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2007 - Artigo A Funcao Social Dos Museus

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A FUNO SOCIAL DOS MUSEUS 1 Autora: Manuelina Maria Duarte Cndido2 Museu da Imagem e do Som do Cear manuelina@secult.ce.gov.

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Resumo:

O texto discute a funo social dos museus a partir da apresentao de momentos de crises e rupturas, do estabelecimento de novos paradigmas, da ampliao de conceitos e de transformaes no mbito da formao profissional. Resume: Le texte discute la fonction sociale des muses par la prsentation de moments de crises et ruptures, de l'tablissement de nouveaux paradigmes, de l'enlargissement de concepts et de transformations dans la formation professionnelle.

Este artigo teve origem na elaborao da prova didtica do concurso pblico para as disciplinas Museologia I e II do recm-criado curso de Museologia da Universidade Federal de Sergipe, realizada em 16 de maro de 2007, no qual a autora foi classificada em primeiro lugar. 2 Historiadora, especialista em Museologia, mestre em Arqueologia, Diretora do Museu da Imagem e do Som do Cear a partir de 02 de abril de 2007.

Un comuse est (...) un mirroir o cette population se regarde, pour sy reconnatre, o elle recherche lexplication du territoire auquel elle est attache, jointe celle des populations qui lont prcde, dans la discontinuit ou la continuit des gnrations. Un mirroir que cette population tend ses htes, pour sen faire mieux comprendre, dans le respect de son travail, de ses comportements, de son intimit. (La Musologie Selon Georges Henri Rivire. Frana: Dunod, 1989. p. 142) 22 janvier 1980

Considerando a Museologia como disciplina aplicada voltada experimentao, sistematizao e teorizao do conhecimento produzido em torno da relao do homem com o objeto em um cenrio, encontramos em Bruno a definio de seus problemas bsicos: 1o) identificar e analisar o comportamento individual e/ou coletivo do homem frente ao seu patrimnio 2o) desenvolver processos tcnicos e cientficos para que, a partir dessa relao, o patrimnio seja transformado em herana e contribua para a construo das identidades(BRUNO, 1995, p. 141-142). Ainda no intuito de definir as bases da disciplina museolgica, Bruno reitera a definio de fato museal de Waldisa Russio, mas delimitando o universo patrimonial: aquele de onde emergem os objetos e os artefatos (Idem, p.153). (...) este universo epistemolgico norteado pela noo de preservao, organizado pelas caractersticas inerentes ao gerenciamento e administrao da memria, mas trata, especificamente, da consolidao de um fenmeno de comunicao(Idem, p. 154-155). As transformaes conceituais da Museologia surgiram da necessidade de repensar os museus tradicionais e desencadear novos processos de musealizao. Alguns documentos internacionais referenciam esta mudana: - A Declarao de Santiago do Chile de 1972, sobre "O Papel do Museu na Amrica Latina". Esta mesa redonda considerada por Desvalles, ao lado do colquio "Museu e Meio Ambiente" (Frana, 1972), um dos momentos fundadores da chamada Nova Museologia (DESVALLES, 1992). - A Declarao de Quebec (1984), na ocasio em que tambm foi criado o MINOM, Movimento Internacional para uma Nova Museologia, assinala o reconhecimento pela Museologia do direito diferena (MOUTINHO in ARAUJO e BRUNO, 1995, p. 29). - A Declarao de Caracas (1992), reafirma a prioridade funo scio-educativa do museu, o estmulo reflexo e ao pensamento crtico e a afirmao do museu como canal de comunicao (DESVALLES, 1992, p. 15-16). Crise e renovao: Durante uma parte significativa de sua trajetria a Museologia esteve atrelada ao estudo de colees. O questionamento sistemtico sobre a funo dos museus na sociedade gerou uma

profcua crise de identidades3, a partir da qual novos papis so incorporados. a partir da reunio de Santiago do Chile, em 1972, que o papel social dos museus passa a fazer mais fortemente parte da agenda de discusses da Museologia, especialmente na Amrica Latina. Outros possveis marcos de renovao apontados por Desvalles (1992, p. 15-17) so: - Criao do M.N.E.S. (1982); - Jornadas de Lurs (1966), que originaram a criao de diversos museus de stio nos anos seguintes e a gestao do conceito de ecomuseu, mais tarde formulado por Georges Henri Rivire e Hugues de Varine; - Nos Estados Unidos, a data fundadora poderia ser o novembro de 1969, um seminrio sobre museus de vizinhana, com a presena, entre outros, de Emily Dennis-Harvey, animadora do Brooklyn Chilrens Museum e de John Kinard, que fundou, em 1967, Neighborhood Museum de Anacostia, em Washington; - Reunio de Aspen (Colorado), em 1966, onde Sidney Dillon Ripley, da Smithsonian Institution, lana a idia de um experimento de museu de vizinhana e resolve financiar a iniciativa de John Kinard em Anacostia; - Publicao do livro de Freeman Tilden sobre a interpretao do patrimnio, que aponta para o surgimento de centros de interpretao (1957); - Idias j subjacentes a todos os escritos de Georges Henri Rivire e especialmente de Hugues de Varine, diretores do ICOM a partir de 1946 e de 1962, respectivamente; - 9a Conferncia Geral do ICOM (1971), realizada entre Paris, Dijon e Grenoble, com o tema Museu a servio do homem, hoje e amanh; - O primeiro anncio pblico do termo ecomuseu (Dijon, 1971), por Robert Poujade, prefeito da cidade e primeiro ministro francs da pasta do meio ambiente. Hoje se compreende a cultura como criadora das condies necessrias para o desenvolvimento e a preservao cultural como fator indispensvel a qualidade de vida. A Museologia contribui especificamente nesta rea. Porm foi necessrio um longo percurso de debates e reflexes at a Museologia tomar conscincia de seu papel social no mundo contemporneo. Para compreender estas ondas de renovao, alguns documentos so fundamentais, notadamente, na Amrica Latina, onde a maior parte deles tomou corpo: Seminrio Regional da UNESCO sobre a Funo Educativa dos Museus, Rio de Janeiro 1958 (ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 11-16) Neste seminrio precursor foram debatidas questes como a adequao das exposies ao objetivo educativo dos museus, no sentido de superao das barreiras que ainda o separavam do pblico. Pontos de destaque: relao do museu com educao; exposio museolgica agradvel e propositiva, ao invs de impositiva; carter cientfico da Museologia (museografia como tcnica a ela associada); o objeto como cerne do museu; utilizao de todos os recursos disponveis para potencializar a relao sujeito-objeto; papel transformador do museu; nfase na relao museuescola. Mesa-Redonda sobre o Papel do Museu na Amrica Latina (organizada pela UNESCO), Santiago do Chile 1972 (ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 20-25) Reconhecida como a mais importante contribuio da Amrica Latina para o pensamento museolgico internacional4, sua importncia decorre especialmente da insero, nas
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A expresso quer dizer, no entender de Jean Clair, em La fin des muses? (1971), a problematizao em torno de qual seria a funo do museu. Em suma, uma crise de identidade institucional. (in DESVALLES, 1992: 139-142)

discusses, do papel social dos museus. Um museu para a A.L. que acompanhasse as rpidas transformaes sociais, econmicas e culturais e contribusse para a formao de conscincias. Ao mesmo tempo, prope a manuteno das instituies j existentes e enfatiza uma transformao necessria na prpria mentalidade dos profissionais de museus. Decises gerais: opo pela interdisciplinaridade; esforos para recuperao e uso social do patrimnio; acessibilidade s colees; modernizao da museografia; implantao de avaliaes institucionais; aperfeioamento da formao profissional na A.L.; responsabilidade com a conscientizao da sociedade sobre suas problemticas. So temas to candentes e essenciais que ainda hoje os museus esto processando sua implantao. Fato a destacar para a compreenso do contexto de gestao do documento que o educador Paulo Freire chegou a ser indicado para presidir a mesa-redonda, mas foi vetado pelo delegado brasileiro da UNESCO. A funo foi partilhada por quatro coordenadores, sendo que o argentino Jorge Enrique Hardoy, especialista em Urbanismo, destacou-se devido s suas reflexes sobre a realidade da exploso urbana, que estava margem das preocupaes dos muselogos, at ento. Com base nestas reflexes e em outras sobre o mundo urbano e rural trazidas pelos outros trs especialistas, foi gestado, em espanhol, o conceito de museu integrado, posteriormente traduzido com alguma confuso, para as demais lnguas, como museu integral. Princpios de Base de uma Nova Museologia, Declarao de Quebec 1984 (ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 30-31) Documento fundador do MINOM Movimento Internacional para uma Nova Museologia. Surge da necessidade de ampliar a prtica museolgica e de integrar nessas aes as populaes. Chama ao uso da interdisciplinaridade e de mtodos modernos de gesto e comunicao; prioriza o desenvolvimento social. Resolues: reconhecimento desse movimento e de novas tipologias de museus; ao junto aos poderes pblicos pela valorizao de iniciativas locais baseadas nesses princpios; criao de estruturas internacionais do movimento. Museologia de carter social em oposio ao colecionismo: testemunhos materiais e imateriais serviriam a explicaes e experimentaes, mais que formao de colees; investigao social enquanto identificao de problemas e de solues possveis; objetivo de desenvolvimento comunitrio; o museu para alm dos edifcios (insero na sociedade); a noo de pblico dando lugar de colaborador; a exposio como espao de formao permanente e no de contemplao. Seminrio A Misso dos Museus na Amrica Latina Hoje: Novos Desafios, Declarao de Caracas 1992 (ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 36-45) So mantidos a prioridade funo scio-educativa do museu, o estmulo reflexo e ao pensamento crtico e a afirmao do museu como canal de comunicao. Ocorre uma reafirmao de princpios e uma avaliao crtica da trajetria que a Museologia vinha construindo desde o Rio de Janeiro, em 1958. Aspectos discutidos: a insero de polticas museolgicas nos setores de cultura; a conscincia sobre o poder da Museologia no desenvolvimento dos povos; a ao social dos museus; as estratgias para captao e gesto financeira, questes legais e organizacionais dos museus; os perfis profissionais; o museu como meio de comunicao. A cultura como instrumento de valorizao do local, particular, em contrapartida globalizao, e o museu como fortalecedor das identidades para conhecimento mtuo entre os povos da A.L. (integrao); o patrimnio como instrumento de conscientizao da comunidade; o museu como gestor social (propostas de interesse do seu pblico e compromisso com a realidade e com sua transformao).
4 Anotaes de aula do Curso de Especializao em Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo (CEMMAE) referentes ao seminrio de Peter Van Mensch dias 02 a 06/10/2000.

Novos desafios para os museus: serem espao para a relao do homem com seu patrimnio com os objetivos de reconhecimento coletivo e estmulo conscincia crtica; desenvolverem a especificidade de sua linguagem em seus aspectos democrticos e participativos; refletirem a diversidade de linguagens culturais com base em cdigos comuns e reconhecveis pela maioria; revisarem o conceito de patrimnio passando a enfocar tambm o entorno; adotarem o inventrio como instrumento bsico de gesto patrimonial; estabelecerem mecanismos de administrao e captao de recursos como base para uma gesto eficaz. Novos paradigmas: A chamada crise de identidade dos museus gerou, portanto, novos modelos conceituais e institucionais cujo cerne passa pela redefinio de quem seu pblico e como se dirigir a ele. A qualidade na interao entre o indivduo e o objeto se sobrepondo ao interesse em ampliar o nmero de visitantes (DESVALLES, 1992, op. cit., p. 19). Derivam disso transformaes necessrias como a aproximao, desde as selees de acervos at suas interpretaes, do interesses e das condies de compreenso dos pblicos; e, por outro lado, as interpretaes substituindo os entesouramentos. O museu seria necessariamente um intermedirio, um locus onde as contribuies culturais das minorias devem ser expostas e compreendidas. Um estudo de Peter Van Mensh organiza as mltiplas tendncias do pensamento museolgico contemporneo5 e revela a inexistncia, at o momento, de uma orientao vitoriosa, o que caracterizaria uma crise de paradigmas na Museologia, pela coexistncia de paradigmas distintos (CHAGAS. 1996, p.29). Desvalles no considera que o movimento atual seja inovador ou revolucionrio, mas um retorno Museologia, que havia envelhecido e perdido alguns de seus princpios, forjados j na Revoluo Francesa, como o da democratizao dos museus. Esta Museologia retoma, para os museus de todas as disciplinas, o que Claude Lvi-Strauss definiu em 1954 para os de Antropologia: que no serviriam exclusivamente para recolher objetos, mas, sobretudo, para compreender os homens. O ponto focal do museu no so os artefatos, mas o meio ambiente, as crenas, as atividades do homem, das mais simples s mais complexas (DESVALLES, 1992, p.24 e p. 59). Vimos surgir, de acordo com Helosa Barbuy, uma Museologia guiada pelo sentido de dessacralizao dos museus e, sobretudo, de socializao, de envolvimento das populaes ou comunidades implicadas em seu raio de ao (BARBUY, 1995, p. 209). A mesma autora afirmou que A Museologia, ento, no apenas estuda a relao entre o homem e a realidade, entre o homem e o objeto mas procura, tambm, atuar sobre esta relao e transform-la. (BARBUY, 1989. p. 37) Esta concepo no ignora as colees j recolhidas aos museus e a responsabilidade necessria sobre este patrimnio. Um museu nada pode fazer sem uma coleo, um ncleo selecionado que faz o papel de instrumento mnemnico e de resumo da experincia coletiva. O poder dos museus est em suas idias mas, apesar de no ser fator capaz de determinar sozinho a
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Para Peter Van Mensch existem quatro tendncias do pensamento museolgico internacional a partir do exame da produo do ICOFOM, a saber: - Estudo da finalidade e organizao dos museus. a adotada pela UNESCO no documento do Rio de Janeiro (1958), j apresentado; - Estudo da implementao e integrao das atividades dos museus com vistas preservao e uso da herana cultural e natural; - Estudo dos objetos museolgicos (cultura material) e da musealidade como a definiu Strnsk, associada informao contida nos objetos museolgicos e seu processo de emisso; - Estudo de uma relao especfica entre homem e realidade A terceira tendncia aqui apresentada desdobrava-se anteriormente em outras duas, segundo Van Mensch: estudos dos objetos de museu e estudos da musealidade. A rearticulao em quatro nveis das tendncias a opo atual desse muselogo. (Comunicao pessoal durante o CEMMAE)

excelncia do museu, a boa gesto das colees essencial. A reavaliao do objeto de estudo da Museologia e do foco de atuao dos museus deslocou-se entre a coleo e as relaes do homem com seu patrimnio. O novo objetivo o desenvolvimento global e a nova misso, refletir a totalidade do meio ambiente e da atividade do homem, mas utilizando a mesma linguagem: a das coisas reais, reunidas de modo a perceber as relaes entre os objetos e seu contexto (VARINEBOHAN in DESVALLES, 1994, p. 65-73). A partir deste rompimento com a idia de coleo como fonte geradora dos processos museolgicos, a Museologia permite vislumbrar a possibilidade de integrar outros aspectos do patrimnio e potencializar a ao interdisciplinar.

Fato museal

relao entre

HOMEM

OBJETO

CENRIO

Modelos institucionais

museu tradicional = pblico novo museu = populao

coleo patrimnio

edifcio territrio

O sentido da existncia dos museus expresso nas seguintes afirmaes de Waldisa Rssio: () no basta ao ser humano a fruio de um grande conforto material quando sua alma est suspensa, presa por um fio de insatisfao e (...) o homem tem sentido e demonstrado, to ntida e sofridamente, a conscincia da sua finitude e o seu desejo de transcendncia (RSSIO, 1977, p. 142). Sem a noo de que museu o registro da trajetria humana sobre a terra, sem esta compreenso inicial a alicerar idias e reflexes, ser impossvel uma viso mais clara do conspecto museolgico e, mesmo, uma anlise profunda de cada aspecto em particular. A organizao do museu no pode alienar-se do processo social, como um todo; esta atitude esquiva de alheamento que o vem condenando, sistematicamente, ao esquecimento (Idem, p. 133). preciso discutir para quem esta herana e qual o sentido de preservar. A razo da preservao assim vista por Mrio Chagas, amparado na origem latina do termo preservao (Praeservare ver antecipadamente o perigo): o perigo maior que paira sobre um bem cultural a sua prpria morte ou deteriorao(CHAGAS, 1999, p. 104), e o sentido da preservao est na dinamizao (ou uso social) do bem cultural preservado (Idem, p. 105). Neste sentido, Varine se contrape a uma cultura para consumo turstico: Aceitaremos a transformao do museu em um lugar reservado ao pblico dos hotis e restaurantes?.(VARINE-BOHAN in DESVALLES, 1992, p. 54). No seu entender, a cultura que deve criar as condies necessrias ao desenvolvimento. No museu, encontram-se todos os valores fundamentais do indivduo e tambm as respostas achadas pelos diversos grupos humanos aos problemas sucessivamente colocados. Mas tambm, l podem ser achados valores e respostas encontrados por outros grupos e que possam ser teis ao seu desenvolvimento, desde que perfeitamente digeridos e fundidos aos seus valores e respostas tradicionais. O museu precisa ser descolonizado culturalmente (Idem, p. 58) e o perfil de um profissional de museu deve aproximar-se de um tcnico de desenvolvimento, no sentido de busca das respostas locais para os problemas especficos colocados a uma regio. Jorge Enrique Hardoy analisou o papel dos museus na sociedade diante do processo mundial de urbanizao, como instituio cuja existncia decorra da anlise contnua e apresentao do que o homem faz atualmente por ele e seus semelhantes. Seu papel seria pr os valores humanos em primeiro plano, a contribuio para dissipar crenas e preconceitos. Para isso, deveriam fazer

cair os muros que protegem o passado intocvel e infalvel e consagrarem-se a um presente onde o homem comum possa assumir sua dimenso de ator principal: expor exatamente os problemas crticos da sociedade. Sua misso deveria ser criar as bases da compreenso dos problemas, para formar indivduos responsveis por um processo de mudanas sociais e polticas, porque, numa poca de transformaes aceleradas, instituies no revolucionrias no podem sobreviver (HARDOY in DESVALLES, op. cit., p. 213-222). A contribuio dos museus ao desenvolvimento deve ser se constiturem em ncleos de inspirao, lugares de profuso cultural, matrizes fecundas onde se fundem as teorias humanas do desenvolvimento no somente econmico, mas um momento da criao contnua do homem pelo homem em todas as suas dimenses (ADOTEVI in DESVALLES, op. cit, p. 133-134). As exposies museolgicas devem pr em causa os problemas da sociedade atual, exibir os problemas de hoje pondo-os em paralelo com seus equivalentes histricos. Desta maneira, os museus podem ser guias da ao mais que seguidores dos modelos de geraes anteriores (KINARD in DESVALLES, op. cit., p. 102), e, como catalisadores da evoluo social, achar o seu lugar na histria humana, o de uma instituio das mais esclarecidas que o esprito humano j concebeu (KINARD in DESVALLES, op. cit., p. 116). Porm, ao invs de funcionar como vitrine da Ilustrao, o museu deve promover a reflexo e basear-se mais na provocao que na instruo (TILDEN in DESVALLES, op. cit., p. 243-258). Maria Clia Santos aponta o caminho do desenvolvimento pela qualificao da cultura no sentido de um processo interativo de aes de pesquisa, preservao e comunicao, objetivando a construo de uma nova prtica social (SANTOS, 1996, p. 276). Bruno entende que a Museologia possa ser instrumento para a articulao entre preservao e desenvolvimento (BRUNO, 1996, p. 08) e aponta para o uso qualificado que a sociedade pode fazer da herana patrimonial musealizada (BRUNO, 1998, p. 29). O ingresso da reflexo sobre desenvolvimento por meio da preservao e da ao museolgica foi possvel somente com as alteraes profundas na relao entre museu e passado. Hoje, esta no a nica temporalidade qual se liga o museu: ele articula presente, passado e futuro, como deflagrador das utopias (RSSIO, 1977., p. 26). A musealizao tem sentido no somente de registro do passado, mas de preservao do presente e antecipao do futuro. A prpria experincia do tempo teria sido contemporaneamente revolucionada: presente, passado e futuro diluem-se numa percepo de permanente atualidade, onde preservao e transformao se equivalem (SCHEINER, 1998, p. 97). Para Mrio Chagas: a rigor, no se preserva no passado e para o passado, preserva-se no presente e para o presente. Preservado aqui e agora o ser preservado em linha projetiva alcana o futuro (CHAGAS, 1996, p. 81). A cada dia assenta-se mais a noo de que a sobrevivncia da instituio museal depende da sua capacidade de, enquanto espao cultural aberto e pblico, abrir-se para o tempo presente, para aquilo que de museolgico existe fora dos limites espaciais do museu institucionalizado (Idem, p. 99). A relao do museu com o seu entorno social abriu uma discusso liderada inicialmente por Duncan Cameron (in DESVALLES, 1992, p. 77-86)6, com questes sobre o sistema de comunicao e a linguagem dos museus, preocupando-se com seu carter elitista. O autor confrontou o museu-templo, onde se encontram os vencedores, e o museu-frum, local das batalhas. Aquele entroniza os produtos da ao e este abre espao para fomentar a prpria ao (CAMERON, in DESVALLES, p. 93), mas sem perder suas especificidades, preocupado em se desenvolver enquanto museu, com nfase mantida no carter preservacionista e de meio de comunicao.
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Outro texto do mesmo autor a retomar o tema Les parquets de marbre sont trop froids pour les petits pieds nus (1992) in DESVALLES, 1994, op. cit., p. 39-57. Nele a inspirao a frase de Mrio Vasquez para explicar como a Casa del Museo, no Mxico, estava suprindo lacunas que o Museu Nacional de Antropologia, devido imponncia, no resolvia em sua atuao. Para Vasquez, o problema estava em que este havia esquecido que os pisos de mrmore so muito frios para os ps de suas crianas.

Esta dicotomia museu-templo x museu-frum tratada tambm por Mrio Chagas, para quem o museu se faz arena, tem sua gota de sangue, suas contradies. Distancia-se da idia de espao neutro e apoltico de celebrao da memria (CHAGAS, 1999, p. 19) e assume a denncia, a crtica e a reflexo. Bruno tem se detido com afinco na caracterizao do objeto de museu como objetodilogo. Ainda que mantenha a afirmao de aspectos de documentalidade, testemunhalidade e fidelidade nos objetos, considera que eles no falam per si, mas que seus sentidos e significados so construdos na relao com o pblico. Desde a Declarao de Caracas, o museu se reafirmou como meio de comunicao: Ao lado de seu evidente compromisso com a preservao, o museu deve ser pensado e realizado como um canal de comunicao, capaz de transformar o objeto testemunho em objeto dilogo, permitindo a comunicao do que preservado. s antigas responsabilidades de coletar, estudar, guardar o patrimnio, outras exigncias se impuseram (BRUNO, 1998, p. 08-09). Ao priorizar a Comunicao/Educao, o importante no onde se aprende, mas o O QUE e COMO se aprende, sendo o objetivo maior o prprio processo da construo do conhecimento a Museologia sugere, para Teresa Scheiner (1992, p. 16), diversas outras formas de contato com o pblico, que no unicamente as visitas aos museus: exposies itinerantes, mostras em locais de grande movimentao, atividades extra-muros, identificao de novos cenrios museolgicos como o ecomuseu, o museu comunitrio, o patrimnio ambiental, os conjuntos arquitetnicos e urbansticos ou stios arqueolgicos e seus entornos, etc. Cristina Bruno especifica a funo educativa dos museus como sendo de: Aperfeioamento da capacidade intelectual, artstica, ideolgica, cultural, etc. e de Conduzir o pblico reflexo de sua realidade (BRUNO, 1998, p. 27). A arena museolgica de Chagas campo frtil para a ocorrncia o processo educativo transformador, capaz de estimular a descoberta, de produzir novo conhecimento, de despertar novas emoes, sensaes e intuies(CHAGAS, 1996, p. 84). O aprendizado baseado na relao dialtica entre educador e educando e com base no dilogo permite a transformao do bem cultural em bem social (Idem, p. 62). Russio, em suas propostas, baseava a formulao das atividades educativas em uma concepo de aprendizado constante. Entrevemos a paralelos com a educao libertadora desenvolvida em processo permanente, de Paulo Freire. Como caractersticas comuns, o desenvolvimento da criatividade, do senso crtico e da conscincia, numa perspectiva que aquela autora denomina ecolgico-humanista. Maria Clia Santos julga que A relao entre museu e educao intrnseca, uma vez que a instituio museu no tem como fim ltimo apenas o armazenamento e a conservao, mas, sobretudo, o entendimento e o uso do acervo preservado, pela sociedade, para que, atravs da memria preservada, seja entendida e modificada a realidade do presente. Nesse sentido, a prpria concepo do museu educativa, pois, o seu objetivo maior ser contribuir para o exerccio da cidadania, colaborando para que o cidado possa se apropriar e preservar o seu patrimnio, pois ele dever ser a base para toda a transformao que vir no processo de construo e reconstruo da sociedade, sem a qual esse novo fazer ser construdo de forma alienante (SANTOS, 1993, p. 99). Santos e Bruno esto lado a lado na definio da educao e da conscientizao como parmetros para o desenrolar do papel social dos museus, sem cujas limitaes sua ao pode perder as especificidades e confundir-se com atuaes de outras reas do conhecimento. Para Freeman Tilden, a educao em museus deveria mais provocar que instruir, e o princpio bsico da interpretao, como ele denomina a leitura do universo patrimonial, que deva apelar necessariamente a um trao da personalidade ou da experincia do visitante. Aproxima-se assim, da

noo de educao de Paulo Freire, um forte amparo terico para a Museologia no que diz respeito a metodologias para a ao educativa7. Cristina Bruno delimita precisamente a funo social da instituio museu de acordo com um perfil preservacionista, cientfico e educativo (BRUNO, 1995, p. 65). Maria Clia Santos se posiciona da seguinte forma: Para ns, o simples ato de preservar, isolado, descontextualizado, sem objetivo de uso, significa um ato de indiferena, um peso morto, no sentido de ausncia de compromisso. Entendemos o ato de preservar como instrumento de cidadania, como um ato poltico e, assim sendo, um ato transformador, proporcionando a apropriao plena do bem pelo sujeito, na explorao de todo o seu potencial, na integrao entre bem e sujeito, num processo de continuidade (SANTOS, 1993, p. 52). Esta autora postula um museu efetivamente representativo da identidade cultural, onde o cidado comum encontre traos da sua cultura, do fazer do seu diaa-dia, se identifique como aquele que participa da Histria, que, sem perder de vista as suas razes, utiliza-a como referencial, compreende o seu presente e constri o seu futuro(Idem, p. 19). nessa linha de pensamento que se encontra tambm Heloisa Barbuy, ao centrar o papel social e educativo do museu no seu potencial de aumentar a capacidade de uma coletividade de projetar seu prprio futuro e de ser sujeito ativo e no passivo de sua prpria histria, a partir da conscincia que passa a ter de si mesma (BARBUY, 1989, p. 36), j que a ao cultural exercida pelos museus e por outras instituies culturais tem importante papel na relao que o homem desenvolve com sua realidade (Idem, p. 40). Waldisa Russio props um museu propiciador do questionamento, da crtica, da avaliao, da tica e da transformao: O museu deve ser compreendido como um processo em si mesmo, como uma realidade dinmica. (...) O museu no existe isoladamente, mas dinamicamente, na sociedade (RSSIO, 1977, p. 132). A atitude contrria estaria relegando o museu gradualmente ao esquecimento. A necessidade de mudana de rumos esteve presente na carta de Quebec, 1984, que pregou um museu para alm dos edifcios, inserido na sociedade. Teresa Scheiner alerta para o papel de estabelecimento e manuteno da compreenso e da tolerncia intercultural (SCHEINER, 1992, p. 135), no seu entender, ainda por realizar. Como espelho, o museu lida simultaneamente, com identidade e alteridade, dentro de uma postura contempornea de reconhecimento da pluralidade. Entre outros fenmenos, a globalizao, criou seu inverso, o reforo das identidades regionais. Para a concretizao deste museu, uma metodologia foi proposta: integrao da instituio na comunidade; transformao do muselogo, cuja formao deve ser tripla (cientfica, tcnica e de desenvolvimento); abandono do carter unidisciplinar do museu; adaptao das atividades e mtodos do museu comunidade prxima; associao ao museu de representantes da comunidade, particularmente dos jovens, a partir da elaborao de programas que resultem numa avaliao institucional permanente; orientao sistemtica do museu tanto para a pesquisa como para a animao cultural; vocao territorial (NACIONAL REGIONAL LOCAL) dos museus em substituio s tipologias (CAMERON in DESVALLES, 1992, p 60-61). A importncia dos museus na construo de identidades nacionais, um aspecto que, segundo alguns autores j estaria j resolvido no primeiro mundo (FATTOUH e SIMEON, 1997, p. 48), aparece ainda nos pases subdesenvolvidos. Na busca incessante destes pelo ingresso no concerto das naes (BARBUY, 1999; CHAGAS, 1999), os museus reconhecem a importncia de determinar sua vocao territorial, com base em distintos nveis de identidade. Aos museus de
Freire participou dos programas de alfabetizao da UNESCO, particularmente no Chile, e tambm nas reflexes do Conselho Ecumnico das Igrejas sobre as condies de desenvolvimento. Formulou as bases de uma educao libertadora em substituio educao bancria. Esta proposta, baseada na idia de uma troca dinmica entre educador e educando, corresponderia, nos museus, abolio das barreiras culturais. Os temas de conscientizao e mudana, o engajamento social e poltico do educador, presentes em Paulo Freire esto no documento final de Santiago, mesmo sem sua ida ao encontro. Devido importncia deste documento para a Museologia contempornea, estas contribuies continuam se multiplicando nas reflexes atuais.
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carter nacional, somam-se os regionais e os locais. No Brasil, o conceito de museus de territrio pouco a pouco passa a gerar processos museolgicos. Neste sentido vale alertar, como Heloisa Barbuy, para o limite entre o carter revolucionrio ou conservador da construo de identidades culturais (BARBUY, 1995, p. 222). A reflexo sobre a tenso entre memria e poder recorrente na produo de Mrio Chagas, que busca compreender os museus simultaneamente como potenciais espaos celebrativos da memria do poder ou arenas para o levante democrtico do poder da memria: O diferencial, neste caso, no est no mero reconhecimento do poder da memria e sim na colocao dos lugares de memria ao servio do desenvolvimento social, na compreenso terica e no exerccio prtico da memria como direito de cidadania e no como privilgio de grupos economicamente abastados (Idem, p. 22). E qual o poder da memria? Para Russio, defensora do carter preservacionista da Museologia, este deveria se fundamentar na viso prospectiva. A especificidade da ao museolgica o pressuposto da preservao, com um sentido no de saudosismo, mas de informao para ao (RSSIO, 1990, p. 10). A preservao tem fundamento poltico, este o uso social do patrimnio. Da mesma forma, Maria Clia Santos defende a preservao compromissada com uma opo poltica e transformadora (SANTOS, 1993, p. 52). No resta dvidas, porm, que a preservao tanto pode servir transformao como manuteno da ordem estabelecida e dos privilgios. Cabe ao muselogo posicionar-se quanto a isto. Formao profissional em novo contexto As profundas alteraes epistemolgicas da Museologia no podiam deixar de refletir nas bases da formao profissional. O novo museu, as novas relaes, exigiram um profundo repensar de uma carreira at aquele momento pouco profissionalizada e ainda voltada para estudos de colees que compunham o eixo da Museologia mais tradicional. Aos compromissos com a manuteno fsica dos acervos somaram-se tantos outros que os muselogos precisaram tambm desconstruir os padres clssicos de sua prpria formao. Mrio Chagas critica a formao profissional autoritria, burocrtica e desvinculada de compromissos sociais (CHAGAS, 1996, p. 96). Relacionou sete imagens de muselogos a sete perigos: o eglatra, o primeiro-mundista, o tupiniquim-xenfobo, o conservador, o colecionador, o especialista e o generalista seriam tipos caractersticos dos desvios de condutas profissionais na Museologia. Suas atuaes estariam permeadas por perigos como a centralizao no objeto, a mentalidade colecionista, a obsolescncia da informao, o afastamento da realidade social, a carncia de embasamento terico, a no valorizao dos trabalhos de pesquisa e o enfoque autoritrio. Com postura crtica, mas no pessimista, prope que a identificao dos problemas conduza dissoluo das imagens e afastamento dos perigos (Idem, 117). Entre as exigncias atuais, o autor destaca a interdisciplinaridade. O primeiro curso de formao em nvel de ps-graduao em Museologia no Brasil foi criado, em So Paulo, por Waldisa Russio (1978). Para ela, a formao e a profissionalizao na rea enfrentam desafios como acompanhar os museus nas novas exigncias que lhe so feitas e em posicionar-se diante de um problema identificado por Bourdieu no fim da dcada de 60 e que no Brasil era ainda realidade (alis, ainda hoje, ): a seleo de pessoal para museus no fundamentada em critrios de formao. Waldisa ressaltava ainda a necessidade de criar um sistema terico prprio da Museologia pois mais que determinante para o ensino da Museologia (STRANSKY apud RSSIO, 1989, p. 10). Nos cursos mais antigos, da Bahia e do Rio de Janeiro, as novas exigncias suscitaram reformulaes curriculares como a da UFBA, em 1989, onde a ao museolgica passou a voltar-se

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mais para o binmio preservao-dinamizao culturais. O conhecimento voltado somente para as colees foi minimizado a partir da idia de que o profissional da rea deve dominar a tcnica para aplic-la a qualquer contexto, mas para isso, precisa saber analisar este contexto, e adaptar suas tcnicas a ele, trabalhar interdisciplinarmente e em envolvimento com a comunidade local, alm de realizar uma avaliao constante do processo. A partir de 1995 houve tambm a implantao do novo currculo de Museologia da UNI-RIO. Hoje as frentes de formao profissional se ampliaram, existem de cursos tcnicos at o nvel de mestrado. Abrem-se cursos de graduao, o mais recente deles, na Universidade Federal de Sergipe, mas tambm em diversas universidades pblicas e faculdades privadas, na Bahia, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e So Paulo. Especializaes em Museologia existem do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Na Unirio existe, desde 2006, o Mestrado em Museologia e Patrimnio. O grau de excelncia dos cursos e a reflexo acadmica sobre a funo social dos museus permitem pensar em um futuro de instituies cada vez mais qualificadas e em sintonia com a realidade sciocultural contempornea. Mas h ainda muito a fazer e necessrio um compromisso tambm das polticas pblicas para que as gestes dos museus no fiquem merc do personalismo e das rupturas de continuidade que j foram apontados como causas de parte dos problemas das instituies, mas que no sero resolvidos apenas com profissionalismo, qualificao e conhecimento cientfico. H que se ter um verdadeiro compromisso com o papel social dos museus em todas as instncias de deciso sobre ele, para que o museu que queremos se realize.

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Referncia para citao: DUARTE CNDIDO, Manuelina Maria. A funo social dos museus. In: Canind Revista do Museu de Arqueologia de Xing, no 9. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, junho/2007. p. 169-187.

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