaios, Julia Kristeva define a palavra seule que consta no ttulo de Seule une femme. Faz-se necessrio traduzi-la explicando-a, pois a palavra apresenta duplo significado: em primeiro lugar, o somente ou o apenas que representam o que Kristeva chama de esta incomensurvel particularidade a qual o Gnio Feminino clama140; entretanto Seule significa igualmente o estar s, e sobre isso Kristeva declara: Mas seule (s, somente) indica tambm a solido que sente uma mulher, mesmo estando bem cercada, sendo ajudada ou integrada em um cotidiano tpico, quando assume o risco de sua singularidade que simplesmente o risco da
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Irvin D. Yalom. Loves executioner and other tales of psychotherapy. New York: Perennial Classics, 2000. 139 Clarice Lispector, A via-crucis do corpo. Op. cit., p. 47. 140 Julia Kristeva. Seule une femme. Op. cit., p. 26-27.
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liberdade.141 Esta liberdade, neste caso, implica tomar decises que podem resultar em dilemas, em separaes ou em escolhas que ressaltam perdas. Precisamente como o psicoterapeuta Irvin D. Yalom sugere:
Decisions are difficult for many reasons, some reaching down into the very socket of the being. [...] Decision invariably involves renunciation: for every yes there must be a no, each decision eliminating or killing other options (the root of the word decide means slay, as in homicide or suicide).142 A enunciao da deciso e da iminente liberdade parece vestir as personagens de Clarice, simultaneamente prontas e perdidas em seu mundo. delas que vamos tratar. Lispector apresenta as vrias caras desta solido feminina enunciada por Kristeva e ainda pela escritora francesa Hlne Cixous, quando esta enuncia que Clarice Lispector:
(...) speaks all languages, including those anterior to Sanskrit, including silences. [...] Clarice names through love. She dictates the law of love, but she does not fall into chaotic indifferentiation. She distinguishes, sees differences, does not ignore the necessity to regulate. She is not into a law that represses differences, but into one that formalizes, that gives form. To name is one of the thousand gestures that one can make toward the other. It is like caressing, looking, silently calling.143 Em vista desta citao, iniciamos com um breve resumo de cada um dos trs contos aqui analisados da coletnea A via crucis do corpo - para demonstrar este entrelaar de mundos que se querem comuns, que se acariciam silenciosamente como o sugeriu Cixous; em princpio temos uma senhora de oitenta e um anos interrogando a natureza do prazer sexual, da vergonha, do desejo de t-lo presente em sua vida(Rudos de passos); em seguida deparamo-nos com uma escritora que, paralisada frente a seu tdio em um domingo, reflete sobre a solido e sua angstia criadas pela ausncia de vida sua volta, pelo vazio que permeia seu espao e tempo dominicais: Que fao ? () como chamo quem eu quero chamar ? O que fazer ? Nada ; porque domingo e at Deus descansou. Mas eu trabalhei sozinha o dia inteiro (Por enquanto )144; e por
141 142
Ibidem. Irvin D. Yalom. Loves executioner and other tales of psychotherapy. Op. cit., p. 10-11 143 Hlne Cixous. Reading with Clarice Lispector. Ed., Trad. and Intro Verena Andermatt Conley. Theory and History of Literature, vol 73. Minnesota, U of Minnesota Press, 1990.p. 12. 144 Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Op. cit., p. 46.
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fim, no terceiro conto, h uma jovem mulher que tenta se submeter s leis masculinas, ao patriarcalismo que se exacerba, se dando demasiadamente esquecendo de si e por isso acabando por perder seu prprio rosto, sendo bebida, devorada pelo outro (Ele me bebeu). A personagem de Por enquanto nos investe da possibilidade de defini-la sob os argumentos kristevianos, fazer com que sejam vistas e reconhecidas, dando vida aos contos e seguindo a leitura que representa questionamento semelhante proposto pela psicanalista e ensasta. Cabe por outro lado mencionar o feminismo transcultural e transnacional145 que apresentam as heronas de Lispector. Em nenhum dos casos citados faz-se aluso a etnias ou a grupos culturais, embora saibamos que todas sejam figuras nicas nas suas diversidades. Como Nelson Vieira sublinha:
Clarice Lispector no era somente feminista avant la lettre, mas [...] projetou um feminismo transcultural e transnacional, porque ela reconhecia que patriarcalismo e sexismo so experincias que remontam a outras culturas, inclundo algumas na Histria bem antes da brasileira a fenmenos como o imperialismo cultural e sexual evidente na Bblia, no Alcoro, nos relatos de viagens e em literaturas nacionalistas. Para o Brasil, o imperialismo sexual foi implantado desde a poca colonial e era esperado que a mulher seguisse o caminho do seu homem (...).146 Assim fundamentados os contos, cientes do tratamento de suas personagens, pensamos identificar as conexes entre estes Clarice, neste dado espao e observarmos ainda cada um em sua dimenso particular. De acordo com a crtica Vilma Aras, o que h de mais inovador nesta coletnea A via crucis do corpo encontra A novidade da escritora [...] essa tentativa de entrosamento entre forma e fundo147. Diante da crtica que insistira a certo ponto em considerar o livro menor dentre os trabalhos da autora, com todos os inconvenientes da pressa e da trivialidade intencional, crtica da qual discordamos, ainda assim, a mesma crtica afirma que A via crucis (...) um sopro revivificador.148 Diante desse sopro de vida que no cessa, passamos ao segundo ponto deste texto, a anlise dos contos. Tendo em vista um entrelaar de significados e momentos de cunho existencial similares nos trs contos escolhidos, vemos que o
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Nelson H. Vieira. Feminismo transcultural em Clarice Lispector: Disemia ou o conflito entre autorepresentao e autoconhecimento. Ferreira-Pinto Bailey, Cristina and Regina ZI. Ed. Clarice Lispector. Novos aportes Crticos. Pittsburgh: University of Pittsburgh, Istituto Internacional de Literatura Iberoamericana, p. 61. 146 Ibidem, p.46. 147 Vilma Aras. Clarice Lispector com a ponta dos dedos. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005, p. 52. 148 Ibidem, p. 53.
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primeiro a apresentarmos, Rudo de passos, nos introduz a uma senhora de oitenta e um anos, viva, que se interroga sobre o inesperado prazer com o qual se depara na vida cotidiana, buscando, no entanto, questes e afirmaes para o que lhe sucede em uma visita ao ginecologista. Este mdico, atento biologia mas no ao aspecto psicolgico da personagem, no tem outra resposta, exceto dizer que o desejo no se apaga com o tempo, h que viv-lo, e aconselha a senhora a reconhec-lo em sua existncia eterna. Sem muito a acrescentar, o ginecologista v-se surpreendido pela pergunta da senhora que urge por uma resposta pragmtica a respeito de um possvel parceiro que lhe desse a liberao que procura, visto que esta senhora ainda no quisera assimilar que o prazer no se vincula a um outro, mas descoberta de seu prprio corpo desejante. Entretanto, ela o descobre durante e aps essa visita ao ginecologista, o qual no lhe fornece nenhuma resposta s suas inquietaes. Notando que o mdico no lhe dera esperana quanto a encontros com outros, mesmo sendo estes pagos, ela o questiona:
A vida era isso, essa falta de vergonha? - E o que que eu fao? Ningum me quer mais... O mdico olhou-a com piedade. - No h remdio, minha senhora. - E se eu pagasse? -No ia adiantar de nada. A senhora tem que se lembrar que tem oitenta e um anos de idade. A pergunta que encerra esse assaz curto dilogo vem da senhora, que, cansada frente a tantas negativas, diz: - E... se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que eu quero dizer? Ao que o mdico responde com o breve - (...) pode ser um remdio., resposta opaca, baseada na incapacidade deste em compreender a insistncia da senhora em encontrar-se no que Clarice chama de mundo de artifcios,149 ao qual seguem duas consequncias: a alegria e a vergonha que experimenta a senhora Raposo. Vilma Aras aproxima os contos da Via crucis de comdias: A disparidade aproxima as narrativas de A via crucis do corpo da comdia, com seus personagens populares e temtica referente vida cotidiana. Mas uma comdia em vrios tons, misturando riso e brincadeiras com erotismo e melancolia, alm da stira demolidora e acre.150 Emprestando da autora esse binmio riso / melancolia, pensamos que, no caso da
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Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Op. cit.,p. 56. Vilma Aras, Clarice Lispector com a ponta dos dedos. Op. cit., p.54-55.
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senhora Raposo, apesar do peso de uma certa tristeza que a cerca, esta decide seu prprio destino, independente de quaisquer sentimentos de culpa: Tinha vergonha. Da em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste.151 O sempre triste da senhora Raposo no equivale a uma liberao que surge desenraizada da voz do Senhor, do Mestre em termos lacanianos, que neste caso se apresenta na figura do ginecologista, aquele a quem atribui o poder do conhecimento unicamente por ser mdico, mesmo desconfiando que saber no h e que o homem lhe dir como agir por pura fora da profisso. Mas a liberdade da senhora Raposo no depende da sociedade e talvez nem do marido, Antenor Raposo, supostamente morto, mas que surge potencialmente no ltimo pargrafo: Pareceu-lhe ouvir rudo de passos. Os passos de seu marido Antenor Raposo;152 perguntamo-nos se em sonho, delrio ou real presena que vem para repreend-la do ato de auto-prazer, visto que o marido permanece rondando a vida da senhora. Embora essa questo tambm seja apenas uma possibilidade a mais, qual se acrescenta a da crtica Aras a respeito do trao do cmico, no deixando de evocar o absurdo, que sempre surge no reino do cmico, mas que ainda o mundo do fantstico se mistura a estes rudos de passos, atribuindo ao conto uma certa qualidade de horror.153 Ficamos, de fato, sem resposta ao indagarmos sobre a morte do senhor Antenor Raposo; esta linha fina entre o desejo atingido e o desejo de morte ou simplesmente de maneira mais mstica, no se sabe se a senhora Raposo reencontraria na morte o seu marido ou ainda em vida. No captulo Em caso de ruptura (En cas de rupture), Kristeva sublinha a dificuldade de uma mulher aceitar a independncia, a perda ou a solido. Em Kristeva, o papel da mulher se define igualmente na proteo maternal que esta gera e recolhe. Desta forma, no caso de ruptura, h um sentido de privao. A senhora Raposo vive este estado no conto Rudo de passos, ou seja, a privao da sua prpria sexualidade abandonada, no consumida. O desejo de permanncia, a tendncia ao sedentarismo que ainda agora oprime a mulher em sociedade, tambm a oprime na sua deciso de independncia e de estar s. A senhora Raposo, se sabendo s, busca uma resposta ao inconveniente desejo, mas, no se conformando com a situao, ataca e resolve o problema mesmo com a tristeza final que se impe e quase obscurece o sentido da sua solido forada, se a considerarmos
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Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Op. cit., p. 56. Ibidem. 153 Vilma Aras. Clarice Lispector com a ponta dos dedos. Op. cit., p. 59 e 54.
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viva ou significante parte de um casamento no qual tambm j se deu a ruptura, j se estabeleceu a usura do abandono, j se morreu. Questionamos ento a solido imposta, mas no a escolhida em Rudo de passos, que produz uma estranheza do eu da protagonista, do viver dessa senhora Raposo. Kristeva observa que o ser humano se torna estrangeiro em um outro pas, porque j se estrangeiro no seu interior154. Estrangeiro em seu pas, metonmia que abarca o espao da casa da Senhora Raposo, partida entre o desejo e a depresso, a sua sociedade, a norma que rege e nos torna outros por vezes desatentos, outras vezes conscientes, como a personagem, cuja solido existe, consciente de que h outros pases, outras casas, outros cenrios para se viver. nesse momento de solido cohabitada pela independncia, ou vice-versa, que o conto Rudo de passos se encontra com o segundo conto a ser aqui analisado, o mais filosfico dos trs escolhidos, Por enquanto. Nesse estar temporal escolhido por Clarice, reina o esperar, como o esperar da senhora em Rudos; aqui tambm se espera enquanto se vive, um quase paralisar subsiste se deixarmo-lo se imbricar em nossas vidas. A narradora de Por enquanto explica o viver: viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E tudo isso por enquanto. Enquanto se vive.155 Este esperar aparentemente intil une-se compreenso do desejo do conto Rudo; alis, no h apenas a compreenso do desejo, mas o ser ativo procura deste, apesar de ser por enquanto. Neste conto, sucedem-se vrios fatos no espao temporal de um domingo: a narradora vai a uma festa e observa que todos os convivas esto pouco vontade; comenta mentalmente sobre seus filhos e o que esto fazendo em diferentes lugares do mundo; observa a sua profunda solido, mesmo quando pensa: Que fao? Telefono a mim mesma? Vai dar um triste sinal de ocupado, eu sei (Por enquanto).156 O conto traa um dia na vida desta narradora, que, como acorda cedo, espera o outro que vem v-la, vai festa, tenta escrever e observa que os dedos dem, vai comer, tomar vinho depois caf. A personagem ainda comenta sobre o calor do Brasil e da necessidade do arcondicionado, que este no um luxo, para finalmente aquiescer com a necessidade de perguntar o para qu?, fundamental no conto, pois o para qu? estabelece o nada e a espera que longa e que necessita ser justificada. Em sua disperso mental, para ela dez minutos parecem um dia, Machado de Assis lhe vem cabea e a narradora nota que
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Ou bien faut-il admettre quon devient tranger dans un autre pays parce quon est dj tranger de lintrieur? tranget, impulsion de ma culture. Julia Kristeva. Seule une femme. Op. cit., p. 55. 155 Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Op. cit., p. 45. 156 Ibidem, p. 46.
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nunca lera Jos de Alencar. Para terminar o seu dia, observa a saudade que tem dos filhos, da leitura de livros que nunca fez e que fumar melhora o estado mental, que o tempo se reduz por vezes a sentar e ver televiso; como o diz a narradora: Mas finalmente resolvi e vou ligar a televiso. A gente morre s vezes.157 Ao contrrio de Rudo de passos, a personagem deste conto j conhece o seu estar-no-mundo e no questiona da mesma forma o seu desejo. S com si mesma, como a senhora Raposo tambm o est, a narradora de Por enquanto vagueia em seus dilemas interiores e compreende que a morte no se d somente fisicamente, mas todos os dias, gradualmente, em alguns momentos mais intensa, em outros, simplesmente em uma festa ou diante da TV. Observamos ainda que o ttulo do conto Por enquanto guarda a filosfica espera que se indigna de no cessar de ver-viver o tempo passar. Este para sempre por enquanto leva-nos a realizar que o tempo faz parte do questionamento da existncia clariceana que dura apenas trs intensas pginas e contm a produo da auto-conscincia a qual nos remete Yalom, com a expresso do selfawareness breeds anxiety158, exatamente a ansiedade que percebemos ao longo do conto e da narrao sonhadora, porm extremamente perceptiva da personagem. A questo do saber involve impacincia e invoca frustraes com as quais tem que lidar a personagem-narradora do conto. Estes sentimentos ligam-se ao que Kristeva denominou o effet femme (efeito mulher), cujas conseqncias so inmeras, inclusive se quisermos classificar esta personagem de Por enquanto como a tpica histrica, que se embebe do papel da negatividade, do harclement qui pousse le pouvoir bout, qui le conteste. [...] fonction classique de lhystrique, qui est susceptible dclater, pourquoi pas, en symptme rvolutionnaire au sens positif, structurant de cette exprience.159 O negativo ao qual se refere Julia Kristeva surgir justamente na seqncia de questes que se coloca a narradora, no se conformando com nenhuma at ao final do conto, quando, enfim, entre o examinar do tempo (Faltam trs minutos para as sete) e a indeciso do quase-desespero da falta do que fazer, ela faz a escolha: Mas finalmente resolvi e vou ligar a televiso. A gente morre s vezes. O sintoma se transforma em positivo por um breve momento, no qual ela decide o que fazer, apesar de toda a estupefao que sente em ver televiso, que
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Ibidem, p. 47 Irvin D. Yalom. Executioner and other tales of psychotherapy. Op. cit., p. 12. 159 Julia Kristeva. Seule une femme. Op. cit., p. 117.
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chato [...] sozinha.160 Fecha-se o conto, entretanto, remontando-se aos sintomas histricos, inconformados pelo pequeno prazer ao qual finalmente se submete a narradora-personagem. No terceiro conto a analisarmos, Ele me bebeu, encontramos a protagonista Aurlia Nascimento fascinada com sua prpria maquiagem cotidiana. E mais ainda com a que usa ao sair noite. To fascinada com esta maquiagem, este novo rosto em cima das prprias expresses que oferecido por seu maquiador Serjoca que os dois acabam por se tornarem amigos. A narradora descreve assim a beleza de Aurlia, acrescida pelo brilhantismo do amigo: E (ele Serjoca) maquilava Aurlia Nascimento. Aurlia era bonita e, maquilada, ficava deslumbrante. Era loura, usava peruca e clios postios. Ficaram amigos. Saam juntos, essa coisa de ir jantar em boates. To amigos que Aurlia desenvolve uma simbitica dependncia de Serjoca: Todas as vezes que Aurlia queria ficar linda ligava para Serjoca. Serjoca tambm era bonito. Era magro e algo. E assim corriam as coisas.161 Lispector escolheu cuidadosamente os nomes dos personagens neste conto; Aurlia Nascimento, a nica personagem com sobrenome 162 e Serjoca, ambos parecem estabelecer uma dicotomia irnica ou mesmo um certo cinismo, visto que estes nomes mascaram em primeiro lugar o homem que se ocupa de mascarar outros com um nome que diverte, que faz parte do espetculo na sua leveza, mas que toca o frgil pejorativo do sufixo do grau aumentativo oca, justamente causado por uma leveza que se torna extrema. Aurlia Nascimento a beleza personificada, rodeada pela palavra seduo. A respeito deste tema, Kristeva observa:
Seduzir fascinar os outros, tir-los da sua maneira ordinria de sentir, de amar, de pensar, coloc-los sob o charme. Esta magia pode ser feita inocentemente, pela simples graa de uma existncia que se revela, desinvolta e leve, sem a preocupao de se conhecer. Existe uma outra maneira de fascinar, que subjuga pois ela impe uma beleza que no ignora seus segredos.163
160 161
Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Op. cit., p. 47. Ibidem, p. 41. 162 Conforme aponta Vilma Aras : a protagonista de Ele me bebeu, significativamente chamada Aurlia Nascimento. Clarice Lispector com a ponta dos dedos. Op. cit., p. 55. 163 Sduire, cest fasciner les autres, les sortir de leur manire ordinaire de sentir, daimer, de penser, les mettre sous le charme. Cette magie peut se faire navement, par la simple grce dune existence qui se dploie, dsinvolte et lgre, sans souci de se connatre. Il en existe une autre, qui subjugue parce quelle impose une beaut qui nignore que ses secrets. (Le mystre de la sduction, p. 63).
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O nome de Aurlia remete ainda sua etimologia dourada, do ouro bem como ao nascimento constante, que no cessa de provocar o eterno retorno humano ao seu ser o que , ao simples ser, ao nascimento. Aurlia necessitar percorrer o seu no-ser para v-lo, identificando-o com o possvel ser simplesmente Aurlia Nas-ci-men-to nascente. Mas para isso, precisar primeiro compreender seu desaparecimento, o sumio da sua face que se tornara uma cara s de carne164, no-indicadora da sua pessoa com suas mudanas e desejos, do seu eu. Desaparecendo aos poucos e realizando o evento, Aurlia dever sair de um estado de leveza banal, criado por Serjoca-- Serjoca tinha anulado o seu rosto. Mesmo os ossos (...), para encontrar seu verdadeiro rosto, sem maquiagem, humano, triste, delicado.165 Em seu romance A insustentvel leveza do ser, romance que marcou a dcada de 80 em literatura, o escritor tcheco naturalizado francs Milan Kundera elabora a questo segundo a qual alguns seres no se sustentam sem o peso que carregam, mostrando este fator a partir da teoria do eterno retorno estabelecida pelo filsofo alemo Nietzsche, conforme a qual a vida se repetiria ad infinitum em um ciclo repetitivo. Kundera lembra o leitor que a vida figura realmente como o mais pesado dos pesos (Das shwerste Gewicht), no sendo este, entretanto, apenas um fato negativo. O escritor persiste e preconiza mais alm: The heavier the burden, the closer our lives come to the earth, the more real and truthful they become. Por outro lado, quanto leveza, esta pode se desprender facilmente da terra e resultar em uma vida cuja realidade se d apenas pela metade. Segundo Kundera, his movements are as fre e as they are insignificant, ou seja, seres vagam perdidos em sua perplexa leveza de existir, uma perplexidade que no se indaga, que no faz questionamentos. A pergunta inicial que nos demanda o escritor a de saber qual dos dois lados escolher, a leveza ou o peso?, pergunta disfarada de ironia, pois no se pode decidir entre um e outro, sendo a vida mais complexa que o tema montono que uma escolha especfica/determinada necessitaria. Esta mesma questo surge no conto Ele me bebeu, de Lispector. O escritor Milan Kundera ainda nota que Parmnides, seis sculos antes de Jesus Cristo, fora o filsofo que propusera tais dicotomias entre negativo/positivo; luz/escurido; frio/quente; etc; o romancista apodera-se deste legado a fim de encontrar a soluo, se esta existe, ou seja, em saber qual dos dois lados seria ento o positivo: o leve ou o
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Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Op. cit. p. 43. Ibidem, p. 44.
Revista Acadmica, Ano 4, ns 6-8 2012 UNIBR, Faculdades So Sebastio pesado? Apesar de criticar a dicotomia parmediana como childish
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, Kundera
enfatiza, entretanto, que nos resta fazer uma escolha e como tal escolha ser difcil. Cria ento um mundo no qual trs personagens se encontraro, gerando o turbilho usual de um tringulo inevitvel. o que Clarice Lispector prope em seu conto Ele me bebeu, cujos movimentos of the body and enunciation, [...] follows a theme. Rather than a narrative order, there is an organic order.167 Neste conto, Clarice apresenta-nos igualmente trs personagens: Aurlia Nascimento, Serjoca e Affonso, todos caracterizando uma trivial leveza que, tanto em Aurlia como em Serjoca ou Affonso, se d como positiva, porm enganosa, pois pouco a pouco Aurlia necessitar ver-se como tal e no como a bela maquiada por Serjoca, e esta transformao ou compreenso por parte da personagem custar-lhe- ponderar o peso da sua vida, da sua realidade que no se demonstra negativa, mas realizadora de uma pessoa ntegra. Que lado escolher ento diante da complexidade da vida e dos fatos que se desenrolam sem que estejamos preparados para a sua apario e conseqncias? Yalom aponta para a disparidade da espera dos fatos representativos de sentido na vida: The search for meaning, much like the search for pleasure, must be conducted obliquely. Meaning ensues from activity: the more we deliberatly pursue it, the less likely are we to find it; the rational questions one can pose about meaning will always outlast the answers.168 A incerteza da busca trai Aurlia, cujas esperanas iniciais, sobretudo a de ter um amigo de forma incondicional e a de conhecer um amor, derrubam-se de forma sbita como a longa espera do primeiro encontro do trio, que reflete a espera do txi que nunca chega no conto de Clarice Lispector. A espera assim o mote que possibilita o desenrolar destes eventos, ou seja, permite que Affonso, o terceiro a aparecer neste tringulo, possa oferecer uma carona, logo aps observar os amigos: Viu a impacincia de Aurlia que batia com os ps na calada. Interessante essa mulher, pensou Affonso. E quer carro. 169 Marcadamente vaidoso por ter mercedes com chofer, Affonso representa a ambigidade que falta nos dois personagens, de incio mais banais e sem perspectiva. Em Ele me bebeu vemos logo de incio, que Aurlia do Nascimento e Serjoca, amigos de dias e de noitadas, tero sua amizade transformada por este terceiro,
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Milan Kundera. The unbearable lightness of being. Trans. Michael Henry Heim. New York: Harper Perennial Modern Classics, 1999, p. 5. 167 Hlne Cixous. Reading with Clarice Lispector. Op. cit., p.15. 168 Yalom, Executioner and other tales of psychotherapy. Op. cit., p. 13. 169 Clarice Lispector. A via-crucis do corpo. Op. cit., p. 41-42.
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Affonso, que, surgindo casualmente, oferece-lhes uma carona em uma noite na qual [...] na pior hora do trnsito, Aurlia e Serjoca estavam em p junto do Copacabana Palace e esperavam inutilmente um txi. Serjoca de cansao, encostara-se numa rvore. Aurlia impaciente. (...)170, pois os txis haviam desaparecido. Ainda nesta noite, momentos depois, Affonso vendo o casal e, desejoso de melhor conhec-los, convidaos para um drink em uma boite noturna. Serjoca e Aurlia se mostram em toda sua alegria e aceitam o convite. A noite se passa com muitas conversas e Affonso se interessa mais e mais por Serjoca, apesar de ter feito um passe a Aurlia quando embaixo da mesa, encostou o p no p de Aurlia.171 No entanto, Aurlia cedo compreende a preferncia por e de Serjoca que, segundo consta no conto, [...] no queria nada com mulheres. Queria homens.172 Ela se distancia assim do seu amigo, deixando-o vontade para sair com Affonso. Affonso falava mais com Serjoca, mal olhava para Aurlia: estava interessado no rapaz. (...) Depois de alguns jantares entre os trs, Aurlia conlcui que no h lugar para ela; Serjoca marcou encontro com Affonso para a noite. Aurlia disse que no podia ir, estava cansada. Era mentira: no ia porque no tinha cara para mostrar (44). Essa falta de cara que Aurlia pressente inicia-se antes de um dos encontros com Affonso, no qual Serjoca vai a sua casa para maqui-la. Neste processo de embelezamento, Aurlia reflete: Serjoca est me tirando o rosto. A impresso era a de que ele apagava os seus traos: vazia () (43). Em seguida, j no restaurante com Serjoca e Affonso, Aurlia sente-se mal e vai ao banheiro, momento no qual se observa no espelho e compreende: Era isso mesmo que ela imaginara: Serjoca tinha anulado o seu rosto. [...] mesmo os ossos tinham desaparecido. Ele est me bebendo, pensou, ele vai me destruir. E por causa do Affonso. Como a narradora do conto Por enquanto, Aurlia Nascimento observa a sua morte, evento que a primeira narradora que citamos o diz sem titubear: A gente morre s vezes . Aurlia, entretanto renascer aps acordar e encontrar-se.173 Para se acordar, Aurlia se esbofeteia, com a esperana de que volte a ser aquela que sabia ser. A personagem- escritora de Por enquanto no desenvolve essa ao, mas permanece no questionamento filosfico e conforma-se com a idia iminente da morte a cada momento, embora a escritora Clarice perceba-o veementemente: I trust in my incomprehension, which has given me a life free of understanding, Ive lost friends, I
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Ibidem, p. 41 Ibidem, p. 43. 172 Ibidem, p. 41. 173 Ibidem, p. 44 e 47.
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dont understand death.174 A incompreenso faz com que a recusa da morte torne-se mais malevel como conceito com o qual viver a autora, continuando a produzir textos que reencontram o tema, mesmo que, por vezes, este ltimo esteja subjacente ao tema central. Nesses trs contos analisados, vimos o encontro entre Clarice Lispector e Julia Kristeva na condio de ser mulher e lutar pelo ser. No basta fascinar ou seduzir o outro como o nota Kristeva; esta arte a mais fcil, a mais leve. Difcil passagem se sustentar em seu ser mulher com o cuidado de se conhecer.175 A gravidade que impe o cuidado do auto-conhecimento se aproxima do que Milan Kundera denominou o peso da existncia e que Yalom define como One of the great paradoxes of life is that self awareness breeds anxiety.176 Em Clarice, a ansiedade em forma do peso kunderiano prova-se nos menores detalhes e nas travessias de um momento trivial e inconsciente conscincia do eu sou eu, da escolha de ser quem se , como o fazem as narradoras dos trs contos: a senhora Raposo e a busca e o encontro do seu prazer; a narradora de Por enquanto, que observa o tempo que no passa e depois passa com ex trema rapidez, levando a reconhecer assim a sua prpria morte, detalhe necessrio para a escolha do eu sou eu; e finalmente Aurlia Nascimento, que, ao notar que est sendo vampirizada, bebida pelo outro, decide afirmar seu rosto limpo, diante do espelho, observando que existe e que acabara de nascer.177 Julia Kristeva, no deixando de citar Lispector ao discorrer sobre a solido feminina, celebra tais momentos com a frase: Felizmente que ainda h pessoas, e especialmente mulheres, (...) que sentem a necessidade de procurar verdades passageiras para continuar a viver.178 O para qu? clariceano com o qual iniciamos este artigo, insere-se em todas as etapas vividas pelas trs mulheres, foco dos trs contos que analisamos neste artigo. Finalmente, no h resposta questo formulada por Clarice em seu conto Por enquanto, o que resta aprender a viver e a respirar o possvel ar dos eventos que se transformam diariamente.
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Hlne Cixous, Reading with Clarice Lispector. Op. cit., p. 13. Julia Kristeva. Seule une femme. Op. cit., p. 63. 176 Irvim D. Yalom. Executioner and other tales of psychotherapy. Op. cit., p. 12. 177 Clarice Lispector, A via-crucis do corpo. Op. cit., p. 44 178 Encore heureux quil reste des gens, et notamment des femmes, parat-il, qui ont besoin de chercher des verits passagres pour continuer vivre. Julia Kristeva. Seule une femme. Op. cit., p. 50.
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ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. The Madness of Lispectors Writing. Oliveira, Solange Ribeiro and Still, Judith. Eds. Brazilian feminists. Nottingham: U of Nottingham, 1999. 101-115. ARAS, Vilma. Clarice Lispector com a ponta dos dedos. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005. CIXOUS, Hlne. Reading with Clarice Lispector. Ed., Trad. and Intro Verena Andermatt Conley. Theory and History of Literature, vol 73. Minnesota, U of Minnesota Press, 1990. KUNDERA, Milan. The unbearable lightness of being. Trans. Michael Henry Heim. New York: Harper Perennial Modern Classics, 1999. KRISTEVA, Julia. Seule une femme. Intro. Marie-Christine Navarro. Paris : Ed. de laube, 2008. LISPECTOR, Clarice. Ele me bebeu, Por Enquanto, Rudo de Passos. A Viacrucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1974. VIEIRA, Nelson H.. Feminismo transcultural em Clarice Lispector: Disemia ou o conflito entre auto-representao e autoconhecimento. Ferreira-Pinto Bailey, Cristina and Regina ZI. Ed. Clarice Lispector. Novos Aportes Crticos. Pittsburgh: University of Pittsburgh, Istituto Internacional de Literatura Iberoamericana. YALOM, Irvin D. Loves executioner and other tales of psychotherapy. New York: Perennial Classics, 2000.
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A importncia do processo de ensino e aprendizagem no mbito do desenvolvimento econmico do indivduo: um estudo sobre educao financeira Alberto Manoel SCHERRER*
Resumo: O presente artigo trata da questo do processo de ensino e aprendizagem, que de fundamental importncia para a obteno de sucesso econmico do indivduo, especialmente quando esse obtm conhecimentos sobre a educao financeira. A gesto racional dos recursos monetrios disponveis condiciona o indivduo a galgar de forma segura os degraus na escalada da busca por melhorias no padro de vida. A adequao do padro de vida, induzida pelos dados contidos nas planilhas elaboradas e geridas cotidianamente no se apresenta como um fracasso. Como se procurar demonstrar, esse controle realizado com o grau de detalhamento possvel cada situao, propicia tambm a preservao de valores monetrios para serem utilizados em atividades de lazer e congneres. Tudo isso possvel por meio da execuo de tarefas solidamente aprendidas sobre a educao financeira. Palavras-chave: Ensino, aprendizagem, economia, finanas, indivduo.
Introduo
O processo de ensino e aprendizagem parte integrante do cotidiano das pessoas e organizaes. No se concebe a plena consecuo do ensino, sem que haja, no mesmo nvel, a compreenso dos postulados emitidos. A concepo fundamental est em que no se trata de algo esttico. Antes, tratase de uma atitude dinmica e contnua, o que preceitua o ensino e aprendizagem como um processo. Uma vez compreendidos e praticados os conceitos, emerge a figura do aprendizado concreto, conferindo ao seu detentor conhecimentos eficientes para a consecuo de seus projetos. Tal premissa acentuadamente verificada no mbito das questes econmicas, mormente aquelas especficas relativas ao trato financeiro. Uma gesto eficaz dos recursos, por meio de uma adequao racional de sua utilizao, propiciar resultados positivos, tornando-se pilar de sustentao em tempo de crise financeira. Neste sentido, depreende-se que o indivduo possuidor dos conhecimentos necessrios uma gesto econmica pessoal, capaz de produzir melhores e consistentes resultados financeiros e, fundamentado em tal aprendizado, torna-se mais capacitado ao enfrentamento das adversidades que porventura se lhe apresentarem Assim, o entendimento de que a educao financeira capacita o indivduo a obter condies econmicas que lhe assegurem uma melhoria em seu padro de vida.
Contador, mestrando em Planejamento e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubat (UNITAU) Tambat-SP. prof.scherrer@uol.com.br.
Revista Acadmica, Ano 4, ns 6-8 2012 UNIBR, Faculdades So Sebastio 1. Ensino e aprendizagem: conceitos fundamentais
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Cabe preliminarmente entender-se os significados originais das expresso ensino e aprendizagem. Quanto primeira expresso, a palavra ensino deriva de ensinar, que origina-se do latim, significando a colocao de marcas ou sinais, ou ainda, mostrar coisas. Conforme ensina Lopes179, a expresso, em sua abordagem no latim, equivale a designar ou indicar. Em relao expresso aprendizagem, a nfase recai sobre o entendimento de que tal palavra reflete o resultado. Neste sentido, Botom ensino e aprendizagem no se apresentam em condies estticas.180 Antes, diz o autor, tratar-se de um processo, por considerar sua dinmica contnua, haja vista que, notoriamente tem-se, diante de fatos novos que se sucedem nas vidas da pessoas, o desafio do constante aprender sobre as novidades apresentadas na convivncia pessoal e/ou profissional. O Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa insere no contexto das definies da expresso ensino, como sendo uma transferncia de conhecimento. Em relao expresso aprendizagem, o mesmo dicionrio traz como definio, em sua forma de acepo, como sendo um ato ou uma experincia.181 Com base nas premissas acima, o entendimento de que ensino e aprendizagem so expresses que, por suas prprias naturezas, induzem concepo de intimidade entre ambas, uma vez que no se poder verificar a plenitude do ensinamento, caso no haja compreenso e prtica conseqente de conceitos emitidos. Dessa forma, pode-se tambm conceber uma logstica reversa para o estabelecimento de uma compreenso de que para que haja aprendizagem, necessrio que haja ensino. Destarte, o que se depreende a convivncia harmnica dos significados das palavras aqui enfatizadas, resultando em um efeito sncrono, quando apresentados seus conceitos fundamentais por meio de um experimento. Consideradas as expresses sob a tica de Botom, ao enfatizar ensino e aprendizagem como processo e no algo esttico182, emergem as palavras de Santos: [...] o processo de ensino e aprendizagem composto por duas partes: ensinar, que exprime uma atividade, e aprender, que envolve certo grau de realizao de uma determinada tarefa com xito.183 O mesmo autor aponta para a complexidade do tema e, no sentido didtico, apresenta referenciais tericos de diversos outros autores, sob a nfase de quatro aspectos, quais sejam: a escola, o aluno, o professor e o processo de ensino e aprendizagem, cujos critrios so diferentes para agrupar correntes tericas similares, como se v no quadro abaixo:
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Eliane Marta Teixeira Lopes. Ensinar aprender. In Proceedings of the 3. Colquio do LEPSI IP/FEUSP, 2001, San Pablo, So Paulo: So Paulo (SPSPSP, Brazil) [online], p. 1. Disponvel em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032001000300010&ln g=en&nrm=iso>. Acesso em 04/01/2012. 180 Paulo Silvio Botom; Mitsue Olga Kubo. Ensino e aprendizagem: uma interao entre dois processos Comportamentais. Disponvel em: <http://portal.revistas.bvs.br/index.php?search=InteraAo%20(Curitiba)&connector=ET&lang=pt> Acesso em 03/01/2012, p. 2. 181 Dicionrio Houaiss. Disponvel em: <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=ensino> Acesso em 04/01/2012.
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Ibidem. Roberto Vatan Santos. Abordagens do processo de ensino e aprendizagem. Disponvel em <ftp://www.usjt.br/pub/revint/19_40.pdf> Acesso em 03/01/2012, p. 20.
Revista Acadmica, Ano 4, ns 6-8 2012 UNIBR, Faculdades So Sebastio QUADRO I Algumas abordagens do processo de ensino e aprendizagem AUTOR NOMENCLATURA Pedagogia da Transmisso; Bordenave (1984) Pedagogia da Moldagem; Pedagogia da Problematizao. Libneo (1982)
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Saviani (1984)
Mizukami (1986)
Pedagogia Liberal, em suas verses: o Conservadora; o Renovada Progressista; o Renovada no-diretiva Pedagogia Progressista, em suas verses: o Libertadora; o Libertria; o De Contedos. Teorias No-crticas o Pedagogia Tradicional; o Pedagogia Nova; o Pedagogia Tecnicista. Teorias crtico-reprodutivistas o Sistemas de ensino enquanto violncia simblica; o Escola enquanto aparelho ideolgico de Estado; o Escola dualista. Abordagem tradicional; Abordagem comportamentalista; Abordagem humanista; Abordagem cognitivista; Abordagem sociocultural.
Fonte: Adaptado de Santos (2005, p.20)
Pode-se observar, mediante o quadro apresentado, a complexidade do tema que, estudado sob a tica de vrias teorias, apresenta abordagem distinta. Neste sentido, Santos observa que uma profunda interao entre a escola e o processo social, onde e quando as influncias de ambos um sobre o outro, so constantes, quando um e outro agem como agente influenciador e como influenciado por aquele.184 A observao que se evidencia, sobre a questo individual no processo de ensino e aprendizagem, apontando para as dificuldades especficas de cada um e no somente uma viso de coletividade, at porque cada indivduo tem suas prprias potencialidades e dificuldades. Neste aspecto, destacam-se os dizeres de Barbosa, ao explicitamente comentar: Se conseguirmos considerar a dificuldade como parte integrante da aprendizagem, ser muito mais fcil lidarmos com ela. 185 Tais palavras
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Ibidem. Laura Monte Serrat Barbosa. Reflexes sobre a aprendizagem no mundo contemporneo. Disponvel em: <http://www.abpp.com.br/artigos/81.htm> Acesso em 04/01/2012, p. 2.
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corroboram enfaticamente com mais um elemento inerente aprendizagem, que a dificuldade e, at mesmo, a especificidade de cada ser humano, o que demanda a existncia de um procedimento de ensino adaptvel e perfeitamente adaptado s condies endgenas do indivduo. O que se pode perceber com nitidez que o desenvolvimento inicia-se no indivduo, que multiplicar o ensinamento aprendido, com o intuito de promover melhorias sistmicas, das quais fazem parte uma educao metodologicamente para a compreenso das questes financeiras no mbito das potencialidades e necessidades individuais.
2. Desenvolvimento econmico individual: educao financeira Uma relao direta no processo de ensino e aprendizagem est caracterizada na convivncia do aluno com o professor, onde aquele (aluno) enxerga nesse (professor) e elemento facilitador, a quem cumpre traduzir de forma inteligvel as questes que se lhe apresentarem obscuras e/ou com certo grau de dificuldade de compreenso. Uma vez estabelecido este elo, a conseqncia imediata o surgimento da confiana mtua, elemento primordial para a concretizao das propostas que se estabelecerem. neste ambiente de confiana que as competncias (no sentido de potencialidade) surgiro e que propiciaro um aprendizado eficaz. No mbito das questes econmicas, tais premissas no se diferem. Uma vez apontada e evidenciada a importncia de uma educao financeira como sustentadora de muitas outras atividades e pretenses inerentes ao desenvolvimento individual: educao, sade, vesturio, lazer, dentre outras, o aproveitamento das capacidades individuais ser concreto, trazendo de per se facilitaes tanto na emisso de conceitos, como na compreenso e prtica desses. As premissas aqui inseridas tratam do entendimento de que o conhecimento sobre economia pode alterar o comportamento das pessoas e, alm disso, a educao financeira (vista sob o aspecto saber escolher melhores e mais eficazes maneiras de negociaes) pode impactar o nvel de desenvolvimento econmico de cada indivduo. A concepo de desenvolvimento est intrinsecamente atrelada ao entendimento de que uma pessoa, um grupo, uma sociedade perceber-se- em processo de desenvolvimento, a partir da coexistncia de vrios aspectos em suas vidas, tais como: acesso a educao, sistema de sade, habitao condigna, sistema de transporte e saneamento condizentes com as necessidades individuais e coletivas, pleno emprego e progresso profissional. O desenvolvimento econmico tambm no concebido exclusivamente sob o entendimento de melhorias financeiras. Antes, seu alcance transcende aos fatores de progresso no padro de vida: situa-se na esfera de modificaes positivas estruturais que propiciem benefcios populao. Neste sentido, Trajano esclarece que: [...] J o desenvolvimento econmico o crescimento econmico acompanhado pela melhoria do padro de vida da populao e por alteraes fundamentais na estrutura econmica e social.186 Tal afirmativa consubstancia a ideia de desenvolvimento em sua viso ampla, alm do enfoque puramente financeiro. Ainda no enfoque do desenvolvimento em seu sentido amplo, necessrio considerar as liberdades instrumentais elaboradas por Sen, ao denomin-las como (1)
186
Edson Vieira Trajano. Industrializao e polticas de desenvolvimento regional: o Vale do Paraba paulista na segunda metade do sculo XX. 2009. 177 f. Tese (Doutorado em Cincias Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, 2009, p. 18.
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liberdades polticas, (2) facilidades econmicas, (3) oportunidades sociais, (4) garantias de transparncia e (5) segurana protetora.187 O autor chama ateno para o fato de que, ao se delibar sobre polticas de desenvolvimento, necessrio ponderar sobre as interligaes dessas liberdades. Assevera tambm o autor que o direito s transaes econmicas tende a ser um motor do crescimento econmico, como se observa em suas palavras: O fato de que o direito s transaes econmicas tende a ser um grande motor do crescimento econmico tem sido amplamente aceito. Mas muitas outras relaes permanecem pouco reconhecidas, e precisam ser mais plenamente compreendidas na anlise das polticas. O crescimento econmico pode ajudar no s elevando rendas privadas, mas tambm possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a interveno governamental ativa. Portanto, a contribuio do crescimento econmico tem de ser julgada no apenas pelo aumento de rendas privadas, mas tambm pela expanso de servios sociais (incluindo, em muitos casos, redes de segurana social) que o crescimento econmico pode possibilitar.188 A percepo e participao ativa nesses enfoques, implica naturalmente em possibilidade de melhoria da qualidade de vida, haja vista que as questes scioeconmicas, verdadeiras molas propulsoras do progresso, estaro presentes, propiciando o progresso com qualidade de vida. Como conseqncia, a regio que contiver tais estruturas perceber o impacto de ordem econmica que, contingentemente, propiciar um crculo virtuoso de progresso e desenvolvimento, no sentido mais amplo e profundo. As observaes de desenvolvimento no mbito de uma regio e/ou um local, so tambm vlidas no plano individual, at porque pode haver impactos mtuos entre tais concepes, ou seja, o desenvolvimento regional tem a propriedade de impactar o indivduo e a recproca tem-se como verdadeira. A questo primordial que o indivduo esteja devidamente preparado sob a tica da cultura econmica, a fim de que possa utilizar convenientemente seus recursos monetrios, que podero propiciar uma melhoria no padro de vida. No se trata aqui de exigir que o possuidor de recursos financeiros tenha um entendimento mais aprofundado em questes contbeis e de economia. Porm, mister que a utilizao racional dos recursos monetrios seja de tal forma executada, a fim de que no haja dilapidao do potencial financeiro sob sua posse. A educao financeira, no sentido da utilizao dos recursos disponveis, est atrelada concepo de vida de cada indivduo, ou seja, a forma com a qual se utiliza o dinheiro tem uma relao intrnseca com o modus vivendi das pessoas.Tal concepo encontram amparo nas palavras de Domingos: A maneira pela qual voc lida com o dinheiro diz muito do seu emocional.189 Cria-se uma certa identidade emocional financeira, que permear as decises tomadas. Uma das dificuldades das pessoas a ansiedade que o dinheiro (ou sua falta) causa no ser humano, principalmente quando no se tem a correta perspectiva de vida, no seu sentido amplo. Existe uma certa confuso em se determinar o conceito de classe social. Muitos, entendendo equivocadamente que classe social est relacionada direta e
187
Amartya Kumar Sen. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta; Rev. Tec. Ricardo Doniselli Mendes. So Paulo: Companhia das Letras, 2000. 188 Ibidem, p. 57. 189 Reinaldo Domingos. Terapia financeira. So Paulo: Elevao, 2007, p. 49.
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proporcionalmente s condies financeiras, cometem verdadeiros desatinos, adquirindo coisas que o dinheiro disponvel no pode pagar e, no af de assim prosseguir, acabam inevitavelmente endividados, a ponto de viver em constante desequilbrio financeiro, pelo motivo simples de no controlar adequadamente as chamas pequenas despesas, que, por sua prpria natureza, no ser percebidas e, na somatria de um determinado perodo, normalmente um ms, apontam um volume exacerbado de gastos, cujo controle prioritrio no mbito da educao financeira. Assim, com plena razo que se expressa Domingos:[...] toda vez que for comprar algo, procure observar o sentimento e a motivao por trs da compra. Agindo dessa forma, emerge, pela racionalidade dos gastos, a to propalada educao financeira. Neste sentido, o mesmo autor alerta: Tenha em mente que o equilbrio financeiro depende, em primeiro lugar, da reduo dos pequenos gastos e despesas.190 Essa afirmativa corrobora com o propsito de se procurar gerir os recursos monetrios de forma racional, transparente, segura e benfica. Como base de mensurao e detalhamento, com o fito de exemplificar as noes tericas at aqui dispostas, procurar-se- demonstrar quantitativa e qualitativamente os benefcios trazidos pela consecuo de um bom gerenciamento das finanas individuais, a partir de fatos simulados, mas no distantes da realidade de grande parte da populao. A proposta apresentar os elementos em trs etapas: a primeira, quando o controle no contempla os gastos por rea de interesse/necessidade e, como conseqncia, no se tem o devido direcionamento para utilizar possvel sobra monetria mensal. A segunda, contemplando os gastos de forma minuciosa, a fim de que melhor sejam gerenciados (verificao de possveis distores entre o orado e o gasto real). Na terceira etapa, apresenta-se uma vertente no existente nas concepes anteriores, que a demonstrao quantitativa da parcela cujo destino a manuteno do padro de vida. Em outras palavras, o valor que poder ser dispendido para cobrir os gastos do ms, destacando-se o valor a ser reservado para a realizao de ideais, como por exemplo: compra de carro novo, viagens de frias e congneres. Primeiramente, apresenta-se a planilha com informaes resumidas sobre gastos e receitas. Planilha I: Despesas e Receitas do ms X Descrio
Valor (R$) 3,14 6,22 8,66 26,79 20,02 7,58 27,59 100,00
Consumo de gua 58,00 Consumo de Energia Eltrica 115,00 Despesas Gastos com Telefonia 160,00 do Prestao do Imvel 495,00 perodo Gatos com Mercado 370,00 Gastos com Transporte 140,00 Gatos com Educao 510,00 Total das Despesas 1.848,00 Total das Receitas (Salrio INSS) 1.980,00 Saldo 132,00
Fonte: Adaptado de Domingos (2007, p.38)
, em grande medida, o controle que os indivduos que no possuem formao especfica em educao financeira, elabora para fins de seu controle.
190
Ibidem, p. 57 e 49.
90
Uma fragilidade apontada que os valores no se referem a um oramento. Sim, a gastos efetivamente realizados, sobre os quais no mais se tem controle. Outra faceta enganosa na planilha, em relao aos percentuais encontrados. Note-se que tais porcentagens indicam s e to somente s, a relao entre determinada despesa e o total de gastos, o que no tem excelncia de representatividade para fins gerenciais. O ideal que os percentuais apontem, tambm, o reflexo dos gastos sobre a receita lquida, informando o comprometimento daquela rubrica sobre os proventos recebidos. Na planilha seguinte, apresenta-se, utilizando os mesmos valores globais, um detalhamento dos gastos, onde a porcentagem est relacionada direta e proporcionalmente receita lquida (salrio lquido ou rendimento equivalente). Planilha II: Despesas e Receitas do ms X Descrio Gastos Consumo de gua com a Consumo de Energia Eltrica residncia Despesas com Telefonia Gastos com Mercado Manuteno da Residncia Gastos Transportes com Medicamentos pessoas Convnio mdico Gastos Mensalidade com Curso extraordinrio Educao Material escolar Lanches Gastos Vesturio Diversos Cosmticos e Cabelereiro Lazer Gorjetas Almoo, lanches etc Total das Despesas Total das Receitas (Salrio INSS) Resultado do padro de vida adotado
Valor (R$) 58,00 115,00 160,00 370,00 190,00 140,00 40,00 115,00 450,00 60,0 15,00 105,00 120,00 80,00 65,00 20,00 90,00 2.193,00 1.980,00 (213,00)
A evidncia da planilha est em que seu detalhamento aponta todos os itens de gastos do perodo em anlise e tais informaes devero formar a srie histrica de gastos para a elaborao de um oramento e, no momento da concepo desse (oramento), o indivduo ter as condies necessrias para gerir as despesas, uma vez que, comparado com o valor lquido do provento, o padro de vida adotado no est sendo suportado pelas receitas, o que implica, naturalmente, em endividamento por meio de carto de crdito ou emprstimos congneres, sempre onerados com altas taxas de juros e encargos que as instituies financeiras cobram de seus clientes. Mediante essas constataes, o ideal que seja, preliminarmente, elaborada uma planilha de previses (oramento), que aponte trs quesitos fundamentais: o primeiro, sempre o nvel de receita lquida a ser auferida. O segundo, os gastos insubstituveis (tais como: prestao do imvel, os consumos pertinentes ao imvel e alimentao). O terceiro quesito, trata da reserva prevista para utilizao em perodo de frias. Dessa maneira, a planilha poder ser construda conforme o modelo a seguir sugerido:
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Planilha III: Adequao do padro de vida 1.980,00 Total dos proventos (lquidos) 99,00 (-) Reteno para viagens de frias (5%) (-) Prestao do imvel e despesas regulares insubstituveis 1.198,00 250,00 (-) Reteno mensal para sonho do carro prprio 433,00 SALDO PARA ADEQUAO DO PADRO DE VIDA
Comparando-se a planilha III com a anterior, percebe-se que haver que se fazer um ajuste nos gastos gerais, razo de R$ 775,00 uma vez que naquela planilha (III) havia um excesso de gastos apontado, gerando um dficit mensal de R$ 213,00 para cuja cobertura demandaria um emprstimo, como j citado. Como o total de gastos na planilha II indica o montante de R$ 2.193,00 enquanto que na planilha III o valor disponvel de R$ 1.631,00 (R$ 1.198,00 + R$ 433,00), o volume de gastos a ser eliminado de R$ 562,00. Com base nessas providncias, a educao financeira cumpriria cabalmente seu propsito, pois, alm de evitar endividamento com emprstimos, geraria ao final de um ano, reservas monetrias suficientes para usufruir adequadamente do perodo de descanso, assim como facilitaria em grande escala a obteno do desejado veculo prprio. Nota-se assim, que a construo de uma vida econmica equilibrada est calcada em trs pilares de sustentao, quais sejam: a) No permitir que o emocional seja o controlador do consumo, em seu sentido geral; b) Adequar seu padro de vida ao nvel dos rendimentos lquidos; c) jamais abandonar a prtica do oramento e vigiar cotidianamente seu cumprimento. Mediante a adoo de tais posturas, entendendo os propsitos elementares dos fatores econmicos implcitos s atitudes pessoais, o indivduo certamente sentir-se- seguro e capaz de alcanar melhores padres de vida.
Concluso O presente trabalho procurou demonstrar que o processo de ensino e aprendizagem de fundamental importncia para o desenvolvimento das pessoas, em seu sentido lato. Em relao s questes econmicas, tal premissa se confirma, uma vez que os indivduos detentores de saberes especficos relativos ao controle de gastos e estabelecimento de previses e provises para consecuo de projetos futuros, certamente experimentaro uma melhora no padro de vida, fomentado pela correta utilizao dos recursos disponveis. Fica tambm evidenciada tambm a necessidade de se adotar um comportamento racional nas compras e gastos em geral, desatrelando, no que possvel for, o aspecto emocional quando das aquisies, a fim de que as metas propostas sejam atingidas com xito. As ferramentas que as cincias econmicas dispe so eficazes e eficientes para a elaborao de planilhas de oramento e acompanhamento das realizaes previstas, a fim de que possveis distores sejam corrigidas tempestivamente. Ademais, a concepo da educao financeira contempla em seus fundamentos diretrizes capazes de alavancar o desenvolvimento econmico do indivduo, propiciando-lhe efetivas e duradouras condies que visem o crescimento contnuo.
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BARBOSA, Laura Monte Serrat. Reflexes sobre a aprendizagem no mundo Contemporneo. Disponvel em <http://www.abpp.com.br/artigos/81.htm> Acesso em 04/01/2012. BOTOM, Paulo Silvio; KUBO, Mitsue Olga. Ensino e aprendizagem: uma interao entre dois processos comportamentais. Disponvel em: <http://portal.revistas.bvs.br/index.php?search=InteraAo%20(Curitiba)&connector=ET &lang=pt> Acesso em 03/01/2012. DICIONRIO HOUAISS. Disponvel em <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=ensino> Acesso em 04/01/2012. DOMINGOS, Reinaldo. Terapia financeira. So Paulo: Elevao, 2007. LOPES, Eliane Marta Teixeira. Ensinar aprender. In Proceedings of the 3. Colquio do LEPSI IP/FE-USP, 2001, San Pablo, So Paulo: So Paulo (SPSPSP, Brazil) [online]. http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC00000000320 01000300010&lng=en&nrm=iso> . Acesso em 04/01/Jan.2012. SANTOS, Roberto Vatan. Abordagens do processo de ensino e aprendizagem. Disponvel em <ftp://www.usjt.br/pub/revint/19_40.pdf> Acesso em 03/01/2012. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta; Rev. Tec. Ricardo Doniselli Mendes. So Paulo: Companhia das Letras, 2000. TRAJANO, Edson Vieira. Industrializao e polticas de desenvolvimento regional: o Vale do Paraba paulista na segunda metade do sculo XX. 2009. 177 f. Tese (Doutorado em Cincias Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, 2009.
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Apndice Trabalhos de concluso de curso dos alunos
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Formulao da estratgia para uma pequena empresa do ramo de pet shop

Ktia Carneiro da CUNHA Elizabeth Macuco ZANETTI*
Resumo: Este trabalho tem por finalidade formular a estratgia de uma pequena empresa, cujo ramo de negcio se prende venda de rao, pequenos animais e acessrios. Foi aplicada metodologia de aprendizagem do curso MBA de Planejamento e Gesto Estratgica e pesquisa realizada com fornecedores, clientes internos e externos, livros relacionados com o tema do trabalho. Palavras-chave: Estratgia, planejamento, servios, informatizao.
Introduo O presente artigo pretende analisar a estratgia da empresa Pet Center Caiara, que atua no ramo de raes localizado no Bairro de Boiucanga, municpio de So Sebastio, no estado de So Paulo, para incluso de servios como: banho, tosa, consultrio, veterinrio e txi dog. Como complementao, pretende tambm analisar a viabilidade da implementao da informatizao da loja; identificar todas as vantagens e desvantagens decorrentes da proposta de implantao do sistema; realizar uma pesquisa no mercado de sistemas que melhor se enquadre no comrcio; treinar os funcionrios para melhor utilizao do sistema; adequar a administrao s informaes; identificar e analisar o processo de reforma e adaptao da loja para adequao e instalao do banho e tosa e consultrio veterinrio; analisar se o consultrio veterinrio ir trazer valores agregados ao negcio; verificar se o ambiente comporta as novas atividades ou se seria interessante buscar outro local para o funcionamento da loja.
Bacharel em Administrao de Empresas com Habilitao em Sistemas da Informao pela FASS Faculdades de So Sebastio; cursando MBA em Planejamento e Gesto Estratgica pela Uninter Faculdade Internacional de Curitiba; Mestre em Engenharia de Produo - UFSC,Especialista em Psicologia de RH-Unicamp,Bacharel em Administrao de Empresas-Fesp.
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Entenda por que a melhor estratgia ... ter uma estratgia, d a entender Andreassi.191 A estratgia e o modelo aplicado na empresa, objeto de pesquisa, vem a ser um meio para alcanar um fim? Ou um fim para alcanar um meio? Comporta para o mercado local a incluso do banho, tosa e clinica veterinria? Ir agregar servios ou mais despesas? Ter beneficio a informatizao? Em que pode melhorar? Existe concorrncia? Diante da observao do mercado e frequentes mudanas no cenrio organizacional das empresas em geral, independente de seu ramo de atividade, cada vez mais se faz necessria uma formulao da estratgia, para definio de onde viemos, aonde queremos chegar e como agir para atingir as metas. O ciberespao no est em lugar nenhum, pois est em todo lugar, o tempo todo. 192 Os cenrios dos negcios esto cada vez mais dinmicos, competitivos e at imprevisveis, sendo necessrios a monitorao e gerenciamento das estratgias, revendo todas as aes e mudanas de cenrios, para estar redefinindo e adaptando as metas traadas a fim de se alcanarem os objetivos. Com a definio da estratgia, utilizados os indicadores que so os clientes, fornecedores e colaboradores e havendo uma mudana no comportamento do pblico alvo, verificar-se- um aumento significativo no movimento dirio da loja.
Desenvolvimento
Pretende-se
demonstrar
que
estratgia
fundamental
para
desenvolvimento da empresa e trar benefcios para a regio, bem como tambm proporcionar aos clientes e colaboradores maiores comodidades e diversidade em produtos e tendncias de mercado, agregando servios e lanamentos previstos ou no. Prope-se a adequar e atualizar as estratgias de acordo com os rumos do mercado local. Alm disso, prope-se a analisar a viabilidade para a implantao da informatizao da loja, do servio de banho e tosa, txi dog e consultrio veterinrio. O mtodo utilizado nesta pesquisa ser o hipottico dedutivo:
questionamento e reviso do planejamento, confrontando com publicaes e

191
Tales Andreassi. Voc se considera preparado o suficiente para 2010? Pequenas Empresas & Grandes negcios. So Paulo, dez. 2009, p. 90. 192 Moacir Gadotti. Perspectivas Atuais da Educao. Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 2000, 250.
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adaptaes necessrias ao ajuste dos planos traados. Utilizando um processo qualitativo-exploratrio, com o objetivo de observar, registrar e sistematizar os dados coletados, possibilitando, desta forma, uma aproximao maior da realidade local e uma investigao das questes relacionadas ao assunto. Segundo Peter Drucker , A organizao um meio voltado para um fim e no um fim em si. Uma estrutura bem fundada um pr-requisito da sade organizacional; mas no a sade em si. 193 A necessidade de atualizao, de poder entrar no mundo digital, das novas tecnologias se faz presente neste trabalho, que tem por objetivo principal a inovao e atualizao dos meios do negcio. Ficam ntidas como as inovaes e mudanas influenciam no planejamento. Conforme Fonseca: A economia dita tradicional e centralizada vai ser abalada por uma inevitvel revoluo tecnolgica, cada vez mais centrada na capacidade de aprender a aprender e de produzir inovao e criatividade . 194 Em pequenos negcios, no se tem a preocupao de se fazer um planejamento estratgico, pelo fato de que s grandes corporaes precisam disso. Em muitos casos, so feitas previses de acordo com as metas estabelecidas, isto , quando elas so hipoteticamente traadas. Contudo, tornam-se fundamentais as previses, para que no haja falncia nos seus primeiros anos de vida. A proposta deste estudo refere-se a um negcio, no ramo de raes animais, acessrios, medicamentos veterinrios, venda de pequenos animais como codornas, galinhas, periquitos, canrios, etc., que hoje tem dois anos de existncia. Anterior a este negcio, funcionava um pequeno comrcio do ramo alimentcio (mercado), que sobreviveu por 14 anos no local. Com a chegada na regio de grandes redes no ramo de supermercados, o negcio anterior encerrou suas atividades, mudando o ramo para uma casa de rao. O primeiro passo foi criar uma empresa no ramo de raes, regularizar a documentao e fazer uma previso para os prximos anos estabelecendo metas a serem atingidas em 2010 e 2011. A informatizao um dos pontos mais crticos, pois ainda no foi implantada, devido a vrias dificuldades, entre elas, a aquisio de um bom
193
Peter F. Drucker. Administrao, responsabilidade, tarefas e prticas. So Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1975, p. 666. 194 Vitor Fonseca. Aprender e reaprender: educabilidade cognitiva no sculo 21. So Paulo: Salesiana, 2001.
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programa. Esse fato atrasou toda a programao de implantao do sistema. Segundo Kawashinicka:
Resistncia mudana comum. Para que o processo de planejamento tenha sucesso, duas grandes barreiras devem ser ultrapassadas: a resistncia interna ao estabelecimento de objetivos e a relutncia em aceitar os planos em virtude das mudanas que trs... 195 De acordo com Schwanfelde , Um plano de organizao descreve o jogo conjunto dos colaboradores e as funes. Seu gerenciamento visa garantir que cada um se encontre, de acordo com sua importncia e sua funo. 196 Em funo disso, torna-se necessria a adequao e atualizao de novos mtodos e procedimentos junto aos funcionrios, para que estes no repilam as novas tcnicas de controle de estoque. A principal necessidade da mudana vem a ser a agilidade no atendimento, no controle do estoque, quais os produtos mais vendidos, menos vendidos, giro das mercadorias, baixa de estoque, entre outras atividades a serem realizadas com a informatizao da loja. Outro aspecto que podemos citar vem a ser fornecer servios de qualidade, progredir tecnologicamente, prover bem-estar aos
funcionrios, conquistar mercado, satisfazer as necessidades dos clientes. Podemos lembrar que, com frequncia o que voc sabe j est ultrapassado. a rapidez com que voc aprende. Esta habilidade no tem preo .197 So fatos que trazem a realidade dos tempos atuais, pois as informaes tem uma velocidade muito grande e, se a deixamos passar, corremos o risco de ficar fora do mercado. Dentro do ambiente de estudo, a falta de atendimento especializado ao cliente como o banho e tosa, veterinrio especializado e atualizado levaram a utilizar este tema para o presente trabalho de concluso de curso. Verificou-se que o ambiente interno precisa de reforma para adequao aos servios, para os espaos no utilizados, e para melhor ventilao no interior da loja. No ms de outubro de 2009, foi contratada uma arquiteta para que fossem feitas as reformas, visando a uma melhor utilizao do espao interno, de acordo com os planos e metas traados para este ano. Revisto o planejamento efetuado, considerou-se que no ambiente no
195 196
Eunice Laava Kawashinicka. Introduo a Administrao. 5 ed., So Paulo: Atlas, 1995, p. 184. Werner Schwanfelder. Confcio a milenar arte chinesa da gesto. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 274. 197 Robert T. Kiyosaki; Sharon L. Letcher. Pai rico pai pobre. 7 ed., Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2000, p. 160.
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vivel a introduo do banho e tosa, por falta de espao fsico. Em pesquisa realizada, verificou-se que, bem prximo loja, estava em construo um prdio que comportaria 3 (trs) salas comerciais. Em um primeiro contato com o proprietrio, nos foi informado que tais salas estariam disponveis, existindo a possibilidade do aluguel de uma das lojas. Em contato com a arquiteta e veterinria , ficou acertado de se realizar um levantamento, para verificar se eravivel a mudana e se o espao era adequado para o novo empreendimento. Contudo, o que se verificou foi que o espao no era vivel para o negcio, pois a existncia de uma escada dificultaria o acesso para o pavimento superior, onde funcionaria o banho e tosa, na medida em que alguns animais no sobem escada, entre outros problemas detectados. Samos a procura de outro local, que foi encontrado prximo loja, com a vantagem de ser de fcil acesso, sem escadas e bem localizado. Comearam a ser feitos a reforma e novo planejamento. Com a alterao de custos, houve a necessidade de uma sociedade para captao de recursos. Contudo, no decorrer da reforma, enquanto a documentao da loja no saa, aconteceu um desentendimento entre os scios, pois um deles no tinha conhecimento do ramo. A sociedade acabou sendo desfeita. Diante desse obstculo, voltamos a nos concentrar em equilibrar as contas que foram afetadas com o investimento mal sucedido, reestruturando a loja e voltando ao plano inicial de colocar os servios. Foi chamada novamente a arquiteta para refazer os desenhos com um novo layout, que esta em andamento. Assim que tudo estiver pronto, ser feito um novo planejamento para incio da reforma. A partir disso, podemos pensar em dois pontos: 1) Viso da empresa: Ampliar os servios, com implantao de novas atividades e abertura de novas lojas em outros bairros que so carentes dos produtos e servios oferecidos. 2) Misso: Oferecer produtos e servios de qualidade, surpreender, encantando e fidelizando o cliente, no atendimento com simpatia, ateno e rapidez, em um ambiente limpo e agradvel. De acordo com a viso e misso descritas, partimos para definir as metas e como atingi-las dentro dos planos estabelecidos. Direcionamos os processos para transformar planos em atividades concretas, designando tarefas e responsabilidades especficas aos colaboradores, motivando-os e coordenando seus esforos. Este mercado promissor e em crescimento. Em havendo um diferencial no atendimento e qualidade na prestao dos servios, todos os estudos indicam que a chance
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grande de dar certo. Segundo Marcos Cobra, a estratgia operacional visa identificar e definir as prioridades e escalon-las, ao mesmo tempo em que prope diretrizes bsicas de ao, levanta necessidades de recursos e planeja a distribuio desses recursos . 198 Escalonando as metas do planejamento, visamos ao crescimento das vendas, fidelizao dos clientes, atravs de bom atendimento, ao aprimoramento dos servios e oferta de opes como txi dog, banho e tosa, ao atendimento personalizado. H tambm estudo para implantao de um hotel para ces e gatos. A procura por parte de um crescente pblico, que investe em pequenos animais, tem sido considerada e levada em anlise para sua implantao. Olhando para este pblico, que tem necessidade de um transporte para levar seu animal de estimao ao veterinrio, ao banho e a tosa, agregou-se ao plano este servio para ampliar e atender este mercado carente. Os produtos e os clientes so os principais alvos da empresa. A prpria aparncia da loja tem que ser renovada. Quanto aos produtos, precisam se bem distribudos, para atender melhor aos clientes, fornecedores e os colaboradores. O grande desafio dos dias de hoje vem a ser a busca constante da qualidade, que nada mais do que a satisfao de atender, encantar, superar as expectativas dos clientes, a serem cativados e fidelizados. Um dos primeiros passos para atingir as metas foi sanar todos os problemas existentes do negcio anterior, como equacionar algumas dvidas com o automvel da empresa, que estava com o IPVA atrasado e com multas. Saneados estes problemas, se deu inicio a uma pequena reforma, pintura do ambiente, personalizao da loja com cores vibrantes e atuais, aquisio de mercadorias de novas marcas, criao de uniformes para os funcionrios, reforma dos toldos que se encontravam com furos e rasgados e a identificao da nova atividade, demonstrada abaixo por fotos de antes (fig. 1) e depois da reforma (fig. 2). FIGURA 1 VISUAL DA LOJA ANTES DA REFORMA
198
Marcos Cobra. Plano Estratgico de Marketing. So Paulo: Atlas, 1986. p. 63.
100
Fonte: CUNHA, 2009.
FIGURA 2 VISUAL DA LOJA DEPOIS DA REFORMA
Fonte: CUNHA, 2009.
Dando
continuidade
execuo
do
planejamento,
promoveu-se
personalizao do automvel, que aparece em frente loja sem adesivos (fig. 2), e j com adesivos na figura 3: FIGURA 3 PERSONALIZAO DO AUTOMVEL
Fonte: CUNHA, 2009.
101
O uniforme dos funcionrios foram padronizados na cor amarela ouro, com bordado na cor azul. Tambm se providenciaram crachs de identificao. No inicio houve alguma resistncia diante das novidades; com o decorrer dos dias e elogio dos clientes, tais mudanas foram sendo aceitas por parte dos colaboradores. O foco o atendimento de qualidade, selecionando artigos mais procurados e implantando produtos diferenciados com bom preo e qualidade, procurando sempre encantar o cliente com todas as novidades implantadas. Os prximos passos: entrar em contato com os fornecedores, para obteno de melhores preos, brindes, prazos acessveis; investir em propaganda, marketing; imprimir folders de propaganda, para distribuio no bairro e bairros vizinhos, visando ao crescimento da clientela e a um melhor posicionamento do mercado. Observe-se abaixo o designer do folder criado para o negcio. FIGURA 4 FOLDER DA LOJA
Fonte: MATOS, 2009
Iniciou-se a pesquisa para a implantao de um sistema de informatizao para a loja. Foram testados vrios sistemas, mas at o momento o sistema ainda no entrou em funcionamento. Alguns equipamentos esto sendo utilizados para fins de cadastro e preos de venda e compra dos produtos, mas a assistncia tcnica dos equipamentos e do programa escolhido est falha e com pouco suporte. J foram feitas vrias tentativas para rodar o programa e automatizar o sistema, contudo, at o momento, no foi possvel. Desse modo, o controle continua sendo manual e, em alguns casos, como no poderia deixar de ser, se torna obsoleto e ineficiente, por se ter um nmero muito grande de artigos de baixo valor e volume grande de vendas e compras. Este est sendo um dos principais desafios para se atingir todas as metas
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traadas no planejamento. Os demais passos foram atingidos, restando, pois, apenas a informatizao do negcio.
Concluso
Este trabalho, como se pde verificar, props como tema criar estratgias para ampliao de servios, aumento do nmero de clientes, crescimento das vendas de forma coesa e racional, dentro de um ambiente muitas vezes hostil e desatualizado com a realidade e um histrico de negcios, na regio, com vida curta e falncia dentro do primeiro ano de atividade. O planejamento ajudou a identificar os meios para direcionar os objetivos traados e as metas atingidas. Os prximos passos sero a informatizao da loja, a implantao do banho, tosa e consultrio veterinrio bem como o txi dog. Hoje j existe o disk rao com entrega no bairro e bairros vizinhos. O treinamento dos funcionrios um fato importante e que ajuda a melhorar o atendimento ao cliente e tambm aos fornecedores. Alm disso, procura-se a fidelizao dos clientes e fornecedores, com o aumento das vendas, aperfeioamento e treinamento dos colaboradores diretos e indiretos, venda de pequenos animais, acessrios, raes, remdios, procurando sempre trazer novidades, de acordo com as novas tendncias de mercado. Com este breve relato do planejamento traado, algumas das estratgias foram alteradas, fatos e razes que no sero mencionados neste momento, por estarem sendo adaptadas para uma nova realidade e mudana de mercado, que futuramente poder ser tema de um outro trabalho. Referncias bibliogrficas: ANDREASSI, Tales. Voc se considera preparado o suficiente para 2010? Pequenas Empresas & Grandes negcios. So Paulo, dez. 2009, p. 90. COBRA, Marcos. Plano Estratgico de Marketing. So Paulo: Atlas, 1986. DRUCKER, Peter F. Administrao, responsabilidade, tarefas e prticas. So Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1975. FONSECA, Vitor. Aprender e reaprender: educabilidade cognitiva no sculo 21. So Paulo: Salesiana, 2001.
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GADOTTI, Moacir. Perspectivas Atuais da Educao. Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 2000. KIYOSAKI, Robert T.; LECHTER, Sharon L. Pai rico pai pobre. 7 ed., Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2000. KWASNICKA, Eunice Laava. Introduo a Administrao. So Paulo, 5 ed. Atlas, 1995. SCHWANFELDER, Werner. Confcio a milenar arte chinesa da gesto. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
Normas Editoriais
1. A revista Acadmica publica trabalhos originais de autores da UNIBR, Faculdades So Sebastio, e de outras instituies nacionais ou internacionais, na forma de artigos, revises, comunicaes, notas prvias, resenhas e tradues e que tenham relevncia acadmica. 2. Os trabalhos podem ser redigidos em portugus, espanhol, ingls, italiano ou francs. 3. S sero aceitas resenhas de livros publicados no Brasil nos ltimos trs anos e, no exterior, nos cinco ltimos anos. 4. Os originais submetidos apreciao da Comisso Editorial devero ser acompanhados de documento de transferncia de direitos autorais. 5. Os artigos tero a extenso mxima de 30 pginas, digitadas em fonte Times New Roman 12, espao 1,5 e margens de 2,5 em. 6. As notas devem ser obrigatoriamente de rodap, remetidas ao p da pgina. 7. As imagens, quando houver, devem ser remetidas junto com os artigos, com extenso jpg. 8. Os artigos devem ser acompanhados de resumo de 10 linhas, no mximo, e de palavras-chave, em portugus. 9. As resenhas no devem exceder a sete pginas. 10. O ttulo do trabalho deve vir centralizado, em negrito, caixa baixa. 11. O nome do autor deve vir direita, logo abaixo do ttulo, com um asterisco
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remetendo para o p da pgina a titulao, a instituio qual se vincula e o email. 12. Caso o artigo seja resultante de uma pesquisa contemplada com auxlio financeiro, a instituio responsvel pelo auxlio deve ser mencionada.
13. Os trabalhos devem ser enviados por e-mail para o seguinte endereo: eatgan@ibest.com.br, em Word for Windows 98. 14. Todos os textos sero submetidos a dois pareceristas. No caso de divergncias na avaliao, a Comisso Editorial enviar o trabalho a um terceiro consultor. 15. Cabe Comisso Editorial a deciso referente oportunidade da publicao das contribuies recebidas. 16. Normatizao das notas: Nome, sobrenome. Ttulo do livro em itlico: subttulo. Traduo, edio, Cidade: Editora, ano, p. ou pp. Nome sobrenome. Ttulo do captulo ou parte do livro em redondo entre as pas. In: Ttulo do livro em itlico. Traduo, edio, Cidade: Editora, ano, p. x-y. SOBRENOME, Nome. Ttulo do artigo. Ttulo do peridico em itlico. Cidade: Editora, vol., fascculo, p. x-y, ano. 17. As notas explicativas devem ser reduzidas ao mnimo e remetidas ao rodap pornmeros, situados na entrelinha superior. 18. "Anexos" ou "Apndices" s sero includos se forem considerados absolutamente imprescindveis compreenso do texto. 19. As figuras e suas legendas devem ser claramente legveis aps sua reduo no texto impresso de 10 x 17 cm. As legendas das ilustraes nos locais em que aparecero as figuras devem ser numeradas consecutivamente, em algarismos arbicos, e iniciadas pelo termo "Figura". 20. Os dados e conceitos emitidos nos trabalhos so de inteira responsabilidade dos autores. 21. Os trabalhos que no se enquadrarem nas normas da revista sero devolvidos aos autores, ou sero solicitadas adaptaes, indicadas em carta pessoal.

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Ano 4 n 6-8 2012

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Revista Acadmica www.unibr.com.br ISNN 2175-4659

A Revista Acadmica uma publicao semestral, de carter multidisciplinar.

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So Sebastio, outubro de 2012.

Prof. Dr. Eliane de Alcntara Teixeira Diretora

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Guerra dos Trinta Anos: imagens de um perodo de transio

Professor do Mestrado da Universidade de Santo Amaro.

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Desdobramentos da Guerra dos Trinta Anos

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Figura 11 Albrecht Wallenstein, de Anthonis van Dyck, por volta de 1636/1641

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Hans Jessen. Der Dreiigjhrige Krieg im Augenzeugenberichten. Op. cit. Ibidem.

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Figura 14 Assassinato de Wallenstein, retirado de JESSEN, 1966, p. 345

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assinalou o fim da concepo medieval europeia com o surgimento do Estado moderno.

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A Guerra dos Trinta Anos e a crise do sculo XVII

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O reconhecimento da vontade nos contratos eletrnicos de consumo

Thiago Gomes Luiz DE PAULA*

1. O comrcio eletrnico e os contratos eletrnicos no Brasil

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como, respectivamente, nos art. 6, inciso III

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e art. 1, caput, da Lei Federal n