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Livro Trabalho Com Informacao Marcos Dantas

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MARCOS DANTAS

CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS


Escola de Comunicao Ufrj Programa de Ps Graduao em Comunicao e Cultura Rio de Janeiro RJ 2012

O presente livro est licenciado por meio de autorizao Creative Commons, atribuio no comercial, sem derivados.

Autor: Marcos Dantas

Reviso: Marcos Dantas

Projeto Grfico: I Graficci Comunicao e Design Programa de Ps-Graduao da Escola de Comunicao da UFRJ Av. Pasteur, 250 - Fundos - Praia Vermelha - Rio de Janeiro CEP 22290-902 - Tel: 55-21-38735075

D192

Dantas, Marcos Trabalho com informao: valor, acumulao, apropriao nas redes do capital / Marcos Dantas. Rio de Janeiro: Centro de Filosofia e Cincias Humanas da UFRJ (CFCH-UFRJ), 2012 248 p. ISBN 978-85-99052-10-5 Inclui bibliografia.

1. Sociedade da Informao. 2. Economia poltica. 3. Teoria da Informao. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de Filosofia e Cincias Humanas. Escola de Comunicao. CDD 303.4833

Para Vera, Carinho, apoio, compreenso, estmulo, confiana, suporte, retaguarda, filhos, amor, noites, tardes, dias, cobranas, esperas, companhia, pacincia e muita fora - todo esse tempo compartilhando dos meus sonhos.

Marcos

Introduo

ndice
8 20

I.

[Palavras iniciais] - Objetivo do livro - Mtodo do estudo - Plano da obra - Como cheguei at aqui Os Grundrisse - Dvidas e gratides Post-scriptum

Dialtica da informao

II.

[Palavras iniciais] O que informao? - Bogdnov, um precursor - Crtica homeostase - As leis da termodinmica - Ordem e desordem Tempo e entropia - Conceito de neguentropia - O demnio de Maxwell O modelo de Shannon - Informao e neguentropia O demnio corrigido - Informao guia a ao - Nveis de organizao - O lugar do receptor Mensagem e cdigo - Cdigo e redundncia - Ordem pelo rudo - Sistemas complexos - Dimenso temporal Valor da incerteza - Valor do tempo - Valor da informao - Do sinal ao smbolo Universo dos sentidos - Cdigos sintticos - Cdigos semnticos - Quantidade e qualidade Sistemas histricos - Conceito dialtico

Valor trabalho: uma releitura em Marx

60

III.

[Palavras iniciais] - O trabalho humano - A circulao como entropia Semntica do valor de uso Sinttica do valor de troca Trabalho vivo, trabalho morto Capital industrial - Trabalho complexo - Outro conceito - O trabalho do Homem - Tempo disponvel - Alienao do trabalha-dor Trabalho excedente O tempo o limite - O limite de Marx, por Marx - A cincia sai da produo - O trabalho cientfico

Sociedade informacional

95

[Palavras iniciais] - As percepes de N. Wiener - As snteses de Richta e Bell Diferena em Richta e Bell - Apropriao do tempo livre - Mudanas no trabalho - Trabalho com informao - Barreiras ultrapassadas - Processo geral de produo - Mantendo as aparncias

IV.

Valor da informao na Teoria Econmica Ortodoxa

113

V.

[Palavras iniciais] - Valor esperado - O difcil preo justo - Valor subsidirio - Um mercado difcil - Introduz-se a escassez - Qual racionalidade? - Rumo excluso

Trabalho com informao

126

VI.

[Palavras iniciais] - Trabalho sgnico - Trabalho material - Conceito de produto Trabalho redundante - Rudos semnticos - Com menos redundncia - Momentos de um processo - Trabalho aleatrio Trabalho entrpico - Mediaes semnticas - Valor informacional - Elos de interao - Determinaes do trabalho - O capitalinformao - Concepo-execuo - Competncias semnticas - Trabalho contemplativo - Subsuno do trabalho - Trabalho organizativo

Apropriao da informao

154

VII.

[Palavras iniciais] - Inerente desigualdade - A lgica pirata - Estratgias competitivas - Rendas informacionais Apropriao do trabalho Subsuno real: o comeo - Quem inventou o chip? - Feudalizao da informtica - Economia da licena Novo paradigma jurdico - O exemplo de Prometeu - Apropriao da vida - Lendo a Natureza - Recursos informacionais Excluso social Emprego s pro intelecto

O ciclo da comunicao produtiva

185

[Palavras iniciais] Valor que no mercadoria Questo de tempo Tempo de contratar Enchendo o tempo Problemas novos Monoplios naturais Indstria da informao - Socializao da telefonia - A era do rdio - Esfera pblica - gora informacional Gargalo burocrtico Uma indstria projetada Nova base tcnica Corporaes-redes Transportar contedos Estratgia da aranha Capital vs. monoplios Desregulamentao americana Reformas europias - Convergncia tecnolgica - O capital a rede Rede fragmentada - A lei geral Mercado-rede Internet: o novo medium - Comunicao produtiva Soluo de apropriao Os have e os have not Subinformados e suprfluos

Concluso

233

[Palavras iniciais] - Pensar a informao - Repensar a Economia - Repensar o trabalho - Repen-sar a prxis

Bibliografia

241

Escrevo este livro principalmente para norteamericanos, em cujo ambiente os problemas da informao sero avaliados de acordo com um critrio padro norte-americano: como mercadoria, uma coisa vale pelo que puder render no mercado livre. Esta a doutrina oficial de uma ortodoxia que se torna cada vez mais perigoso questionar, para quem resida nos Estados Unidos. Talvez valha a pena acentuar que ela no representa uma base universal de valores humanos; que no corresponde nem doutrina da Igreja, que busca a salvao da alma humana, nem do Marxismo, que estima uma sociedade pelo que ela realizou de certos ideais especficos de bem-estar humano. O destino da informao, no mundo tipicamente norte-americano, tornar-se algo que possa ser comprado ou vendido. Assim como a entropia tende a aumentar espontaneamente num sistema fechado, de igual maneira a informao tende a decrescer; assim como a entropia uma medida de desordem, de igual maneira a informao uma medida de ordem. Informao e entropia no se conservam e so inadequadas, uma e outra, para se constiturem em mercadorias. Norbert Wiener

At o perodo que antecede imediatamente a Segunda Guerra, a informao ainda no fazia parte das preocupaes centrais de economistas e pensadores sociais. Informao era um significante referido s relaes humanas, presente no dia a dia da vida de qualquer um, to quotidiano, to corriqueiro, que sequer merecia maiores consideraes tericas. Foi, aparentemente, o desenvolvimento de tecnologias especficas ligadas ao tratamento e transmisso de informaes que lhe deu status epistemolgico. No por acaso, a Teoria Matemtica da Comunicao nasce nos laboratrios da AT&T, o grande monoplio telefnico norte-americano. Surge quando eram intensas, nos Estados Unidos e fora deles, pesquisas sobre computadores e servomecanismos. Funde-se Ciberntica e, logo, permitir Fsica exorcizar em definitivo o demnio que Maxwell legou aos seus psteros, possibilitando ento Biologia explicar o paradoxo termodinmico da vida. Informao, de frmulas matemticas teis otimizao dos sistemas da AT&T, alou-se dimenso de um elemento constituinte e intrnseco explicao do mundo.

As palavras reproduzidas na epgrafe deste livro foram escritas h 50 anos por Norbert Wiener, o pai da Ciberntica1. E anunciam precisamente o que aconteceu, no s no mundo tipicamente norte-americano mas em todo o mundo capitalista: informao passou a ser tratada como mercadoria, conforme uma ortodoxia que, ainda mais depois da derrocada da Unio Sovitica, erigiu-se numa ordem (dizem que nova) a qual cada vez mais perigoso questionar*.*

Introduo

Em seu belo livro didtico-filosfico sobre a Ciberntica, Wiener descreveu pioneiramente o papel central que a informao comearia a desempenhar
*

O texto final deste livro foi escrito na ltima dcada do sculo XX e, na sua maior parte, no vero de 1993-1994. Ento, o enunciado deste pargrafo e dos que imediatamente se lhe seguem pareciam poltica e, mesmo, academicamente adequados. Para maiores explicaes, ver o Post Scriptum, ao final desta Introduo (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

na vida social da segunda metade do sculo XX. Antecipa os processos de produo automatizados, avalia a funo dos artistas e intelectuais na sociedade que se anun ciava, discute o futuro dos sistemas de patentes e a apropriao do conhecimento. No duvida que informao, at ento um recurso razoavelmente livre da Humanidade, comearia a ser alvo de desejos de apropriao. Entretanto, conhecendo bem a sua natureza volvel e instvel, adverte para as imensas dificuldades que a sociedade enfrentaria no intento de alcanar esse vo desiderato.

Vencida a metade final do sculo XX, no nos deve surpreender a consumao da previso de Wiener. O que realmente surpreende a quase total ausncia de real questionamento e de denncia mesmo, sobre a mercantilizao da informao, embora seja este o fato que, certamente, est na raiz de toda a instabilidade, mudanas e desigualdade da vida social (ps)moderna. A mercantilizao da informao poderia servir de ponto de partida para novos e vigorosos estudos crticos sobre o desenvolvimento capitalista. No foi o que aconteceu. A advertncia de Wiener caiu no esquecimento. O estudo que ora apresento foi motivado pela crena na necessidade e possibilidade de se iniciar e avanar um amplo programa de pesquisa, discusso e prtica social que ponha em questo justamente todo o arcabouo poltico e jurdico que testemunhamos ser montado nos dias que correm, visando reduzir a informao a recurso aproprivel pelo capital, dela fazendo instrumento de poder e, concomitantemente, de excluso social.

No somente isto. Espero tambm poder contribuir para aquele movimento, ao qual se refere Leandro Konder2, de renovao da Filosofia da Praxis, tornando-a capaz de pensar e de agir sobre os processos sociais deste fim de sculo e comeo do prximo. Estou particularmente convencido de que o Materialismo Histrico, conforme as palavras de Jrgen Habermas, sob diversos aspectos carece de reviso, mas [seu] potencial de estmulo no chegou ainda a esgotarse3. Um desses aspectos que, sugiro, carece de reviso trata dos processos de trabalho e da produo material. Mesmo depois de Andr Gorz nos convidar, com boas razes, a dar adeus ao proletariado4, a questo da produo fabril ainda segue sendo tratada, terica e praticamente, numa forma muito prxima ou, pelo menos, diretamente remetida a uma certa traduo, talvez j superada, do pensamento de Marx. Da tambm deriva que o epicentro de todo o problema do capital - a valorizao - permanece pouco ou nada desenvolvido nos estudos que buscam entender a sociedade contempornea, na sua especificidade, luz da teoria histrica marxiana. A pergunta que proponho : qual a natureza real do processo produtivo nesta sociedade, que vem merecendo tantos nomes quantas so as mscaras atrs das quais a querem esconder? Se ousarmos atacar este problema, talvez comecemos a destrinchar o processo contemporneo de valorizao do capital,
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esclarecendo-nos a partir da sobre o que pode ser principal ou secundrio nas lutas em que nos empenhamos contra a misria, as injustias, a razo cnica, a violncia e tantas outras. Para tanto, precisaremos reler, necessariamente rever, s vezes tambm relembrar a crtica de Marx Economia Poltica, mas cuidando de faz-lo luz do desenvolvimento contemporneo deste fenmeno novo ao qual denomino capital-informao.

Objetivo do livro

Para expor e discutir a lgica de acumulao do capital-informao, estou, neste livro, sugerindo uma teoria do valor-informao, a partir da teoria marxiana do valor-trabalho. Ou seja, assumindo e reafirmando ser o trabalho a fonte de valorizao do capital, tentarei examinar como pode gerar valor o trabalho que tenha por objeto produzir material sgnico, material este que orienta a produo material final nas sociedades capitalistas avanadas. Como pretendo mostrar, hoje em dia, o trabalho de captar, processar, registrar e comunicar informao, tornou-se fonte direta de produo de riquezas e de acumulao. Assim entendido, a informao obtida pelo trabalho entra em contradio com as relaes capitalistas dominantes de produo, da derivando as questes econmicas e sociais que sero tratadas ao longo do livro.

Mtodo do estudo

Em sua Crtica comunicao, Lucien Sfez5 dividiu os estudos e conceitos sobre informao (que ele prefere tratar como comunica o) em dois grandes programas. No primeiro - que ele denomina metfora da bola de bilhar - situase a Teoria Matemtica da Comunicao e o que dela derivou, particularmente as pesquisas sobre inteligncia artificial e os delrios cognitivos de Simon, Minsk e outros, muito em voga nos anos 50 e 60. Sfez mostra que essa linha est apoiada numa estrutura de pensamento tpica das cincias fsicas e matemticas, cujos fundamentos epistemolgicos encontram-se na lgica formal aristotlica e no mtodo cartesiano. Com efeito, a figura shannoniana - hoje to disseminada e at mesmo um tanto popular - que mostra a comunicao realizando-se atravs de um canal que liga unidirecionalmente emissor e receptor, nada mais que expresso da relao dualista e determinada entre sujeito (emissor) e objeto (receptor), excluindo-se o terceiro (o rudo).

No outro programa - por Sfez denominado metfora do organismo encontram-se as teorias psquicas da Escola de Palo Alto (Bateson e outros); o conceito de ordem pelo rudo do ciberneticista Heinz von Foerster, e o conceito derivado de organizao pelo rudo, do bilogo Henri Atlan. Aqui, os agentes da comunicao interrelacionam-se atravs de mltiplos e incomenTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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A Dialtica no entra em conflito com os paradigmas do desequilbrio, da cincia contempornea. Ao contrrio, ela se demonstra aberta ao novo, [ao] indito11, logo s incertezas. Podemos dizer: este o mtodo, por excelncia, para estudarmos o aleatrio e o complexo, exatamente porque nos fornece os instrumentos necessrios para incorporar eventos inesperados s relaes prexistentes, estabelecendo dinamicamente novas relaes entre eles. Se, ao longo deste sculo pareceu o contrrio, se a Dialtica petrificou-se num materialismo mecanicista, tal o devemos, em boa medida, conforme est se tornando consensual na literatura especializada, influncia do darwinismo e do positivismo no
*

Adoto em meu estudo, como sempre adotei na vida, o mtodo materialista dialtico. E to somente porque fui guiado pelo mtodo dialtico, o meu encontro e dbito com o pensamento monista de Atlan seria inevitvel. Quando conclu, em 1994, a dissertao de mestrado que deu origem a este livro, ainda no lera e desconhecia completamente o livro de Sfez (cuja primeira edio francesa do mesmo ano). Foi, portanto, a posteriori que confirmei encontrar-me em to distinta companhia*.*Cheguei a Atlan atravs de leituras em Dupuy9 e em Laborit10. Nestes todos divisei um claro caminho para alcanar uma compreenso bsica da informao como um processo (biolgico e social) que articula e relaciona os elementos do Universo em sua totalidade. Ento, armado com a Dialtica, pude buscar as demais relaes que existiriam entre os diversos aspectos atravs dos quais identificamos, discutimos ou conhecemos o fenmeno informacional**.**

surveis canais, formando uma totalidade da qual o rudo parte inerente, e elemento necessrio criao de ordem e de crescimento. O sujeito, ento, no se distingue irredutivelmente do objeto. Para Sfez, este programa remeteria filosofia monista de Spinoza, mesmo que, certamente, nenhum daqueles autores disso estivessem informados. Se assim , ento, na genealogia dessa linha de pensamento caberia situar tambm a Dialtica de Hegel e Marx, cuja natureza monista foi reafirmada por Lukcs6, Prado Jnior7 e Sochor8. Porm - e Sfez no deixa de observ-lo - os marxistas, passada a relutncia inicial de Stlin, aceitaram acriticamente a ciberntica dualista de Shannon e Wiener, jamais tendo, de fato, desenvolvido uma teoria dialtica da informao (veremos, no Captulo 1, que Alexandr Bogdnov muito avanou nesse terreno, at ser fulminado... pelos raios de Lnin).

** No aspecto metodolgico, embora no volte a cit-lo, este livro assume uma dvida toda especial com o pensador brasileiro Caio Prado Jnior, e com a sua Dialtica do Conhecimento. Como talvez o percebam os mais iniciados, foi particularmente a dialtica de Caio Prado que me guiou na busca de uma compreenso dialtica da informao (Captulo 1) e, da, no mais que se segue.

Muito possivelmente, se tivesse tido acesso poca em que desenvolvi o mestrado (1990-1994), s teorias da Escola de Palo Alto e s de outros autores relacionados ao paradigma da complexidade, alm de Henri Atlan, meu caminho na construo das idias expostas neste livro teria sido em larga medida aplainado. So muitas as estreitas semelhanas das teses aqui apresentadas com as de Gregory Bateson, Paul Watzlawick e seus colegas, mas nula a influncia. Lucien Sfez e as teorias construtivistas que expe em seu livro, inclusive a leitura direta, por mim, dos autores que cita, s puderam ser teis nas pesquisas de doutoramento e em meus estudos posteriores (N2011).

TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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ltimo Engels e no seu principal herdeiro, Karl Kautski, dos quais derivou toda a codificao posterior, leninista, stalinista, trotskista, maosta etc., etc.12 ...

Plano da obra

I - Dialtica da Informao. As discusses sobre a natureza e conceito da informao derivam de dois diferentes programas, como registramos acima. Optando por estudar a informao no sistema, e com base no princpio da organizao pelo rudo, exponho como se pode compreender o fenmeno informacional a partir de teorias cientficas j consolidadas na Fsica e na Biologia, da extraindo conceitos que sero operacionais para responder s questes levantadas, quanto ao processo de trabalho. II - Valor-trabalho: uma releitura em Marx. O meu objetivo neste captulo foi o de reexaminar o conceito marxiano de valor-trabalho luz da discusso sobre informao realizada no Captulo 1. Alm disso, busquei em Marx outros elementos que podem nos ajudar a entender a sociedade contempornea como, por exemplo, os seus conceitos de tempo-livre e de trabalho cientfico. III - A sociedade da informao. Neste captulo dialoguei com alguns autores que discutem os problemas da sociedade contempornea, especialmente D. Bell e R. Richta, alm de Offe, Schaff, Gorz e outros. Avancei, a partir da, as minhas primeiras consideraes sobre a natureza do trabalho nesta sociedade.

Alm desta Introduo, o livro contm seis captulos e a Concluso:

V - Trabalho com informao. Com base nas discusses precedentes e em alguma observao emprica, avancei uma proposta para estudar o valor da informao a partir do processo de trabalho realizado na sua gerao e disseminao. Para tanto, descrevi alguns processos de trabalho como processos de tratamento e comunicao de informaes, sugerindo que anlises semelhantes podem ser alargadas a virtualmente todos os campos de trabalho vivo, nas sociedades contemporneas.

IV - Valor da informao na Teoria Econmica Ortodoxa. Ao contrrio dos marxistas, alguns tericos neo-clssicos tm enfrentado a questo do valor da informao, logicamente luz das suas prprias premissas e mtodos. Dialoguei com K. Arrow, B. Bates e H. Demsetz, cujas proposies nos adiantam as dificuldades que o capital enfrenta para apropriar-se da informao social.

VI - Apropriao da informao - Das discusses anteriores, mostro que o conceito clssico de valor de troca no pode ser aplicado ao valor da informao, o que vem levando o capital a desenvolver novos instrumentos de apropriao, baseados no uso da fora poltica e jurdica. Da as polmicas sobre propriedade intelectual nas quais se envolvem grandes companhias capitalistas, polmicas 12
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que exprimem as disputas, entre elas, pela diviso das rendas extradas do trabalho informacional.

VII O ciclo da comunicao produtiva Relembrando a dimenso que Marx atribua ao tempo no processo de valorizao, e constatando que o valor da informao se realiza na comunicao, mostro como o capital desenvolveu todo um novo ciclo de produo e trabalho nas comunicaes, da, tambm, fazendo do controle e domnio das redes de processamento e transporte da informao um outro vetor de importncia crucial para a acumulao e apropriao de riquezas. Concluso - A questo central da sociedade contempornea o controle da informao social pelo capital. Por isto, as lutas por justia social e pela democracia deveriam ser organizadas tendo por eixo a liberdade de acesso informao socialmente gerada e usada. Para avanar teoricamente tal programa, sugeri algumas linhas amplas de pesquisas e estudos que poderiam aprofundar, ou questionar, os primeiros resultados alcanados neste meu estudo.

Como cheguei at aqui

Com pouqussimas mas indispensveis modificaes formais, e alguma, mas complementar, atualizao de contedo, este livro resulta de dissertao de mestrado por mim defendida em 1994, no programa de ps-graduao em Cincia da Informao, da Escola de Comunicao da UFRJ. Antes disso, porm, ele corolrio de muitos anos de estudo e observaes: tem uma genealogia - uma histria pessoal - e deve alguns tributos que, nas prximas linhas, registro com alegria e afeto.

Certamente, antes de mais nada, minha formao infantil e juvenil de testemunha ocular, nos anos 50/60, das lutas de meus pais por um Pas independente e desenvolvido, ao mesmo tempo em que me proporcionavam um ambiente familiar estimulante s leituras, ao estudo, s viagens intelectuais, que me impregnou para sempre. Foi parte importante dessa formao e influncia ini cial, o encontro com o marxismo-leninismo, com os seus ideais de justia e liberdade, embora tambm (e no poderia ento ser diferente) com as suas crenas dogmticas da poca. Saltando no tempo mas devido a este passado, pude, como jornalista entre os anos 70 e 80, perceber intuitivamente a dimenso poltica e econmica de um problema novo que ento chegava sociedade brasileira: a informtica. poca, um amplo e bem articulado grupo de cientistas, engenheiros e outros profissionais, trabalhando em centros de pesquisa universitrios e empresas privadas ou estatais, e aproveitando um conjunto de circunstncias muito favorveis, estava tentando, e logrando, dotar o nosso pas com uma avanada indstria de informtica e telecomunicaes. A verdadeira histria desta realizao muito pouco
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e muito mal conhecida. Ao contrrio: muito distorcida. Por duas razes bsicas. Primeira: evoluiu no contexto de polticas econmicas e industriais autoritrias, elitistas, concentradoras de renda, socialmente excludentes, logo nunca foi sequer captada, nem muito menos compreendida, em todas as suas dimenses, pelos movimentos populares e polticos que, no mesmo perodo, se remobilizavam e se reorganizavam para pr um fim ditadura militar. Segunda: quando a indstria comeou a ganhar fora real e a demonstrar, na prtica, a viabilidade de o Brasil encetar, apoiado fundamentalmente em seus prprios recursos humanos e materiais, a sua revoluo informacional, passou a sofrer vigorosa e poderosa rejeio interna. A poltica de informtica passou a ferir os interesses de grupos empresariais atavicamente dependentes de fontes tecnolgicas estrangeiras, e os de uma grande imprensa completamente subordinada s lgicas alienantes da indstria cultural. Esta reao de amplos setores das classes dominantes e mdias poltica de informtica serviu, por fim, aos interesses imperiais dos Estados Unidos que, contra ela, mobilizaram todos os seus poderes de presso diplomtica, econmica e ideolgica. No encontrando, no Brasil, oposio altura (que somente o movimento popular e seus partidos poderiam mobilizar), os Estados Unidos e seus aliados internos acabaram levando a poltica de informtica a perder os seus rumos e clareza de objetivos, da facilitando a sua definitiva derrogao nos albores do (des)governo Collor. Foi um longo perodo, iniciado mais ou menos em 1976/77, e prolongado at os primeiros anos da dcada 90, durante o qual, como profissional e como cidado, optei por participar ativamente nesse esforo para dotar o nosso pas de uma indstria prpria da informao, juntando-me a cientistas, engenheiros e empresrios que davam o melhor de si para chegar ao mesmo objetivo. Este livro, sem dvida, fruto direto desta vivncia. Dificilmente teria sido possvel sequer pens-lo, no tivesse eu aproveitado essa excepcional oportunidade histrica, eu diria de viver, enquanto algum formado e inspirado no pensamento marxista, as experincias polticas e profissionais que ento vivi, nas lutas em defesa do desenvolvimento tecnolgico brasileiro.

Das centenas de cientistas, engenheiros, quadros tcnicos e empresrios com os quais muito aprendi nessa poca, no podendo cit-los todos, quero agradecer especialmente a trs: Arthur Pereira Nunes, Ivan da Costa Marques e Luis Sergio Coelho Sampaio.

Graas a Arthur, pude realizar alguns estudos, dos quais o mais importante permitiu-me visitar cerca de uma dezena de fabricantes brasileiros de computadores ou perifricos, conhecendo-lhes a histria industrial e tecnolgica, observando os seus mtodos de trabalho, auscultando os seus engenheiros e tcnicos. Esta investigao originou o livro O Crime de Prometeu: como o Brasil conquistou a tecnologia de informtica13, produzido e distribudo, em 1989, pela Associao 14
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Brasileira da Indstria Na cional de Computadores (Abicomp), que inspirou-me diretamente, a partir das observaes que pude fazer ento, no desenvolvimento das idias expostas nas pginas que se seguem*.

Com Sampaio**,*tive a grande oportunidade de ligar-me a um grupo de pessoas que, na Embratel, por volta de 1984, investigava, pioneiramente entre ns, os impactos da informatizao em uma sociedade como a brasileira. Pude ento examinar, pela primeira vez de forma teoricamente mais sistematizada, as dimenses das transformaes pelas quais passa a sociedade contempornea, bem como travar contato (em alguns casos, tardio) com autores que seriam fundamentais para o avano das minhas idias posteriores: Umberto Eco, Andr Gorz, Radovan Rich ta, Daniel Bell, Anthony Smith, Jean-Pierre Dupuy, os pensadores da Escola de Frankfurt e ainda outros. Adicionalmente, foi esta experincia que me motivou a retornar aos campi universitrios, dos quais os equvocos da vida haviam-me afastado.

Com Ivan, alm de ter trabalhado em uma empresa projetista e fabricante de computadores, a Cobra, logo vivenciado por dentro as atividades de uma indstria de alta-tecnologia; entendi como a nova diviso internacional do trabalho tende a excluir sociedades como a brasileira de todo o processo de criao da riqueza efetiva dos tempos atuais: o conhecimento cientfico e tecnolgico. Porque no gera essa riqueza, o Brasil expande a sua pobreza.

Os Gundrisse

Quis o acaso que, neste momento em que eu me abria a conhecimentos novos, publicasse a Editora Abril, numa coleo sobre os Economistas, todo O Capital. Na sua excelente Introduo, Jacob Gorender14 chama ateno para as idias expostas por Marx nos Grundrisse, sugerindo uma outra via para a superao do capital, atravs de seu prprio desenvolvimento cientfico-tcnico que, nem de longe, se assemelhava s minhas (e nossas) velhas crenas revolucionrias leninistas. Atiou-me, ento, uma provocao. Um desses apologistas da sociedade ps-industrial, John Naisbitt, numa bobagem intitulada Megatendncias,
*

Quando este livro estava inteiramente pronto para subir nuvem, em 15 de abril de 2012, Arthur Pereira Nunes faleceu em decorrncia de uma longa e cada vez mais grave enfermidade. Um dos principais articuladores da Poltica Nacional de Informtica nos anos 1970-1990, secretrio de Informtica do MCT no incio do governo Lula quando foi tambm presidente do Comit Gestor da Internet-Brasil (CGI-Br), Arthur era, sobretudo, uma pessoa extremamente solidria com os amigos, a cujo estmulo e apoio muito devo nesses 30 e poucos anos em que tive o privilgio de com ele conviver. ** Extraordinrio intelectual, infelizmente falecido em 2003 aos 70 anos, liderou, como diretor e, depois, vice-presidente da Embratel, um ousado programa de formao de recursos humanos para a sociedade da informao que incluiu o desenvolvimento da Projeto Ciranda, a primeira comunidade informatizada (hoje diriam rede social) brasileira. Em plena a ditadura, nos governos Geisel e Figueiredo, a Embratel distribuiu a todos os seus funcionrios, microcomputadores pessoais de 8 bits (os mais avanados ento) e passou a estimular a interao social entre eles, visando investigar como se comportaria uma comunidade interligada por computadores. Projetos semelhantes eram realizados no Japo, no Canad, na Sucia, na Frana, noutros pases. Uma das primeiras medidas adotada pelos novos diretores da Embratel que assumem na assim dita redemocratizao de 1985, foi encerrar esse projeto. O Brasil comeava a andar para trs... (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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decretou: Numa sociedade de informao, o valor acrescido pelo conhecimento, um tipo de trabalho diferente do que o que Marx tinha em mente15. Descontado o fato de que Smith, Ricardo, Say, Sismondi e todos os demais pais fundadores da cincia econmica tinham tambm em mente o valor-trabalho, pareceu-me estar ali o cerne do problema, e que Gorender me dera uma boa indicao de por onde comear a examin-lo: com efeito, desde ento, tornou-se claro para mim, atravs do estudo deste monumento do pensamento humano que so os Grundrisse, que seria possvel examinar as questes levantadas pela sociedade da informao, desde um ponto de vista crtico, histrico e... dialtico.

Dvidas e gratides

A consumao de todo este esforo no teria sido possvel sem o estmulo, o concurso e as exigncias de dois professores: Vnia Arajo e Jos Ricardo Tauile*,*os meus orientadores. Ambos so grandemente responsveis pelo que as minhas idias tenham de corretas e socialmente teis. E como no estavam obrigados a corrigir os meus defeitos e limitaes pessoais, no conseguiram remover equvocos ou falhas que, se persistem, so de minha inteira responsabilidade. A trs outros professores da Ps-graduao devo tambm parcelas de contribuio para este trabalho: Nlida Gmez, Regina Marteleto, Lena Vnia Pinheiro. Devo tambm gratido, pela ateno e tempo que me dispensaram, a Vanda Scartezini, ento na SID Microeletrnica; Eber Assis Schmitz, Eloisa Faanha, Alexandre Sales e Alexandre de la Vega, todos estes do NCE-UFRJ.

Assumi, por fim, uma profunda e dificilmente resgatvel dvida com meus dois filhos - Thomaz e Lucas - de quem, em muitos e muitos fins de semanas e noites ps-jantar, subtra o pai (imerso que fiquei nos meus estudos), numa etapa to importante de suas vidas, quando enfrentam as vertiginosas novidades da juventude. O que se ler a seguir uma investigao conceitual introdutria. Por isto, o livro deixa necessariamente de fora a discusso de uma ampla e importante gama de problemas que precisariam ser examinados em um estudo mais abrangente sobre a economia e a sociedade da informao. Aqui, quis tratar apenas, e teoricamente, do problema do trabalho e do valor. Neste recorte, espero que o estudo possa levantar novas questes, mais do que respond-las. Se, independentemente dos acertos e erros de suas teses, as pginas seguintes puderem sugerir outras e mais frutferas investigaes tericas e empricas capazes de instrumentalizar o movimento so cial, j terei cumprido com o principal papel de um intelectual inserido numa sociedade to desigual como o esta em que vivemos: pens-la criticamente.
Infelizmente, mas infelizmente mesmo, falecido a 10 de dezembro de 2006. Muitas saudades (N2011) TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Post Scriptum (agosto de 2011)


Como dito acima, este livro resulta da dissertao de Mestrado concluda em 1994. Mais de 80 por cento do que se ler a seguir, foi pensado e elaborado nos primeiros anos da dcada 1990 e redigido no vero de 1993-1994. Cerca de 15% ou um pouco mais, foi pensado na metade restante daquela mesma dcada e escrito no vero de 1999-2000. Ento, se justificava dizer que a sociedade brasileira em geral e a esquerda, em particular, ainda no despertara para os problemas da sociedade da informao, embora estes j viessem sendo cada vez mais intensamente discutidos nos pases centrais, desde os anos 1980. Este acmulo, nos pases centrais, inclusive levar os chefes de Governo do G7 a aprovarem a resoluo de edificar uma global society of information, em 1995, em Bruxelas. Mas no Brasil, salvo um restrito crculo de pesquisadores e tcnicos ligados informtica e telecomunicaes, no se falava disso.

A dissertao fora produzida visando despertar o debate. Infelizmente, sua publicao poca no interessou a diversas editoras s quais o texto foi oferecido. Digamos, o assunto, no Brasil, no estava em moda... Alis, naqueles tristes anos de Collor e FHC, discutir Marx muito menos. Por outro lado, essas mudanas na sociedade ainda no haviam despertado novas grandes narrativas nos centros mundiais do pensamento que pudessem servir de referncia para os estudos nesta nossa provinciana periferia pouco afeita a pensar com originalidade. Ento, mal tinham sado do forno os Lyotard, os Levy, os Castells, muito menos a internet j se transformara no extraordinrio sucesso de mercado em que se transformaria a partir do lanamento do Internet Explorer, em 1996. Entende-se que uma dezena de editoras, inclusive algumas especializadas em publicaes para o pblico que se diz de esquerda, no tenha visto qualquer interesse neste meu trabalho... Agora, com a internet e com o apoio do Programa de Ps Graduao da Escola de Comunicao da UFRJ, podemos dispensar tais filtros. Em muitos aspectos, os assuntos aqui tratados, inditos poca, e cujo pioneirismo reivindico, comeam a parecer corriqueiros nos dias que correm. Entretanto, at hoje, a questo central tratada neste livro, permanece original: o trabalho informacional. Expresses como trabalho imaterial ou capitalismo cognitivo no existiam ainda, ou eram ignoradas por aqui, na primeira metade dos anos 1990. Se no fao referncias a elas, por desconhec-las mesmo quela poca. Hoje, tm motivado uma crescente produo intelectual, crtica favorvel ou negativa, que, seja como for, acaba por legitim-las. Por isto, pensando no debate de hoje (2012), a categoria trabalho informacional, que aqui apresento, surge como uma negao avant la lettre quelas invencionices ps-modernas. O trabalho informacional material, pois transformao, pelo corpo humano e sua mente, atravs de prteses adequadas (ferramentas e tecnologias), de materiais portadores de
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signos que contm valor pelo signo que portam. Trabalho imaterial somente se for aquele feito por Deus no ato da criao...

Do texto original, de 1994, foi feita uma primeira edio para publicao em 1996, escoimadas de algumas idiossincrasias acadmicas; e uma segunda, no final de 1999. Este livro est de acordo com esta segunda verso. Os captulos 1 a 5 quase no foram modificados em relao ao texto original da dissertao, inclusive conservam o qu, tantos anos depois, j me parecem ser algumas ingenuidades tericas, ao menos estilsticas, de um pesquisador em incio de carreira. O captulo 5, alis, mas no s ele, antecipava um dos debates centrais do capitalismo deste sculo XXI: a propriedade intelectual. O captulo 6, escrito posteriormente, traz desdobramentos que eu comeava a pensar no final dos anos 1990, j no doutorado, e desenvolveria melhor na dcada seguinte. Pela sua tese central sobre o trabalho no capitalismo avanado, pelo debate sobre a propriedade intelectual, apesar das suas referncias tericas ou factuais ao sculo passado, este estudo, assim espero, pode ainda ser muito til.

(Uma ltima observao: a maioria das notas de rodap precedida de asteriscos (*) foram introduzidas nas revises posteriores ao texto do Mestrado. As notas que trazem, entre parnteses, a notao N2011 foram redigidas para esta edio).

Referncias Bibliogrficas
1. WIENER, Norbert. Ciberntica e sociedade - o uso humano de seres humanos, p. 112 passim, So Paulo, SP: Editora Cultrix, trad., 1978. 3. HABERMAS, Jrgen. Para a reconstruo do materialismo dialtico, p. 11, So Paulo, SP: Editora Brasiliense, trad., 2 ed., 1990.

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2. KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da Prxis, Rio de Janeiro, RJ: Paz & Terra,

4. GORZ, Andr. Adeus ao proletariado - para alm do socialismo. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitria, trad., 1982. 6. LUKACS, Georg. Histria e conscincia de classe, Rio de Janeiro, RJ: Elfos Editora Ltda, trad., 1989. 5. SFEZ, Lucien. Crtica da comunicao, So Paulo, SP: Edies Loyola, trad., 1994.

7. PRADO Jr., Caio. Dialtica do Conhecimento, Rio de Janeiro, RJ: Editora Brasiliense, 5 ed., 2 tomos, 1969.

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1988.

11. KONDER, Leandro. A Derrota da Dialtica, p. 9, Rio de Janeiro, RJ: Editora Campus, 1988. 12. HOBSBAWM, Eric J. (org.), Histria do Marxismo, vrios volumes, Paz & Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1987 e seguintes. 13. DANTAS, Marcos. O crime de Prometeu: como o Brasil obteve a tecnologia de informtica. Rio de Janeiro, RJ: Abicomp, 1989.

10. LABORIT, Henri. Deus no joga dados. So Paulo, SP: Trajetria Cultural, trad.,

14. GORENDER, Jacob. Apresentao in MARX, Karl. O Capital. So Paulo, SP: Abril Cultural, trad., 4 vols., 1983. 15. NAISBITT, John. Megatendncias, p. 17, So Paulo, SP: Crculo do Livro/Livros Abril, trad., 1983.

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Captulo I

Dialtica da Informao
Karl Marx

A cincia natural algum dia incorporar a cincia do homem, exatamente como a cincia do homem incorporar a cincia natural; haver uma nica cincia.

O significante informao vem do latim informatio, -onis, ao de formar, plano, da o verbo informare, dar forma, esboar. Desde suas origens, o significante denota um processo ou movimento de dar forma a algo ainda em esboo ou em planejamento.

De em-formao deriva, segundo Fernand Terrou, informao como designativo das grandes tcnicas de difuso e a liberdade ou as atividades sociais fundamentais de que essas tcnicas so ou podem ser os instrumentos principais1. Trata-se de um conceito que congela o sentido original, dinmico, da palavra, num conjunto de atividades subordinadas a uma tcnica. Porm, um significado geralmente aceito pelo senso comum que costuma associar a informao aos resultados das atividades de imprensa, rdio ou televiso, isto , ao contedo das notcias, e aos exerccios de liberdade poltica que tais atividades pressupem. O partir dos anos 40 ou 50 do sculo XX, o significante informao veio tambm sendo adotado para representar uma gama de diferentes fenmenos, identificados e estudados tanto no mundo natural (sobretudo na esfera biolgica), quanto nas muitas atividades sociais do ser humano. Pode-se dizer que a estrutura cristalina mineral ou contm informao; que o cdigo gentico informao; que um animal irracional age em funo de informao; que um

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estado psicolgico qualquer, num indivduo, resulta de alguma informao; que um computador processa informao; at mercadorias, ou commodities, so ou podem ser informao. A palavra extrapolou o seu significado ordinrio original, incorporando outras acepes nem sempre imediatamente relacionadas comunicao humana. Mais do que isso, informao tornou-se um problema cientfico, no sentido de que o seu conceito e os fenmenos que exprime passaram a ser formalmente pesquisados e debatidos, conforme mtodos prprios dos diferentes campos cientficos que dela fizeram objeto de estudo.

O que informao?

Nisto que foi trazida para o debate cientfico, a compreenso e a conceituao do fenmeno informacional tornaram-se vtimas das diferenas, culturas, objetivos, e at idiossincrasias prprias de cada rea do conhecimento. No ser difcil catalogar-se muitas definies diferentes e at contraditrias para informao, sugeridas pelos mais diversos autores, havendo quem j tenha relacionado mais de 400 delas2. Tem-se a ntida impresso que cada pesquisador ou estudioso, ao defrontar-se com uma situao que lhe parece relacionada informao, precisando caracteriz-la, conforma-se em lhe sugerir uma definio ad hoc, utilitria, quando no intuitiva. Ento, informao, numa compilao em diferentes autores, poder ser as relaes que se tornam perceptveis, quando ocorrem mudanas no estado fsico de algum objeto; ou conhecimento que comunicado; ou smbolos produzidos por um comunicador, para efetuar o seu intento de comunicar; ou um processo que ocorre na mente humana quando se completa uma produtiva unio entre um problema e um dado til sua soluo; ou dados produzidos como resultado do processamento de dados; ou3... Informao seria tudo isto, ou algo disto, enquanto percepo imediata de um fenmeno que no entanto, hoje em dia, j pode ser bem compreendido atravs de um corpo terico rigoroso e formalizado. Em princpio, no haveria mais porque ainda tatear-se na busca de definies pouco precisas, apenas para atender-se, um tanto quanto arbitra riamente, s demandas de um estudo qualquer. Muito menos, quando este estudo versar exatamente sobre processos so ciais e econmicos diretamente relacionados produo ou uso de informao.

Em se tratando, por outro lado, de um conhecimento cientfico recente e, sob muitos aspectos, ainda em construo, poder ser admissvel desdobrar a conceituao disponvel para aplic-la a contextos ou situaes de estudo ainda no abarcados, ou pouco penetrados, por esse corpo terico. Assim, no se estar sendo, nem arbitrrio, nem utilitrio. Estar-se-, por um lado, respeitando aquilo que, nas cincias em geral, h que se respeitar enquanto leis universais da natureza ou da histria, mas, por outro lado, adequando-as a recortes bem especificados, esclarecidos e justificados.
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Se vamos estudar a sociedade da informao, precisamos, para comear, entender o que vem a ser informao. Veremos tratar-se de um fenmeno que encontra-se intrinsecamente ligado a qualquer situao onde haja uma organizao, logo a qualquer estudo sobre uma sociedade. Como observou Rapoport, se a energia tinha sido o conceito unificador subjacente a todos os fenmenos fsicos que supunham trabalho e calor, a informao tornou-se o conceito unificador subjacente ao fun cionamento dos sistemas organizados, isto , sistemas cujo comportamento era controlado de modo a atingir alguns objetivos pr-estabelecidos4.

Bogdnov, um precursor

O Autor deve ao professor Michel Thiollent, essas informaes sobre as idias de Bogdnov. Thiollent lembrou-lhe que Ludwig von Bertalanffy, ao elaborar a sua Teoria Geral dos Sistemas, poderia ter sido mais ou menos influenciado pelas idias de Bogdnov, ao qual porm no faz qualquer referncia. Esta suspeita mereceu a realizao, nos anos anos 80, de seminrios acadmicos nos Estados Unidos, com conseqente publicao de livros sobre o assunto. A partir desta indicao, apuramos, nos ensaios crticos contidos na Histria do Marxismo de Hobsbawm, que Bogdnov foi um dirigente bolshevique to influente quanto Lnin, pelo menos ao longo dos primeiros trs lustros deste sculo [sculo XX], e que, ao contrrio da grande maioria dos lderes revolucionrios marxistas (russos ou no), possuia slida formao em cincias exatas. Embora sempre ligado ao Partido Bolshevique, inclusive aos governos revolucionrios, at morrer em 1928, sustentou permanente polmica com Lnin que, contra ele, escreveu Materialismo e empiriocriticismo, uma das principais fontes do que veio a ser a diamat. Bogdnov produziu uma vasta obra terica e poltica, inteiramente desaparecida das estantes desde os fins dos anos 20. Dois trabalhos se destacam: Empiriomonismo, publicado, em trs volumes, entre 1904 e 1906; e Cincia geral da organizao: tectologia, tambm em trs partes, que veio luz entre 1916 e 1922. Este ltimo foi traduzido para o alemo e editado em Berlim, em 1926. Portanto, a dvida procede: poderia o bilogo austraco Ludwig von Bertalanffy, ao elaborar a sua Teoria Geral dos Sistemas, na efervescente Viena dos anos 30, ignorar completamente a Cincia Geral da Organizao, do bilogo russo Alexandr Bogdnov?
* **

Toda a atividade do ser humano, argumenta Bogdnov, consiste em organizar algum aspecto da vida social, nas suas relaes com a Natureza e com os homens

O primeiro esforo abrangente para pensar os sistemas organizados foi realizado pelo bilogo marxista russo Alexandr Bogdnov, nas duas primeiras dcadas do sculo XX. Infelizmente, conhecemos muito pouco e indiretamente a sua obra*.*A detalhada resenha crtica elaborada por Scherrer5, preocupa-se mais em discutir os aspectos polticos de seu pensamento, ainda que os relacionando claramente s suas idias cientficas e filosficas, do que em aprofundar o exame das suas proposies sobre conhecimento e cincia. No que aqui nos interessa, Bogdnov desenvolveu uma monista teoria geral da natureza, entendendo que toda a atividade humana no campo da tcnica, da prxis social, da pesquisa cientfica e da arte pode ser considerada como material da experincia organizativa e estudada do ponto de vista organizativo6. Da, funda as bases de uma nova cin cia que denomina tectologia (do grego tectaiologai, eu construo)**,**que deveria conceber todas as cincias como instrumento para a organizao de um nico processo social de trabalho, ao qual se deve dar a forma incondicionalmente harmoniosa e unitria, para tanto elaborando mtodos e pontos de vistas gerais que liguem entre si todas as cincias particula res7.

Pelo nome que deu cincia que pretendia criar e pela descrio que temos das suas idias, pode-se sugerir (a ser melhor investigado) que Bogdnov seria, tambm, um precursor do construtivismo (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Como os processos sociais so dinmicos, o objetivo de toda atividade organizadora deve ser a obteno de algum estado passageiro de equilbrio:

entre si. O conhecimento, pois, um processo de organizao das experincias oriundas dessas relaes, originando conceitos que no so propriedades do mundo ou das coisas em si [...] mas simples formas de organizao ou de ordenamento das experincias, os nicos instrumentos que permitem ao homem formar um mundo objetivo em geral8. Esses conceitos adquirem validade pelo consenso social, logo no so externos ao momento histrico, nem so necessariamente universais : o verdadeiro, para Bogdnov, o que socialmente vlido numa determinada poca9.

O sentido de todas as organizaes a criao de estados de equilbrio entre as mais diversas foras opostas entre si. Mas, uma vez conquistado, todo equilbrio deve ser novamente perturbado pelo surgimento de novas foras, livres. E, portanto, a luta pelo equilbrio no se torna apenas o princpio supremo da atividade humana organizativa, mas tambm a lei de desenvolvimento do mundo e da histria; nesse sentido, tambm a Dialtica , para Bogdnov, uma luta para eliminar desequilbrios que nascem do contraste entre foras orientadas de modo diverso10.

Teremos oportunidade para discutir, mais adiante, essa relao entre equilbrio e desequilbrio numa interpretao dialtica. Agora, interessa destacar que as idias de Bogdnov se constituram, confirma-o Willett, numa notvel antecipao das teorias cibernticas e da Teoria dos Sistemas. E paradoxal que tal cincia organizativa universal tenha-se desenvolvido na sociedade burguesa, ao passo que no s a tectologia de Bogdnov foi abandonada na URSS, mas a prpria Ciberntica foi por muito tempo boicotada11.

Crtica homeostase

As idias pioneiras de Bogdnov desapareceram com ele na Unio Sovitica de Stlin e reapareceram, sem nenhum crdito, na Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig von Bertallanfy. Este define um sistema como um complexo de elementos em interao, interao essa de natureza ordenada; ou como qualquer todo constitudo por componentes em interao12. Tambm para Rapoport, um sistema uma totalidade de relaes entre [as suas] unidades13. Seria natural que, sendo o ser vivo o mais evidente conjunto organizado, os conceitos sistmicos aparecessem inicialmente entre os bilogos, psiclogos
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Esta posio, que Rapoport denomina organicista17, corresponde aos primeiros tempos dos estudos sistmicos. Pretende que um sistema, uma vez identificado ou individualizado, possa ser protegido do meio sua volta que no deve afet-lo, nem ser por ele afetado. Mas um sistema assim, reconhece Bertalanffy, deveria ser totalmente fechado a qualquer comunicao com o ambiente sua volta, algo difcil de se conceber nas esferas biolgica e histrica. Os sistemas vivos so abertos, so constitudos internamente por elementos em permanente dinamismo e esto em necessrio intercmbio com o ambiente exterior.

A idia de homeostase tambm pode ser percebida por trs do pensamento econmico neo-clssico - e, da, em quase todo o pensamento econmico do sculo XX. Os paretianos e seus sucessores, em que pese diferenas outras, entendem o sistema econmico como voltado busca do equilbrio, pois se assim no fosse, diz Claudio Napoleoni, no seria um sistema no sentido prprio da palavra, mas a representao de um conjunto desordenado de atividades, privado de qualquer eficcia para os fins de interpretao da realidade econmica efetiva. Entretanto, a situao de equilbrio geral existe e, portanto, nosso modelo tem sentido16.

Bertalanffy ilustra esta afirmao, expondo como as teorias psquicas desenvolvidas na primeira metade do sculo, independentemente de suas diferenas, entendiam os desajustes num indivduo como uma resposta a algum estmulo desequilibrador no sistema biolgico ou psicolgico desse indivduo. reao e subseqente recuperao do equilbrio deu-se o nome de homeostase14. Este mesmo conceito preside a noo dos modelos administrativos - weberianos - que se acreditava poderem existir razoavelmente infensos a perturbaes imprevistas, isto : de tal forma se descreveriam os papis de cada um dos elementos de uma organizao (empresas, instituies etc.), os seus objetivos, bem como os meios de evitar aes oriundas de fontes no desejadas, que se presumiria ser possvel mant-la funcionando em permanente equilbrio, ou a este estado retornar quando perturbado15.

e cientistas sociais. Os pesquisadores que primeiro o desenvolveram, tenderam a considerar o todo sistmico como independente de suas partes. O comportamento destas se explicaria por uma necessidade de ajustamento ao conjunto, sendo inerente ao conjunto a busca daquele ajustamento. Noutras palavras, qualquer sistema estaria sempre tendendo a alguma posio de equilbrio entre suas partes, sendo o movimento destas entendido como uma reao a algum tipo de interveno desequilibradora, em busca de um novo ponto de equilbrio (conforme, vimos, era tambm o pensamento de Bogdnov).

A realidade demonstrou que, para todos os efeitos prticos, um sistema biolgico ou histrico completamente fechado no existe. Sendo assim, em princpio, todo sistema inerentemente desequilibrado. O seu eventual equilbrio homeosttico demonstra-se, nas palavras de Bertalanffy, como um estado passa24
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geiro; o desequilbrio, um estado constante. Logo, o conceito de homeostase cobre apenas parcialmente o comportamento animal e de forma nenhuma uma poro essencial do comportamento humano. Ele no aplicvel s leis dinmicas (baseadas no em mecanismos fixos, mas dentro de um sistema que funciona como um todo), a processos cuja meta no a reduo, mas a criao de tenses, aos processos de crescimento, desenvolvimento, criao e similares18.

As leis da termodinmica

Essa viso sistmica de mundo nos ensina a alterar certas percepes de nosso senso comum. Podemos, por exemplo, aceitar positivamente o desequilbrio como fator de movimento, crescimento, progresso; e desconfiar do equilbrio como estado que repousa na imobilidade. O equilbrio trata do resultado final da evoluo espontnea de um sistema que consideremos, ou faamos, fechado. O desequilbrio, ao contrrio, ativo, ou seja, no espontneo: caracteriza um sistema em evoluo e crescimento.

A relao entre os conceitos de equilbrio e desequilbrio provm das Leis da Termodinmica, duas leis naturais que determinam inexoravelmente os limites da evoluo, crescimento e sobrevivncia de qualquer sistema dinmico. Elas foram descobertas e estudadas, ao longo do sculo passado, por Sadi Carnot, Rudolf Clausius e James C. Maxwell, entre outros. A Primeira Lei estabelece que a energia contida num sistema fechado no cresce, nem decresce; constante, embora possa estar desigualmente distribuda. Essa distribuio desigual percebida pelo calor liberado nas diferentes partes do sistema. A Segunda Lei reza que a energia contida num sistema fechado sofre permanente e espontnea transformao, sempre numa mesma direo: das reas onde est mais concentrada para aquelas onde est menos concentrada, das reas mais quentes para as mais frias. Essas transformaes so denominadas trabalho. Elas ocorrero sem cessar, no interior de um sistema que faamos fechado, at que a energia dentro dele esteja totalmente equalizada, isto , no mais coexistam reas relativamente quentes e reas relativamente frias. Neste ambiente de temperatura uniforme no mais ocorrem mudanas significativas: o sistema est em equilbrio; ele est morto. Ou, dizemos tambm, ele atingiu a sua entropia mxima. Esta palavra entropia foi cunhada por Rudolf Clausius para medir e exprimir a evoluo de um sistema numa direo de crescente desorganizao at seu descanso final.

Ordem e desordem

Para entendermos melhor as implicaes conceituais dessas duas leis da Fsica, faamos uma analogia com um copo dgua no qual pingamos um pouco
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de tinta nanquim. Num primeiro momento, a tinta se mostrar bem caracterizada, bem definida, na superfcie da gua: identificamos claramente os seus limites, pela cor, pela consistncia. Aos poucos, sem que precisemos intervir, espontaneamente, a tinta se espalha pela gua, at os limites do copo. A partir de um certo momento, toda a gua estar acinzentada. J no distinguimos o que era nanquim e o que era gua pura. A mancha desmanchou-se, a gua turvou-se. Se enfiarmos uma pequena colher no copo, tanto faz se junto superfcie ou mais no fundo, obteremos pores idnticas de lquido, na cor e na consistncia. Se examinarmos ao microscpio, descobriremos que, em qualquer poro do lquido, existem quantidades relativamente iguais de componentes de nanquim e de gua. Esses componentes esto equilibradamente espalhados por todo o copo. E, por isto mesmo, no sabemos mais o que nanquim e o que gua. Esta uma situao mais desordenada do que a ante rior, quando claramente identificvamos os limites da mancha de nanquim dentro da gua que, tambm, percebamos mais limpa. O copo com gua um sistema no qual no mais intervimos, a partir do momento em que nele pingamos um pouco de nanquim. A partir deste momento, o consideramos um sistema fechado que evoluiu espontaneamente de um estado mais ordenado para outro desordenado, de um estado no qual podamos com facilidade identificar os seus componentes para outro em que no o podemos mais. Porm, igualmente, o contedo do copo evoluiu de uma situao mais desequilibrada para outra mais equilibrada, at atingir a sua mxima entropia, quando se estabilizam os processos em seu interior. Ordem e desequilbrio podem ser assumidos como conceitos correspondentes, em oposio a desordem, equilbrio e entropia. Um sistema desequilibrado um sistema ordenado. Um sistema equilibrado um sistema desordenado, que atingiu a mxima entropia. Na vida quotidiana, no ser difcil apontar muitos momentos em que o equilbrio exprime, tambm, uma situao de maior desordem. Na loteria esportiva, por exemplo. Um jogo envolvendo duas equipes consideradas relativamente equilibradas, leva o apostador a uma situao de dvida, da preferir o palpite triplo que, na verdade, nenhum palpite, isto , nenhuma deciso. Um jogo envolvendo uma equipe considerada indubitavelmente superior a outra, leva o apostador a cravar aquela, isto , a no ter dvidas, a sentir-se mais seguro, a tomar uma deciso. Intuitivamente, sabemos que certeza, segurana, nos exprime uma situao mais ordenada, mais organizada, mais claramente perceptvel. Dvida, exprime desordem, ausncia de formas bem definidas, confuso. O apostador sentiu-se mais confuso diante de um jogo equilibrado, que de outro desequilibrado.

Tempo e entropia

Em termos mais rigorosos, todo sistema formado por um conjunto de microestados: as suas partculas, as suas molculas, os seus elementos 26
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constitutivos. Quando podemos quantificar, pelas diversas partes do sistema, as posies ou velocidades de suas diferentes partculas, podemos qualificar o sistema, podemos reconhecer o seu macroestado. Por exemplo: um copo de gua est quente porque nele predominam quantitativamente molculas movendo-se em alta velocidade. Ou percebemos a mancha de nanquim porque, num determinado ponto da superfcie da gua, est concentrada uma grande quantidade de componentes do nanquim.

Havendo possibilidade de medirmos - atravs de observaes e de equaes matemticas apropriadas a tal fim - a distribuio dos elementos no interior de um sistema, poderemos descrever a evoluo entrpica de seu macroestado. Poderemos saber se ele encontra-se mais ordenado, logo podendo gerar grande quantidade de trabalho; ou mais desordenado, logo no podendo realizar muito trabalho. Esta ser, tambm, uma medida do envelhecimento do sistema: mais ordenado, estar mais jovem; mais desordenado, estar prximo morte. Ser, destarte, uma medida do tempo: o tempo no Universo caminha em direo entrpica, isto , ele indica o grau de avano dos processos espontneos, num sistema, rumo ao seu estado final de equilbrio. O tempo nos diz, em suma, das transformaes na qualidade de um sistema, na medida em que suas quantidades relativas vo se modificando numa mesma direo final.
*

Como a tendncia natural das partculas ser sempre a de se espalharem equitativamente pelo interior do sistema, qualquer distribuio desigual constituir-se- num evento extraordinrio, menos provvel, incidental. gua quente tende para a temperatura ambiente, no sendo possvel o movimento contrrio, exceto se o recipiente contendo a gua for, por ao intencional a ele externa, recolocado junto a uma fonte renovada de calor. Um pingo de nanquim deve dissolver-se no copo de gua, sendo inimaginvel que, sem algum tipo de interveno outra, do lquido turvo a tinta venha novamente a concentrar-se num ponto do copo. A desordem entrpica, portanto, , no Universo, um estado mais natural, mais provvel, do que a ordem no entrpica. conseqncia mesma da Segunda Lei*.*

Aqui, cabe um esclarecimento. Sempre lembrando que este estudo foi elaborado ao longo dos primeiros anos da dcada 1990 e seu texto concludo no vero 1993-1994, neste captulo, suas principais referncias metodolgicas foram Caio Prado Jnior e o primeiro Lukcs, os quais me iluminaram duras leituras em Lon Brillouin, Henri Atlan, Jean-Pierre Dupuy e outros. Por estes dois ltimos, fui apresentado categoria da complexidade e elaborei as idias sobre desequilbrio aqui apresentadas. S posteriormente, j no doutorado concludo em 2001, viria a ser apresentado ao pensamento de Prigogine e Stenghers e ao da Escola de Palo Alto. Embora, como sabemos, os trabalhos de Bateson e seus colegas datem da dcada 1950, nos primrdios da Ciberntica, s comearam a ser melhor divulgados entre ns na ltima dcada do sculo passado, junto com toda a ruptura paradigmtica que ento ocorria depois da dbcle do campo socialista. Essas obras, assim como tambm as de Humberto Maturana, Humberto Varela e Edgar Morin estavam comeando a ganhar o mundo na dcada de 1980 e, tudo indica, no tinham ainda chegado ao Brasil, ao menos no s instituies e professores pelos quais passei no Mestrado (IBICT, IE-UFRJ, COPPE-UFRJ). Foi muito por esforo prprio, da um tanto vacilantemente, que, sem clara conscincia do terreno onde pisava, eu me aproximava delas. Por isto, o meu texto parecer ora manter-se fiel termodinmica do equilbrio, ora avanar para a do no-equilbrio, conceito este que pode ser obviamente associado ao que eu ento entendia por desequilbrio(N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Conceito de neguentropia
Para compreendermos a relao entre equilbrio e desequilbrio, examinamo-la, em primeiro lugar, luz do conceito de entropia. Agora, a examinaremos pelo outro plo: pela negao (dialtica) da entropia.

Vimos que todo sistema tende espontaneamente ao equilbrio, ou desordem. Esta uma lei universal da Natureza. Deixamos entendido, porm, que os chamados sistemas abertos ou dinmicos so inerentemente desequilibrados. So como, se em nosso exemplo anterior da mancha de nanquim num copo dgua, a mancha se mantivesse durante um bom tempo na sua forma original, distinta da gua. Sabemos que isto no ocorre, que espontaneamente a mancha se dissolver na gua. Mas sabemos tambm que, sendo impossvel um movimento em sentido contrrio, se havia no incio mancha de nanquim no copo, algum, de fora do sistema, pingou-a l. Porque sofreu esta interveno no espontnea e como conseqncia dela, o estado inicial do sistema era ordenado ou desequilibrado. Porque, a partir da, foi abandonado aos seus processos espontneos, o seu estado final ser desordenado, equilibrado.

Um sistema em seu estado equilibrado mximo final, um sistema que no mais fornece trabalho. Porm, um sistema em seu estado desequilibrado inicial, um sistema capaz de fornecer trabalho. Se a impossibilidade de realizar trabalho mede a entropia mxima de um sistema, a possibilidade de faz-lo mede a sua neguentropia, termo cunhado nos anos 50, por Lon Brillouin19. Portanto, aos significados de ordem e desequilbrio, conforme os discutimos mais acima, devemos associar, tambm, o de neguentropia. Um sistema, espontaneamente, evoluir de um grau mximo dado de neguentropia para um grau mximo de entropia; da ordem mxima num instante considerado para a desordem mxima; do desequilbrio mximo para o equilbrio... eterno.

O demnio de Maxwell

Brillouin introduziu o conceito de neguentropia ao resolver, definitivamente, uma antiga polmica cientfica: o paradoxo do demnio de Maxwell. James C. Maxwell, na sua Teoria do Calor, de 1871, sugeriu que, dado dois vasilhames em equilbrio trmico, havendo um microscpico orifcio entre eles controlado por uma igualmente microscpica vlvula, poderia um homnculo molecular operar a vlvula de sorte a provocar a passagem, para um dos vasilhames, apenas das partculas rpidas, cuidando para que no outro vasilhame ficassem, ou viessem a se concentrar, apenas as partculas lentas. Ao cabo de um certo tempo, esta molcula super-inteligente teria introduzido ordem nos dois vasilhames - em cada um, estariam reunidas partculas de um mesmo estado contrariando por completo a Segunda Lei da Termodinmica, j que o teria feito, 28
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Brillouin, secundando estudos anteriormente realizados por L. Szilard, exorcizou o demnio ao demonstrar que, para identificar as partculas e separ-las, a molcula deveria, necessariamente, situar-se em algum nvel diferente de radiao, relativamente a essas partculas. Somente essa diferena forneceria ao demnio um sinal sobre a passagem da partcula e de qual tipo de partcula se tratava. Em funo desse sinal, a molcula, ento, agiria. Logo, o sistema trmico da molcula j no podia ser considerado o mesmo do das demais partculas. Essa diferena a faria agir. Mas, enquanto reduzia a entropia circundante, a molcula no s prosseguiria aumentando a sua prpria, como agora, devido ao esforo extra, o deveria estar fazendo num ritmo ainda mais acelerado que o natural. Cedo ou tarde, precisaria recarregar-se. Se estava mesmo encerrada nos vasilhames e nem destes podia socorrer-se, mantendo-se eles, tambm, completamente fechados em relao ao mundo exterior, como pretendia Maxwell, chegaria um momento em que a molcula no mais conteria energia livre prpria para continuar a sua atividade e, atingida a sua entropia mxima, isto , uma vez morta, seria questo de tempo o mesmo acontecer ao conjunto dos dois vasilhames interconectados que, portanto, retornariam ao estado desorganizado e equilibrado inicial.

ao que tudo indicaria, sem qualquer concurso de alguma fonte externa de energia. Se o demnio de Maxwell fosse possvel, estavam lanadas as bases para o to sonhado moto-perptuo...

Em suma, o demnio no passava de um subsistema que no estava em equilbrio trmico relativamente ao sistema maior de vasilhames e, por isto, naturalmente, nele podia realizar trabalho. Porm, neste caso, o trabalho realizado nos vasilhames gerou um movimento em sentido inverso ao da entropia espontnea; e, no demnio, acelerou a prpria entropia deste, isto , acrescentou sua entropia espontnea, outro processo tambm no-espontneo. No conjunto, o trabalho realizado resultou num aumento de desequilbrio na relao entre os dois subsistemas. Nesse diferencial energtico capaz de gerar trabalho no-espontneo que introduz ou incrementa desequilbrio num sistema, vamos localizar a informao.

Informao depende de uma fonte de energia, por isto, ao fim e ao cabo, no estar imune aos efeitos da Segunda Lei: se o sistema que fornece energia alcana o seu equilbrio, a informao cessa. Porm, o efeito imediato da informao ela mesma exatamente oposto ao da entropia: embora por um tempo limitado, possibilitou ao sistema de vasilhames - nele includo o demnio enquanto teve foras - passar de um estado menos ordenado para outro mais ordenado. Daqui podemos derivar a nossa primeira e mais basilar compreenso da informao: Trata-se de um fenmeno material natural que, dadas certas condies energticas, provoca trabalho fsico no-espontneo no interior de um sistema, fazendo-o ou mantendo-o ordenado.
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O modelo de Shannon
A grande importncia das formulaes de Bril louin, conforme consensual na literatura20, 21, reside neste relacionamento definitivo entre informao e entropia, j antes sugerido pelas teorias de Shannon. Estas teorias foram apresentadas em 1949, num livro em co-autoria com Claude Weaver22, que viria a ter enorme impacto no mundo cientfico. Pela primeira vez demonstrava-se a possibilidade de mensurar, logo calcular, a informao, sendo isto um avano terico que se mostraria muito til para a soluo de importantes problemas da Fsica e cincias afins. Para construir as suas equaes, Shannon desenhou um modelo com dois plos conectados por uma via de comunicao (canal). Nesse modelo (aqui ignorando os seus muitos detalhes), um dos plos definido co mo fonte (ou emissor) da informao; o outro, como receptor. Logo, a comunicao deveria proporcionar a transmisso unidirecional de uma mensagem, da fonte para o receptor, cabendo fonte selecionar os elementos, ou eventos, que comporo a mensagem. Ao selecionar os elementos da mensagem, a fonte comunicou a ocorrncia de um evento, entre outros eventos que poderiam ocorrer, dado um conjunto previamente definido de eventos. Quais eventos poderiam ocorrer, no conjunto dado, e porque ocorreram estes, e no aqueles, uma deciso, digamos assim, da fonte. Por isto, na definio de Shannon, informao um processo de reduo de incertezas, na fonte. Uma vez consumado o processo, ela, a fonte, o comunica, e espera que o receptor receba exatamente a mensagem comunicada. Se o receptor no receber exatamente a mensagem comunicada, que, na transmisso entrou rudo, isto , algum outro evento, alguma outra mensagem, que deturpou ou adulterou a inteno da fonte.

Para melhor entender, imaginemos a situao de um casal a espera de filho. Sabemos todos que, da barriga da mulher, somente pode sair uma criana de sexo masculino, ou feminino. A incerteza na fonte est entre duas possibilidades, ambas, porm, j pr-definidas em seu conjunto. Quando, porque nasceu a criana, ou porque fez-se uma tomografia, fica-se sabendo o seu sexo, obteve-se uma informao que no se encontra na qualificao deste sexo, qualquer que seja, j que desde sempre sabia-se quais seriam as duas nicas alternativas admitidas. Obteve-se informao porque, e s porque, eliminou-se uma dvida. Mas fosse menina, ou fosse menino, nisto no haveria novidade - haveria, e grande!, se nascesse um hermafrodita... Assim, na teoria de Shannon, sempre que se puder considerar um conjunto de eventos possveis, despojados de maiores qualidades (caso as tenham), ser vivel, uma vez revelado um dos eventos, calcular-se a quantidade de informao contida nes sa revelao. No caso do sexo da criana, a quantidade de informao 30
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Perceba-se porm que, desde algumas semanas aps ter o espermatozide fecundado o vulo, assim iniciando o processo de duplicao celular, para o tero ele mesmo j est dado que o feto XX ou XY. A incerteza na fonte remetida para o receptor. Para o tero, enquanto fonte, como se a incerteza j tivesse sido removida, cabendo-lhe agora comunic-la ao pai e me, receptores. Se j processou a informao, para o tero a informao completa, total: ele sabe tudo o que se passa em seu interior, relativamente ao feto. Quem no sabe, quem permanece na ignorncia, o pai, a me, o mdico, pelo menos at que exames apropriados ou o prprio parto revelem o sexo da criana. O processamento desta incerteza pelo receptor, isto , a eliminao daquela ignorncia, produz nele, imediatamente, um amplo conjunto de novas reaes e respostas: escolha do nome, decises quanto ao enxoval... Faz emergir novas e diversas informaes calcadas, num primeiro momento, na resoluo dessa ignorncia do receptor relativamente fonte e, no, no conhecimento da fonte sobre a informao que liberaria para o receptor. Este dficit de informao por parte do receptor, a teoria de Shannon no mede, no pode medir, nem se prope a medir. Ela somente pode mensurar a incerteza processada a ser comunicada pela fonte ao receptor, conhecendo a fonte todas as alternativas possveis; mas no a incerteza do receptor quanto informao na fonte, desconhecendo o receptor a alternativa afinal selecionada. Entretanto, esta ignorncia, como veremos mais adiante, que fornece significado informao, pois , a partir de sua resoluo que o receptor extrair motivos, orientaes, implicaes para alguma ao nova. De fato, para os pais do nosso exemplo, conhecer o sexo da criana, em si, a mais simples das informaes. To logo eliminada esta dvida, deflagra-se todo um conjunto de emoes, expectativas, decises, alegrias e at frustraes oriundas do evento original de o beb ser menina, ou menino. Este universo de significados vir tualmente impossvel de ser quantificado e mensurado, sendo, por premissa metodolgica, excludo da teoria de Shannon. Na verdade, sendo cientista dos Bell Labs, o grande laboratrio da AT&T, Shannon, com suas equaes, pretendia resolver problemas de Engenharia, relacionados ao transporte do sinal eltrico por cabos telefnicos. A ele no interessava o contedo das mensagens transportadas por esses sinais, mas apenas a quantidade de sinais emitidos por duas pessoas, em cada ponta da linha telefnica, sabendo-se ainda que, quase sempre, quando um fala, o outro escuta alternativamente, dando-nos assim a aparncia de que h um emissor e um recepTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

precisamente 1 bit, pois o bit corresponde quantidade de disjunes binrias efetuadas em um processo de remoo de incertezas: na gravidez h somente uma disjuno a efetuar, pois so apenas dois os eventos possveis. O bit a unidade de medida da informao, assim como o metro a unidade de medida de distncia; o litro, a unidade de volume etc.

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tor. O modelo de Shannon se inspirava na telefonia e obedecia s necessidades produtivas da AT&T. Entretanto, no demoraria a ser adotado em vrios outros campos cientficos. At hoje, o desenho da comunicao se realizando de uma fonte para um receptor, atravs de um canal, pode ser encontrado, por exemplo, em qualquer livro bsico de escolas de Comunicao Social.

Informao e neguentropia

Como tantos outros cientistas, Brillouin partiria das equaes de Shannon para avanar os seus trabalhos sobre a informao. Com elas, apresenta e resolve vrios problemas, at chegar ao do demnio de Maxwell. Aqui, ele percebeu que o demnio processa incerteza, mas, ao faz-lo, organiza um sistema (no caso o dos dois vasilhames) de modo a permitir-lhe que recupere, ou mantenha, a sua capacidade para fornecer trabalho.

Tambm em Shannon, a informao, como reduo de incerteza, exprime aumento de ordem, logo negao de entropia. Por isto, a principal das suas equaes idntica, apenas com o sinal trocado, de Boltzmann, que mede a entropia de um sistema fsico. Esta formulao, porm, no diferencia informao e neguentropia. Seria Brillouin23 quem, lembrando que o negativo da entropia uma dada capacidade para fornecer trabalho, concluiria que informao (remoo de incertezas) pode se transformar em neguentropia (capacidade de trabalho), e neguentropia pode gerar informao. No haver neguentropia sem informao, nem informao sem neguentropia. So dois fenmenos distintos, embora intimamente relacionados.

O demniocorrigido

Com Brillouin, os processos informacionais ganharam existncia real no mundo fsico material, podendo ser situados na base da neguentropia de um sistema. Estava aberto o caminho para a explicao da vida, at ento um fenmeno que parecia em desacordo com a Segunda Lei porque, ao menos durante algum tempo, qualquer organismo vivo orienta-se em direo ordem crescente e mostra-se capaz de resistir sua desorganizao espontnea. Pode faz-lo porque captura no ambiente sua volta, energia suficiente para compensar, ao menos em parte, a sua perda natural de neguentropia. As razes ltimas desse movimento so os processos fsico-qumicos naturais realizados nos mais elementares compostos moleculares dos seres vivos, as suas enzimas, comparadas por Monod ao demnio de Maxwell corrigido por Szillard e Brillouin24: no mais uma molcula divertindo-se, sem nenhum motivo aparente, em distribuir as demais entre dois vasilhames; mas, sim, uma molcula capaz de ingerir as outras de modo a sustentar o seu prprio estado desequilibrado relativamente ao meio. 32
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A se originam, por sucessivas articulaes dentro do organismo, as relaes entre os seres vivos e seu ambiente, relaes essas que lhes permitem manter-se ordenados por um tempo. Um exemplo o ciclo alimentar de qualquer animal, transformando materiais ingeridos pelo aparelho digestivo em combustvel para os processos biolgico-moleculares. Na medida em que a energia absorvida se degrada - ou, dito de outra forma, o organismo comea a perceber sinais de crescente desorganizao, caracterizada na sensao de fome - movimenta-se neguentropicamente para reabastecer-se. Esta ao introduz informao no ambiente, ou sistema maior no qual o organismo se insere, pois tambm movimenta o ambiente na direo de algum novo ordenamento, de alguma reorganizao geral de outros de seus elementos. Um predador que sai caa, por exemplo, obriga os membros de uma manada que antes se espalhavam natural e calmamente na savana (como que partculas em crescente entropia), a se reunirem e fugirem numa nica direo, com as fmeas tentando proteger as crias, os machos tentando proteger o grupo, os mais fracos, os doentes, os velhos, sendo deixados para trs. Uma ordem se instala que envolve tanto predador quanto caa, emitindo-se mutuamente informao em funo das exigncias neguentrpicas de cada um, isto , em funo dos objetivos de cada um que se resumem a continuarem vivos. Concluda a caada, o predador ter consumido uma espcie de cota extra de neguentropia, alm daquela que j perdera espontaneamente, antes de o seu organismo acusar os primeiros sinais de fome. A manada, alm do indivduo que sacrificou salvando os demais, tambm consumiu neguentropia extra. Dever rep-la voltando a pastar, enquanto o predador digere a sua presa. O sistema-ambiente tende, mais uma vez, ao descanso. Mas percebemos, atravs dos elementos bsicos que aqui estamos considerando (o predador e a sua caa), que o ambiente apenas manteve, se muito, o seu nvel anterior de neguentropia. O trabalho realizado durante a caada implicou em transformao adicional no espontnea de energia que mal compensou a energia recuperada por cada parte do sistema ao alimentar-se. A informao que originou trabalho no-espontneo no sistema - a fome original do predador - transformou-se em neguentropia: o sistema recuperou, mais ou menos, um seu potencial anterior de realizar trabalho espontneo. Porm, todo o processo pagou seu preo Segunda Lei: ele exigiu, ao longo da mtua interao entre predador e presa durante a caada, energia adicional do sistema. Bril louin demonstrou, matematicamente, que a informao pode transformar-se em neguentropia mas apenas custa de absorver, ela mesma, neguentropia do ambiente, na forma de mais trabalho realizado neste. No balano final, a entropia do sistema ter permanecido igual ou, at, aumentado. D na mesma dizer: a neguentropia permaneceu igual, ou baixou um pouco. No fosse assim,
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houvesse ganho de ordem maior que o grau de desordem relativa ao se iniciar o processo, renovar-se-iam as esperanas no moto-perptuo...

Informao guia a ao

O que move o predador caa , por um lado, obviamente a necessidade de alimentar-se mas, por outro, a pressuposio instintiva de que dever encontrar algum alimento em seu nicho ecolgico. A necessidade e a possibilidade so suficientes para dar uma orientao, um sentido, um rumo, sua ao, ou seja, para faz-lo intervir - de forma ordenada e ordenando - no sistema-ambiente. Elas informam a ao: constituem a informao. Se, ao iniciar a caa, o predador pode contar com razovel segurana quanto aos seus resultados, na ao mesma ele no sabe exatamente qual ser a sua vtima, quanto tempo correr atrs dela, nem mesmo se ter pleno xito. Casos de vtimas que escapam aos seus caadores parecem comuns e at amenizam, fazendo simpticos ou engraados, os documentrios de televiso sobre vida selvagem. O predador possui, ao iniciar a sua atividade de caa, uma gama de alternativas e possibilidades oferecidas pelo sistema no qual est inserido, mas desconhece a priori quais efetivamente se concretizaro.

Essas alternativas que definem os limites possveis ao oferecidos pelo conjunto sistmico englobante (no caso, o nicho ecolgico), dimensionam a incerteza inicial do predador sobre o seu ambiente. O sistema que se pe em ao dever selecionar, remover, eliminar esse conjunto de incerteza at chegar ao resultado desejado: no nosso exemplo, um outro animal efetivamente caado. Este processo se realizar atravs da interao dos mltiplos elementos do ambiente, entre si, como, por exemplo, os recursos sensoriais (viso, olfato, audio etc.) e motores (pernas, asas etc.) com os quais possam contar caador e caa; a percepo de formas no ambiente que ajudem ou atrapalhem um ou outro (rvores, buracos etc.); e outros fatores. A partir da incerteza inicial, a ao tende a concentrar-se num nico objetivo: o predador, em algum momento, escolhe em definitivo a sua presa, eliminando outras alternativas. A caa, por seu turno, utiliza todas as suas possibilidades de fuga, at ver-se sem nenhuma alternativa (ou, safando-se). Em cada caso concreto, caador e caa acabaro empregando mais ou menos tempo para consumar o processo. O tempo de trabalho no espontneo que precisaram gastar correspondeu ao tempo consumido na remoo de mtuas incertezas.

Ao iniciar-se o processo, o sistema-ambiente mostrou-se altamente desordenado, confuso, pouco definido para ambos os subsistemas que nele estavam entrando em ao. Progressivamente, esses subsistemas em ao puseram em forma o ambiente, nas formas que lhes forneceram sentidos, orientaes. Mas a recupera34
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o da neguentropia do predador e do conjunto do sistema (apesar da quase certa destruio total de um de seus elementos individuais), implicou na realizao de trabalho no espontneo determinado pelas alternativas e possibilidades efetivamente adotadas, durante a ao. Quanto mais incerta, quanto mais dispersiva foi a caada, mais trabalho nela se realizou. Quanto mais trabalho, menos rendimento neguentrpico. Logo, ganhos para a entropia do sistema em seu conjunto. Portanto, a quantidade de trabalho no espontneo a ser realizado por um sistema que busca manter sua neguentropia, acabar determinada pela dimenso da informao que efetivamente processou, a partir da incerteza inicial. De onde podemos ampliar a nossa compreenso da informao, a partir da apresentada mais acima: Informao um processo interativo que orienta a direo e o tempo do trabalho no espontneo que um dado sistema precisar realizar para sustentar a sua neguentropia. Ou, nas palavras de Jacques Guillaumaud, poder-se-ia dizer que a informao neguentropia potencial e que ela s se transforma em neguentropia pela ao que ela guia25.

Por isto, aceitemos que a informao dimensiona a incerteza removida, conforme props Shannon26, mas entendendo que ela exprime as alternativas colocadas ante um sistema para escolher, selecionar, aceitar ou rejeitar, diferentes possibilidades de ao surgidas no processo. O montante de alternativas processadas ser um indicador do trabalho no espontneo realizado. Quando possvel, essa medida deve ser dada em valores precisos, como o bit de Shannon. Quando no, os valores sero relativos, como maior, complexo etc. Deixaremos para algumas pginas adiante, a discusso deste espinhoso problema da mensurao da informao.

Nveis de organizao

Como cada sistema pode conter algum outro e estar contido num terceiro, os sistemas so nveis de organizao relacionados entre si, no conceito de Laborit27: do tomo s clulas, aos rgos, aos indivduos, aos grupos, s organizaes sociais, ao meio-ambiente... Cada nvel de organizao pode ser
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Pudemos perceber atravs da discusso conduzida at aqui, que o assim chamado ambiente de um sistema um outro sistema maior que o envolve e com o qual mantm-se em constante interao, energtica e informacional. Os limites de um sistema so um outro sistema englobante. Suas relaes so simbiticas e necessrias. Sem interagirem, nenhum dos dois sobrevive num tempo dado, ou, dito de outro modo, neles prevalecer a entropia espontnea.

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examinado, estudado, identificado como um sistema especfico, individualizado, mas no podemos esquecer que quando esse nvel de organizao recolocado no sistema que o engloba, no vai funcionar exatamente do mesmo modo como funcionava quando estava isolado28. O conceito de sistema, conforme j o havamos sugerido antes, nos conduz assim ao re-conhecimento da totalidade concreta do Universo. A interao informacional entre os vrios nveis de um sistema constitui a comunicao. Toda comunicao envolve pelo menos (mas nunca exclusivamente) dois plos, que so, eles tambm, outros subsistemas interativos. Esses plos so conectados por meios fsicos (canais) atravs dos quais seja possvel transmitir informao. O meio pode ser natural, como o ar que vibra ante a emisso de sons. Pode ser artificial, como os construdos pelo homem: imprensa, telefonia etc. Em qualquer relao sistmica, emissor e receptor so dois plos em permanente interao. O sinal enviado pelo emissor d sentido, orientao, ao receptor. Mas a reao deste, por mais elementar que seja, um sinal de retorno para o emissor. Logo, neste preciso instante, o antes emissor tornou-se receptor; o antes receptor emissor. Podemos afirmar que emisso imediatamente recepo; recepo imediatamente emisso*.*

Para fazermo-nos mais claros, imaginemos um navegador solitrio, como os h muitos pelos oceanos afora, enfrentando violentssima tempestade em alto-mar que ameaa soobrar o seu barco. Ele emite desesperados sinais de S.O.S. sem obter qualquer resposta, o que apenas o deixa num estado de incerteza mxima, de desordem quase completa, na fronteira da sua prpria destruio. O seu sinal, para ele, informao nenhuma, pois no lhe em nada til, no lhe orienta nenhuma ao contrria sua provavelmente prxima dissoluo no ambiente catico sua volta. Sbito, outro navegador capta o S.O.S, a ele reage solidariamente e emite um sinal de retorno. Depois desta primeira resposta, ambos os navegadores passam a trocar novos e distintos sinais que permitiro, a um, localizar e ajudar o outro. Tornam-se um sistema interagindo num processo de crescente ordenamento, de crescente desequilbrio relativamente desordem desagregadora do ambiente. H uma ordem em-formao. Enquanto apenas o nufrago se sabia nufrago, o seu futuro seria desmanchar-se no oceano: ele no passava de um elemento a mais na tempestade. Quando um outro navegador o percebeu, ele tornou-se fonte de informao e, simultaneamente, receptor de informao. Um sistema neguentrpico foi constitudo, com seus plos interativos de comunicao (emisso-recepo/recepo-emisso) orientando uma conseqente ao de salvamento. Da que Bakhtin, muitos anos antes da disseminao do formalismo shannoniano, j entendia, rejeitando o modo de compreenso
*

Num contexto que discutiremos melhor no prximo captulo, Karl Marx afirmou que a produo imediatamente consumo; o consumo imediatamente produo (Marx, 1974: 115). A nossa frase aqui, alm de obviamente parafrasear Marx, d novo e mais abrangente significado ao seu enunciado original. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Haver, porm, quem argumente que, em muitos casos, a relao fontereceptor tende a ser rgida, como parece s-lo a de um farol assinalando um rochedo na noite marinha: uma vez introduzido no alcance da viso de um piloto nutico, ser para este apenas uma fonte, no recebendo qualquer sinal de retorno, intencional ou no, que afete o seu prprio comportamento, a partir das reaes do piloto. Tambm, o nosso aparelho de som, enquanto emite os acordes de uma Missa de Mozart, parece uma fonte absolutamente impassvel perante as nossas emoes. Examinando bem, essas fontes produzem um resultado antecipadamente previsto ou esperado em algum outro nvel de organizao sistmica: o farol, como a mancha de nanquim no copo com gua, no foi parar espontaneamente sobre o rochedo. O piloto recebe uma mensagem (ou ns escutamos a msica que sai do aparelho de som) porque, em primeiro lugar, h necessidade, ou desejo, ou vontade, ou inteno, ou condio de receb-la; e, em segundo lugar, algum outro sistema (social) a est en viando e prevendo certas reaes a ela: o piloto dever manter-se distncia do rochedo; ns deveremos usufruir da melhor msica no recinto de nossa casa. Farol, aparelhos de som, mquinas em geral so aparatos tcnicos, desenvolvidos e produzidos pela sociedade humana, para realizar certos objetivos sociais. Apenas formalmente so fontes emissoras. As fontes emissoras reais esto noutro plano sistmico.

passiva dos fillogos, que exclui a priori qualquer resposta, que qualquer tipo genuno de compreenso deve ser ativo, deve conter j o germe de um resposta. S a compreenso ativa nos permite apreender o tema, pois a evoluo no pode ser apreendida seno com a ajuda de um outro processo evolutivo. Compreender a enunciao de outrem significa orientar-se em relao a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente30.

O lugar do receptor

O estudo desses aparatos tcnicos possibilitou todo o desenvolvimento inicial da Teoria da Informao e da Ciberntica, at sugerindo um certo reducionismo ciberntico do ser humano. Dele tambm resultou as formulaes de Shannon que tratam quase exclusivamente da informao na fonte, reduzindo o receptor a agente passivo no processo. A no percepo inicial da interao mtua, dinmica e necessria entre emissor/receptor e receptor/emissor, conduziu a no poucas confuses e dificuldades nos primrdios do estudo cientfico da informao. Um bom exemplo disso foi a polmica provocada pelo socilogo marxista francs Lucien Goldmann, com a sua interveno nos Colquios de Royaumont, realizados no incio dos anos 50.

Era uma reunio de cientistas para avaliar as repercusses da teoria de Shannon em outros campos do conhecimento. Na palestra que proferiu, Goldmann apresentou o seu conceito de conscincia possvel, tentando explic-lo luz do
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As diferentes possibilidades de reao de um indivduo s mensagens lhe enviadas, explicariam porque um grupo social, recebendo mensagens que no lhe so usuais, pode alterar a sua viso de mundo e ser levado a rejeitar mensagens anteriores mais conformes sua viso tradicional. A questo terica e prtica seria ento a de saber como tornar real essa conscincia possvel.

que entendia como conceito de informao: Parece-me que informao significa transmisso de um certo nmero de mensagens, de afirmaes verdadeiras ou falsas, a um indivduo que as recebe, as deforma, as aceita ou as rechaa, ou ainda pode permanecer completamente surdo e refratrio a toda recepo31.

No deve ter sido casual - sendo at sintomtico porque, tudo indica, foi involuntrio - que um intelectual marxista fosse dos primeiros a levantar o problema do receptor na Teoria da Informao. Dialeticamente, no podemos entender o processo informacional, sem a presena de pelo menos um agente ativo, aquele que busca e, porque busca, recebe a informao. A fonte, ao contrrio, tende a ser passiva: tanto ser um locutor do qual algum obtm uma notcia, porque dela precisa; quanto um pedao de solo no qual um arquelogo procure indcios da existncia de antigas culturas. O receptor porm quem necessita obter a notcia, quem procura os indcios arqueolgicos, ou ser at o leo que acaba de pr-se ameaadoramente em p, acionado pela sensao de fome. O receptor dever ser qualquer sistema capaz de agir. Ele o agente que, em funo 38
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Nos debates que se seguiram palestra, vrios participantes no esconderam o desconforto e at irritao com o enfoque dado por Goldmann ao conceito de informao. Um dos cientistas presentes, Salomon, acusou o socilogo de utilizar a noo de informao de forma um tanto disparatada, e perguntou que relao haveria entre a teoria da conscincia possvel e a da informao. Goldmann respondeu que a Teoria da Informao deve interessar-se tambm pela recepo das informaes emitidas. Ao que Salomon replicou: Por que voc quer que esta teoria se ocupe, precisamente agora, no ponto em que se encontra a elaborao de suas prprias noes e de seus prprios meios, do que acontece ao receptor? Restou a Goldmann anuir um tanto pateticamente: Tem muita razo. Eu disse que falaria do receptor e no do emissor. Voc diz que isto no concerne ao estado atual da Teoria da Informao. Eu no sei nada disso. Em socorro de Goldmann acorreu Fessard, um bilogo, reivindicando a ampliao do conceito para alm do seu estrito significado fsico ou termodinmico, e relatando que num outro colquio, sobre Teoria da Informao e Biologia, levantara-se justamente este problema do receptor da informao. Para mim, prosseguiu, o conceito de informao puramente relativo qualidade que possui o receptor para decifrar a informao. E insistiu: Creio que a quantidade de informao no tem sentido maior, exceto na medida em que exista um receptor capaz de decifr-la32.

de alguma ignorncia inicial, deseja, captura, compreende (ou no) a mensagem que logra perceber. Mais do que receptor, ele ator; o sujeito da ao comunicativa. A fonte no passa, ao menos em um primeiro momento, de objeto da sua ignorncia. Entretanto, se for outro indivduo animado, sobretudo um ser humano, logo j no ser ou nem ter sido fonte, mas outro plo, constituindo com o anterior sujeitos da interao.

Mensagem e cdigo

Como vimos antes, o agente se orienta inicialmente pelos limites extremos que percebe no ambiente. Fora ou alm deles, no poder agir. Estes limites constituem-lhe uma coero inicial, dentro da qual logra estabelecer as relaes entre os mltiplos elementos neles contidos, operando as selees necessrias para se aproximar do objetivo pretendido. Esse conjunto de elementos relacionados forma o cdigo, isto , um repertrio relativamente limitado de sinais ou signos, com suas regras de combinao, que um dado agente pode reconhecer, instintivamente ou culturalmente, da perfazendo as escolhas que orientam a sua ao. A linguagem humana o exemplo mais imediato de cdigo, com o seu universo mais ou menos definido, embora no fechado, de significantes com significados, e as suas regras gramaticais de utilizao.

A condio primeira para que a mensagem possa ser aceita pelo agente, chegar-lhe transcrita num cdigo por ele reconhecvel e traduzvel. A mensagem deve parecer-lhe minimamente previsvel. Caso contrrio, ele poder pura e simplesmente ignor-la. Ou decodific-la conforme os seus prprios referenciais, com resultados no de todo apropriados correta apreenso do objeto.

Uma vez aceita a mensagem pelo agente, ele dar uma orientao, um sentido, ao. Os sinais captados do objeto so meramente sinalizantes, ou significantes, potencialmente sinalizadores, ou sig nificadores. o destinatrio [que], baseado em cdigos determinados, [os] preenche de sentido33. O sentido, ou orientao, remetido, assim, ao que possibilita ao subsistema dito receptor, determinando, a partir dele, o movimento do conjunto do sistema.

Cdigo e redundncia

Percebemos um cdigo qualquer, quando reconhecemos a sua redundncia. Para entender este conceito, vamos considerar o exemplo de um sinal de trnsito. A rigor, para controlar o fluxo de veculos numa esquina, numa determinada direo, bastaria uma lmpada. Acesa, os veculos parariam. Apagada, prosseguiriam (ou vice-versa). Mas pode ocorrer que, por um defeito, a lmpada venha a se apagar de vez, o que obviamente deixaria os motoristas desorientados. Para evitar esta e outras possibilidades de erro, introduziu-se mais duas lmpadas no
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sistema, que passou a contar com trs lmpadas em cores vermelha, amarela e verde, devendo os motoristas obedecerem que estiver acesa.

Neste sistema poderiam tambm ocorrer algumas outras combinaes de lmpadas acesas duas a duas, ou as trs lmpadas simultaneamente acesas ou, mesmo, todas apagadas, sugerindo outras mensagens. Por exemplo: com as lmpadas amarela e verde acesas, apenas motos poderiam seguir em frente; com as trs lmpadas acesas, apenas senhoras com beb a bordo poderiam seguir em frente; ou algo do gnero. Porm, mais uma vez, uma pane numa das lmpadas j adicionaria ambigidades decodificao de cada mensagem. Portanto, a conveno social definiu que o cdigo deve ficar limitado apenas s alternativas com uma lmpada acesa e outras duas apagadas, permitindo ao motorista (agente), a priori, reconhecer as suas trs nicas possibilidades significativas: pare, ateno, siga. Qualquer pane (duas lmpadas, em algum momento, se acenderem juntas, ou as trs lmpadas se apagarem) seria imediatamente percebida como erro, ou mensagem menos orientadora porque no prevista. O motorista ver-se-ia num estado relativamente mais desorientado, mais incerto (da que, espera-se, mais prudente ao passar o cruzamento). A esse excesso de sinais sobre o necessrio para a transmisso de mensagens num determinado cdigo, denomina-se redundncia. Percebe-se que a redundncia d segurana ao cdigo, garantindo uma exata decodificao da mensagem pelo agente, conforme codificada no seu campo (natural, social) ou objeto de ao. No limite, o sujeito da ao no poderia agir se todas as possibilidades do cdigo se lhe estivessem abertas. Neste caso, no identificaria qualquer cdigo e, portanto, no estabeleceria a necessria relao inicial com o seu objeto, relao esta que constitui o seu campo de ao, ou sistema-ambiente.

O cdigo da essncia da informao. Cdigos podem ser diferentes entre si por oferecerem mais ou menos possibilidades de escolha, por serem mais ricos ou mais pobres em elementos constitutivos, por serem menos ou mais redundantes. A variedade combinatria de um cdigo est em relao inversa sua taxa de redundncia. Por isto, quanto maior for a taxa de redundncia, menor ser o trabalho no espontneo necessrio para processar a informao no sistema. Quanto menor for a redundncia, quanto mais informacionalmente rico for um cdigo, mais trabalho no espontneo ele dever requerer na conduo da ao que possa comportar.

Ordem pelo rudo

Prosseguindo, examinemos o caso, muito comum nas grandes cidades brasileiras, em que o motorista, durante as madrugadas ou em certos logradouros, adota, seja ao sinal de siga, seja ao sinal de pare, um comportamento sin40
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gular: reduz a velocidade e, confirmado no haver riscos, atravessa o cruzamento. como se o pare indicasse pare, mas se no vier outro carro na transversal, pode prosseguir. O siga, por sua vez, estaria indicando siga, mas verifique antes se no vem algum carro na transversal ameaando avanar sobre o seu prprio sinal. O cdigo tornou-se mais dbio, os sinais pare e siga j no so to determinantes, destruiu-se redundncia, aumentou-se informao, ou incerteza.

A estas outras mensagens no previstas num especfico cdigo mas que afetam a reao do agente a este cdigo, denomina-se rudo. O rudo no distinguvel de modo intrnseco de qualquer outra forma de variedade [isto , incerteza]. Apenas quando dado algum receptor, que estabelecer qual dos dois importante para ele, ser possvel a distino entre mensagem e rudo [...] O rudo assim puramente relativo a um dado receptor, que deve decidir qual a informao que deseja ignorar34. Para Shannon, o rudo teria um efeito esprio sobre a mensagem, embora Weaver, na parte por ele escrita na clssica obra da dupla, tenha intudo, sem aprofundar, que quando existe rudo, o sinal recebido exibe maior quantidade de informao - ou fraseando melhor, o sinal recebido selecionado dentre um grupo de sinais mais amplos e mais variado do que o sinal transmitido35. Como Shannon desenvolveu sua teoria a partir de estudos nos fenmenos que ocorrem nas linhas telefnicas, pareceu-lhe, no sem razo, que o rudo browniano nos cabos atrapalhava a comunicao, requerendo investimentos em meios para reduz-lo que aumentavam os custos de implantao e operao das redes. Ocorre que o rudo inerente comunicao e mesmo o rudo fsico no pode ser suprimido pela impossibilidade de suprimirmos o movimento browniano nos fios - ele pode apenas ser filtrado. Da que, talvez, devssemos considerar o significante rudo inadequado para a correta compreenso dos processos informacionais. Mant-lo-emos, porm, em nosso estudo, porque j est consagrado no linguajar cientfico. Tal concepo lgico-formal do rudo tornou difcil explicar reaes quotidianamente percebidas em qualquer receptor, de no subordinao s intenTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

Este comportamento resulta da aceitao, pelo agente (motorista) de mensagens oriundas de outras fontes (eventualmente incorporadas ao seu repertrio) que lhe dizem ser perigoso permanecer parado nos sinais noite, que no podemos estar seguros sobre se todo e qualquer motorista obedecer ao sinal de pare, que no h motivos para obedecer sinais nas horas sem trnsito etc. Estas mensagens transmitem informaes que no constam do repertrio original do agente que codificou o semforo (o Departamento de Trnsito) mas que so, para o agente que o utilizar, to ou, em certas circunstncias, mais importantes que as indicaes das lmpadas do sinal. O motorista precisa obedecer quelas mensagens pois, paradoxalmente, se no o fizer pode estar mais ameaado de um desastre do que o fazendo.

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es da fonte. Coube, primeiro, ao ciberneticista alemo, Heinz von Foerster36 e, depois, de forma mais aprimorada, ao bilogo francs Henri Atlan37, formularem o princpio da ordem pelo rudo, atravs do qual se demonstra como o assim chamado rudo fundamental manuteno da neguentropia de um sistema, sobretudo de um sistema vivo.

Se considerarmos um sistema isolado de emisso e recepo, com apenas uma via de comunicao, conforme fez Shannon, o rudo introduzido por uma segunda via ser fator de degradao da mensagem, ameaando romper, destruir, a prpria interao. Mas estando os sub-sistemas interconectados a muitas vias, como prprio da estrutura dos seres vivos e das relaes sociais, o rudo num nvel de organizao, exatamente porque diminui a redundncia no cdigo a este nvel, poder ser percebido como aumento de informao, de liberdade de escolha, de possibilidades alternativas, em outro nvel de organizao - recordando que um nvel de organizao sistmico objeto de informao para outro. Para a clula que olha as vias de comunicao que a constituem, o rudo negativo. Mas para o rgo que olha a clula, o rudo nas vias do interior da clula positivo (desde que no mate a clula), pelo fato de aumentar o grau de variedade, e portanto, os desempenhos reguladores de suas clulas38.

Mquinas ou aparatos tcnicos, porque possuem uma ou poucas entradas de informao e de energia e nmero relativamente reduzido de componentes, devem reagir apenas aos sinais para os quais esto programados. Qualquer outro sinal imprevisto, ou rudo, ser ignorado, ou poder causar-lhes panes, parciais ou gerais. Sistemas assim so ditos auto-regulados: reagem homeostaticamente a algum estmulo externo, se esse estmulo estiver previsto em seu cdigo. So ditos tambm complicados, definindo-se a complicao pelo nmero de etapas ou instrues a descrever, especificar ou construir [no] sistema, a partir de seus componentes39. Previsvel, redundante, a complicao mensurvel, pois as relaes entre os elementos do sistema - o seu cdigo - obedecem a regras rgidas, conhecidas na sua totalidade pelo mensurador. O problema de um sistema complicado no est na dificuldade maior ou menor de compreend-lo, mas no tempo a ser consumido nesse propsito. Quanto mais longo esse tempo [...], mais complicado [...] o sistema40.

Sistemas complexos

Diferentemente das mquinas, os sistemas vivos so auto-organizados e complexos, e esta distino, absolutamente essencial, nos conduz para alm de uma viso estritamente ciberntica de mundo, recolocando os elementos do Universo em seu devido lugar: as mquinas no explicam nem os animais, nem muito menos o Homem. O Homem, sim, em certas condies, pode servir de modelo antropomrfico para explic-las. 42
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Qualquer sistema biolgico, mesmo o mais elementar protozorio, est dotado com elementos extremamente entrelaados, podendo cada um deles, em princpio, estar diretamente ou indiretamente ligado a todos os demais41. Por isto, logram absorver, processar e responder adaptativamente ao sinal aleatrio. Responder adaptativamente significa estabelecer uma situao orientada nova, introduzir em algum nvel do sistema relaes ordenadas que l no estavam antes. Ao contrrio dos sistemas auto-ordenados, os sistemas auto-organizados produzem informao, embora, no esqueamos, nos limites admitidos pela Segunda Lei. Faamos uma analogia, a partir do exemplo antes adotado para explicar a redundncia e o rudo: consideremos o semforo, o motorista, outros motoristas vindos na transversal, possveis assaltantes, as condies ambientais (horrio, iluminao etc.) como um subsistema cruzamento de um sistema englobante autoridades de trnsito. As autoridades de trnsito observam esse cruzamento como os pais observavam o tero: aparentemente, todas as alternativas possveis de informao j esto dadas, visto que se costuma conhecer o fluxo de veculos no local, em diferentes horrios, e se espera, de todos os motoristas, estrita obedincia ao jogo de luzes do semforo e ao Cdigo de Trnsito. Alis, considerando-se algum histrico passado, ser at possvel calcular-se uma certa freqncia diria de acidentes... No entanto, como os motoristas no se comunicam apenas com o semforo, mas com muitos outros eventos que lhes vem mente enquanto dirigem; como ningum pode estabelecer, de antemo, o momento preciso de um assalto, se, de fato, ocorrer um assalto; como impossvel saber-se antecipadamente em que exato instante um motorista irresponsvel ou bbado avanar o sinal vermelho, se que isto de fato acontecer nesta manh, ou neste dia; por estas e muitas outras razes, o subsistema cruzamento tambm mantm os agentes que nele interagem, em elevado grau de ignorncia sobre os seus eventos, contraditoriamente quela relativa segurana redundante fornecida pelas lmpadas do semforo e pelas demais regras conhecidas de trnsito. O modo como cada agente resolva a sua prpria ignorncia se assemelha, sem a mesma simplicidade, comunicao, pelo tero, do sexo exato da criana: uma vez efetivamente conhecido o que j era mais ou menos aguardado, a deciso de um motorista desencadear diferentes re-aes, seja transmitindo ainda maior segurana, ou maior insegurana, aos demais agentes, implicando, ou no, na introduo de outros rudos, ou eventos aleatrios, no sistema.

Supondo que, noite, a segurana dos motoristas relativamente ao funcionamento do sistema diminua acentuadamente (o medo de ser assaltado , por exemplo, muito maior), eles tenderiam a desobedecer mais constantemente s mensagens do semforo, portanto ao cdigo estabelecido, ou previsto, pelas autoridades. Possivelmente, a cada ao, aumentaria a auto-confiana de cada moTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Num primeiro momento, ao estabelecer-se a comunicao semforo-motorista, a lmpada vermelha acesa do semforo significaria, inequivocamente, pare. Num momento imediatamente seguinte, para o motorista influenciado por outras mensagens a respeito do ambiente cruzamento, a lmpada passaria a significar pare mas, se no vier ningum pela outra rua, pode prosseguir: o significado indiscutvel original da mensagem foi substitudo por um significado ad hoc, cuja utilidade, ou no, dada conforme uma especfica situao. Aqui, ainda temos um cdigo, mas definido em funo das circunstncias, por isto mais impreciso, exigindo mais tempo e ateno - mais trabalho no espontneo - na identificao de seus elementos. Este cdigo demonstrar-se- funcional durante um bom tempo, at que, algum dia, a confiana ou a desateno diante de um sinal sempre desobedecido, leva o motorista (inconscientemente) a ignorar por completo a lmpada. O semforo - isto , o cdigo que ele transmite - perdeu a funo e, com ele, desaparecem tambm os cdigos secundrios (ou funcionais) que, mal ou bem, ordenavam as demais mensagens no cruzamento. Qualquer redundncia completamente destruda. O carro tambm.. Neste subsistema cruzamento, descrevemos uma diferena indeterminada entre um mximo de eventos provveis mas imprevisveis, e um subconjunto de eventos antecipadamente esperados e previsveis, na fonte. Aquele mximo de eventos ignorados at que tivessem ocorridos, informa a incerteza mxima dos muitos agentes relativamente ao subsistema com o qual interagem, logo a informao mxima contida no conjunto do sistema. So, por isto mesmo, no quantificveis e no mensurveis, a priori. Os eventos previsveis na fonte informam a incerteza relativa do sistema e podem ser mensurados por mtodos probabilsticos. Pela ao dos eventos aleatrios (rudos), ao longo de um certo tempo, a totalidade do sistema evoluir na direo da crescente inutilidade do

torista porque passaria a assumir que os demais - com a conivncia do sistema englobante - estariam incorporando novas regras que se demonstrariam funcionais, embora s custas da crescente inutilidade do cdigo bsico estruturado inicial (as regras fixadas de trnsito), e da maior insegurana e instabilidade do sistema como um todo. Adaptando a citao de Atlan, mais acima, para um motorista especfico que avana o sinal vermelho noite, o rudo lhe seria negativo (aumentaria a sua desordem social, tica, psicolgica), mas para as autoridades que velam pela noite urbana, esse rudo seria positivo (desde que no provocasse acidentes) pois no teria interferido na rotina (na redundncia a nvel mais alto) e estaria permitindo aprimorar a prpria capacidade de auto-defesa de cada pessoa*.*

No estamos aqui, ao adotarmos este exemplo, defendendo esse comportamento lamentvel, porm hoje corriqueiro, da parcela motorizada da sociedade brasileira. Apenas o descrevemos, mostrando como, do ponto de vista da observao do sistema, ele, de fato, corresponde aos cdigos correntes nessa sociedade, funo das condies materiais e espirituais nas quais se encontra. Ele lgico, racional (irracional seria correr o risco do assalto), na maioria das vezes d certo (a maioria dos motoristas, afinal, chega ao seu destino), embora esta racionalidade seja, tambm, cnica. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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O limite de evoluo ou de adaptao desse sistema cruzamento foi conhecido, a posteriori, pela progressiva reduo da diferena entre as suas incertezas mxima e relativa, no tempo; vale dizer, pela progressiva superao de seu cdigo estruturado inicial por sucessivos cdigos funcionais, crescentemente menos redundantes. Esse limite, embora o saibamos provvel devido ao nosso conhecimento das determinaes estruturais e das condies funcionais do sistema, no puderia ser a priori estabelecido ou fixado com absoluta preciso. Mas at ser atingido e enquanto no foi atingido, o sistema pde produzir informao por reduo de redundncia, atravs da sua capacidade para processar aleatoriedades, ou rudos.

cdigo estruturado, isto , na direo da sua destruio, quando atinge-se um nvel mximo de informao, correspondente a uma situao de equilbrio entre todas as possibilidades de eventos. Esta situao, expressa, no nosso exemplo, pelo previsvel mas no programado acidente, a entropia da informao, ela mesma.

Dimenso temporal

Nos seres vivos, a redundncia estrutural inicial o cdigo gentico da espcie e as possibilidades funcionais que ele define. Mas, dadas essas determinaes, o desenvolvimento de cada indivduo depender de todo um conjunto de circunstncias aleatrias - eficcia nas aes para se alimentar e se reproduzir, sobrevivncia a predadores, a doenas, a acidentes ambientais etc. - que explicam a seleo natural. Se os limites da capacidade de auto-organizao so previsveis, eles no podem ser rigorosamente fixados. Sabemos, mais ou menos, os tempos que duram as vrias fases de nossa passagem por este mundo, a ponto de as companhias de seguro ousarem calcular expectativas de vida. Porm, desconhecemos a priori (ainda bem!) todos os nossos elementos de codificao funcional, suas completas e complexas regras de interao, suas inumerveis possibilidades de resposta ao aleatrio, que, ao fim e ao cabo - s ao cabo - diro do dia exato da nossa morte.

O processo de organizao pelo rudo origina-se, recordemos, de um dficit energtico em algum nvel do sistema. Quando est se esgotando a sua capacidade de trabalho espontneo a este nvel, ele busca recuper-la atravs da informao. Pe em forma - na sua forma - alguma fonte de energia, a exemplo do predador correndo atrs da caa. O esforo (desorganizao suplementar) e o tempo a despender na recuperao de neguentropia dependero do tamanho da incerteza original. Esta incerteza, bem como a sua fonte de realimentao energtica, residem no nvel englobante, onde foi absorvido o rudo introduzido no nvel englobado. Entretanto, para aquele nvel englobante, o suprimento de neguentropia para o seu nvel inferior vem a ser fator de desordem cujo reordenamento, da mesma forma, transfere a um nvel ainda mais alto. Assim sucessivamente. Cada nvel, pois, mais ordenado, desequilibrado, que o seu nvel
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englobante e mais desordenado, equilibrado, que o seu nvel englobado, at um limite alm do qual a desordem, pela ausncia de redundncia, to alta que o nvel imediatamente abaixo no tem como p-lo em forma. Eventos alm desse limite nada lhe dizem, no lhe motivam reaes. Nos seres vivos, este limite ltimo, aqum do qual ainda conseguem agir, o nicho ecolgico. Se a nveis decrescentes de organizao, ou decrescentes de redundncia, o sistema requer mais tempo para processar informao, a nveis crescentes de organizao, ou crescentes de redundncia, o sistema no tem porque e nem pode perder tempo. Se, por algum motivo, por algum bloqueio ou deficincia nas redes de comunicao, a informao no chegar ao agente no tempo certo, aumentar a desordem deste, prolongando a sua perda de neguentropia. Logo, introduzir mais rudos no nvel englobante e, assim, sucessivamente, afetando o sistema como um todo. O sistema estar doente. O tempo, como sugere Atlan, pode ser uma dimenso na qual se mede a confiabilidade do sistema, a eficcia da organizao em sua resistncia s mudanas aleatrias42. O tempo diz da capacidade do sistema para sustentar ou recuperar a sua taxa de neguentropia antes que a taxa de entropia alcance um patamar irreversvel. Nos seres vivos, a cada instante da fase de crescimento, os tempos nela consumidos so relativamente curtos, pois o ambiente englobante - a me, para um mamfero - costuma ser menos incerto que o ambiente englobante - o nicho ecolgico - para o indivduo adulto. Nas suas fases iniciais da vida, um indivduo biolgico vai se adjudicando nveis de organizao nas formas materiais de um corpo crescente e de memrias que acumula em seus subsistemas nervoso, neurolgico etc. O corpo e sua memria so os seus instrumentos de interveno cada vez mais eficaz, na desordem maior do ambiente sua volta.

Valor da incerteza

Ordenar-se a partir do rudo implica em crescer; e crescer incorporar incertezas, transmudando-as a parte ampliada de uma ordem redundante. O limite do crescimento ser aquele no qual, dadas as determinaes estruturais e funcionais, o sistema j no consegue mais do que manter o seu estado constante, exigindo-se tanto trabalho no espontneo na interao informacional com o ambiente, que mal compensa o resultado neguentrpico. A partir da, pouco a pouco, a Segunda Lei far sentir os seus efeitos: o sistema comea a envelhecer at consumar-se na morte. Impossibilitado de ordenar-se a nveis ainda maiores de complexidade, o sistema vivo retorna desordem da qual emergiu um dia, ou, como diz a sabedoria bblica, ao p de onde veio.

J sabemos que o agente um subsistema inserido e relacionado noutros subsistemas, agindo em funo de mensagens que seleciona nas suas diversas 46
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relaes ou, noutras palavras, criando alguma nova ordem atravs dos rudos pelos quais faz opo. Vejamos, a seguir, como um sistema complexo deve fazer essas escolhas.

Consideremos um animal em estado de repouso. O ambiente sua volta, com vibraes, movimentos, cheiros etc., lhe habitual. Sbito, um rudo diferente, um movimento imprevisto, um cheiro instintivamente no identificado, o pe em alerta, isto , numa situao incerta. Se esta mudana foi provocada por algum outro animal de seu grupo que no o ameace, ele poder retornar ao seu repouso. Mas se a origem desse sinal diferente, original, no pde ser de pronto identificada, ele seguir atento a novos sinais at, do conjunto, lograr selecionar alguma mensagem que possa orientar a sua ao. Que fique claro: cada sinal diferente, imediatamente a seguir j ser um sinal identificado (ignorncia resolvida) que, se repetido (redundante), nada lhe acrescentar no esforo para reduzir a sua desordem aparente em relao ao ambiente (ignorncia ainda no resolvida). O animal ficar espera de um novo sinal diferente, assim sucessivamente, at lograr indivi duar a mensagem.

No primeiro caso, o animal retornou ao repouso, posto que o sinal logo evidenciou ser parte de um conjunto familiar, conhecido, redundante. No segundo caso, um conjunto mais variado de sinais disparar aes que podem chegar ao alerta mximo e, mesmo, a algum procedimento defensivo (de fuga ou de agresso), caso a mensagem afinal recebida traga-lhe um nvel tal de incerteza no ambiente que ponha em risco a sua prpria sobrevivncia, enquanto sistema ordenado. Ou seja, uma informao mais previsvel, menos original, provocou no animal uma reao menor, menos trabalhosa. Uma informao menos previsvel que, ao revelar-se na mensagem, mostra-se mais original ou, dito de outro modo, exibiu a maior ignorncia do animal, at ento, ante o seu ambiente, esta informao provocou-lhe uma reao mais trabalhosa, porm mais determinante manuteno da sua ordem inerente pois que reativadora de seus processos neguentrpicos (o animal em repouso estava, pura e simplesmente, consumindo neguentropia). A informao menos original quase nada modificou no funcionamento imediato do sistema. A informao mais original, ao contrrio, alterou o seu estado imediato, levando-o a uma nova ao. Esta informao mais original, oriunda de uma fonte de maior incerteza, no s prender a ateno do agente por mais tempo (at sua completa decodificao, se possvel), como lhe provocar uma reao correspondente ao trabalho extra que lhe pode exigir.

Para o agente que deve selecionar entre mensagens concorrentes, a informao mais original - que lhe exige processar maior quantidade de incerteza - lhe ser de maior valor, isto , ser, em princpio, preferida a outras que lhe afetem menos as rotinas, isto , que se lhe mostrem mais redundantes. Se uma mensagem o que serve para modificar o comportamento do receptor, o valor de
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uma mensagem tanto maior quanto mais capaz for de fazer mais modificaes a esse comportamento, isto , no precisa ser mais longa e sim mais nova, porquanto o que j conhecido est integrado ao receptor e pertence ao seu sistema interior. Logo, o valor est ligado ao inesperado, ao imprevisvel, ao original43.

Valor do tempo

Mas admitamos que o animal de nosso exemplo acima, subitamente, sofresse o impacto da lana caadora de um nativo, morrendo em seguida. Ou seja: antes que pudesse reunir todos os sinais necessrios correta identificao da fonte dos rudos de modo a poder (re)agir conforme, sofreu o impacto de uma carga energtica com fora desorganizadora superior sua capacidade neguentrpica. A mensagem, ainda no de todo decifrada, vinha-se lhe revelando extremamente original mas tal no lhe foi de nenhum valor, pois no pde modificarse em funo dela, no tempo certo.

A questo do tempo essencial em todas as estimativas do valor da informao, esclarece Norbert Wiener44. Um cdigo militar no ter nenhum valor se puder ser identificado pelo inimigo, antes de consumada a ao que a mensagem, nesse cdigo, deve orientar. Do lado inimigo, tambm de nada adiantar a sua decifrao depois de efetivada a ao. O valor da originalidade, ou da incerteza processada, ser funo assim, do tempo de resposta do sistema. Este valor dever ser tanto maior, quanto maior for a incerteza removida ou processada no menor tempo, e tanto menor, quanto maior for o tempo consumido nesse processamento. Esta relao nos fornece uma medida do rendimento neguentrpico de um sistema.

Valor da informao

Ora, entendendo que uma originalidade, num tempo imediatamente seguinte, j se incorporou ao repertrio do subsistema que age ou, dito de outra forma, j orientou, no que pde, uma ao nova (que poder ser a busca de outro sinal original), o valor da informao realiza-se quase que imediatamente no tempo. Haver, claro, sempre um diferencial correspondente neguentropia necessariamente consumida, de acordo com a Segunda Lei. Mas alm desse diferencial mnimo, toda a barreira temporal - barreira essa que, na realidade natural e social concreta, pode surgir a cada instante - ser entrpica, denegadora do valor da informao, valor este aqui considerado intrnseco informao: como uma sua qualidade enquanto processo natural - biolgico e histrico e, no, especificamente na conotao scio-econmica que usamos atribuir ao significante valor.

Os agentes em interao podem fazer escolhas que orientem suas aes porque atribuem um valor informao que processam em seu campo de ao, 48
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conforme a relao entre a dimenso da incerteza processada e a dimenso do tempo de processamento. A informao de maior valor, a informao escolhida, aquela que lhes orienta mais trabalho no espontneo, porm no menor tempo possvel. Ao consumar trabalho no espontneo, algum agente recuperou, mesmo que parcialmente e no limite da Lei de Brillouin, a neguentropia que vinha espontaneamente perdendo. Seu objetivo sustentar (recuperando) a sua neguentropia, a sua capacidade de prosseguir realizando trabalho espontneo. Por isso dever valorizar a informao que lhe oriente alguma ao mais ativadora de seus mecanismos neguentrpicos (mais original), porm - e por isto mesmo - passvel de ser concluda no menor tempo, pois tempo consumo de neguentropia, tempo entropia.

Em suma, cada subsistema, em funo de suas determinaes estruturais e funcionais, busca realizar trabalho necessrio, aquele que lhe repe o mximo de neguentropia (recuperao da capacidade anterior de realizar trabalho espontneo), fazendo-o ainda capaz de obter cada vez mais rendimento na ao (capacidade de realizar trabalho no espontneo), com o menor acrscimo possvel de entropia no ambiente, logo com o menor gasto de tempo possvel. O valor da informao se mede pelo trabalho necessrio no espontneo que conduz, logo pelo rendimento neguentrpico que proporciona aos muitos e a cada um dos componentes de um sistema, enquanto plos interativos em ao*.*

Do sinal ao smbolo

O ser humano, como espcie animal, no se distinguiria, em nada essencial, de qualquer outro mamfero, no estivesse dotado de linguagem. Isto porque, nas demais espcies, a memria de um especfico indivduo, enquanto o resultado de todas as suas experincias concretas ao longo do seu ciclo particular de vida, em geral no tem como ser transmitida aos seus iguais, nem sua descendncia direta, embora possa, muito lentamente, a ponto de perder qualquer referncia individual, acabar incorporada memria da espcie, como um somatrio acumulado por milhes de anos, das memrias de muitas geraes. Apenas o homo sapiens dotou-se, graas linguagem, dessa propriedade de transmitir a sua memria individual a outros indivduos das suas relaes imediatas e sua descendncia direta e, mesmo, mais distante.
* O conceito de valor da informao, conforme aqui pioneiramente formulado por mim, ser, em estudos posteriores, sobretudo na minha tese de doutoramento, melhor formalizado. Ver, por exemplo, Capitalismo na era das redes: trabalho, informao e valor no ciclo da comunicao produtiva (in H. Lastres e S. Albagli, Informao e globalizao na Era do Conhecimento, Rio de Janeiro: Campus, 1999), e Informao como trabalho e como valor (in Revista da Sociedade Brasileira de Economia Poltica, Rio de Janeiro: SEP, dez. 2006)(N2011).

At este momento, viemos tratando de sistemas complexos em geral, isto , de qualquer sistema biolgico natural. Est na hora de avanarmos para a discusso deste sistema biolgico particular autodenominado homo sapiens sapiens.

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Com a linguagem, a acumulao da memria na espcie deixou de depender de um longussimo, penoso e quase imperceptvel processo de aprendizagem natural, e acelerou-se velocidade do tempo histrico. A memria humana no apenas aquilo que os indivduos tm registrado em seus sistemas nervosos, imunolgicos, genticos, mas o que produzem e registram quotidiana e significativamente em suas mentes, inclusive o que fixam para sempre, geraes ps geraes, em meios tcnicos, sejam pedras, papiros, papis... disquetes de computador. O homem no o nico animal social, mas a linguagem permitiu-lhe dar um novo tipo de ordem, com histria e significados, sua organizao social. A linguagem tornou-se complexidade adicionada complexidade natural do ser biolgico. Um animal qualquer relaciona-se imediatamente com o seu ambiente, pelos sinais que nele capta ou nele introduz. O homem, no. Em nossa espcie, esta relao mediatizada pela linguagem que articula a nossa vida em sociedade e, como parte dela, erige em Conhecimento a nossa relao com a Natureza. Os subsistemas lingsticos constituem-se, por isto, em aspectos indissociveis da neguentropia do ser humano. E a Histria possibilitada pela linguagem a realizao dessa neguentropia. Fazendo coro a Jean-Pierre Dupuy*,*os nossos sistemas sociais e histricos - polticos, econmicos, culturais - podem e devem ser vistos como sistemas auto-organizados e complexos, com vrios nveis de organizao e interao lingsticos, cujos os elementos moleculares seriam os homens e mulheres que o compem.

A linguagem constitui-se num outro nvel de organizao, no qual passamos do sinal ao smbolo, isto , da relao biunvoca do sinal com o objeto, impreciso do smbolo, cujo contedo semntico varia com a experincia de vida que qualquer sujeito tem, e a que se estabeleceu no decurso de sculos para cada grupo humano vivo, num espao geoclimtico especfico45.

Universo dos sentidos

Para estudar os sistemas histricos (humanos) enquanto sistemas de informao e comunicao, precisamos sair, como diria Umberto Eco, do universo dos sinais, ao universo dos sentidos46.

Eco distingue informao na fonte, estudada por Shannon (fsica, computvel quantitativamente), do que entende por informao semiolgica, no computvel quantitativamente, mas definvel atravs da srie de significados que pode gerar, uma vez posta em contato com os cdigos47. Ambas so informao porque definveis como estado de desordem em relao a uma ordem subseqente; como situao ambgua em relao a uma informao ulte rior; como possi*

Que as teorias de auto-organizao de Varela e Atlan, como modelos do fenmeno da vida, sejam pertinentes ao pensamento social, trata-se de uma afirmao da minha inteira responsabilidade, assumiu Dupuy, em seu Ordres et Dsordres50. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Tanto no caso da sineta pavloviana, quanto no da sineta do quartel, estabelece-se uma ordem e, por isto, processou-se uma informao. Mas no cabe dvidas sobre a redundncia maior (muito maior) contida na sineta pavloviana relativamente sineta castrense. Aquela transmitida por um cdigo, no conceito de Atlan, complicado - alis, neste caso, muito pouco complicado. Um cdigo um tanto quanto facilmente percebido em sua totalidade pelo agente, determinando desde j, como que automatica ou instintivamente, as suas alternativas possveis de resposta, logo os seus limites estreitos de incerteza**.**

Na espcie humana, a informao se faz signo - da, significado, significao -, algo que est em lugar de outra coisa, diferenciando-se, pois, do sinal, um estmulo que provoca diretamente esta outra coisa49. Signos e sinais devem subordinar-se a algum cdigo, mas apenas aqueles so inerentemente humanos, criaes exclusivas da espcie que, por eles, d aos resultados, os seus diferentes significados denotativos e conotativos. O soar de uma sineta pavloviana no significa nada para um co, sendo-lhe apenas um sinal, logo um estmulo a uma ao orientada, de que a comida lhe ser servida. O soar de uma sineta num quartel, anunciando a hora do rancho, origina um conjunto de aes por parte dos soldados, como lavar as mos, arrumar a farda, fazer comentrios ou piadas sobre a qualidade da comida e at recusar-se a comer, que introduzem uma mediao cultural ao motivada pelo som. Assim, atravs desta sua especfica forma de informao sgnica*,*a nossa espcie se assenhoreia do mundo e permite que a natureza se transforme continuadamente em cultura51.

bilidade de escolhas alternativas, escolha a efetuar em relao a um sistemas de escolhas efetuadas dela decorrente48.

Cdigos sintticos

Percebe-se que esta informao sinalizadora apresenta exclusiva e completa aderncia ao substrato material que a contm e conduz. O som da sineta
*

**

Costuma-se dizer que a linguagem humana simblica e, desde Cassirer, se reconhece ser o homem, um animal simblico. Entretanto, nos termos mais rigorosos da Semitica (a cincia dos signos), toda imagem pictrica, ou sonora, ou de outra forma, que est em lugar de outra coisa, que representa esta outra coisa, que permite entender esta coisa mesmo na ausncia desta, um signo, conceito este estabelecido por Charles Peirce, ainda no sculo XIX52. Foi Peirce quem classificou os signos em trs tipos bsicos: ndice, cone e smbolo, definidos pela relao mais direta (fotogrfica) ou mais indireta (abstrata) que manteriam com o objeto denotado. Em Peirce, as palavras da linguagem humana, por exemplo, poderiam ser definidas como signos simblicos. Mas a Semitica mais contempornea, sobretudo depois de Eco, tende a rever e rejeitar a classificao peirceana, entendendo que todo signo humano, no importa se tenha a forma de desenho ou de palavras, relaciona-se, na verdade, com percepes culturais dos diferentes grupos humanos e, portanto, exprimem a percepo da realidade material por parte de diferentes culturas. Da que, neste livro, doravante, nos referiremos sempre a signo e suas variaes como termos e conceitos que traduzem, com maior exatido e rigor cientfico, as atividades representativas da mente humana. Como explica Atlan: [...] a redundncia uma medida de simplicidade e ordem. Assim, a ordem seria essencialmente repetitiva e redundante. No necessrio que ela seja fisicamente repetitiva, como num cristal, no sentido de um nico elemento ou motivo repetido um grande nmero de vezes. Basta que seja redundante, isto , dedutivamente repetitiva: o conhecimento de um elemento nos traz uma certa informao sobre os outros (diminuindo a incerteza a respeito deles), e isso que nos faz perceber uma ordem53. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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para o cachorro adestrado indicador de comida e sempre indica comida. A identidade entre a ao possvel e o evento fsico que transmite a informao, completa. Os cdigos sinalizadores dessa informao fsica s podem, por isto, se organizarem em uma nica dimenso - a sinttica - que diz das relaes que os elementos admitidos no cdigo, estabelecem entre si, relaes estas extremamente rgidas. Porque essas relaes so rgidas, a mensagem sinttica deve implicar numa correspondente e unvoca reao do agente. A luz vermelha do semforo decreta ao motorista que pare; no admite (no deveria admitir) interpretaes. A palavra cachorro, na lngua portuguesa, se escreve com os sinais aqui utilizados, e no kashorro, caxorho, ou por qualquer outra combinao de sinais. Bem como aponta para um especfico animal e, no, qualquer outro que a lngua portuguesa aponte, por exemplo, pelos sinais combinados g-a-t-o, co-e-l-h-o etc. Assim, o sinal de trnsito uma informao sinttica. A gramtica determina sintaticamente a lngua. Cdigo gentico outro exemplo de informao sinttica. Para no falar dos programas de computador.

Cdigos semnticos

Da que a informao sgnica mostra-se extraordinariamente plstica s circunstncias sociais e aos contextos nos quais intervm o agente. A luz vermelha do semforo nem sempre faz o motorista parar: pode significar-lhe, ao contrrio, uma possvel ameaa de assalto; um obstculo sua pressa que deve ser transposto, mesmo com riscos; ou um convite a desobedecer ou desafiar autoridades etc. Cachorro pode designar um animal, mas pode tambm ser um termo ofensivo dirigido a outrem. Na verdade, cachorro ter o seu real significado definido pelo seu enunciado numa situao concreta de interlocuo, determinada pelo contexto prtico-social dos falantes. Como nos ensina Bakhtin, as formas e usos da linguagem humana assumem contedos precisos em cada enunciado num momento concreto, social, de interlocuo. A forma lingstica [...] sempre se apresenta aos locutores no contexto de enunciaes precisas, o que implica sempre um contexto ideolgico preciso 54. Logo, o sentido da palavra totalmente determinado pelo seu contexto. De fato, h tantas significaes possveis quantos contextos possveis55. Cachorro, ento, no ser uma absoluta abstrao, mas um especfico animal (ou pessoa) referido por quem fala e assim entendido por quem ouve. Mesmo neste nosso texto, em que cachorro parece uma abstrao, com efeito, significa no mais que um exemplo. 52
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Nos seres humanos, graas ultra complexa estrutura de seu crebro, os sinais informacionais so transformados em imagens, idias, conceitos, formas secundrias outras, que representam ou exprimem as aes que motivam. A informao no parece exclusivamente aderente a um mesmo substrato e, quase sempre, poder-se- exprimir uma mesma informao atravs de diversas formas e meios.

Quantidade e qualidade

Portanto, os cdigos que organizam a informao sgnica os cdigos semnticos - so menos redundantes (muito menos redundantes) que os exclusivamente sintticos. Mas no podemos esquecer que os cdigos semnticos, at porque, ao fim e ao cabo, dependem de algum suporte material, apiam-se em uma organizao sinttica de base. A rigor, a informao semntica ser, sempre, informao semntico-sinttica.

Porque os cdigos semnticos humanos possibilitam ilimitadas combinaes significativas, determinadas pelas condies concretas de enunciao e, ainda, pelos recursos acumulados na memria histrica da espcie, a informao por eles transmitidas no passvel de mensurao. Medimos, por exemplo, o tamanho sinttico da lngua portuguesa pelo nmero de verbetes do Aurlio, ou pela quantidade de bits/sinal de um texto qualquer, dada a variedade de sinais nele contido, a aplicando as equaes de Shannon. Mas ser sempre impossvel medir a infinitude de significados que um Machado de Assis, um Fernando Pessoa, um Caetano Veloso podem extrair para ns, de uma quantidade to finita de letras e espaos...

Infelizmente (para Jones), devemos comear a admitir que lei da Natureza que seja sempre assim. No trabalho com informao, como o o desenvolvimento de programas de computador, estaro sempre envolvidos elementos semnticos intangveis - impossveis de quantificar. Cada vez que algum desses elementos adquire um tal grau de rotinizao quase total eliminao de ignorncia quanto aos melhores mtodos, processos, atividades - que se torna sintaticamente mensurvel (e Jones nos d vrios exemplos), outros emergem ampliando a dimenso do nvel de organizao semntico. A quantidade de informao semntica virTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

Vejamos, por exemplo, um caso concreto e atual. Hoje em dia, os produtores de programas de computador vm fazendo um grande esforo para quantificar a produtividade de seus engenheiros e tcnicos. Num estudo bastante abrangente sobre este problema, Capers Jones registra ser voz corrente, nas empresas, que programao no pode ser medida nem controlada56; mas, em seguida, decreta: para que uma tarefa como a programao seja previsvel, primeiro ela deve ser mensurvel57. Todo o restante das mais de 350 pginas do livro dedicado busca de frmulas para realizar essa mensurao. Ele examina as atividades de programao pela tica das linguagens, das tcnicas utilizadas, dos tipos de tarefas. Em no poucos casos, os seus clculos chegam a nmeros paradoxais. Depois de muitos resultados inconclusivos, Jones levado, na penltima pgina de seu livro (edio brasileira) seguinte concluso: Em 1985, os 25 fatores discutidos no perodo [...] so intangveis e difceis de serem quantificados. Mas no uma lei da natureza que seja sempre assim58.

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tualmente infinita, situando-se os seus limites nas fronteiras, por enquanto ainda desconhecidas, da prpria neguentropia mxima do ser humano.

Podemos dizer que passamos de um cdigo qualitativamente sinttico para um cdigo qualitativamente semntico quando nos defrontamos com uma dimenso de ignorncia tal que supere qualquer possibilidade de medida; quando passamos de uma dimenso claramente finita para outra, a princpio (at, pelo menos, que se revelem, sabe se l quando, todas as suas condies funcionais), aparentemente infinita. A qualidade da informao sinttica resume-se quantidade. A da informao semntica (suportada na sinttica) expande-se na riqueza e variedade de seus significados, funo de seus contextos e circunstncias.

Sistemas histricos

Graas memria que a linguagem, com toda a sua aparentemente inesgotvel riqueza semntica, lhe permite acumular, o ser humano aprendeu a desconhecer limites. Ou, nas palavras de Laborit, sua crena na prpria liberdade no lhe permitiu encontrar sistemas englobantes, um nvel de organizao que pudesse ditar-lhe suas regras comportamentais. Logo, ele as inventou. Foram os mitos, as religies, as morais, as leis do Estado59. E, neste fim de sculo, ao que tudo indica, a nascente conscincia ecolgica. Conduzidos pela mesma lgica que preside a organizao pelo ru do em um sistema biolgico, os sistemas histricos esto fadados a crescer, sem encontrar, teoricamente, limites, salvo em algum outro sistema histrico correlato. Processando informao semntica, com toda a sua carga ilimitada de incerteza, eles tornaram-se excessivamente desequilibrados e demandam hoje enorme quantidade de trabalho no espontneo, para se manterem neguentropicamente ordenados. Por isto, a sociedade humana, no conjunto e em cada um dos sub-sistemas que a compem, sustenta uma disputa acirrada, sem trguas, com a entropia que a circunda. Ao contrrio de outros mamferos, que dormem longamente aps as refeies, o homem contemporneo no pode se permitir descansar. S na eternidade...

Conceito dialtico

Entre os sistemas histricos encontra-se, bem sabemos, o capitalismo, do qual trataremos no restante deste estudo. Veremos que tudo dito no correr deste captulo poder fornecer elementos para que comecemos a esclarecer a lgica neguentrpica que preside as atividades de uma empresa voltada para o lucro, muito particularmente no estgio atual alcanado pelo modo de produo capitalista quando, segundo Carlota Perez, a tendncia aumentar o contedo de informao nos produtos, mais do que o contedo energtico ou material60. 54
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O que vem a ser essa informao qual Perez ainda se refere aspeadamente, como alguma coisa assim pouco esclarecida, como que pedindo desculpas pelo uso de um termo impreciso, at de duvidosa legitimidade?

Com base em toda a argumentao desenvolvida at aqui, podemos sugerir agora uma compreenso da informao, centrada na especificidade informacional do ser humano:

Informao um processo de interao semntico-sinttica que orienta o trabalho no espontneo necessrio manuteno e expanso da neguentropia dos sistemas histricos*.* O contedo informacional dos produtos, pois, uma realizao semntico-sinttica da sociedade, atravs dos bens que produz e consome, conforme discutiremos nos demais captulos. parte de um processo informacional que organiza material e culturalmente o ser humano, sendo realizao dessa organizao. Este processo produto do desequilbrio energtico original da espcie biolgica e meio de acumulao desse desequilbrio. Por outro lado, incerteza que orienta a sua ao, mas, dada a dimenso semntica dessa incerteza, pode codific-la na forma dos projetos que conduzem a ao do Homem na Histria.

Viemos, ao longo deste captulo, nos acercando de nosso objeto, at chegarmos a uma compreenso do fenmeno informacional que no exclui os enunciados e conceitos anteriores mas, ao contrrio, provm deles, desdobra-se deles, e neles se articula na totalidade do conhecimento atualmente possvel sobre o Universo. Vimos como Brillouin ampliou a discusso e conhecimento da informao, a partir das formulaes originais de Shannon, esclarecendo a relao entre informao e trabalho (neguentropia). Atlan, em seguida, tornou mais abrangente as idias de Brillouin, ao tratar da informao no sistema (conceito estabelecido por von Bertalanf fy... ou por Bogdnov?), da redefinindo (positivamente) a noo e funo do rudo, fenmeno identificado tambm originalmente (mas de modo negativo), por Shannon. Eco, tambm remetendo inicialmente a Shannon, nos ajudou a precisar a fronteira entre um campo quantificvel dos sinais, e outro, semntico, no quantificvel (a priori, poderia acrescentar Atlan).

Se fato, como sustenta Lucien Sfez61, que das idias de Shannon derivou um programa terico e prticas sociais distintos daqueles derivados das idias de Atlan e de outros bilogos; tambm fato que eventos elementares do mundo fsico ou biolgico no podem ser percebidos de modo muito diferente daquilo que realmente so. Num exemplo simples, dualistas ou monistas, ou, adotando a
* Um ano aps concludo e defendido este estudo, e escritas essas palavras, o prof. Michel Thiollent observarme-ia, com razo, a ausncia, nele, de uma terceira dimenso essencial ao estudo da informao, a pragmtica. A relao da informao sinttico-semntica com a ao (pragmtica) ser desenvolvida posteriormente, no doutorado. No entanto ela j est pressuposta na prpria relao estabelecida, nesta ltima definio, entre informao e trabalho. (N2011).

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dicotomia poltica, conservadores ou reformistas, reconhecemos todos os mesmos efeitos da lei da gravidade. Os ngulos de abordagem dos eventos e, a partir da, as muitas direes que podem tomar os seus estudos, os graus de aprofundamento a que podem chegar, e a utilidade social que podem demonstrar, que vo variar, ou mesmo conflitar. Das idias de Shannon, associadas s de von Neumann e outros, derivaro as teorias que permitiro projetar e construir mquinas e sistemas homeostticos ligados ao tratamento automtico da informao: computadores, ro bs, programas de inteligncia artificial etc. Da sua crtica e negao, afirmar-se-o novas idias mais adequadas compreenso das contradies da vida e da sociedade, hoje em dia cada vez mais incorporadas aos estudos ecolgicos e, tambm, a conceitos mais avanados de gesto empresarial.

Este segundo programa terico nos permitiu desdobrar, ao longo deste captulo e visando o estudo do trabalho social humano, um conceito de informao que nos parece corresponder s categorias e operaes do mtodo dia lticomaterialista pois percebe a informao em sua totalidade natural e histrica; relaciona as suas dimenses quantitativa e qualitativa; apreende o movimento interno de seus processos atravs de sucessivas negaes e afirmaes; identifica as determinaes entre os seus elementos constituintes fundamentais. A informao nos surge como aquele evento real e, no limite, material (pois que energeticamente determinado) do movimento do pensamento, cuja forma Hegel estudou e descreveu, cabendo a Marx apontar para os seus fundamentos materialistas. Por fim, o conceito aqui proposto nos fornece uma linguagem comum e operacional, respeitadas as especificidades de cada campo de estudo ou trabalho, para o fsico, o bilogo, o engenheiro, o economista, o filsofo, o jornalista, o bibliotecrio, o semilogo, o tcnico fabril, o caixa bancrio - para todos que sejam, de diferentes maneiras, trabalhadores com Informao. Vale dizer, para praticamente todos os trabalhadores inseridos no modo de produo capitalista avanado.

Referncias Bibliogrficas

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3. apud WERSIG, Gernot e NEVELING, Ulrich. The phenomena of interest to Information Science, The information scientist, Vol. 9, n. 4, pp. 127-140, dez. 1975.

5. SCHERRER, Jutta. Bogdnov e Lnin: o bolshevismo na encruzilhada, in HOBSBAWN, Eric J. Histria do Marxismo, cit., vol. 3, pp. 189-242, 1986.
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6. idem, pag. 229 7. idem, ibidem. 9. idem, ibidem. 8. idem, pag. 238. 11. WILLETT, John. Arte e revoluo, p. 131, in HOBSBAWUN, Eric J. Histria do Marxismo, cit., vol. 9, pp. 77-150, 1987. 12. BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: aplicao psicologia, p. 1, in ANOHIN. P. K. et alii, op. cit., pp. 1-20, grifos no original. 13. RAPOPORT, A. op. cit., pag. 27, grifo no original. 14. BERTALANFFY, L., op. cit. 10. idem, pag. 239.

15. THOMPSON, James W. Modelos de organizao e sistemas administrativos, in ANOHIN, P. K. et alii, op. cit., pp. 47-62. 17. RAPOPORT, A. op. cit.

16. NAPOLEONI, Claudio. Curso de economia poltica, pp. 72, 73, Rio de Janeiro: Edies Graal, trad., 1979. 19. BRILLOUIN, Lon. La science et la Thorie de lInformation, Paris, FR: ditions Jacques Gabay, 1988. 18. BERTALANFFY, op. cit., pag. 7 passim

20. SINGH, Jagjit. Teoria de la informacin, del lenguaje y de la ciberntica. Madri, ESP: Alianza Editorial, 4 ed., trad., 1982. 22. SHANNON Claude E. e WEAVER, Warren. A teoria matemtica da comunicao. Rio de Janeiro, RJ: Difel, trad., 1975. 23. BRILLOUIN, Lon, op. cit., pag. 156.

21. GUILLAUMAUD, Jacques. Ciberntica e materialismo dialtico. Rio de Janeiro, RJ: Edies Tempo Brasileiro, trad., 1970.

24. MONOD, Jacques. O acaso e a necessidade, p. 70, Petrpolis, RJ: Editora Vozes Ltda., 3 ed., 1976. 25. GUILLAUMAUD, op. cit., pag. 103, grifos no original. 26. SHANNON Claude E. e WEAVER, Warren. op. cit. 28. idem, pag. 31 27. LABORIT, Henri. Deus no joga dados, So Paulo, SP: Trajetria Cultural, trad.,

1988.

29. MARX, Karl. Para a crtica da economia poltica, p. 115, Os Pensadores, Vol. XXXV, So Paulo, SP: Abril Cultural, pp. 107-263, trad., 1974.

30. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem, p. 131, So Paulo, SP: Hucitec, 3 ed., 1986.
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31. GOLDMAN, Lucien, Importancia del concepto de consciencia possible para la comunicacin, in GUROULT, Marcial (ed.). El concepto de informacin en la ciencia contempornea - Coloquios de Royaumont, p. 41, Mxico, MEX: Siglo Veintiuno Editores, 2 ed., trad., pp. 31-54, 1970. 33. ECO, Umberto. A estrutura ausente, p. 42, So Paulo, SP: Editora Perspectiva, trad., 1976. 34. ASHBY, op. cit., p. 219, grifos no original. 35. SHANNON e WEAVER, op. cit., p. 19 36. apud DUPUY, Jean-Pierre, Ordres et dsordres - Enqute sur un nouveau paradigme, Paris, FR: dition Seuil, 1990. 38. idem, p. 61 39. idem, p. 66 41. idem, p. 44 42. idem, p. 47 32. idem, pag. 41 passim.

37. ATLAN, Henri. Entre o cristal e a fumaa, Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, trad., 1992 40. idem, ibidem

43. MOLES, Abraham. Teoria da informao e percepo esttica, p. 36, Rio de Janeiro, RJ: Editora Universitria de Braslia/Edies Tempo Brasileiro, trad., 2 ed., 1978, grifos no original. 44. WIENER, Norbert. op. cit., p. 122. 45. LABORIT, H. op. cit., p. 74 46. ECO, U. A estrutura ausente, op. cit., p. 19. 47. ECO, U. A estrutura ausente, op. cit., p. 47 48. idem, ibidem, grifos no original 49. idem, p. 419. 50. DUPUY, op. cit., p. 19

51. ECO, Umberto. O signo, p. 22, Lisboa, PT: Editorial Presena, trad., 1981. 53. ATLAN, op. cit., p. 68, grifos meus, M.D. 54. BAKHTIN, M. op. cit., p. 95. 55. idem, p. 106, grifos meus - M.D.

52. PEIRCE, Charles S. Semitica, So Paulo, SP: Editora Perspectiva, trad., 1977.

56. JONES, Capers. Produtividade no desenvolvimento de software, p. XVII, So Paulo, SP: Makron Books do Brasil Editora Ltda, trad., 1991. 57. idem, p. XVIII.

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58. idem, p. 315.

60. PEREZ, Carlota. Las nuevas tecnologias: una visin de conjunto, p. 59, in OMINAMI, Carlos (org.), La tercera revolucin industrial, GEL, 1986. 61. SFEZ, op. cit.

59. LABORIT, op. cit., p. 77.

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Captulo II

Valor Trabalho: uma Releitura em Marx


Leandro Konder

Nas novas circunstncias, caber a cada um ler, interpretar, desenvolver, reelaborar e modificar o seu Marx.

No se trata de apenas relembrar, para melhor nos situarmos, as idias bsicas de Marx. Isto tornaria perfuntrio este captulo. A nossa proposta a de re-examinar essas idias, tentando encetar uma releitura que possibilite compreender Marx luz dos conceitos sistmicos adotados neste nosso estudo. Veremos que tal proposta vivel na medida em que busquemos num Marx desconhecido, como diria Martin Nicolaus1, elementos que nos possibilitem melhor compreender o conjunto do seu sistema terico, da sua viso de Histria e, por isto, mostrar quo extraordinariamente atual permanece o seu pensamento.

Como o objetivo deste nosso estudo avanar um conceito de valor-informao a partir do conceito clssico-crtico de valor-trabalho, devemos agora - depois de, no captulo anterior, termos estabelecido o que se pode entender por informao - examinar como o processo de trabalho foi percebido, dentro do movimento de valorizao do capital, por Karl Marx.

Esta nossa anlise vai-se concentrar nos seguintes aspectos. Primeiro, na viso marxiana do processo de trabalho como um processo de transformao direta da matria, viso esta que, por um lado, remete aos conceitos de entropia e neguentropia; e, por outro, tambm articula, na sua unidade essencial, os nveis
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semnticos e sintticos do ser humano. Segundo, na viso do ser humano como livre somente se est livre do trabalho imediato, porque ento pode dispor de tempo para o desenvolvimento da riqueza social atravs da plena utilizao das suas capacidades intelectuais. Terceiro, em conseqncia, buscaremos desenvolver o conceito de tempo disponvel em Marx, considerando-o como um dos aspectos mais instigantes e menos explorados de seu pensamento.

O trabalho humano

Todos ns possumos um conjunto de conhecimentos bsicos, um tanto quanto intuitivos, elementares, que nos parecem generalizados e como que bvios, na sociedade em que vivemos. So noes, s quais sequer nos passa pela cabea questionar, mas com base nas quais, no raro inconscientemente, comeamos a construir os nossos argumentos e conceitos tericos. Seria como, por exemplo, explicar um fenmeno qualquer pela forma redonda da Terra. O argumento apenas deve estabelecer a relao entre o fenmeno e a redondeza de nosso planeta, no havendo porque demonstrar tambm a premissa. Nos tempos de Colombo, sim, s-lo-ia necessrio. Mas hoje em dia - e j h alguns sculos - no o mais. Que a Terra redonda, sabemo-lo desde a infncia. Trata-se de um conhecimento incorporado aos nossos hbitos mentais, logo cultura mdia de qualquer pessoa minimamente escolarizada que viva em nossa sociedade. Entendemos que Marx, quando construiu a sua teoria do valor, apoiavase numa noo de trabalho que o percebia como necessariamente vinculado ao contato fsico do homem ou mulher - atravs das suas mos, orientadas pelos seus rgos de sentido e pela sua mente - com a matria a ser transformada. Trabalhar pressupunha (no havendo nem porque argumentar sobre isto) moldar, modificar, alterar o mundo fsico com as prprias mos, ainda que ajudadas, se fosse o caso, por ferramentas adequadas. O trabalho seria uma relao direta do corpo humano (crebro, rgos de sentido, msculos etc.) com a criao de produtos necessrios sobrevivncia da espcie e vida social, atravs de sucessivas transformaes na matria natural. Sendo uma noo intuitiva, no podemos esperar v-la exposta e explicada nos textos de Marx. Podemos, porm, perceb-la subjacente a muitos de seus enunciados. Contudo, ao menos uma vez, numa carta a Engels - isto , num documento mais ntimo, coloquial - Marx a revela claramente. Datada de janeiro de 1863, nesta carta, Marx deixa registrado a sua busca por um conceito mais exato para autmato. Logo no primeiro pargrafo, afirma que a sua dvida no era sobre a mquina, mas sim sobre como o assim chamado fiandeiro agia antes de sua inveno. O autmato claro [para Marx], mas o estado pr-existente no o 2. Ou seja, Marx desejava saber como trabalhava o fiandeiro, antes da introduo
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das primeiras mquinas de fiar e tecer, mquinas que, a esta altura, ele conhecia aps mais de meio sculo de evoluo.

Da, o que distinguir a revoluo (e o capitalismo) industrial dos modos pretritos de produo, ser a introduo e difuso dos autmatos nos processos de trabalho at ento exclusivamente humanos. Marx ressalta que, antes da revoluo industrial, s vezes desde a Antiguidade, pouqussimas eram as atividades, como a moagem e a imprensa, nas quais o homem no entrava em contato direto com a matria em transformao. O final da carta parece-nos definitivo:
Mas neste caso do moinho, como no da imprensa, da forja, do arado etc., o trabalho propriamente dito, isto , bater, esmagar, moer, pulverizar etc., foi realizado desde sempre sem trabalho humano, mesmo que a fora a mover fosse humana ou animal. Esse tipo de maquinaria muito antigo, pelo menos nas suas origens, e a propulso mecnica foi primeiramente aplicada a. Era a nica maquinaria existente no pe rodo manufatureiro. A revoluo industrial comeou to logo os mecanismos foram empregados onde desde tempos antigos, o resultado final requeria trabalho humano: aqui e no onde, como nos instrumentos lembrados acima, a matria a ser realmente transformada nunca era tratada pela mo humana, mas [aqui] onde, pela natureza das coisas, o homem no agiu desde sempre [apenas] como fora (idem: p. 130, grifos no original e grifos meus MD*)4.*

Aps tecer consideraes sobre discusses prprias da poca, Marx introduz uma importante distino entre mquina motriz e mquina de trabalho, atribuindo o comeo da revoluo industrial, no s transformaes na fora motriz, no, por exemplo, substituio do p que move a roda de fiar, por gua ou vapor, mas pela transformao do processo imediato de fiar, ele mesmo, e pela eliminao daquela parcela de trabalho humano que no apenas dispndio de energia (como mover uma roda) mas que se refere ao processo, ao direta sobre o material a ser transformado3.

Est clara, no texto desta carta, a distino do trabalho como mero dispndio de energia - que tanto pode ser realizado pelo homem, pelo animal ou por outro agente natural (ventos, gua, vapor etc.) - do trabalho propriamente dito, percebido como ao direta, no intermediada por mecanismos, do homem moldando, alterando, modificando a matria. Esta noo de trabalho deveria pa*

Devo o conhecimento dessa notvel carta ao prof. Jos Ricardo Tauile.

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recer natural para quem, embora no lembrando mais como era o trabalho de fiar, ainda vivia num tempo em que o trabalho diretamente manual continuava francamente dominante. A indstria, ento, era uma mescla heterognea de relativamente poucas mdias e grandes unidades fabris mecanizadas e milhares de pequenas e mdias unidades semi-artesanais complementando-se umas s outras, conforme documentaram Dobb5 e Samuel6. At, mais ou menos, os anos 80 do sculo XIX, a produo industrial domstica ainda reinava na Gr-Bretanha. Acar podia ser refinado numa usina mecanizada, mas era vendido a centenas e centenas de pequenos fabricantes artesanais de balas e doces que atravs, como diria Marx, dos crebros, nervos, msculos de seus empregados, transformavam-no em produtos teis populao. Serrarias, movidas a vapor, preparavam a madeira para centenas e centenas de pequenas carpintarias e marcenarias. Assim por diante. Na histrica Exposio Industrial de 1851, em Londres, ao lado das mais recentes conquistas da mecanizao, abriu-se um bom espao, segundo Samuel, para demonstrar que a capacidade competitiva da indstria britnica dependia pesadamente das habilidades artesanais7. Da que, s na ltima quadra do sculo a classe trabalhadora comeou a tomar o carter homogneo de um proletariado fabril, anotou Dobb8.

A circulao como entropia

Este , em resumo, o ciclo do capital: comea com dinheiro e termina com dinheiro. Pode-se dizer, tambm: comea com informao e termina com informao, pois dinheiro - isto nos parece evidente - a expresso simblica da riqueza. Entretanto, o dinheiro final dever ser maior que o dinheiro inicial. A diferena o valor acrescentado ao dinheiro inicial pelo trabalho produtivo. Marx apresenta o ciclo, conforme sua conhecida frmula: D M... P... M D' Isto : o dinheiro (D) compra mercadorias (M) que, introduzidas no processo de produo (P), incorporam mais-valor e, como mercadorias valorizadas (M) transformam-se em mais dinheiro (D) do que havia antes. As fases que anTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

O trabalho propriamente dito cria valor porque transforma os materiais, adequando-os ao uso ou consumo humano. Por isso, o locus da criao de valor, no modo de produo capitalista, o espao onde homens e mulheres realmente produzem: a oficina, a fbrica. Entretanto, para que isto acontea, necessrio que o empresrio adquira, no mercado, os materiais e a fora de trabalho que utilizar no processo de produo e, uma vez obtido o produto, o coloque de volta no mercado, recuperando o que aplicou no incio. Assim, primeiro, o capitalista, com dinheiro, compra os fatores de produo e, depois, vende o resultado da produo, obtendo dinheiro com o qual reiniciar o ciclo.

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tecedem e sucedem a P correspondem esfera da circulao do capital, compra e venda, ao comrcio. P a esfera da produo, do trabalho, da transformao. Os pontos indicam que o processo da circulao est interrompido9 porque, durante a produo, as mercadorias so retiradas do mercado, processadas, transformadas, para ento voltar a ele j na forma de uma nova mercadoria. Marx deixa claro:
A mudana de valor pertence exclusivamente metamorfose P, ao processo de produo, que aparece como metamorfose real do capital, em face das metamorfoses meramente formais da circulao10.

Da, estabelece:

A lei geral que todos os custos de circulao que s se originam da transformao formal da mercadoria no lhe agregam valor. So apenas custos para a realizao do valor ou para a sua converso de uma forma em outra. O capital despendido nesses custos (inclusive o trabalho por ele comandado) pertence aos faux frais [falsos custos] da produo capitalista. A reposio dos mesmos tem de se dar a partir do mais-produto e, considerando-se a classe capitalista como um todo, constitui uma deduo da mais-valia ou do mais-produto, exatamente como, para um trabalhador, o tempo que precisa para comprar seus meios de subsistncia tempo perdido11.

Podemos dizer que, uma vez valorizada, uma vez posta em nova forma no processo de produo, uma vez em-formada, a mercadoria tende a dissolver-se entropicamente na circulao. Todo o processo de circulao o de degradao do valor: so basicamente custos de tempo e trabalho deduzidos da valorizao anterior*.*Por isto, o capital se empenhar em encurtar ao mximo os tempos de circulao, sendo este empenho um dos fatores que impulsionaro o desenvolvimento dos meios de transporte e de telecomunicaes. Retornaremos a este ponto no Captulo 7. Por outro lado, os materiais que constituem uma mercadoria qualquer tendem a degradar-se, por efeito da Segunda Lei da Termodinmica. Neste espe*

Marx lembra tambm que se os possuidores de mercadorias no so capitalistas mas produtores diretos autnomos, ento o tempo empregado para comprar e vender uma deduo de seu tempo de trabalho e eles sempre tm procurado (tanto na Antiguidade quanto na Idade Mdia) relegar tais operaes para feriados13. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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cfico processo, o capital pode intervir, visando conservar, pelo maior tempo possvel, as condies de consumo do produto, a sua utilidade, antes da venda final. Neste caso, algum trabalho humano novo realizado sobre a matria (estocagem, por exemplo), trabalho de conservao, de conteno dos processos entrpicos naturais. Este trabalho pode parcialmente repor o valor da mercadoria, mas nada lhe acrescenta acima do que nela j fra incorporado antes, na produo. o efeito da lei de Brillouin, conforme discutimos no captulo anterior: a mercadoria, uma vez produzida, uma neguentropia concreta qual no se pode acrescentar mais neguentropia do que nela j fora incorporada antes, pelo trabalho realizado no processo imediato de produo. Marx tambm claro, neste ponto:
O valor de uso aqui no aumentado nem multiplicado, pelo contrrio, diminui. Mas sua diminuio limitada e ele preservado. Tambm o valor adiantado existente na mercadoria aqui no aumentado. Mas trabalho novo, objetivado e vivo, acrescentado12.

Semntica do valor de uso


Podemos dizer que a esfera da produo o a da transformao de neguentropia potencial em neguentropia concreta. Esta transformao se realiza atravs do trabalho neguentrpico humano, ou ao guiada por informao semntico-sinttica. Esta dupla dimenso sgnica e fsica do trabalho humano era assim percebida no tempo e nos termos de Marx:
Todo o trabalho , por um lado, dispndio de fora de trabalho do homem no sentido fisiolgico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato, gera o valor da mercadoria. Todo o trabalho , por outro lado, dispndio de fora de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho concreto til, produz valores de uso14.

Trabalho fisiolgico e trabalho til, incorporados em um mesmo sistema formado por crebro, nervos, msculos, mos do trabalhador, geram um resultado tambm de dupla natureza: o valor de uso e o valor de troca da mercadoria (o qu Marx, inclusive, considerava das suas mais importantes descobertas).
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O valor de uso de um bem remete aos hbitos e prticas de uma sociedade concreta. Ele se efetiva apenas no processo de consumo18, mas este consumo est condicionado, objetiva e subjetivamente, pelas relaes sociais nas quais esto inseridos os consumidores. O valor de uso tanto criado pela produo, pois apenas se consome o que efetivamente produzido; como cria a produo, pois se produz aquilo que, pressupe-se, ser consumido. A produo imediatamente consumo; o consumo , imediatamente, produo19:
[...] o objeto no um objeto em geral, mas um objeto determinado, que deve ser consumido de uma certa maneira, esta por sua vez mediada pela prpria produo. A fome fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come com faca ou garfo, uma fome muito distinta da que devora carne crua com unhas e dentes. A produo no produz, pois unicamente o objeto do consumo, mas tambm o modo de consumo, ou seja, no s objetiva, como subjetivamente. Logo a produo cria o consumidor [...] a produo no se limita a fornecer um objeto material necessidade, fornece ainda uma necessidade ao objeto material. Quando o consumo se liberta da sua rudeza primitiva e perde seu carter imediato [...], o prprio consumo, enquanto impulso, mediado pelo objeto. A necessidade que sente deste objeto criada pela percepo do mesmo. [...] Portanto, a produo no cria somente um objeto para o sujeito, mas tambm um sujeito para o objeto20.

O valor de uso o pressuposto da mercadoria, mas no a mercadoria. Tomemos uma mercadoria, um diamante, por exemplo, como valor de uso. No diamante no se pode notar que ele uma mercadoria. Onde quer que sirva como valor de uso, no colo de uma dama, onde tem uma finalidade esttica, na mo de um cortador de vidro, desempenhando uma funo tcnica, sempre diamante e no mercadoria15. Por isto, acrescenta Marx, o estudo do valor de uso fica alm do campo de investigao da economia poltica16, sugerindo que seria mais apropriado merceologia17.

O sujeito e o objeto se encontram no valor de uso. Neste esto incorporados os valores da sociedade e suas representaes. Os produtos, enquanto valores de uso, so signos carregados de significaes sociais, conforme estudado, entre outros, por Pierre Bourdieu 21. O trabalhador social que os produz , ele mesmo, parte desse universo de significaes e por isto pode 66
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O trabalho til, em Marx, trabalho realizado em conformidade com cdigos semnticos que exprimem as referncias da sociedade sobre si mesma. um trabalho determinado pelo conhecimento e percepes de mundo por parte do indivduo social, conhecimento e percepes transpostos e incorporados por ele ao seu objeto de trabalho, no local de trabalho. trabalho enquanto efetivao, concretizao num produto qualquer, da cultura dominante numa sociedade dada. E, ao mesmo tempo, por isto mesmo, a realizao desta cultura nos limites e nas possibilidades subjetivas do trabalhador social, em funo do seu nvel de educao, preparo profissional, informao geral etc. O fim ao qual se adqua o dispndio da fora de trabalho , em suma, aquele estabelecido pelos usos, costumes, crenas e conhecimentos da sociedade, conforme absorvidos na mente do trabalhador. E nesta absoro, alis, est encerrado o valor de uso - a qualidade - da fora de trabalho ela mesma.

realizar os produtos que suprem as carncias ou expectativas subjetivas de seus consumidores.

Sinttica do valor de troca

O tempo gasto de trabalho na produo de um valor de uso torna equivalentes, produtos diferentes. Se um metro de tecido custou x horas de trabalho para ser produzido e um litro de gasolina custou 2x horas, ento pode-se trocar dois metros de tecido por um litro de gasolina. Esta , bem resumida e esquematicamente, a essncia da teoria.

Os valores de uso, porque atendem a gostos, motivaes, necessidades diferentes, so, em princpio, de distintas qualidades e so, assim, medidos por quantidades igualmente diversas: uma dzia de bananas, um metro de tecido, um litro de gasolina etc. Nestas condies s podem ser trocados como mercadoria porque existe uma medida capaz de relacion-los: esta medida, na teoria econmica clssica (de Smith, Ricardo, Marx e seus contemporneos), o tempo de trabalho ou, no enunciado mais preciso de Marx, a quantidade de trabalho mdio socialmente necessrio para a produo dos valores de uso.

Aqui no interessa as qualidades ou habilidades prprias de um especfico trabalhador a sua incomensurvel competncia semntica - ou, mesmo, de um grupo de trabalhadores concretos. Aqui interessa, conforme o conceito lido acima, o trabalho humano igual que Marx tambm denomina trabalho humano abstrato. Explica:
Abstraindo-se da determinao da atividade produtiva e, portanto, do carter til do trabalho, resta apenas que ele um dispndio de fora humana de trabalho. Alfaiataria e

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tecelagem, apesar de serem atividades produtivas qualitativamente diferentes, so ambos dispndio produtivo de crebro, msculos, nervos, mos etc. So apenas duas formas diferentes de despender fora humana de trabalho [...] Ele dispndio da fora de trabalho simples que, em mdia, toda pessoa comum, sem desenvolvimento especial, possui em seu organismo fsico. Embora o prprio trabalho mdio simples mude seu carter, em diferentes pases ou pocas culturais, ele porm dado em uma sociedade particular22.

Isto , dadas as condies de trabalho - condies sociais, culturais, tecnolgicas etc. - todo indivduo possui na sua constituio fsica os recursos mnimos para transformar aquelas condies em trabalho concreto, em objeto trabalhado. Definida a finalidade (a utilidade a ser criada); estabelecidos os recursos (os materiais, as ferramentas e a prpria qualificao do trabalhador); conhecidas as tcnicas de usar os recursos em funo da finalidade (num nvel de desenvolvimento social); o crebro existente no corpo de qualquer indivduo pode ordenar os seus rgos de sentido e de manipulao para que realizem o trabalho conforme rotinas empricas que a experincia individual e social estabelecem como sendo, digamos, obviamente apropriadas consecuo do objetivo, na forma mais rpida, mais fcil e na qualidade desejada. Neste momento de relao direta, corprea, do trabalhador com o seu objeto, j no se coloca mais o problema da utilidade do produto, logo da prpria finalidade do trabalho. Coloca-se apenas a sua realizao, a necessidade de chegar ao seu termo, conclu-lo. Quase se pode dizer: no h mais o que pensar. fazer, como qualquer um sabe faz-lo. Percebemos que, se deste trabalho, por Marx qualificado como simples, abstrairmos (como o fez Marx) os contedos culturais inerentes mente humana e, inclusive, constituintes das prprias rotinas conforme estabelecidas e socialmente aceitas, encontraremos uma fora de trabalho que dever obedecer, ao mximo, s possibilidades imediatamente oferecidas pelos suportes materiais do trabalho: o prprio corpo humano, sua fora e destreza, as ferramentas, a matria-prima. Por isto, por esta aderncia da informao matria, o trabalho, aqui, dever ser guiado por informao sinttica. Seu cdigo pode ser complicado mas no complexo (no significado que demos a estes significantes, no Captulo ante rior): pode ser descrito em todos os seus elementos; pode ser fixado como uma rotina rigorosamente nica a ser obedecida por todos os trabalhadores envolvidos numa dada tarefa; pode ser formalizado, algoritmizado e, at, por fim, congelado nos sistemas de maquinaria. Quando isto acontece, o que era rotina emprica torna-se mtodo e conhecimento cientfico aplicado e utilizado no pro68
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cesso de trabalho. Boa parte da obra de Marx, talvez mesmo a sua essncia ltima, est dedicada exatamente a descrever e explicar como e porque se d este processo. Adiante, retornaremos a este ponto.

Trabalho vivo, trabalho morto

O capital se valoriza a partir das mercadorias que adquire para transformar no processo imediato de produo. Essas mercadorias so os materiais (insumos, instrumentos) e a fora de trabalho humana que, agora entendemos, deve ser uma unidade dialtica semntico-sinttica. Os insumos e instrumentos so matria inerte; so, nas palavras de Marx, trabalho morto ou objetivado. Por um lado, resultam de processos de trabalho anteriormente realizados. Por outro, se ainda fornecem trabalho (como o caso bvio das mquinas), trata-se de um trabalho entrpico. Logo, pelo conceito marxiano de trabalho morto, podemos entender, em termos de Teoria da Informao, neguentropia concreta: materiais j postos numa ordem que, desde ento, se nenhuma outra fora agir sobre eles, tendero esponta neamente para a degradao entrpica: componentes e peas enferrujam ou apodrecem, as mquinas se deterioram. Antes, porm, que isto possa acontecer, o trabalhador neles poder provocar transformaes neguentrpicas, isto , transformaes determinadas pelo acrscimo de informao ao material dado (no cabendo discutir aqui, o acrscimo conseqente de entropia no ambiente circundante). Este trabalho humano sobre a matria, este trabalho materialmente til, este trabalho orientado por informao semntico-sinttica, por isto mesmo muito apropriadamente percebido por Marx, como trabalho vivo.

Capital industrial

Podemos entender o capital aquele estudado por Marx - como um sistema social em processo de crescimento - auto-valorizao - que, atravs da informao contida e processada no corpo vivo do trabalhador, cria novas formas materiais - as mercadorias - a partir da energia social livre, isto , da matria socialmente transformada antes (y compris a fora de trabalho simples) que ainda pode receber trabalho e sofrer nova transformao. Por exemplo: a informao introduzida no processo imediato de produo pelo trabalhador, transforma o algodo em tecido, ou o tecido em vestido. Neste ponto, as metamorfoses da matria chegam ao seu nvel de maior ordenamento possvel, ao seu limite neguentrpico - o vestido ser usado durante um tempo, poder at ser alvo de pequenos retrabalhos adi cionais (consertos) durante esse tempo de uso, mas afinal ser jogado fora, dado aos mendigos, ou transformado em pano de cho, num processo progressivo de degradao material e sgnica.
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O trabalho, portanto, cria valor (de uso e de troca) para o capital industrial**porque o meio atravs do qual so sustentados e ampliados os seus nveis sistmicos de organizao. O valor de uso expressa, em resumo, a realizao da cultura de uma poca, nos produtos do trabalho: ele traduz, na forma concreta de uma mercadoria, a idia, a concepo que dela j se tinha antes de iniciada a sua produo real. Mas o valor de troca diz exatamente do tempo consumido entre a idia e a sua concretizao: ele indica o esforo efetivamente realizado pelo trabalhador na transformao da matria. Isto : ele mede a perda de neguentropia do prprio corpo humano - crebro, nervos, msculos, mos - durante o processo de trabalho. Esta perda - que o trabalhador neguentropicamente repe atravs dos meios de subsistncia que obtm com o seu salrio - o valor de troca da fora de trabalho.

Trabalho complexo

A teoria marxiana do valor baseia-se, pois, no dispndio de fora de trabalho simples: reduz o processo de trabalho s suas dimenses sintticas e define o valor pelo tempo de emprego produtivo deste trabalho assim rotinizado, deste trabalho subtrado ao mximo - quando em atividade imediata, quando envolvido no movimento direto da produo, quando em estado lquido - de suas potencialidades subjetivas, culturais, semnticas. A teoria no considera toda a gama de atividades sociais, de natureza intelectual, que Marx, a partir de Smith, exclui da esfera do trabalho produtivo, isto , do trabalho que valoriza o capital. Por outro lado, reconhece as diferentes qualificaes dos trabalhadores diretos, que explicariam as diversidades salariais. Porm, os valores da fora de trabalho correspondentes a cada nvel de salrio seriam, de um modo ou de outro, medidos como mltiplos do valor da fora de trabalho simples. Ao trabalho qualificado, Marx denomina trabalho complexo. No o considera relevante como objeto de estudo, tanto que explicitamente o elimina das suas preocupaes tericas**.**Por um lado, no seu entender, parecia no haver
*

** A importncia menor dada por Marx ao problema do trabalho complexo est expressa em vrias passagens de suas principais obras, como as transcritas abaixo. Em Para a crtica..., podemos ler: O trabalho simples constitui, de longe, a maior parte do trabalho total da sociedade burguesa, como se pode verificar a partir de qualquer estatstica [...] Mas como explicar, ento, o trabalho complexo, que se eleva acima do nvel mdio enquanto trabalho de maior vitalidade, de peso especfico maior? Este tipo de trabalho resolve-se em trabalho simples composto, em trabalho simples a uma potncia mais elevada, de tal maneira que, por exemplo, um dia de trabalho complexo igual a trs dias de trabalho simples. As leis que regulam esta reduo no correspondem a esta parte do nosso estudo. Mas est claro que a reduo se efetua pois, como valor de troca, o produto do trabalho mais complexo equivalente ao produto do trabalho simples mdio em determinada proporo, portanto, equiparado a uma quantia determinada deste trabalho simples24. Nos Grundrisse: O trabalho qualitativamente distinto, tambm, no apenas segundo os diversos ramos de produo, mas sim segundo a sua maior ou menor intensidade etc. Naturalmente, no possvel investigar aqui a forma

Marx denominou ao capital que lhe foi dado estudar, capital industrial: As duas formas que o valor-capital adota dentro de suas fases de circulao so de capital monetrio e capital mercadoria; sua forma correspondente fase de produo a de capital produtivo. O capital que no transcurso de seu ciclo global adota e volta a abandonar essas formas, e em cada uma cumpre a funo que lhe corresponde, o capital industrial - industrial, aqui, no sentido de que abarca todo ramo da produo conduzido de modo capitalista23.

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Como a crescente mecanizao da indstria, conforme observava Marx, tendia a suprimir inteiramente a subjetividade do trabalhador no processo de trabalho, as antigas qualificaes de ofcio estavam se reduzindo a trabalho simples desqualificado, trabalho sem mais nem mais31, que qualquer homem ou mulher pode realizar em dadas condies sociais, trabalho este que, ento, tornara-se quantitativamente dominante e empregava a maior parte da populao

ento uma quantidade numericamente expressiva de trabalhadores qualificados que justificasse um exame mais aprofundado do tema*.*Por outro lado, a noo de trabalho complexo estava ainda ligada a diferenciaes na qualidade de trabalho conforme os ofcios, seja horizontalmente, pela educao e treinamento mnimos que necessariamente distinguiriam, por exemplo, um joalheiro de um pedreiro; seja verticalmente, pelo prprio acmulo de conhecimentos e experincia que, em princpio, qualquer trabalhador poderia obter na prtica do trabalho, ao longo da vida. Tendo notado que, na etapa manufatureira do capitalismo, surgiram mas no chegaram a tornar-se quantitativa e qualitativamente dominantes os trabalhadores desqualificados - os quais eram rigorosamente excludos pelo artesanato29 - Marx parece querer chamar a ateno de seus contemporneos para a ampla difuso, por toda a indstria, quela altura, do trabalhador pouco ou nada qualificado. o que se depreende desta observao: a diferena entre trabalho superior e trabalho simples, skilled e unskilled labour, baseia-se, em parte, em meras iluses, ou pelo menos diferenas que h muito tempo cessaram de ser reais e s perduram em convenes tradicionais30.

* Em O Capital, numa nota de rodap, Marx nos fornece alguns dados: De resto, ningum deve-se iludir que o chamado skilled labour represente uma proporo quantitativamente significativa do trabalho nacional. Laing calcula que na Inglaterra (e Pas de Gales) a existncia de mais de 11 milhes baseia-se em trabalho simples. Depois de descontar 1 milho de aristocratas e 1,5 milho de mendigos, vagabundos, criminosos, prostitutas etc., da populao de 18 milhes que existia ao publicar-se a sua obra, ficam 4,65 milhes para a classe mdia, inclusive pequenos rentistas, funcionrios, escritores, artistas, professores etc. Para chegar a esses 4 2/3 milhes, ele inclui na parte trabalhadora da classe mdia, alm de banqueiros, todos os trabalhadores de fbrica mais bem remunerados!27. No famoso Captulo 13, mais um dado: Ao lado dessas classes principais, surge um pessoal numericamente insignificante que se ocupa com o controle do conjunto da maquinaria e com sua constante reparao, como engenheiros, mecnicos, marceneiros etc. uma classe mais elevada de trabalhadores, em parte com formao cientfica, em parte artesanal, externa ao crculo de operrios de fbrica e s agregada a eles. Essa diviso de trabalho puramente tcnica28.

pela qual se compensam essas diferenas e se reduz todo o trabalho a unskilled labour. Basta assinalar que essa reduo se leva a cabo de fato, quando se pem como valores os produtos de todos os tipos de trabalho. Enquanto valores so equivalentes conforme certas propores; os mesmos tipos superiores de trabalho so avaliados como trabalho simples. Isto fica claro, se refletirmos sobre o fato de que o ouro californiano, por exemplo, produto de trabalho simples. Entretanto, com ele se paga todo o tipo de trabalho. A diferena qualitativa assim abolida e, de fato, se reduz o produto de um tipo superior de trabalho a um quantum de trabalho simples25. E, nO Capital: Observamos anteriormente que para o processo de valorizao totalmente indiferente se o trabalho apropriado pelo capitalista trabalho simples, trabalho social mdio ou trabalho mais complexo, trabalho de peso especfico superior. O trabalho que vale como trabalho superior, mais complexo em face do trabalho social mdio, a exteriorizao de uma fora de trabalho na qual entram custos mais altos de formao, cuja produo custa mais tempo de trabalho e que, por isso, tem valor mais elevado que a fora de trabalho simples. [...] Qualquer que seja, porm, a diferena de grau entre o trabalho do fiandeiro e o do joalheiro, a poro de trabalho com que o joalheiro apenas repe o valor de sua prpria fora de trabalho no se distingue qualitativamente, de modo algum, da poro de trabalho adicional, com que gera mais-valia. [...] em todo processo de formao de valor, o trabalho superior sempre tem que ser reduzido a trabalho social mdio, por exemplo, uma jornada de trabalho superior x jornadas de trabalho simples. Evita-se, portanto, uma operao suprflua e simplifica-se a anlise, por meio da suposio de que o trabalhador empregado pelo capital executa trabalho social mdio simples26.

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na mais avanada das economias capitalistas do seu tempo, a Inglaterra. Logo, determinante, dialeticamente falando, da qualidade do modo de produo capitalista que lhe cabia investigar. Marx tinha como referncia - e, aqui, insistamos numa leitura semiolgica, necessria mas quase sempre ignorada - o antigo trabalhador de ofcio, o arteso que mantivera suas qualificaes mesmo sob a diviso manufatureira do trabalho, qualificaes estas que obtinha, que conquistava, obviamente, a partir, num primeiro estgio, da capacidade de trabalho comum a qualquer ser humano e, dado isto, pela vivncia, experincia, aprendizagem nas condies e exigncias de cada ofcio. Mas, ao mesmo tempo, Marx estava testemunhando a destruio dessas qualificaes, na medida em que, como veremos adiante, elas iam sendo transferidas e incorporadas s mquinas.

Outro conceito

At agora viemos tratando de alguns conceitos bsicos da crtica Economia Poltica, em Marx. Tentaremos, a seguir, inserir esses conceitos no que nos parece ser o seu sistema terico maior, o seu substrato epistemolgico, o seu projeto de Homem - com H maisculo - e de sociedade.

No mesmo Livro I de O Capital onde to detalhadamente discute a fora de trabalho simples como fonte de valor e da acumulao capitalista, encontramos o real conceito de trabalho que serve de ponto de partida a Marx:
Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operaes semelhantes s do tecelo, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construo dos favos de suas colmias. Mas o que distingue, de antemo, o pior dos arquitetos da melhor das abelhas que ele construiu o favo em sua cabea, antes de constru-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtm-se um resultado que j no incio deste existiu na imaginao do trabalhador, e portanto idealmente. Ele no apenas efetua uma transformao da forma da matria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espcie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinao no um ato isolado. Alm do esforo dos rgos que trabalham, exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta como ateno durante todo o tempo de trabalho, e isso tanto mais quanto menos esse trabalho, pelo prprio contedo e pela espcie de

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modo de sua execuo, atrai o trabalhador, portanto quanto menos ele o aproveita, como jogo de suas prprias foras fsicas e espirituais.

Os elementos simples do processo de trabalho so a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios32.

O curto pargrafo imediatamente a acima, j nos indica os limites metodolgicos de Marx, em sua mais conhecida obra: ele tratar, como objeto da Economia Poltica, do processo de trabalho em seus elementos simples, ou seja do trabalho no interior do processo imediato de produo capitalista. Mas o trabalho no somente isto, como revela o pargrafo maior anterior. Conceituando-o, nesta passagem famosa, numa forma que nos aponta para toda a riqueza semntica da informao humana, Marx nos faz perceber as palavras tecelo, arquiteto e trabalhador como intercambiveis. Ao contrrio das classificaes costumeiras da sociologia contempornea, da auto-imagem que possa fazer de si qualquer arquiteto deste fim de sculo e, da mesma forma, das fronteiras sociais com as quais se auto-descrevem os operrios fabris, Marx no parece distinguir um do outro ou, melhor, trata o arquiteto como um tipo um exemplo - de trabalhador, assim como o tecelo.

Aqui, mais uma vez, acreditamos estar diante de outra noo de Marx, como um homem de seu tempo. Ele percebia o trabalho como fonte, em princpio, do verdadeiro conhecimento social, na linha de uma tradio do pensamento europeu que remonta ao sculo XVI, conforme Paolo Rossi documentou e discutiu em seu Os filsofos e as mquinas33. Dos Seiscentos ao Oitocentos, consolidandose no sculo XIX, o pensamento europeu foi marcado por uma crescente negao do conhecimento que no tivesse origem no trabalho concreto dos engenheiros, arquitetos, navegadores, armeiros, joalheiros, alfaiates, teceles, marceneiros, construtores de mquinas e equipamentos etc. Esses artesos ou tcnicos constituam uma ampla categoria social (dentro da qual nascia a burguesia industrial europia) que, no s trabalhava com as prprias mos, como detinha empiricamente ou, no possvel, sistematizadamente, elevado conhecimento das propriedades fsico-qumicas da matria que transformavam. Esse conhecimento entrou em choque com a Filosofia dos antigos, mas serviu de base para a nova Filosofia de Bacon, Leibniz etc. Exemplo elucidativo o seguinte depoimento de Diderot sobre as fontes de informao utilizadas na elaborao da sua Enciclopdia:

Recorreu-se aos mais hbeis operrios de Paris e de toda a Frana, teve-se a preocupao de ir s suas oficinas, interrog-

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los, escrever sobre o ditado deles, desenvolver seus pensamentos, extrair deles os termos prprios sua profisso, montar quadros, defini-los, conversar com aqueles dos quais havamos obtidos relatos e (precauo quase indispensvel) retificar nas longas e freqentes conversas com uns aquilo que outros haviam explicado obscura e s vezes imperfeita mente34.

Era na condio desses hbeis operrios que, embora j os vendo em processo de acelerada desqualificao, Marx concebia o verdadeiro trabalhador. Para ele tambm, conforme (re)descobriria David Landes em seu The Unbound Prometeus, citado por Braverman, deveria ser notvel o conhecimento terico desses homens. Braverman, alis, nos fornece vrios outros testemunhos do grau de interesse e conhecimento cientfico, colado ainda a habilidades literrias, dos metalrgicos, mecnicos e teceles britnicos at, pelo menos, os anos 60 do sculo XIX35*.*

O trabalho do Homem

A qualidade de trabalhador a qualidade do ser humano. O trabalho humano - se o examinarmos alm de seus elementos simples, isto , alm das determinaes do processo imediato de produo, logo da valorizao do capital - o processo de realizao do metabolismo deste animal especial que, diferentemente dos outros animais, o realiza primeiro como projeto consciente, para ento consum-lo como conscincia projetada. O homem no homem porque trabalha. Mas porque pensa o seu trabalho, concebe-o primeiro, antecipa nas idias o seu resultado. Antes que este exista concretamente em algum futuro, existir imaginado no presente. Por isto, o trabalho humano, em princpio, no dever ser determinado por uma rgida finalidade objetivamente dada, mas, ao contrrio, dever ter esta finalidade determinada pelo seu objetivo consciente, pela sua construo inicialmente mental. O trabalho do ser humano um dos constituintes essenciais do nvel de organizao semntico no qual se insere e se distingue a nossa espcie.
*

Esta hiptese viria a ser melhor desenvolvida na minha tese de doutoramento (Os significados do trabalho, COPPE, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, 2011), no somente com base em leitura direta na traduo brasileira do livro de Landes (Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro: Record, 1994), como em outros estudos sobre as condies do trabalho industrial no sculo XIX. Confirma-se, claramente, que, nos tempos em que Marx formou sua viso de mundo (ainda na primeira metade do sculo XIX), o trabalhador adulto, termo que usa amide, um operrio altamente dotado de conhecimentos empricos e, no raro, tericos sobre os processos de trabalho. Inexistiam ento os departamentos de engenharia, logo os engenheiros. O conhecimento para a produo, ou seja o valor de uso do trabalho, estava completamente incorporado nos trabalhadores em suas oficinas. Os operrios experientes, dependendo, claro, do tipo de indstria, detinham bons rudimentos de matemtica, de comportamento de materiais, inclusive freqentavam cursos tcnicos e cientficos mantidos pelos grmios de trabalhadores ou at pelo Estado. Por conseguinte, comandavam o trabalho, nisto detendo tambm bvias posies de poder relativamente aos aprendizes, crianas, mulheres, imigrantes e outros tipos encarregados das atividades auxiliares, que Marx no se interessou em examinar... (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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O animal identifica-se com sua atividade vital. Ele no distingue a atividade de si mesmo. Ele sua atividade. O homem, porm, faz de sua atividade vital um objeto de vontade e conscincia. Ele tem uma atividade vital consciente. Ela no uma prescrio com a qual ele esteja plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais: s por esta razo, ele um ente-espcie. Ou antes, apenas um ser autoconsciente, isto , sua prpria vida um objeto para ele, porque ele um ente-espcie. S por isso, a sua atividade livre [...] A construo prtica de um mundo objetivo, a manipulao da natureza inorgnica, a confirmao do homem como um ente-espcie consciente, isto , um ser que trata a espcie como seu prprio ser ou a si mesmo como um ser-espcie36.

Se os animais produzem dominados por suas necessidades imediatas, conforme um programa gentico relativamente rgido que Marx, na falta de outro termo, denomina prescries, mas que ns podemos identificar como cdigos sintticos; o homem produz verdadeiramente como Homem, quando no est dominado por suas necessidades imediatas, quando no se v compelido e limitado a apenas atend-las. O animal s logra sobreviver pela relao simbitica com o seu meio natural imediato, contando com o produto j quase pronto para o seu consumo, espera apenas da manifestao de sua necessidade. J o homem pode produzir o que necessita, livre diante do meio porque livre para transformar o meio:
Sem dvida os animais tambm produzem. Eles constroem ninhos e habitaes, como no caso das abelhas, castores, formigas etc. Porm, s produzem o estritamente indispensvel a si ou aos filhotes. S produzem em uma nica direo, enquanto o homem produz universalmente. S produzem sob a compulso de necessidade fsica direta, ao passo que o homem produz quando livre de necessidade fsica e s produz na verdade, quando livre dessa necessidade. Os animais s produzem a si mesmos, enquanto o homem reproduz toda a natureza. Os frutos da produo animal pertencem diretamente a seus corpos fsicos, ao passo que o homem livre ante seu produto37.
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Tempo disponvel
Da porque a verdadeira riqueza, para Marx, no pode ser o fruto do trabalho, sempre que este aprisione o homem ao seu produto, subordine-o ao atendimento de necessidades imediatas, reduza-o a cumprir rotinas sintticas, como as prescries de qualquer animal. A verdadeira riqueza do homem a plena realizao de seu universo semntico, apenas inteiramente possvel se o seu tempo foi liberado das obrigaes para com as suas necessidades, se o seu tempo est disponvel para as realizaes do seu esprito. O conceito de tempo disponvel, ou tempo livre, foi desenvolvido por Marx quase somente nos Grundrisse. Trata-se de tempo para o desenvolvimento pleno do indivduo, tempo tanto para o cio, como para atividades superiores que transforma o trabalhador num outro indivduo [...] em cujo intelecto est presente o saber acumulado da sociedade38. Aqui, Marx remete evidentemente a Aristteles, autor, alis, que cita amide. Este pensador grego percebia que as artes, a poltica, a filosofia s podiam evoluir se uma parte da sociedade era liberada do trabalho para dedicar-se ao conhecimento. As cincias, escreveu, se desenvolviam primeiramente naquelas regies onde [os homens] viviam no cio [como por exemplo] em vrias partes do Egito [onde] se organizaram pela primeira vez as artes matemticas, porque a se consentiu que a casta sacerdotal vivesse no cio39.

Marx quase repete as mesmas palavras: Com relao a toda a sociedade, a criao de tempo disponvel tambm, pois, criao de tempo para a produo cientfica, artstica etc., lemos nos Grundrisse40. O cio, tanto em Marx, quanto em Aristteles, no se confunde necessariamente com vagabundagem ou formas dissipadas de levar a vida. Ao contrrio, consiste na condio inicial para uma atividade criativa, para a produo do saber:
[...] para que o trabalho seja atrativo, auto-realizao do indivduo, o que de modo algum significa que seja mera diverso, mero entretenimento [...] os trabalhos realmente livres, como por exemplo a composio musical, so, ao mesmo tempo, condenadamente srios, exigem o mais intenso dos esforos. O trabalho de produo material somente pode adquirir este carter 1) se est colocado o seu carter social; 2) se de ndole cientfica, ou trabalho geral, no esforo do homem enquanto fora natural adestrada de determinada maneira, mas como sujeito que se apresenta diante do processo de produo, no sob uma forma meramente natural,

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espontnea, mas sim como atividade que regula todas as foras da natureza41.

Para Aristteles, essa fora natural adestrada era o escravo, ou instrumento animado, capaz de perfazer o que seria impossvel esperar dos instrumentos artificiais:

Se cada instrumento pudesse executar por si mesmo a vontade ou inteno do agente, como faziam, dizem, as marionetes de Ddalo ou os trips de Vulcano, que vinham por si mesmos, segundo Homero, aos embates dos deuses, se a lanadeira tecesse sozinha a tela, se o arco tirasse sozinho de uma ctara o som desejado, os arquitetos no precisariam de operrios, nem os mestres de escravos42*.*

Pois Marx percebeu que o escravo moderno - o proletariado industrial - poderia talvez esperar, graas cincia e tecnologia desenvolvidas pelo modo de produo capitalista, ver moverem-se sozinhas as forjas e lanadeiras. O capital anunciou o tempo no qual a sociedade trabalhadora se relaciona cientificamente com o processo de sua reproduo progressiva, de sua reproduo em crescente plenitude, por conseguinte deixando de existir o trabalho no qual o homem faz o que pode lograr que as coisas faam em seu lugar46. A sociedade trabalhadora sublinhamos esta expresso - porque, dotada do conhecimento para a produo, conforme estava implcito no conceito moderno de trabalhador, era ela que, ao fim e ao cabo, se beneficiaria, na produo e no consumo, do crescente tempo livre que o prprio capital, esta contradio em processo47, lhe proporcionaria, na medida em que suprimisse o trabalho e, com ele, as relaes capitalistas de produo.

Alienao do trabalhador

Mas no se trata apenas de delegar ao progresso cientfico e tecnolgico, espontaneamente, essa tarefa de promover a libertao e felicidade de homens e mulheres. A evoluo do modo de produo capitalista deveria ampliar o tempo livre de toda a sociedade mas tal seria uma condio necessria, porm no suficiente, para a plena realizao de toda a potencialidade intelectual e histrica do ser humano. H um outro importantssimo aspecto, talvez decisivo, porm freqentemente olvidado, a bloquear a humanizao do Homem: o trabalhador - o ser hu*

Esta passagem tambm citada por Marx43, Lafargue44 e Ducass45.

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mano produtor da sua prpria natureza nas sociedades modernas - veio sendo alienado pelo capital, tanto do resultado, quanto do seu prprio trabalho*.*
O que constitui a alienao do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo ao trabalhador, no fazer parte de sua natureza e, por conseguinte, ele no se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, no desenvolver livremente suas energias mentais e fsicas mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido [...] Seu trabalho no voluntrio, porm imposto, trabalho forado. Ele no a satisfao de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. [...] Por fim o carter exteriorizado do trabalho para o trabalhador demonstrado por no ser o trabalho dele mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele no se pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa49.

Tendo sempre em mente que Marx no est falando de um trabalhador qualquer, mas de um indivduo social concebido tcita e teoricamente como produtor imediato de valores de uso e do conhecimento (para a produo e para o consumo) incorporado nesses valores de uso, encontramos no processo de alienao o germe da progressiva absoro daquele conhecimento pelo capital e, conseqentemente, da progressiva desqualificao do trabalhador, da sua reduo a indivduo redundante, excedente, fungvel, subordinado. O produto do seu trabalho no mais lhe pertence, mas pertence a outro homem que no o trabalhador50.
Assim, graas ao trabalho alienado o trabalhador cria a relao de outro homem que no trabalha e est fora do processo de trabalho, com o seu prprio trabalho. A relao do trabalhador com o trabalho tambm provoca a relao do capitalista [...] com o trabalho. A propriedade privada , portanto, o produto, o resultado inevitvel, do trabalho alie-

verdade que a discusso direta da alienao, to presente no jovem Marx, quase que desaparece nas suas obras mais maduras. Porm, concordamos com Harrington quando diz que sua viso, seus valores fundamentais, persistiram por toda a vida48. A alienao, bem como outras categorias melhor desenvolvidas nos manuscritos produzidos por Marx antes de mergulhar, com quase exclusividade, no estudo da Economia Poltica, est subjacente a conceitos fundamentais expostos em O Capital. Orientou, no geral, as suas anlises, embora no precisasse ser a todo instante relembrada. Se ningum pode afirmar com segurana, podemos ao menos nos questionar sobre quais teriam sido os rumos tericos do chamado marxismo se obras como os Manuscritos..., a Ideologia alem, os Grundrisse, entre outras, tivessem sido estudadas por Kautski, Rosa Luxemburgo, Lnin, Lukcs, Gramsci, Bernstein etc. As polmicas, obviamente, no teriam sido evitadas, mas o que veio a consolidar-se como o paradigma marxista seria provavelmente diferente.
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nado, da relao externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo. [A propriedade privada ] produto do trabalho alienado, por outro lado, o meio pelo qual o trabalho alienado, a realizao dessa alienao51.

Se o trabalho condio natural da existncia, a propriedade privada tornase o meio de sobrepor condies a esta condio. Basicamente, ela torna escasso o instrumento e o objeto do trabalho. Ela impe a algum que pea licena a outrem para poder trabalhar. A concesso da licena define as condies do trabalho. Como esclarece Robert Heilbroner, a essncia do trabalho que a realizao das tarefas esteja subordinada ao direito de alguns membros da sociedade em recusar o acesso de outros aos recursos vitais52. Por isto, se por um lado, o desenvolvimento cientfico-tcnico ir progressivamente liberando o homem do trabalho imediato, por outro, poder criar uma nova dependncia alienada, se no se fizer acompanhar da supresso da propriedade privada. Assim como o servo libertou-se da dominao feudal apenas para cair, transformado em operrio, sob o domnio do capital industrial, o trabalhador industrial no poderia vir a ser um indivduo social pleno em alguma outra sociedade futura, se nesta subsistissem os direitos de alguns para conceder, ou no, os meios de sobrevivncia a outros. A propriedade privada reduz o homem a simplesmente um trabalhador53 e o itlico de Marx, aqui, significativo. No mais o trabalhador, o homem no gozo de todas as suas potencialidades, mas um trabalhador, o homem venal, reduzido utilidade que lhe dada pelo capital e cujas necessidades, portanto, reduzem-se necessidade de mant-lo durante o trabalho, de molde a no se extinguir a raa dos trabalhadores54.

Quer nos parecer que, nas suas obras mais maduras, sobretudo nO Capital, Marx nada mais far (e este nada mais demais!) do que demonstrar e documentar, emprica e teoricamente, todo o processo de animalizao, ou instrumentalizao, ou - com licena para o neologismo - sintatizao, do homem trabalhador, processo este que, ao mesmo tempo, dialeticamente, deveria ser uma etapa histrica necessria prpria libertao do Homem, pela superao objetiva (determinada pela lgica inerente ao capital), da sua aristotlica condio de instrumento vivo de trabalho. Mas esta libertao exigiria, em algum momento, a Revoluo, a interveno consciente do Homem nos rumos da sua Histria. Caso contrrio mas Marx no parece querer diz-lo - de instrumento ainda necessrio, o trabalhador, vale dizer, o Homem ele mesmo, acabaria reduzido, ou se reduzindo... a sucata. A crtica de Marx Economia Poltica reside substancialmente a: Smith, Ricardo e outros perceberam o trabalho como fato central da economia e da soTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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ciedade industrial ento emergente, mas no avanaram, em suas anlises, at o exame da apropriao pelo capital da dimenso semntica do trabalho, expressa na desqualificao do trabalhador como produtor de saber, de conhecimento cientfico-tcnico. Intelectuais orgnicos do capital, precisavam justificar a condio qual o trabalho fra reduzido ao longo dos sculos XVIII e XIX:
O fato de o aumento das necessidades e dos meios de satisfaz-las resultar em uma falta de atendimento das necessidades e meios de satisfaz-las, demonstrado de vrias maneiras pelo economista [...]. Primeiramente, reduzindo as necessidades do trabalhador s mseras exigncias ditadas pela manuteno de sua existncia fsica e reduzindo as atividades dele aos movimentos mecnicos mais abstratos, o economista assegura que o homem no tem necessidade de atividade ou prazer alm daquelas; [...] ele transforma o trabalhador em um ser destitudo de sentidos e necessidades [...] Sua tese principal a renncia vida e s necessidades humanas[...] Quanto menos se for, quanto menos se exprimir nossa vida, tanto mais se ter, tanto maior ser a nossa vida alienada e maior ser a economia de nosso ser alienado. Tudo o que o economista tira da gente sob a forma de vida e humanidade, devolve sob a de dinheiro e riqueza [...] O trabalhador deve ter apenas o que lhe necessrio para desejar viver, e deve desejar viver para ter isso55.

Trabalho excedente
Se, por um lado, o trabalhador deve desejar ter apenas o que lhe for necessrio para viver; por outro, deve desejar viver para produzir o excedente desejado e ansiosamente consumido pela contraface no trabalhadora da so ciedade. Em todas as sociedades pr-capitalistas, j vimos, era assim: a minoria que vivia no cio consumia os produtos do trabalho para ela realizados por escravos, camponeses, artesos e mercadores. Mas, a rigor, nessas sociedades quase no se produzia para o mercado, isto , quase no se gerava excedentes: a maior parte da produo, inclusive roupas e adereos, sem falar nos alimentos e instrumentos, era consumida na prpria unidade econmica que a produzia: os antigos latifundia, as comunas asiticas, os feudos medievais etc. A casa era local de moradia, mas tambm de trabalho e produo. Administrar a casa na maioria dos casos, um stio, fazenda ou outra extenso territorial ainda maior - era administrar o que nela se produzia, 80
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inclusive os que nela viviam para produzir: escravos, servos e outros auxiliares. Da que o grego oikonoma, ou seja, administrao domstica, tenha gerado Economia (Economics, conomie), em quase todas as lnguas europias.

Para repor as suas energias fsicas e psquicas, basta ao trabalhador realizar trabalho (neguentropicamente) necessrio, ou seja: despender apenas o tempo de trabalho que lhe seria suficiente para recuperar a energia dissipada no trabalho mesmo, e nas suas outras atividades vitais e sociais. Mas para o capital crescer, o trabalhador precisar realizar um trabalho excedente ocupar, trabalhando, um tempo extra e naturalmente desnecessrio, o qual constituir a mais-valia: valor acrescentado pelo trabalho matria que pe em forma, porm apropriado pelo capital. Sublinhemos, mais uma vez, que ser somente devido propriedade privada capitalista sobre os meios e objetos de trabalho, que o trabalhador concordar em fornecer este tempo de trabalho excedente, em troca de poder dedicarse a um tempo de trabalho necessrio. Por isto, na propriedade privada capitalista reside o n central de todo o desequilbrio sistmico deste modo de produo. Enquanto ela sobrexistir, mais e mais desequilibrado ser o capitalismo; cada vez
*

O capital no pode existir sem que haja trabalho vivo para sugar. E, para crescer, necessita cultivar trabalho vivo, assim como as formigas so impelidas faina incessante de colher folhas e detritos, a fim de alimentar, no a si mesmas, mas os fungos dos quais, por sua vez, se alimentam.

Nessas condies, o trabalhador, como qualquer outro ser biolgico, no realizava muito mais do que apenas o trabalho neguentropicamente necessrio, a ele e sua famlia que inclua, porque dela era parte, aquela do seu senhor. Vivia-se em um equilbrio relativo (metastvel), que o capitalismo industrial veio romper dramaticamente. Esta pode ter sido uma das mais geniais intuies de Marx: ele percebe e assinala, j no Manifesto Comunista, que o capitalismo movido pela necessidade imperiosa de crescer. Trata-se de um sistema em desequilbrio que se sustenta incrementando desequilbrio*.*E se a neguentropia do leo depende da zebra, a neguentropia do capital depende do trabalho humano: O capital trabalho morto que apenas se reanima, maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo, e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa56.

Nas primeiras dcadas do sculo XX, o paradigma do equilbrio era de tal modo dominante nas cincias fsicas e sociais como o atestam, entre outras escolas de pensamento, a Economia neoclssica de Walras e a Psicanlise de Freud que tericos marxistas tambm pareciam preocupados em demonstrar a possvel associao entre a teoria de Marx e o princpio geral do equilbrio. J apontamos isto em Bogdnov, mas podemos registr-lo, tambm, em Rubin57, que chega a ser enftico neste aspecto. Acredito ser possvel um outro enfoque. Marx, como pensador do sculo XIX entretanto dialtico -, parecia antecipar, assim como tambm o seu contemporneo Maxwell, quando nos lega a provocao anti-entrpica do seu demnio, isto que viria a ser um dos principais avanos cientficos e epistemolgicos da segunda metade do sculo XX: o estudo dos sistemas longe do equilbrio, tal como o , mais do que qualquer outro, o regime capitalista de produo e consumo (esta nota foi acrescenta na reviso de 1999). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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mais graves sero tambm as suas conseqncias em pobreza, violncia, excluso, poluio. Trata-se, aqui, da sua contraparte entrpica necessria...

O tempo o limite

Como o capital cresce sugando tempo excedente de trabalho, precisa, para crescer ainda mais, ampliar este tempo. E, aqui, defronta-se, para comear, com uma barreira intransponvel: o dia de 24 horas. Mesmo se fosse possvel, ao trabalho vivo, trabalhar dia aps dia, todas as horas do dia, no lhe seria possvel trabalhar mais do que 24 horas, a cada dia. Este seria o limite mximo, insupervel, para a extenso do tempo de trabalho excedente.

Mas, claro, o capital precisa tambm conceder tempo ao trabalho necessrio. O trabalhador precisa dormir, precisa se alimentar, precisa de um tempinho para a feira, at para o sexo e reproduo. Daquelas 24 horas, o capital precisar deduzir seis horas, sete horas, dez horas, minimamente necessrias reproduo do trabalho necessrio. Logo, o tempo excedente, no pode superar 12, 14, 16, 20 horas, jamais chegando a 24 horas.

Por fim, o trabalhador humano tem tambm os seus desejos, os seus sonhos, suas ambies e a prpria sociedade, na sua evoluo e busca por direitos e justia, tende a, cada vez mais, rejeitar prticas escorchantes e degradantes de explorao do trabalho. Aos poucos, vo sendo fixados limites polticos ao tempo total de trabalho, da se impondo novas barreiras, sociais e culturais, extenso do tempo de trabalho excedente.
[...] a jornada de trabalho possui um limite mximo. Ela no , a partir de certo limite, mais prolongvel. Esse limite mximo duplamente determinado. Uma vez pela limitao fsica da fora de trabalho. Uma pessoa pode, durante o dia natural de 24 horas, despender apenas determinado quantum de fora vital. Dessa forma, um cavalo pode trabalhar, um dia aps outro, somente 8 horas. Durante parte do dia, a fora precisa repousar, dormir, durante outra parte a pessoa tem outras necessidades fsicas a satisfazer, alimentar-se, limpar-se, vestir-se etc. Alm desse limite puramente fsico, o prolongamento da jornada de trabalho esbarra em limites morais. O trabalhador precisa de tempo para satisfazer a necessidades espirituais e sociais, cuja extenso e nmero so determinados pelo nvel geral de cultura. A variao da jornada de trabalho se move, portanto, dentro de barreiras fsicas e so ciais58.

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Mas esta lgica conduz a outro limite. Marx, no Caderno III dos Grundrisse59, observou que, se o capital multiplica, por qualquer fator que seja, a produtividade da fora de trabalho, ele somente acrescenta uma frao proporcional ao tempo de trabalho excedente, porque o tempo total, ao fim e ao cabo, estar sempre contido na barreira absoluta do dia de 24 horas (alm das outras barreiras de natureza fsica e social). Por exemplo: se a produtividade do trabalho duplica, o tempo necessrio cai metade (), e o tempo excedente, portanto, somente pode ser acrescido da outra metade (). Uma nova duplicao da produtividade do trabalho, levar o tempo necessrio a cair a , e o excedente tambm a se acrescer em apenas a metade da metade ante rior, isto , igualmente em . Nova duplicao, e o tempo necessrio ser de 1/8, e o excedente se acrescentar tambm em 1/8. Assim sucessivamente, at um ponto em que o acrscimo de tempo excedente corresponder a infinitsimos dos acrscimos anteriores, bem como o tempo necessrio j ter sido reduzido a uma frao completamente desprezvel do tempo total de trabalho. Ento, trabalho e mais-valia se extinguiriam.
[...] quanto mais desenvolvido esteja o capital, quanto mais haja criado mais-trabalho, tanto mais formidavelmente ter que desenvolver a fora produtiva para se valorizar a si mesmo numa nfima proporo, vale dizer, para agregar mais-valia, porque a sua barreira sempre a proporo entre a frao do dia que expressa o trabalho necessrio e a jornada inteira de trabalho. Somente se pode mover dentro
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Premido a estender o tempo de trabalho excedente, o capital no encontrar outra sada para a superao de todas aquelas barreiras, que no seja incrementando a produtividade do trabalho, de modo a fazer com que menos tempo de trabalho seja necessrio para recompor a neguentropia do trabalhador e, assim, permiti-lo conceder mais tempo ao trabalho excedente. Se o tempo necessrio for de meia jornada (8 horas, numa jornada inteira, digamos, de 16 horas), o capital tentar reduzi-lo metade (4 horas), assegurando que esta metade seja neguentropicamente equivalente quela meia jornada anterior. Desta forma, a outra meia jornada (8 horas) de tempo excedente, poder ser acrescida em mais 4 horas. Se o tempo necessrio j tiver sido reduzido a 4 horas, o capital tentar reduzi-lo a 2 horas, logrando acrescentar mais 2 horas ao tempo excedente. Tal evoluo ser possvel porque o capital passa a introduzir mecanismos automticos (autmatos) no processo de trabalho, tornando-o cada vez mais dominado pela cincia e tecnologia. A mais-valia absoluta (aprisionada rigidamente ao dia de 24 horas) cede lugar mais-valia relativa (liberada, at certo ponto, de barreiras fsicas e sociais). E comea a se elevar a composio orgnica do capital, dada pela proporo entre trabalho morto e trabalho vivo, por unidade de produto.

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O limite de Marx, por Marx

deste limite. Quanto menor j seja a frao que corresponde ao trabalho necessrio, quanto maior seja o mais-trabalho, tanto menos pode qualquer incremento da fora produtiva reduzir sensivelmente o trabalho necessrio, j que o denominador cresceu enormemente. A autovalorizao do capital vai se tornando mais difcil, na medida em que j esteja valorizado. O incremento das foras produtivas chegaria a ser indiferente para o capital; idntica valorizao, pois suas propores se tornariam mnimas; e deixaria de ser capital60.

Seria portanto esta lgica de acumulao que impeliria o capital - na medida em que incrementasse, de modo cada vez mais veloz, voraz e mesmo desesperado, a produtividade do trabalho - crescente mecanizao das atividades fabris, substituindo trabalho vivo por trabalho morto na produo imediata de valores de uso. Seria esta a lgica que fez rodar o eixo dos 150 ltimos anos da histria, durante os quais o capital foi levado s suas formas atuais de produzir e acumular. Devido tambm a esta mesma lgica (e confirmando-a por inteiro), parece-nos evidente que estamos diante de um amplo conjunto de fenmenos sociais e histricos novos, desconhecidos poca de Marx. Sabemos, desde Kuhn61, que diante de fenmenos novos, podemos paradigmaticamente adotar duas alternativas. A primeira, consiste em assumir que o paradigma aceito fornece-lhes respostas, reduzindo o problema a tentar encontr-las. Tal significa, pratica e teoricamente, no identificar ou no reconhecer os novos fenmenos como parte de um processo essencialmente distinto daquele explicado pelo paradigma vigente. A segunda alternativa, se for o caso, vai considerar esgotado o paradigma, porque esgotadas as possibilidades de, dentro dele, tanto formular perguntas legtimas, quanto encontrar respostas adequadas. Esta sempre uma opo mais difcil, pelos conflitos que pode gerar, e pela prudncia que necessariamente reclama. Entretanto, o que ainda mais deveria enobrecer Marx aos nossos olhos contemporneos, bem como tornar mais tranqilo o nosso caminho, a clarividncia que demonstrou, como pensador, ao apontar e demarcar os limites tericos e prticos de sua prpria teoria do valor-trabalho - a hora em que o seu prprio paradigma estaria esgotado, como conseqncia inevitvel de toda argumentao que explanamos acima:

O intercmbio de trabalho vivo por trabalho objetivado, quer dizer, pr o trabalho social sob a forma antittica de

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capital e trabalho, o desenvolvimento final da relao de valor e da produo fundada no valor. O pressuposto desta produo , e segue sendo, a magnitude do tempo imediato de trabalho, a quantidade de trabalho empregado como fator decisivo na produo da riqueza. Porm, na medida em que a grande indstria se desenvolve, a criao de riqueza efetiva se torna menos dependente do tempo de trabalho e do quantum de trabalho empregados, que dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder por seu turno [...] que no guarda nenhuma relao com o tempo de trabalho imediato que custa a sua produo, mas sim depende do estado geral da cincia e do progresso da tecnologia, ou da aplicao da cincia produ o62.

E, em conseqncia:

To pronto o trabalho, em sua forma imediata, cesse de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem que deixar, de ser sua medida e portanto o valor de troca [deixa de ser a medida] do valor de uso. O plus-trabalho da massa deixa de ser a condio para o desenvolvimento da riqueza social, assim como o no-trabalho de uns poucos deixa de s-lo para o desenvolvimento dos poderes gerais do intelecto humano. Assim se desmonta a produo fundada no valor de troca e o processo de produo material imediato perde sua forma de necessidade premente e de antagonismo. Desenvolvimento livre das individualidades e, por tanto, no reduo do tempo de trabalho necessrio visando ampliar o mais-trabalho, mas sim [visando] reduzir, no geral, o trabalho necessrio da sociedade a um mnimo, ao qual corresponde, ento, a formao artstica, cientfica etc., dos indivduos graas ao tempo que se torna livre e aos meios criados para todos. O capital mesmo a contradio em processo [porque] por um lado desperta para a vida todos os poderes da cincia e da natureza, assim como da cooperao e do intercmbio sociais, fazendo com que a criao de riquezas seja (relativamente) independente do tempo de trabalho nela empregado. Por outro lado, se prope a medir com o tempo de trabalho essas gigantescas foras sociais [por ele] criadas e a reduzi-las aos limites requeridos para que o valor criado se conserve

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como valor. [Mas assim apenas cria] as condies para fazer saltar as suas bases pelos ares63.

Ainda que essas projees no tenham sido retomadas nO Capital, elas se demonstram de acordo com o conjunto da teoria, conforme discutido por Rodolski64 e Harrington65, entre outros. A teoria do valor-trabalho de Marx define, ela mesma, os seus limites. Atravs dela, ele explicou todo o processo histrico durante o qual o saber para a produo, antes detido e realizado pelo trabalhador - o arquiteto, o tecelo - veio sendo absorvido e incorporado pelo capital, at que este deve desmoronar porque j no pode e no precisa mais empregar trabalho vivo na quantidade necessria extrao de mais-valia suficiente para a sua auto-valorizao. Como a valorizao se d no processo imediato de produo, no emprego dialtico do trabalho como valor de uso e valor de troca, na medida em que o valor de uso - o conhecimento necessrio para pr-conceber a forma da matria que ser posta como mercadoria - vai sendo incorporado em sistemas scio-tcnicos de maquinaria, atravs de processos informacionais objetivos cada vez mais distanciados e alheios ao organismo vivo - crebro, nervos, msculos, sentidos - do trabalhador direto; na mesma medida, a capacidade fisiolgica do trabalhador para ordenar sintaticamente o seu corpo - o seu valor de troca - vai perdendo utilidade para o capital. Assim que o manejo da ferramenta passa mquina, extingue-se, com o valor de uso, o valor de troca da fora de trabalho, afirma Marx66. Segmento industrial ps segmento industrial reduzem as suas compras da mercadoria fora de trabalho. verdade que, ao mesmo tempo, porque assim rebaixam os valores de troca de suas mercadorias, promovem o surgimento de novos segmentos que, re-empregando a fora de trabalho, asseguram a valorizao do capital industrial como um todo. Mas este processo, como todo processo sistmico, tem um limite. Talvez estejamos tendo conscincia dele agora, depois que irrompeu como um vulco pela crosta da sociedade, a revoluo informacional que vinha se agitando como um magma incandescente, em suas entranhas. Com a informao tornando-se fora produtiva imediata, conforme o discutiremos melhor no prximo captulo, o processo de produo cessa de ser processo de trabalho no sentido de ser controlado pelo trabalho como unidade dominante e o produto deixa de ser produto do trabalho imediato. O trabalho se apresenta, apenas, como um rgo consciente, disperso do sistema mecnico, como um membro do sistema cuja unidade j no existe nos operrios vivos, ou seja, no existe enquanto relao dialtica semntico-sinttica do trabalhador com a natureza em transformao. O trabalho no est mais recluso no processo de produo, no qual o homem se comporta como supervisor e regulador, colocando-se ao lado do processo de produo, em lugar de ser o seu agente
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principal67. O trabalho humano transferido para o sistema de maquinaria. A partir do momento em que a mquina de trabalho executa todos os movimentos necessrios ao processamento da matria-prima sem ajuda humana, precisando apenas de assistncia humana, temos um sistema de maquinaria automtico, capaz de ser continuadamente aperfeioado em seus detalhes68. E o trabalhador sem mais nem mais, se ainda sobrevive como uma massa indiferenciada de indivduos empricos que dividem o tempo entre as rotinas de um pseudo-trabalho e as rotinas da programao televisiva; se ainda continua a ser motivo de interesse para a sociologia positiva; ou, por fim, se permanece como representao e frustrada esperana das mitologias revolucionrias do sculo XX; esta pessoa social limitada no passa, a esta altura, historicamente (e j h muitas dcadas), de um elo secundrio do sistema produtivo, admitido ao seu lado para vigi-lo, regul-lo, ou aliment-lo. Nas palavras precisas de Marx, para dar-lhe assistncia. No ele, embora herdeiro do significante trabalhador, quem, de fato, trabalha. So as marionetes de Ddalo...

A cincia sai da produo

No processo imediato de produo, o trabalhador, com seu crebro, nervos, msculos, movimenta diretamente ferramentas e materiais, conforme a sua vontade, ainda que esta vontade esteja determinada e limitada pela totalidade do processo. Na produo informacional (cientfico-tcnica), o movimento de ferramentas e de materiais , na maior parte e no essencial, realizado por trabalho morto. A transformao material imediata quase toda transferida para os sistemas de maquinaria - como Marx se refere s unidades scio-tcnicas constitudas por motores de fora, meios de transmisso e ferramentas de trabalho -, eventualmente observados e assistidos por operadores humanos. Na produo imediata, o movimento e a transformao dependem, de modo determinante, do estoque de conhecimentos, da unidade semntico-sinttica, contida no sistema corpreo do trabalhador, principalmente no seu crebro. Na produo informacional, o sistema de maquinaria , ele mesmo - na qualidade dos materiais que o compem, nas possibilidades de seus movimentos, nos formatos de suas engrenagens - o conhecimento congelado estritamente necessrio produo. Este conhecimento saiu da mente do trabalhador imediato e est cristalizado na mquina. Um alto-forno, por exemplo, o resultado de estudos, pesquisas, clculos que especificam os tipos e combinaes de materiais que o revestiro; os tipos e combinaes de materiais que nele sero transformados; as temperaturas, os pesos, os tempos e outras medidas de operao; os pontos de entrada e sada de materiais; os tamanhos e formatos de vlvulas, medidores etc. Nele est todo o conhecimento para a produo, posto em forma de coisa material - reificado. Fora dele, pode restar ainda, para ser realizado pelo sistema corpreo de alguns indivduos, operaes menores de detalhe, de rotina,
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que lhe assistem, lhe servem, ao lhe carregar ou descarregar matrias-primas, ao lhe abrir ou fechar vlvulas sob condies prescritas, ao lhe atender prontamente, no caso de alguma disfuno, ou rudo. O processo histrico que retirou da conscincia do trabalhador imediato o conhecimento para a produo e, passando pela etapa manufatureira da indstria, o congelou, atravs da cincia, no sistema de maquinaria, resumido, num pargrafo, por Marx:
Os conhecimentos, a compreenso e a vontade que o campons ou arteso autnomo desenvolvem mesmo que em pequena escala [...] agora passam a ser exigidos apenas pela oficina em seu conjunto. As potncias intelectuais da produo ampliam sua escala por um lado, porque desaparecem por muitos lados. O que os trabalhadores parciais perdem concentra-se no capital com que se defrontam. um produto da diviso manufatureira do trabalho opor-lhes as foras intelectuais do processo material de produo como propriedade alheia e poder que os domina. Esse processo de dissociao comea na cooperao simples, em que o capitalista representa em face dos trabalhadores individuais a unidade e a vontade do corpo social de trabalho. O processo desenvolve-se na manufatura que mutila o trabalhador, convertendo-o em trabalhador parcial. Ele se completa na grande indstria, que separa do trabalho a cincia como potncia autnoma de produo e a fora a servir ao capital69.

A cincia no introduzida de fora no processo imediato de produo. Ela sai de dentro dele, ela retirada dele. O sistema de maquinaria resulta da anlise do trabalho, isto , da sua sistematizao, a partir da experincia acumulada nos locais de produo, conforme detalhada e definitivamente descrito no captulo XIII do Livro I: O processo global [de trabalho] [...] considerado objetivamente, em si e por si, analisado em fases constituintes, e o problema de levar a cabo cada processo parcial e de combinar os diversos processos parciais resolvido por meio da aplicao tcnica da Mecnica, Qumica etc., no que naturalmente, a concepo terica precisa ser depois como antes aperfeioada pela experincia prtica acumulada em larga escala70. Mais adiante:
Como maquinaria, o meio de trabalho adquire um modo de existncia material que pressupe a substituio da fora hu-

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mana por foras sociais e da rotina emprica pela aplicao consciente das cin cias da Natureza71.

Marx se refere mecnica e, tambm, qumica. Uma diria das operaes fsicas necessrias gerao e transmisso de energia, e mudana nas formas externas dos materiais. A outra, das operaes de transformao mesma da matria. A oficina fabricante de alfinetes que, at hoje, tanto freqenta o nosso imaginrio, realizaria, sobretudo, operaes mecnicas. Uma forjaria, ou uma tinturaria (no sentido original do termo), ainda que atravs de rotinas empricas (hoje diramos, conhecimento tcito), realizavam transformaes qumicas. Todo esse conhecimento vai sendo socialmente absorvido fora do processo imediato de produo, retornando depois a ele codificado (conscientemente aplicado), na forma de um sistema objetivo que, agora, prescinde do trabalho imediato, pois o substitui vantajosamente. Anlise do trabalho, pois, no conceito de Marx, toda a compreenso e formalizao dos processos de transformao da matria que o trabalho realiza, ou realizava. Esta compreenso e formalizao realizada atravs de mtodos e meios que Marx no se preocupou em estudar, mas situou claramente fora do processo imediato de produo, isto , fora do processo de valorizao real do capital, tal como o examinou. So os mtodos e meios do trabalho cientfico e tecnolgico vale dizer, informacional.

O trabalho cientfico

Marx define a atividade cientfica como trabalho geral [...] condicionado em parte pela cooperao com viventes, em parte pela utilizao dos trabalhos de antecessores. Este trabalho distinto do trabalho comum que supe cooperao direta dos indiv duos74. A cincia produzida no tempo socialmente disponvel, aquele que, ao longo da histria, o trabalho de uns veio criando para o no-trabalho de outros. No sistema terico de Marx, a atividade cientfica, embora contribua para a riqueza geral da sociedade, no gera valor para o capital e no custa nada para o capitalista75, o mesmo se podendo dizer das demais ativiTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

O trabalho cientfico uma atividade humana eminentemente social porque o significado humano da natureza s existe para o homem social, porque s neste caso a natureza um lao com outros homens, a base de sua existncia para outros e da existncia destes para ele72. Mesmo que individualmente realizada, como costumava a s-lo no tempo de Marx, quando, registra ele, raramente poderia ser conduzida em associao direta com outros homens73, a atividade cientfica social por ser humana, por ser o elo daquela troca entre o homem social e a natureza, por ser determinada pelas condies, pelas necessidades, pelo nvel geral de conscincia da sociedade em seu conjunto.

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dades preci puamente intelectuais. O resultado da produo cientfica (ou era) livremente divulgado atravs das escolas, das sociedades cientficas, da imprensa especializada. O conhecimento cientfico e tecnolgico podia ser incorporado ao processo produtivo atravs dos prprios trabalhadores especializados, incluindo uma nova categoria deles que aparece em meados do sculo passado: o engenheiro moderno. A pesquisa cientfica e parte dos desenvolvimentos tecnolgicos eram realizados fora das empresas capitalistas e custeados pela sociedade em seu conjunto, seja diretamente atravs do Estado, seja atravs do mecenato privado. Ainda no sculo XIX, uma atividade levada prtica principalmente por professores universitrios, por homens endinheirados com tempo disposio, por curiosos artesos em suas horas vagas, por indivduos outros movidos pelo interesse amador ou pelos atrativos de prmios pagos por sociedades cientficas e culturais. O nosso Santos Dumont um bom exemplo disso tudo, embora sua poca j se tornando extemporneo, mas nisto, particularmente, tambm sendo um bom exemplo... brasileiro.

E c estamos. No vamos reapresentar estatsticas sobejamente discutidas, levantadas desde os anos 50 por Machlup78, Porat79, Bell80, Gorz81, Dumazedier82, Touraine83, que demonstram o quanto o trabalho imediato j no ocupa, de forma alguma, a maior parte da populao, sobretudo nos pases capitalistas mais avanados, se que essas atividades que ainda se aparentam a um trabalho imediato residual sejam mesmo trabalho, no conceito de Marx. Entretanto, ningum negar que nos encontramos num momento da histria em que, embora as condies objetivas descritas sobretudo nos Grundrisse paream estar realizadas, a humanidade no alcanou, nem parece perto de alcanar, aquela liberdade desalienada que, para Marx, deveria vir junto com o tempo livre conquistado. O capital parece continuar crescendo e se valorizando. Vivemos numa sociedade que se proclama,
*

Com a transformao da cincia e da tecnologia em foras produtivas diretas, fenmeno que se confirma ao longo do sculo XX, o processo de produo deixa de depender do tempo ocupado pelos homens e mulheres no trabalho imediato. Chega o tempo no qual a sociedade, atravs do conjunto majoritrio de seus indivduos, no precisa mais trabalhar, no precisa mais envolver-se na transformao direta dos materiais para atender s suas necessidades fisiolgicas e culturais. Ento, de modo algum, o tempo de trabalho a medida da riqueza, mas sim o disposable time*76.Ou seja, o capital, embora sem querer, reduz a um mnimo decrescente o tempo de trabalho de toda a sociedade e assim, torna livre o tempo de todos para se desenvolverem77.

Marx, quase sempre, utiliza a expresso inglesa disposable time, entremeada ao seu texto em alemo. A mistura de lnguas comum nos Grundrisse, pois so rascunhos no destinados publicao. Mas neste caso especfico talvez refletisse a influncia, no seu pensamento, de um panfleto ingls annimo que ele cita em mais de uma ocasio, cujo autor, criticando Smith, declara: Uma nao verdadeiramente rica quando, em vez de 12 horas, trabalhem-se seis. Riqueza no disponibilidade de tempo de mais trabalho (riqueza efetiva), mas tempo disponvel, alm do usado na produo imediata, para cada indivduo e toda a sociedade84. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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orgulhosamente, capitalista, ainda que este orgulho feche os olhos, os narizes, os ouvidos para a hedionda misria que nos cerca e para a violncia que bate s nossas portas diariamente. Entretanto, partindo da prpria teoria de Marx, se o conhecimento social e, no, o trabalho (como ele o percebia), transformou-se em fora produtiva imediata; se o trabalho simples imediato foi reduzido a um momento insignificante, se no excludo, do processo de produo; vemo-nos ante o desafio de investigar como segue crescendo o capital; porque no se esboroou, como parecia previsto. Esta uma questo que Marx nem aceitaria se colocar. A resposta para ela, se existir, devemos busc-la alm de Marx.

Referncias Bibliogrficas

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19. idem, p. 115.

21. BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simblicas, So Paulo, SP: Editora Perspectiva, trad., 1982. 22. MARX, K. Para a crtica..., cit., p. 51, grifos de Marx e meus - M.D. 23. idem, Vol. II, p. 41, grifos no original. 24. MARX, K. Para a crtica..., cit., p. 144, grifos meus - M.D.

20. idem, p. 116, grifos meus - M.D.

25. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., Vol. 2, p. 415, grifos meus - M.D, suprimidos alguns itlicos originais de Marx. 26. MARX, K. O Capital, cit., Vol. I, tomo 1, pp. 162, 163, grifos meus - M.D. 27. idem, Vol. I, tomo 1, p. 162. 29. idem, vol. I, tomo 1, p. 276. 30. idem, vol. I, tomo 1, p. 162. 28. idem, vol. I, tomo 2, p. 42, grifos meus - M.D.(roda p) 31. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., vol. 1, p. 265. 33. ROSSI, Paolo. Os filsofos e as mquinas. So Paulo, SP: Companhia das Letras, trad., 1989. 35. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista, p. 119 passim. Rio de Janeiro, RJ: Zahar Editores, trad., 3 ed., 1981. 36. MARX, Karl. Manuscritos Econmicos e Filosficos, in FROMM, Eric. Conceito marxista do homem, p. 100, Rio de Janeiro, RJ: Zahar Editores, trad., 1962, grifos no original. 37. idem, p. 101. 39. ARISTTELES. Metafsica, Coleo Os Pensadores, vol. 4, p. 212,213, So Paulo, SP: Abril S/A Cultural e Industrial, 1973. 40. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., vol. 1., p. 352, nota ao p de pgina. 41. idem, Vol. 2, pp. 119, 120, grifos meus - M.D. 43. MARX, K. O Capital, cit., Vol. I, tomo 2, p. 32. 42. ARISTTELES. A Poltica, pp. 10, 11, So Paulo, SP: Martins Fontes Editora, trad., 1991. 44. LAFARGUE, Paul, O direito preguia/ A religio do capital, So Paulo, SP: Kairs Livraria e Editora, 3 ed., trad., 1983. 45. DUCASS, Pierre. Historia das tcnicas, p. 50, Lisboa, PORT: Publicaes Europa-Amrica, s/d. 38. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., Vol. 2, p. 236. 34. apud Paolo ROSSI, op. cit., pp. 112, 113. 32. MARX, K. O Capital, cit., Vol. I, tomo 1, p. 149, 150.

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46. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., Vol. 1, p. 266, grifos meus 48. HARRINGTON, Michael. O crepsculo do capitalismo, p. 155, So Paulo, SP: Editora Civilizao Brasileira, trad., 1977. 50. idem, p. 103. 49. MARX, K. Manuscritos..., cit, pp. 97, 98, grifos no original. 51. idem, p. 104, grifos de Marx e meus - M.D. 47. idem, Vol. 2, p. 229.

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57. RUBIN, Isaac I. A teoria marxista do valor, So Paulo, SP: Editora Polis, trad., 59. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., Vol. 1, pp. 276 a 284. 58. MARX, K. O Capital, Vol. I, tomo 1, p. 188.

61. KUHN, Thomas S. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo, SP: Editora Perspectiva, 2 ed., trad., 1987. 63. idem, pp. 228, 229, grifos meus - M.D.

60. idem, ibidem, grifos no original; grifos meus (M.D.) em e deixaria de ser capital.

62. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., vol. 2, pp. 227, 228, grifos meus - M.D.

64. RODOLSKI, Roman, Gnesis y estructura de El Capital de Marx, Mxico, MEX: Siglo Veintiuno Editores, trad., 6 ed., 1989 65. HARRINGTON, M. op. cit. 66. MARX, K. O capital, cit., vol. I, tomo 2, p. 48. 67. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., Vol. 2, p. 219 passim, grifos meus - M.D. 68. MARX, K. O Capital, cit., Vol. I, tomo 2, p. 14, grifos meus - M.D.

69. idem, Vol. I, tomo 1, pp. 283, 284, grifos meus - M.D. 70. idem, vol. I, tomo 2, p. 13, grifos meus - M.D. 71. idem, ibidem, p. 17, grifos meus M.D. 73. idem, ibidem

72. MARX, K. Manuscritos..., cit., p. 125, grifos no original. 74. MARX, K. O Capital, cit., Vol. III, tomo 1, p. 80, grifos meus - M.D.

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75. idem, Vol. I, tomo 2, p. 17. 77. idem, ibidem.

76. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., Vol. 2, p. 232. 78. apud BELL, Daniel. El advenimiento de la sociedad post industrial. Madri, ESP: Alianza Editorial, trad., 1976. 79. apud BELL, op. cit. 81. GORZ, Andr. O declnio da relevncia do trabalho e a asceno de valores pseconmicos, O Socialismo do Futuro, n 6, Instituto Pensar, Salvador, BA, pp. 25-31, 1993. 80. Daniel BELL, op. cit.

82. DOUMAZEDIER, Joffre. Revolution culturelle du temps libre: 1968-1988, Paris, FR: Mridiens Klincksieck, 1988. 1988. 83. TOURAINE, Alain. O Ps-socialismo, So Paulo, SP: Editora Brasiliense, trad., 84. apud MARX, Elementos fundamentales..., cit., Vol. 2, p. 229.

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Que a cincia criativa, que o ato criativo em cincia equivale ao ato criativo na arte, que a criao dimana apenas de indivduos autnomos, uma idia simples e, pensar-se-ia, bvia. Joseph Weizenbaum

Sociedade Informacional

Captulo III

O surgimento em fins do sculo passado e incio deste, de setores industriais nascidos diretamente das pesquisas e das descobertas cientficas, como o qumico e o eletro-eletrnico, marca o salto de qualidade no processo, que Marx vinha observando, de autonomizao do conhecimento cientfico-tcnico em relao produo imediata. A partir da, cada vez mais, tanto a criao de novos produtos, quanto a realizao dos processos de produo sero determinados pelo trabalho cientfico e tecnolgico realizado fora da produo imediata e nela introduzido atravs das formas mate riais redundantes e congeladas dos sistemas scio-tcnicos de maquinaria trabalho morto, alimentado e fiscalizado pelos elos humanos a ele apensados. quele salto de qualidade, o bilogo marxista ingls J. D. Bernal deu o nome de revoluo cientfico-tcnica, um processo que j podia ser claramente percebido l nos anos 30 [e que] agora reconhecido fora do mundo da cincia, particularmente nos meios polticos, como o aspecto dominante do nosso tempo, conforme escreveu no Prefcio terceira edio, de 1965, da sua monumental Science in History1.

Porque dominante, a revoluo cientfico-tcnica passou a ser cada vez mais estudada - direta ou indiretamente, explicita ou implicitamente - em suas
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Por ser novo e no estar suficientemente esclarecido, parece que muitos sequer conseguem perceber ou no aceitam identificar a emergncia dessa nova etapa. A persistncia de formas prprias das relaes capitalistas - que teriam sido reforadas pela derrocada do Estado sovitico - e a ampliao da injustia e da misria no mundo, podem sugerir que poucas mudanas teramos para comentar e, muito menos, comemorar. Assim, Marike Finlay2 recusa as concluses de Daniel Bell, Alvin Toffler, Marc Porat e Fritz Machlup - autores que acusa como gurus da era da informao - porque estariam contornando o problema central das relaes de poder e de controle social. Benjamin Coriat3 refuta Radovan Richta porque este no teria examinado o problema central da valorizao e acumulao no modo capitalista de produo. Uma e outra crticas podem estar corretas se indicam aspectos centrais a serem melhor analisados, no exame desta etapa emergente do capitalismo. O fato de aceitarmos como ponto de partida a noo de vivermos numa sociedade que passa por radicais transformaes, no significa concluir que essas transformaes nos levam necessariamente para um mundo melhor, nem que elas no precisem ser examinadas conforme algumas categorias bsicas do Materialismo Histrico. Trata-se apenas de reconhecer realidades efetivamente novas, pouco compreendidas e, menos ainda, compreensveis luz dos conceitos tradicionais.

muitas dimenses e conseqncias. Dependendo dos enfoques, o processo ganhou outros nomes: revoluo da informao, sociedade ps-industrial, sociedade tecnotrnica, ps-modernidade etc. Por um lado, essas distines nominativas indicam os aspectos que diferentes autores consideram determinantes em suas anlises. Por outro, a busca dessas identidades revela estarmos efetivamente diante de um processo histrico novo e ainda no perfeitamente esclarecido pelas cincias sociais.

Este captulo tentar sugerir o que julgamos ser os termos bsicos envolvidos na discusso, apontando para quais seriam as caractersticas fundamentais do capitalismo contemporneo, capitalismo ao qual geralmente identificaremos por informacional por vermos a o significante que melhor revela as determinaes de seu modo material de produo*.*Dialogaremos com alguns dos autores que vm enfrentando o desafio de descrever e tentar explicar esta sociedade. E eles mesmos, pelos que dizem ou deixam de dizer, pelo que esclarecem ou confundem, pelo que advertem ou esquecem, acabam nos dando as melhores pistas para compreendermos esta nova etapa histrica na qual vai entrando a humanidade.
*

Em verdade, a expresso capitalismo informacional, assim como a categoria capital-informao somente seriam adotadas por mim nos anos posteriores defesa da Dissertao do Mestrado. Influenciado por Bernal e Richta, no texto original da dissertao, eu ainda aceitava caracterizar esta nova etapa do capitalismo como cientficotcnica (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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As percepes de N. Wiener
Com razovel dose de certeza, podemos afirmar que foi Norbert Wiener, o pai da Ciberntica, quem, pela primeira vez, exps um quadro abrangente e conjunto das conseqncias econmicas, polticas e culturais da revoluo informacional, qual identificou como segunda revoluo industrial. Em seu livro Ciberntica e sociedade4, escrito em 1948, quando transistores e computadores no passavam de promessas de laboratrio, ele antecipou que a introduo de tecnologias eletrnicas nos processos produtivos possibilitaria a eliminao do trabalho humano redundante conforme sobrevivia nos sistemas scio-tcnicos. O taylor-fordismo teve a sua morte anunciada. Eu j estava, pois, convencido, altura de 1940, de que a fbrica automtica apontava no horizonte, anotou5.

Sem referir-se a Marx, Norbert Wiener sugeriu que a automao dos processos produtivos poderia vir a ser a fonte do cio necessrio para o pleno desenvolvimento cultural do Homem6. Por outro lado, atento s caractersticas da sociedade em que vivia, da qual alis revela-se um crtico, adverte que tambm poderia produzir resultados culturais to triviais e ruinosos quanto a maior parte daqueles at agora produzidos pelo rdio e pelo cinema7. Alm do mais, como a mquina automtica seria o exato equivalente econmico do trabalho escravo, sua introduo poderia levar a uma situao de desemprego e recesso, perto da qual a recesso de 30 parecer uma brincadeira8.

O principal problema que a nova era anunciava dizia respeito propriedade da informao: para Wiener, a natureza neguentrpica da informao tornaria ilusria e contraproducente qualquer esforo social para reduzi-la a mercadoria, conforme antevia que estava para acontecer no sistema econmico norte-americano (isto , no modo de produo capitalista). Como informao no se conserva, no poderia ser armazenada, nem apropriada. As prticas e leis de patentes e direitos autorais, oriundas de um tempo em que as invenes resultavam do trabalho isolado de artfices e as obras artsticas quase no podiam ser reproduzidas por meios mecnicos, no deveriam prevalecer num tipo de sociedade que produziria as suas necessidades a partir da mobilizao de equipes annimas de cientistas, investigando as leis da Natureza, em laboratrios empresariais; e que poderia ter acesso a qualquer produto intelectual, atravs de reprodues fiis. A nica proteo possvel a uma organizao social - fosse empresa, Estado etc. - contra a inexorvel desvalorizao de sua informao, seria uma continuada produo de informao nova, o que pressuporia um constantemente atualizado conhecimento do que a sociedade volta est permanentemente criando, comportamento apenas possvel se for livre a possibilidade de comunicao entre todos os criadores. No existe linha Maginot do crebro, afirma9, querendo dizer que no h como impedir a soluo de qualquer problema, uma vez revelado que o problema tem uma soluo,
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j que nenhuma nao ou empresa pode pretender possuir uma espcie de monoplio da competncia para gerar saber cientfico-tcnico.

Norbert Wiener certamente pensava no crescente controle e cerceamento que o governo e as grandes empresas norte-americanos vinham impondo, em nome da segurana nacional dos Estados Unidos, aos seus cientistas e pesquisadores. Entretanto, denunciou a o que viria a ser o mais decisivo problema social deste nosso fim de sculo, conforme teremos oportunidade de discutir nos captulos conclusivos deste estudo: a apropriao da informao pelo capital.

As snteses de Richta e Bell

A partir de Wiener, referindo-se ou no a ele, surgem e se multiplicam, ao longo dos anos 50 e 60, sobretudo nos pases capitalistas avanados e nos socialistas europeus, estudos que percebem e tentam adiantar explicaes para o novo papel autnomo e determinante que a cincia e a tecnologia vinham cumprindo na vida social. Essa produo converge para duas obras capitais, trazidas luz na virada dos anos 70: Civilizao na encruzilhada, de Radovan Richta, cuja primeira edio de 196910*,*e Advento da sociedade ps-industrial, de Daniel Bell, publicada em 197311. Richta, hoje em dia, relativamente menos lembrado que Bell, cujo ensaio emerge como referncia obrigatria para muitos outros autores - crticos positivos ou negativos - que estudam a sociedade da informao, a exemplo de Kathleen Woodwards12, Isaac Minian13, a j citada Marike Finlay14 etc. Bell, porm, presta generoso tributo a Richta, dedicando no seu ensaio, sete pginas a uma detalhada resenha do estudo tcheco**.**Richta e Bell - como autores de obras snteses e pelo que os aproxima e os separa - podem ser considerados os marcos tericos na conceituao do capitalismo informacional.

Ambos afirmam essencialmente o mesmo: a cincia e a tecnologia tornaram-se foras produtivas imediatas no processo de produo. Conseqentemente, a informao se converte em recurso central e em fonte de poder dentro das organizaes15, assim como, para Richta, a informao a portadora de cada inovao e patamar intermedirio de cada aplicao da cincia, [donde] o desenvolvimento da informao integra um dos pilares da revoluo cientfico-tcnica16.
*

**

Civilizao na encruzilhada uma obra coletiva da Academia de Cincias do Partido Comunista Tchecoslovaco, coordenada pelo socilogo Radovan Richta. Lida hoje, deixa transparecer claramente o seu objetivo de fornecer um embasamento terico Primavera de Praga (ento em pleno desabrochar), buscando renovar e dar um novo alento ao iderio humanista do socialismo. O que no a torna menos interessante, mesmo pelo que contenha de discutvel, como um esforo, talvez pioneiro, para responder a problemas atuais, dentro de um paradigma estrita e, mesmo, ortodoxamente marxista.

Alm de Richta, Bell comenta e dialoga com virtualmente toda a produo intelectual dos anos 50 e 60 que primeiro investigou a revoluo tecnolgica e a economia da informao: Herman Kahn, W. W. Rostow, Zbigniew Brzezinski, Kenneth Boulding, Fritz Machlup, Marc ben Porat, Robert Lane, Robert Heilbroner, Robert Solow, Andr Gorz, Ralf Dahrendorf, C. Wright Mills, Roger Garaudy, Alain Tourainne e outros. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Tanto para Richta quanto Bell, apoiados em copiosos dados estatsticos, o principal fato sociolgico a confirmar a chegada dessa nova era a tendncia reduo absoluta e relativa dos empregos fabris, enquanto crescem e se diversificam os empregos nos chamados servios, ou no que Bell, a partir de Porat, denomina setor do conhecimento. Mas, lembrando que capital, no conceito de Marx, uma relao social que inclui e requer trabalho simples imediato, Richta sugere, no sem satisfao e suportado nos Grundrisse, que a eliminao do trabalho pela cincia e a tecnologia estaria suprimindo a relao capitalista como um todo*. Por isto, para o autor tcheco, o desenrolar da revoluo cientfico-tcnica criaria novos e mais difceis problemas para as sociedades capitalistas. Bell tambm, embora de forma mais prudente e, de preferncia, remetendo a outros estudos de autores no-marxistas, no deixa de reconhecer as dificuldades que o capitalismo, com sua filosofia de iniciativa privada e sua crena nos poderes regulatrios do mercado, enfrentaria numa sociedade ps-industrial**. Trabalhadores cientfico-tcnicos, como prefere dizer Richta, ou profissionais como os identifica Bell, os grupos sociais ligados gerao e distribuio de servios e de produtos informacionais (ou cientfico-tcnicos) desenvolvem novas necessidades, alm daquelas relacionadas sobrevivncia imediata - necessidades ligadas qualidade de vida, s atividades criativas, ao lazer - cujos valores no se pode medir [...] em termos de mercado, confessa Bell21. Essas necessidades se realizam no tempo livre, agora elevado a componente principal da vida humana [e] base para a atividade criativa como um fim em si mesma22. Esta ocupao criativa do tempo livre se origina e se consuma na cincia:

**

Adotando, como fontes de referncia, trabalhos de S. Kuznets, C. Clark, Creamer e outros, Richta apresenta um quadro, segundo o qual, entre 1880 e 1919, nos Estados Unidos, a relao entre capital e produo na indstria de transformao cresceu de 0,54 at 1,02, decaindo desde ento, at 0,59, em 1953. Na Gr-Bretanha, em relao economia nacional, o coeficiente mdio de capital subiu de 3,51 a 3,90, entre 1875 e 1909, comeando, desde ento, a declinar lentamente, at reduzir-se a 2,55, em 1953. Da conclui, como que confirmando Marx, que o aumento da riqueza social cada vez menos dependia do crescimento do capital17.

O ponto de partida da nova posio da cincia e de sua aplicao tecnolgica o carter social das foras produtivas criadas pela evoluo anterior. A prpria cincia, diferentemente das habilidades excepcionais e da experincia do arteso, representa essencialmente uma fora produtiva social - muito mais social que todas as demais foras produtivas algum dia postas em movimento; se apia diretamente

Em The Limits of American Capitalism, Robert Heilbroner defende que a natureza do empreendimento cientfico incompatvel com as prticas de mercado, logo a expanso da cincia e da tcnica baseada na cincia est criando o esqueleto para uma nova ordem social que corroer o capitalismo18. Outro autor, Franois Bourricaud, defende que a nova sociedade vinha gestando uma economia do bem estar independente do mercado19. Uma demonstrao matemtica da impossibilidade de o mercado atender racionalmente s necessidades prprias dessa sociedade foi desenvolvida por Kenneth Arrow em Social Choice and Individual Values20 (ver captulo seguinte). Todas esses estudos datam da dcada de 50. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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A cincia, pois, pode ser entendida como um processo social no qual se envolve, ainda que indiretamente, toda a sociedade, na medida em que estimula a prtica cientfica, fornece os meios materiais para a sua realizao, forma e sustenta os recursos humanos necessrios, absorve - porque rene as condies culturais adequadas - os seus resultados e, logo, fomenta o seu ulterior desenvolvimento. A relao da sociedade com o conhecimento cientfico e sua capacidade ou incapacidade para utilizar os resultados da cincia, das inovaes tcnicas, so um critrio inequvoco do progresso do sistema social como um todo24. E o tempo livre vem a ser tempo disponvel para todos se alarem, de um modo ou de outro, quela condio criativa privilegiada que, um dia, somente sacerdotes egpcios (e gregos, romanos etc...) desfrutaram. Da que, para tanto, o decisivo no [seja] a magnitude, e sim, antes de tudo, o contedo do tempo livre25.

na integrao do esforo civilizador de todos os contemporneos e se respalda na existncia de todas as geraes anteriores, em todo o desenvolvimento da sociedade at hoje. Surge como saber social geral [Marx] e simultaneamente, como saber acumulado [Marx] da sociedade; funciona plenamente apenas tendo por base [o trabalho combinado] de toda a sociedade23.

Diferena em Richta e Bell

Aqui chegamos diferena entre Richta e Bell. Este, reproduzindo as formas de pensar prprias do mundo capitalista norte-americano, reduz o tempo livre mediocridade dos prazeres do consumo26. O indivduo que dispe de mais tempo para si, logo descobre que esse tempo se torna escasso porque precisa de tempo para ler um livro, para conversar com um amigo, para tomar uma xcara de caf, para viajar ao exterior. Nos pases atrasados, com poucos bens para desfrutar, h mais tempo. Mas quando um homem possui uma embarcao, um carro esportivo, ou uma srie de entradas para um concerto, descobre que o tempo livre o seu recurso mais escasso27. Para poupar tempo-livre, pese a adquirir bens e servios que possam facilitar a sua vida: equipamentos domsticos ou trabalho de prestadores de servios (na limpeza, na comida pronta etc.). Como esses bens e servios tm o seu preo, acaba, paradoxalmente, tendo que trabalhar durante muito mais tempo como condio para obter um alto rendimento de seu tempo de no-trabalho28. A sociedade ps-industrial , pois, uma sociedade dos servios porque so estes que permitem atender, direta ou indiretamente, a essa nova e crucial necessidade de poupar tempo. Homens e mulheres, deduzimos, vm-se na irnica e paradoxal contingncia de trabalhar 100
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mais, para se prestarem mutuamente os servios que se necessitam a fim de poderem melhor aproveitar o tempo que lhes sobra de no-trabalho.

A agudizao dos conflitos entre os interesses individual ou grupalmente valorados inerente a essa sociedade, exigindo, se no para resolv-los mas, ao menos, para medi-los, a interveno do Estado como agente racional numa arena caracterizadamente poltica, e uma nova forma instrumental de agir racionalmente que - no se corporificando necessariamente em equipamentos ou instrumentos, mas podendo produzir, para suas prprias necessidades, essa nova mquina lgica que o computador - constitui-se numa tecnologia intelectual construda com regras de decises formalmente aceitas e obedecidas, que se substituem aos julgamentos intuitivos32. Assim, graas s cincias do controle (Ciberntica, Teoria dos Jogos, Teoria da Informao etc.), passamos a ter a possibilidade, pela primeira vez, de realizar experincias controladas em grande escala, nas cincias sociais. Estas, por seu turno, nos permitem delinear alternativas futuras em diferentes matrias, ampliando substancialmente a medida com que podemos eleger e controlar os assuntos que influem em nossa existncia33. Os loci de realizao dessas experincias so a Universidade, as grandes corporaes empresariais, as organizaes estatais, com seus cientistas, tecnocratas, executivos, tcnicos e demais profissionais da informao. Como, naturalmente, essas experincias se efetivam na sociedade, esta torna-se um campo de luta entre as decises racionais das organizaes e as vontades polticas das comunidades. Submeter a poltica racionalidade cientfico-tcnica passa a ser o objetivo, de consecuo imprevisvel, dos cientistas, administradores e profissionais, em geral. Em conseqncia se a luta entre capitalistas e trabalhadores, dentro das fbricas, foi a caracterstica da sociedade industrial, o choque entre o profissional e o populacho (sic), na organizao e na comunidade, o trao caracterstico do conflito na sociedade ps-industrial34.
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Surge a questo: como um homem oferece a outro um benefcio racionalmente calculvel? De que forma algum faz seus clculos? Qual o valor de um objeto ou de um servio para uma pessoa e como compara um objeto com outro? Para que um homem escolha racionalmente, tem que existir uma medida subjacente de valor com a qual se possa calcular todas as alternativas, assegura Bell29. Numa sociedade determinada por um jogo entre pessoas que valorizam diferentemente suas demandas de tempo, sabendo-se ainda que o tempo no pode ser acumulado30, o nico consenso quanto ao alto preo desse tempo. Mas a dimenso desse custo j no pode ser medida pela racionalidade atribuda, desde Smith, ao mercado. Logo, definir um mecanismo de atribuio e conseqente distribuio torna-se um problema crucial e inquietante31.

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Apropriao do tempo livre


A cincia, para Bell, no , como em Richta, um processo que envolve toda a sociedade no gozo criativo de seu tempo livre. um novo poder social que se produz dentro de uma organizao burocrtica, cada vez mais complexa, tentacular, embora tambm movida por conflitos internos, que tende a se constituir, com suas ramificaes sociais, em poder sobre o conjunto da sociedade. Assim colocada socialmente, a cincia h de se apoderar de todo o conhecimento social e, daquele que no se apodera, j no reconhece como conhecimento.

Bell admite que se trata de uma definio estreita ou incompleta, inclusive utilitria, mas advoga:

Definirei o conhecimento como um conjunto de exposies ordenadas de fatos e idias, que apresentam um juzo razovel ou um resultado experimental, o qual transmitido a outros atravs de algum meio de comunicao, sob uma forma sistemtica. Assim, diferencio o conhecimento das notcias e dos entretenimentos. O conhecimento consiste em novos conceitos (pesquisa e saber) ou em novas apresentaes de conceitos mais antigos (livros textos e ensino)35.

Bell, ao reduzir o conhecimento quilo que possa ser formalizado e materializado nalgum meio documental e, explicitamente, ao desconsiderar como conhecimento tudo o que no seja racional, todo o intuitivo, o tcito, o polti102
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Para os fins de poltica social - a necessidade de determinar a distribuio de recursos sociais para os fins especficos de utilidade social - eu proporia uma definio estreita: o conhecimento o que se conhece objetivamente, uma propriedade intelectual, ligado a um nome ou a um grupo de nomes e certificado pelo copyright ou algumas outra forma de reconhecimento social (por exemplo, a publicao). Esse conhecimento tem o seu preo: no tempo empregado em escrever ou investigar, na compensao monetria aos meios de comunicao e de educao. Se submete aos ditames do mercado, s decises administrativas ou polticas dos superiores ou dos colegas sobre o valor dos resultados, e tambm sobre os pedidos de recursos sociais, quando so feitos esses pedidos36.

co, reintroduz no seu esquema a propriedade e o mercado que pareciam conviver mal com a sua descrio de sociedade ps-industrial. Ao realizar uma operao mental significativa, no sentido semiolgico (isto , ao estabelecer uma determinada relao entre significante e significado num contexto lxico preciso), que desqualifica e desvaloriza todas as outras multifacticas formas empricas de conhecimento, ele automaticamente valoriza apenas o conhecimento que possa ser identificado a quem - indivduo, grupo, organizao - o codifica imediatamente e, assim, possa reduzi-lo a alguma forma passvel de apropriao.

A sociedade segue sendo a fonte de todo o conhecimento, mas desde que este possa ser materializado, pelas organizaes competentemente instrumentalizadas para tal, numa informao, tambm entendida esta conforme conveniente definio:
Por informao, eu entendo o processamento de dados, em seu mais amplo sentido; estocar, recuperar e processar dados passa a ser o recurso essencial para toda a economia e trocas sociais. Isto inclui: (1) processamento de registros de folhas de pagamentos, dos gastos com benefcios sociais, de movimentaes bancrias e financeiras, etc; o processamento de reservas de vos, de planos, de inventrios, de mix de produtos etc; (2) bancos de dados [contendo] caractersticas de populaes com base nos censos, nas pesquisas de mercado e de opinio, nos resultados eleitorais etc37.

Fecha-se o circuito: qualquer tempo disponvel ser til se ocupado em gerar dados para algum organismo cientfico-tecnocrtico, ao qual caber orientar as escolhas de uma sociedade devidamente habilitada para faz-las - usurios, consumidores, espectadores, eleitores - conforme ofertas racionalmente possveis, que permitam uma, digamos, alocao tima desse mesmo tempo pelo seu possuidor, inclusive no consumo maximizado de todos os prazeres que a cincia - enquanto organizaes que a concretizam documentalmente - pe ao alcance do indivduo. A sociedade passa a ocupar o seu tempo, consumindo - e pagando apenas o conhecimento produzido pelo processamento dessas informaes que ela prpria - gratuitamente, frise-se - forneceu. E, mais uma vez, de uma forma que jamais teria passado pela cabea de Marx, o tempo no pago de muitos transforma-se em valor apropriado por poucos. No mais o tempo de trabalho; precisamente, o tempo de no trabalho.

O conhecimento parte das despesas gerais da sociedade. Mais do que isto, quando o conhecimento , por algum meio,

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Mudanas no trabalho

sistematicamente aplicado na transformao de recursos (seja pela inveno, seja projetando o social), ento se pode dizer que o conhecimento, e no o trabalho, a fonte de valor [...] O conhecimento e suas aplicaes substituem o trabalho como fonte de valor adicionado no produto na cional. Neste sentido, assim como capital e trabalho foram as variveis centrais da sociedade industrial, informao e conhecimento so as variveis cruciais da sociedade ps-industrial38.

A literatura percebe que o trabalho, pelo menos como o estudara Marx - o trabalho direto de transformao da matria, o trabalho produtivo para o capital - deixou de ser o princpio bsico da organizao das estruturas sociais (C. Offe39); ou deixou de ser o aspecto mais importante da vida (A. Gorz40). Adam Schaff41 sugere distinguir trabalho de ocupao, remetendo aquele a todas as atividades ainda exercidas pelo ser humano em troca de um salrio e voltadas para o suprimento de bens e servios imediatamente necessrios a terceiros, enquanto esta diria das atividades geralmente intelectuais e criativas que restaurariam o objetivo da vida humana, ou em outras palavras, o sentido de sua vida42. Ocupaes seriam a pesquisa cientfica; as atividades artsticas incluindo aquelas ligadas TV, ao cinema, ao radio -; o ensino; os cuidados com a sade e outras formas de atendimento a necessidades sociais, inclusive dos velhos e minorias; as consultorias e assessorias nos diversos ramos; os desportos e outras formas de lazer etc. Sentindo a necessidade da mesma diferenciao, Galbraith, sabidamente custico, afirmou: No h maior reflexo da atualidade, maior fraude inclusive, do que a utilizao do mesmo termo trabalho para designar o que para uns montono, doloroso e socialmente degradante e, para outros, prazeiroso, socialmente prestigiado e economicamente proveitoso43*.*

As discusses sobre tempo livre e conhecimento sugeridas por Wiener, Bell, Richta (e no somente por eles), todas refletindo o fato de termos alcanado uma etapa histrica na qual a transformao material imediata foi delegada basicamente a sistemas scio-tcnicos de produo, em substituio aos seres humanos - tais discusses apontam para a necessidade de tentarmos entender e conceituar a natureza atual do trabalho.

Essas proposies tm o mrito de colocar em discusso o conceito de trabalho na sociedade contempornea. Fazem-no porm de forma imprecisa e um tanto quanto subjetiva. Certamente, no o maior ou o menor prazer que pos* Segundo Marcuse, citado por Rosdolski, Marx considerava que o modo futuro do trabalho seria to diferente do modo imperante, que vacilava em empregar o mesmo termo trabalho para designar, da mesma maneira, o processo material da sociedade capitalista e o da sociedade comunista44.

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sa fornecer uma atividade que a caracterizar, ou no, como trabalho. O trabalho, conforme vimos no Captulo anterior, torna-se uma obrigao enfadonha porque alienado. Em princpio, ele elemento constitutivo da natureza humana. Mas a sua qualidade, as relaes sociais nas quais se insere, os meios com os quais executado, tudo isso pode variar ao longo da Histria. Esta variao que precisamos discutir melhor, na atual etapa histrica, para entendermos a natureza das questes em torno das quais giram os debates sobre a revoluo cientfico-tcnica.

Trabalho com informao

Identificar as atividades que hoje arregimentam parcelas quantitativamente determinantes da populao aos servios, como o fazem Bell e Offe, no nos parece satisfatrio. No conceito de Marx, que Offe retoma, o trabalho em servio consumido como valor de uso, isto , como produto no separvel dos trabalhadores que o fornecem. A essncia do servio ser til no como coisa, mas como atividade45. Mesmo que remunerado (s vezes bem remunerado) e, muitas vezes, envolvendo empregados assalariados pouco interessados no que fazem, o servio deve esgotar-se ao dar-se a atividade por encerrada.

No bem isto que percebemos no capitalismo informacional. As principais atividades nele realizadas no se esgotam em si mesmo - como o mdico que cura o doente - mas se consumam no processo imediato de produo, embora no sejam parte dele. Aparentam-se a servios e so costumeiramente denominadas como tal mas, conforme entenderemos melhor nos captulos seguintes, participam do processo de valorizao do capital e, nisto, se distinguem essencialmente do conceito marxiano. Algumas dessas atividades relacionam-se mais diretamente produo imediata, como as de engenharia, mercadologia etc. Outras, mais indiretamente, como as educacionais, as orientadas ao lazer etc. Qualquer que seja a maior ou menor proximidade dessas ocupaes relativamente produo imediata e importando pouco que elas integrem ou no a mesma organizao que realiza esta produo, o fundamental que elas formam um todo articulado ao qual se incorpora uma imensa massa de indivduos que se classifica e se reconhece por suas infinitamente distintas capacitaes informacionais, suprindo-se interativamente uns aos outros com informao. Cada pessoa participa dessa produo social geral ou desse trabalho geral, ora como supridora, ora como usuria de informao. E esta informao, atravs de um processo de sucessivas interaes, acabar concretizada nalguma forma de produto material usado no consumo humano. O indivduo social parte de um elo informacional, recebendo, processando e passando adiante informaes que fluem pelo interior de algum subsistema social (empresas, rgos pblicos etc.), ao qual se liga, seja como assalariado, seja como autnomo. Seu desempenho a depende da sua formao educacioTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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nal prvia e das suas condies fisiolgicas e culturais gerais, tudo isto funo de sistemas externos (de educao, sade, comunicaes etc.), mas no completamente alheios, ao sistema com o qual se relaciona imediatamente. Seu desempenho tambm funo da variedade dos bens culturais que usufrui e que no lhe so fornecidos diretamente pelo seu sistema social imediato, mas por outras fontes, como editoras de livros e jornais, produtores de entretenimento e de equipamentos domsticos etc. Seu desempenho igualmente depende de relacionamentos formais ou informais com outras pessoas, dentro e fora do assim dito ambiente de trabalho. Qualquer annimo indivduo, em seu posto individual de trabalho - seja o escritrio pessoal, seja a mesa de um escritrio burocrtico, seja inclusive a linha de montagem fabril -, pode processar alguma quantidade imediata de informao porque est dotado de uma capacitao informacional que lhe dada pelas relaes sociais concretas nas quais se insere e submerge, relaes estas que lhe suprem do conhecimento e da competncia para o manejo da lngua e seus lxicos, de cdigos formais e informais, explcitos ou tcitos, que, a cada momento, organizam e orientam as suas escolhas. Dentro de cada subsistema social, ainda que por ele imediatamente determinado, o indivduo recebe sempre influncias sociais do ambiente, ou rudos, que no podero deixar de afetar seus comportamentos e decises. No s a ao desse indivduo tem os seus limites parcialmente definidos pelo seu nvel educacional, de formao e de experincia prvia, e por aqui dever se dar o seu ajustamento inicial ao sistema imediato, como ele se insere noutros crculos de relaes - a famlia, os amigos, os colegas de profisso, o bairro, o clube, a igreja, o sindicato, os meios de comunicao, os bens de consumo e de status etc., etc. - que, de um modo ou de outro, estaro sempre afetando as suas aes, estaro sempre informando as suas escolhas. Por isto, qualquer informao que um indivduo receba, processe ou emita social. A informao manifesta-se socialmente, em cada crebro individual, sob as formas de cincia, tecnologia, artes, poltica, crenas e outras expresses, semanticamente mais ricas ou mais pobres, da mente social humana. Ningum, nem o mais rude pedreiro, faz suas escolhas com base exclusiva nas orientaes da chefia imediata. Qualquer pessoa sempre aporta s escolhas imediatamente determinadas, um estoque prvio de informao social que, pode, sim, ser maior ou menor, mais variado e rico, ou menos variado e pobre que o de outras. E ser este estoque que, tambm, de alguma forma, delimitar as possibilidades daquelas orientaes. A atividade humana socialmente produtiva, uma vez excluda, ao longo do desenvolvimento capitalista, do processo imediato de produo e de trabalho, tornou-se essencialmente um problema de informao: trabalho com informao. Este uma forma de trabalho determinada pelas condies cientfico-tcnicas do capitalismo contemporneo, e que deveremos estudar conforme as relaes in106
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formacionais entre os seus muitos agentes, as delimitaes dos cdigos em suas dimenses semnticas e sintticas, as aes auto-organizadoras dos rudos etc. Os nveis de organizao sistmicos da sociedade condicionam o trabalho com informao, e so por ele permanentemente desorganizados e resgatados.

Barreiras ultrapassadas

A sociedade capitalista informacional emprega a grande maioria de homens e mulheres em ocupaes definidas pelo processamento da informao social, e cujo produto imediato alguma forma de informao social processada. Tentamos mostrar que esta no foi uma evoluo excepcional, nem, por assim dizer, surpreendente, do modo de produo capitalista. Foi um desenvolvimento inerente sua lgica interna, sendo hoje um estgio ao qual haveria de chegar mais cedo ou mais tarde. As transformaes sociais que nossa gerao testemunha e que vm abrindo espao para copioso debate acadmico e poltico, no deveriam ser creditadas, pois, inveno da vlvula ou microeletrnica, como podem nos fazer crer os significantes revoluo microeletrnica, informatizao da sociedade e outras expresses prprias do pensar positivista sobre os fatos sociais. O capital, desde os primrdios, veio procurando desenvolver meios scio-tcnicos adequados para neles embutir e congelar a informao social apropriada ao longo do ciclo de produo material. De um lado, impunha a diviso tcnica de trabalho e evolua o sistema de maquinaria. De outro, sempre buscou, como Babbage e Jacquard o comprovam, desenvolver equipamentos adequados para o processamento da informao, o que tardiamente logrou, para a sua infelicidade, apenas a partir de meados do sculo XX.

Devemos atentar melhor para a importncia de Babbage no seu tem po. As 17 mil libras que o governo britnico colocou em seu projeto para desenvolver uma mquina diferencial; a fundao, por ele, da Associao Britnica para o Progresso da Cincia; as vrias citaes de Marx, sobretudo nos Grundrisse, ao seu livro On the Economy of Machinery and Manufactures, de 1832; demonstram a sua liderana e influncia poca. Ele concebeu em suas linhas bsicas o computador programvel, com unidades de entrada e sada, de processamento e de armazenamento, no podendo porm viabiliz-lo tecnicamente devido extrema complexidade dos mecanismos de transmisso, necessrios para oper-lo. Tanto quanto Babbage, tambm devemos recordar que Jacquard, em 1801, inventou o tear programado por cartes perfurados. Estes e outros desenvolvimentos menores dos primrdios do capitalismo que, hoje, nos parecem ingnuas curiosidades, demonstrariam que, desde ento, o processamento sinttico da informao desvinculada do crebro do trabalhador, j era uma questo posta pelo capital. A no soluo deste problema, durante sculo e meio, apresentou-se como uma barreira cientfico-tcnica ao crescimento do capital, barreira que o teria levado
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a buscar alternativas no que se convencionou denominar gerncia cientfica do trabalho, conforme discutido por Moraes Neto46. Como vimos, nos comentrios de Wiener acima, essa barreira j parecia cientificamente superada por volta dos anos 40, embora devesse ainda aguardar cerca de duas dcadas para, afinal, comear a ser definitivamente derrubada, no plano tambm tecnolgico.

Processo geral de produo

Marx, conforme apresentamos no captulo anterior, tinha muita clareza da verdadeira natureza de todo esse processo histrico. Da, inclusive, descrever o sistema de maquinaria - alis a partir de Ure e com expresses prprias do seu tempo - como um autmato composto por muitos rgos mecnicos e intelectuais47. O sistema de maquinaria absorveu - e o vem fazendo desde os primrdios do capitalismo - a informao sintaticamente codificada e cristalizada, necessria produo imediata, ao mesmo tempo em que a dimenso semntica da informao social ia sendo transferida para outro nvel sistmico de organizao da produo. A mquina informao passada, rigidamente organizada para cumprir uma estrita finalidade. A aparncia externa de um sistema de maquinaria, os formatos de brocas, frmas, prensas, engrenagens, tubos, vlvulas, visores, painis de controle etc.; os ritmos em que pode operar e as direes possveis de seus movimentos, tudo isso informao cristalizada. A mquina redundncia concreta, na qual o capital congelou o conhecimento que, um dia - h muito, muito tempo - foi do trabalhador. Outrora, um ferreiro, com a experincia talvez herdada de pai para filho e aprimorada na vivncia diria junto ao forno e aos seus instrumentos desde a mais tenra idade, dava forma e consistncia ao ferro, como um matre de cuisine, ainda hoje, concretiza as suas receitas em pratos apetitosos. A partir da Revoluo Industrial, o conhecimento do ferreiro (e do mecnico, e do tecelo etc.), o seu ditado, foi estruturado, matematizado, racionalizado e transferido para um sistema que reproduz, em escala muitas vezes ampliada e com resultados muito mais eficientes, o seu trabalho. Desde ento, o capital precisou ainda exigir de um indivduo, quando muito, que permanecesse ali, ao lado, observando, controlando, ajustando no detalhe, ou servindo ao conjunto do sistema - sistema este cuja sabedoria, este indivduo, socialmente considerado, j no alcana - para nele marginalmente intervir quando e se necessrio, em situaes previamente - redundantemente - a ele determinadas.

Desde os tempos de Marx, sabemos que o capital veio separando do trabalhador imediato, o conhecimento necessrio para a produo e - repetindo - ao faz-lo, tende a extinguir o valor de uso da fora de trabalho simples, logo o seu valor de troca. Se uma parcela da populao humana permaneceu e permanece aparentemente vinculada produo imediata - embora, a populao operria tenha deixado de ser a maior parte da populao nos pases capitalistas avan108
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ados, e isto j h muitas dcadas - tal talvez se deva, em parte, ao custo barato do animal humano redundante, mas, principalmente, a barreiras tcnicas que (ainda) no permitiram substitu-lo em atividades de detalhe, ligadas introduo de parmetros em certos sistemas (informao de baixo nvel) e ao carregamento ou transporte de materiais no sistema. Problemas que a informtica est finalmente resolvendo.

O processo imediato de produo passou a ser comandado pelo processo geral de produo, cujos elementos constituintes so a matria a ser transformada, a energia que a transforma e a informao que determina a transformao. A matria, bvio, segue sendo tudo o que obtemos da natureza e transformamos para o nosso consumo fisiolgico e cultural. Energia a fora aplicada nessa transformao, tanto aquela condensada nos instrumentos de trabalho metamorfoseados em sistemas de maquinaria, quanto a usada para movimentar fisicamente esses sistemas. Informao o que orienta, o que ordena a ao de transformar. Pode estar parcialmente codificada nos sistemas de maquinaria e, assim, incorporada produo imediata mas, fundamentalmente, estar contida e sendo processada no crebro social de homens e mulheres externos produo imediata.

Mantendo as aparncias

A superao, j virtualmente consumada, de uma etapa histrica, na qual a produo capitalista se baseava no emprego e apropriao do tempo de trabalho simples socialmente necessrio, no est conduzindo a um tipo de sociedade que produza, no tempo livre assim gerado, seres humanos universal e plenamente ricos. A misria material e moral nossa volta evidente, parece crescente e no carece de maior demonstrao neste estudo. Embora nas condies de produo cientfico-tcnicas, o capital no possa mais se apoiar, conforme a expresso de Marx, na sua mesquinha base, permanecemos, paradoxalmente, como percebeu Gorz, numa sociedade que mantm todas as aparncias do modo capitalista de produo:

A remunerao das pessoas se reveste da aparncia de salrio; os produtos de consumo se revestem da aparncia de mercadorias e as relaes sociais, a aparncia de relaes mercantis; mas estas aparncias so vazias. O que se preservou no foi o sistema capitalista, mas o sistema de dominao do capitalismo, onde salrio e mercado eram os instrumentos cardiais. A produo, com efeito, no tem mais e no pode ter por objetivo a acumulao de capital e sua transformao em valor. Ela tem agora por objetivo primeiro, o controle da sociedade e a sua dominao48.

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Desenvolveremos, at o final deste livro, muitos elementos que nos permitam compreender melhor tais aparncias. Por enquanto, deixemos consignado que elas esto servindo para encobrir a reificao e objetivao da informao social gerada e processada pelo trabalho social geral. Transformada em documento, em contrato, em declarao de patente ou copyright, em dado eletrnico de computador, em software impresso num disquete, ou em msica prensada num CD - codificada e fixada em alguma forma de suporte material sobre o qual se afirma um direito de propriedade - a informao social degradada aparncia de mercadoria e, como tal, parece dotar-se de valor de troca, recebendo os seus produtores que, agora, apenas se reconhecem enquanto registrados em algum desses substratos materiais, um suposto salrio ou outra forma de renda. O capital, assim, completou a sua obra: todas as relaes humanas esto definitivamente reduzidas a coisas. Esta a sua herana. Por outro lado, por isto mesmo, ele logra continuar crescendo e continua a merecer o nome de capital. Se j no pode mais pr trabalho necessrio para obter sobre-trabalho, se j no pode mais pr trabalho vivo simples para valorizar trabalho morto, da informao materializada em dados - informao processada, informao morta - que retira o valor necessrio sua continuada acumulao. Tinha razo Bell: o conhecimento apenas pode ser reconhecido se numa forma tangvel, qual o mercado possa atribuir valor. Resta-nos portanto averiguar como se forma e se apropria esse valor.

Referncias Bibliogrficas

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18. apud BELL, D. op. cit, pp. 272 e 432

22. RICHTA, R. op. cit., p. 186

26. BELL, D. op. cit., p. 545. 27. idem, pp. 545, 546.

32. BELL, Daniel. The social framework of the information society, pp. 503 passim, in FORESTER, Tom (ed.), The Microelectronic Revolution, Mass., EUA: The MIT Press, pp. 500-549, 1981. 33. BELL, D. El advenimiento..., op. cit., p. 394. 34. idem, p. 154. 35. idem, p. 206. 36. idem, p. 207, grifos no original.

39. OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado, p. 171, So Paulo, SP: Editora Brasiliense, trad., 1989.

37. BELL, D. The social framework..., op. cit, pp. 504,505. 38. idem, pag. 506, grifos meus - M.D.

40. GORZ, Andr. O declnio da relevncia do trabalho e a asceno de valores pseconmicos. O Socialismo do Futuro, p. 25, n 6, Salvador, BA: Instituto Pensar, pp. 25-31, 1993
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41. SCHAFF, Adam. Occupation versus Work in FRIEDRICHS, Gunter e SCHAFF, Adam, Microelectronics and Society: for better of for worse, Oxford, RU: Pergamon Press, pp. 337-349, 1982. 43. apud CAMPS, Victoria. O sentido do trabalho e o ethos individualista, in O Socialismo do Futuro, cit., p. 125. 44. apud ROSDOLSKI, R. op. cit., p. 468, nota de rodap. 45. MARX, K. Captulo indito, op. cit., p. 120. 46. MORAES NETO, Bento Rodrigues de. Marx, Taylor, Ford: as foras produtivas em discusso. So Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1989. 48. GORZ, Andr. Les chemins du Paradis, p. 85, Paris, FR: Editions Galil, 1983, grifos no original. 47. MARX, K. Elementos fundamentales..., op. cit., vol. 2, p. 218. 42. SCHAFF, op. cit., p. 340.

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Valor da Informao na Teoria Econmica Ortodoxa


Tais objees nos levam logicamente a uma outra resposta para a problemtica do valor - uma resposta que evita toda a referncia a padres morais e que busca o princpio do valor em algum elemento inteiramente amoral ou em algum princpio exclusivo do mundo econmico Robert Heilbroner

Captulo IV

Conforme o discutido nos captulos anteriores, a chamada so ciedade da informao pode ser definida como uma nova etapa do capitalismo, na qual este alcanou aquele estgio do desenvolvimento histrico, quando, conforme Marx, o quantum de trabalho imediato deixa e tem que deixar de ser a medida do valor de troca1. A criao das riquezas no mais guarda relao alguma com o tempo de trabalho imediato que custa a sua produo2, sendo determinada, fundamentalmente, por atividades externas esfera da produo imediata, atividades centradas no processamento produtivo da informao social.

Por outro lado, persistem nesta nova etapa, os instrumentos de controle social e de apropriao desigual da riqueza, amadurecidos nas etapas industrial e financeira do capitalismo. Nesta sociedade, o dinheiro adiantado (D) continua produzindo mais dinheiro (D), e esta diferena positiva prossegue sendo apropriada por uma minoria, em detrimento da maioria. Ainda vivemos numa sociedade que produz valor e se movimenta em funo da produo de valor. Isto , seguimos vivendo numa sociedade dominada pelo capital, pelo valor que se valoriza a si mesmo3.
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Como, para o capital contemporneo, a fora de trabalho simples deixou de ser a fonte principal de valorizao, precisamos tentar desvendar onde, agora, se encontra o valor do qual se apropria para seguir acumulando e crescendo. Porm, apesar de esta ser uma questo terica que a est a desafiar maior investigao, o conjunto dos economistas ou socilogos formados na tradio clssica e, particularmente, marxista, parece ignor-la. Segundo Dan Schiller, os marxistas, que ele v representados por Paul Sweezy, Paul Baran e outros, paradoxalmente, negam um papel econmico informao como um todo4. Para esses autores, as atividades sociais relacionadas informao realizar-se-iam margem do processo de produo, na esfera da circulao. Seriam, pois, atividades improdutivas, trabalho que no produz valor para o capital, conforme a clssica dicotomia entre trabalho produtivo e improdutivo. Para Schiller, ao contrrio, boa parte dessas atividades outrora improdutivas esto incorporadas, hoje em dia, ao processo de valorizao. Essas atividades, tais como a pesquisa cientfica, a engenharia, a mercadologia, a gerncia e operao de sistemas de informao, e ainda o ensino, a advocacia etc., so realizadas, na maior parte das vezes, por trabalhadores assalariados e resultam em produtos destinados ao mercado.

Valor esperado

O debate conceitual sobre o valor da informao avanou principalmente entre os economistas de formao neo-clssica, os primeiros a tentar explicar, num sistema terico coerente, o comportamento da mercadoria informao. Ao faz-lo defrontaram-se com resultados paradoxais que, por isto mesmo, muito nos ajudaro nesta nossa investigao, pois confessam, queiram ou no, quo difcil dotar a informao de propriedades mercantis - como o denunciara Norbert Wiener, citado na epgrafe introdutria deste nosso estudo. Por outro lado, devemos creditar-lhes a percepo da especificidade do problema, donde puderam desenvolver alguns conceitos que se mostraro teis para a nossa prpria busca do valor da informao a partir do valor do trabalho. O principal deles o conceito de valor esperado.

Um subsistema social auto-organizado e produz significados, logo valores, em funo de suas expectativas prvias diante de uma possvel mensagem semanticamente organizada, conforme discutimos no Captulo 1. Assumindo estas premissas, Richard Langlois5 distingue, num subsistema social, as informaes estruturais das paramtricas (Atlan diria funcionais - ver Captulo 1). Para um fazendeiro, exemplifica, informao estrutural seria os seus objetivos intrnsecos enquanto produtor agrcola: a busca do ganho e do lucro. Informaes paramtricas seriam, entre outras, as condies meteorolgicas que podem afetar circunstancialmente as suas decises, sem modificar o seu objetivo maior; pelo contrrio, determinadas por ele. Lembra que os economistas - e cita, nomi114
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nalmente, Fritz Machlup - privilegiaram o estudo das funes paramtricas, deixando de lado um amplo conjunto de problemas que requerem um mais ativo, morfogentico, agente econmico, isto , um agente que, ao invs de meramente ajustar-se homeostaticamente ao meio, seja, principalmente, um transformador do ambiente sua volta. Longe de causar desordem ou caos, aparentes desvios do equilbrio homeosttico podem realmente resultar em aumento na organizao do sistema e decrscimo na sua entropia6.

Esse agente morfogentico preferir valorizar a informao mais segura, ainda que esta lhe represente algum custo, informao mais improvvel, mesmo que, por definio, mais original. O fazendeiro poderia obter gratuitamente junto ao escritrio pblico de meteorologia, informaes probabilsticas sobre as condies meteorolgicas futuras. Tomaria as suas decises conforme as previses mais provveis, logo conforme informao aparentemente de menor valor. Caso, porm, o tempo evolusse na direo menos provvel, esta novidade, na verdade, poderia at quebrar-lhe a colheita, provocando-lhe conseqentes prejuzos. Por outro lado, prope Langlois, se um vidente, ainda que pago, pudesse afianar ao fazendeiro, com a mais absoluta segurana, qual seria a evoluo do tempo meteorolgico, ele no somente estaria totalmente seguro na sua deciso, como at poderia, diante dessa certeza, aumentar seus investimentos para obter ainda maiores ganhos. verdade que o contrato de aquisio dessa informao deveria ser fechado antes dela ser liberada. O agricultor a compraria sem saber o qu, exatamente, estaria comprando, mas presumindo que, fosse qual fosse a informao, ela lhe traria um ganho adicional que compensaria, com sobras, o seu custo. O preo dessa informao, ento, reflete o seu valor esperado pelo agricultor, medido pelo ganho maior que lhe aportou ou, na pior das hipteses, pelo eventual prejuzo que lhe evitou.

Detenhamo-nos um pouco neste conceito de valor esperado. Caso o agricultor tomasse as suas decises com base nas alternativas possveis oferecidas pelo servio pblico gratuito, o tempo (cronolgico) entre a deciso de plantar e a realizao da colheita corresponderia tambm ao efetivo tempo (cronolgico) durante o qual seriam removidas as suas incertezas sobre os humores climticos. As previses meteorolgicas somente se confirmariam, ou no (com seus ganhos ou perdas), ao se completar o ciclo do plantio. Ao contrrio, o vidente teria realizado a supresso do tempo cronolgico, como, alis, a iluso de todos os videntes: reduzir o tempo a zero. O vidente parece trazer para o presente imediato e, por isto, faz certeza, algo que poderia ocorrer num momento futuro, por isto era incerteza. O que o agricultor lhe comprou, seria esta possibilidade de antecipar-se a qualquer incerteza, no importa se maior ou menor. No limite, se eliminado o tempo (cronolgico), eliminar-se-ia a incerteza, como j discutimos antes (Captulo 1). Exatamente porque um sistema biolgico, no geral, e um subsistema histrico,
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em particular, so, principalmente, agentes ativos sobre o meio e, no, reativos ao meio, eles tendem a valorizar sempre qualquer possibilidade de se anteciparem s incertezas, eliminando-as, do que correrem riscos de com elas se defrontarem, qui perigosamente. A informao precisa, como imprecisamente se diz, isto , o dado extrado da incerteza j processada, pode, por isto, ser dotado de valor. Mesmo que desconhecendo o contedo deste dado a priori, algum poder estar disposto a pagar por ele, pelo que ele lhe promete antecipar s incertezas futuras. por isto, e no pela vacuidade consumista descrita por Bell (Captulo 3), que a economia (ou sociedade) da informao tende a ser uma economia do tempo.

O difcil preo justo

Na linguagem de teoria marginalista do valor, conforme este problema discutido por Benjamin Bates7, existe inerente desigualdade entre o custo marginal e o rendimento marginal da informao. O custo marginal da informao zero ou muito prximo de zero porque, aps a primeira reproduo de uma pea de informao, as demais no custam virtualmente nada. Logo, nos termos da teoria neo-clssica, a eficincia econmica exigiria que a renda marginal do produtor da informao tambm fosse zero. Noutras palavras, o produtor da informao no poderia vend-la. Sem poder vend-la, no teria estmulo para produzi-la. Donde, produzir informao no seria um negcio que pudesse interessar aos agentes privados, obrigando-se o poder pblico a intervir para assegurar o suprimento necessrio de informao sociedade. Tal faria da informao, um bem essencialmente livre8. O servio meteorolgico pblico, portanto, no teria muito a temer da competio com o vidente - embora este dispusesse de informao mais valiosa - porque ele no demoraria a mudar de ramo, em nome do timo de Pareto... Digamos que o vidente poderia ter uma alternativa. Ao invs de vender oralmente a sua informao para um nico fazendeiro, a redigiria numa folha 116
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Mesmo que aceita a noo de valor esperado, no fica claro como o agricultor e o vidente poderiam negociar um preo justo pela informao precisa. Como dimensionar o valor esperado? O agricultor, isto o usurio, poderia relacionar este valor ao ganho assegurado - e, talvez, elevado - que obteria ao ter certeza sobre o futuro. Mas o vidente, isto o fornecedor, enfrentaria um difcil dilema: uma vez vendida a informao para o primeiro agricultor, nada impediria que este a transmitisse, cobrando ou no, para o seu vizinho. E este, para o seguinte. Mais fcil do que prever o futuro meteorolgico seria, para o nosso vidente, adivinhar a sua prpria fome futura, em poucos dias, exceto se, na primeira venda, pudesse cobrar um preo algo equivalente receita que o fazendeiro esperaria obter da sua colheita. E da, obviamente, no teramos negcio.

Ou seja, o vidente, para resolver o seu problema, introduziu custos na distribuio, na medida em que incorporou o dado informacional a um suporte fsico, atravs do qual aquele dado poderia chegar, quase simultaneamente, ao alcance do maior nmero possvel de consumidores, que aceitassem pagar os custos atribudos sua forma material. Entretanto, como a informao verdadeiramente til no esta forma material em si, mas a mensagem nela contida, outros usurios tratariam de ter acesso a ela por outros meios, beneficiando-se exatamente da qualidade semntica da informao social. Logo, se numa sociedade determinada pelas relaes capitalistas de produo e apropriao, o valor econmico da informao tende, segundo Bates, a ser acoplado ao do meio que a distribui, mais do que utilidade da informao em si9, persiste o problema bsico de o valor do bem informacional, para os compradores, continuar vinculado ao seu contedo e, no, como poderiam pretender os supridores, aos seus suportes materiais.

de papel, a reproduziria em numerosas cpias e tentaria vender estas cpias ao maior nmero possvel de fazendeiros, na regio. Agora o vidente poderia estimar o seu custo pelo tempo de trabalho consumido na redao e pelos custos dos materiais utilizados (tinta, papis etc). Possivelmente, muitos fazendeiros se interessariam na compra de uma cpia, cujo preo lhes pareceria razoavelmente baixo, em funo do valor esperado da informao qual iriam acessar. Porm muito provvel que muitos outros fazendeiros prefeririam perguntar aos seus vizinhos sobre a informao contida no papel, obtendo-a de graa. E, mesmo se alguns dos fazendeiros que pagaram se mostrassem ciosos da informao comprada, dela fazendo segredo, bastaria aos demais observar as decises daqueles - que j saberiam seguras - e tratar de acompanh-las.

Valor subsidirio

Bates, para resolver este paradoxo, introduz o conceito de valor subsidirio (ancillary value). A partir da noo de sistema, ele sugere que uma dada informao, ao modificar o comportamento de um indivduo, acaba tambm, de um modo ou de outro, afetando outras pessoas, positiva ou negativamente. Este alis um comportamento conhecido no mercado de capitais: quando certos investidores tomam alguma posio, outros tratam de segui-los, mesmo que no tenham completa clareza dos motivos dos primeiros. Mas este valor subsidirio de um bem informacional no costuma ser considerado formalmente pelo mercado capitalista, nem entrar nas formulaes da teoria econmica. Interessados apenas nos custos ou benefcios diretos, tanto os agentes econmicos privados, quanto os seus tericos, acabam aumentando, talvez desnecessariamente, aqueles custos, logo reduzindo os seus benefcios, ao no inclurem em seus cmputos aquilo que a teoria prefere denominar como
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Ignorando o valor total do bem informacional (custos e benefcios diretos e subsidirios), mas tendo que haver-se com ele, pois intrnseco natureza desse tipo especial de commodity, o produtor privado procura aumentar o seu custo subsidirio, impondo, por exemplo, barreiras de acesso ao bem, na medida em que maior possa ser o benefcio social do seu valor subsidirio, ou seja: na medida em que mais extensivo possa ser o interesse social pela sua reproduo naturalmente a custo zero. como se o vidente resolvesse cobrar mais caro pela sua folha de papel, de modo a induzir os possveis compradores a serem mais cuidadosos, por assim dizer, diante daqueles que tentassem saber, a custo zero, que mensagem ela, a folha, conteria. Porm, este aumento no custo levaria boa parte daqueles fazendeiros que antes mostravam-se dispostos a pagar um certo preo, a reagir de modo correspondente, movendo-se em direo ao menor custo marginal (maior benefcio marginal direto), e optando por um bem de menor valor subsidirio, logo de menor valor total: poderiam preferir o dado do servio pblico mesmo que, menos seguro, no favorecesse decises timas. Da, Bates conclui, os mercados privados para a informao tendem a ser sub-timos11, pois acabariam no assegurando a todos os agentes, a possibilidade de terem acesso a uma mesma e mais completa informao na hora de tomar as suas decises.

externalidades. Estas externalidades seriam os custos e os benefcios indiretos, subsidirios, do bem informacional, geralmente assumidos, alis, pelas polticas pblicas: apenas o mercado pblico reconhece e incorpora aspectos do valor social dos bens informacionais em suas aes de produzir e consumir10.

Em suma, a eficincia alocativa do mercado v-se comprometida na medida em que avanam os processos de privatizao da informao. Para Bates, polticas pblicas deveriam ser implementadas visando incentivar os agentes econmicos, tanto governamentais quanto privados, a considerar o valor total da informao em suas decises. Somente assim, a teoria e a realidade coincidiro no funcionamento de mercados timos para bens informacionais. Caso contrrio, o receio de muitos estudiosos a respeito do declnio do bem estar social e da eqidade numa sociedade da informao poder tornar-se realidade12.

Um mercado difcil

Essas dificuldades relativas apropriao e mercantilizao da informao vm sendo percebidas pelos neo-clssicos, desde que o tema comeou a emergir como objeto de estudo econmico. Um bom exemplo encontramos na polmica entre Kenneth J. Arrow13 e Harold Demsetz14. Os trabalhos de Arrow, do incio dos anos 60, costumam aparecer na literatura como dos primeiros a 118
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Ambos esses autores, bem como outros reunidos num livro pioneiro, editado por D. M. Lamberton15, reconheceram a extrema dificuldade que a formalizao da concorrncia perfeita, conforme elaborada pelos neo-clssicos, enfrentaria diante da tendncia mercantilizao da informao. Arrow lembrou que o modelo paretiano, para funcionar, exclua indivisibilidades, inapropriabilidades e incertezas16. Em suma, justo as qualidades intrnsecas da informao. Ponderou que os dois primeiros aspectos vinham sendo j estudados, mas o problema da incerteza ainda carecia de melhor exame. Incerteza aumenta riscos e uma alocao no tima pode ser o resultado de algum empresrio se dispor a correr mais riscos que os demais. Por outro lado, se um empresrio conseguir acesso pioneiro informao que lhe diminua os riscos - como o primeiro fazendeiro do exemplo que viemos adotando - trataria de retirar da uma vantagem individual (que se traduziria em maiores ganhos sobre a concorrncia), donde tambm o mercado no lograria promover o timo. Considerando existir empresrios interessados na informao que lhes diminua os riscos, Arrow introduz a possibilidade de o intercmbio da informao vir a ser promovido por entidades que se especializariam nessa atividade, tais como os jornais17. Porm, este dono da informao - o vidente do exemplo que tomamos a Langlois - se defrontaria com o fenmeno da indivisibilidade. Uma vez revelada pela primeira vez, qualquer informao pode ser infinitamente reproduzida a custo zero ou quase zero. Para sentir-se estimulado a investir neste negcio, o dono da informao precisaria estar dotado de algum direito sobre ela. Se no possui esse direito, no divulga a informao, e o mercado, dela precisando mas dela no tomando conhecimento, no lograr o timo, pela ausncia de informao completa. Se possui esse direito e divulga a informao, encontra-se numa situao monopolista (de nico vendedor de um bem) que, tambm, obstaculiza o timo. Quando percebemos que Bates, cuja leitura realizamos acima, tambm aponta as mesmas questes, embora escrevendo cerca de 20 anos depois, parece-nos que elas tornaram-se razoavelmente disseminadas e consensuais, entre os economistas ortodoxos. Para Arrow, mesmo medidas legais de proteo propriedade da informao (e a apropriao um pressuposto bsico nos sistemas neo-clssicos) no seriam plenamente eficazes:
A posio seminal de Arrow e uma relao de seus continuadores pode ser conferida em Benjamin Bates, op. cit.18 TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

discutir o valor da informao, estabelecendo conceitos que se consolidariam com o tempo, na mesma linha seguida por Bates, como expusemos acima*.*J Demsetz, no fim da mesma dcada 60, dirigindo um de seus ensaios diretamente contra Arrow, surge como um dos primeiros a formular uma teoria dos direitos autorais que (os fatos demonstram) parece vir se consolidando, neste fim de sculo XX.

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Nenhuma proteo legal pode converter num bem completamente aproprivel, algo to intangvel quanto a informao. O uso mesmo da informao em qualquer forma produtiva, a revelar, ao menos em parte. A mobilidade das pessoas entre as empresas constitui um canal de difuso da informao. Os direitos de propriedade legalmente impostos somente podem providenciar uma barreira parcial, porque obviamente existem grandes dificuldades para definir de forma clara um elemento de informao e diferenci-lo de outros elementos similares19.

Do lado do consumidor, Arrow percebeu um paradoxo fundamental: o valor da informao no ser conhecido antes que ele a tenha, mas ento j ter obtido o seu efeito sem nenhum custo20. Este problema parece-nos resolvido, se aceitamos estar o comprador interessado numa informao suposta segura a priori, independentemente de qual seja o seu contedo. Arrow, no percebendo este aspecto, concluiu que tambm o comprador estaria submetido a critrios no-timos de escolha, caso esta escolha exigisse um preo, pela impossibilidade mesma de avaliar esse preo na margem. Da, seja pelo ponto de vista do fornecedor, seja pelo ponto de vista do usurio, delineava-se uma grande dificuldade para a criao de um mercado de informao, se por alguma razo se o deseje criar21 - conforme quela poca, ele ainda duvidosamente se exprimia. Para o usurio, o acesso informao deveria ser gratuito. Para o fornecedor, a oferta deveria ser-lhe exclusiva. Numa economia socialista ideal, a remunerao pela inveno estaria separada por completo de todo encargo para os usurios da informao22, observa, anotando ao rodap da pgina que esta separao existe na Unio Sovitica. Mas, numa economia de livre empresa, a atividade inventiva est apoiada no uso do invento para criar direitos de propriedade; precisamente na medida em que tal uso tenha xito, haver uma utilizao deficiente da informao23*.*Insistindo que a indivisibilidade da informao tenderia a tornar incrivelmente complexas24 as leis sobre patentes; e que a proibio de uso de uma inveno por terceiras empresas diminuiria ainda mais a efi cincia da atividade inventiva; Arrow chega afinal concluso - paradoxal, em se tratando de um liberal - de que esta atividade deveria ser, ou tornar-se, basicamente, uma iniciativa pblica. Caberia ao Estado ou a entidades no-lucrativas liderarem-na exatamente para que, igualando o acesso de todos informao, pudessem ser respeitados os postulados da economia neo-clssica, que buscam maximizar a satisfao individual pela crena na racionalidade distributiva do mercado livre:
* Arrow e, tambm, Damsetz, discutem basicamente a apropriao do conhecimento cientfico-tcnico orientado para a produo, da o uso, em muitas passagens, das palavras inveno, inventivo etc. Mas no excluem da suas consideraes, todo o tipo de informao que possa ser til s atividades econmicas. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Introduz-se a escassez

A alocao tima inveno iria requerer que o governo, ou algum outro organismo no dirigido por critrios de ganhos e perdas, financiasse a investigao e a inveno25.

O ataque direto contra Arrow, desferido por Demsetz, estava destinado a fornecer uma base terica justamente a uma nova, complexa, abrangente e muito mais rigorosa legislao sobre a propriedade intelectual. Demsetz comea acusando Arrow de apoiar-se num enfoque de nirvana e de cometer falcias lgicas26 que no respeitariam as diferenas entre o ideal e o real. Na anlise de Arrow, conceitos como governo, no lucrativo, no timo etc., apareciam como categorias puras, descritas como deveriam ser e, no, como o so na realidade. Acusa Arrow de ignorar a importncia da escassez na anlise econmica, uma posio estranha para um economista27. E inclui entre os bens econmicos, buscar reduzir o risco. Conseqentemente, a questo importante para a sociedade relaciona-se aos arranjos institucionais mais adequados para produzir a diminuio na transmisso dos riscos28.
Sendo a escassez um fato, a diminuio do risco no pode lograr-se sem custos, logo a economia eficiente com averso ao risco [...] no produz completa transmisso do risco. Ao contrrio, diminui ou transmite o risco somente quando o ganho econmico for maior que o custo. Quando comparamos distintos arranjos institucionais para lograr aquele ganho, fica difcil manter a escassez fora de nossos clculos, de modo que se torna obviamente enganosa e incorreta a afirmao de que uma economia de livre empresa, ou de outra classe, ineficiente se deixa de economizar no risco, como o seria se a transmisso ou reduo do risco fosse gratuita29.

Colocando, no centro da discusso, a averso ao risco como um bem econmico - da que, concordamos, o fazendeiro preferir a informao totalmente segura do vidente mais ou menos segura do servio meteorolgico -, Demsetz transfere para o mercado a definio dos arranjos institucionais que permitam reduzir ou transmitir riscos. O mercado favorece os que tenham menos averso aos riscos, enquanto o governo - ou melhor, as pessoas concretas que compem os governos reais - movido pela averso, em princpio, a riscos. Tratando sempre da escassez e dos indivduos tais como so, Demsetz no toma conhecimento da qualidade indivisvel da informao social, e no aceita o que considera
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pessimismo, em Arrow, quanto possibilidade de o valor da informao social ser apropriado pelo seu produtor. Tudo se resume a estabelecer e impor regras e punies legais. O roubo da informao, em princpio, no difere do roubo de um automvel. parte da vida e dos custos econmicos.

A apropriao , em larga medida, uma questo de arranjos legais e da imposio desses arranjos por meios privados ou pblicos. Pode-se aumentar o grau de apropriao privada do conhecimento, elevando-se os castigos por violaes de patentes e incrementando os recursos destinados vigilncia contra tais violaes [...] O problema do roubo to geral quanto o do azar moral e, se bem possam existir diferenas no custo para a reduo dos roubos de vrios tipos de ativos, no existe diferena em princpio [...] Sempre se pode empregar um conjunto mais duro de penas para incrementar a apropriao do conhecimento30.

Se a informao pode tornar-se escassa atravs do enrijecimento da legislao proprietria, tambm tornar-se-ia divisvel se os usurios diretamente interessados so levados a pagar por ela. Como a atividade geradora de informao deve remunerar aqueles que a ela se dedicam, caso fossem institudos fundos pblicos atravs do qual o corpo social aceitasse compartilhar os recursos necessrios sustentao daquele fornecedor, sempre poderia ocorrer a algum no participar desse rateio, sem deixar de beneficiar-se dos seus resultados que, publicamente financiados, seriam publicamente divulgados. Demsetz sugere que os fornecedores de informao poderiam acertar acordos com os usurios, tornando estes co-proprietrios e, logo, co-responsveis pelos direitos de propriedade: ou seja, o melhor para o vidente do exemplo que tomamos emprestado a Langlois (ou estamos roubando?) seria compartilhar, com quem a comprasse, a propriedade da informao contida no seu papel, de modo a que este comprador tambm se preocupasse em evitar a sua livre difuso, dando acesso a ela apenas para terceiros que, tambm, por ela pagassem. Ao mesmo tempo, esta frmula reduziria o universo de rateio, logo alguma possibilidade de a atividade informacional vir a ser publicamente financiada. O conhecimento passaria a ser um bem escasso, limitado queles que souberam correr o risco e, por isto, podem dele se apropriar. Em suma, para Demsetz, tudo uma questo de desenhar arranjos institucionais que proporcionem incentivos e estmulos experimentao [...] sem isolar abertamente essas experincias da prova final da sobrevivncia31 incentivos que permitam diversificar a pesquisa, ao mesmo tempo em que desencorajem pesquisas no promissoras e, paralelamente, favoream extensivo 122
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emprego dos novos conhecimentos. Confessa desconhecer arranjo institucional capaz de assegurar a consecuo desses objetivos, nem sempre convergentes. E conclui admitindo: Os conceitos da concorrncia perfeita e do timo de Pareto no podem ajudar muito, por enquanto, na obteno desse equilbrio32.

Qual racionalidade?

luz da proposta de Bates, se retornarmos ao nosso problema inicial, o preo justo a ser acordado entre o vidente e o agricultor seria aquele que consideraria, por um lado, a garantia de sobrevivncia do vidente e, por outro, os benefcios da sua informao para os fazendeiros vizinhos (e, tambm, no devemos esquecer, para os compradores dos produtos desses fazendeiros). Se o vidente, digamos, firmasse com um ou mais de um fazendeiro um contrato de exclusividade e no-reproduo da informao (como teria preferido Demsetz), o resultado econmico seria no-timo, sem considerar a possibilidade de a informao, pela mera observao dos agentes, vir a ser informalmente difundida, ainda que talvez imperfeitamente (o que s agravaria o problema). O nico acordo timo seria aquele que assegurasse ao vidente a sua sobrevivncia e, ao mesmo tempo, desse a todos acesso equitativo informao: este seria um acordo envolvendo o valor total da informao. Ou seja, seria necessrio desvincular o custo do uso (conforme sugerira Arrow) e, tambm, se esperaria um comportamento no egosta por parte de alguns fazendeiros relativamente a outros: isto , a renncia por alguns a qualquer desejo de apropriao individual do valor direto da informao que impedisse aos demais se beneficiarem de seu valor subsidirio. Evidentemente, cairamos aqui no caso da economia socialista ideal, conforme a expresso de Arrow, e, diria Demsetz, no estaramos tratando dos homens tais como eles so. Para Bates, os indivduos sociais deveriam ser incentivados naquela direo - e, para isto, existem os poderes pblicos e a sociedade poltica. Demsetz, ao contrrio, parece que estimularia alguns fazendeiros a incorporar nos seus custos, os salrios de capangas que tratariam de impedir o uso da informao pelos demais fazendeiros, reprimindo-os, mesmo que estes to s se limitassem a meramente observar e se pautar pelo comportamento de seus privilegiados vizinhos. Resta saber, assumindo que a teoria neo-clssica se reivindica racional, qual dos dois tipos de fazendeiros estaria agindo de modo mais racional: os que compraram a folha escrita do vidente, ou os que preferiram aguardar e agir em funo do comportamento daqueles?

Rumo excluso

O debate entre os neo-clssicos, conforme os exemplos que buscamos resenhar acima, nos demonstra a extrema dificuldade com que o capital se defronta
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em seu esforo para se apropriar do valor da informao social. Tentando ignorar as suas qualidades intrnsecas - a informao um processo interativo, indivisvel e (se social) semntico -, o capital se prope a reduzi-la a coisa, a commodity, ao que denomina bem informacional. Ou, como revela o eixo da argumentao de Demsetz: o capital trata de tornar escassa a informao. S pode faz-lo se estende a apropriao aos meios materiais de reproduo e transmisso. Da, tenta reduzir o seu valor ao valor desses meios, conforme tambm preconizado por Bell (Captulo 3). Porm, mesmo como coisa, as dificuldades para equalizar custos e benefcios marginais, bem expostas por Bates e Arrow, indicam que continua difcil atribuir valor de troca, ou valor econmico, informao. A soluo neo-clssica, assim, oscila entre uma utopia socialista ideal ou, mais pragmaticamente, um reforo dos mecanismos repressivos, autoritrios, que protejam a informao controlada pela parte dominante da sociedade, contra os interesses excludos dos demais.

Os neo-clssicos so os primeiros a nos sugerir que a informao um recurso social, cuja utilizao s pode ser otimamente realizada se socialmente determinada, conforme critrios pblicos de deciso. Se entendemos bem, os esforos do capitalismo informacional para estabelecer regras de apropriao da informao, tendem a nos conduzir a uma sociedade dividida entre poucos fazendeiros cercados de capangas pagos, e muitos seres humanos sem a informao necessria para plantar. Esta frase uma metfora, mas uma metfora real. A evoluo nas relaes sociais e econmicas que ora assistimos tanto nos pases centrais quanto nos perifricos, nos a denuncia quotidianamente atravs da mais elementar observao da misria e violncia que cresce nossa volta. Se esta evoluo lograr xito, apenas conduzir a uma sociedade global excludente e autoritria. Retornaremos aqui, nos Captulos 6 e 7.

Referncias Bibliogrficas
2. idem, ibidem.

1. MARX, K. Elementos fundamentales..., op. cit., Vol. 2, pag. 228. 4. SCHILLER, Dan. How to think about Information in MOSCO, V. e WASKO, J. op. cit., pag. 33. 3. MARX, K. O Capital, op. cit., Vol. 1, Tomo 1, pag. 161.

5. LANGLOIS, Richard N. Systems Theory, Knowledge and the Social Sciences in MACHLUP, Fritz e MANSFIEL, Una. The study of information: interdisciplinary messages, Nova York, EUA: John Wiley & Sons, pp. 581-637, 1983. 7. BATES, Benjamin J. Information as an Economic Good: Sources of Individual and Social Value in MOSKO e WASKO, op. cit. 6. idem, p. 599, grifos no original.

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8. idem, p. 80.

9. idem, p. 81., grifos meus - M.D. 10. idem, p. 87. 11. idem, p. 89 12. idem, p. 91.

13. ARROW, K. J. Bienestar econmico y asignacin de recursos a la invencin in LAMBERTON, D. M. (Org.), Economia de la informacin y del conocimiento, Mxico, MEX: Fondo de Cultura Econmica, pp. 137-153, trad., 1977. 15. LAMBERTON. op. cit. 16. ARROW, op. cit. 18. BATES, B, op.cit. 20. idem, ibidem. 21. idem, p. 144. 24. idem, p. 146. 25. idem, p. 151. 27. idem, p. 158. 28. idem, p. 160. 31. idem, p. 175.

14. DEMSETZ, H.Informacin y eficiencia: otro punto de vista in LAMBERTON, D. M., op. cit., pp. 154/179.. 17. ARROW, K. idem, p. 137. 19. ARROW, op. cit., p. 143 22. idem, p. 145, grifos meus - M.D.

23. idem, ibidem, grifos meus - M.D. 26. DEMSETZ, H. p. 154 passim.

29. idem, p. 160, grifos no original. 30. idem, p. 164 passim 32. idem, ibidem.

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Captulo V

Trabalho com Informao


Alvaro Vieira Pinto

O trabalho por essncia cientfico, assim como a cincia por essncia resultado do trabalho. Num e noutro caso importa compreender que se trata de um processo histrico e por conseguinte social.

Neste captulo, chegamos ao mago do nosso problema que, de certa forma, uma resposta ao desafio proposto pelos Schiller. O que se segue deve ser entendido como uma espcie de exerccio lgico na busca de um fio condutor para posteriores investigaes, exerccio este apoiado em toda a discusso travada at aqui e nas ferramentas do mtodo dialtico, conforme as viemos utilizando.

Salvo as referncias anteriores obtidas em Dan Schiller (Captulo 3), no nos consta que a escola clssica do valor trabalho, especialmente a de formao marxiana ou marxista, tenha avanado muito no estudo do valor da informao. Herbert Schiller acrescentaria que no temos mesmo nenhuma teoria disponvel que explique o processo atual de transformao da informao em recurso aproprivel pelo capital, embora este processo todo ele pudesse ser um vibrante tema para uma poderosa e excitante Economia Poltica da Cultura1.

Trabalho sgnico

Gerar e comunicar informao social , antes de mais nada, um trabalho sgnico, um trabalho de codificar e decodificar signos. Como diz Eco, produzir 126
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Embora no seja, fundamentalmente, um trabalho de transformao imediata de um objeto material, o trabalho sgnico transforma - e no pode deixar de transformar - o prprio ser humano enquanto ser material, enquanto organismo vivo que busca sustentar a sua neguentropia. Mesmo que, figurativamente, admitssemos que a mo, agora, estaria sendo muito pouco exigida, certamente os neurnios e as clulas nervosas ligadas viso, audio, aos demais sentidos, seguem sendo to ou mais exigidos no trabalho com informao que no trabalho material tradicional. O trabalhador da informao pode at passar toda a sua jornada de trabalho sentado numa mesma cadeira, examinando nmeros ou vigiando painis de controle, mas ter a mesma necessidade de alimentar-se trs vezes ao dia (pelo menos), de dormir oito horas por noite (em mdia), como qualquer outro trabalhador que passe a jornada andando de um lado para outro, carregando peso, ou apertando parafusos. claro que os efeitos, no tempo, de um trabalho ou de outro sobre o organismo - os tipos de doenas, as deformaes, os desgastes deste ou daquele rgo, o stress, a longevidade etc. - podem ser muito diferentes. Mas o trabalhador informacional, se no age diretamente sobre a matria agora transformada pelo trabalho morto, torna-se ele prprio o objeto de um trabalho sobre si mesmo, que o sujeita ateno, disciplina, autocontrole, desgastes vrios, devidos a atividades determinadas objetivamente, isto , fixadas como finalidades a ele externas, como finalidades estabelecidas por uma racionalidade sistmica que, em muitos casos, no tem como perceber em sua totalidade.

signos implica um trabalho, quer estes signos sejam palavras ou mercadorias2. Alm de alguma fadiga fsica, mesmo que mnima, necessria emisso ou recepo, seja de signos verbais, seja de signos icnicos, a produo ou recepo de signos impe escolhas que custam tempo e consomem energias psquicas3.

Trabalho material

Por outro lado, o produto do trabalho com informao , tambm, material. Algum substrato material deve existir para o transporte dos sig nos, nem que seja apenas a luz natural ou o ar. Como vimos no Captulo 1, a informao paga o seu preo Segunda Lei. Se a comunicao no interior de um subsistema social for basicamente oral, como o era nas comunidades tribais primitivas, as vibraes do ar podem bastar. Mas se a comunicao precisa cobrir distncias inatingveis pela voz; precisa perpetuar-se ao longo de um certo tempo (maior ou menor) como parte da memria social; precisa ordenar um grupo muito vasto de indivduos distribudos num amplo espao; precisa transmitir um conjunto muito grande de dados etc.; ento, o ar e outros meios naturais ou primitivos (como a fumaa usada por indgenas norte-americanos) deixam de ser suportes adequados. O trabalho sgnico passa a incorporar, por isto, uma fase necessria,
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mais ou menos demorada, de registro material, de gravao da mensagem em algum suporte fsico mais duradouro, atravs do qual se efetiva a interao. As sociedades humanas fazem isto h milnios e porque o fazem, somos a nica espcie animal a ter conhecimento e conscincia da sua prpria histria, na medida em que as geraes passadas comunicam-se com as geraes futuras.

Nas sociedades pr-capitalistas, porm, a produo sgnica, incluindo a sua concretizao material, era apangio de reduzidas elites que sequer definiam essa atividade como uma forma de trabalho. Somente o capitalismo, sobretudo nos pases centrais, precisou empregar nela a maioria da populao. Mais ainda: logrou tornar a produo material sgnica uma parte integrante necessria e, por fim, determinante do processo material de produo e do prprio ciclo de acumulao do capital. No tempo de Marx, o trabalho com informao, enquanto tal, era virtualmente o trabalho do capitalista individual em pessoa, s vezes ajudado por algum guarda-livros, engenheiro, contra-mestre ou outros auxiliares. De l para c, o trabalho com informao veio se tornando determinante, constituindose em um processo complexo, relativamente demorado, realizado no interior de uma vasta organizao burocrtica - o escritrio.

Conceito de produto

A expanso do escritrio assunto ao qual voltaremos no Captulo 7 - foi, fundamentalmente, o resultado da apropriao pelo capital do conhecimento para a produo, antes detido pelo trabalhador imediato. Na medida em que esse conhecimento precisou ser formalmente organizado, como conseqncia, por um lado, da sua extrao do processo imediato de produo e, por outro, das exigncias da expanso mundial do capital, a produo material sgnica tornouse ela mesma um processo de trabalho, trabalho no-imediato relativamente ao objeto da transformao, trabalho qualitativamente distinto daquele realizado no processo imediato de produo. Enquanto o resultado da produo imediata a transformao mesma da matria - do que hoje, quase inteiramente, se encarrega o trabalho morto -, o resultado da produo material sgnica uma descrio, fisicamente registrada, na matria (a ser) transformada. De alguma maneira, essa distino percebida pela literatura scio-econmica recente, ainda que, em termos, ao nosso ver, um tanto quanto esquemticos, como nesta afirmao de Michael Porter: a maioria dos produtos tm tanto componentes materiais, quanto informacionais4. Assim dito, podemos perceber um programa de computador como um produto com elevado componente informacional e pouco componente material. Podemos perceber um automvel como um produto com elevado componente material e pouco componente informacional. Mas, podemos, tambm, entender essas percepes como aparentes, em ambos os casos: um programa de computador 128
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no pode ser produzido sem o emprego de concretas mquinas computadoras, instalaes adequadas etc., e nem sem o corpo fsico que sustenta, com todas as suas necessidades energticas, a mente humana que o desenvolve. Nem a produo de um automvel pode prescindir de todo o conhecimento cientfico-tcnico congelado nos sistemas de maquinaria, bem como do trabalho informacional de mercadologia, projeto, desenho etc., que orientou - codificou - a sua fabricao. Assim, entendemos que o produto um suporte fsico material de uma realizao informacional. As formas, as dimenses, os contedos fsico-qumicos do suporte fsico podem e devem variar, subordinadas s suas formas e contedos informacionais. A informao so cialmente til contida num programa de computador pode ser congelada em alguns disquetes, livros de instruo e uma caixa de papelo (mas quanto trabalho informacional e material no ter sido necessrio para a realizao fsica tambm desses disquetes e papis!). J a informao contida num automvel estar congelada na massa de materiais metlicos, plsticos etc., atravs dos quais ela se tornou socialmente til.

Trabalho redundante

Munidos dos conceitos preliminares acima, propomos examinar um processo bem simples de trabalho sgnico. Com base em observaes empricas assistemticas colhidas ao longo de um ano e meio numa empresa fabricante de computadores, onde trabalhamos; e, tambm, nas anotaes, registros de memria e texto final de uma pesquisa que realizamos para a Associao Brasileira da Indstria de Computadores (Abicomp), em 1988, publicada no comercialmente sob o ttulo O crime de Prometeu5, vamos isolar um posto de trabalho em linha de montagem e verificar o que ali acontece. Faremos um exerccio de abstrao que, se vlido, poder servir de modelo a posteriores pesquisas empricas.

Assumimos que se trata de um posto de trabalho qualquer na linha de montagem de uma fbrica de produtos eletrnicos ainda no penetrada pelas tecnologias de automao flexvel e outras formas recentes de reorganizao da produo. Temos aqui um montador ou montadora que deve implantar numa placa de circuito impresso, uma quantidade pr-determinada de alguns componentes. Esses componentes, conforme cada tipo, esto distribudos em gndolas situadas frente do montador. Eles so de forma e cores diferentes e o montador os identifica por essas formas e cores que, por sua vez, correspondem a um desenho - uma descrio parcial - que orienta a posio exata de cada componente na placa. Este desenho pode ser apresentado ao montador em diferentes suportes: folhas de papel, monitores de vdeo, at vir impresso na prpria placa a ser montada. A natureza do suporte contendo a descrio pouco importa ao processo em si. O determinante a relao denotativa, quase sinttica, do montador com a figura descrita. Ele no precisa saber os nomes dos componentes, muito menos suas funes. Os traos
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e cores no desenho so-lhe signos que significam, cada um, uma posio exata na placa. Eles no so, para o montador, transistores, capacitores, dijuntores. Eles so posio exata. O montador deve se orientar sintaticamente, como se fosse um co de Pavlov, pelas formas dos traos e das cores. Ele subordinado a um cdigo estrito, redundante, determinado fora dele. Tudo o que lhe cabe , quase num processo estmulo-resposta, obedecer mensagem que o desenho lhe transmite, mensagem esta codificada, logo gerada, noutro departamento da empresa. E deve faz-lo conforme tempos estritamente controlados.

Os processos informacionais (que ainda no examinamos, em detalhe, a montante) consumam-se no posto de trabalho atravs de, grosso modo, duas entradas e uma sada. As duas entradas so o desenho significante e o material significado. A sada o material onde o desenho concretizou-se, a redundncia concreta da placa de circuito impresso com os seus componentes. O montador ou montadora, no posto de trabalho, com seus crebro, sistema nervoso e msculos, funcionou como um suporte fsico, um canal, atravs do qual se concluiu a comunicao entre aqueles dois processos. um canal previsto, programado, para transmitir mensagens sintticas, no nvel de organizao do posto de trabalho. Mas o montador, ele mesmo, outro nvel de organizao ainda mais elementar, molecular, com seus prprios canais internos de comunicao entre o seu crebro (com todo o seu estoque semntico), seus rgos de sentido, seus msculos. A informao que entra no posto de trabalho sensorialmente captada pelo subsistema humano e origina um trabalho deste subsistema sobre si mesmo: as formas dos desenhos e dos materiais, processadas no crebro, ordenam o sistema nervoso e muscular do indivduo, provocando os movimentos que reintroduzem a informao no ambiente e reposicionam os materiais numa forma que, para o montador, como agora a percebe sensorialmente, nova, no estava ali antes, mas, para o nvel englobante - o posto de trabalho - j estava de130
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Neste posto de trabalho, conforme o estamos observando isoladamente, intercomunicam-se dois processos informacionais: um veio se realizando at materializar-se na descrio sgnica da montagem, no desenho que a orienta; outro a chegou j posto como produto material, embora, necessariamente, ter sido, antes, tambm alvo de um processo informacional cientfico-tcnico. O montador consuma, concretizando, uma totalidade informacional at ento abstrata que, porm, aparentemente cindida naqueles dois processos (e estes em muitos outros) j se vinha materializando descritivamente noutros momentos anteriores ao encontro final no posto de montagem. O produto montado, alis, vir a ser, adiante, elemento dado em novos processos informacionais, inclusive quando em uso. No iremos at l, que j estaramos entrando em um outro nvel de organizao do sistema social: no nvel do mercado, no nvel do consumidor. Fiquemos aqui, por enquanto, neste nosso recorte celular de um subsistema produtor.

Esse trabalho - essencialmente do montador sobre si mesmo - um trabalho sgnico. A matria com a qual ele ou ela o realiza (a placa, os componentes) j foi transformada em outro lugar, talvez, em outra empresa, quase certamente pelo emprego, em alto grau, de trabalho morto. A atividade do(a) montador(a) limitou-se ao movimento de peas no pequenssimo espao que se encontra ao alcance do seu corpo. Se ainda h transformao aqui, ela se reduziu a este movimento espacial, sendo, enquanto tal, nfima relativamente totalidade do processo*.*Apenas consumou a reificao de uma semiologia redundante (informao passada) sobre trabalho morto (trabalho passado), atravs do encontro e justaposio da descrio sgnica material com materiais percebidos enquanto signos descritos. Este encontro e justaposio exige a presena do montador como sntese necessria, porque um mesmo substrato material (o seu corpo) contm os meios (a sua mente) para processar a informao necessria ao comando da limitada ao subseqente. Por isto, na medida deste seu alto grau de sintatizao, a montagem eletro-eletrnica no demoraria a ser definitivamente automatizada dela se eliminando, de vez, esse elo ainda restante de trabalho vivo.

Para o subsistema posto de trabalho, a informao real da sada deve ser a mesma da entrada, ainda que a informao formal seja outra, dada pela nova forma do suporte fsico: a placa montada. Caso a informao real da sada fosse outra, seria denunciado um erro, um rudo, uma perda de informao, com suas conseqentes necessidades de retrabalho e custo de tempo. Portanto, os nveis de organizao que englobam o posto de trabalho no o percebem, em princpio, como fonte de incerteza, pois tm por suposto que a sua sada um elemento previamente dado, na entrada. A sada j conhecida, uma certeza. Logo, esta sada no um valor esperado, se entendemos este valor como busca para antecipar qualquer incerteza, no tempo. O trabalho a realizado, por isto, custo de tempo que no acrescenta valor informacional ao resultado. trabalho redundante.

terminada redundantemente pelos processos informacionais antecedentes que ali se encontraram.

Rudos semnticos

Ocorre, porm, como o sabe qualquer pessoa com alguma experincia em indstria eletrnica, ser a montagem uma atividade sujeita a muitos erros, a ponto de exigir, depois dela, controles de qualidade e retrabalhos. Esses erros parecem indicar que, embora rotinizada ao extremo, ela no se reduz a movi*

Cabe observar que a montagem se conclui com a solda dos componentes na placa. Na solda ocorre transformao qualitativa no conjunto material. Entretanto, raramente esta solda feita pelo montador, utilizando ferramentas adequadas. Em geral, aqui o processo volta a ser automtico, realizando-se dentro de uma mquina prpria assistida por um operador que a alimenta com as placas montadas e aperta alguns botes para que ela opere na velocidade e temperatura desejadas. Em alguns ramos industriais que exigem soldagens de alta preciso, pode-se, por isto mesmo, empregar-se trabalhadores altamente especializados e treinados nesta tarefa. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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mentos meramente mecnicos. De fato, como esses movimentos so executados por um subsistema humano, necessariamente semntico, ele no pode deixar de ser afetado por elementos outros que o indivduo social leva, consigo, para o posto de trabalho. Esses elementos emergem a como fontes de rudos afetando o processo de trabalho do montador sobre si mesmo. O seu crebro, enquanto est selecionando as mensagens oriundas do posto de trabalho e assim ordenando o trabalho do corpo, tambm pode estar s voltas com outras mensagens conscientes ou inconscientes provenientes da insero social do indivduo, desde o interesse instantneo pela colega bonita que passa por perto, at memrias que, por muitas razes, insistem em concorrer na seleo: alegrias ou tristezas familiares, segurana ou preocupao financeiras, sonhos, a vitria do Flamengo domingo, a preguia da segunda-feira...

A segunda estratgia, identificada s firmas japonesas, buscar aproveitar a capacidade intuitiva dos trabalhadores para tratar dos eventos emergentes, estimulando-os a aprender fazendo7. como se, no nosso modelo, o potencial semntico do indivduo social em seu posto de trabalho passasse, por meios adequados, a tambm atuar no desenvolvimento das descries materiais sgnicas que ali chegam, elevando-o da mera condio suposta de canal, para a de interator, na estrutura comunicacional do sistema. O sistema estaria aqui assumindo 132
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Por isto, o subsistema maior - vale dizer, a unidade de capital, com os seus (sub)nveis hierrquicos - adota estratgias para lidar com o erro. Conforme Aoki6, essas estratgias podem ser resumidas a, basicamente, duas. Na primeira, de fundo organicista, que Aoki identifica s empresas norte-americanas, o capital tenta reforar os controles hierrquicos e, poderamos acrescentar, tenta promover completa eliminao dos eventos semnticos no nvel da montagem, substituindo o canal humano por tecnologias da informao (CIM, robs etc.) e, ainda, por conhecimentos congelados em sistemas de maquinaria mais sofisticados, como, na indstria eletrnica, os processos SMD. O posto de montagem tende a transformar-se numa completa unidade tcnica de processamento sinttico da informao, infenso aos rudos sociais. Pode haver-se com outros rudos (quebras, disfunes das prprias mquinas), mas estes so aparentemente mais controlveis.

O rudo dentro do subsistema humano introduz um evento inesperado, aleatrio, incerto no nvel imediatamente englobante que, se o prprio subsistema humano no logra resgatar a tempo, ser transferido para os nveis seguintes, na forma de erro. Evidentemente, os sucessivos nveis englobantes tm como trat-lo e o consertam. Mas esse erro, como apontamos acima, custou tempo. O sistema, em seu todo, no pode perder tempo com informao redundante, com informao sem valor. O tempo acrescentado aqui como retrabalho tempo concedido entropia do sistema como um todo; perda de neguentropia.

o princpio da ordem atravs do rudo. o capital reconhecendo, afinal, a sua natureza informacional.**

Com menos redundncia

Consideremos agora uma outra unidade isolada de trabalho sgnico: um posto (mesa) de datilografia. Um ou uma datilgrafo(a) geralmente realiza uma atividade to rotineira, fastidiosa, desinteressante e, at, massacrante quanto de um montador fabril. Suas mos devem mover-se rapida e ritmadamente. Entretanto, este trabalho se aceita a muito discutvel dicotomia manual/mental - no tanto ma nual; basicamente mental. Ainda que as letras e palavras possam semanticamente significar para o datilgrafo quase to pouco quanto um transistor significa para o montador (mas logo veremos que no bem assim), ele ou ela est, principalmente, capturando, processando e implantando signos, oriundos de algum suporte, em outro suporte. Aqui, o indivduo social, como sntese corpo-mente, serve de canal para um processo que comea e termina numa descrio material sgnica. O posto tem uma entrada e uma sada. O datilgrafo recebe a descrio (digamos, rascunhos), processa em sua mente os signos que percebe visualmente e os transfere, num movimento aparentemente instantneo dos seus dedos sobre um teclado, para um outro suporte - folhas de papel, disquete de computador etc. - respeitando estritamente a organizao semntico-sinttica da descrio original. O que o datilgrafo captura em seu sistema nervoso, a partir dos registros que percebe, so signos codificados na sintaxe da lngua. So signos cuja organizao significante formal domina, mesmo que os significados, at certo ponto, no precise apreender. parte inerente do trabalho de datilografia a destreza sinttico-formal, tanto quanto um antigo arteso era hbil no manejo de seus instrumentos. Embora, pelo uso quotidiano e permanente, costumemos a disso nos esquecer, as regras gramaticais em geral e as morfolgicas, em particular, nos condicionam pelas suas redundncias. Um exemplo elementar: depois da letra q, na nossa lngua, vem sempre a letra u. Outro exemplo: palavras proparoxtonas so sempre acentuadas na slaba tnica. Essas e outras muitas regras que qualquer pessoa com nvel escolar mdio sabe usar intuitivamente, so fundamentais para evitar erros de datilografia e retrabalhos. Alm disso, o trabalho de datilografia, no raro, envolve a decodificao de signos morfologicamente cursivos e sua codificao noutros, morfologicamente grficos. Em termos mais claros: a(o) datilgrafa(o) precisa traduzir garranchos
*

Com as devidas e necessrias adaptaes, o modelo sugerido pode estender-se a outras formas de trabalho fabril. Por exemplo: numa indstria de processo ou nos transportes, o trabalhador tende a ser um operador de painis de controle, sem qualquer contato direto com a matria a ser transformada. O painel a fonte de informao e, tambm, o meio pelo qual ele introduz informao no sistema, operando exclusivamente com signos. Ao contrrio do montador de placas de circuito impresso, este trabalhador est fisicamente colocado completamente fora do ciclo da transformao material. Por outro lado, num outro extremo, podemos examinar o montador da indstria automobilstica que, sobretudo antes da chegada dos robs, tinha contato mais direto, intervinha mais pessoalmente, no prprio processo de transformao material, embora, tambm no de modo determinante na sua valorizao. Estes e outros exemplos, inclusive, claro, o nosso modelo acima, podem ser fontes ainda de novas, mais consistentes, e empiricamente detalhadas, investigaes. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Assim, por um lado, o trabalho sgnico do datilgrafo meramente transfere dados de um suporte para outro; transporta redundncia. Opera alguma modificao formal na descrio material, mas nenhuma modificao real. Nem pode. O excelente datilgrafo exatamente aquele que reproduz sem nenhum erro a descrio sgnica recebida. Erros, falhas, ir ali tomar um caf, introduzem sobre-tempo, entropia, no processo. Por outro lado, esse trabalho no afetado apenas pelos rudos que nele possa introduzir o subsistema semntico do indivduo social agindo sobre si mesmo. Ele pode conter, j na entrada, dficit de informao, devido a rudos acumulados desde a sada anterior, que o prprio posto de trabalho dever eliminar. Ento, o resultado do trabalho ser algum ganho de informao, logo conter algum valor.

Aqui, localizamos uma importante diferena entre o trabalho sgnico no escritrio e no cho-de-fbrica. O montador de nosso exemplo acima no precisaria remeter-se s intenes do autor do desenho: bastava-lhe seguir rigorosamente as indicaes. J o datilgrafo, por mais que o seu trabalho parea desprovido de significados, realiz-lo- com mais eficincia, isto , com menor custo de tempo, sempre que puder perceber, num mnimo que seja, a inteno da fonte geradora da descrio original. Qualquer pessoa, produtora de relatrios escritos, que j tenha trabalhado em empresa dotada com pool de datilografia, ter passado pela experincia de, algumas vezes, precisar explicar ao chefe do pool o significado de palavras ou expresses, inclusive discutido aparentes erros de sintaxe ou de estilo, porque a datilgrafa viu-se com dificuldades na decodificao. Alis, a funo do(a) chefe , entre outras, servir de filtro nessa decodificao, supondo-se a sua maior experincia, formao educacional etc*.*

manuscritos para as letras de imprensa dos teclados. Por tudo isto, um analfabeto enfrentaria aqui dificuldades insuperveis (embora, eventualmente, possa at trabalhar como montador fabril). No basta ler a e teclar a. Um conhecimento lingstico, semntico, bsico remetido s intenes do autor, aliado ao domnio emprico das redundncias da lngua ajudam, e muito, na velocidade do processo.

Momentos de um processo

Os signos comunicados a postos de trabalho com informao, como os que viemos examinando, so parte de uma totalidade informacional abstratamente dada que, nestes postos, deve concretizar-se. A informao que neles entra uma representao dada de um conjunto em-formao e a informao que deles sai uma forma concreta dada, mais ou menos parcial, desse mesmo conjunto. A placa de circuito impresso montada a concretizao de um especfico
*

A informatizao, especialmente o desenvolvimento dos processadores automticos de texto e outros aplicativos prprios produo de documentos, planilhas e apresentaes, praticamente eliminou, nas empresas, a necessidade de manter um pool de datilografia que, nas maiores, podia reunir mais de 100 datilgrafas(os). Esses departamentos especializados eram indispensveis at, pelo menos, o final dos anos 1980 (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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projeto de engenharia - concludo e reificado na descrio parcial e nos materiais manipulados pelo montador - e, tambm, elemento a ser integrado no resultado concreto de um projeto maior, isto , no equipamento para o qual foi concebida e realizada. O relatrio datilografado a concretizao em forma final do mesmo relatrio dado antes numa forma transitria (rascunho) para, naquela forma final, ser lido pelos agentes destinatrios, logo, integrado a algum outro processo informacional maior. Porm, aquele rascunho ter sido concretizado por algum outro indivduo social, conforme objetivos a ele determinados, suas interaes comunicativas, seu estoque semntico e competncia sinttica. Em qualquer caso, a informao concreta no uma unidade isolada mas momento num processo que se realiza no interior do subsistema empresarial e, at, no subsistema maior, do qual uma especfica empresa faa parte. Ns capturamos momentos desse processo nos quais o resultado do trabalho parece despojado de maior valor informacional; nos quais, claramente, se percebe a sua elevadssima dimenso redundante. Entretanto, ficou implcito que haver algum outro momento durante o qual o trabalho sgnico dever operar informao no redundante. Isto : a sada resulta, no de umas poucas entradas previamente dadas pelo subsistema englobante mas, sim, de mltiplas entradas, no necessariamente determinadas a priori para o subsistema englobado, concorrendo ruidosamente no processo mesmo de realizao do trabalho neste subsistema.

Trabalho aleatrio

Conforme o mesmo mtodo que viemos adotando, de isolar um momento do trabalho com informao, vamos presumir agora um jornalista encarregado de realizar uma reportagem, trabalhando numa redao ainda no informatizada*.* Para executar essa tarefa, ele ou ela recebe uma pauta que tanto pode ser-lhe entregue sobre um suporte de papel, como pode ser-lhe oralmente transmitida. A pauta uma descrio material sgnica inicial daquilo que o subsistema englobante (a Chefia de Reportagem, a Direo do Jornal etc.) espera da reportagem. Deve orientar o reprter quanto ao seu motivo bsico, os locais onde pode ser realizada, as pessoas que devem ser ouvidas. Munido dessas orientaes gerais, o reprter sai em busca dos dados necessrios, sem, porm, estar completamente seguro do que poder obter. O resultado final da tarefa depender de sua interao com as fontes, do seu conhecimento do assunto, de um amplo conjunto aleatrio de fatores subjetivos, culturais, sociais que vo intervir nas relaes do reprter com suas fontes. Obtidos os dados, dever transcrev-los nos cdigos semntico-sintticos da lngua, sabendo-se ainda limitado, determinado, pelo espao dado sua reportagem numa pgina especfica do jornal, e por um conjunto de convenes
*

O Autor deste estudo extraiu os elementos e conceitos deste exemplo de sua prpria experincia passada de reprter, nos anos 1970 e incio dos 1980. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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pouco explcitas - que percebe intuitivamente - constitudas, como outro nvel de codificao semntica, pelos chamados interesses do jornal.

A reportagem se consuma num texto fixado pelo(a) reprter sobre algumas folhas de papel (laudas), atravs de uma mquina de escrever. Neste momento, a tarefa de processamento da informao est basicamente concluda. O que, na pauta, era uma possibilidade, tornou-se uma realidade nas laudas. O que antes era informao a ser buscada, incerteza a ser removida, trabalho projetado no futuro, tornou-se informao passada, certeza obtida, trabalho concludo. As laudas que suportam e contm signos dados so a neguentropia final, a ordem alcanada, pelo processo informacional iniciado na pauta. Entretanto, a realizao da tarefa pelo reprter no encerrou o processo. Desde o seu incio, a pauta presumia que os dados a serem organizados na reportagem deveriam ser teis aos leitores do jornal. Estes devem estar esperando pela reportagem: no necessariamente por esta reportagem concreta sobre a qual podem no ter qualquer informao a priori, mas por qualquer reportagem que lhes ordenar o mundo social sua volta. O leitor, ao comprar o jornal, no sabe ao certo o que ler, mas sabe que ler algo de seu interesse. O jornal, para ele, contm um valor esperado, como os dados meteorolgicos do vidente para o agricultor, conforme discutimos no captulo anterior.

Trabalho entrpico

Mediaes semnticas

Ocorre que, para a realizao desse valor, a informao processada pelo(a) reprter precisa ser transferida para um suporte fsico, atravs do qual possa alcanar todo o universo leitor do jornal. Por isso, comeando pela sua concretizao na lauda, a reportagem ser incorporada a um processo crescentemente material, crescentemente determinado pelas qualidades fsicas e qumicas da matria: as etapas de composio, fotolitagem, impresso, prprias da produo de qualquer jornal. Pouco a pouco, a partir da lauda escrita, o processo vai deixando de ser realizado determinantemente por trabalho vivo e passa a ser crescentemente determinado e realizado por trabalho morto, pelo conhecimento cien tfico-tcnico concretizado, congelado, em sistemas scio-tcnicos de maquinaria. Assistimos aqui metamorfose de um processo essencialmente neguentrpico em um processo essencialmente entrpico. E, na forma caracterstica do suporte fsico jornal - que, como tal, uma descrio material sgnica final -, a informao processada, o dado, chega s vistas do seu usurio que, incorporando-o aos seus processos mentais, a reintroduz em novo processo informacional, agora o do indivduo enquanto age nte so cial.

Como o montador ou o datilgrafo, o reprter tambm um indivduo social constitudo por mente e corpo e, por isto, capaz de dar forma material 136
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informao, como trabalho sobre si mesmo. Entretanto, diferena do trabalho sgnico redundante, a tarefa do reprter comea por uma descrio incompleta, difusa, pouco ordenada, da atividade a ser executada. Mas, a partir dessa descrio, porque ela lhe define uma coero inicial, porque ela lhe estabelece os limites da incerteza a tratar, todos os demais elementos que passa a colher ganham significados relacionados quela descrio e, por a, so tambm relacionados entre si. O mais elementar dos significados que o reprter atribui a cada elemento novo, deve ser: interessa pauta; no interessa pauta. Descartando o que no interessa e apreendendo o que interessa, o(a) reprter vai progressivamente pondo em forma a sua matria. A relao entre o reprter e a descrio material recebida (pauta) no , pois, meramente denotativa, quase sinttica, aparentemente encerrada no posto de trabalho, como o era a do montador, ou a da datilgrafa. Para estes, deve haver uma relao imediata entre o signo e a tarefa, ao cabo, fsica: posicionar a pea que corresponde a este smbolo, no local indicado; teclar a letra indicada. Os signos devem corresponder imediatamente sua concretizao material (embora nem sempre isto acontea, conforme vimos) e, se possvel, devem ser percebidos como unidades discretas. Para o reprter (e o mesmo vale para o engenheiro, o cientista, o consultor financeiro...), a tarefa estabelecer relaes mentais dos signos entre si (signos que no lhe esto imediatamente dados), desta forma atribuindo-lhes novos significados. Os signos constituiro longos enunciados e devem, primeiro, concretizarem-se mentalmente, alarem-se a relaes conceituais realizadas no pensamento, para s ento, j incorporados a novos significados, virem a ser semantica e sintaticamente (conforme as normas da lngua) formalizados numa descrio material sgnica. A relao entre os signos percebidos sensorialmente pelo trabalhador, neste caso, e a sua concretizao material requer, assim, a mediao semntica do indivduo social incorporado na atividade desse trabalhador. No que esta mediao esteja ausente no trabalho redundante, enquanto trabalho de um indivduo social. Mas, neste caso, como j expusemos, ela pode destruir informao dada, aumentar a entropia e deve, pois, ser controlada, ou eliminada: no limite, excluindo-se dela o prprio indivduo. No caso, porm, do reprter e de todo trabalhador, assalariado ou no, envolvido no processo de valorizao real da informao social - engenheiro, arquiteto, advogado, mdico, publicitrio etc., etc., sejam empregados, sejam autnomos -, esta mediao semntica ser, no s necessria, mas, principalmente, determinar as dimenses e a qualidade da valorizao.

Valor informacional

Exatamente porque a sua redundncia inicial relativamente baixa, o trabalho sgnico tipicamente intelectual pode ser criativo, pode acrescentar informao ao subsistema que o engloba - a empresa capitalista. Este trabalho destri aquela redundncia inicial, at a completa negao (dialtica) da desTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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crio parcial original (a pauta, por exemplo) realizada na matria (jornalstica), ou no projeto (de engenharia), ou no relatrio (de consultoria). A empresa - que informa o reprter ou um consultor autnomo enquanto subsistemas englobados espera, destes, maior informao na sada, relativamente entrada. o contrrio dos casos do montador ou da datilgrafa, nos quais maior informao na sada (logo, destruio da redundncia dada na entrada) ser percebida como erro. Portanto, a resposta pauta (jornalstica), especificao (de engenharia), ao briefing (de consultoria) ou a outras formas de comunicao - que a organizao sabe que ter, mas no sabe, exatamente, qual ser - cria valor para a empresa, na medida em que, finalizada a tarefa, removeu-lhe qualquer incerteza. Este valor, por suposto, ser tanto maior, quanto menor for o tempo empregado pelo jornalista, pelo engenheiro, por qualquer outro trabalhador com informao, na consecuo da tarefa, para um mesmo grau de complexidade.

Elos de interao

S que, para obter esse valor, o reprter precisou buscar fontes situadas, aparentemente, fora do subsistema social que o emprega diretamente. Muito raramente, essas fontes cobraro algum estipndio monetrio pelo tempo que concedem ao reprter, fornecendo-lhe dados. Este obtm informao gratuita, informao que no custou nada ao subsistema que determinou a sua tarefa. O subsistema no compra esses dados, embora sem eles o reprter no pudesse consumar o seu trabalho. A fonte, por sua vez, precisou desviar-se de suas atividades precpuas para atender o reprter, o que somente faz se dispe desse tempo. Trata-se assim, em relao fonte, de um tempo imediatamente livre, durante o qual, pela interao entre a fonte e o reprter, tem origem o processo informacional descrito mais acima, embora condicionado pela pauta, como determinao inicial*.*Pode-se dizer que a fonte tem interesse em atender ao reprter; que atravs dele tambm se informa; que, por ele, intervm nas discusses do conjunto da sociedade. Haveria a uma troca - para usar o significante corrente, viciado pela ideologia capitalista - mas, no, uma troca mercantil. Na verdade, ocorreu um intercmbio, uma interao subjetiva entre o reprter e a fonte, cada um acrescendo-se de informao processada pelo outro. So dois processos informacionais que se encontram e se interpenetram na entrevista, gerando nela dados que atendero a outros processos informacionais nos quais cada um esteja envolvido, enquanto indivduos sociais.
*

No devemos esquecer que a pauta no surge do nada, mas de um outro processo de trabalho com informao, realizado pelo pauteiro, pelos editores etc., durante o qual se busca antecipar, selecionando os fatos em curso na sociedade, quais informaes podero ser do interesse dos leitores e, da, presumir-se quais fontes estariam dispostas a falar. Em suma, a pauta nasce de sinais ou dados captados pelo pauteiro no ambiente aparentemente externo ao jornal, localizando-se neste ambiente a origem da notcia. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Poderamos aqui, ir alargando os nveis sistmicos nos quais intervm cada indivduo, quase ao infinito. Este nosso estudo se transformaria numa seqncia digna das Mil e uma noites. As fontes so elas mesmas elementos de distintos subsistemas sociais, em interao direta ou indireta, para as quais o reprter - e o subsistema jornal que representa - constitui um elo de interao: um meio de comunicao. Se isto pode parecer claro ao descrevermos uma atividade jornalstica, no parecer to claro, se nos referirmos a outras atividades essencialmente sgnicas, embora estas outras atividades tambm dependam, e muito, de fontes a ela externas, fontes estas inseridas, incorporadas, constitudas nas mltiplas atividades socialmente produtivas do gnero humano. exatamente por isto que uma das mais importantes - qui a mais importante - atividade de qualquer empresa a mercadologia (marketing). Compete aos departamentos mercadolgicos captar os sinais do mercado que orientaro a concepo, desenvolvimento e fabricao de produtos, isto : cabe-lhe obter, de um grande nmero de indivduos aparentemente externos a um especfico subsistema empresarial, os elementos, tanto objetivos (como, por exemplo, os nveis de renda) quanto subjetivos (como, por exemplo, os gostos), que orientaro - pautaro, se fssemos adotar o jargo jornalstico - as atividades internas desse subsistema ele mesmo.

Determinaes do trabalho

A realizao informacional de um produto um trabalho social determinado, relativamente orien tado pelos paradigmas cientficos, tecnolgicos, sociolgicos da sociedade contempornea, em seu conjunto. Alm de social e porque social, o trabalho com informao compartilhado. Ningum trabalha com informao isolada, discreta. Ainda que o trabalho de um montador ou de uma datilgrafa individuais possam nos dar essa aparncia, eles, individualmente considerados, como j anotamos antes, encontram-se num momento do processo informacional, constituem-se em elos de uma cadeia, dentro da qual dependem do trabalho social e compartilhadamente realizado a montante deles (onde se origina a informao precisa) e determinam, de certa forma, o trabalho social e compartilhado a ser realizado a jusante (transferindo-lhe os seus acertos e erros). O trabalho do reprter depende de suas fontes, compartilhado com elas e no se realiza sem elas. O trabalho do engenheiro depende, em ltima instncia, dos dados passados pelo cliente interessado no projeto, ou pelos tcnicos do departamento mercadolgico e, no raro, da interao com seus colegas, dentro de seu departamento, onde so decididas divises de tarefas que devem ser executadas coordenadamente entre si. O mdico no trabalha sem interagir com o paciente e, ainda, com enfermeiras, laboratoristas etc. E, em todo o trabalho sgnico, em maior ou menor grau, direta ou indiretamente, est presente e
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incorporado o trabalho cientfico-tcnico acumulado e permanentemente comunicado, da sociedade contempornea.

O produtor da informao no define autonomamente os seus objetivos e tarefas, antes definido por eles. A sua liberdade est contida na pauta imediatamente a ele imposta pela empresa que emprega a sua capacitao semnticosinttica (d-se a essa pauta o nome que se queira) e no conjunto das determinaes sociais s quais est submetido. O indivduo social impelido ao trabalho pelas exigncias da sua neguentropia. Mas, aqui, se defronta com relaes sociais e de produo j dadas e, em princpio, adqua-se a elas ainda que, tambm, possa agir sobre elas. Na sociedade em que vivemos, estas relaes so, em poucas palavras, aquelas construdas e consolidadas durante as fases de formao e desenvolvimento do modo capitalista de produo, caracterizadas por processos de produo e valorizao do capital baseados na alienao e apro priao do produto do trabalho social. Se o produto desse trabalho, na etapa informacional do capitalismo, so, numa proporo determinante, descries materiais sgnicas, ento sero estas descries que o capital tratar de se apropriar como condio sine qua non da sua permanente auto-valorizao e crescimento. J no mais o trabalho vivo, enquanto ao direta de transformao da matria, que determina a valorizao do capital. Na medida em que, entre o objeto e o trabalho humano, interpe-se um sistema scio-tcnico constitudo por trabalho j objetivado, trabalho morto, o ser humano apenas pode encontrar lugar na produo material, ali onde se torna objeto do trabalho sobre si mesmo, onde a sua constituio exclusiva instncia necessria sntese da informao em matria - ou seja, no trabalho com informao. Este trabalho gera valor esperado para o capital, se trata de remoo de incertezas, isto , trabalho que deve gerar mais informao na sada do que recebeu na entrada. E tende a no gerar valor e pode, mesmo, introduzir valor negativo, se trabalho redundante, isto , trabalho que no deve gerar mais informao na sada (que ser erro) do que recebeu na entrada.

O capital-informao

Postos**de trabalho (nas fbricas, nos escritrios, nas fazendas etc.), departamentos, divises, diretoria, empresas, filiais, fornecedores, consumidores, mercado, sociedade... Temos a diferentes nveis de organizao que, no seu todo, formam o sistema histrico capitalista. tendncia do capital expandir-se e se universalizar: acrescentar-se novos nveis de organizao, construir novas relaes e interaes entre os inumerveis subsistemas sociais que o compem, absorver ou dissolver subsistemas por ventura ainda fora do seu ambiente,
*

A partir daqui, trata-se de texto elaborado no vero de 1999-2000, para a concluso deste captulo. No consta, pois, na verso original da dissertao que deu origem a este livro (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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num processo de contnua transformao que faz tudo slido desmanchar-se no ar, palavras de Marx bem relembradas por Bermann8. Em suma, parafraseando Marx, o capital neguentropia em processo. O capital relao e realizao de trabalho no-espontneo ou, simplesmente, trabalho na acepo social, humana, do termo. Valoriza-se e cresce pelo trabalho. Porm, em seu estgio avanado, o capital reuniu o trabalho vivo basicamente nas instncias onde o produto, os meios materiais para produzi-lo e os modos histricos de consumi-los so especificados, programados, projetados, calculados, desenhados, textualizados, prototipados, so postos em alguma forma codificada adequada comunicao e interao entre os elos do processo. No interior desse sistema geral, a produo imediata concretiza-se pela e na interao entre os subsistemas vivos de trabalho da empresa e os seus subsistemas de trabalho morto. So dois subsistemas de informao, qualitativamente distintos, integrados a qualquer unidade de capital. O subsistema de maquinaria informao objetivada, cdigo dado, redundncia concreta - ciberntico, retroalimentado, homeosttico. O subsistema vivo, composto pelo conjunto de homens e mulheres que trabalham na ou para a empresa, distribudos pelos seus nveis hierrquicos e por suas demais relaes scio-mercants, essencial e constitutivamente pr-ativo, sgnico, aleatrio.

Mas incorporado e absorvido na unidade de capital, o subsistema vivo de trabalho no se distribuir, atravs de todas as suas instncias, em graus equilibrados ou equitativos de aleatoriedade e redundncia. Uma unidade de capital, enquanto nveis de organizao contidos em outros nveis de organizao, percebe o seu mercado como fonte de incertezas, o mesmo no se podendo dizer do seu ncleo produtivo material imediato, dos seus postos de trabalho na linha de fabricao. Em princpio, estes devem funcionar de modo redundante, condicionados pelas formas dadas do trabalho morto e pelos processos de codificao cada vez mais precisos e detalhados que se realizam ao longo das suas instncias de trabalho sgnico. A partir das incertezas do chamado mercado e das suas outras interaes sociais, as instncias da unidade de capital passam a gerar decises que so os resultados de informaes processadas e imediatamente registradas em relatrios, memorandos, cartas, documentos outros dos mais variados tipos, no raro, hoje em dia, postos em forma digital, binria, nos sistemas informatizados de processamento, registro e comunicao da informao. A informao se objetiva ao longo do processo, correspondendo cada fase a incrementos nas taxas de redundncia, maior rigor sinttico e, se necessrio, adoo de novos lxicos ou mesmo cdigos inteiros, adequados aos meios fsicos nele utilizados. Adotando a sugesto de Valle9, podemos distinguir pelo menos trs grandes fases neste processo de deciso tcnica: macrodecises (aquelas pertinentes direo da empresa, de natureza estratgicas), mesodecises (aquelas relativas aos
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engenheiros, de natureza tcnica) e microdecises (aquelas prprias do pessoal de produo, nos postos de trabalho). Cada uma dessas fases corresponder a diferentes graus de processamento e remoo de incertezas, sendo os indivduos nelas envolvidos, elos que recebem, processam, codificam (aumentando a redundncia) e transmitem informao que se pretende, em princpio, tratada conforme alguma racionalidade cientfica e tecnolgica. Logo, os postos de trabalho fabril so apenas mais uns desses elos, onde a objetivao da informao se concretiza nas aes mais ou menos redundantes de homens e mulheres sobre painis de controle, manivelas, peas, quadros de aviso, modelos e desenhos orientadores, kan-ban, andon e ainda outros meios de comunicao de informao codificada nos demais elos do processo geral.

Sendo cada organizao capitalista, hoje em dia, um conjunto voltado basicamente para o processamento e objetivao da informao social - um subsistema de trabalho sgnico - ser pertinente admitir que o baixo nvel de desenvolvimento das tecnologias da informao at passado recente fez daquele conjunto um locus de atividades humano-intensivas. Desde o diretor at o operrio redundante, o sistema vivo do ser humano seguia sendo necessrio para o processamento e sintatizao do grande conjunto de informao que atravessa a empresa. Foi para tratar essa informao que se desenvolveu e se aprimorou a burocracia weberiana ou, nas palavras de Gerstein, burocracia mecnica10, caracterizada pela unidade de comando e acentuada hierarquizao. Noutras palavras: pelo emprego de trabalho vivo na produo e controle de trabalho vivo, conforme bem assinalado por Moulier Boutang11. O taylor-fordismo se insere a e somente pode ser entendido dentro desse plano mais geral, no qualificando o padro em seu conjunto mas, ao contrrio, sendo qualificado por ele. uma forma de burocracia mecnica, restrita a alguns nveis da organizao capitalista (principalmente, o cho de fbrica) e, mesmo, a apenas alguns dos seus segmentos produtivos: quase que s pode ser descrito nas indstrias manufatureiras de montagem, como a automobilstica ou a eletro-eletrnica, nas quais no [se] realiza qualquer trans142
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O processo no e nunca foi unidirecional, de cima para baixo, da fonte para o receptor. Como emisso imediatamente recepo e recepo imediatamente emisso, os nveis englobantes precisam e dispem de meios para acompanhar os resultados nos nveis englobados. Estes meios, pois, implicam em retorno da informao, e somente este retorno indica a consumao do processo, em cada uma de suas fases. Efetivar o retorno da informao um dos mais importantes papis da hierarquia. O chefe no apenas d uma ordem, ele tambm verifica a sua execuo, cobra o resultado e, para tanto, conta com instrumentos objetivos e subjetivos de trabalho sgnico: desde o dilogo direto, at mapas e grficos com suas lgicas formais de captura, tratamento e registro da informao proveniente do nvel englobado.

formao da matria em seu segmento final12. Tal modo especfico de organizao do trabalho surge, nestes ramos industriais, como nica alternativa para a elevao brutal da produtividade do trabalho [...] dado o estgio do conhecimento tcnico-cientfico da poca [primeira metade do sculo] 13. Poder ento ser superado, na medida em que a digitalizao microeletrnica da informao viabiliza a construo de mecanismos (sistemas integrados de manufatura) capazes de tratar a informao de baixo nvel que, antes, ainda requeria a interveno de operadores humanos.

Concepo-execuo

Esses esquemas conceituais talvez tero alcanado maior divulgao porque espelham uma rgida separao formal entre as instncias do processo capitalista de trabalho, respondendo melhor s demandas das Economia e Sociologia dual-objetivistas e das foras polticas (y compris sindicais) que nelas se legitimam teoricamente. De tais esquemas, porm, se pode dizer, com Stephen Woods, que vinculam automaticamente fordismo e desqualificao, da resultando excessiva concentrao em apenas um elemento da organizao fordista - o operrio da linha de montagem - negligenciando-se, por exemplo, a criao de novas qualificaes, especialmente as funes de engenharia industrial ou os operrios especializados necessrios fabricao de ferramentas, ao conserto de mquinas etc19 - ou seja, o que denominamos trabalhador sgnico aleatrio. Donde, a teoria do processo de trabalho [fortemente influenciada por tais paradigmas] tem-se tornado confusa por causa de suas razes em um conceito absolutista, ahistrico, do taylorismo como o processo de trabalho capitalista20. Caberia ressaltar ainda que a dicotomia concepo-execuo remete claramente dualidade fonte-receptor em Shannon, na qual a fonte deveria deter completo domnio sobre o receptor. Como anotamos na Introduo, citando Sfez, tal dualidade veio a ter larga aceitao entre os marxistas - logo, no admira a sua extenso, mesmo inconsciente, aos estudos sociolgicos de mesma matriz. Alm do mais, limitados por uma leitura linear do discurso de Taylor, Coriat e Braverman e seus continuadores no parecem perceber que o saber operrio que Taylor se vangloriava ter subtrado com o seu mtodo - era nfimo em relao
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A discusso at aqui desenvolvida aponta para uma interpretao dos fenmenos e conflitos envolvidos nas relaes industriais, distinta daquela introduzida por Coriat14 e Braverman15, fundada na centralidade do taylor-fordismo e da correlata dicotomia concepo-execuo, no capitalismo avanado. Embora devamos admitir a hegemonia paradigmtica dessas idias, hoje em dia, sobretudo nos meios acadmicos brasileiros (economicistas ou no), cabe lembrar j terem sido elas alvo das crticas (menos difundidas, sobretudo no Brasil) de autores como Burawoy16, 17, Kern e Schumann18, e outros.

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No deixa de ser curioso o fato desses estudos sobre o taylor-fordismo terem sido desenvolvidos quando j se anunciava a decadncia do sistema - no caso de Coriat, mais sintomaticamente ainda, como uma crtica explicitamente maoista, s idias de Radovan Richta que discutimos no Captulo 3. At ento, nos anos 50 e 60, a tendncia dos estudos sobre relaes industriais parecia apontar para um caminho oposto. Por exemplo, Serge Mallet*, em La nouvelle classe ouvrire, publicada em princpios dos anos 60, e em artigos escritos na mesma poca, j sustentava que o proletariado do capitalismo avanado se caracteriza pelo contedo intelectual do seu trabalho, dando assim maior importncia terica e poltica, aos engenheiros, tcnicos e mesmo operadores das indstrias de processo (petroqumicas e outras) que aos desqualificados operrios das indstrias montadoras taylor-fordistas. Tambm nessa poca, ganhava importncia no somente terica, mas tambm prtico-emprica, a chamada escola sciotcnica que, igualmente, percebeu a tendncia a aumentar a qualificao dos trabalhadores no cho de fbrica, na medida em que os sistemas produtivos automticos incorporavam crescente inteligncia. Essa escola chegou a introduzir mudanas nos processos produtivos em minas de carvo inglesas e na fbrica da Volvo sueca, mudanas voltadas justamente para o enriquecimento das tarefas, muitos anos antes da emergncia do chamado ps-fordismo japons22.

a todo o saber para a produo, j quela poca objetivado e congelado no sistema de maquinaria. Mais corretamente, Taylor e Ford tero apenas ajustado melhor algumas peas do cho de fbrica, lembrando, como j notara Marx, citando Ferguson, que a oficina manufatureira pode ser considerada como uma mquina cujas partes so seres humanos21.

Competncias semnticas

Seres humanos pensam. Por mais que a unidade de capital imponha coeres e redundncias ao trabalho sgnico realizado em cada um dos seus elos individuais e coletivos - por via da mecanizao ou da gerncia cientfica - os elos humanos do processo de trabalho compem outros subsistemas sociais no imediata nem completamente determinados pela ao daquela unidade. As mensagens produzidas nestes outros nveis de organizao sero levadas como rudos para o ambiente de trabalho e podero concorrer, at destrutivamente, com as mensagens que nele se pretendem determinantes e mesmo exclusivas. A burocracia mecnica parece no ter encontrado outros meios para tratar esta contradio, exceto os coercitivos, intensificando as taxas de redundncia em seus subsistemas endgenos.
*

Na medida em que as tecnologias da informao se desenvolvem, todas as fases redundantes de trabalho sgnico podem ser nelas objetivadas e defenO autor deve ao professor Rogrio Valle, essa lembrana de Serge Mallet. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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didas de rudos com muito mais eficcia e menor gasto de energias materiais e psquicas, do que as consumidas nos processos administrativos e gerenciais weberianos. O trabalho vivo com informao redundante tende a ser cada vez mais reduzido a trabalho morto com informao. Como observa Clegg - alis numa crtica queles que extraem suas anlises seja de uma teoria geral da explorao do trabalho, seja de uma racionalidade interna s organizaes - na maior parte das empresas manufatureiras norte-americanas os custos diretos da mo-deobra no ultrapassam, na maioria dos casos, mais de dez por cento do total. Em conseqncia, o controle menos orientado para o processo de trabalho direto e mais concentrado em questes relativas qualidade dos produtos, utilizao do equipamento, aos estoques e aos mercados23. Quer dizer, o controle - isto , a introduo de redundncias que filtrem os rudos - tende a concentrar-se nas fases de trabalho inerentemente aleatrias por sua prpria natureza, ou naquelas onde, apesar dos muitos esforos e promessas, ainda no foi possvel introduzir tecnologias mecnicas de gesto. O tratamento dessas incertezas passa pelas competncias semnticas do ser humano, pelas suas habilidades significativas, pelas suas possibilidades de introduzir rudos organizadores, tornando mais eficaz a interao neguentrpica da unidade de capital em seu ou seus nveis outros de organizao: no mercado e na prpria sociedade, como um todo. Em suma, com o desenvolvimento das tecnologias da informao viabilizando a transferncia para o trabalho morto de um amplo conjunto de informaes redundantes, cujo tratamento antes ainda dependia de alguma forma de interveno humana, afirma-se um novo discurso gerencial e administrativo que, subitamente, descobriu valores e qualificaes, no somente no trabalhador fabril mas nos demais indivduos envolvidos no processo de trabalho. As barreiras cientfico-tcnicas que conduziram o capital a organizar-se informacionalmente em subsistemas burocrticos que se pretendiam homeostticos, do tipo weberiano, adaptados em algumas unidades produtivas a mtodos taylorfordistas de trabalho sgnico junto s mquinas; aquelas barreiras esto sendo superadas. Tudo indica que esta superao vem dando um novo vigor ao modo capitalista de produo e apropriao de riquezas. Por outro lado, vem promovendo o aparecimento e expanso de novas contradies sociais, que do a tnica dos conflitos polticos e econmicos do capitalismo nesta sua nova etapa.

Trabalho contemplativo

A principal caracterstica do processo de trabalho com informao, seja ele redundante ou aleatrio, no estar imediatamente relacionado transformao material. Desapareceu o produto como amlgama tradicional de experincias concretas de trabalho [...] que forma uma unidade com o processo de trabalho24, conforme agudamente percebeu Lukcs, j nos anos 20. A atividade
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se tornou contemplativa porque a racionalidade nela introduzida pela cincia e tecnologia faz com que, aparentemente, se conhea e se preveja o curso que inevitavelmente tomaro os fenmenos, de acordo com as leis e independentemente do arbtrio individual25. O objeto do trabalho surge como o resultado previamente dado de um processo subordinado a cdigos que no so meramente normativos, como qualquer cdigo social, mas determinados pela formalizao cientfico-tcnica. Que nas diversas fases dessa atividade contemplativa, esses cdigos admitam graus maiores ou menores de incerteza ou redundncia, isso da natureza do processo e no afeta qualitativamente a ao do indivduo, dentro dele. Por isso, Lukcs observa:
O elemento criador s reconhecvel pelo grau de autonomia relativa ou de subservincia completa com que se aplicam as leis, isto , na medida em que se puser de parte o compromisso puramente contemplativo. Mas a diferena entre as atitudes do trabalhador relativamente mquina particular, do empresrio em relao ao tipo dado de evoluo do maquinismo e do tcnico em relao ao nvel da cincia e da rentabilidade das suas aplicaes tcnicas uma diferena puramente quantitativa e de grau, e no uma diferena qualitativa na estrutura da conscincia26.

Da que, limitadas a transportar subsidiria e sintaticamente o conhecimento congelado no processo de produo, as particularida des humanas do trabalhador aparecem cada vez mais como simples fontes de erro, racionalmente calculado de antemo27. Mas na outra ponta, criadora, o especialista, reduzido a vendedor das suas faculdades espirituais objetivadas e coisificadas, no s se transforma num espectador do devir social [...] como tambm adota uma atitude contemplativa em relao ao funcionamento das suas prprias faculdades objetivadas e coisificadas28*. O que os distingue o grau de autonomia relativa ante o objeto imediato, objeto este que no mais o produto material mas a representao dele (a pauta, o rascunho manuscrito, um desenho simplificado, no importa), destinada a orientar a ao do indivduo social de modo a faz-lo alcanar resultados relativamente previstos. Essa representao informao passada, objetivada, dado, que transmite ao agente algum grau de reduo de
* Aqui, Lukcs dedica algumas linhas, extraordinariamente atuais, ao jornalismo: Esta estrutura evidencia-se, sob os seus traos mais grotescos, no jornalismo, onde a prpria subjetividade, ou seja o temperamento, a faculdade de expresso, se convertem num mecanismo abstrato, independente tanto da personalidade do proprietrio como da essncia material e concreta dos assuntos tratados, que se movimentam segundo leis que lhe so prprias. A falta de convico dos jornalistas, a prostituio das suas experincias e das suas convices pessoais s compreensvel como ponto culminante da reificao capitalista29.

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incerteza ou de aumento de redundncia, a partir do qual este agente reconhecer as alternativas e os limites da sua ao seguinte. O resultado dessa ao, individualmente percebido num especfico contexto social pelo seu maior grau de redundncia materializada em relao a alguma expectativa anterior, expressar, no conjunto, o contudo informacional do produto, conforme a expresso antes citada (Captulo 1) de Perez30.

Subsuno do trabalho

Esses mesmos fenmenos constatados por Lukcs, Marx tambm percebeu, mas como uma antecipao de futuros desenvolvimentos31. Identificou-os subsuno real do trabalho ao capital, isto , completa incorporao e subordinao do trabalho ao processo capitalista de acumulao, e sua reduo a uma entre outras funes comandadas e determinadas pelo capital:
...como, com o seu desenvolvimento da subordinao real do trabalho ao capital ou do modo de produo especificamente capitalista no o operrio individual que se converte no agente real do processo de trabalho no seu conjunto mas sim uma capacidade de trabalho socialmente combinada; e como as diversas capacidades de trabalho que cooperam e formam a mquina produtiva total participam de maneira muito diferente no processo imediato de formao de mercadorias, ou melhor, neste caso, de produtos - um trabalha mais com as mos, outro mais com a cabea, este como diretor, engenheiro, tcnico etc., aquele como capataz, aqueloutro como operrio manual ou at simples servente - temos que so cada vez em maior nmero as funes da capacidade de trabalho includas no conceito imediato de trabalho produtivo, diretamente explorados pelo capital e subordinados em geral ao seu processo de valorizao e de produo. Se se considerar o trabalhador coletivo constitudo pela oficina, a sua atividade combinada realiza-se materialmente e de maneira direta num produto total que, simultaneamente, uma massa total de mercadorias e aqui absolutamente indiferente que a funo deste ou daquele trabalhador, mero elo deste trabalhador coletivo, esteja mais prxima ou mais distante do trabalho manual direto. Porm, ento, a atividade desta capacidade de trabalho coletiva o seu consumo direto pelo capital, ou por outra, o processo de auto-valorizao do capital, a produo direta de mais-valia
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e da, como se h de analisar mais adiante, a transformao direta da mesma em capital32.

Marx testemunhava o processo de trabalho se desenrolando basicamente na oficina, quando ainda no estavam formalmente separados os espaos do escritrio e do cho de fbrica. O que no o impede de reconhecer estarem se ampliando as atividades de concepo, gerncia, superviso etc., no mesmo tempo em que eram absorvidas nos vrios e cada vez mais abrangentes elos do trabalho produtivo. Portanto, no fazia diferena se um trabalhador individualizado, mero elo do trabalhador coletivo, se encontrasse mais prximo ou mais distante do trabalho manual direto: no conjunto, o trabalho tendia a subsumir-se ao capital. No apenas subordinar-se, mas incorporar-se ao capital. Marx parecia perceber uma certa possibilidade de o capital vir a anular o trabalho enquanto um outro plo a ele oposto, ou vir a sintetizar a contradio capital-trabalho em alguma outra coisa que, no mximo, ele podia descrever como sendo a funo do trabalho enquanto produo direta de mais-valia, ou transformao direta em capital. A contradio capital-trabalho j no se expressaria nem, muito menos, explodiria na mediao produtiva. ... talvez por tais percepes, o Captulo VI tenha permanecido indito...

Lukcs j encontrou bem separados os espaos do escritrio e do cho de fbrica, mas no dedica uma nica vrgula a essa formalidade. Importa-se, indo ao encontro de Marx, com a mudana essencial na natureza do trabalho que, passado meio sculo desde quando foram redigidas aquelas linhas do Captulo Indito, era-lhe agora possvel estudar com muito mais profundidade e riqueza: do ponto de vista da acumulao capitalista, no faz diferena se a atividade humana mais cerebral ou mais manual mas, sim, que tenha deixado de ser ativamente transformadora para reduzir-se a funes contemplativas incorporadas, subsumidas, ao capital. So funes tanto de projeto, de organizao, de orientao, quanto de observao, de interveno no detalhe, de ajustes, de assistncia a subsistemas objetivados de trabalho.

Para Lukcs, o processo de trabalho deve ser entendido como uma unidade bsica que se consuma no produto - e, nisto, est coerente com Marx. Ele confirma que a lgica capitalista promoveu a ruptura daquela unidade, situando nessa ruptura o problema fundamental a ser discutido nas condies do capitalismo maduro. O sujeito fragmentou-se, mas fragmentou-se em relao ao seu objeto e nesta nova relao passa a compor-se de mnadas sociais, cuja unidade somente pode ser encontrada no princpio do clculo isto , no processamento da informao. Entretanto, Marx parecia acreditar ou queria acreditar - na possibilidade de a progressiva objetivao do processo de trabalho conduzir realizao 148
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autnoma de cada indivduo, na medida em que deixasse de existir o trabalho no qual o homem faz o que pode lograr que as coisas faam em seu lugar33, conforme expusemos no Captulo 2. Porm, conforme entendeu Lukcs, o capital, ao contrrio, logrou desenvolver uma esfera reificada intermediria na produo, na qual o conhecimento para a produo alienou-se de seus produtores diretos cientistas, tcnicos ou operrios - para retornar sobre estes na forma de racionalidade abstrata a lhes determinar os passos. Ou seja, ele percebeu a criao, pelo capital, de uma espcie de realidade virtual (para usarmos uma expresso bem atual) passvel de materializao sgnica, que passa a mediar a atividade e a viso de mundo de todos os agentes sociais.

Trabalho organizativo

Entendendo o conhecimento como a experincia laborativa organizada da sociedade34, Bogdnov sustentava - a crer no resumo crtico de suas idias feito por Scherrer35 - que os pesquisadores e tcnicos integram o processo de produo, tanto quanto os operrios, todos agindo sobre o sistema automtico de maquinaria. Bogdnov distinguia as atividades de concepo (por ele denominadas de organizao) e as de execuo, parecendo antecipar Braverman. Mas, justo ao contrrio deste, o fazia entendendo que essa separao era prpria das sociedades passadas (separao entre atividades intelectuais e de produo material), tendendo a ser superadas pelo desenvolvimento capitalista, na medida em que o capital, cada vez mais, submetia a produo ao conhecimento social objetivado. Ento

Antes de passarmos ao captulo seguinte, tambm ser interessante trazer discusso o pensamento de outro terico marxista do incio do sculo que, tanto quanto Lukcs, parecia estar na pista da compreenso da natureza do processo de trabalho no capitalismo avanado: Alexandr Bogdnov - o mesmo que antecipara a Teoria dos Sistemas e a Ciberntica.

... diferena do trabalho manual, que requer o emprego direto da fora fsica do trabalhador, o trabalho da mquina significa que o operrio dirige a mquina. A nova forma de trabalho , ao mesmo tempo, executiva e organizativa e, portanto, une as caractersticas das duas formas de trabalho que, no passado, eram nitidamente separadas: por um lado, a do organizador que regula as aes do executor e supervisiona a produo; por outro a do operrio que executa. As novas condies tcnicas elevam o nvel de conscincia tcnica e da inteligncia geral do operrio, de modo que o papel

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do engenheiro no se distinguir mais qualitativamente do papel do operrio: o organizador trabalha com os mesmos mtodos do executor, embora o primeiro disponha de um estoque de dados tcnicos mais abundante; desse modo, as foras laborativas fundem-se num nico tipo e distinguemse apenas pelo grau de desenvolvimento. O desenvolvimento ulterior da tcnica - as mquinas que se regulam automaticamente e o tipo, ainda superior, de mquinas que se autoregulam automaticamente - elevar ainda mais o nvel das foras laborativas simples e levar necessariamente a uma homogeneidade absoluta com o trabalho cientfico-organizativo do engenheiro36.

Portanto, Bogdnov, fiel aos compromissos obreiristas da social-democracia (revolucionria ou reformista, tanto faz), no poderia ir mais longe e admitir que o capital, eventualmente, um dia substituiria, de vez, o operrio simples pelo rob. Tambm Lukcs, preso ao mesmo crculo de giz, precisou fazer verdadeira ginstica mental para racionalizar o papel revolucionrio do proletariado industrial que, pela sua anlise mesma, fora completamente despojado at das condies de pensar a sua existncia. Mas no nosso objetivo discutir os caminhos e descaminhos do que hoje se entende por marxismo, que - deixamos sugerido antes - acreditamos radicar-se na codificao kautskiana. Nosso objeti150
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Em suma, como viemos sustentando neste captulo e como divisramos em Lukcs, tambm para Bogdnov o processo de trabalho, j na virada do sculo, podia ser visto como relativamente homogneo, fundado na conscincia. Apenas o estoque de dados tcnicos, menos ou mais abundante, distingue, nesta etapa do desenvolvimento capitalista, o organizador do executor. Porm, sob as relaes capitalistas, advertiria Bogdnov, o organizador conserva o domnio cientfico-tcnico da fbrica e as decises fundamentais e determinantes para a produo so tomadas sem que os operrios sejam consultados37. Ao fim e ao cabo, somente a Revoluo poderia eliminar a distino formal ainda existente entre o engenheiro e o operrio. Da que, por enquanto, o nico lugar onde o coletivo operrio j tem uma funo deliberativa e no s executiva a organizao de classe do movimento operrio38. Por outro lado, a definitiva identificao do operrio com o engenheiro exigiria, tambm, a introduo de mquinas auto-reguladoras, quintessncia do domnio do homem sobre a natureza39. Mas, para Bogdnov, esses mecanismos auto-reguladores, extremamente complicados, s se tornaro possveis quando a idia diretiva da economia no for mais a explorao, porm o interesse dos produtores e da produo, isto , uma organizao coletivista40.

Lukcs e Bogdnov lograram avanar uma ampla compreenso dos processos contemporneos (informacionais) de trabalho. Ainda que contidos nos limites paradigmticos do marxismo kautskiano, eles perceberam que a produo capitalista, enquanto processo vivo de trabalho, de imediata, mediatizou-se. Ento no importa mais quem concebe ou quem executa. Se a unidade do processo de trabalho - agora, contemplativo, organizativo, ou informacional - foi remetida para a produo material sgnica, o que interessar o estudo crtico de como o capital logrou desenvolver e se apropriar desta instncia, vale dizer, de como o trabalho com informao substituiu o trabalho direto simples como fonte de valor e de acumulao. Se entendermos isso, talvez possamos dar os primeiros passos para reconstruir um projeto histrico alternativo que prossiga a busca pela libertao do Homem.

vo, neste estudo, entender o processo de valorizao e acumulao do capitalinformao. Se, desenvolvendo as nossas anlises, descobrimos que as podemos remeter a galhos podados da filosofia da praxis, tal constitui-se em gratificante respaldo para a orientao metodolgica e o aparato conceitual que adotamos; e, por outro lado, tambm indica o quanto ainda h para aprofundar na crtica, apenas arranhada, ao materialismo positivista que sustentou teoricamente e legitimou politicamente o socialismo real.

Referncias Bibliogrficas
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9. VALLE, Rogrio. Automao e racionalidade tcnica, Revista Brasileira de Cincias Sociais, pp. 53-67, Rio de Janeiro, RJ: Anpocs/Relume-Dumar, n 17, out. 1991.
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10. GERSTEIN, Marc S. Das burocracias mecnicas s organizaes em rede: uma viagem arquitetnica, in NADLER, D., GERSTEIN, M. e SHAW, R. Arquitetura organizacional, pp. 3-28, Rio de Janeiro, RJ: Editora Campus, trad.,1994. 12. MORAES NETO, op. cit., pag. 61, grifo meu - M.D. 13. idem, pag. 62. 14. CORIAT, op. cit. 15. BRAVERMAN, op. cit.

11. BOUTANG, Yann Moulier. Production, circulation, exode, externatilits et viceversa, Colloque Mutations de Travail et Territoires, Amiens, FR, out. 1998, mimeo.

16. BURAWOY, Michel. A transformao dos regimes fabris no capitalismo avanado, Revista Brasileira de Cincias Sociais, pp. 29-49. Rio de Janeiro, RJ: Anpocs/RelumeDumar, n 13, jun. 1990.

17. apud CASTRO, Nadya A. e GUIMARES, Antonio S. A. Alm de Braverman, depois de Burawoy: vertentes analticas na sociologia do trabalho, Revista Brasileira de Cincias Sociais, cit., pag. 44-52. 18. apud VALLE, op. cit.

19. WOODS, Stephen, O modelo japons em debate, pag. 33, Revista Brasileira de Cincias Sociais, cit., pp. 28-43, 20. idem, pag. 41, grifo no original.. 22. TRIST, E. The evolution of socio-technical systems, Ontario Quality of Working Life Center, Toronto, CAN, 1981, mimeo 21. MARX, K. O Capital, vol. 1, op. cit., p. 284.

24. LUKCS, Georg. Histria e conscincia de classe, p. 103, Rio de Janeiro, RJ: Elfos Editora Ltda., , trad., 1989, grifos no original. 25. idem, p. 112. 28. idem, p. 115. 26. idem, p. 113, grifos no original. 27. idem, p. 103, grifos no original. 29. idem, ibidem. 30. PEREZ, op. cit., p. 59.

23. CLEGG, Stewart. Poder, linguagem e ao nas organizaes, p. 54, in CHANLAT, O indivduo na Organizao, pp. 47-66, S. Paulo, SP: Ed. Atlas, trad., 2a ed., 1993.

31. MARX, K. Captulo VI Indito de O Capital, p. 125, So Paulo, SP: Editora Moraes, trad., s/d. 32. idem, p. 110, grifos no original e grifos deste autor - M.D. 33. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., vol. 1, p. 266. 34. SCHERRER, J. op. cit., p. 223.

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35. SCHERRER, op. cit.. 37. idem, ibidem. 38. idem, p. 226. 39. idem, ibidem. 40. idem, ibidem.

36. idem, p. 225, grifos do autor - M.D.

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Captulo VI

Apropriao da Informao*
Caetano Veloso

Alguma coisa est fora da ordem Fora da nova ordem mundial.

Abrimos este livro com uma epgrafe, extrada de Norbert Wiener, na qual lemos que informao no serve para se constituir em mercadoria. A esta altura, j temos claro que mercadoria, no conceito de Marx, uma neguentropia concreta, cujo valor de uso reside nas suas formas e propriedades fsico-qumicas em funo das necessidades sociais do ser humano; e cujo valor de troca exprime o tempo de trabalho simples socialmente necessrio, empregado para p-la em forma**. Informao, ao contrrio, neguentropia potencial (Captulo 1), cujo valor de uso reside na ao que pode guiar, no menor tempo possvel. Este valor de uso tornou-se objeto de trabalho, no processo capitalista de produo, na medida em que o capital, movido pelas suas prprias contradies, subordinou a produo material imediata pesquisa cientfico-tcnica, mercadologia e publicidade, gerncia, produo industrial-cultural, operao e controle de mquinas etc. Ento, essas atividades de cunho intelectual, passaram a agregar valor ao capital, na proporo em que removam a maior quantidade possvel de incerteza semntico-sinttica, no menor tempo relativo de trabalho mediato. O capital alcanou
No texto original da dissertao, este captulo se intitulava O capital cientfico-tcnico em ao.

**

A mercadoria , antes de tudo, um objeto externo, uma coisa a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espcie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estmago ou da fantasia, no altera nada na coisa. Aqui, tambm no se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistncia, isto , objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produo, esclarece Marx logo no segundo pargrafo dO Capital1. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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um nvel de desenvolvimento que elevou a limites extremos a sua composio orgnica, causando um salto de qualidade em seu padro anterior de acumulao, nele incorporando, como plo dinmico principal, as formas sgnicas ou informacionais de trabalho. Mas dadas as caractersticas intrnsecas da informao, o capital v-se obrigado, nesta sua nova etapa, a introduzir profundas transformaes nas relaes sociais, de modo a assegurar a sobrevivncia, sob novas formas, de seus processos de acumulao baseados na apropriao privada dos resultados do trabalho humano. O capital defronta-se com a contradio bsica entre a natureza constitutivamente social da informao e as relaes capitalistas de apropriao. Essa contradio est provocando dois movimentos na superfcie social que, embora nem sempre percebidos como tal, esto efetivamente no centro do reordenamento poltico e jurdico da sociedade da informao: o alargamento sem mais limites dos objetos submetidos chamada propriedade intelectual; e a denominada desregulamentao das telecomunicaes, ou privatizao das infra-estruturas que transportam informao. Estes movimentos exprimem a disputa pela distribuio e apropriao do valor esperado entre os agentes sociais, isto : de como reparti-lo em, adotando as formas usualmente aceitas, salrios, lucros, rendas etc. A apropriao da informao o tema deste captulo.

Inerente desigualdade

O trabalho com informao consiste em tornar disponvel algum dado necessrio a algum ou, no limite, em introduzir esse dado na mquina ou em algum outro objeto material de trabalho. Para cada indivduo inserido na produo capitalista e para o conjunto dos indivduos, esse trabalho um exerccio de busca e de processamento. Na busca, cada indivduo coleta, copila, rene dados diversos. No processamento, ele relaciona esses dados para obter um dado novo, necessrio busca que outros indivduos realizam ou para o movimento de subsistemas de trabalho morto.

Essas atividades de busca e processamento resultam num valor de uso que no est necessariamente contido nas formas possveis dos materiais utilizados para comunic-lo: como o valor de uso da informao consiste na ao que proporciona ao agente, em princpio pouco lhe importa se a mensagem lhe chega pelas vibraes do ar, em folhas de papel, ou pela rede de computadores. Importa-lhe, sim, o tempo (Captulo 1). O valor de uso ser tanto mais apreciado quanto mais facilmente acessvel estiver o evento informativo, quanto mais rapidamente ele possa ser obtido pelo agente. Este ltimo aspecto foi confirmado por Allen, em sua longa e detalhada investigao em projetos de engenharia encomendados pelo governo norte-americano a uma grande indstria de material blico2. Em relao s fontes de informao mais buscadas pelos engenheiros,
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Allen constatou existir forte relao entre a acessibilidade do canal e a freqncia de uso. A correlao com o fator custo (0,6) apontada em primeiro lugar com mais que o dobro da relativa ao fator qualidade (0,28) [...] a acessibilidade que quase exclusivamente determina a freqncia de uso [...] A partir de 154 buscas em informao relatadas por 19 engenheiros, ns pudemos realizar um outro teste sobre hipteses de seleo de canais, mirando para os canais abordados em primeiro lugar, em cada busca. Uma vez mais, a acessibilidade do canal aparece como critrio dominante sobre o qual se baseia a seleo3. Como temos sustentado, o valor esperado da informao corresponde ao tempo poupado no processamento da incerteza, uma vez o dado obtido j atenda ao objetivo da busca. O trabalho de busca e processamento, portanto, visa, em essncia, tornar imediato o acesso a um dado, acesso este que, obviamente, no foi imediato para quem fez a busca e processamento (quem despendeu tempo de trabalho), mas o ser para quem utilizou o seu resultado. Este resultado, pois, um valor esperado por um indivduo, empresa ou outra organizao social, mas gerado por outro subsistema. Este valor somente pode realizar-se na comunicao. Uma Economia Poltica da Informao ter que buscar o valor da informao produtiva ali onde ele efetivamente realizado: no ato de comunicar, na relao que estabelece entre dois ou mais indivduos sociais, ou entre duas ou mais organizaes sociais. O engenheiro que processa incerteza gera e comunica valor esperado para a empresa que emprega o seu trabalho. A empresa gera e comunica valor esperado para os seus consumidores. Esta lgica, em outras palavras, est descrita por Porter, na sua teoria da cadeia de valor. Cada departamento de uma unidade empresarial gera (ou no) valor para outro; cada unidade empresarial transfere o produto desse valor gerado internamente, para seus usurios; cada unidade empresarial , tambm, elo de uma cadeia de valor constituda por muitas unidades, como fornecedora ou compradora. O objetivo da empresa gerar valor para os seus clientes mas a questo crucial na determinao da sua lucratividade se pde capturar o valor criado para os clientes, ou se este valor foi dividido com outros4. Na medida em que a empresa gera valor e o captura - palavra correta! - ela cresce, ou, nos nossos termos, ela se incorpora novos nveis de organizao sistmicos: equipamentos, empregados, filiais, investimentos etc. Se no o faz, algum outro competidor o fez - e cresceu em seu lugar.

O valor esperado, desde a origem, est determinado pelo seu uso, est definido pela utilidade que a informao processada ter para algum. O valor esperado - valor temporal - o seu prprio uso. Mas este valor de uso, se no mais resulta de um quantum de trabalho simples imediato, est subordinado complexidade da tarefa, quantidade e qualidade das interaes que exige e, inclusive, ao trabalho so cial j acumulado antes em outros dados eventualmente recuperados para a sua consecuo. Esquematicamente, o processo pode ser
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descrito como se segue. Um dado, que chamaremos I, resulta de outros dados relacionados entre si e nele incorporados e contidos. Uma pessoa ou empresa que recebe este dado I, poupou-se tempo em processar os elementos que o geraram mas dever relacion-lo a novos elementos - a, b, c,... n - para obter um novo dado J que fornecer a outra pessoa ou empresa. Esta agora poupou-se o tempo de busca em J e, tambm, o tempo de busca em I, contido em J. Se transferir J, outro agente o relacionar a elementos p, q, r,... z, para obter K, mas no ter gasto o tempo na busca de J e de I, j realizadas por outros subsistemas sociais, a montante. Logo, cada elo social vai se adjudicando o valor de uso de sucessivos notempos acumulados, isto , de sucessivas trabalhos que se poupou a si mesmo porque realizados em outros elos da cadeia. Cada elo repassa esses no-tempos acumulados, acrescidos do seu tempo, mas este acrscimo, para o elo seguinte, no tempo como qualquer outro, at porque no-tempo obviamente imensurvel. O dado, pois, pode ser entendido como a forma objetiva do no-tempo ganho por algum agente social que busca sustentar sua neguentropia. Ao possibilitar a sucessivos agentes eliminar tempo socialmente acumulado de busca e processamento, o valor de uso no transfere o tempo de trabalho social nele consumido. Assim, qualquer indivduo ou empresa, mesmo dispostos a reconhecer algum valor ao trabalho que lhes poupou tempo, no aceitaro arcar com o custo de todo o tempo de trabalho efetivamente a empregado, tempo este que, sendo so cial, deveria tambm incorporar outros tempos subsidirios. Defrontamo-nos pois com uma inerente desigualdade entre o valor do trabalho para quem o realizou e o valor do resultado para quem o utilizar. Uma desigualdade, alis, coerente com a natureza intrnseca da informao, enquanto originada de algum desequilbrio energtico, conforme discutimos no Captulo 1. E que corrobora os impasses aos quais chegaram os neo-clssicos, conforme vimos no Captulo 4.

A lgicapirata

Imaginemos, para maior clareza, uma economia com apenas dois indivduos interagindo - uma robisonada, diria Marx*. O indivduo A necessita de um software. Pode gastar recursos materiais e o seu prprio tempo para desenvolvlo, mas pode recorrer ao indivduo B, que j fez o trabalho e possui o resultado. Se B cobrar pelo software o equivalente ao que A teria gasto em material e tempo, por conta prpria, este dever preferir realizar o trabalho ele mesmo. Se, no extremo oposto, B aceitasse entregar aquele resultado sem nada cobrar, A teria valorizado em 100% o seu tempo poupado (voltamos ao paradoxo do vidente, discutido no Captulo 4). Logo, na mdia entre esses dois extremos que poder
* A Economia Poltica gosta de robisonadas, anotou Marx, numa referncia tendncia dos economistas para explicarem os fenmenos sociais atravs das motivaes de um nico indivduo, isolado de qualquer relao social concreta5. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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ser negociado o valor do tempo de trabalho de remoo da incerteza realizado por um e poupado a outro: nem A lograr se apropriar de todo o valor de seu notempo, nem B se apropriar de todo o valor de seu tempo de trabalho, o que revela o limite neguentrpico do sistema em seu conjunto, exprimindo a lei universal que subordina a neguentropia obtida por um subsistema ao aumento da entropia em outro subsistema, ou no ambiente como um todo. Ambos os subsistemas passam, por isto, a se empenhar em absorver ao mximo a neguentropia do outro. Se puder, B impor, atravs da fora, o que julga ser o seu direito: somente entregar o software, se A aceitar as suas exclusivas condies. A reao de A ser diretamente proporcional: se lhe for possvel, tratar de usar o programa e nada pagar por isto. Ter desvalorizado em 100% o trabalho informacional realizado por B, ou - o que d na mesma - valorizado em 100% o seu ganho de tempo. A isto, B, muito irritado, acusar de pirataria...

As dimenses alcanadas pela pirataria nesta sociedade nos sugerem enfaticamente que no a podemos tratar como um fenmeno marginal ou anmalo. Ela exprime o plo oposto de uma mesma racionalidade, ela inerente lgica do capital-informao. Uma pequena nota na Gazeta Mercantil de 8 de agosto de 1991, nos informa que, entre 1987 a 1991, os produtores norte-americanos de programas de computador perderam, cumulativamente, cerca de US$ 10 bilhes, num clculo conservador, por conta da pirataria, apenas nos Estados Unidos6. A nota deixa claro que a estimativa se refere ao uso no licenciado de software por parte de empresas e grandes corporaes, permitindo-nos inferir que aquele montante poderia ser bem maior se o levantamento inclusse milhes de usurios residenciais, profissionais liberais, pequenos e mdios empresrios, no somente nos Estados Unidos, mas em todo o mundo*.
* O tempo tratou de demonstrar que a pirataria no era um fenmeno marginal ou anmalo, mas poca (primeira metade da dcada 1990), era escasso, no raro desprezado ou at ignorado, sobretudo neste nosso Brasil, o debate sobre a contradio entre a natureza socialista da informao e as presses por sua privatizao capitalista. Atingida a segunda dcada do sculo XXI, os nmeros conhecidos so muito mais dramticos, sobretudo aps o amplo desenvolvimento da internet (ainda incipiente quela poca), dos equipamentos domsticos de reproduo digital e dos sistemas P2P. E junto com o avano da pirataria, avanam tambm as leis repressivas, dentre estas o ACTA (Anti-Couterfeiting Trading Agreement), em negociao no momento em que esta nota est sendo redigida. (N2011).

claro que, na vida real, onde os agentes no se encontram nessa situao to individualizada, um amplo universo de interaes - ou de rudos - possibilitam mltiplas compensaes neguentrpicas. Cada indivduo ou empresa um nvel de organizao gerando rudos sociais que provocam a reorganizao e crescimento do sistema social e econmico como um todo. Ento, acordos socialmente pactuados equalizam ou deve riam equalizar os ganhos e perdas mtuos. Mas como, no concreto da sociedade capitalista, a apro priao da informao social lhe inerente, a pirataria vem a ser o seu oposto e prope-se como um comportamento legtimo para a ressocializao da informao.

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A pirataria no atinge apenas programas de computador. Projetistas de circuitos integrados, produtores de fitas de vdeo e de discos, proprietrios de marcas de roupas, canetas e de outros utensilhos cujo uso tambm exprime simbolicamente status - um vasto conjunto de setores cujas rendas se baseiam em alguma representao material de informao apropriada - sofrem pesados prejuzos com os piratas. A pirataria raramente envolve produtos especficos, destes que relacionam um ou poucos subsistemas geradores e, tambm, um ou poucos subsistemas receptores, como, por exemplo, grandes projetos tecnolgicos ou de engenharia. Ela atinge, sobretudo, os produtos dirigidos massa de consumidores. A pirataria tambm requer, em geral, facilidade de replicao (baixssimo custo de tempo), incluindo a disponibilidade de suportes fsicos simples e relativamente baratos (por exemplo, um jogo de disquetes; fitas de vdeo etc.). Como da natureza do capitalismo, uma parte dos piratas busca obter rendas informacionais subsidirias (no conceito de Bates), replicando produtos de sucesso no mercado. Mas grande parte dos indivduos se interessa apenas por desfrutar dos valores de uso contidos nos suportes fsicos comercializados pelos apropriadores da informao social: so os casos tpicos da reproduo, por parte de milhes de pessoas, dos mais populares programas aplicativos de computador; da cpia de livros atravs de mquinas fotocopiadoras etc.

Estratgias competitivas

A pirataria j estava explicada e at parecia prevista na teo ria marginalista do valor, conforme a discutimos no Captulo 4: se o custo marginal de uma pea de informao zero, por que algum pagaria por ela?, conforme bem entenderam Kenneth Arrow e Benjamin Bates. Verificamos agora que tambm uma teoria do valor-trabalho, conforme a estamos sugerindo e desenvolvendo neste nosso estudo, demonstra a racionalidade social e econmica da pirataria nos marcos do capital-informao, na medida em que, ao invs de acordos socialmente pactuados que regulem a partilha das rendas informacionais mutuamente geradas pelo trabalho com informao, o que se est expandindo nas sociedades capitalistas so mecanismos polticos, jurdicos e econmicos que impem a apropriao dessas rendas por apenas um dos plos da interao: o plo detentor do capital.

O capital j acumulado sustenta os investimentos em pesquisa, desenvolvimento, mercadologia, engenharia, formao de recursos humanos e treinamento necessrios ao desenvolvimento, fabricao, montagem e distribuio de algum novo produto - ou seja de algum suporte fsico adequado para a informao processada. Obtido esse produto, as empresas, para recuperar e ampliar a neguentropia social consumida, precisam se entregar ao que os economistas denominam estratgias competitivas, visando justamente se assegurar da apropriao do valor da informao, antes que este se degrade pela prpria replicaTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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o e disseminao dos suportes que o contm, no importando, aqui, se essa replicao e disseminao venha a ser feita pela prpria empresa ou pelos seus piratas. Insistamos em que a informao no se conserva, embora o linguajar comum possa adotar expresses como estoque de informao, armazenamento de informao e outras metforas semelhantes que, a rigor, apenas empanam uma correta compreenso do fenmeno informacional. O que se pode guardar ou estocar so os suportes materiais nos quais registram-se os dados mas, no, a ao proporcionada pela percepo deles. Observou Heinz von Foerster, que uma biblioteca no guarda informao, guarda livros; tanto quanto uma garagem guarda carros e, no, locomoo7.Essa lgica oculta do capital-informao transparece nos enunciados de muitos dos gurus da competitividade empresarial contempornea, como, por exemplo, em Michael Porter8. Segundo ele, qualquer firma pretende ou deve buscar, como condio de sobrevivncia, ocupar uma posio de liderana no seu mercado. Para tanto, cria ou sustenta vantagens competitivas prprias, que ele classifica em trs tipos, conforme permitam empresa alcanar e manter a sua posio de liderana: i) ofertar produtos a custos mais baixos; ii) ofertar produtos diferentes daqueles dos possveis competidores; iii) ou ofertar produtos que atendam com exclusividade a um conjunto bem definido de consumidores. Na verdade, essas trs estratgias articulam-se ao longo da evoluo de uma mesma empresa, ainda que uma delas possa e deva ser privilegiada.

O objetivo da empresa ou empresas lderes ser sempre evitar que suas estratgias possam ser imitadas9, para que a sua condio de liderana no possa ser contestada. Para alcanar tal objetivo, a liderana e domnio tecnolgicos tornam-se vitais. A empresa, diz Porter, como uma coleo de atividades, uma coleo de tecnologias10. Portanto, a mudana tecnolgica pode ser um dos principais vetores da competio, donde entre todas as coisas que mudam as regras da competio, a mudana tecnolgica se encontra entre as mais proeminentes11. O uso ou desenvolvimento de tecnologias podem determinar a conquista ou manuteno da posio de liderana por um subsistema empresarial, quaisquer que sejam as suas estratgias competitivas, dentre aquelas trs definidas acima. Assim, as empresas lderes so lderes tecnolgicas: identificam antes das demais as alternativas tecnolgicas disponveis; e mobilizam recursos materiais e humanos para lhes desenvolver as tecnologias necessrias. Uma vez ocupem essa posio de liderana tecnolgica, podem mantla se os competidores no logram duplicar a tecnologia; ou se a firma pode seguir inovando mais rapidamente do que a capacidade de seus competidores para absorver sua tecnologia12. Como a difuso tecnolgica um fato da vida - da natureza da informao as empresas, ao contrrio do que se costuma pregar, empenham-se em retardar tal difuso, ao mximo. Para tanto, lanam mo das seguintes aes:
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- patenteamento da tecnologia e tecnologias relacionadas; - desenvolvimento endgeno de prottipos e equipamentos de produo; - integrao vertical das atividades chaves; - polticas de pessoal que retenham os empregados13.

Evidentemente, Porter est descrevendo aqui diferentes modos de apropriao da informao social. Somente essa apropriao garante o poder de barganha numa relao econmica neguentrpica. Por isso, os lderes tecnolgicos de sucesso so agressivos nesses esforos para retardar a difuso14, insiste:

A mudana tecnolgica pode mudar as relaes de barganha entre a indstria e os seus clientes. O efeito da mudana tecnolgica na diferenciao ou na mudana dos custos serve de instrumento determinante para o poder do cliente [...] A mudana tecnolgica pode mudar as relaes de barganha entre a indstria e os seus fornecedores. Ela pode eliminar a necessidade de comprar a um poderoso fornecedor ou, ao contrrio, pode obrigar uma indstria a comprar de um novo e poderoso fornecedor15.

* O Export Administration Act norte-americano define tecnologia como a informao e o conhecimento (seja em forma tangvel, tal como modelos, prottipos, desenhos, esquemas, diagramas, cartes ou manuais, ou em forma intangvel, tal como servios tcnicos ou de treinamento) que podem ser usados para o desenho, produo, manufatura, utilizao ou reconstruo de bens, incluindo programa de computao e dados tcnicos, mas no os bens eles mesmos16. Assim, distingue a informao da sua objetivao numa descrio material simblica, e entende esta por tecnologia. A literatura costuma a fazer alguma confuso no trato desses conceitos, percebendo as distines mas no sabendo como bem categoriz-las. Sbato classifica a tecnologia em incorporada, embutida ou implcita materializada nas mquinas e materiais utilizados na produo, e no-incorporada ou explcita, reunindo tanto o conhecimento que se encontra nas pessoas, quanto os documentos (desenhos, patentes, manuais etc) resultantes desse conhecimento. Pirro y Longo reconhece que os documentos e mquinas so expresses materiais e incompletas da tecnologia que, a rigor, est presente nos atributos humanos17. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

Como, transportada pela tecnologia - conhecimento objetivado* - a informao acaba se revelando, as empresas, para sustentar seu poder barganha, no importa se diante dos clientes ou dos fornecedores, precisam reivindicar o direito jurdico propriedade intelectual. O patenteamento (e, tambm, o copyright) o primeiro item, dentre os relacionado por Porter, das aes defensivas da firma que se pretenda lder e, por certo, o mais importante e determinante. Mas, ao apropriar-se por esta via, da informao - ao impedir ou coibir a sua difuso - o sistema capitalista conduz exatamente negao da concorrncia, que ele tanto idolatra. O discurso da competitividade prega no tanto a vitria de algum jogador sobre outros, numa partida em que os recursos e regras so mais ou menos iguais para todos, mas a destruio e eliminao dos adversrios. A linguagem do marketing, no por acaso, uma linguagem de guerra. Ilustra

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muito bem esse ilusionismo contemporneo sobre o mercado, as lies dadas por Willian Davidow - que vem a ser nada menos que o vice-presidente mercadolgico da Intel poca do definitivo sucesso dos microprocessadores 8080 e 8086 -, em seu Marketing de alta tecnologia. Depois de citar, corroborando, a empresa consultora BCG, para quem a estratgia competitiva de maior sucesso obter e conservar uma posio dominante no mercado [...] pela obteno de um segmento do mercado suficientemente isolado para que possa ser dominado, Davidow pontifica:
[...] uma empresa no tem que ser grande [...] ela s tem que ser grande em seu prprio segmento protegido de mercado. O segmento de mercado que ela atende pode ser isolado da competio por barreiras, para repelir os ataques da competio, ou ela pode sobreviver por causa da atitude pacfica da competio [...] A meta nunca deve ser conquistar apenas uma parte muito pequena de um grande mercado. Em vez disso, deve-se desenvolver idias e identificar recursos para conseguir uma participao substancialmente maior que 15% do mercado num segmento bem protegido [...] A Intel agora est praticamente sozinha nesse segmento de mercado em amadurecimento, protegida por barreiras difceis de ultrapassar18.

Quer dizer, o sucesso da competio est em no competir: est em conquistar mercados volta do qual um subsistema empresarial possa erigir barreiras que pretender intransponveis, como fortalezas medievais. Trata-se, na verdade, de feudalizar os mercados e, por extenso, a prpria sociedade, indo ao encontro das percepes de Umberto Eco, em seu ensaio A nova Idade Mdia19, no qual faz uma inquietante leitura scio-semiolgica da feudalizao dos espaos sociais. Mas essas barreiras em torno dos feudos informacionais (outros diriam, segmentos de mercado), no podendo ser garantidas por grossas muralhas de pedra, pesadas armaduras de ferro e as bnos legitimadoras da Igreja, so agora asseguradas pela proteo do Estado - se esse Estado suficientemente forte para assegur-lo*. Para conquistar e defender um feudo informacional, os subsistemas empresariais capitalistas envolvem-se, no raro, em duras e longas batalhas judiciais. Essas batalhas remontam aos primrdios da revoluo cientfico-tcnica, quando envolviam inventores como Edison, Westinghouse, Lee de Forest etc., e so travadas basicamente em torno da mesma questo: qual
* Assim como os feudos medievais, mesmo ungidos por Deus, no estavam a salvo dos ataques cobiosos de vizinhos, os feudos informacionais contemporneos tambm podem sofrer e efetivamente sofrem ataques, at porque, existem sempre, digamos, irmos mais jovens com inveja dos primognitos, disputas dinsticas, cavaleiros reconhecidos por atos de bravura etc... TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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empresa deve merecer um monoplio patenteado que lhe assegura virtual controle sobre um feudo informacional, quando duas ou mais tenham logrado desenvolver, com recursos financeiros e intelectuais pr prios, produtos que realizam funes similares suportes fsicos contendo valores similares de uso?

Rendas informacionais

Aoki, embora tendo limitado a sua investigao ao cho de fbrica, parece ter percebido exatamente isso. Ele argumenta que as rendas informacionais geradas pela maior participao intelectual (no redundante) dos trabalhadores nos processos de produo, como ocorre nas empresas japonesas, seriam distribudas conforme uma barganha coletiva (implcita ou explcita) entre o empregado e o provedor das finanas (leia-se, o capitalista)20. Como, enfatiza ele, o processo de gerao daquelas rendas cooperativo, cada uma das partes tem seus poderes para negociar a diviso de um resultado que depende da interao de todos. Na prtica, tais poderes raramente so equivalentes. Se verdade que a interao permitiria s partes barganhar, em condies mais ou menos justas, a repartio das rendas informacionais, no menos verdade que o capital est tratando de introduzir normas polticas e jurdicas que fortalecero os provedores de finanas nesse jogo. Os fatos mostram que quem pode define as regras. Quem no pode, s resta submeter-se*.

Sero as relaes de poder, relaes erigidas e herdadas da etapa anterior do capitalismo industrial-financeiro, relaes que pressupem o emprego da fora, sero estas relaes poltico-jurdicas, articuladas no e pelo Estado, que determinaro a quem sero concedidos direitos para se apropriar dos valores de uso da informao. Ou seja: determinaro como sero distribudas as fatias neguentrpicas que cabero a cada subsistema social envolvido interativamente na gerao de valores informacionais. Essas fatias neguentrpicas, traduzidas em grandezas monetrias, podem ser definidas como rendas informacionais.

Apropriao do trabalho

Os primeiros a entenderem estas relaes de poder, foram os cientistas, engenheiros, tcnicos e outros profissionais que, no incio do sculo XX, precisavam se empregar nos laboratrios das grandes companhias industriais estadunidenses: eles eram forados a assinar contratos atravs dos quais renunciavam, a favor das empresas, aos seus legtimos direitos sobre lucros obtidos a partir das suas idias e invenes**.
* Como exatamente acabou fazendo o Brasil, aps teimosa resistncia, ao adotar, no incio de 1996, uma nova legislao sobre patentes, a ele imposta pelo grande capital norte-americano e pelo Estado que o representa. ** Este interttulo e o imediatamente seguinte, foram introduzidos na reviso feita em 1999-2000 (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Esta histria contada nos detalhes, por David Noble, em seu America by design21. At o final do sculo XIX, o sistema norte-americano de patentes, cujos princpios foram estabelecidos j na primeira (e nica) Constituio do pas, visava explicitamente premiar o inventor individual. A ele era dado um monoplio temporrio (de 10 a 20 anos) para explorar comercialmente o seu invento, vivendo das rendas da auferidas e podendo assim prosseguir na carreira de inventor.

Ao longo das trs primeiras dcadas do sculo XX, em artigos nas revistas tcnicas, conferncias, atividades junto a congressistas e juzes, homens que tinham tanto formao tcnica, quanto jurdica, a exemplo de Prindle, sustentavam abertamente que, diante da legislao anti-trust norte-americana, 164
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Sobretudo nos Estados Unidos, onde essas novas empresas baseadas na inveno se expandiam aceleradamente, cresciam tambm os laboratrios industriais, locais onde cientistas e engenheiros eram assalariados para continuadamente, como numa linha de produo, gerarem novos produtos e processos, ou aperfeioarem os j existentes. Com base nos prprios princpios constitucionais, esses qualificados trabalhadores poderiam exigir, alm dos salrios, os seus direitos sobre as patentes assim obtidas, patentes estas que, porm, eram depositadas exclusivamente em nome das compa nhias. Para se precaverem de possveis questionamentos, os empregadores obrigavam os pesquisadores a firmarem contratos renunciando aos seus direitos. Premidos, como qualquer trabalhador, pela necessidade de obter o emprego, muitos assinavam. Mas, parece, nem todos. Uma grande campanha foi iniciada nos Estados Unidos, sob os auspcios das empresas e associaes empresariais, para no apenas adequar as leis s exigncias do capital mas, sobretudo, difundir uma ratio juris que viesse a transformar em natural esta tamanha expropriao. frente dessa campanha estavam personalidades hoje quase totalmente esquecidas pela histria, como Frederick Fish, L. H. Baekeland, Edwin Prindle, alm de outros, mais notrios, como Edison e George Westinghouse22.

Mas o problema do inventor o mesmo de qualquer outro empreendimento capitalista: para chegar ao mercado, no lhe basta a patente; ele ainda precisar de dinheiro para levantar uma fbrica, contratar trabalhadores, adquirir matrias-primas, realizar todas as atividades prprias comercializao. Ele precisar incorporar-se ao nosso conhecido ciclo D D'. Nesta hora, o inventor individual sair em busca de scios e financiadores. Boa parte deles no logra xito, mas aqueles que foram nisto muito bem sucedidos deram origem, ainda em fins do sculo XIX, a algumas das, at hoje, mais poderosas empresas do mundo: General Electric, AT&T, Union Carbide, Kodak, IBM, Ericsson, Siemens etc.

as patentes so o melhor e mais efetivo meio para controlar a competio. Ocasionalmente, elas do comando absoluto sobre o mercado, habilitando seu proprietrio a determinar preos sem precisar atentar para os custos de produo. As patentes so a nica forma legal de monoplio absoluto23.

Para tanto seria necessrio garantir o no-compartilhamento das patentes com os seus reais criadores. Advertia Prindle:

necessrio obter um contrato com cada empregado que esteja possivelmente gerando invenes relacionadas ao negcio do empregador [...] as cortes de justia mantero esses contratos, mesmo que no contenham qualquer outra proviso de remunerao pela inveno, alm do pagamento de um salrio normal24.

Prindle sabia que estava deliberadamente subvertendo as intenes do sistema de patente, prossegue Noble:

Citando casos nos quais os empregados recusavam-se a renunciar aos seus direitos assegurados na Constituio, ele enfatizava a necessidade de se usar de psicologia para obter deles os direitos s patentes. Reconhecia que esses direitos acabariam sendo realmente perdidos pelos empregados, mas, no fundo, poucos destes estariam realmente conscientes disso. A dificuldade para induzir empregados a assinar esses contratos, escreveu, poder ser reduzida se os executivos da empresa derem o exemplo, assinando-os tambm. Claramente, Prindle sabia que a sua proposta a assinatura compulsria de contratos que automaticamente transfe riam os direitos sobre as patentes para o empregador assemelhava-se a um confisco e a algo que nem ele, nem seus leitores, gostariam de sofrer. E Prindle no ignorava que a assinatura do contrato pelo executivo, para dar um exemplo razovel, era razovel apenas para o executivo, j que, para este, tratava-se de um ato meramente formal, pois ele costuma a ser um no-inventor, ou algum que se satisfaz com as rendas obtidas dos dividendos de suas aes. Para os empregados das corporaes baseadas na cincia, entretanto, este ato formal tornou-se um procedimento padro e compulsrio25.

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Subsuno real: o comeo


No cabe associar esta forma de expropriao e de acumulao da derivada mais-valia extrada do tempo excedente de trabalho simples: nem o trabalho a efetuado algum mltiplo de trabalho sem mais nem mais, nem pode o tempo de sua realizao ser medido apenas em termos das necessidades neguentrpicas do trabalhador, pois envolve um acmulo de no-tempos sociais totais absorvidos e reprocessados nas atividades laboratoriais. O capital est a to somente se aproveitando da sua posio de fora (que a propriedade privada lhe d) e do seu controle sobre os aparelhos polticos, jurdicos e ideolgicos da assim dita democracia, para fixar a fatia neguentrpica, na forma salrio, que aceita repartir com esses seus altamente qualificados trabalhadores. Por outro lado, sendo os cientistas e os engenheiros, tcnicos de elevada formao educacional e intelectual, capazes, por isto, de estarem sempre em busca de melhores posies na escala social e de, tambm, impulsionarem o consumo do que de melhor a indstria cientfico-tecnolgica teria para lhes oferecer, eles, a sim, sabero bem negociar salrios e outras rendas, vindo assim a se transmudarem em novos agentes, funcionrios, scios, ou, numa palavra, em uma nova corporificao social do capital. Isto , descolados da produo material imediata, eles viro a ser o primeiro grande grupo de trabalhadores inteiramente subsumidos ao capital, o primeiro contingente de trabalho vivo cuja funo seria produzir diretamente capital. Por isto, os cientistas e engenheiros, em sua larga maioria, ao menos nos Estados Unidos, cedo deixaro de preocupar idelogos como Prindle: vo se transformar em atores sociais fundamentais consolidao do capitalismo norte-americano e, da, do moderno capitalismo informacional mundializado.

Quem inventou o chip?

Resolvida, at com certa facilidade, a questo da apropriao do valor do trabalho informacional pelo capital, o grande problema continuaria a ser o da disputa das rendas informacionais pelas diferentes unidades e blocos empresariais. Para no retornarmos aos primeiros tempos dessas disputas quelas mesmas dcadas iniciais do sculo XX, quando juzes e legisladores ajustavam as leis de patentes para beneficiar as grandes empresas relembremos o litgio que marcou as origens da indstria microeletrnica. O circuito integrado foi descrito em 1952 pelo ingls G. W. A. Dummer. Mas a realizao de sua idia exigia um conjunto poca desconhecido de avanos tecnolgicos, qui cientficos. Por isto, no pde patentear a novidade, pois, conforme a legislao de ento, no tinha como execut-la e explor-la, isto , no poderia transform-la numa coisa material til sociedade. Ao longo dos 166
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Este litgio confirma uma antiga lio de Norbert Wiener: no existe linha Maginot do crebro28. Uma vez saibamos que um problema tem soluo, todo o trabalho restante consistir basicamente num esforo para chegar a essa soluo, com apoio no conhecimento socialmente acumulado, na experincia social dos indivduos e nos recursos materiais disponveis. O circuito integrado deixou de ser um segredo a partir dos estudos de Dummer. Sua descrio correspondeu coero inicial que, uma vez dada, orientou os trabalhos das equipes de Noyce, Kilby e de outros que, embora no alcanassem xito e tenham cado no anonimato, tambm deram sua parcela de contribuio ao delimitarem, com seus equvocos, as escolhas que afinal deveriam ser seguidas. Noyce e Kilby chegaram a resultados similares em tempos relativamente iguais. A partir desses resultados, a Texas e a Fairchild puderam fabricar e comercializar um produto material cujo valor de uso resultara do trabalho de remoo de incertezas realizado diretamente pelos seus respectivos cientistas e, indiretamente, pelas contribuies subsidirias provenientes de outras pesquisas e experincias. Como valor esperado (no caso, alis, pelo Pentgono), o valor do trabalho de pesquisa e desenvolvimento realizado pela Fairchild e pela Texas tenderia a depreciar-se muito rapidamente se os eventuais usurios pudessem ter acesso a mais de uma fonte fornecedora. Aos usurios, decerto, interessa a concorrncia. Mas o fornecedor v a sua fatia neguentrpica no valor informacional gerado reduzir-se, quanto maior for o nmero de concorrentes. Por isto tenta, na Justia, sobrepor-se mo invisvel. Neste caso da Texas vs. Fairchild, a soluo polticojurdica final, concedendo s duas empresas um virtual duoplio, foi compensada pela disposio do Pentgono em continuar comprando-lhes mais da metade
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anos 50, vrias corporaes norte-americanas, visando se apropriar dessa informao socialmente divulgada, empenharam-se na pesquisa de um processo tecnolgico que viabilizasse a sua concretizao. Neste esforo foram decisivamente apoiadas por recursos gerais da sociedade norte-americana, para elas canalizados pelo Pentgono, que somaram cerca de US$ 900 milhes (a dlar de 1965), somente em P&D, entre os anos de 1958 e 1974. Duas empresas acabaram logrando xito: a Fairchild, cujo laboratrio era chefiado por Robert Noyce; e a Texas Instruments, onde Jack Kilby liderava os trabalhos. Em janeiro de 1959, a Texas obteve seus primeiros prottipos e os patenteou. Em julho, foi a vez da Fairchild. Ambas as empresas chegaram a idnticos resultados mas, para tanto, desenvolveram processos de produo algo diferentes. Em 1962, passados pois trs anos, a Texas acionou a Fairchild na Justia, reivindicando a primazia do conceito. A disputa durou cinco anos e a concluso foi salomnica: cada parte viu reconhecida a sua especfica contribuio criao do chip, obrigando-se outros interessados a licenciar na Texas os direitos de produo e, na Fairchild, o processo de fabricao26, 27.

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da produo at meados da dcada 60, na prtica carreando-lhes rendas indiretas recolhidas no conjunto da sociedade, atravs das receitas fiscais do governo.

Feudalizao da informtica

Batalhas em torno da primazia do conceito so comuns entre as empresas que desenvolvem e produzem tecnologias da informao. Elas envolvem um nmero cada vez maior de empresas, ampliam-se para novos segmentos e, principalmente, fazem cada vez mais abrangentes e inclusivas as definies sobre direitos intelectuais. Decorrem do fato de o valor de uso dos produtos nos quais cada vez maior o contedo de informao, estar contido menos nos seus suportes fsicos (pastilhas de silcio, disquetes de material magntico, placas de circuito impresso etc.) e muito mais nas funes proporcionadas pelos desenhos e cdigos de programao embutidos e registrados nesses suportes. Esse valor de uso, sendo no-tempo valorizado para algum agente, no se realiza como valor de troca, mas atravs do poder de barganha - poder impositivo - da empresa que o gerou, o qual sempre diminui se o usurio dispe de acesso a vrios valores de uso similares. Cabe ao Estado (atravs de seus tribunais ou de seus legisladores) garantir a apropriao dos valores de uso, concedendo s unidades de capital algum direito de propriedade intelectual. Cada vez mais, os limites do que pode ou no pode ser apropriado em nome desse direito intelectual tornam-se mais abrangentes e nebulosos. Conseqentemente, estreitam-se as oportunidades para o aparecimento e consolidao de diferentes fornecedores concorrentes de produtos informacionais similares. At meados dos anos 80, a evoluo das tecnologias de informao parecia caminhar na direo dos amplos e abertos padres, tanto na informtica, quanto nas telecomunicaes. L, firmavam-se os PCs, expandiase o sistema operacional Unix e, geralmente, as empresas aceitavam disseminar as interfaces de seus produtos, permitindo a terceiros desenvolver subprodutos complementares ou, mesmo, concorrentes. Nas telecomunicaes, controladas em geral diretamente por monoplios estatais, organismos diplomticos e tcnicos multilaterais discutiam e estabeleciam padres de interface, como o protocolo X-25, que permitiriam a qualquer empresa ou indivduo fazer uso das mesmas redes bsicas, em qualquer pas, nas suas comunicaes. A partir de iniciativas dos Estados Unidos - nas quais tiveram no pouca influncia os juzes federais desse pas, julgando questes que beneficiavam ora este, ora aquele interesse empresarial - a tendncia para a consolidao de produtos informacionais relativamente padronizados, oferecidos por diferentes fornecedores, foi cedendo lugar a outra, hoje em dia dominante, que acabar vedando qualquer acesso de produtores alternativos a um especfico segmento de mercado, j ocupado por algum pioneiro. Reconhece uma edio de maio de 1991, da revista Businessweek: Foi-se o tempo no qual um grupo de progra168
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madores poderia ingressar no mercado, desenvolvendo um pacote de software que implementava outro j existente29. Em seguida, narra a vitria obtida, na Justia norte-americana, por um fabricante de modem, a Hayes Microcomputer Products, sobre trs concorrentes que teriam infringido uma patente sobre um especfico software embutido num de seus modems, patente que lhe dava direitos exclusivos sobre qualquer programa que realizasse as mesmas funes30. Esta deciso - a prpria revista quem comenta - atingiu frontalmente uma das estratgias competitivas mais largamente praticada na indstria de computadores: a clonagem. O clone um equipamento ou programa capaz de executar as mesmas funes que, uma vez introduzidas por uma empresa pioneira, revelam-se socialmente teis e, portanto, passam a ter maior demanda de mercado. Reproduzir funes no significa copiar, pois so inmeras as possibilidades de se escrever cdigos, em diversas linguagens ou estilos, para realizar idnticas tarefas. Exemplo clssico de clonagem so as reprodues da Rom-Bios, programa embutido num chip que permite a todo microcomputador de 16 bits dotado com microprocessador Intel 80XX e Intel 80XXX, operar como se fra um IBM-PC original. Graas clonagem da Rom-Bios surgiu e se consolidou, nos Estados Unidos e em todo o mundo, uma ampla e at competitiva indstria de PCs, impedindo-se o monoplio da IBM neste segmento.

Aes contra clones tambm foram movidas pela Lotus Corp. e pela Apple Computer. A Lotus conseguiu excluir do mercado as planilhas Quatro Pro da Borland International e VP-Planner, da PaperBack Software. A Apple envolveu-se num longo litgio com as poderosas Microsoft Corp. e Hewllett-Packard, porque estas adotaram em seus programas, o mesmo estilo de tela em forma de janelas usado no microcomputador Macintosh, desenvolvido por aquela. Da que, em tom dramtico, a Sun Microsystem, uma empresa que acreditou no futuro dos padres abertos, denuncia os rumos dos acontecimentos. Em sua edio de maro de 1994, a revista Sun@Work, editada pela filial brasileira do grupo, traz uma entrevista com o seu presidente mundial, Scott McNealy, na qual ele mesmo se faz essas reveladoras perguntas: Por que uma nica empresa, a Microsoft, proprietria da linguagem de software dos PCs? Da mesma maneira, por que outra nica empresa, a Intel, controla a linguagem de informtica dos hardware, os microprocessadores? E, mais ainda, por que outra empresa, a Novell, dona da nica linguagem de rede local para micros? A indstria no vai permitir que o mundo coagule em torno da IBM, Intel e Microsoft31. Esta ltima afirmao parece mais uma expresso de desejo do que uma constatao realista.

Economia da licena

Na impossibilidade de alguma balana equalizar as trocas de informao, o capital vem criando e aperfeioando novas regras para o funcionamento
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do sistema econmico e social, que devem assegurar, aos geradores de informao, total e exclusiva propriedade sobre o produto do trabalho de busca e processamento que realizaram, isto , sobre os suportes materiais resultantes e os cdigos neles congelados e registrados. Essa apropriao permite que os produtores imediatos concedam queles que necessitam de uma dada informao - e, como tal, so tambm produtores, embora mediatos - to somente o direito de us-la, sem ter que lhes alienar nem a propriedade sobre os suportes, nem muito menos sobre a informao nestes suportes contidas. O uso compartilhado, mas conforme limites, objetivos e preos fixados pelo detentor dos direitos: quem adquire um software, por exemplo, no se torna seu proprietrio - no pode, legalmente, comercializ-lo ou emprest-lo como faz, se o deseja, com o seu automvel, o seu apartamento e, at, com os livros de sua biblioteca particular. Pode apenas us-lo nos limites de um contrato de licenciamento, unilateralmente imposto.

Ao contrrio do que possa parecer primeira vista, essa no uma regra que deva permanecer restrita aos casos de programas de computador ou, mesmo, de chips semicondutores, ou ainda de outros produtos ditos intensivos em informao. Ela poder estender-se, tambm, por exemplo, indstria automobilstica, um segmento que o senso comum no consideraria intensivo em informao:
O avano tecnolgico e a globalizao dos mercados comeam a trazer alteraes profundas e radicais em diversos segmentos da economia. A indstria automobilstica est mudando e outras transformaes vo chegar para as concessionrias [...] H 15 anos, nos Estados Unidos, 70% do lucro das concessionrias eram fruto da venda de veculos. Hoje representam apenas 1%. O ps-venda - contratos de manuteno, assistncia e venda de peas e equipamentos que era responsvel por apenas 2% do lucro, responde agora por quase 70% [...] No segmento de caminhes [...] pelo menos 500 concessionrias americanas j trabalham com o conceito de direito de uso em substituio ao direito de posse do bem. Os contratos de locao j embutem o de manuteno. A tendncia daqui a cinco anos [...] que a compra de carros praticamente no exista mais [...] uma mudana radical. Os vendedores, por exemplo, no tero mais de vender carros e sim uma soluo de transporte adequada para cada empresa ou pessoa [explica um analista]32.

Ou seja, tambm na indstria automobilstica (e, por que no, mais cedo ou mais tarde, em outras indstrias como a eletro-eletrnica ou a de confeces, 170
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cada vez mais calcadas em marcas e griffes?) a possibilidade de transferncia (troca) de propriedade para usufruto de um bem, tende a ser substituda pela concesso do direito de uso desse bem, sem alienao da sua propriedade. que seu valor, eliminado o trabalho simples, no reside mais nas suas formas materiais transformadas, mas nas informaes processadas e nele congeladas como valor de uso - ou soluo adequada. A economia mercantil, baseada na troca, est dando lugar a um novo tipo de economia no mercantil, baseada na licena*. Se a troca podia conter um princpio de igualdade, ser difcil reconhec-lo na licena. Esta nova economia e a sociedade nela apoiada tendem a ser completamente determinadas pelos interesses daqueles que detiverem o poder de licenciar. No Captulo 4, vimos como Demsetz j nos antecipava, sem nenhum pudor, onde isto poder acabar.

Novo paradigma jurdico

Um exemplo que nos parece paradigmtico dessas novas relaes poltico-jurdicas que vm se sobrepondo s relaes meramente mercantis neste limiar da chamada sociedade da informao, o Semiconductor Chip Protect Act (SPCA), ditado ao mundo pelos Estados Unidos, em 1984. uma lei elaborada sob medida para as caractersticas de um produto tpico e vital do capitalismo informacional: o circuito integrado. Enquanto os programas de computador tiveram as suas protees legais remetidas ao mesmo instituto do copyright h muito adotado para as obras artsticas em geral, o desenho de um circuito integrado, embora seja tambm um produto simblico e, ainda por cima, raramente contenha reais inovaes cientficas ou tecnolgicas, passou a gozar de estatuto jurdico especial. Ao definir esse desenho, ou mscara, como srie de imagens relacionadas, fixas ou codificadas, que representem modelos tridimensionais nas camadas de um chip semicondutor33, o SPCA tornou-se a primeira lei, em todo o mundo, a garantir a apropriao empresarial privada de um tipo bem especificado de descrio material simblica. O SCPA, como seria natural, protege os desenhos norte-americanos. Mas o faz introduzindo uma nova abordagem sobre como induzir outras naes a respeitar os direitos de propriedade intelectual dos cidados norte-americanos, conforme o afirma, sem rodeios, Richard Stern, do Departamento de Justia dos Estados Unidos34. Durante os debates no Congresso, prossegue, o Poder Executivo se empenhou para que fosse adotada uma nova forma de lei de proteo, talhada sob medida para os problemas e interesses do Governo dos Estados Unidos e para a indstria de semicondutores35. E obteve uma legislao que rompe com
* Hoje em dia (2011), comum citar-se Jeremy Rifkin como autor pioneiro da tese de que as pessoas pagariam cada vez mais pelo direito de acesso. O livro de Rifkin, A era do acesso, de 2001. Estes meus pargrafos sobre a economia da licena, foram redigidos no vero de 1993-1994, sendo esta verso, agora publicada e ltima a ser enviada a alguma editora, datada de 1999-2000 (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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todo o sistema internacional at agora vigente sobre propriedade intelectual: os Estados Unidos s daro igual proteo a desenhos de circuitos integrados realizados noutros pases, caso estes adotem uma legislao similar ao SCPA. Os que no o fizerem e forem, unilateralmente, considerados desleais para com os interesses norte-americanos, estaro sujeitos s retaliaes comerciais de Washington. J no mais se trata de obter acordos internacionalmente legtimos, que respeitem e concatenem os interesses distintos de cada pas. Trata-se, pura e simplesmente, de forar outras naes a aderirem incondicionalmente legislao de um pas que se sabe dotado com poderes imperiais. Com efeito, Inglaterra, Sucia, Japo, Holanda e outros pases centrais logo comunicaram a disposio de aderir, dependentes que so, em maior ou menor grau, do mercado consumidor norte-americano, dos capitais norte-americanos, da tecnologia norte-americana, dos microprocessadores das norte-americanas Intel e Motorola, sem falar tambm, quela poca, das ogivas nucleares norte-americanas que os protegia das ogivas nucleares soviticas.

O SCPA, com suas imposies extra-territoriais, passou a ser visto como um modelo poltico-jurdico a ser adotado em outros segmentos de economia crebro-intensiva: a extenso da abordagem [desta lei] para outros produtos de alta-tecnologia pode ser produtiva, sugere Stern36. Desde ento, abriu-se um debate mun dial, tendo por foros organismos internacionais como a Organizao Mundial para a Propriedade Intelectual (OMPI) e a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), visando reformular completamente os princpios que regem a propriedade intelectual, estabelecidos desde a Conveno de Paris, de 1883. Se prevalecerem as posies defendidas pelos Estados Unidos e outros pases centrais, princpios como a flexibilidade permitida a cada pas para adequar a concesso de proteo aos seus interesses especficos e a exigncia de explorao local da patente tendem a ser revogados: a patente deve conferir o direito de excluir terceiros da fabricao, uso ou venda da inveno patenteada e tambm o direito de excluir a importao do produto de um processo patenteado. O licenciamento compulsrio deve ser limitado a circunstncias cuidadosamente definidas, afirma um assessor jurdico do Escritrio de Marcas e Patentes do Governo dos Estados Unidos37. A exigncia de originalidade para a concesso de patente tende a ser substituda pela do esforo intelectual38, isto , pela concesso de um direito de propriedade sobre qualquer trabalho de reduo de incerteza realizado no interior de uma empresa. As leis que protegem a propriedade, leis estas que podemos remontar ao Cdigo Romano, leis que podemos remontar at mesmo ao mais que milenar Cdigo de Hamurabi, estendem-se para alm do produto, da coisa fsica, e passam a incorporar o processo de criao, de elaborao do conhecimento - processo este vital para o metabolismo neguentrpico do ser humano e da sua sociedade - porque somente esta apropriao possibilita a cada unidade de capital barganhar eficazmente a sua parte no valor de uso que gerou. 172
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O exemplo de Prometeu
A reao da sociedade ao processo em curso de apropriao da informao social pelo capital parece bastante incipiente e pouco esclarecida*. Sob o que e quais condies, uma reconstituio alternativa da nossas prpria ordem social poder acontecer, e mesmo se ocorrer, o desconhecemos por enquanto e, talvez, sequer o possamos prever, reconhece Herbert Schiller39. Porm, como a nova ordem se funda na apropriao da informao social, ser natural que a sua supe rao assuma, como ponto de partida, a ressocializao da informao.

Um exemplo que reputamos sintomtico, encontramos na seguinte nota discretamente publicada na Folha de S. Paulo de 29 de novembro de 1989:

Apple - Vrias pessoas ligadas informtica nos EUA continuam recebendo um disquete e uma carta assinada pela organizao Liga de Prometeu. O disquete contm um dos maiores segredos da indstria de informtica, o cdigo-fonte bsico (programa) do computador Macintosh. A carta informa que o objetivo do grupo disseminar todas as informaes que tornem possvel a criao de cpias do Mac40.

Inspirada no mito de Prometeu - que derrubou o monoplio do conhecimento exercido pelos deuses do Olimpo -, essa Liga estava incorrendo em despesas com insumos (disquetes virgens), postagem, levantamento de nomes e endereos, sem falar no trabalho que seus membros tero realizado para abrir o cdigo-fonte do Macintosh, porque entendera ser to importante socialmente o conhecimento embutido naquele microcomputador, que deixara de ser legtima a sua apropriao lucrativa e monopolista por apenas uma nica empresa. Desconhecemos os resultados concretos dessa ao mas a Liga de Prometeu talvez possa ser considerada como um tipo pioneiro de novo grupo guerrilheiro, distante das armas e da violncia fsica, que ataca, no mago, o verdadeiro instrumento de dominao imposto s sociedades capitalistas avanadas neste fim de sculo: a apropriao do trabalho intelectual pelo capital**.

Apropriao da vida

* verdade que, j no sculo XXI, iniciativas como o Creative Commons, o movimento GNU-Linux e similares comearam a expressar a crescente tomada de conscincia, pela sociedade, dos processos em curso de apropriao da informao, pelo capital. Em meados da dcada 1990, porm, estas ainda no eram questes muito debatidas, sobretudo no Brasil (N2011).

** Nessa mesma poca, o governo brasileiro, curvando-se sua dependncia ante o poder imperial norte-americano, fez abortar o trabalho de engenharia reversa realizado pela firma nacional Unitron, que resultou numa replicao do mesmo Macintosh desvendado pela Liga de Prometeu. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Se uma grande parte da reproduo e disseminao no autorizada de produtos informacionais instantnea e, mesmo, racional, tendo por objetivo a apropriao bem capitalista dos valores subsidirios da informao, uma outra parte comea a se apresentar de forma politicamente consciente, atravs de agentes sociais que se recusam o rtulo depreciativo de piratas e, ao contrrio, reivindicam o papel de modernos Prometeus, a promover a difuso e democratizao do conhecimento.

O campo onde, talvez, se observe maior conscientizao poltica sobre estas novas questes o dos alimentos, medicamentos e biotecnolgicos. Aqui tambm assistimos a uma evoluo em tudo por tudo similar ao processo que se desenrola nas indstrias de informtica e de outros produtos simblicos, na medida em que vai ficando cada vez mais transparente a importncia determinante do contedo informacional nos produtos qumicos, biotecnolgicos, farmacuticos etc. Alimentos industrializados e medicamentos so suportes materiais nas formas de drgeas, lquido, farelo ou pasta, cujo valor principal consiste na informao neles contida. Esta informao o conhecimento qumico processado nas mentes de cientistas, engenheiros e tcnicos, aplicado manipulao e combinao dos elementos da natureza que, nessas formas combinadas, devem produzir efeitos precisos, conforme o uso que delas se faa, atravs de seus suportes. Uma vez tornado pblico, o valor-informao pode ser apropriado, com certa facilidade, por outras unidades empresariais geradoras ou processadoras de informao qumica e biolgica, do que resultam produtos similares e maior poder de barganha dos usurios, na disputa pelo reparte das rendas informacionais a geradas. O desenvolvimento cientfico e tecnolgico realizado pelo capital proporcionou o conhecimento e a interveno humana no mago dos processos informacionais: naqueles realizados pela natureza orgnica. O capital tornou possvel modificar espcies animais ou vegetais com fins alimentcios ou farmacuticos e, claro, empresas capitalistas passaram a requerer patentes, ora para os processos de modificao, ora para as variedades modificadas de animais e vegetais. Como as regras estabelecidas pelo Acordo de Paris de 1883, sequer consideravam a possibilidade de nelas se incluir a matria viva, pouco a pouco, a partir dos anos 30, leis complementares vieram sendo introduzidas pelos Estados Unidos e pelos pases europeus, atendendo quelas presses. Nos anos 80, as conquistas da engenharia gentica sugeriram ainda maior alargamento dos direitos de patenteamento, para que abarcassem genes e microorganismos descobertos ou desenvolvidos atravs de experincias em laboratrio e, por extenso, os seres naturais (plantas, animais e at humanos) que pudessem carregar originalmente material gentico ou outros compostos orgnicos passveis de aproveitamento tecnolgico e industrial41, 42.
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As regras do Acordo de Paris davam a cada pas signatrio, flexibilidade para adot-las conforme os seus especficos interesses. A concesso de patentes podia no ser estendida a todos os setores industriais, sendo comum delas serem excludos os remdios e os alimentos. Por isso, at os anos 80, a grande maioria dos pases relativamente importantes do mundo, dentre eles o Brasil, no concedia patentes a produtos farmacuticos e alimentares. Desde ento, vem acontecendo na rea das patentes para frmacos, produtos de origem gentica, alimentos etc., o mesmo que se passa com os circuitos integrados e programas de computador. Atravs de organismos internacionais, como a OMC, ou por presses diretas governo-a-governo, novas regras so impostas, atendendo, principalmente, aos interesses das grandes transnacionais do setor qumico e farmacutico. Contra essas presses, constituram-se Organizaes No Governamentais (ONGs) interessadas em ampliar os debates sobre o patenteamento de remdios e seres vivos; articularam-se agricultores temerosos do poder monopolstico dos fornecedores de sementes e matrizes; mobilizaram-se empresrios na defesa dos seus direitos para fabricar produtos similares; pronunciaram-se cientistas que h dcadas trabalham melhorando espcies vegetais ou animais e nada ganham com isso, alm de seus salrios, como Jaap Hardon, do Centro de Recursos Genticos da Holanda:
As pesquisas com melhoramento de plantas desenvolvidas pelo setor pblico tm um papel importantssimo no desenvolvimento da agricultura e na produo de alimentos, especialmente nos pases em desenvolvimento. O sistema de patentes monopolista e traz conseqncias negativas aos programas de melhoramento vegetal. Uma empresa privada pode tornar-se proprietria de um gene que regula uma caracterstica importante em uma determinada planta e impedir que ele seja utilizado por melhoristas em suas pesquisas. O livre acesso aos recursos genticos, condio bsica do melhoramento vegetal, afetado perigosamente pelas patentes. Portanto, eu como melhorista, sou contra a extenso de patentes para genes, plantas e organismos vivos. As patentes no beneficiam nem os melhoramentos, nem os melhoristas e isso verdade tanto na Europa, quanto no Brasil43.

O direito cpia, isto , produo de similares, ganha foros de legitimidade, em nome dos interesses do consumidor e do prprio desenvolvimento
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tecnolgico do conjunto da sociedade, conforme entende a entidade brasileira Associao dos Laboratrios Nacionais:

O no reconhecimento de patentes nas reas de alimentos e medicamentos perfeitamente legal do ponto de vista jurdico e das convenes internacionais, alm de historicamente consagrado como direito de muitos pases hoje desenvolvidos. Ele permitir a oferta de produtos similares por empresas nacionais e at estrangeiras, provocando natural queda de preos e garantindo abastecimento do mercado. A cpia parte natural intrnseca do aprendizado. O pas poder inovar aps desenvolver o conhecimento atravs da cpia44.

O debate revelou o que os funcionrios e prepostos do capital-informao teriam preferido esconder: est em questo o livre acesso informao social que poderia permitir humanidade se apropriar, de modo justo e equitativo, dos recursos que obtm da Natureza. Depoimentos como os transcritos acima indicam o grau de percepo dos atores sociais quanto s conseqncias da apropriao da informao social por parte de um reduzido grupo de grandes corporaes capitalistas. No logram avanar propostas alternativas. So basicamente manifestaes que exprimem disposio de resistir. Como essa disposio se desdobrar, por enquanto, preferimos consider-la uma questo em aberto.

Lendo a Natureza

A crescente e cada vez mais extensiva apropriao e acumulao da informao social, sob a forma de conhecimento formalizado e materializado no interior das corporaes capitalistas, a redundncia inicial que orienta novas pesquisas e desenvolvimentos tecnolgicos que conduzem oferta de novos produtos materiais e sgnicos, determinando a dinmica do crescimento do capital, os padres de distribuio das riquezas e as possibilidades de controle social. To logo identifica um valor esperado - que tanto pode ser um material mineral ou biolgico, tanto pode ser uma idia (projeto, desenho, texto, marca, modo de fazer ou de servir etc.), valor potencial que ainda precisar passar por todo um trabalho de pesquisa e de desenvolvimento cientfico e tecnolgico para vir a ser um produto socialmente til - to logo identifica esse valor, uma empresa precisa afirmar a sua posse sobre ele: a posse, no sobre a coisa material externa, mas sobre a prpria possibilidade dessa coisa vir a ser materializada como algo socialmente til. O direito de propriedade quer se estender incerteza que dever ser removida no tempo. 176
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Para se apropriarem de todas as fontes possveis de informao social, as grandes corporaes lanam mo de todos os recursos informacionais com os quais possam contar: os crebros dos cientistas e demais trabalhadores sgnicos, a base documental (geralmente confidencial) que acumulam, os subsistemas de trabalho morto que desenvolvem para processar dados e comunic-los, etc. A sociedade em seu conjunto e a Natureza, em sua totalidade, tornam-se alvo de detalhados esquadrinhamentos, passam a ser vistas, como fontes primrias de informao. A Natureza - y compris as populaes primitivas que nela permanecem - tornou-se basicamente um objeto de leitura, leitura esta somente possvel se o objeto permanece preservado. difcil, ou incmodo, lermos um velho livro comido pelas traas... Da se entende o inegvel e simptico apoio que o grande capital, no geral, d s ingenuidades ecologistas. No cabendo discut-lo aqui, deixemos apenas registrado ser o movimento ambiental, enquanto movimento social, to caracterstico desta nova etapa informacional do capital - e est to a seu servio - quanto inerente a este apropriar-se da informao extrada do meio-ambiente sustentado*. A pesquisa da Natureza tende a fundir-se pesquisa social:
Grandes empresas transnacionais do setor de frmacos e de sementes esto enviando para os pases tropicais equipes compostas por antroplogos e bilogos. Nesses grupos, encarregados de identificar esp cies com potencial de uso para as indstrias, os profissionais de cincias humanas tm a funo de facilitar o acesso aos conhecimento tradicional das populaes locais, identificando o uso que elas fazem das plantas nativas. Agindo assim, as transnacionais identificam e patenteiam, com baixo custo, as espcies com potencial para gerar novos produtos e lucros milionrios45**.

O objetivo dessas transnacionais identificar e conhecer, pela interao semntico-sinttica imediata entre populaes nativas e trabalhadores-cientistas subsumidos ao capital, os usos dados a diferentes plantas (coero inicial da busca) para depois estud-las, j ento luz da codificao cientfica, e transform-las em medicamentos na forma de drgeas, lquidos e pastas que sero consumidos,
* Mais de 15 anos depois de escritas essas linhas, no retiro uma s palavra. Elas esto confirmadas pela posio de liderana assumida por Al Gore nesse movimento, pela riqueza de recursos postos a disposio do Greenpeace e outras ONGs ambientalistas, pelo aberto apoio que lhes do Hollywood (vide o filme Avatar, de James Cameron), a brasileira Rede Globo, grandes bancos etc (N2011). **Um exemplo dessa apropriao de plantas com potencial de gerar novos produtos o patenteamento, pela Fox Chase Cancer Center, norte-americana, da popular planta brasileira conhecida vulgarmente por quebra-pedra, largamente utilizada em nosso Pas para tratar problemas renais . Um ato deste significa muito concretamente que, apesar de encontrar-se em nossas florestas e matas, esta planta deixou de pertencer aos brasileiros e, principalmente, aos caboclos que dela fazem largo uso. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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no pelos nativos, mas por aquela parcela da sociedade humana j historicamente incorporada, em todas as suas dimenses econmicas e culturais, ao modo de produo capitalista. Os nativos pouco ou nada ganham com isso. Deu no jornal:
Pases em desenvolvimento so fraudados pelas companhias multinacionais de alimentao e remdios em cerca de US$ 5,4 bilhes por ano, em uma espcie de biopirataria. A constatao foi apresentada em um estudo publicado ontem pela Organizao das Naes Unidas. A pesquisa [...] afirma que pases em desenvolvimento e povos indgenas no so recompensados adequadamente por suas variedades vegetais e seu conhecimento tcnico.

O estudo diz que se os pases em desenvolvimento recebessem apenas 2% em royalties sobre a venda global de sementes e 20% pelas drogas derivadas dos vegetais, receberiam aproximadamente US$ 5,4 bilhes46.

S o valor das espcies vegetais do Terceiro Mundo para a indstria farmacutica estimado em mais de US$ 30 bilhes por ano [...]

Por que 2%? Por que 20%? Por que no 10%, 30%, 50%, qualquer outro percentual? Como arbitrar este valor? Somente a interveno poltica dos agentes interessados, pela fora de barganha na qual se possam sustentar, permitiria fixar algum valor. Em princpio, as informaes dos nativos ou obtidas diretamente da Natureza, sendo incerteza removida na fonte, tm valor zero ou prximo a zero, para o capital o sistema que ignora a informao. Sero valor ao longo de seu processamento (supresso de ignorncia) e objetivao isto , ao longo do trabalho informacional realizado sobre elas. Da que a informao espontaneamente extrada dos n dios informao cuja obteno, sendo tradicional, no representou qualquer trabalho direto para esses ndios - no deva custar nada ao capital, nem 2% de royalties. H lgica nisto. E nenhum roubo... exceto aquele h muito denun ciado por Proudhon: o roubo intrnseco a qualquer apropriao privada.

Recursos informacionais

Toda a leitura da Natureza e as aes subseqentes so orientadas e guiadas por cdigos adredemente formalizados e dominados pelos subsistemas capitalistas e resultam no enriquecimento semntico, logo na valorizao, desses cdigos. Definitivamente, o conhecimento para a produo no reside mais no interior da produo imediata, no crebro e msculos vivos do trabalhador imediato, e o valor 178
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da produo, por isto, foi transferido para essa esfera intermediria na qual se concentra agora o trabalho social, trabalho este que concretiza em materiais sgnicos o metabolismo do Homem com a Natureza, mediatizando-o em redundncias ou em neguentropias cristalizadas, atravs das quais o ser humano contemporneo comanda a transformao que no mais realiza diretamente ele mesmo. A Natureza, no capitalismo informacional, tende a no ser mais o recurso primrio - o principal recurso primrio - como ainda o era no capitalismo industrial estudado por Marx. Um outro recurso (detido pelo capital) se interpe como necessrio para conhec-la e aproveit-la: a informao social cientfico-tcnica. Para Anthony Smith,
podemos ver a informao como um recurso social especial e no como mercadoria [commodity]; um recurso que permite a outros recursos funcionar produtivamente j que a disponibilidade de uma informao importante que determina o valor e a disponibilidade de outros recursos [...] Se considerada como recurso, a informao suscita automaticamente a questo mais ampla de sua alocao social e de seu controle social pois, por sua prpria natureza, a informao emerge da sociedade, ou do pas como um todo, mas acaba alocada por interesses especficos de modo a ser explorada. Seria como um recurso mineral47.

Na mesma linha, acrescenta Rachel Bascur:

Excluso social

O volume de conhecimento na sociedade, as qualificaes e a educao da populao, a informao factual detalhada sobre assuntos como processos de produo, relaes e interdependncias entre os vrios setores da economia etc., so um recurso primrio. O valor deste volume de conhecimento depende da medida em que esteja distribudo na sociedade e das instituies encarregadas de mant-lo, renov-lo e expandi-lo, quer dizer, dos sistemas de treinamento e educao, e da pesquisa orientada para gerar novos conhecimentos48.

O mais determinante dos recursos informacionais, evidentemente, o ser humano. So os homens e mulheres quem, quando bem educados, atendidos em
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suas necessidades bsicas, e efetivamente livres para pensar, livres tanto de coeres polticas e culturais autorit rias ou irracionais, quanto das presses extremas da sobrevivncia biolgica, so homens e mulheres assim que podem se dedicar criao e inovao permanentes, como condio mesma do viver cotidiano, exigidas pelo capitalismo nesta sua nova etapa. Entretanto, a parcela da humanidade integrada ao novo regime de acumulao mostra-se francamente minoritria. Ao lado e convivendo com todos as grandiosas realizaes da cincia e da tecnologia, somos testemunhas tambm do que talvez venha a ser o mais perverso resultado do processo em curso de apropriao capitalista da informao social: a progressiva excluso do convvio social e histrico de milhes de seres humanos que no possuem o conhecimento racionalizado cientfico-tcnico necessrio para produzir e consumir valores de uso exigidos pela nova lgica de acumulao. Diria Marx, no esto dotados da capacidade de produo e desfrute da riqueza social geral. Um conjunto talvez majoritrio dos indivduos em todo o mundo no vem conseguindo trabalho e ocupao dentro do espao da produo social geral, seja porque esta no oferece postos de trabalho na quantidade necessria, seja porque aqueles indivduos no esto educacional e culturalmente (no sentido antropolgico do termo) preparados para executar as tarefas demandadas por um regime de acumulao de natureza cientfico-tcnica.

A excluso, confessam os relatrios oficiais, se amplia porque o crescimento econmico no mais capaz de proporcionar trabalho remunerado para todos os que o procuram (a volta do pleno emprego no ocorrer amanh, nas atuais condies, nem continuar seguindo os padres do passado) 52. A dimenso e complexidade desta questo talvez seja a que mais desafiaria um estudo 180
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Trata-se de um problema que transcende a questo do desemprego, na medida em que o desemprego, como anttese do emprego, pressupe este e prope-se como um momento deste: o desempregado esteve antes empregado e espera voltar a empregar-se adiante. Ele no , necessariamente, um excludo. O excludo, ao contrrio, no antev algum futuro retorno ao que se costuma denominar mercado formal de trabalho ou, desde o incio, nele no se incorporou, como o sabem milhes de jovens que chegam idade de trabalhar. A excluso tambm no deve ser confundida ao desemprego tecnolgico - substituio de trabalhadores nas fbricas ou escritrios - por sistemas tcnicos informatizados. Neste caso, a literatura econmica ou sociolgica tem procurado demonstrar que as novas tecnologias nem sempre provocam ou aumentam o desemprego - pelo menos, no desemprego macio - porque a introduo de sistemas informatizados na produo imediata no somente requer o emprego de indivduos para projet-las e oper-las, como costuma a se dar em setores produtivos nos quais os processos anteriores de trabalho j reduziram a massa de mo de obra direta quantidade e qualidade adequadas automatizao49, 50, 51.

abrangente e desmistificador sobre a sociedade da informao, que no poderemos aprofundar nos limites deste nosso livro.

Empregos, s pro intelecto

Em 1992, a economia norte-americana cresceu 2,6%, fato atribudo pela revista Businessweek, recuperao de seus ndices de produtividade, que saltaram de quase 2% negativos para 3,5% positivos, entre 1988 e 1992. Nestes mesmos quatro anos, os empregos na produo cinematogrfica cresceram 28,5%; nas reas de sade e de produo de software, cerca de 20%; na televiso a cabo, 13%; nos servios de consultoria empresarial, 11%; em outros campos como educao, entretenimento etc., mais de 7%. Mas, no conjunto de toda a economia norte-americana, os empregos cresceram apenas 2%. Em 1992, cerca de 500 mil postos de trabalho tcnicos e de escritrios desapareceram talvez para sempre, informa a revista. E, apesar da recuperao econmica e do incremento a produtividade, os salrios reais permaneceram estagnados nos ltimos quatro anos porque o alto desemprego torna difcil aos trabalhadores forar os seus ganhos para cima53.

Esta uma significativa amostra do tipo de emprego que uma eventual recuperao da economia pode gerar: ele se expande onde ocupa trabalho intelectual, trabalho com informao aleatria, trabalho sgnico criativo. Talvez no seja uma fatalidade do de senvolvimento cientfico e tecnolgico que os novos empregos no possam atender a toda a populao. Provavelmente, o Japo ter resolvido esse problema ou o minimizado bastante. Marx acreditava que a prpria evoluo do capitalismo levaria a uma sociedade toda ela dotada de capacidade para ocupar-se nas mais diferentes atividades*. Mas o fato concreto neste universo capitalista e, sobretudo, nas sociedades que um dia sofreram a espoliao colonialista e imperialista e que, hoje, herdam os seus dramticos resultados - o fato concreto que estamos vendo aumentar a massa de indivduos para os
* Est nO Capital: [A grande indstria] torna uma questo de vida ou morte substituir a monstruosidade de uma miservel populao trabalhadora em disponibilidade, mantida em reserva para as mutveis necessidades de explorao do capital, pela disponibilidade absoluta do homem para as exigncias variveis do trabalho; o indivduofragmento, o mero portador de uma funo social de detalhe, pelo indivduo totalmente desenvolvido, para o qual diferentes funes sociais so modos de atividades que se alternam. Um momento espontaneamente desenvolvido com base na grande indstria, desse processo de revolucionamento, so as escolas politcnicas e agronmicas, outro so as escolas de ensino profissional, em que filhos de trabalhadores recebem alguma instruo de tecnologia e de manejo prtico dos diferentes instrumentos de produo54. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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quais o sistema produtivo no pode oferecer ocupao e postos de trabalho na quantidade necessria e que, por sua vez, no esto qualitativamente preparados para disputar as ocupaes e postos de trabalho disponveis. Trata-se de uma tendncia que apenas se reforar, na medida em que o capital prossiga tambm se apropriando, agora atravs de privatizao direta, como veremos a seguir, dos meios de transporte e difuso da informao que exatamente pode riam servir tanto radicalizao democrtica, quanto promoo educacional e cultural geral da Humanidade*.

Referncias Bibliogrficas

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1. MARX, K. O Capital, op. cit, Vol 1, tomo 1, pag. 45.

16. apud ARAJO, Vania M. R. Hermes. Informao: instrumento de dominao ou de submisso?, pag. 16, Escola de Comunicao/UFRJ, 1989, mimeo.

* verdade que nos anos seguintes redao dessas linhas, essa massa de indivduos comeou a reagir, sendo o ataque terrorista s Torres Gmeas, em 11 de setembro de 2011, talvez a mais contundente de suas manifestaes. uma reao, no entanto, que no nos permite muito otimismo quanto s condies de construo de uma sociedade melhor em algum futuro previsvel. Ao contrrio, h algo a que lembra a decadncia da antiga civilizao gregoromana e sua substituio, na Europa, pela barbrie e obscurantismo medievais (N2011).

17. apud BARBIERI, Jos Carlos. Produo e transferncia de tecnologia, pp. 18 passim, So Paulo, SP: Editora Atica, 1990.

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32. Jornal do Brasil. Informe Econmico, Nova mentalidade empresarial, 23/10/1995.

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41. Dossi das patentes, Frum pela Liberdade do Uso do Conhecimento, So Paulo, SP, jun. 1992. 42. Patenteamento da vida, AS-PTA, Rio de Janeiro, RJ, jan. 1993. 43. idem, A viso de um melhorista, p. 4. 44. idem, O direito de aprender, p. 3. 45. idem, Empresas patenteiam o quebra-pedra, p. 3.

40. Folha de S. Paulo, Apple, 29/11/89.

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49. CARVALHO, Rui de Quadros. Tecnologia e trabalho industrial, Porto Alegre, RS: L&PM, 1987. 50. DINA, Angelo. A fbrica automtica e a organizao do trabalho, Petrpolis, RJ: Editora Vozes, trad., 1987. 51. RUMBERGER, Russel W. High technology and job less, Technology in Society, pp 263-284, Vol. 6, 1984. 53. Businessweek, The technology payoff, pp. 37-48, 14/06/1993. 54. MARX, K. O Capital, op. cit, Vol. 1, Tomo 2, pp. 89, 90.

52. apud SCHAFF, Adam. O futuro do trabalho e do socialismo, p. 19, O Socialismo do Futuro, Instituto Pensar, pp. 11-23, jul. 1993.

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O Ciclo da Comunicao Produtiva*


Quem diz todo o tempo que tempo dinheiro No tem passatempo nenhum, tempo a fora (Wilson das Neves e Paulo Sergio Pinheiro)

Captulo VII

O trabalho com informao, como vimos, requer, sempre, algum suporte mate rial para o transporte, quando no para o prprio processamento, dos signos. A fixao da informao nesse suporte exige uma quantidade maior ou menor de trabalho sgnico redundante, trabalho de baixo valor informacional. A quantidade deste trabalho depender da natureza e das dimenses dos suportes. Estes podem ter a forma de material impresso, cujo valor de uso reside nas representaes sgnicas dos resultados de um trabalho de processamento: so tipicamente os relatrios e documentos afins. Podem ter a forma de pelculas, discos ou disquetes, cujo valor de uso encontra-se nas imagens, sons ou sinais que transportem. Podem ter a forma de algum conjunto material mais volumoso, denso e complicado, cujo valor de uso est no trabalho morto que logra realizar: mquinas, instalaes industriais, veculos etc. Podem tambm ter a forma de peas materiais cujo valor de uso o consumo imediato da matria mesma: mveis, roupas, alimentos, ferramentas etc.

Considerando as diferentes formas dos suportes, em funo dos valores de uso que transportam, quanto mais demoradas forem as suas etapas de transformao fsico-qumicas, mais a comunicao dever esperar pela concluso do trabalho vivo relativamente redundante, de digitao, desenhos finais, montagem de componentes ou peas, operao de mquinas-ferramentas, observao e controle de
* Este captulo no original da dissertao de Mestrado. Foi redigido, em mais uma expectativa de publicao deste livro, no vero de 1999-2000 e j resulta das investigaes que, ento, eu avanava no doutoramento (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Reduzir o tempo - o tempo de trabalho redundante entrou, de vez, para o discurso capitalista. As organizaes esto comeando a gerenciar o tempo explicitamente, como um recurso corporativo, tanto quanto gerenciam o seu pessoal e os seus ativos de capital, sentencia a Anderson Consulting, em relatrio para os seus clientes1. Cortar tempos mortos, produzir apenas-a-tempo so temas recorrentes na literatura gerencial recente. Da que a compresso do tempo tem sido a fora dirigente por trs dos desenvolvimentos nas tecnologias da informao2, esclarece-nos ainda a Anderson Consulting. As novas tecnologias digitais da informao (movidas a energia eltrica) representaro para o capital que precisa poupar tempo de trabalho informacional, o que representaram os teares mecnicos (movidos a vapor) para o ento nascente capital industrial que precisava poupar tempo de trabalho simples necessrio.

painis industriais, e muitas outras atividades de coordenao, conduo, alimentao ou fiscalizao do trabalho morto de transformao material. O produtor da informao obteve, fazendo registrar em seus suportes adequados, um valor de uso esperado por algum outro agente econmico e social. Para este outro agente, este valor exprimiria tempo poupado na realizao de trabalho neguentrpico similar. Mas este tempo, porm, no se efetiva enquanto todo o trabalho necessrio fixao da informao no suporte adequado, no estiver completado enquanto no estiver concludo todo o trabalho (vivo e morto) relacionado comunicao.

Valor que no mercadoria

o que discutiremos neste Captulo. E para nos conduzir nesta discusso, hora de retornarmos lgica de Marx. Deixramos em suspenso, no Captulo 2, a discusso do problema da circulao. E, no Captulo 5, a da expanso do escritrio. Veremos agora que os dois problemas tratam de um mesmo movimento do capital, perfeitamente compreensvel no interior do sistema terico marxiano, embora desdobrado em solues que Marx, no sendo profeta nem futurlogo, no tinha nenhuma obrigao (nem disposio) de imaginar, ou de nos descrever. Claramente, porm, ele demonstrou como a circulao pressiona o desenvolvimento das foras produtivas, e como esta presso levaria evoluo das comunicaes.

Devido ao ento acelerado desenvolvimento dos transportes (o mesmo, quela poca, no se podendo dizer da transmisso de informaes), Marx dedica a eles algumas pginas de O Capital. O produto dos transportes, diz, a existncia espacial modificada de mercadorias ou pessoas5. Essa mudana de lugar 186
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Marx entendia como comunicaes tanto o transporte de mercadorias e pessoas, quanto a transmisso de informaes, envio de cartas, telegramas etc3. Ele considera ambos, ramos autnomos da indstria, nos quais o produto do processo de produo no um novo produto material, no uma mercadoria4.

do objeto de trabalho6 destacada como parte importante do processo de produo, mesmo que no seja realizada dentro da oficina ou da fbrica. O produto s estar pronto para o consumo assim que tiver completado esse movimento7. Por isto, os transportes so continuao do processo de produo dentro do processo de circulao e para o processo de circulao8.

Mais uma vez, registramos a modificao na forma da matria como fundamental teoria marxiana do valor, mesmo que, neste caso, seja uma modificao espacial. Por que altera a forma (espacial) da matria, o trabalho nos transportes cria valor. Este valor a prpria locomoo: o efeito til s consumvel durante o processo de produo; ele no existe como uma coisa til distinta desse processo, que s funcione como artigo de comrcio depois de sua produo, que circule como mercadoria9. Assim, produzindo locomoo e, no, mercadorias pois mercadoria coisa til distinta do processo de produo - a frmula dos transportes :

A empresa de comunicaes (no caso, transportes de mercadorias) adianta dinheiro (D) para comprar mercadorias (M), s quais acrescenta valor (D) sem produzir nova mercadoria, mas to somente pelo ato de lev-las de onde so produzidas para onde sero consumidas.

D M... P... D

Questo de tempo

O efeito til, logo o valor, das comunicaes ser tanto maior, quanto mais logre encurtar o tempo da circulao, assim antecipando-se entropia espontnea e conseqente desvalorizao da mercadoria. Nos termos prprios de Marx, o capital completa o seu ciclo somente aps ter a mercadoria sido transformada em dinheiro (com lucro) e ter este dinheiro retornado para o bolso do capitalista:
A mera durao relativa da viagem da mercadoria para o local da entrega oca siona uma diferena no s na primeira parte do tempo de circulao, no tempo de venda, mas tambm na segunda parte, na retransformao do dinheiro nos elementos do capital produtivo, no tempo de compra. A mercadoria , por exemplo, enviada para a ndia. Isso demora, por exemplo, 4 meses. Queremos fixar o tempo de venda = 0, ou seja, a mercadoria enviada por encomenda e ser paga aos agentes do produtor contra a entrega. O envio do dinheiro de volta (a forma pela qual ele enviado de volta indiferente aqui) demora novamente 4 meses. Assim, demora ao todo 8 meses at que o mesmo capital possa funcionar

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Conseqentemente, tempo de circulao e tempo de produo excluemse mutuamente:

novamente como capital produtivo e que a mesma operao possa ser renovada com ele10. [...] quanto mais prolongada for a permanncia contnua de suas [do capital] partes alquotas na esfera da circulao, tanto menor tem de ser sua parte que funciona de modo contnuo na esfera da produo. A expanso e contrao do tempo de circulao atuam como limite negativo sobre a contrao ou a expanso do tempo de produo ou da amplitude em que um capital de dada grandeza funciona como capital produtivo. Quanto mais as metamorfoses de circulao do capital forem apenas ideais, isto , quanto mais o tempo de circulao for = zero ou se aproximar de zero, tanto mais funciona o capital, tanto maior se torna a sua produtividade e autovalorizao. [...] O tempo de circulao do capital limita, portanto, em geral o seu tempo de produo e, por isso, o seu processo de valorizao11.

J ao rascunhar O Capital, nos Grundrisse, Marx anotara que a circulao se efetua no espao e no tempo12. Mas como no deriva da relao direta entre o trabalho e o capital, a circulao coloca-se em contradio com a valorizao, sendo porm, exatamente por isto mesmo, um processo essencial determinao do valor:
Portanto, alm do tempo de trabalho realizado no produto, o tempo de circulao do capital - tempo de trabalho produtivo, mesmo assim - intervm como momento da criao do valor. Se o tempo de trabalho se apresenta como atividade que pe valor, este tempo de circulao do capital, pois, aparece como tempo da desvalorizao13.

Da que o capital, quanto mais se expanda pelo mundo, mais precisar

Tempo de contratar

anular o espao por meio do tempo, isto , reduzir ao mnimo o tempo que requer o movimento de um lugar para outro14.

H tambm um outro tempo consumido no ciclo do capital e contrrio, em princpio, sua valorizao, que no escapou ao olhar arguto de Marx: o tempo de negociar e de administrar que, quela poca, consumia diretamente o trabalho 188
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do capitalista em pessoa*: ele, no mximo auxiliado por um ou poucos guardalivros e capatazes, quem negocia e compra matrias-primas e fora de trabalho; quem negocia e vende produtos, enquanto mercadorias; e, nestes entremeios, quem fiscaliza o trabalho que seus demais empregados esto realizando. Todo este trabalho do capitalista consome tempo, este mesmo tempo (entrpico) que Marx associa circulao. Aps discorrer, nos Grundrisse, sobre o momento espacial de transporte das mercadorias, Marx nos fala, em seguida, de um momento temporal:

O mesmo, em essncia, cabe no conceito de circulao. Supondo-se que o ato de converso da mercadoria em dinheiro seja fixado contratualmente, isto consumir tempo: calcular, pesar, medir. A reduo deste movimento , tambm, desenvolvimento da fora produtiva. Estamos ante o tempo, concebido exclusivamente como condio exterior para a transio da mercadoria em dinheiro; a transio dada por suposta; se trata aqui do tempo que transcorre durante esse ato pressuposto. Isto cai dentro dos custos de circulao. Diferente , em troca, o tempo que transcorre em geral antes que a mercadoria se converta em dinheiro; ou o tempo durante o qual a mesma se mantm como mercadoria, valor somente potencial, no real. Este perda pura16.

Calcular, pesar, medir este no obviamente um trabalho de transformao material. Seu efeito til, parece claro, informao que, como a locomoo, ser valor sem ser mercadoria. Sem ser necessariamente, como a locomoo, deslocamento no espao, a informao tambm momento no tempo que cabe no conceito de circulao. Logo, tambm a reduo desse movimento implicar em de senvolvimento das foras produtivas.

Enchendo o tempo

Desde fins do sculo XIX, o aumento do tamanho das empresas, a expanso mundial dos mercados, o crescimento da Engenharia, a sofisticao financeira,

* As funes particulares que o capitalista como tal tem que exercer, escreveu Marx, e que lhe cabem em contraste e anttese com os trabalhadores so apresentadas como meras funes de trabalho. Ele cria mais-valia no porque trabalha como capitalista, mas porque, abstrada a sua qualidade de capitalista, ele tambm trabalha. Essa parte da mais-valia j no pois mais-valia, mas seu contrrio equivalente de trabalho efetuado. Uma vez que o carter alienado do capital, sua anttese com o trabalho, deslocado para alm do processo real de explorao, a saber, para o capital portador de juros, o prprio processo de explorao aparece como mero processo de trabalho, em que o capitalista funcionante apenas efetua outro trabalho que o do trabalhador. De modo que o trabalho de explorar e o trabalho de explorado so, ambos, como trabalho, idnticos. O trabalho de explorar tanto trabalho quanto o trabalho que explorado15. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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tudo isto e muito mais levariam a um extraordinrio incremento do momento temporal. Milhares e milhares de pessoas viriam a ser mobilizadas e empregadas nas atividades de calcular, pesar, medir. Estas j eram to evidentes nos anos 1920, que chamavam a ateno de analistas, como um certo R. H. Haig, em artigo publicado em 1926, na revista The Quartely Journal of Economics, no qual descreve o trabalho gerencial:

Trabalha-se quase exclusivamente com informao. O que tem mais importncia o transporte de informao. O correio, o cabo, o telgrafo e o telefone trazem sua matria-prima e levam seu produto acabado. Internamente, essencial o contato entre os homens. O telefone empregado prodigamente, claro, mas a entrevista pessoal continua a ser, apesar de tudo, o mtodo pelo qual se realiza a maior parte do trabalho importante. As entrevistas com funcionrios de empresas, com banqueiros, com advogados e contadores, com scios, com outros diretores, enchem o dia17.

As entrevistas enchem o... tempo. Anul-lo, assim como a outros tempos de circulao, fundamental. Da se explicaria, quela poca, a localizao dos escritrios e, lgico, a prpria trama urbana, segundo o mesmo Haig, citando um empresrio por ele entrevistado:

Problemas novos

De meu escritrio, no 28 andar de um edifcio em Times Square, posso chegar em 15 minutos a praticamente todos as pessoas importantes no campo da construo e dos negcios18.

Na medida em que o capital, desesperadamente premido pela busca de maior excedente na produo, dela quase excluiu por completo o trabalho vivo, reduzindo a trabalho morto o grosso da transformao mate rial, na mesma medida viu emergir, na esfera assim ampliada da circulao, dois novos e grandes problemas. O primeiro referia-se necessidade de processar e transportar a crescente massa de informao necessria expanso, implementao, coordenao e orientao dos processos de trabalho vivo e morto. A pesquisa, o planejamento, a gesto, a fiscalizao, os controles dos homens ou dos materiais, todas essas atividades expandidas daquelas de calcular, pesar, medir, tornaram-se trabalhos que mobilizavam crescentes contingentes de engenheiros, economistas, administradores, pedagogos, tcnicos das mais distintas especialidades, e todo 190
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o restante pessoal burocrtico de escritrio e, tambm, do cho de fbrica, espalhados pelas instalaes centrais da firma, suas filiais, lojas, representaes. A proximidade espacial dos agentes em interao em muito podia facilitar a reduo do momento temporal. Mas no era tudo. Inexistindo os computadores para organizar e tornar veloz o processamento da informao e sua comunicao nestas esferas de trabalho vivo, o capital no encontrou outra alternativa, nas primeiras dcadas deste sculo, que a adoo de diferentes mtodos de racionalizao burocrtica do trabalho, a partir das idias de Fayol e Taylor.

Monoplios naturais

O segundo problema tratava do transporte de materiais e componentes j transformados, entre os subsistemas de maquinaria que consumavam cada transformao, a cada fase da produo. Aqui, a partir de Ford, o capital logrou trazer o meio de transporte de mercadorias e pessoas para dentro mesmo do ciclo produtivo. A correia transportadora, introduzida inicialmente na fbrica de Highland Park, Detroit, em 1913, nada mais seria que uma inverso de mo na frase acima citada de Marx: a continuao da circulao dentro da produo e para a produo. Os dois ciclos do capital indus trial se estariam entrelaando mais e mais, apontando para uma possvel futura superao das suas fronteiras formais.

Para anular o espao por meio do tempo - seja o espao que separa o executivo de outras pes soas importantes aos negcios, ou o chefe do chefiado, ou a pea do posto de montagem; seja o espao que a informao precisa percorrer, entre o momento temporal do seu tratamento e anlise, e o momento temporal da sua objetivao datilografada num suporte material de folhas encadernadas (relatrio) para anular tais espaos, o capital levaria muito tempo para encontrar os meios mais adequados. Essencialmente, este era um problema de tratamento da informao e - como jamais quis aceitar Babbage, a ponto de se deixar levar loucura (Captulo 3) a Cincia ainda precisaria de muitas dcadas para chegar melhor soluo. No sculo XIX, o mximo que o capital conseguiria atingir, neste campo, seria aperfeioar a transmisso eltrica a longa distncia, inclusive submarina, de um cdigo binrio simples (o cdigo Morse) que lhe permitia intercambiar mensagens curtas e urgentes; e dotar os seus escritrios com barulhentas mquinas mecnicas de escrever e de tabular.

As primeiras linhas de telgrafo eltrico datam, na Inglaterra, de 1840. O telgrafo atendia, ento, ao controle do trfego ferrovirio (logo, confundia-se com as ferrovias e as empresas que as controlavam) e, tambm, de modo cada vez mais dominante, aos bancos e corretoras de valores que j percebiam, na velocidade da comunicao, um vetor determinante para o xito de seus movimentos financeiros: em 1854, 50% dos despachos telegrficos britnicos relacionavam-se Bolsa; na Frana, 39%19.
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Como essas redes telegrficas, igual a outras redes de infra-estrutura, tendiam a se constituir em monoplios naturais*, seus usurios comerciais e financeiros passaram a exigir que o Estado lhes regulamentasse as atividades, impondo obrigaes de servio pblico aos seus proprietrios, inclusive limites s tarifas que cobravam. A prpria burguesia liberal abriu um debate nos seus parlamentos e na imprensa, que a levaria a aceitar a idia de o telgrafo vir a ser diretamente explorado pelo Estado. Aspectos polticos e militares tambm foram considerados, devido importncia das redes telegrficas nas comunicaes relativas segurana nacional dos Estados imperialistas e ao controle da ordem social. Assim nasceram, nos diferentes pases europeus, as autarquias governamentais genericamente conhecidas como Postal, Telephone and Telegraph (PTTs), que neles assumiriam o controle monopolista das telecomunicaes, at quase findar-se o sculo XX. Nos Estados Unidos, pouco a pouco, veio se montando uma legislao que dava ao Estado fortes poderes regulatrios, enquanto delegava a monoplios privados a operao dos servios. Na era do telgrafo, esse monoplio foi exercido pela Western Union. Com a emergncia da telefonia e da radiofonia, ela cedeu o lugar, como veremos adiante, respectivamente, para a AT&T e para a Westinghouse.

Indstria da informao

No final do sculo XIX e incio do sculo XX, uma variada gama de novos inventos e evolues assinala a ecloso de uma verdadeira revoluo nas tecnologias da informao. Num mesmo perodo de tempo e, no raro, por obra das mesmas pessoas, so introduzidas a telefonia, a radiotelegrafia, a radiotelefonia, a radiodifuso, a fonografia, a fotografia, a cinematografia e, tambm, mquinas mecnicas de escrever e de calcular.

Em pases como os Estados Unidos, Frana, Inglaterra, Alemanha, Rssia e alguns outros, dezenas, at centenas, de cientistas, tcnicos, engenheiros, artesos ou curiosos, lanaram-se no desenvolvimento dessas novas tecnologias, estimulados e apoiados pelos prmios oferecidos por governos ou empresrios interessados e, principalmente, pelas possibilidades de enriquecer atravs do depsito de alguma patente. Embora a inveno fosse plural, porque ela era quase sempre a soma de uma srie de micro-invenes21, alguns desses inventores, a exemplo de Edison ou Marconi, lograram extraordinrio xito em transformar

* Diz-se que h um monoplio natural quando, por contingncias tcnicas e econ-micas, a explorao de um servio ou produo de um bem tendem inevitavelmente a concentrar-se nas mos de uma nica organizao. o caso bvio das redes de infra-estrutura. inimaginvel, por exemplo, dotar-se um edifcio de apartamen-tos com duas ou mais caixas de gua e duas ou mais tubulaes independentes, para que os seus moradores possam escolher entre dois ou mais fornecedores con-correntes de gua potvel. Um rede dupla ou mltipla dessa natureza no cabe nem no prdio, nem na rua, nem mesmo em toda uma cidade. Por isso, aquele que pri-meiro instalar o sistema passar a gozar de um natural controle monopolista do mercado. A mesma idia vale, tambm, para redes de transporte (rodovirios ou ferrovirios) e, at recentemente, para redes fsicas de telecomunicaes. A Economia reconhece e at formaliza matematicamente o conceito de monoplio natu-ral (ver Almeida20). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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os seus aparatos em produtos de sucesso no mercado, fazendo tambm parecer que haviam realizado sozinhos o que era um produto social. Eles e alguns outros gran jearam essa maior reputao porque tiveram mais competncia para transformar as suas patentes em fontes de acumulao, naquele processo de apropriao que j comentamos no captulo anterior, para isto recorrendo, inclusive, a duras aes nos tribunais. Eles tornaram-se uma espcie de patenteadores profissionais. Nenhum deles levou mais longe e com mais conscincia este novo ofcio que Edison. Sua maior inveno, anotou Norbert Wiener, no foi a lmpada, ou o gramofone: foi o laboratrio de pesquisa22. As patentes nascidas em laboratrios seriam a base para a expanso e crescimento, no somente da General Electric, de Edison, mas tambm da AT&T (a partir das patentes de Graham Bell), da Westinghouse, da Ericsson sueca, da IBM etc.

Assim comea a crescer, sem aparentemente despertar muita ateno terica, a indstria da informao. O cinema ou o rdio, por exemplo, no seriam apenas promotores ou divulgadores de cultura, mas indstrias capitalistas, dedicadas obviamente acumulao, promovedoras da expanso de todo um novo parque tecnolgico-industrial voltado para atender s suas necessidades; de todo um novo sistema de circulao dedicado a colocar suas mercadorias junto aos seus consumidores; de todo um novo mercado de trabalho especializado, formado por diretores, artistas, tcnicos dos mais variados tipos, gerentes e administradores, burocratas etc. Toda uma frente de acumulao abriu-se sem que - foroso ser diz-lo - as suas novas e complexas articulaes sociais e econmicas viessem a ser estudadas, em sua totalidade. Geralmente, a anlise destes segmentos e de outros similares, foi remetida para o campo formal da cultura, ou da superestrutura. Ignorando o papel da informao e das tecnologias da informao como foras produtivas, os marxistas tenderam a menosprezar o trabalho a realizado, no raro rebaixando-o categoria de trabalho improdutivo.

Para que a patente pudesse transformar-se num produto material til, bem como para que o laboratrio pudesse ser construdo e os seus qualificados trabalhadores contratados, havia que adiantar capital. Este papel foi exercido pelo capital financeiro. Edison no teria construdo o seu imprio, sem os emprstimos e a sociedade com o Grupo Morgan. A AT&T foi fundada por um grupo de financistas da cidade norte-americana de Boston que comprou as patentes de Bell. Posteriormente, esse grupo repassaria o controle da AT&T tambm para Morgan. Marconi viabilizou a telegrafia sem fio atravs de um contrato para instalar o sistema em todos os navios segurados pela Lloyds, ento o maior grupo segurador do mundo23, 24.

Entretanto, este era um desenvolvimento prprio e necessrio ao processo de deslocamento da fonte de valor, da produo imediata para a produo social geral, produo esta que, comeamos a perceber aqui, est fundada nas premnTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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cias temporais da circulao. Na medida em que a informao tornava-se o objeto imediato de trabalho da maior parte dos indivduos sociais, os sistemas de produo precisariam tambm se transformar para atender a esta nova instncia. Foi para articular a produo social geral que o capital passou a investir cada vez mais na indstria da informao. Como, relembrando, a produo imediatamente consumo e o consumo imediatamente produo25, tratava-se de organizar a so ciedade, tanto para produzir, quanto para consumir bens materiais cada vez mais distanciados das necessidades humanas bsicas (comer, dormir, vestirse) e cada vez mais carregados de valores sgnicos, transformados em necessidades indispensveis vida so cial dita moderna. O processo de produo deixou de ser apenas aquilo que se realiza dentro das fbricas, seja no escritrio, seja na oficina, e passou a abarcar tambm os lares, as ruas, os espaos de entretenimento pblicos, as escolas, todo lugar onde o indivduo social adestrado para se incorporar a uma rotina produtiva qualquer e, ao mesmo tempo, dialeticamente, construdo para usar e desejar usar o produto que, socialmente, ajudou a produzir. Esta construo, numa palavra, cultural. Razo porque, nestes tempos contemporneos, cultura economia: em seu desenvolvimento recente, o capitalismo transformou o processo da produo cultural. A produo cultural tornou-se crescentemente indistinguvel da produo industrial e as indstrias culturais tornaram-se locus de grande expanso e alta lucratividade26.

Socializao da telefonia

Organizadas inicialmente para concorrer com o telgrafo nas comunicaes empresariais urbanas, as redes telefnicas comearam a ser ocupadas pelas pessoas com palavrrio intil, conforme constata relatrio de uma companhia operadora da poca27, refletindo um conflito crescente entre o uso comercial, tradicional at ento nas telecomunicaes, e um novo uso de natureza social que vinha sendo dado ao telefone, pelas famlias. Ser exatamente nesses usos no diretamente comerciais do telefone que a AT&T descobrir uma grande utilidade. Seu primeiro presidente e grande terico do sistema telefnico, Theodore Vail, passa a advogar a funo social do telefone e implementa uma agressiva estratgia empresarial e poltica visando universalizar a rede, isto , socializ-la, levando uma linha telefnica a cada lar norte-americano. A AT&T transforma-se em transportadora universal de informao social e fornecedora tambm universal dos equipamentos e sistemas necessrios a esse transporte. Para reali194
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Ao contrrio da velha telegrafia, cujo uso familiar e social pouco disseminou-se, a telefonia e a radiofonia viriam a escapar da restrita esfera imediata dos negcios e penetrar no espao bem mais amplo da famlia e dos usos no financeiros ou comerciais, exatamente porque serviam articulao ampla da produo social geral, que, sem nos darmos conta, j ento assumia a forma de rede.

Enfrentando aes na Justia por infligir a legislao anti-trust, Vail negociou o monoplio com o governo, inclusive reivindicando controle pblico sobre os seus negcios, especialmente na fixao das tarifas28, 29. Estas deveriam ser reguladas de forma a permitir AT&T lucrar na telefonia destinada aos usurios comer ciais, como meio para subsidiar a telefonia destinada aos usurios residenciais. Este modelo de subsdio cruzado foi um dos pilares da disseminao dos sistemas de telecomunicaes nos Estados Unidos, representando um imposto que, como todo imposto, cobrado a quem pode pagar para atender s carncias dos que no o podem. Era um modelo, alis, muito adequado a uma etapa da histria do capitalismo, na qual a expanso de mercados consumidores de massa constitua-se num dos vetores bsicos da acumulao o fordismo.

zar o seu projeto, Vail, com o capital dos Morgan, fortalece os Laboratrios Bell, adquire uma fbrica de equipamentos (a Western Electric), incorpora empresas telefnicas locais, e as integra nas suas redes interurbanas, construindo ao longo da primeira dcada do sculo XX, um monoplio de mbito nacional que reunia todas as etapas da indstria da informao: pesquisa dos meios de comunicao, sua fabricao e sua operao.

A era do rdio

Enquanto a telefonia consolidara-se como negcio logo na primeira dcada do sculo, a radiofonia parecia sem muito futuro por no ser um meio confivel s comunicaes empresariais, pois as emisses dispersavam-se na atmosfera, sendo facilmente detectadas por ouvidos indesejveis30. O rdio tendia a reduzirse a um novo instrumento de lazer amador ou familiar, sem maior interesse para as empresas, bem servidas pelo telefone. Porm, o grande nmero de pessoas que, por volta dos anos 1920, fazia uso regular e amador da radiofonia, sugerir Westinghouse um novo negcio: fabricar e vender equipamentos receptores domsticos que captariam programas culturais e noticiosos por ela mesma produzidos. Numa evoluo natural, a indstria que produzia equipamentos para registrar e comunicar informao tornava-se, ela mesma, produtora da informao a ser registrada e comunicada. Para financiar a produo dos programas, a Westinghouse ps venda o tempo de transmisso: produtores de bens e servios comprariam uma unidade de tempo (minuto, hora etc.) para se comunicar com o mercado. Descobriu-se a utilidade econmica do meio: transportar informao sobre mercadorias, trazendo o consumidor para mais perto delas, logo encurtando ainda mais o tempo de circulao. Assim como a AT&T, na telefonia, a Westinghouse tambm se colocava na posio de transportador universal. Assim como a AT&T, ela precisaria monopolizar o meio para se apropriar de parte (maior ou menor) das rendas
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O monoplio da Westinghouse seria invivel se o acesso s freqncias hertzianas continuasse livre e anrquico, como o era at ento. A utilizao catica do espectro eletro-magntico no interessava indstria, seus financiadores e anunciantes. Em 1927, o Congresso dos Estados Unidos aprova uma Lei do Rdio, pela qual, sob o argumento de que as ondas do ar pertencem ao pblico, estabeleceu que elas s poderiam ser utilizadas mediante concesso governamental31. Para regulamentar e fiscalizar as concesses foi criada uma Comisso Federal de Comunicaes (FCC). Desde ento, na prtica, o acesso ao espectro ficou limitado s possibilidades de sua utilizao pelo sistema comercial de radiodifuso. Nos Estados Unidos, ele se congelaria num oligoplio formado por trs grandes redes de alcance nacional: a pioneira NBC e outras duas, dela desmembradas, a CBS e a ABC. Nos pases europeus, nos quais se introduziam legislaes semelhantes, o monoplio viria a ser diretamente estatal, sustentado por verbas pblicas, e mais voltado para uma programao de fundo cultural e ideolgico.

informacionais que ajudava a gerar. Para tal, em 1926, atravs de uma subsidiria, a RCA, constitui a National Brodcasting Co. (NBC) que produz e difunde nacionalmente programas de rdio sustentados pela publicidade, cabendo AT&T viabilizar, por suas linhas telefnicas interurbanas, as transmisses para todo o pas - uma aliana que bem demonstra a simbiose existente entre os segmentos de telecomunicaes e radiodifuso.

At os anos 50, perodo que inclui os primeiros tempos da televiso (que aquelas redes tambm controlariam), a radiodifuso se caracterizaria por ser basicamente um servio de transporte de informao, como a telefonia. A realizao dos programas cabia aos anunciantes ou, melhor, s agncias de publicidade que prestavam servios aos anunciantes. Atravs da agncia, uma unidade de capital comprava todo um tempo de transmisso (meia hora, uma hora) e pagava os custos da produo, incluindo os cachs dos artistas. No por acaso, os programas chamavam-se Lucky Strike Hit Parade, Texaco Star Theatre, The Voice of Firestone etc32. A assuno pelas redes de TV, a partir dos anos 50, dos custos de produo do programas, os quais rateava entre os anunciantes nos intervalos comerciais, representou um enorme passo no sentido de reunir no interior de um mesmo bloco de capital, o meio de transporte e o objeto transportado, isto , a infra-estrutura fsica e os seus contedos semnticos.

A indstria cuidou de desestimular usos alternativos para os meios de transporte da informao. No investiu na evoluo das tecnologias adequadas interao individual por rdio, nem nas que viabilizassem maior concorrncia. Tipicamente, foi o que se passou aps a Segunda Guerra, quando a FCC foi chamada a fixar critrios para a concesso de freqncias VHF e UHF, para a televiso. Pressionada pelo oligoplio do rdio - interessado naturalmente em vir a dominar o novo veculo e temendo uma agressiva concorrncia por parte de
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pequenas e mdias empresas independentes locais - a FCC liberou inicialmente a banda VHF, na qual podem coexistir apenas seis ou sete canais, por rea. Quando, passada quase uma dcada, no incio dos anos 50, resolveu conceder acesso UHF (que permite a coexistncia de meia centena de canais, embora com maiores restries de alcance que na banda VHF), a indstria fabricante recusou-se a vender televisores capazes de captar ambos os tipos de sinais. Assim, inviabilizou o uso comercial da UHF e consolidou, no conjunto da populao norte-americana, o hbito cultural de apenas assistir programao das grandes redes de massa33. O sistema de televiso oligopolizado, conforme o conhecemos hoje, no resultou pois de imperativos tcnicos, mas de decises polticas e empresariais, determinadas pelas necessidades da acumulao do capital.

Esfera pblica

Assim organizados econmica e institucionalmente, os meios de transporte da informao - ou, usualmente, meios de comunicao - tornaram-se instrumentos chaves de ocupao da esfera pblica pelo capital e, conseqentemente, de apropriao do tempo livre que os operrios [vinham criando] para a sociedade (como apontava, j vimos antes, Marx).

A esfera pblica seria o espao social no qual os indivduos, aps teremse desincumbido, no menor tempo necessrio, das suas atividades diretamente produtivas, poderiam dedicar-se interao familiar e comunitria, produo cultural, s atividades polticas, a fazer avanar o conhecimento sobre a Natureza e o Homem. Seu conceito moderno foi estabelecido por Jrgen Habermas, ao estudar a formao, evoluo e dissoluo da esfera pblica burguesa34. Trata-se de uma esfera poltico-cultural, introduzida pela burguesia ascendente entre a esfera privada - da famlia e dos negcios - e a esfera estatal (da ordem nobilirquica), na qual ela construiu os seus instrumentos de representao social: poltica, jurdica, cultural. A esfera pblica era o espao dos cafs, dos sales, dos clubes literrios ou cientficos, da imprensa no oficial e, tambm, das assemblias polticas formais ou informais. Era um espao de presena e ao individual, onde cada um, partindo da condio inicial de proprietrio, logo dotado de tempo livre, colocava-se diante dos pares na condio tambm de possuidor de uma razo. Era um espao social aberto necessariamente interveno dialgica, atravs da presena fsica corprea e imediata dos agentes ou, se fosse o caso, do dilogo epistolar. Era, por isto, o espao de afirmao da sociedade civil e ponto de encontro da cidadania. Na esfera pblica burguesa fermentaram-se as Revolues Liberais. E Marx podia pensar que, passando o trabalho a ser realizado pelas marionetes de Ddalo, o processo histrico acabaria nela incorporando os no-proprietrios - ou proletariado - levando-a a vir a ser aquilo que a sua aparncia liberal no cansava de prometer que seria35.
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na intercesso entre os especialistas e a massa que evoluram, da forma como vimos, os meios de comunicao. O indivduo social nas sociedades capitalistas, alm de se reconhecer principalmente atravs dos aparelhos de representao, ora como produtor, ora como consumidor; passa tambm a entrar em contato com a realidade quase que apenas atravs da intermediao desse vasto e complexo nvel de organizao social, moldado burocrtica e tecnologicamente para tornar todo o tempo daquele indivduo, no trabalho ou no lazer, inteiramente produtivo para o capital-informao. Este amplo nvel de organizao, ao longo do sculo, estruturar-se-ia em muitos outros subsistemas, de acordo com as vrias formas necessrias ao tratamento da informao, nelas articulando trabalho vivo e trabalho morto: imprensa, publicidade, cinematografia, fonografia etc. Cada uma dessas formas se encarrega, nos seus espaos especficos, de produzir a realidade para o indivduo, fragmentando-a em objetos aparentemente desconexos e dele alienados. A viso do todo tornou-se praticamente impossvel*.

E que acabou no sendo. Na medida em que o capital amadurecia e a sociedade capitalista se consolidava, a esfera pblica seria absorvida por grandes subsistemas empresariais, governamentais, sindicais, poltico-partidrios - burocrticos, numa palavra - que assumiram o papel de exprimir as razes individuais. O indivduo delegou a alguma burocracia tcnico-poltica a sua representao. E, reciprocamente, viu-se determinado pelas condies dessa delegao. A esfera pblica dissolveu-se numa esfera social formada por organizaes semi-pblicas, algumas controladas ou operadas pelo Estado capitalista e seus mecanismos mais ou menos democrticos de deciso; outras, diretamente, pelos diferentes agentes envolvidos no processo produtivo, como os gerentes do capital (empresrios, executivos, investidores etc.), ou os demais trabalhadores sgnicos (tcnicos, operrios etc.). Quaisquer que sejam as formas dessas organizaes e as caractersticas dos grupos ou corporaes sociais que as integram, a sociedade, no seu todo, cindiu-se entre os processadores ativos de informao (os especialistas) e os processadores passivos de informao (a massa), destes esperando-se apenas um comportamento aclamativo36.

gora informacional

Seria interessante lembrar que, nos primrdios da radiofonia, chegou a difundir-se, entre os indivduos e as famlias, a prtica recreativa de trocar livremente mensagens sobre qualquer assunto atravs do espectro hertziano, bastando, para tanto, adquirir-se ou montar-se um aparelho de rdio emissor-receptor. Percebendo o fenmeno, o teatrlogo marxista alemo, Bertold Brecht, elaborou

* Uma ampla, variada, multifacetada e muitas vezes contraditria literatura discute esse fenmeno em suas muitas manifestaes. Entre outros autores podem ser citados Hans Magnus Enzenberger37, Umberto Eco38, Luiz Augusto Milanesi39, Moniz Sodr40, Ben Bagdikian41, Anthony Smith42, Herbert Schiller43, Jean Baudrillard44 e, certamente, ainda no citamos todos. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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uma Teoria do Rdio, na qual propunha a organizao de um servio que dotasse todas as residncias com aparelhos de emisso-recepo45. Virtualmente, se levado a cabo, este projeto teria transformado o pas que o implementasse e, at, o mundo, numa assemblia popular permanente. Poderia ser um caminho para viabilizar a ampliao da esfera pblica para toda a sociedade ou, ao menos, para consolidar uma esfera pblica margem e, talvez, em oposio esfera social ento tambm nascente.

Meio sculo depois, na alvorada da chamada revoluo microeletrnica, o seminal Relatrio Nora46 voltou a sugerir essa possibilidade de se instituir uma gora informacional, agora empregando terminais interconectados de computadores residenciais, no lugar dos aparelhos de rdio. Explicitamente, Nora e Minc sustentavam que a telemtica (significante que cunharam) permitiria s pessoas privadas e s comunidades intervirem nos debates sociais - na esfera pblica - atravs das suas prprias razes, construdas em processos diretos de interao, eliminadas as mediaes dos subsistemas especialistas. Ou, mais simplesmente: defendiam a utilizao da rede de computadores para se instituir uma democracia participativa direta, aberta interveno de todos os cidados, tal como acontecia na antiga Atenas, sem os filtros, os interesses intermedirios, os controles das instncias de poder e suas burocracias.

Gargalo burocrtico

Igual Teoria do Rdio de Brecht, a gora informacional seria um projeto apenas realizvel se houvesse - ou vier a haver - na sociedade, ou em parte dela, clara conscincia sobre a necessidade de se disputar o controle dos meios de comunicao com o capital. Assim como os meios eletro-eletrnicos acabaram organizados, em uma etapa do desenvolvimento capitalista, para servir lgica da acumulao, tambm os meios digitais tendero a dar total suporte acumulao, nesta nova etapa. No cabe esperar que, espontaneamente, venham a servir a um projeto alternativo realmente democrtico, apesar de algumas aparncias em contrrio*. Ei-nos aqui chegados atual revoluo microeletrnica.

As tecnologias digitais de processamento da informao nasceram nos mesmos laboratrios industriais que haviam sido responsveis pelas origens e evoluo das telecomunicaes e da radiodifuso. A mais importante e decisiva delas, o transistor, foi criada no Bell Labs, da AT&T, em fins dos anos 40. No entanto, foram introduzidas no mercado pelas mesmas empresas que, poca,
* Ao longo da primeira dcada do sculo XXI, ampliou-se, motivado justamente pela crescente colonizao da internet pelo capital, um amplo movimento de resistncia, denominado ciberativismo. Sobre as condies de xito desse ciberativismo, em larga medida ainda contido em muitas iluses espontanestas, s a histria dir... (N2011) TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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eram as grandes fornecedoras de equipamentos e materiais para escritrios: IBM, Sperry, NCR, algumas outras.

No nada casual que os primeiros fabricantes de computadores tivessem sido empresas h muito habituadas ao mercado da burocracia. Elas estavam justamente descobrindo como reduzir a trabalho morto toda aquela grande parte redundante do trabalho vivo informacional, que o capital precisava ainda empregar em seu ciclo de acumulao. Em boa hora, pois a enorme ocupao de trabalho vivo no processamento redundante da informao no iria demorar a se revelar como um novo bloqueio expanso do capital.
O trabalho no escritrio tem sido geralmente organizado com base na diviso do trabalho [entre executivos e gerentes, de um lado, e a massa de funcionrios, do outro]. A ati-

Apoiados na experincia de outros equipamentos desenvolvidos durante a Guerra, os engenheiros Prosper Eckert e John Mauchly concluram, em novembro de 1945, na Universidade da Pensilvania, a construo da mquina que seria reconhecida pela histria, como o primeiro computador totalmente eletrnico: o Eniac, um monstrengo de 30 toneladas, ocupando uma rea de 160 metros quadrados, e precisando de 17.468 vlvulas para funcionar47. Seis anos e algumas peripcias depois, os dois engenheiros j se encontravam na Sperry, onde de senvolveram o Univac 1, primeiro computador comercializado no mercado civil. A primeira unidade foi comprada pelo Departamento do Censo, dos Estados Unidos; a segunda, pela cadeia de lojas Sears. Logo, logo, a principal concorrente da Sperry, a IBM, tambm a partir de um projeto originalmente militar, iria desenvolver a sua prpria mquina, o IBM 702, ao qual se sucede o IBM 650. Estava inaugurada a indstria da informtica.

Estas empresas, imediatamente aps o trmino da Segunda Guerra, absorveram e empregaram uma pliade de grandes cientistas e engenheiros que, durante o conflito, nos Estados Unidos e na Gr-Bretanha, haviam trabalhado, em laboratrios universitrios e militares, todos ultra-secretos, na implementao de mquinas capazes de realizar clculos matemticos complexos, destinados ao de senvolvimento de projetos aeronuticos, balsticos e, inclusive, construo da primeira bomba atmica. Estes cientistas, dentre os quais avultam os nomes de John von Neumann, Vannevar Bush, Norbert Wiener, resolveram o problema do processamento automtico da informao, ao associarem uma lgica algbrica de base binria, cria da, um sculo antes, pelo matemtico George Boole, conduo binria de sinais eltricos, permitida por um circuito formado com dois rels ou, alternativamente, com duas vlvulas terminicas, ambos componentes, at ento, de uso tpico nas comunicaes, que, a partir dos anos 60, seriam substitudos pelos transistores.

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Uma indstria projetada

vidade do escritrio intensiva em trabalho e boa parte da tecnologia nele usada, como as mquinas de escrever, evo luram muito pouco ao longo de vrias dcadas. Isto causou forte desbalanceamento por que, enquanto o emprego no escritrio crescia e no cho de fbrica decrescia, a produtividade tambm aumentava muito mais devagar, l do que aqui. O escritrio tornou-se o gargalo do crescimento da lucratividade e ser o maior alvo da reestruturao decorrente do atual perodo de depresso. O desenvolvimento da microeletrnica tornar possvel iniciar o processo de automatizao do escritrio48.

Ao contrrio da primeira revoluo industrial que se originou da convergncia, ao acaso, de muitas foras e situaes histricas, a revoluo microeletrnica foi, desde cedo, como que pautada por estudos e pesquisas acadmicos, alm de discursos futuristas claramente ideolgicos, mas socialmente mobilizadores. Houve vontade poltica de acelerar o processo e impingir-lhe um determinado rumo. O desenvolvimento da microeletrnica est longe de ter sido um processo espontaneamente conduzido pelas foras sociais e econmicas. Desde as origens, a indstria da informtica esteve umbilicalmente ligada a programas militares do governo dos Estados Unidos e, mais tarde, se instalar em outros pases, dentre estes a Frana e o Japo, tambm no contexto de projetos governamentais estratgicos. A sociedade da informao, do japons Yoneji Masuda49, ou A informatizao da sociedade50, dos franceses Simon Nora e Alain Minc, at por suas caractersticas de estudos encomendados pelos respectivos governos, o atestam. Isto porque a novel tecnologia, alm do seu potencial blico, foi tambm percebida nas possibilidades que abria para reduzir custos e incrementar produtividade, assegurando ainda aos pases que a dominavam, liderana tecnolgica e econmica internacional. Vencedores da Segunda Guerra, os Estados Unidos sairiam na frente. L, a informtica e a microeletrnica desenvolveram-se, ao longo dos anos 50 a 70, graas a formidveis finan ciamentos subsidiados e compras antecipadas do Governo que, assim, viabilizou-as economicamente. No existia ento mercado efetivo para tais mquinas e componentes. No mximo, promessas e expectativas. Os primeiros fabricantes, quase as vendiam uma a uma, a preos carssimos. Introduzi-las em uma empresa, implicava em reorganizar boa parte dos processos de trabalho, treinar pessoal, enfrentar novos e desconhecidos problemas, inclusive a baixa confiabilidade dos primeiros computadores, a ausncia de linguagens e programas adequados, tudo isto amplificando riscos e custos. Similarmente, fabricar receptores de rdio adotando transistores em
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substituio s vlvulas, significava projetar todo um novo aparelho receptor e novos processos de fabricao. A indstria nascente precisaria convencer os seus potenciais clientes a desenvolver novos projetos com base nas novas tecnologias e, mesmo, ensin-los a utiliz-las. Nesta criao do mercado, o governo dos Estados Unidos exerceu um papel fundamental. Suas compras, alm dos seus financiamentos, permitiam aos fabricantes adquirir escala e conhecimento. Aquela baixava progressivamente os custos. Este aprimorava progressivamente os produtos. Assim, as demais unidades econmicas empresas industriais, comerciais, financeiras podiam ser, aos poucos, conquistadas para as novas solues tecnolgicas. Os circuitos integrados (chips), inventados em 1959 pela Fairchild e pela Texas, tiveram toda a produo adquirida pelo governo, para emprego em projetos militares, at pelo menos 1962. Em 1966, o governo ainda respondia por 53% do faturamento das empresas fabricantes51. Somente um ano antes, ou seis anos depois de inventados, a IBM lanara o seu primeiro computador baseado em circuitos integrados, a vito riosa srie 360. Mais ou menos neste mesmo momento, comeava tambm a aparecer no mercado, uma variada gama de outros produtos eletro-eletrnicos (aparelhos de TV, de reproduo de som, etc.) dotados com essas maravilhosas pecinhas. Uma vez criado o mercado, ento aparecem os investidores a caa de lucros. Empresas j existentes e desejosas de entrar no novo filo, cientistas e engenheiros sados de laboratrios ou dos bancos escolares com boas idias na cabea, passaram a contar com volumosos recursos reunidos pelo capital financeiro, atravs de fundos organizados para apoiar a industrializao e comercializao de inventos mercadologicamente promissores. Conhecido como venture capital (capital de risco), esses fundos chegaram a somar algo em torno de US$ 16 bilhes, em meados da dcada de 1980, e foram responsveis pelo aparecimento e consolidao da Apple, Intel, Hewllet-Packard, Microsoft, entre muitas outras hoje grandes companhias52.

Nova base tcnica

As tecnologias digitais buscam reduzir a informao social produtiva a meros cdigos sintticos. A informao, uma vez digitalizada, perde o seu estatuto original; no ser mais possvel diferenciar a voz digitalizada, do texto escrito digitalizado ou da imagem digitalizada53. A informao social assim despojada de suas diferentes expresses semnticas, referidas s situaes concretas de enun ciao e interlocuo, sendo objetivada em linguagens binrias estritamente organizadas para a ao que devem orientar, linguagens estas passveis de fixao e tratamento por circuitos fsico-materiais. O rudo - ou deve ser - eliminado, com todas as suas conseqncias em termos de ganho de tempo. 202
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A revoluo microeletrnica veio prover a base tcnica por excelncia, da produo social geral, justamente porque representou a soluo definitiva para o problema de reduzir o momento temporal da circulao, procurada desde a poca de Babbage. Ela abriu caminho para a mxima reificao do resultado do trabalho com informao que, nesta forma morta, passa a ser conduzido e realizado atravs, ou por meio, de mquinas apropriadas (os computadores), as quais substituem a massa de trabalho vivo redundante que a ainda era necessria. A unidade de capital informatiza-se e reduz as relaes entre todos os seus trabalhadores, os seus estamentos hierrquicos, os seus departamentos, a um processo realizado atravs de sistemas de informao que incluem e articulam redes locais (LANs), CAD, CAM, CIM, softwares de controles contbeis e de materiais etc. Do mesmo modo, tambm se informatizam as relaes entre as unidades de capital, nas quais introduzem-se sistemas como EDIs, video-conferncias, correios-eletrnicos etc., que viabilizam o just-in-time e outras articulaes inter-firmas. Cada sistema de informao de uma especfica unidade de capital torna-se elo num sistema de informao maior, reunindo muitas unidades de capital e constituindo a cadeia de valor, descrita por Porter54. Cada unidade de capital acaba por integrar, direta ou indiretamente, uma grande corporao-rede transnacional, formada por blocos de capital financeiro-produtivos que agregam empresas fornecedoras, projetistas, distribuidoras, financiadoras, publicitrias etc. So estas corporaes-redes que esto comandando as profundas reformas econmicas e polticas que testemunhamos ocorrer, atualmente, nos segmentos de telecomunicaes e radiodifuso.

Corporaes-redes

Entende-se por corporaes-redes, ou empresas-redes, uma constelao de firmas juridicamente autnomas, articuladas e coordenadas entre si, que buscam, sinergicamente, realizar algum produto total, que tanto pode ser um bem fsico, quanto a prestao de algum servio*.

claro que qualquer empresa capitalista sempre careceu de mercadorias ou servios oferecidos por outras, para consumar a sua produo e realizar valor. Mas fra uma caracterstica da etapa monopolista (ou fordista) do capitalismo, a mxima concentrao e centralizao, em uma mesma firma, quase que num mesmo local, da quase totalidade das suas atividades de valor. Esta era uma das estratgias possveis para anular o espao por meio do tempo. Da a forma de grandes combinats (expresso sovitica perfeitamente aplicvel Ford, em Detroit, ou a qualquer outro conglomerado fabril ocidental) que estas corporaes assumiam.
* Para a discusso do conceito e prticas das corporaes-redes, ver Gonalves55 e Chesnais56.

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Na medida em que a informtica e as redes tele-informatizadas comeam a penetrar no ciclo produtivo, as firmas passam a perceber que podem focar, como se diz na linguagem dos negcios, as suas atividades. Isto , trabalhar estritamente o conjunto de informaes que lhes sejam de imediato pertinente, e que por qualquer motivo, tenham optado por processar e valorizar diretamente. claro que, entre os motivos, pesar fortemente, talvez de modo decisivo, a prpria histria e experincia de cada empresa, dos seus investidores principais, dirigentes, quadros tcnicos. Aquelas empresas que acumularam ou herdaram enorme experincia em projeto e desenvolvimento (P&D), dotaram-se de grandes laboratrios, conhecem muito bem os canais de comercializao e distribuio e, no raro, so proprietrias de marcas fortes e de fcil reconhecimento, tendem a se especializar nas atividades ligadas criao ou renovao de produtos, incluindo-se a as respectivas estratgias de publicidade e comercializao ( marketing). Elas se posicionam no centro da rede, e assumem o seu comando. As demais buscam se posicionar ali onde haja trabalho a realizar na transformao daquelas criaes em produtos materiais, ou na entrega dos produtos ao mercado final. Isto , na periferia da rede. Uma nova diviso do trabalho se estabelece, tpica do capitalismo-em-rede, entre firmas cujas atividades de valor se baseiam no recrutamento e comando de trabalho aleatrio; e firmas cujas atividades de valor se baseiam no recrutamento e comando de trabalho redundante. Um caso tpico, mas nem de longe nico, a exemplificar este novo modelo de organizao empresarial do capital, a corporao-rede Nike, mundialmente conhecida como fabricante de tnis. Esta empresa, porm, no fabrica um nico tnis que leva a sua marca. Ela, nos seus laboratrios e escritrios situados no estado de Oregon, Estados Unidos, pesquisa materiais, elabora os desenhos, programa as campanhas publicitrias. Seus bem pagos trabalhadores (cientistas, marqueteiros, desportistas) so produtores de informao aleatria. Uma vez projetado um novo tnis, a Nike contrata uma fbrica especializada em Taiwan, para lhe produzir os moldes. De outras fbricas, adquire materiais conforme rigorosas especificaes: couro industrializado, pigmentos e tintas, compostos plsticos etc. Em seguida, envia esses materiais para montagem final, em pequenas empresas espalhadas por pases do Sudeste Asitico. A cada fase, o nvel de redundncia do trabalho vai crescendo e, nisto, o trabalho vai-se deslocando para lugares onde possa ser recrutado e comandado aos custos mais baixos possveis, relativamente ao grau de informao processada. Na etapa final, na redundncia mxima da confeco, as relaes de trabalho beiram a escravido, e somente podem ser praticadas em pases ou sociedades que aceitam tal si tuao, inclusive na China que se diz socialista. O ciclo completo h de se estender comercializao e vendas. Enquanto muito bem pagos desportistas divulgam mundo a fora a marca Nike, os suportes
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materiais (os tnis concretos) so remetidos para representaes e lojas espalhadas volta do planeta, tambm (sub)contratadas pela companhia do Oregon. As representaes ostentam o logotipo Nike; seus trabalhadores sabem reproduzir um mesmo discurso sobre os produtos, para o qu foram devidamente treinados; entretanto o empreendimento no da Nike: pertence a uma outra firma, obrigada a pagar royalties e ainda outros benefcios aos empresrios do Oregon, mas a respeito da qual, sobretudo a respeito dos seus trabalhadores, estes no tm nenhuma responsabilidade. O representante um pequeno empresrio franqueado como so, tambm, alis mais precisamente, os vendedores de alimentos fast-food (McDonnalds, Pizza Hut), os prestadores de uma variada gama de servios (5 Sec, Blockbuster) etc. Assim, endogenamente corporao-rede realiza-se, atravs de centenas de empresas apenas aparentemente autnomas, todo o ciclo completo do capital: Disto prova o fato, j constatado por vrios estudiosos, de o comrcio mundial estar-se realizando, cada vez mais, no interior das grandes corporaes que vendem e compram, de um pas para outro, bens e servios supridos, entre si, por seus prprios fornecedores e revendedores. Variando os clculos, o comrcio alm-fronteiras realizado por dentro das corporaes-redes, alcana atualmente entre 30 a 50 por cento do comrcio mundial total57, 58. Trata-se de um comrcio que, obviamente, est muito pouco disposto a obedecer a interesses e normas das sociedades nacionais, razo porque as multinacionais pressionam vivamente para liberalizar as regras do comrcio internacional, atravs de acordos acertados em organismos como a OMC.

D M ... P ... M' D'.

Transportar contedos

Na era pr-digital, o sistema atravs do qual realizavam-se as telecomunicaes de interesse tanto das empresas, quanto das famlias, servia quase exclusivamente para o transporte do sinal. A companhia operadora, dita de telefonia, encarregava-se to somente de suprir os meios fsicos necessrios a esse transporte, no se interessando pelo contedo das mensagens que os sinais estavam a transportar. Para ela, mensagem era sinnimo de uma especfica disposio fsica dos sinais trafegando por seus cabos. O trabalho vivo que empregava engenheiros, tcnicos ou cabistas preocupava-se pois em organizar, controlar e observar o trabalho morto de produo dos fenmenos eletromagnticos necessrios conduo organizada dos sinais (informao sinttica), de um lugar para outro. Por isto, para a operadora de telecomunicaes, o transporte da mensagem acabava reduzido a um trabalho de Engenharia, nele includo as necessrias condicionantes econmicas e financeiras.
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Diferente, era o transporte da mensagem por via area, atravs da radiao eletromagntica da atmosfera. Embora aqui tambm existissem muitos problemas de Engenharia para resolver, o servio, desde a definitiva instituio dos monoplios de radiodifuso, visava essencialmente transportar contedos. Ningum sintoniza uma estao de TV, para ver ou ouvir chuviscos e barulhos eletrostticos! Assim, sobre o eventual trabalho vivo empregado para cuidar do transporte do sinal, seria vitalmente necessrio mobilizar uma grande quantidade de trabalho mais ou menos aleatrio para a produo dos programas: notcias, espetculos musicais, novelas, filmes, eventos desportivos e, naturalmente, a publicidade que iria permitir remunerar todo este trabalho. Portanto, para as empresas de radiodifuso, privadas ou estatais, o trabalho no se limitava ao controle do transporte da mensagem, mas envolvia, de modo determinante, todas as atividades necessrias produo das prprias mensagens a serem transportadas.

A digitalizao da informao e a definitiva informacionalizao do capitalismo esto levando superao dessas fronteiras. Quando o problema era apenas o de transformar voz em sinais eltricos, um sistema algo rgido de rels, vlvulas e cabos de cobre poderia ser suficiente. Quando o problema era apenas o de enviar sons ou imagens, sem muita qualidade, de uma estao produtora para milhes de receptores indiferenciados, um sistema algo simples de antenas bem direcionadas para um ponto exato na atmosfera, poderia bastar. Mas quando se trata de enviar, com a mais absoluta segurana e num tempo quase imperceptvel, a enorme quantidade de imagens, sons e dados contidos numa mesma mensagem que exprima, por exemplo, um projeto da Nike remetido para objetivao em Taiwan; ou um filme transmitido diretamente de Hollywood para uma aparelho receptor localizado numa residncia qualquer, no Rio de Janeiro; as organizaes encarregadas desse transporte precisaro mobilizar um volume e uma diversidade muito maior de trabalho vivo para programar e observar todo o trabalho morto, nada simples, a ser a efetuado. Embora, ao fim e ao cabo, tudo se reduza a movimentos de sinais materiais, o contedo da informao a ser transportada enriqueceu-se de tal forma que, no importa o meio e, sobretudo, o ramo do negcio, o problema agora o da produo e gesto de contedos. Para melhor entender, faamos uma analogia: nos tempos do velho disco de vinil, tudo o que o usurio podia fazer para ouvir a sua msica predileta, era movimentar mecanicamente o brao do toca-disco e posicion-lo sobre o disco. Hoje, num sistema digital, ele se comunica, por meio de botes, com um equipamento que, diante dele, parece absolutamente esttico, salvo por algum movimento luminoso em seu painel (indicadores sgnicos de tempo, volume etc.). Entretanto, esta literal caixa-preta, permite ao ouvinte programar a sua audio, sem nem mesmo, graas a um controle remoto, precisar sair da sua poltrona

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para fazer isto. que, nos circuitos do aparelho e no disquinho metlico, est embutido e congelado um conjunto de dados, inteiramente invisvel ao usurio, que ele porm, ao toque de alguns botes, pode processar, produzindo ele mesmo a melhor informao para o seu deleite. O disco de vinil era um suporte que apenas permitia a reproduo mecnica, exclusiva, linear, isocrnica, do som, em funo das formas fsicas dos seus sulcos. O CD, agora, fornece, atravs do visor do aparelho de reproduo, algumas informaes a mais para o seu ouvinte, alm da simples emisso sonora. Da permitir que a sua velocidade seja acelerada (para, por exemplo, facilitar a seleo de faixas a ouvir); que a ordem de reproduo das faixas seja previamente definida; que alguns outros efeitos possam ser obtidos. O CD contm, nele registrado, informaes, alm da sonora, que podero ser lidas pelos circuitos do sistema de reproduo e, por isto, tratadas, a seu bel prazer, pelo usurio. No disquinho digital, tanto o registro fsico da msica quanto as demais informaes fundiram-se num programa de computador (software), algo que seria impossvel no disco de reproduo mecnica. O aparelho de reproduo, com seus chips e microprocessadores, ele mesmo um pequeno computador, capaz de receber do seu usurio, e processar, um certo grau de programao. O usurio, pois, deixou de ser um mero receptor de um contedo rigidamente moldado nas formas de seu suporte (o disco de vinil), tornando-se, ele mesmo, um programador de contedos, ainda que nos limites, claro, da informao total contida no sistema. Mas, obedecidos estes limites, existe um campo aberto a uma interao maior entre o usurio e o equipamento. Numa outra dimenso, bem mais vasta, o que se passa no geral das redes e sistemas de comunicao. O contedo a transportar j no trata somente de programas culturais e noticiosos tpicos da indstria de entretenimentos. O contedo a transportar trata de todo o tipo de informao necessria aos negcios das corporaes-redes. Para quaisquer delas, a informao a ser imediatamente utilizada (como, na analogia do CD, o seria a msica que apreciamos), apia-se em outra informao (como o so os programas embutidos no nosso equipamento, que nos permitem comandar a reproduo sonora). O transporte de contedos se faz sobre outros contedos. O estrito controle sobre este contedo, sem o qual o outro no gerado nem comunicado, pode ser muito mais determinante para o crescimento da rede corporativa, que o do contedo fornecido explicitamente a qualquer dos seus componentes. O vidente, cujas angstias discutimos no Captulo 4, tem todo interesse em divulgar as suas previses meteorolgicas, mas a ningum revelar o segredo de suas profecias...

Estratgia da aranha

O controle de parte determinante dos contedos embutidos nos meios de transporte da informao por parte da companhia que se encontra no centro da
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corporao-rede, obriga os seus demais componentes a sujeitarem-se a regras, normas e padres tecnolgicos que envolvem desde especificaes de equipamentos e componentes at, principalmente, o desenvolvimento de programas proprietrios de computao e comunicao. A empresa-ncleo cuida de gerar essas especificaes e desenvolvimentos, como parte inerente ao seu negcio, forando os demais integrantes da rede a adot-los. Como os custos de tempo so sempre os mais determinantes para o capital-informao (no importa se se trata de uma grande companhia dominante ou de um pequeno e annimo fornecedor subcontratado), os fatores que levam uma empresa qualquer a se enredar inescapavelmente nas malhas de uma corporao-rede, como um inseto em teia de aranha, costumam ser definidos pelo tempo que lhe possa custar a troca de uma rede por outra, tempo que se expressa tanto em dinheiro quanto em aprendizagem na aquisio e uso de novos equipamentos, sistemas e programas.

Um bom exemplo o caso da rede construda pela McKesson, estudada por Franois Bar59. Esta empresa a maior distribuidora norte-americana de medicamentos e produtos no-durveis. Ela articula as duas pontas do mercado: os produtores (fabricantes) e milhares de pequenos revendedores varejistas. Seu servio ser tanto mais til aos produtores e varejistas, quanto mais rapidamente ela possa receber e colocar ordens de compra e venda. Para isto, ela dotou os seus clientes com um sistema de comunicaes exclusivo. Os varejistas utilizam um pequeno terminal de fcil manuseio, acoplado a uma linha telefnica e diretamente conectado ao computador central da McKesson, atravs dos quais comunicam as suas necessidades. O prprio computador retransmite as informaes para o armazm melhor localizado para o atendimento ao varejista, de onde as mercadorias so embarcadas para entrega, no mximo, em 24 horas, aps ter sido feito o pedido. Tudo o que o varejista conhece explicitamente do sistema a maquineta que opera. Mas, alm dela, as linhas telefnicas no podem estar ocupadas ou lentas, os computadores no podem dar pane, todo o sistema precisa operar sem interrupes para que o compromisso de entrega em 24 horas seja respeitado. Para ter absoluta certeza disto, a McKesson arregimenta e emprega diretamente a maior parte do trabalho vivo a necessrio. Ela no delega a terceiras compa nhias, a programao, observao e controle do processamento e transporte de toda essa informao. Seu sistema suportado por uma rede proprietria de satlites de baixa altitude, logo todas as comunicaes entre as maquinetas e os seus computadores, prescindem das linhas telefnicas tradicionais, realizandose diretamente atravs de antenas parablicas. Atravs desta rede, a McKesson alcana um outro objetivo: aproveitando-se exatamente da sua privilegiada posio, ela pode colher e processar, em tempo real, dados sobre o mercado, tanto para o seu prprio uso, quanto para oferec-los (lucrativamente, claro) aos seus clientes, suprindo-os com outras in208
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formaes necessrias s suas decises de curto ou longo prazo. De distribuidora de produtos, a McKesson evolui para supridora de informao, reforando, circularmente, a sua posio de distribuidora de produtos.

Se um varejista quiser empregar os servios de dois distribuidores, precisar implantar na sua loja dois sistemas distintos de processamento da informao. Algum j se deu conta da quantidade de maquinetas, com formas e cores diferentes, que as lojas utilizam para processar cartes de crdito e bancrios? Algum j se perguntou do custo disto para o lojista, e da sua (in)satisfao? , guardadas as devidas propores, o que se passa na indstria automobilstica. Cada grande montadora norte-americana (GM, Ford, Chrysler) desenvolveu sistemas proprietrios de comunicao com os seus fornecedores de auto-peas e seus distribuidores. Em conseqncia, os fornecedores (que no so pequenas lojas, mas grandes fbricas) viram-se obrigados a duplicar ou triplicar investimentos em equipamentos, programas e treinamento para dotarem-se dos diferentes sistemas, de modo a seguirem atendendo s trs grandes do cartel. Do ponto de vista dos fornecedores, isto meramente representa aumento nos custos dos negcios e no lhes traz nenhum benefcio direto61.

O xito desta estratgia pressupe uma espcie de monoplio sobre a poupana de tempo (e dinheiro) dos clientes. Estes dispem de um sistema que lhes permite inventariar rapidamente os seus estoques, e rep-los de um dia para o outro. Mas a McKesson, atravs do mesmo sistema, tem, em tempo real, uma completa viso do todo, podendo inclusive antecipar-se s necessidades dos clientes, deixando-os, supe-se, ainda mais satisfeitos. Porm, precisa assegurar-se que uma empresa concorrente no possa acessar aos mesmos recursos e informaes. Se o varejista quiser trocar de distribuidor precisar, literalmente, trocar de maquineta, aprender a usar outro teclado para introduzir dados no sistema, outro software de controle de estoques e, ainda, confiar que o novo servio venha mesmo a lhe proporcionar maiores vantagens. A McKesson conscientemente desenhou as suas aplicaes com base em padres proprietrios, como parte dos seus esforos para deter um estreito controle sobre as aplicaes na rede, e sobre as informaes geradas atravs do seu uso [...] o seu controle sobre o mercado-rede d companhia uma vantagem competitiva decisiva sobre os seus concorrentes60.

Capital vs. monoplios

Se, para as corporaes capitalistas tornou-se fundamental controlar os contedos dos seus sistemas de comunicao - isto , exercer o mximo poder possvel sobre a gerncia de seus custos, administrao dos seus acessos, definio das evolues , cabe-lhes programar e operar, com os seus prprios recursos humanos, todo o sistema. Elas podero at mesmo utilizar os recursos
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fsicos e tcnicos de terceiras companhias, caso o julguem conveniente, desde que possam controlar o essencial da programao de tais recursos. Para elas, a deciso de investirem em recursos prprios de comunicao ou se servirem de recursos oferecidos por terceiros, resultar apenas de um clculo de custo/ benefcio, entendido que o primeiro benefcio a ser considerado a importncia do controle efetivo do meio para a estratgia da firma. Quanto maior for esta importncia, menor ser o peso do custo na deciso de investir em meios prprios. Dominar e operar meios de comunicao passar a ser visto como parte intrnsica dos negcios (dado por suposto que haver capital para tanto).

Por isto, as corporaes-redes e sistemas financeiros entraro em conflito com os monoplios de comunicaes que o prprio capital, nas primeiras dcadas do sculo XX, sentira necessidade de instituir e expandir. Eram esses monoplios os responsveis exclusivos por todo o transporte da informao intra-firmas e inter-firmas, at, mais ou menos, os anos 80. Uma companhia poderia, no prdio onde se localizavam os seus escritrios, instalar toda uma rede de fiao ligando os seus computadores, telefones, outros aparelhos. Seria uma local area network (LAN), ou, simplesmente, rede local. Poderia, igualmente, instalar outra LAN, em outro prdio, na mesma cidade, ou em qualquer outra cidade. Porm, para colocar as duas LANs em conexo, estava obrigada a utilizar os servios de uma empresa monopolista de telefonia a AT&T, nos Estados Unidos; as PTTs, na Europa; a Telebrs, depois de 1971, no Brasil. Alm de geralmente caros, pois sobre estes servios os monoplios praticavam tarifas que lhes permitiam subsidiar a telefonia residencial, dificilmente atendiam s necessidades particulares de comunicao, de cada grande companhia. Assim, aos poucos, elas comearo a pregar a necessidade de se abrir as telecomunicaes competio. Na prtica, isto significaria liberdade para escolher entre instalar e operar meios proprietrios, ou servir-se de meios de terceiros, desde que estes meios estivessem perfeitamente ajustados s suas exclusivas necessidades e, no, s necessidades da mdia dos demais usurios, fossem estes outras empresas, fossem residenciais. Mirando-se retrospectivamente, o movimento dessa contradio parece ter tido incio, de modo quase imperceptvel, em fins dos anos 60. Mas ir eclodir na superfcie da sociedade e tornar-se assunto de debate pblico, nos anos 80, at resolver-se, claro que a favor do grande capital, na ltima dcada do sculo XX.

Desregulamentao americana

Talvez, o marco mais remoto do processos de construo de um novo modelo institucional nas comunicaes, tenha sido a deciso, tomada em 1956, de proibir AT&T produzir e comercializar equipamentos de informtica, assegurando-se assim a ocupao deste segmento por grupos capitalistas oriundos da indstria de material de escritrio (Sperry-Rand, IBM etc.) ou por recm-chega210
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O novo modelo pressupunha que, nas comunicaes urbanas, sobretudo telefnicas, seguiria imperando o princpio do monoplio natural. Da, apenas substituiu um monoplio nacional integrado, por sete monoplios regionais independentes entre si (mais conhecidos pelo apelido Baby Bells), monoplios esses obrigados a seguir assegurando o servio bsico universal, mas impedidos de operar ligaes interurbanas e internacionais, expandir os seus negcios para outros segmentos das comunicaes e possuir seus prprios laboratrios e fbricas. As comunicaes interurbanas, internacionais, de dados, por satlite etc. foram nominalmente abertas competio. A AT&T ganhou dois anos para executar a deciso. No dia 1 de janeiro de 1984, a MaBell de um lado e as sete Baby Bells, do outro, comearam vida nova. Estvamos em pleno Governo Reagan: a deciso foi por ele capitalizada como um marco do seu projeto neo-liberal.

dos, nascidos de novas invenes em laboratrio (Hewllett-Packard, Intel etc.). Em 1962, os Estados Unidos aprovaram uma Lei da Comunicao por Satlite, que vedou AT&T estender o seu monoplio para o espao, abrindo-o concorrncia entre grandes corporaes capitalistas, nem todas necessariamente vinculadas ao ramo das comunicaes. Em 1968, uma nova companhia, a MCI, pediu licena para instalar uma linha de comunicao por microondas, ligando as cidades de St. Louis e Detroit, e destinada a usurios empresariais. A AT&T sentiuse diretamente ameaada pois, se aprovado o projeto, estaria irreversivelmente aberta uma brecha - que s tenderia a ampliar-se - em seu monoplio, e no prprio modelo de subsdios cruzados que o sustentava e legitimava. Mas, quebrar este monoplio interessava no apenas a novas firmas candidatas a transportar informao atravs de tecnologias emergentes, mas a toda a indstria fabricante de equipamentos e sistemas digitais, IBM frente. Teve incio um intenso jogo de presso e contra-presso, praticado nos trs poderes da Repblica americana: Executivo, Legislativo e Judicirio. A questo acabou resolvida em 1982 (14 anos depois!), atravs de uma deciso do Juiz Federal Harold Green que decretou a quebra do monoplio nas comunicaes a longa distncia, e sua substituio, nas comunicaes urbanas, por sete novos monoplios regionais (Regional Bell Operating Companies, RBOCs) que seriam formados pela aglutinao das operadoras locais pertencentes AT&T62, 63.

Parece que, num primeiro momento, o Juiz Green entendeu que os usurios comuns, fossem residenciais ou comerciais, permaneceriam dependendo dos transportadores coletivos de informao (common carriers), mantidos mais ou menos sob o controle das obrigaes e regulamentaes pblicas. A FCC no encerrou as suas atividades, pelo contrrio: tinha muito mais trabalho pela frente. Nem o Juiz Green, desde ento, deixou de baixar normas aprimorando ou modificando suas prprias decises anteriores, ao sabor de novos acontecimentos e presses. Na prtica, o modelo, conforme originalmente concebido, no funcionou
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e deu origem a um sem nmero de conflitos e conseqentes solues desencontradas, j que grandes corporaes industriais e financeiras passaram a montar as suas ansiadas redes prprias, provocando grandes perdas de receitas, sobretudo s Baby Bells que delas careciam para seguir prestando servios de natureza pblica. Alm disso, com a liberalizao, muitas outras empresas - as TVs a cabo, por exemplo, mas tambm as companhias de transporte ferro virio, de fornecimento de energia eltrica etc. - poderiam colocar suas infra-estruturas disposio dos blocos de capital interessados em operar meios especializados de transporte da informao, e at subtrair usurios residenciais s Baby Bells. A determinao econmica do monoplio natural ruiu, ao menos nas telecomunicaes. E, da, o modelo imaginado pelo Juiz Green no demoraria a fazer gua por todos os lados. Acabou revogado pela Lei das Comunicaes de 1996 que derrogou, de vez, qualquer princpio institucional monopolista ainda sobrevivente, e qualquer coibio ao entrecruzamento de empresas nos diferentes segmentos do mercado da informao. A nova Lei iria provocar um grande rearranjo no capital informacional norte-americano, liberando movimentos de fuses e incorporaes que, no apagar das luzes do sculo XX, ainda parecia longe de se concluir. Dentre as fuses, as mais significativas apontavam para uma crescente reaglutinao do antigo imprio da AT&T: em 1999, das sete Baby Bells originais s restavam quatro, tendo sido as outras trs absorvidas pelas ainda sobreviventes*.

Reformas europias

Na maioria dos pases europeus (com a exceo notvel do Reino Unido), e tambm no Japo, a substituio do velho modelo por um novo, assumiu forma diferente, derivada da prpria herana histrico-ins titucional do modelo de PTTs. Se, nos Estados Unidos, a AT&T integrava e monopolizava todas as etapas da indstria da informao no segmento de telecomunicaes - projeto, fabricao, instalao e operao dos sistemas -, nos demais pases centrais, as PTTs cuidavam da instalao e operao das redes, delegando as atividades de projeto e fabricao dos sistemas e equipamentos, a monoplios ou duoplios privados nacionais. As PTTs constituam-se em mercados cativos para empresas como a NEC e algumas outras, no Japo; Siemens, na Alemanha; Ericsson, na Sucia; Thomsom, na Frana; Plessey, no Reino Unido etc64. Atravs dessas alianas, articulavam um amplo conjunto de outros interesses financeiros, comerciais, at acadmicos e sindicais. Em todos estes pases, pois, as demandas e presses por reformas precisariam construir um novo pacto entre diferentes atores sociais. Nos Estados Unidos, a indstria de informtica (IBM frente) podia mostrar-se vivamente interessada em quebrar a relao de propriedade existente entre a
* Em 2005, a SBC, que j havia adquirido a Pactel e a Ameritech, incorporou a prpria remanescente AT&T e reassumiu esta marca, tornando-se a maior operadora de telecomunicaes dos EUA e do mundo (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Modos diferentes de encaminhar a questo no eliminam, embora possam encobrir, o fato de as reformas europias tambm tenderem a acabar com os monoplios semi-pblicos estatais, transferindo, assim como nos Estados Unidos, o controle das infra-estruturas de transporte da informao para as corporaes capitalistas privadas. Na radiodifuso por onde as reformas comeariam, ainda nos anos 70, em quase todos os pases da Europa -, passou-se a conceder freqncias para companhias privadas concorrerem com as rdios e televises do governo. Nas telecomunicaes, passou-se a aceitar a existncia de redes privativas ou de redes pblicas operadas por empresas privadas, num conjunto cada vez mais amplo de servios: comunicaes por satlites, telefonia celular, servios ditos de valor adicionado etc. Antes de entrar a dcada 90, um pas como a Frana, por exemplo, podia declarar-se, sem contestao, um dos pases da Europa onde (Reino Unido a parte) mais longe se levou a desregulamentao e a abertura dos mercados competio66. Seria parte desse processo, transformar gradualmente as antigas entidades pblicas de comunicaes, em novas empresas, inicialmente estatais, mas destinadas a assumir caractersticas cada vez mais comerciais e lucrativas. Na medida do possvel (e, nisto, tiveram razovel xito), buscariam reter em suas redes o trfego de informao que, nos Estados Unidos, vinha maciamente se desviando para as redes privativas ou para outros transportadores especializados. A substituio das entidades pblicas por empresas sob controle estatal foi concluda em meados da dcada 80, da nascendo as France Tlcom, Deutsche Telekom, Telefnica de Espaa, dentre outras. Ao longo dos anos 90, elas vieram sendo paulatinamente privatizadas. Ao findar-se a dcada, todas elas j estavam parcial ou totalmente privatizadas, embora em nenhuma delas o Estado tenha deixado, ainda, de exercer um certo poder de controle e fiscalizao em suas definies estratgicas e em algumas atividades essen ciais*.

AT&T e a Western Electric - no conseguiu, mas logrou subtrair-lhe o monoplio do suprimento s redes de comunicao. Mas num pas como a Alemanha, a Siemens a indstria de informtica e de telecomunicaes, no havendo outras corporaes nacionais de peso interessadas em entrar nestes segmentos do mercado domstico, ou atender s encomendas da PTT local - situao esta similar nos demais maiores pases europeus e no Japo. Tanto que, no Reino Unido, a indstria fornecedora de tele-equipamentos seria uma das foras sociais que mais pressionaram contra o projeto da Primeira Ministra Margareth Thatcher para privatizar a British Telecom65.

* Para um exame mais aprofundado dos fatos e tendncias que marcam a evoluo recente das telecomunicaes no mundo, ver os meus A lgica do capital-informao 67 e Uma alternativa para as telecomunicaes no cenrio da globalizao: a Brasil Telecom 68. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Convergncia tecnolgica
Uma das mais importantes conseqncias da desregulamentao foi a criao de espao para uma acelerada expanso da televiso por cabo ou, mais apropriadamente, TV por assinatura. Nascida nos Estados Unidos, nos anos 50, como um servio que permitia levar o sinal das redes convencionais de televiso para localidades distantes ou pouco acessveis, a TV a cabo (e tambm, as transmitidas por sistemas especiais de satlite) experimentaram espetacular crescimento, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa, depois que deslancharam as desregulamentaes. Nos Estados Unidos, em 1984, o cabo de TV alcanava cerca de 30% das residncias. Em 1992, j chegava a 60%. Na Europa, atinge 16 milhes de assinantes na Alemanha; 5,3 milhes na Holanda; 2 milhes na Suia; mais de um 1 milho na Frana e na Dinamarca; etc69, 70.

Porque estes servios sero o eixo a fazer rodar o capital-informao, no se trata de mera futurologia ou literatura de fico cientfica afirmar que, num prazo de 15 ou 20 anos - logo num tempo que, em condies normais, ser vivido por qualquer pessoa que hoje esteja na faixa dos 45 a 60 anos de idade, da para baixo - um nico terminal dar a um indivduo, em sua residncia ou no seu posto de trabalho, total acesso a todo tipo de informao que, hoje, ainda lhe exige utilizar 214
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A expanso da TV por assinatura fez surgir e crescer novos grupos poderosos de capital-informao. Os maiores, como sempre, esto nos Estados Unidos: TCI (11,5 milhes de assinantes, em 1994), Time-Warner (7 milhes de assinantes). Produzindo os seus prprios programas (noticirios, filmes, espetculos desportivos e musicais etc) e retransmitindo a programao de outros produtores (redes de televiso, estdios cinematogrficos), elas passam a pressionar para ingressar em todo ou qualquer outro segmento de servios de produo e comunicao de informao, inclusive e particularmente os bidirecionais (telefonia, transmisso de dados etc.). At meados dos anos 90, nos Estados Unidos e demais pases centrais, a legislao reservava estes segmentos para as companhias de telecomunicaes. De l para c, tais barreiras vieram sendo, pouco a pouco, pas por pas, removidas. Operadores de telecomunicaes, como a Deutsche Telekom, alem, tornaram-se grandes prestadores de servios de TV a cabo. Operadores de TV associaram-se a companhias de telecomunicaes, assim fundindo de vez os ramos de negcios, a exemplo da sociedade constituda pela TCI e a Sprint, nos Estados Unidos71. Assim, a TV por assinatura deixou de ser um servio de mero transporte unidirecional de programas de televiso, tornandose um completo sistema de telecomunicaes bidirecionais. Mais at: o uso da infra-estrutura de TV a cabo viabiliza no apenas prover servios tradicionais de telecomunicaes, incluindo telefonia de voz, mas tambm oferecer novos servios multimdia que estaro no corao mesmo da cada vez mais abrangente sociedade da informao72.

Sabendo enxergar esse futuro, toda a indstria da informao, incluindo alguns recm-chegados, movimenta-se numa acirrada disputa para ocupar espaos estratgicos que definiro quais blocos de capital, mais cedo ou mais tarde, assumiro o controle do conjunto. O processo de desregulamentao, j quase concludo, cumpre justamente o papel de facilitar tal movimento. Entre outros aspectos fundamentais, a desregulamentao eliminou as fronteiras institucionais e empresariais, outrora rigorosamente estabelecidas, para a utilizao do espectro hertziano ou do cabo, como meios de transporte. Aquele j no mais exclusivo da radiodifuso de notcias e entretenimento. Este, no mais tpico da telefonia e usos similares. Uma rede, agora, usa cabos e efeitos atmosfricos, indiferenciadamente. Uma ligao telefnica pode comear atravs de um fio, ser remetida a um satlite, prosseguir por microondas e concluir-se em outro fio, ou em um terminal radiofnico porttil (celular). As emisses de televiso, por seu turno, podem chegar por atmosfera a uma central de distribuio, da seguindo por cabo (tico ou axial) at as residncias dos receptores.

distintos subsistemas scio-tcnicos*. Desenvolver esse terminal, por isto mesmo, vem sendo um dos mais importantes esforos tecnolgicos do capital, neste fim de sculo. Empresas dos Estados Unidos, do Japo e da Europa esto investindo bilhes de dlares em projetos conjuntos ou separados para criar a chamada televiso de alta definio (TVAD). Com a TVAD digital se consuma a convergncia das funes de televiso, cinematografia, fotografia, imprensa, projeto grfico computadorizado, processamento eletrnico de dados e telecomunicaes73.

O capital a rede

Comeou a deixar de fazer sentido aquela velha distino entre telecomunicaes e radiodifuso... e informtica. As companhias ligadas ao negcio da informao e comunicao tendem a se tornar grandes conglomerados multimdia. Alianas entre elas se multiplicam, no raro levando a completas fuses e incorporaes e nem sempre respeitando fronteiras nacionais: a norte-americana CBS (produtora de contedos em disco) adquirida pela japonesa Sony (fabricante de equipamentos); a norte-americana ABC (grande rede de televiso) adquirida pela Disney (produtora de entretenimentos diversos); a Time Warner (grande rede de TV a cabo) adquirida pela US West (uma das quatro restantes Baby Bells); a NBC (outra grande rede norte-americana de televiso) aliando-se Microsoft (maior produtora mundial de programas de computador); a norte-americana AT&T e a japonesa NTT (as duas maiores operadoras de telecomunicaes do mundo) aliando-se Motorola (grande fabricante de microprocessadores e de equipamentos de telecomunicaes) e Apple, Matsushita (japonesa), Sony e
* Depois do efetivo incio de comercializao da televiso digital, dos smartphones e iPhones, e dos microcomputadores portteis (netbooks), mas sobretudo da expanso das redes em alta velocidade (banda larga), esse prazo de 15 a 20 anos, j est consumado, at antes do ento (1999) previsto... (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Ser interessante observar os nomes que apareceram nos pargrafos acima. A TCI formou uma aliana com a Sprint, que tem uma aliana com a France Telecom, que aliou-se a um bloco de telecoms orientais, que aliou-se AT&T, que aliou-se British Telecom, que aliou-se MCI... Uma intrincada rede de interesses comerciais comuns, projetos industrial-tecnolgicos conjuntos, compartilhamento de recursos, tende a fazer convergir os grandes blocos de capital, em uma grande constelao capitalista universal. Cada unidade foca o seu negcio. Mas nenhum negcio sobrevive sem o negcio focado do outro. Se a Intel projeta chips e a IBM, computadores, a IBM acabar scia da Intel, como de fato acabou, pois aquela projeta muito em funo desta, e esta em muito depende dos projetos daquela. O negcio com informao, como a prpria informao, interativo, complementar, sinrgico. As unidades de capital, maiores ou menores, tendem a funcionar como se fossem bilhes de neurnios pertencentes a alguns grandes crebros globais, articulados entre si por incomensurveis, mas bem coordenadas, malhas de axnios e dendritos. O capital pode estar muito perto de se agrupar em algumas poucas cabeas, todas ferozmente unidas como as de uma hidra, a um mesmo corpo sequioso de acumulao, na medida em que as corporaes capitalistas prossigam se somando, se complementando, atravs das mltiplas conexes das suas teias mundializadas de comunicao: o capital a rede*.
* O noticirio da imprensa, geralmente panegrico ante um suposto mundo globalmente competitivo, volta e meia permite-se confessar a tendncia do capital-informao para atingir a mais extremada concentrao de capitais jamais vista na histria. Em Global free-for-all, a Businesweek de 26 de setembro de 1994, reconhecia que, num fuTRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

Para se dotarem de um sistema exclusivo e altamente confivel de comunicaes, 30 corporaes industriais europias, com a Xerox e a Philips frente, contrataram a AT&T e a British Telecom para lhes desenvolver uma rede de comunicaes que operaro privativamente, contornando as redes das ex-PTTs75. Estas, em resposta a movimentos assim, que subtraem das suas teias (diga-se, redes), os seus maiores e mais lucrativos clientes, tambm cuidam de investir no desenvolvimento, instalao e operao de sistemas altamente sofisticados, de interesse apenas para as grandes corporaes industrial-financeiras. A France Tlcom, a Deutsche Telekom e a norte-americana Sprint associaram-se em uma nova companhia de nome Global One. A mesma France Tlcom articulou com a Italia Telecom, a Telefnica de Espaa, a KDD japonesa e as telecoms de HongKong, Cingapura e Australia, a constituio da Financial Network Association, entidade cujo nome diz tudo dos objetivos do grupo. A AT&T pactuou, com finalidades semelhantes, uma outra alian a tambm com a KDD, as telecoms de Cingapura, Hong-Honk, Nova Zelndia e, ainda, as da Holanda e de outros pases do norte europeu76.

holandesa Philips (todas, fabricantes de equipamentos)74. A lista grande e no parou de crescer ao final da dcada de 90.

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Rede fragmentada
Mas, contraditoriamente (pois o capital no deixou de ser a contradio em processo), nas redes, as unidades de capital no podem cessar de disputarem entre si as rendas informacionais que mutuamente se geram. No fundo do processo, no esqueamos, o desequilbrio lhe inerente. Como vimos no captulo anterior, os agentes envolvidos na gerao e comunicao de valores informacio nais, precisam disputar a repartio das rendas da oriundas. Uma das armas dessa disputa o controle dos meios de comunicao, inerente estratgia das corporaes-redes, conforme discutimos acima.

Por isso, uma vez completada a desestatizao dos meios de transporte da informao, isto , uma vez totalmente aberto e liberado o espao das redes para a sua ocupao por parte dos blocos de capital que possam faz-lo, consolidarse- a tendncia expanso de grandes redes privativas, mais ou menos desconectadas de redes coletivas, ou universalizadas, redes aquelas destinadas ao atendimento das necessidades especficas dos muitos e diversificados fragmentos econmicos ou sociais envolvidos na valorizao da informao.

Como fragmento econmico ou capitalista, no sentido adotado aqui, podese entender qualquer corporao-rede, com seus sistemas mundializados exclusivos de comunicaes. Mas pode-se entender tambm, por exemplo, uma rede que atenda exclusivamente ao centro financeiro de Nova York e s suas conexes com o mundo, seja esta rede instalada e operada por uma empresa contratada especializada, seja por um consrcio formado pelas prprias instituies usu rias. Uma tal rede poder aproveitar os tneis do metr de Nova York, as tubulaes da rede eltrica, ou at outras infra-estruturas j disponveis de comunicaes, para fazer passar, atravs da cidade, o seu anel tico de uso exclusivo e privativo, podendo ainda dotar-se de um satlite prprio, ou alugar capacidade disponvel em satlites de terceiros.

turo prximo, as grandes redes globais de telecomunicaes devero estar incorporadas a quatro ou cinco grandes potncias. A revista citava entre os mais provveis vitoriosos, a AT&T, a British Telecom, o bloco France TlcomDeutsche Telekom e a japonesa NTT, debaixo das quais se agrupa riam as demais companhias internacionais e nacionais77. Seis anos depois, sob o sugestivo ttulo Grandes irmos, a revista brasileira Carta Capital (16/02/2000), voltava a afirmar que quatro ou cinco grupos dominaro todas as mdias concebveis, sustentando da que, no mdio prazo, desregulamentao mais globalizao conduzem concentrao dos setores decisivos da economia em oligoplios ou monoplios no mais meramente nacionais ou regionais, e sim globais, trazendo novos desafios luta pela democracia no mundo78. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

Como fragmento social, entenda-se, por exemplo, uma municipalidade rica que resolva dispor da sua prpria e exclusiva rede de comunicaes, para interconectar a sua rede escolar pblica, ou a sua rede de sade, sem mais ter que depender de algum prestador coletivo de servios de telecomunicaes. Ou pode-se entender, tambm, um grande condomnio residencial, cujos moradores tenham renda e interesse em dispor de uma rede prpria, local, de comunicaes.

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Rapidamente multiplicados pelos Estados Unidos afora e, nem tanto, pelos demais pases (e, muito menos, pelos pases de baixa renda da periferia capitalista), so nesses fragmentos monopolsticos que vo entrar as velhas e novas empresas concorrentes, seja no negcio mesmo de oferecer um completo, mas selecionado, servio transporte da informao para terceiros; seja apenas na instalao de meios fsicos contratados por um fragmento scio-econmico especfico, o qual se encarregar de oper-los diretamente, com os seus prprios recursos humanos. Que esses fragmentos se expandiram rapidamente no resta dvida: em 1986, nos Estados Unidos, empresas que no seriam ditas de teleco municaes j operavam diretamente cerca de 3,4 milhes de circuitos ponto a ponto por microondas, 800 mil circuitos por satlites, alm de responder por 40% das compras dos equipamentos de comutao, 20% das de equipamentos para transmisso por microondas e 20% das de equipamentos para transmisso por fibras ticas79. Apenas marginal e secundariamente cabe falar em competio entre essas redes e, sobretudo, entre os blocos de capital que as suprem ou as operam. Como cada rede (e seu operador) atende diferenciadamente a um conjunto espe-

Em qualquer caso, o que vemos a multiplicao de redes para usos exclusivos e especializados. Cada rede uma rede; atende a especficos propsitos, no conflita, ou disputa, necessariamente com outras redes. O que um dia fra, em cada pas, um vasto monoplio nacional de acesso e utilizao coletiva por grandes e pequenos, por ricos e pobres, veio se tornando uma colcha de retalhos de fragmentos monopolsticos menores ou maiores, alguns de tamanho global, quase todos de acesso e utilizao localizados, se no no espao fsico concreto, ao menos em seus recortes scio-econmicos. Em parte, esses recortes obedecero a necessidades coletivas amplas e indiferenciadas das empresas e das famlias, neles sobrevivendo, ou se instalando, os sistemas herdeiros das antigas redes pblicas de telefonia, alm de alguns recm-chegados: so as companhias de telefonia fixa, de telefonia celular, de TV por assinatura etc. Mas numa dimenso muito maior e muito mais desconhecida do grande pblico (pois destes, apenas a imprensa especializada em negcios costuma a tratar, quando trata), os fragmentos econmicos e sociais sero atendidos pelos sistemas privativos das corporaes-redes ou dos operadores neles especializados*.

* Essa distino aparece com clareza, embora sob diferentes denominaes, na legislao recente de diversos pas, dentre os quais o Brasil. Na nossa lei de 1998, os servios so classificados, quanto abrangncia, em interesse coletivo e interesse restrito; e quanto ao regime jurdico, em pblicos e privados (Artgos. 62 e seguintes). Os servios em regime privado necessitam apenas da permisso das autoridades para poderem funcionar. Os servios em regime pblico so aqueles de interesse coletivo que dependem, para funcionarem, de uma concesso governamental, dada em troca do atendimento de alguns compromissos sociais ou econmicos maiores. No caso brasileiro, o nico tipo de servio sujeito, na prtica, a tais exigncias a telefonia fixa comutada (o telefone residencial ordinrio). Em outros pases, a telefonia celular, redes de TV a cabo e at outros sistemas de comunicao podem ser, eventualmente, submetidos a essas regras, que sobrevivem como resqucios da antiga natureza dita pblica das comunicaes. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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cializado de clientes, as comunicaes e, com elas, o prprio sistema capitalista, fragmenta-se. Fragmentao, em um p lo, sinergias, em outro, esta a dialtica que move o regime de acumulao no capitalismo informacional.

Por exemplo: consideremos uma operadora de um sistema de rdiocomunicao, que identificaremos por N. Ela oferece os seus servios exclusivamente a empresas que, devido a necessidades especficas, necessitem dotar os seus funcionrios com equipamentos de intercomunicao por rdio: empresas de segurana, por exemplo, ou de servios de txis. Para todas as suas demais atividades de comunicao, esses clientes de N seguiro utilizando os demais sistemas convencionais de telefonia fixa e celular. Logo, as companhias operadoras destas redes vamos identific-las por A, B e C no perdem os seus clientes para N; talvez percam apenas uma pequena parcela de suas receitas, relativas quelas comunicaes que agora podem ser feitas, com mais comodidade, segurana, rapidez e custo baixo, pelo sistema de rdio. J os clientes de N, estes passaram a fazer uso de mais uma rede, especializada, alm daquelas, de acesso coletivo, que j vinham utilizando. Logo, ao custo do acesso e uso das redes coletivas, esses clientes acrescentaram-se um novo custo, de acesso e uso da rede particular.

* A sociedade brasileira pagou caro, em julho de 1999, por uma queda de brao dessa, entre duas poderosas corporaes multinacionais, a norte-americana MCI que, agora, controla a Embratel, e a espanhola Telefnica, proprietria da ex-Telesp. Com o estpido desmonte do outrora integrado sistema brasileiro de telecomunicaes, a MCI e a Telefnica tiveram que negociar interconexes para manter operando os seus respectivos sistemas de comunicaes interurbanos e internacionais. Por que no chegaram aos necessrios acordos tcnicos e financeiros (aqueles, na verdade, servindo de biombos para estes), as comunicaes a longa distncia sofreram uma espetacular pane nos primeiros dias de julho, quando foi inaugurado o novo regime de competio nas telecomunicaes do pas, causando enormes danos s empresas e s famlias, no Brasil inteiro. A intermediao compulsria, mas contra a vontade, das pusilnimes autoridades brasileiras, aliada s dimenses do clamor pblico diante de tamanho descalabro e, tambm, aos prprios prejuzos que ambas as companhias acabaram sofrendo, foraram as duas gigantes a chegarem a algum acordo (ver Folha de S. Paulo, Guerra comercial parou DDD, 25/07/1999). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

Entretanto, N pode fazer mais: seus aparelhos de radiocomunicaes tambm podem ser utilizados como aparelhos comuns de telefonia celular. Inexistindo qualquer barreira tcnica a, N precisar, porm, firmar acordos de interconexo com as empresas A, B e C, de modo a permitir que qualquer funcionrio de um seu cliente, possa fazer alguma chamada para qualquer assinante, fixo ou celular, destas outras operadoras. Por estes acordos, toda a vez que um aparelho de N chamar, por exemplo, um aparelho de B, aquela repassar a esta um percentual do que faturou nessa chamada. O mesmo valer para a A ou C. Assim, N se tornou uma espcie de extenso dos servios fixos ou celulares de A, B e C, contribuindo, sinergicamente, para ampliar o ganho neguentrpico geral do sistema, logo para a acumulao capitalista de cada um e de todos os seus elementos, ao mesmo tempo em que lucra no seu fragmento especfico de rede. Quanto ao percentual a ser repassado do seu faturamento, por N para as outras operadoras, isto depender do poder de fora e de barganha de cada corporao*.

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A lei geral
Controlar as redes , ao lado da propriedade intelectual e, claro, quase sempre a ela articulada, a outra estratgia bsica de apropriao da informao social. A comunicao de contedos na rede, enquanto transporte de trabalho informacional concretizado, no-tempo gerado entre os agentes em interao e, como tal, objeto das barganhas pelas respectivas rendas informacionais. Mas, neste caso, os agentes esto subordinados ao poder maior, e panptico, da empresa-ncleo. O estreito controle que esta detm sobre os meios dar-lhe- uma posio decisiva para monopolizar tambm as regras de repartio das rendas informacionais entre os componentes da rede, aambarcando, obviamente, a parte do leo.

Controlar e dominar os meios de gerao, tratamento e distribuio da informao social para, com eles, determinar as condies de apropriao das rendas informacionais oriundas de um valor de uso despojado do valor de troca, esta a lei geral que determina a dinmica do capital-informao. Por outro lado, a sua consecuo mesma subordina-se a muitas instncias de mediao, percebidas atravs dos conflitos empresariais, jurdicos, polticos que exprimem as mudanas em curso nos arranjos econmicos e institu cionais relativos comunicao e informao.

No somente isto. Detendo o monoplio da sua rede, a empresa-ncleo obtm uma espcie de sobre-no-tempo, por assim dizer, relativamente aos demais componentes, j que, em princpio, qualquer rudo, qualquer informao nova, dever ser captado por ela, antes de qualquer outro. Estar assim sempre um tempo frente dos demais, podendo adiantar-se, inclusive quanto a eventuais contestadores externos, na captura e aprisionamento do no-tempo dos elos da sua teia, j que o seu objetivo ser sempre o de sugar o mximo possvel da neguentropia de seus parceiros, coligados, franqueados, em benefcio do crescimento e acumulao da sua prpria neguentropia. S no pode, claro, lev-los morte... A corporao-rede faz-se assim uma outra expresso, talvez at mais poderosa e eficaz, daquilo que, no captulo anterior, identificamos a feudos informacionais.

Na fronteira ltima desses conflitos, sob a mscara da competio, est a luta, de cada bloco capitalista, para trazer para dentro da sua rede, e nela enrodilhar firmemente, aquele que segue sendo a sua real fonte de valor e crescimento, logo de neguentropia: o trabalho vivo informacional, este que aparece gerando por um lado, e usufruindo por outro, os produtos do capitalinformao. Este trabalho subsumido toma a forma de atividade combinada do executivo, do consultor, do pesquisador, do tcnico, do professor, do criador publicitrio, do produtor cultural, do desportista patrocinado, do advogado, do
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mdico, do operrio qualificado, do fazendeiro etc. - de todos os muitos profissionais, assalariados ou autnomos, agora incorporados imagem alie nada do consumidor. Consumidor de informao. Consumidor de marca, estilo de vida, smbolo de status, prazeres (de dirigir, de fumar, de comer), desejos (de consumir, claro)... Consumidor de idias que consumam a busca do capital por metamorfoses apenas ideais.

Mercado-rede

Todo o indivduo que possa apresentar-se produo social geral, suportada e veiculada pelas redes do capital-informao, como portador de valor informacional, maior ou menor, ser aceito na tessitura de algum elo do mercado-rede. Porm, esse indivduo, como qualquer ser vivo, no consome informao, consome neguentropia, capacidade de fornecer trabalho. Processa informao, mas porque precisa repor neguentropia, precisa sustentar-se enquanto matria e energia organizada. Do mesmo modo, o capital: por mais ideais que sejam as suas metamorfoses, sempre exigir neguentropia viva para processar e valorizar informao. Se a acumulao j no est mais atada, talvez, ao limite das 24 horas do dia (e da mais-valia), com certeza no ultrapassa o limite material da entropia da prpria informao. Desta, s Deus...

O consumidor compra uma roupa, um livro, um programa de computador. Ou melhor: como no tem necessidades, mas desejos, ele adquire uma griffe, um best-seller, um Windows. No importa. A griffe estar estampada num corte de camisa; o best-seller, impresso num punhado de folhas encadernadas; o Windows, gravado num pacote de disquetes, ou CDs. O consumidor obter a informao no seu suporte.

Para comprar, supe-se, ir a uma loja, butique, ou livraria. Para qu? Perda de tempo! Para comprar, ele deve poder freqentar uma loja virtual, uma livraria virtual. Nelas seleciona o seu desejo, faz o pedido e paga, por meios eletrnicos, com o seu carto de crdito, ou bancrio: renda na forma exclusiva de informao. Num tempo que pode variar de poucos segundos a alguns minutos, em algum lugar do mundo que pode estar a milhares de quilmetros desse consumidor, a transao financeira concluda. Mas a mercadoria, se for um software, talvez demore meia-hora, uma hora, algumas horas, para ser carregada, atravs da rede, no computador do consumidor. Se for uma roupa, ou um livro, levar um, dois, alguns dias para chegar s suas mos, pelos meios tradicionais de transporte. O consumidor pagou primeiro, para receber depois. O capital, ao contrrio, recebeu primeiro, para entregar depois. O ciclo do dinheiro (D D), suportado
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em bits, no mais em papel impresso, parece ter ganho extrema autonomia em relao ao da mercadoria mesma. E como a produo de mercadorias tornou-se um processo quase completamente efetuado por trabalho morto, o ciclo do dinheiro, assim autonomizado, quase no precisa mais ser interrompido na produo (... P ...). A viagem de ida e a viagem de volta do dinheiro se faz atravs de bits, na comunicao. Trata-se de uma nova dimenso do tempo de circulao, sem relao ou dependncia seqencial com o da produo. Para concretiz-la, nasceu a Internet.

Internet: o novo medium

Na segunda metade dos anos 90, o mundo passou a testemunhar a exploso deste fenmeno denominado Internet. De rede de computadores para uso exclusivamente militar e acadmico, a Internet, da noite para o dia, transformouse num espetculo cultural, meditico e comer cial. Tecnologicamente, a difuso da Internet apenas foi possvel aps o aparecimento de programas de navegao (browsers) que tornaram muito fcil, a qualquer pessoa desprovida de maior formao tcnica, enviar e receber correspondncia eletrnica, bem como visitar os espaos virtuais, ou stios, da sua preferncia. Imedia tamente, os mdia trataram de transform-la em desejo: a nossa Rede Globo, por exemplo, levou ao ar a novela Explode corao, que fazia da Internet uma de suas principais personagens. A partir de ento, seria difcil encontrar um microcomputador domstico, logo uma pessoa ou uma famlia com renda suficiente para consumir, que no estivesse conectada, ou prestes a se conectar, Internet. A Internet chegou para estender a teia (web, diriam os internautas) ponta ltima do consumo e, como tal, no dever demorar a estar integrada aos, e dominada pelos, grandes conglomerados multimdia em formao*. Assim como, no passado, o rdio, a televiso e o telefone foram organizados para encurtar os tempos de circulao, a Internet dever tambm funcionar no sentido de tornar ainda mais ideais as metamorfoses da circulao do capital. Alm de reduzir a fraes de segundos, o tempo de circulao do dinheiro, ela poder muito reduzir o prprio tempo de movimento do consumidor, ele mesmo. O desejo acicatado atravs de um anncio na televiso, quase sempre precisa aguardar algumas horas ou dias para ser saciado a hora ou o dia que o consumidor tem livre, para ir loja. Agora, numa pgina de Internet, uma vez aulado o desejo, nada impede que o ato de compra seja instantneo. Alm disto, o hbito de ir s compras, praticado apenas em alguns dias do ms, poder livrar-se destas amarras do tempo: a Internet domstica, permitir a qualquer um (a qualquer um que possa dispor de um carto de crdito ou de banco) ir s compras a qualquer hora, at nas madrugadas e domingos.
* Esta frase foi escrita no vero 1999-2000. No incio da segunda dcada do sculo XXI, j est plenamente confirmada pelo Google, Facebook, a onipresente Microsoft e corporaes como Time-Warner, Disney, tantas outras (N2011). TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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Comunicao produtiva
Conectado a alguma rede (TVs por assinatura, Internet etc.), o consumidor poder, atravs do subsistema terminal situado em sua casa (computador, receptor de TV etc.), receber programas de computador e jogos eletrnicos, assistir a filmes, ouvir e registrar msica, e ter acesso, quase sempre pago, a toda uma gama de outros produtos informacionais, inclusive notcias jornalsti cas. A obteno de alguma pea desses contedos exige, de uma organizao capitalista, adiantar capital (D) na contratao do trabalho informacional vivo necessrio para produzi-la: engenheiros, programadores, roteiristas, diretores, artistas, desenhistas, jornalistas, um grande contingente humano recrutado para processar a informao que, uma vez registrada, poder ser utilizada, vista ou ouvida, pelo consumidor. O objetivo do capital, ao mobilizar esse trabalho, acumular e crescer (D). Mas o trabalho realizado capaz de fornecer valor, no o foi de transformao material. Foi trabalho aleatrio, de acrscimo, de produo de informao. O capital mobiliza trabalho para produzir contedos, e se valoriza na comunicao desses contedos. Sendo este trabalho processamento de informao, ou I, o ciclo da acumulao ter sido acrescido de um ciclo da comunicao produtiva: Entretanto, bem sabemos das enormes dimenses de trabalho morto que o capital tambm precisa arregimentar para dar, ao trabalho vivo, as condies de... trabalhar: instalaes, laboratrios, equipamentos, veculos, instrumentos e materiais vrios. So produtos concretos, trabalho passado, que vamos continuar identificando como mercadorias. Para gerar informao (I), o capital precisa adquirir e oferecer mercadorias (M) ao trabalho vivo. Essas mercadorias resultaram de outras instncias de objetivao do trabalho vivo em produtos materiais e, necessariamente, mesmo que atravs de trabalho morto, foram obtidas por meio de transformao material, logo de um clssico ciclo Alm do mais, para que, por exemplo, o programa de computador possa funcionar, efetivando o seu valor de uso, ser necessrio existir uma mquina computadora concreta. Para que o filme seja visto, ser necessrio um terminal de televiso. Para que as pessoas se animem a comprar bugigangas na Internet, ser necessrio existirem as bugigangas. Isto , para que a informao exprima valor de uso para o seu consumidor, o capital tambm precisar oferecer a este, suportes materiais que lhe permitam processar ou usufruir aquela: cabos, satlites, sistemas receptores, quinquilharias plsticas etc. Se, para gerar informao, o capital precisou produzir mercado rias, para comunicar informao precisar produzir mercadorias.
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D I D'

M P M'

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Perceba-se que o capital no adquire mercadorias para produzir informao. O capital valoriza informao adquirindo trabalho vivo para realizar atividade viva. assim que a funo do trabalho vem a ser, diretamente, a de valorizar o capital, conforme intura Marx, no Captulo (que haveria de permanecer) indito. Por outro lado, como a informao no pode se despregar de algum suporte material, o capital, ao comandar o trabalho informacional, precisar a ele subordinar trabalho material, trabalho este que, sendo essencialmente mecnico e morto, j deixou de ser a sua fonte direta de valorizao, mas no pode deixar de ser meio de registro e de comunicao da informao. O artista somente precisa da sua prpria mente e corpo e de um bom roteirista e de um melhor diretor para produzir a sua cena (trabalho vivo produzindo atividade viva). Mas o capital precisar de uma cmera (e filmes, e laboratrios...) para registr-la e comunic-la, no podendo porm, tambm a, prescindir, de modo algum, da criatividade do fotgrafo. Como o valor de uso a cena filmada, no a cmera, nem o terminal domstico de televiso, a sua realizao se dar aps a sua comunicao paga - aos seus destinatrios. O ideal seria que cada um destes destinatrios pagassem-para-ver (pay-per-view) cada pea informacional usufruda. A rede evolui para isto. S no conseguir evoluir para edificar um grande anfiteatro global onde toda a populao do mundo, como nas antigas cidades gregas, pudesse se reunir e ver o trabalho dos artistas, sem outras mediaes que as da luz do sol e vibraes do ar. Para suprimir um espao que j no mais aquele que os gregos enfrentavam com uma boa caminhada, a produo material continuar a ser necessria. Subsumida porm comunicao produtiva, no ciclo total do capital-informao:

No ciclo do capital industrial, conforme Marx (Captulo 2), o capital adiantado adquiria mercadorias que seriam transformadas pelo trabalho vivo (simples) em novas mercadorias, durante o (sub)ciclo da produo. No ciclo do capital-informao, o trabalho vivo no transforma mercadoria alguma; ou o trabalho de transformao que ainda pode muito eventualmente realizar diretamente (alguma soldagem, por exemplo), to nfimo em relao ao processo total, que no mais interessa anlise do valor. O trabalho vivo usa produtos materiais ditos mercadorias, para processar e comunicar informao. Este uso, tanto pode se dar nas atividades aleat rias, nas quais engenheiros e artistas empregam equipamentos e materiais em seus projetos ou encenaes; ou nas atividades redundantes, de movimentos rotineiros para adjudicar peas, prprios da montagem ou confeco industriais. Seja qual seja a instncia do trabalho, o material usado a j chega transformado por subsistemas de trabalho morto. Nestes subsistemas mesmo, est sintatizado e objetivado trabalho vivo informacional (cincia, tecnologia, engenharia, 224
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M P M'

D I D'

know how aleatoriedades e redundncias), atravs do qual M pde derivar em M, no porque contenha mais-trabalho (vivo, simples e material), mas porque congela informao processada, tempo poupado. Quer dizer, porque comprime ao mximo a barreira temporal neguentropia do capital. Economia do tempo: a isto se reduz finalmente toda a Economia, j sabia Marx80.

Soluo de apropriao

Programas de computador, reprodues musicais, filmes, notcias - so muitos os produtos informacionais que podero, em pouco tempo, estarem assumindo formas completamente digitais. Sabemos o quanto j comum obter-se softwares diretamente via Internet, dispensando-nos de adquiri-los em pacotes de disquetes ou CDs. Filmes j so assistidos rotineiramente pela programao da TV por assinatura. Por qu v-los em fita de vdeo, salvo aqueles clssicos jamais exibidos? No demora, tambm livros estaro postos em formato digital, para aquisio pela rede e leitura na tela do computador ou aps impresso domstica*. A digitalizao e enredamento de produtos informacionais que tais, no apenas quase resolvem o problema da anulao do espao atravs do tempo, como tambm vo se revelar uma das melhores solues para a sempre espinhosa dificuldade de apropriao da informao produtiva. Muito provavelmente, pela rede, mais cedo ou mais tarde, o consumidor apenas obter um direito de uso temporrio de uma pea informacional qualquer, sem precisar, nem lhe ser permitido, carregar a pea para o seu prprio computador, ou sistemas terminais similares de acesso informao. Hoje em dia, por exemplo, usa-se um software depois de, uma vez pago o direito de licena, obter-se-lo fisicamente, seja atravs da posse de cpias em disquetes ou CDs, seja atravs de uma operao de transferncia eletrnica de arquivos. Daqui a algum tempo, talvez se torne trivial o usurio fazer uso direto e instantneo do software a partir do, e no prprio, computador da empresa produtora. Atravs da Internet, ele se conectaria a esta empresa, pagaria (por transferncia eletrnica de fundos) um preo estipulado, e ficaria usando o programa como se este estivesse gravado no disco rgido do seu microcomputador. Encerrada a atividade, desfeita a conexo, o usurio-consumidor deteria o resultado do seu prprio trabalho (o texto escrito, a planilha atualizada), mas o programa que lhe permitiu trabalhar permaneceria retido nos computadores da empresa que o produziu, e que dele se diz proprietria. Na medida em que a capacidade e qualidade dos meios de processamento e de transporte da informao se aprimorem, esta ser uma soluo perfeitamente aplicvel no somente aos programas de computador de largo uso, mas tambm a filmes, reprodues musicais e demais realizaes similares. fcil perceber como, desta forma, a vida dos piratas vai ficar muito mais difcil...
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* No custa relembrar: este captulo, logo esta precisa frase, foi escrito em 1999-2000 (N2011).

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Os have e os have not


No somente a dos piratas. Se a maioria da Humanidade permaneceu, aps tantas dcadas, excluda do uso e dos benefcios das telecomunicaes, provavelmente no ser, nesta nova etapa do capital, que ver melhorar a sua sorte. H fortes indcios que, at nos pases centrais, o desenvolvimento tecnolgico e a oferta de novos sistemas e servios tende a concentrar-se no atendimento s corporaes e aos usurios de alta renda, pois, cada vez mais, passa a ser realizado diretamente pelos, ou para, os usurios de negcios e consumidores:

Os grandes usurios, no passado, tiveram um importante papel no desenvolvimento das redes pblicas, pois colocavam nelas as suas demandas [...] Na medida em que, progressivamente, voltam-se para redes privativas, no apenas reduz-se a presso por inovaes nas redes pblicas, como tambm certas inovaes - particularmente no que diz respeito s aplicaes em dados - passam a ter lugar nas redes privadas e no se difundem pela rede pblica81.

Noutras palavras: a chamada concorrncia, longe de beneficiar o usurio comum - o cidado - apenas refora as divises na sociedade e fortalece cada vez mais os poderes das grandes corporaes capitalistas.

Alm de introduzir tarifas anti-sociais nas suas reas de concesso, as RBOCs passaram a investir pesadamente na melhoria dos sistemas nas cidades 226
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Foi o qu, muito especialmente, sentiram os milhes de usurios residenciais urbanos e rurais, pequenos comerciantes, profissionais liberais etc., por todo os Estados Unidos, cujo acesso informao e comunicao depende de um servio subordinado a normas pblicas e universais, como o era a antiga telefonia dos tempos fordistas. Na medida em que as TVs a cabo, as redes intra ou inter-corporativas iam subtraindo receitas e lucros s Baby Bells, sobre as quais seguiram recaindo os nus da prestao de um servio de natureza pblica, estas no tiveram outra alternativa que forar os preos das suas tarifas residenciais para cima, pressionando as autoridades a aceitar um novo princpio de tarifao pelo custo, em substituio ao princpio do subsdio cruzado. Ao contrrio, para os clientes comerciais, tenderam a oferecer tarifas atraentemente competitivas. Invertendo a lgica do subsdio cruzado, as tarifas cobradas s famlias, pequenos comerciantes de bairro, outros pequenos negcios subiram 60% acima da inflao mdia norte-americana, entre 1984 e 1992, enquanto caam substancialmente, no mesmo perodo, as tarifas de longa distncia e outras que interessam aos grandes negcios82.

Foram necessrios dez anos para que o usurio comum, os moradores das periferias pobres, as minorias tnicas (negros e hispnicos) comeassem a perceber as perdas que lhes causaram decises tomadas em funo dos interesses exclusivos das grandes corporaes transnacionais. Alm do peso maior que as tarifas telefnicas passaram a ter nos oramentos domsticos, as camadas mais pobres da sociedade norte-americana viram-se sem acesso aos avanados meios de comunicao que a revoluo microeletrnica poderia lhes oferecer. As chamadas infovias no estavam chegando at eles, como tambm no alcanam boa parte dos servios pblicos de educao e sade, que grandes vantagens poderiam obter desses novos recursos. Pesquisas e estudos realizados por entidades como Federao dos Consumidores dos Estados Unidos, Associao Nacional para o Desenvolvimento dos Povos de Cor, Pesquisa sobre os Cidados, Centro para Educao sobre os Media, Centro para Redes Civis e at pelo Departamento do Censo do Governo norte-americano, confirmaram que apenas a minoria mais rica da populao vinha-se beneficiando dos planos de expanso das Baby Bells e dos novos recursos oferecidos pelas infovias. Em Washington, por exemplo, os investimentos em novos sistemas e tecnologias programados pela Bell Atlantic para 1993, atenderiam basicamente os bairros onde moram famlias cuja renda situa-se acima de US$ 66 mil, por ano, e no alcanariam os bairros com renda familiar anual abaixo de US$ 54 mil. O padro claro: os bairros onde vivem pessoas de baixa renda e minorias tnicas esto sistematicamente mal representados nesses planos [das RBOCs], declara Jeffrey Chester, diretor do Centro para ciais mais Educao sobre os Mdia84. Membros mais conscientes e os grupos so prejudicados da sociedade norte-americana comeam a perceber uma tendncia para a diviso do pas entre os have e os have not acesso informao.

ou bairros onde mais intenso o trfego do interesse das empresas e homens de negcios. Esta tendncia j era claramente perceptvel em 1984, pela anlise de seus planos de investimentos. A Ameritech, que atende rica regio dos Lagos, previa elevar a taxa de digitalizao da sua rede, de 0,3% para 19%, entre 198388. J a Pactel, cujo monoplio cobre apenas a Califrnia e o desrtico estado do Nevada, elevaria a sua taxa de digitalizao, de 0,6% para 6,8%, no mesmo perodo, mesmo assim concentrando o grosso dos seus investimentos nas regi es de San Francisco e Los Angeles83.

Subinformados e suprfluos

Tudo indica que podemos estar testemunhando, em fenmenos assim, ou no crescente desemprego estrutural, a gestao das novas formas de lutas de classes, que vo marcar o capitalismo da informao. Numa primeira aproximao, pouco otimista, estas novas formas apontam mais para um futuro de barbrie do que de civilizao ou socialismo.
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que o capital-informao est dividindo a humanidade numa sociedade caracterizada por uma minoria tecnologizada em seu topo e uma massa populacional em baixo, cujo trabalho destrudo pela automao e desqualificao85. No estrato superior, consolida-se uma minoria com capacidade de produo e desfrute os consumidores. No inferior, fica uma grande maioria excluda dessas condies. Ou, como diz Vania Arajo, a sociedade se divide entre uma parte rica em informao e outra pobre em informao86. Os grupos sociais ricos em informao, integrados produo social geral, exercem atividades que so produtivas para o capital-informao. Os grupos subinformados tendem a se tornar, na palavra bem empregada por Schaff, desnecessrios87. Ironicamente, se a velha dicotomia trabalho produtivo-trabalho improdutivo ainda ter hoje algum significado, justo o trabalho simples que j se tornou improdutivo, enquanto o trabalho sgnico mais ou menos intelectual, o trabalho que gera valor informacional, o trabalho que oferece ao seu agente capacidade de produzir e capacidade de desfrutar rendas informacionais, este trabalho, sim, tende a se tornar produtivo para o capital que se apropria da informao social.

Porm, como evidente, os homens e mulheres suprfluos no deixam e no podem deixar de buscar os meios para a sua sobrevivncia. Na medida em que milhes de seres humanos, em todo o mundo, tanto nos pases centrais quanto, principalmente, nos perifricos, tornam-se sem-valia para o capital pois este j no precisa, para se valorizar, da mais-valia gerada pela fora de trabalho simples; na mesma medida surge e se expande, a latere do capitalismo informacional, todo um conjunto de atividades, no raro selvagens, que se dinamizam conforme regras e lgicas prprias e, ao mesmo tempo, pelas relaes econmicas, sociais e polticas que mantm com a esfera capitalista formal. So os negcios informais, o trfego de drogas e de armas, o banditismo puro e simples etc. Paralelamente, muitos outros milhes de serem humanos no logram sobreviver nem assim, e so diariamente assassinados pelas doenas, pela fome, pelas guerras tribais ou tnicas. Se o problema grave nos pases centrais, ele dramtico nos pases perifricos. Se ao longo dos ltimos sculos, milhes de serem humanos em todo o mundo foram incorporados ao modo capitalista de produo como fora de trabalho simples e at escrava, devemos estar entrando numa nova fase da histria na qual esses mesmos milhes de seres humanos perderam at o direito de serem explorados... Para o capital, deixaram de ter existncia significativa pois ele apenas d significao ao que possa valoriz-lo: na atual etapa, o conhecimento formalizado e reificado. Num aparente paradoxo, uma tribo de primitivos nativos amaznicos, sendo fonte primria de informao sobre usos de plantas medicinais, pode interessar muito mais sociedade contempornea - e deve ser ecologicamente protegida - do que laboriosos agricultores africanos despojados pela seca (na verdade, pela destruio colonialista de seu ambiente natural e

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social) das suas condies mnimas de trabalho e subsistncia. Estes se tornam invisveis, conforme denunciou o personagem Isa El-Mahdi, do filme A Marcha (The March), de David Whatley. Nada mais lhes resta do que fazer da prpria morte, um espetculo ao vivo para a televiso*.

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12. MARX, K. Elementos fundamentales..., op. cit., Vol 2, p. 24, grifos no original. 15. MARX, K. O Capital, op. cit., Vol. 3, tomo 1, pp. 285-286, grifos no original.

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16. MARX, K. Elementos fundamentales..., op. cit., Vol 2. p. 25, grifos no original.

* A Marcha conta a histria de uma tribo africana que decide atravessar o Saara, do Sudo at o Estreito de Gibraltar, para alcanar a Europa e forar os europeus verem, de perto, seu estado de fome crnica. Logo no incio, uma jovem e bem intencionada burocrata de um desses organismos internacionais de ajuda aos pases pobres, visita essa tribo, travando um rspido dilogo com Mahdi, o lder local, que recusa as ofertas de ajuda. Vivemos vidas invisveis, diz, morremos mortes invisveis. Ela pergunta: O que voc quer que faamos? Que o vejamos morrer? E Mahdi emenda: Sim. Se vamos morrer, quero que nos vejam morrer. E inicia a marcha que, por onde passa, atrai multides miserveis, sofre ataques bandoleiros, recebe proteo na Lbia, torna-se o grande assunto dos mdia e tema central de sucessivas e improdutivas reunies entre apavorados burocratas europeus. No fim, mais de um milho de africanos atravessam o Gibraltar e, numa escadaria que lembra a do filme Encouraado Potenkim de Eisenstein, detm-se ante enormes, bem nutridos, bem armados soldados da Otan, deixando no ar a imagem do impasse mundial. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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20. ALMEIDA, Marcio Wohlers. Reestruturao, internacionalizao e mudanas institucionais das telecomunicaes: lies das experincias internacionais para o caso brasileiro. Campinas, SP: Instituto de Economia,UNICAMP, Tese de Doutorado, 1994. 21. FLICHY, idem, p. 118. 23. FLICHY, P. op. cit.. 24. HANSON, D. op. cit. 22. WIENER, N. op. cit., p. 114. 25. MARX, K. Para a crtica da economia poltica, op. cit., p. 115. 28. idem, p. 134.

26. SCHILLER, H. op. cit., p. 77. 29. HANSON, D. op. cit., p. 227.

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Eu queria ser Esta metamorfose ambulante. Raul Seixas

Concluso*

Ao longo deste nosso estudo, alcanamos um conceito de informao produtiva, cujo valor, para o capital, resulta do trabalho vivo combinado e aleatrio de tratamento e reduo de incertezas, trabalho este materializado em algum registro cujo valor de uso no est necessariamente contido nas formas de seu suporte fsico. O valor se realiza na comunicao e sua distribuio, ou apropriao, entre os agentes envolvidos, nas formas de rendas informacionais, tende a resolver-se conforme a capacidade de barganha de cada parte.

Para chegar a esse resultado, fomos inicialmente movidos, conforme esclarecemos ainda num dos pargrafos iniciais da Introduo, pela crena na necessidade e possibilidade de se iniciar uma amplo programa de pesquisa e prtica social que ponha em questo justamente todo o arcabouo poltico e jurdico que testemunhamos ser montados nos dias que correm, visando reduzir a informao a recurso aproprivel pelo capital. Aqui chegando s Concluses, entendemos que a trajetria perseguida por esta nossa investigao confirma haver um vasto campo para ser explorado pelos pesquisadores sociais de extrao marxiana, campo esse definido pelo estudo da informao enquanto fenmeno e processo natural e social. Acreditamos ter demonstrado no s o quanto se presta a informao para um estudo dialtico-materialista (Captulo 1), como a aderncia de uma compreenso monista dos processos informacionais a alguns conceitos bsicos em Marx (Captulo 2). Tal, se confirmado pela crtica que se lhe deve seguir (a falsificao
*

Esta Concluso foi redigida em maro de 2000 (N2011).

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popperiana - v l!), abriria um imenso espao reinterpretao histrica da evoluo das sociedades capitalistas ao longo do sculo XX e, principalmente, compreenso da natureza real desta chamada sociedade da informao, trazendo luz os seus conflitos inerentes e possveis desdobramentos.

Para tanto, poderamos pensar em muitas linhas de pesquisa que se abririam a partir das conceituaes introduzidas neste estudo, consubstanciando um novo programa terico-prtico de crtica e transformao social. A guisa de concluses, permitir-nos-emos sugerir algumas dessas linhas. Seriam basicamente quatro.

Pensar a informao

Chega a parecer um contra-senso que, na chamada sociedade da informao, pouco espao dediquem as cincias sociais discusso e investigao da informao como um fenmeno e processo natural e histrico*. Talvez no estejamos errados em dizer que economistas (com as raras excees citadas e discutidas em nosso estudo), socilogos e historiadores ainda no despertaram para o tema, entre outras razes porque no o podem relacionar imediata e diretamente a Marx ou aos tericos marxistas, fontes conceituais e metodolgicas bsicas das cincias sociais crticas. Neste livro, buscamos mostrar como esse relacionamento poderia ser feito, se no aos marxistas, pelo menos a Marx. O estudo da informao deveria ser necessariamente inter e multidisciplinar, j que se refere a um processo presente em todos os fenmenos que digam respeito vida, e relao entre os seres vivos e o mundo inanimado e entrpico que os cerca. Poder-se-ia esperar que a Informatologia, ou Cincia da Informao, como campo interdisciplinar, viesse a ser o espao privilegiado para coordenar e liderar tais estudos, tanto quanto a Fsica o campo principal que, para ns, investiga e esclarece os processos ligados energia. Mas essa rea de pesquisa, que ainda tem grande espao para evoluir no Brasil, somente representar este papel na medida em que se assuma, se defina e se legitime como o locus por excelncia

Disto prova, mais uma vez, o tratamento apressado que deu ao problema, o socilogo Manuel Castells, em seu copioso estudo sobre a socidade em rede, lanado no Brasil em 1999. Apesar do tanto que, a esta altura, j se avanou na teorizao da informao, ainda escreve Castells (em nota de rodap, sublinhe-se): Para maior clareza deste livro, acho necessrio dar uma definio de conhecimento e informao, mesmo que essa atitude intelectualmente satisfatria introduza algo de arbitrrio no discurso, como sabem os cientistas sociais que j enfrentaram esse problema. No tenho motivo convincente para aperfeioar a definio de conhecimento dada por Daniel Bell: Conhecimento um conjunto de declaraes organizadas sobre fatos e idias, apresentando um julgamento ponderado ou resultado experimental que transmitido a outros, por intermdio de algum meio de comunicao, de alguma forma sistemtica. Assim, diferencio conhecimento de notcias e entretenimento. Quanto a informao, alguns autores conhecidos na rea, como Machlup, simplesmente definem a informao como a comunicao de conhecimentos. Mas como afirma Bell, essa definio de conhecimento empregada por Machlup, parece muito ampla. Portanto, eu voltaria definio operacional de informao proposta por Porat, em seu estudo clssico: Informao so dados que foram organizados e comunicados (Manuel CASTELLS, A sociedade em rede, p. 45, So Paulo, SP: Paz & Terra, trad., 1999). Creio, conforme este meu estudo demonstra, que haver muitos motivos convincentes no para aperfeioar, mas para rejeitar as definies de Bell & Cia. TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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para o estudo da informao em todas as suas dimenses econmicas e sociais e, no, apenas, a documental. Por enquanto, como a discusso aqui conduzida deve ter mostrado, os principais e mais decisivos avanos no conhecimento da informao, o devemos, um tanto quanto segmentadamente, Engenharia, Biologia, Semiologia, Economia. Falta-nos um campo cientfico que agregue e sistematize tudo isso, dando ao conhecimento j acumulado uma viso do seu todo e, da, um rumo mais integrado. A sociedade da informao precisa disso.

Repensar a Economia

A segunda grande linha, claro, remete para a Teoria Econmica e, particularmente, para aquela derivada da crtica de Marx. O centro desse projeto seria a Teoria do Valor. O marxismo confundiu, para todos os efeitos prticos, trabalho simples, uma categoria conceitual, com trabalho operrio fabril, uma classe social objetiva - e, esforando-se para atribuir a este operrio sociolgico uma misso histrica, ignorou quase completamente a evoluo cientfico-tcnica do capitalismo, e o deslocamento da fonte de valor, do trabalho simples, para uma nova instncia de trabalho informacional, que se veio desenvolvendo ao longo daquela evoluo*. O trabalho informacional indireto, ou mediado, combinado, sgnico, comunicacional, concretizando-se, ou materializando-se, atravs da interao viva entre as suas mltiplas instncias e elos sociais. O trabalho simples direto e imediato, articulando na mesma unidade de trabalho, mente, mo e transformao material. mquina - um autmato composto por muitos rgos mecnicos e intelec tuais, conforme j escrevia Marx como que descrevendo um rob1 - foi delegado este trabalho imediato. E todas as atividades produtivas humanas mediatizaram-se, inclusive as do operrio fabril, ainda que este, em muitos casos (mas no em todos), tenha sido idiotizado (enquanto produtor, no enquanto cidado, bem entendido!) pela sua alta sintatizao operativa. Marx, como vimos, percebeu-o. Os marxistas em geral, ignorando e mesmo desprezando o que se passava alm do piso da fbrica, no. A Teoria do Valor aqui proposta sugere de imediato um sem nmero de problemas para a Teoria Econmica e, por extenso, para as demais Cincias Sociais. A informao, ela mesma, j um problema que poucos economistas tm ousado enfrentar, insistamos em ressaltar. Ocorre que toda a Economia calcada na Lei da Entropia - da o princpio da escassez que, vimos, Demsetz precisou relembrar na sua polmica com Arrow (Captulo 4). A informao neguentrpica e uma Economia baseada na informao ter que examinar seriamente a possibilidade de trocar os sinais de todas as suas equaes**...**
* **

Acrescente-se, para bem esclarecer, que o conceito de trabalho informacional no se confunde com o de trabalho complexo que, em Marx, reduz-se a mltiplo do trabalho simples, conforme vimos no Captulo 2.

As idias bsicas sugeridas neste livro so passveis de formalizao matemtica, logo podero ser desenvolvidas pelos economistas matemticos. Arrow e, tambm, Jenner2 discutiram as equaes de Walras e Pareto luz das TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital

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De qualquer forma, ser impossvel ignorar por muito mais tempo os problemas crescentes que emergem de uma economia informacional. Quanto mais aumenta o contedo de informao dos produtos - ou mais precisamente, quanto mais o produto incorpora o resultado do trabalho vivo com informao aleatria - mais o valor da mercadoria tende degradao instantnea (da a velocidade no lanamento de novos produtos) e mais a realizao desse valor torna-se um problema de comunicao da informao e, no, de estocagem e transporte de materiais (da as redes de comunicao produtiva). Uma economia baseada na informao mostrar-se- cada vez mais incompatvel com teorias que ainda se apiam na escassez, na troca, na circulao e... no equilbrio. A Teoria Econmica ortodoxa, por isto, j tem e ter cada vez mais dificuldades para explicar o sistema capitalista avanado. Teorias heterodoxas, ou crticas, ao contrrio, poderiam encontrar a um novo vetor de estmulo e revigoramento, fato que alguns outros autores tambm j perceberam:
As transaes econmicas tiveram portanto, at muito recentemente, a caracterstica global de processos de troca [...] Um bem ou servio pode ser obtido no mercado por troca com outro bem ou servio ou uma quantidade equivalente em dinheiro. Os processos de troca s tm um limite: a escassez [...] A escassez e os processos de troca constituram deste modo os reguladores bsicos da atividade econmica no passado. Contudo a emergncia de setores industriais inteiros baseados nas tecnologias da informao e o peso crescente do investimento imaterial da sociedade [...] tm mostrado que a prpria natureza dos processos regulatrios da economia se modificou. De fato, o processo bsico de informao no a troca, mas a partilha. Depois de uma transao de informao, ambas as partes detm a informao que foi objeto da transao [...] O valor associado a tal transao deve portanto ser equacionado de um modo totalmente diferente. A operao das econo mias modernas, em que a informao um recurso dominante, est portanto crescentemente dependente de

O ciclo de vida de um produto pode ser entendido como descrevendo uma curva H(t), desde as suas fases iniciais, altamente incertas, de concepo e projeto (neguentropia crescente), at sua produo por mtodos redundantes de trabalho e sua posterior colocao e manuteno no mercado (entropia crescente).

equaes de Shannon, chegando aos resultados que resumimos, no que interessava ao nosso estudo, no Captulo 4. Porm, a nossa proposta que as pesquisas avancem a partir da curva H(t) de Atlan, segundo a qual, sendo Hm a incerteza mxima; R, a taxa de redundncia (ou informao dada); e t, o tempo; o ganho de informao em um sistema (pode ser, numa empresa) seria medido pela equao dH/dt= - Hm (dR/dt) + (1-R) (dHm/dt)

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Repensar o trabalho

partilhas [...] As prprias filosofias da propriedade e da hierarquia (que se baseiam nos princpios da escassez e do segredo) tero que ser repensadas3.

A proposta que fazemos, percebe o processo de trabalho na sua totalidade sistmica, da podendo-se entender o taylor-fordismo apenas como expresso particular - limitado a alguns espaos da produo e a alguns segmentos industriais - de um modelo maior e abrangente: a burocracia mecnica. Ter faltado aos estudiosos das organizaes burocrticas, inclusive das suas extenses fabris taylor-fordistas, a compreenso de que tais organizaes eram possveis e necessrias porque promoviam intensa mobilizao de fora de trabalho humana redundante na realizao de tarefas em todos os elos do processo produtivo mediato, quando ainda no existiam mquinas capazes de recuperar, processar e comunicar um amplo conjunto de informao de baixo nvel, necessrio consecuo daquelas tarefas. Na medida em que a microeletrnica permite objetivar, sintatizar e coisificar amplamente esse tipo de informao, essa parcela de trabalho humano pode ser dispensada, e o trabalho vivo tender a se concentrar apenas onde o capital no tem como abrir mo da criatividade, da capacidade de abstrao, da iniciativa, do julgamento, da relao dialgica, da intuio, tpicas e inerentes mente humana. O indivduo humano que no desenvolve essas habilidades tende, por isto, a ser excludo do sistema, pois j no mais produtivo para o capital. Por isto mesmo, um dos grandes desafios sociais contemporneos ser assegurar maioria das pessoas a devida formao educacional e intelectual para que elas possam se dotar das, e desenvolver as competncias necessrias s novas determinaes produtivas. Porm, o quanto ser possvel faz-lo sob a gide do regime capitalista de apropriao, resta uma questo em aberto, que este autor no v com muito otimismo - particularmente neste nosso Brasil.
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A terceira grande linha que sugeriramos, tentaria compreender nas suas mltiplas interaes sistmicas, como um todo orgnico, as atuais transformaes em curso nos processos de trabalho - um tema tanto da Economia, quanto da Sociologia e, at, da Histria. H uma viva polmica sobre as novas formas de relaes industriais, devido a algumas inovaes introduzidas, inicialmente, pela indstria automotiva japonesa. Termos como ps-fordismo, toyotismo, ohnismo e similares penetraram no linguajar acadmico, poltico e sindical com tanta fora que j parecem definitivamente consagrados, como que constituindo algum novo paradigma que apontaria para a superao da etapa de concepo-execuo, uma interpretao, alis, conforme discutimos no Captulo 5, que j estaria a merecer maior crtica em seus prprios fundamentos tericos e epistemolgicos.

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Repensar a prxis
H alternativa? Nos dois captulos finais deste estudo, apontamos para algumas das novas formas polticas e jurdicas de organizao da sociedade que o capital nos vem impondo, desde que a sua fonte bsica de valorizao e crescimento tornou-se a informao produtiva. Na medida em que se apropria da informao social pela sua privatizao, o capital estabelece as regras de incluso ou excluso nos sistemas de produo e de usufruto da riqueza social, logo de acesso gerao e distribuio das rendas informacionais. Da decorre que o problema central da sociedade contempornea a apropriao da informao social pelo capital. Por isto, como diz Schiller, em muitos conflitos futuros, informao e comunicao se constituiro em decisivas esferas de disputa4. As lutas so ciais, pois, deveriam comear a assumir como eixo principal, a democratizao do acesso informao em todas as suas formas de expresso e meios de difuso. Muitos pensadores atuais sugerem novos programas de luta para a evoluo histrica da humanidade. As questes ticas, o direito de comunicar, a defesa do meio-ambiente, a justia social, o acesso cidadania, alm de outros, altamente discutveis e claramente anti-iluministas (logo no-marxianos), de valorizao de diferenas e tribalismos, so colocados como metas a serem procuradas e temas a serem estudados. Aceitando que, de fato, esses programas polticos so formas atravs das quais se exprimem os conflitos de classe numa sociedade informa cional e, por isto, conquistam nmero cada vez maior de adeptos, inclusive entre indivduos movidos por conscincia crtica mas socialmente integrados, tentamos, em nosso estudo, chamar ateno para as barreiras que so impostas a essas lutas pelas relaes materiais de produo, isto , pelos limites nos quais aquelas propostas esto encerradas, se no vierem a recolocar em questo o prprio regime capitalista de acumulao e apropriao privada das riquezas. Dentro do capitalismo, no parece haver muita soluo... No esqueamos que Marx deslizou da Filosofia para a Economia quando entendeu que um programa de humanizao do Homem no se realizaria sem radical transformao nas bases de produo material da sociedade. Se esta compreenso o levou a dedicar o restante de sua vida ao estudo quase exclusivo, conforme a reprovao de Habermas, ao agir instrumental5, o fato que a dissoluo da esfera pblica e a concomitante apropriao do tempo socialmente livre pelo capital, praticamente incorporou ou, ao menos, subordinou, tambm as formas de agir comunicativo ao processo de produo orientado ao lucro. Quando uma multina cional patenteia um conhecimento obtido junto a caboclos amaznicos porque nem as formas mais livres de comunicao que ainda sobrevivem nas culturas primitivas, esto agora a salvo de apropriao pelo seu registro em suportes materiais sgnicos. 238
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Por isso que, hoje, a produo material imediatamente cultura, a cultura imediatamente produo material, cabendo restaurar a totalidade social que uma vez foi dicotomizada na oposio, que Raymond Williams demonstrou falsa6, entre estrutura e superestrutura. Se todos os que ainda buscam rediscutir a prxis histrica e atualizar o programa de crtica social e libertao no devem abandonar a relao estabelecida por Marx entre os processos materiais de produo e a conscincia do ser social, numa determinada poca histrica; por isto mesmo, devem admitir o muito que, de l para c, mudaram as condies de produo material, logo as suas interaes culturais, conforme alis uma lgica por ele, Marx, antevista. Nestas novas condies ser necessrio erigir os loci de criao sgnica, nas suas formas cientficas, artsticas, e outras, em principais campos de batalha, neles convocando-se os seus trabalhadores para se engajarem na obra criativa maior de imaginar e gerar uma nova sociedade muito melhor do que esta na qual vivemos. Est visto no se tratar esta proposio de tarefa fcil, se que exeqvel num tempo visualizvel. Se, por um lado, percebe-se, em boa parte dos indivduos envolvidos em trabalhos sgnicos aleatrios, viso crtica e alto grau de generosa averso s desigualdades e injustias da nossa sociedade; por outro, esto todos estamos aprisionados s redes capitalistas de acumulao, e refratrios a discutir as prprias razes ltimas do mal estar que (n)os aflige. Mas, quem sabe?, o crescente e cada vez mais violento esgaramento social, o avano da barbrie cultural e moral, o retrocesso civilizatrio no bojo do crescimento da excluso, no acabe por criar uma situao na qual no seja mais possvel seguirmos vivendo como atualmente se vive. Mas para que uma tal ruptura hoje provvel mas no previsvel no nos remeta de vez completa barbrie (pois esta alternativa ser sempre possvel, como j nos mostra a terrvel situao africana), haver que, desde j, reconstruir o programa iluminista de luta por uma sociedade baseada no atendimento s mais nobres, profundas, imanentes e universais necessidades do Homem, programa este que Marx soube levar s suas ltimas e mais radicais conseqncias. No mudou a meta: superar o capitalismo. Mas podem ter mudado os mtodos. Nesta nova etapa alcanada pela evoluo do capital, democratizar as formas de produo e acesso informao social - atravs da qual a cultura se exprime em suas mltiplas formas subjetivas e objetivas - torna-se o principal meio para democratizar radicalmente as pr prias relaes sociais e econmicas. Trata-se de formular, pois, um programa alternativo - esta seria a quarta grande linha de pesquisa derivada deste nosso estudo, de longe a mais importante e determinante - que permita sociedade se beneficiar do conhecimento cientfico e tecnolgico que ela gera, estabelecendo frmulas democrticas para distribuir a riqueza entre os seus criadores diretos (os trabalhadores das cincias, tcnicas e artes) e os seus criadores indiretos - a sociedade em seu conjunto. Deve ser um programa que permita sociedade beneficiar-se do conhecimento socialmente
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acumulado, para o que dever tornar criativamente rico para todos, o tempo livre j feito possvel pelo atual desenvolvimento das foras produtivas. condio sine qua non de um tal programa manter, ampliar ou desenvolver os canais efetivamente pblicos de comunicao e interao - a infra-estrutura da gora informacional. Por fim, deve ser um programa que permita - principalmente neste Pas em que vivemos - incorporar milhes de seres humanos aos benefcios do progresso informacional, decretando que este progresso precisa estar a servio do Homem, e no os homens e mulheres a servio do capital-informao que do progresso se apropria. Cabe a ns brasileiros, mais do que a qualquer outro povo, recusar projetos histricos (ditos modernizadores) que aprofundem os processos de excluso social - porque somos ns uma de suas maiores vtimas. E estando, como estamos, simultaneamente na sociedade da informao e na sociedade pr-industrial, na sociedade que projeta avies e na sociedade que escraviza crianas em carvoarias medievais, quem sabe no acabar cabendo a ns, brasileiros, descobrir um novo significado, prprio s reais circunstncias do tempo em que vivemos, para o palavra socialismo?

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Este livro foi escrito na primeira metade da dcada 1990 e complementado no vero 1999-2000. Resulta da dissertao de mestrado do seu autor, concluda em 1994, quando s os muito iniciados tinham acesso a uma internet ainda tosca, e poucos possuam microcomputadores rodando MS-DOS. Quase ningum, sobretudo no Brasil, falava em sociedade da informao. Vivia-se os tempos ureos do neoliberalismo e festejava-se o fim das grandes narrativas. No Brasil, as reformas cardosinas avanavam de vento em popa. Nesse ambiente inspito, Marcos Dantas, hoje Professor Titular da UFRJ, comeou a estudar, a partir do pensamento de Karl Marx, as transformaes pelas quais passava o capitalismo. E intuiu que, para tanto, antes de mais nada, precisaria entender o que seria esta informao sobre a qual se estaria assentando a sociedade dita ps-industrial. O resultado este original estudo sobre a Economia Poltica da Informao onde, inclusive, antecipa problemas que s nos primeiros anos do sculo XXI comeariam a ser amplamente debatidos, como as polmicas em torno da propriedade intelectual e da pirataria. Apesar de seu evidente pioneirismo poca, diversas editoras, talvez por isso mesmo, preferiram no publicar o livro. Marx tinha sado de moda... E novas grandes narrativas ainda no nos tinham chegado da Europa ou dos Estados Unidos para agendar nossas discusses polticas e nossa vida acadmica. Agora graas internet, este livro pode tornar-se disponvel, socializado em e-book, pelo Programa de Ps Graduao da Escola de Comunicao da UFRJ. E sai quando o rastro de destruio social deixado pelo neoliberalismo e sua recente grande crise financeira est levando muita gente de volta a Marx. Que no mais pode ser aquele do sculo XIX. Escrito na ltima dcada do sculo XX, este livro tenta trazer Marx para o sculo XXI, o sculo do capital-informao.
PDF e E-book disponvel em: www.marcosdantas.pro.br/textos_livros/trabalho_com_informacao

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