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Deyse Cardoso de Oliveira..

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

DEYSE CARDOSO DE OLIVEIRA


CENTRO DE CINCIAS DA SADE












A MULHER COM LESO MEDULAR E A SEXUALIDADE: sociopoetizando o
cuidado clnico de enfermagem















FORTALEZA - CEAR
2008


1
DEYSE CARDOSO DE OLIVEIRA














A MULHER COM LESO MEDULAR E A SEXUALIDADE: sociopoetizando o
cuidado clnico de enfermagem



Dissertao apresentada ao curso de Mestrado
Acadmico em Cuidados Clnicos em Sade,
da Universidade Estadual do Cear, Centro de
Cincias da Sade, como requisito parcial para
a obteno do grau de Mestre em Cuidados
Clnicos em Sade.
Orientadora: Prof Dra Lia Carneiro Silveira




FORTALEZA - CEAR
2008


2
































DEYSE CARDOSO DE OLIVEIRA
O48m Oliveira, Deyse Cardoso de
A mulher com leso medular e a sexualidade:
sociopoetizando o cuidado clnico de Enfermagem/
Deyse Cardoso de Oliveira __ Fortaleza, 2008.

113 p.; il.

Orientadora: Prof Dr Lia Carneiro Silveira.

Dissertao (Mestrado Acadmico em Cuidados
Clnicos em Sade). _ Universidade Estadual do Cear,
Centro de Cincias da Sade.

1. Enfermagem. 2. Sexualidade. 3. Pesquisa em
Enfermagem Clnica. I. Universidade Estadual do Cear,
Centro de Cincias da Sade. CDD: 610.73



3
A MULHER COM LESO MEDULAR E A SEXUALIDADE: SOCIOPOETIZANDO O
CUIDADO CLNICO DE ENFERMAGEM

Dissertao apresentada ao curso de Mestrado
Acadmico em Cuidados Clnicos em Sade,
da Universidade Estadual do Cear, Centro de
Cincias da Sade, como requisito parcial para
a obteno do grau de Mestre em Cuidados
Clnicos em Sade.
Aprovada em: 04/12/2008

BANCA EXAMINADORA


______________________________________________
Prof Dr Lia Carneiro Silveira
Universidade Estadual do Cear
(Orientadora - Presidente)


______________________________________________
Prof Dra. Ana Ruth Macedo Monteiro
Universidade Estadual do Cear
(Membro Efetivo)


____________________________________________
Dr. Daniel de Paula Lima e Oliveira Lopes
Rede Sarah de Hospitais de Reabilitao
(Membro Efetivo)



Profa. Dr. Sandra Hayde Petit
Universidade Federal do Cear
(Membro Suplente)







4
DEDICATRIA




Maria Divina, minha me, guerreira incansvel nas batalhas dirias da vida, a quem
eu devo tudo que sou e acredito.
A meu pai (Luiz) e irmos (Renato, Deylange e Luizinho) que, sem dvida, alegram a
minha vida mesmo apesar da distncia.
Ao meu marido, Antnio Braga Guilherme, meu amigo, meu amor, grande
companheiro e incentivador nesta caminhada.
A todas as pessoas com leso medular, que nos ensinam a importncia das pequenas
coisas no nosso dia a dia.



























5

AGRADECIMENTOS



A Deus, em primeiro lugar, o Grande Outro da nossa existncia.
Rede Sarah de Hospitais de Reabilitao, em especial aos Ncleos de Direo do
Sarah Braslia e Sarah Fortaleza e respectivos Comits de tica e Cientficos, por
permitirem a realizao deste trabalho.
Universidade Estadual do Cear, especialmente a todo o corpo de professores e
assistentes do Curso de Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos em Sade.
Aos colegas do Programa de Reabilitao do Lesado Medular Adulto, pela
compreenso e incentivo.
s minhas lideranas de Enfermagem pela sempre compreensiva adequao da escala
de trabalho.
Lia Carneiro Silveira, pelo apoio, ensinamentos e amizade ao longo destes quase
dois anos.
Ao amigo, Dr. Daniel de Paula Lima e Oliveira Lopes, por acreditar neste trabalho e
participar dele to ativamente.
Aos amigos, Gelson Silva (e toda a famlia de Paula Aguiar), Cludia Maciel e La
Dias, pelo constante carinho e troca de figurinhas sobre pesquisa.
Miriam Raquel, professora hospitalar e pea fundamental no quebra-cabea das
Oficinas de Produo, que parecia ler meus pensamentos e sempre providenciava to
rapidamente tudo de que eu precisava.
Aos pesquisadores Snia Magalhes e Christian Dunker que to prontamente
responderam meus e-mails e me enviaram material fundamental para o embasamento das
discusses deste trabalho.













6







Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdio da minha vida!
Perdio da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha .

Fases que vo e que vm,
no secreto calendrio
que um astrlogo arbitrrio
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminvel fuso!
No me encontro com ningum
(tenho fases, como a lua...)
No dia de algum ser meu
no dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

(Lua Adversa Ceclia Meireles)









7








Para entender uma mulher preciso mais que deitar-se com ela...
H de se ter mais sonhos e cartas na mesa que se possa prever nossa v pretenso...

Para possuir uma mulher preciso mais do que faz-la sentir-se em xtase
numa cama, em uma seda, com toda viril possibilidade... H de se conseguir faz-la sorrir
antes do prximo encontro

Para conhecer uma mulher, mais que em seu orgasmo, tem de ser mais que amante perfeito...
H de se ter o jeito certo ao sair, e fazer da saudade e das lembranas, todo sorriso...

- O potente, o amante, o homem viril, so homens bons... bons homens de abraos e passos
firmes... bons homens pra se contar histrias... H, porm, o homem certo, de todo instante: O
de depois!

Para conquistar uma mulher, mais que ser este amante, h de se querer o amanh, e depois do
amor um silncio de cumplicidade...
e mostrar que o que se quis menor do que o que no se deve perder.

esperar amanhecer, e nem lembrar do relgio ou caf... H que ser mulher, por um triz e,
ento, ser feliz!

Para amar uma mulher, mais que entend-la, mais que conhec-la, mais que possu-la,
preciso honrar a obra de Deus, e merecer um sorriso escondido, e tambm ser possudo e,
ainda assim, tambm ser viril...

Para amar uma mulher, mais que tentar conquist-la, h de ser conquistado... todo tomado e,
com um pouco de sorte, tambm ser amado!

(PARA ENTENDER UMA MULHER - Carlos Drumond de Andrade )












8
RESUMO

A sexualidade um tema bastante debatido nas ltimas dcadas, uma vez que a expectativa de
vida da populao tem aumentado e com ela a preocupao sobre qualidade de vida. A
assuno de novos papis sociais pela mulher, como sua insero no mercado de trabalho e
com isso o seu reconhecimento em atividades que antes eram conhecidas como
exclusivamente masculinas, despertou o incremento de estudos voltados para a sexualidade
feminina. Neste contexto, um dos fatores que pode interferir sobre a sexualidade a leso
medular, uma grave sndrome potencialmente incapacitante. As alteraes biolgicas no so,
porm, as nicas determinantes da vida das pessoas, pois estas esto marcadas, tambm, pela
simbolizao da linguagem. A partir desta perspectiva, acredita-se ser necessria a
estruturao de um cuidado clnico de enfermagem que considere os aspectos humanos, como
as emoes, o inconsciente e o desejo pela vida. Esta pesquisa objetivou proporcionar a
produo de confetos relacionados sexualidade a partir da perspectiva da mulher com leso
medular. Trata-se de um estudo qualitativo, no qual foi utilizada a abordagem sociopotica.
Os resultados apontam para a diversidade de confetos que envolvem vrias dimenses da
sexualidade e vo alm da perspectiva biolgica e, notadamente, ultrapassam as provveis
limitaes geradas pela leso medular no caminho de ser mulher. Foram compostas categorias
que revelaram, entre outros aspectos, simbolismos associados ao sexo, relaes afetivas antes
e aps a leso medular, maternidade e relaes com o corpo. Almeja-se contribuir para a
construo de um conceito de cuidado clnico que supere os limites do cuidado altrusta.
Acredita-se que a equipe interdisciplinar e o paciente, inseridos no processo de reabilitao,
tm muito a ganhar quando se dispem a transpor as aulas expositivas e se permitem
oportunizar espaos para o planejamento de um atendimento individualizado e baseado na
escuta do sujeito. So necessrios mais estudos que abordem o sujeito e sua escuta como
centro do cuidado e no apenas suas queixas e protocolos de como resolv-las.


Palavras-chave: Enfermagem, Sexualidade, Assistncia Centrada no Paciente, Pesquisa em
Enfermagem Clnica, Sade da Mulher.





















9

ABSTRACT
Sexuality has been a widely debated topic in recent decades, due in part to the fact that the life
expectancy of the population has increased and, consequently, so has the concern for life
quality. The assuming of new social roles for womensuch as their insertion into the labor
market and, along with that, their recognition in activities that were previously known to be
exclusively malehas awakened the development of studies aimed at female sexuality. In
this context, one of the factors that can interfere with sexuality is spinal cord injury: a severe,
potentially disabling syndrome. The biological changes, however, are not the only
determinants of peoples lives, because such are also marked by the symbolization of
language. From this viewpoint, it is believed that a structuring of clinical nursing care is
necessary in order to consider the human aspects such as emotions, the unconscious, and the
desire for life. The aim of this research was to provide the production of confects (concepts
+ affects) related to sexuality from the perspective of women with spinal cord injury. This is a
qualitative study, in which the Social Poetic approach was used. The results indicate the
diversity of the confects that involve several dimensions of sexuality and go beyond the
biological perspective and, most notably, beyond the likely limitations generated by spinal
cord injury on the path of womanhood. Categories were composed that revealed, among other
things, symbolism related to sex, affective relationships before and after spinal cord injury,
motherhood, and relations with ones body. This work aimed to contribute to constructing a
concept of clinical care that exceeds the limits of altruistic care. It is believed that the
interdisciplinary team and the patientinserted into the rehabilitation processhave much to
gain when they are willing to transpose expositive classes and allow themselves to nurture
spaces for the planning of individualized care based on listening to the subject. Further studies
are needed that approach the subjects (and listening to the subjects) as the center of
healthcare, and not just their complaints and the protocols on how to resolve them.

Key-words: Nursing, Sexuality, Patient-Centered Care, Clinical Nursing Research, Women's
Health.











10

RESUMEN
La sexualidad es un tema muy debatido en las ltimas dcadas, ya que la expectativa de vida
de la poblacin ha aumentado y con ella la preocupacin sobre la calidad de vida. La
asuncin de nuevos roles sociales por la mujer, as como su insercin en el mercado de trabajo
y con ello su reconocimiento en actividades que antes eran conocidas como exclusivamente
masculinas, despert el incremento de estudios dirigidos a la sexualidad femenina. En este
contexto, uno de los factores que puede interferir sobre la sexualidad es la lesin medular, un
grave sndrome potencialmente incapacitador. Las alteraciones biolgicas no son, sin
embargo, las nicas determinantes de la vida de las personas, pues estas estn marcadas,
tambin, por la simbolizacin del lenguaje. A partir de esta perspectiva, se cree necesaria la
estructuracin de un cuidado clnico de enfermera que considere los aspectos humanos, como
las emociones, el inconsciente y el deseo por la vida. Esta investigacin tuvo como objetivo
proporcionar la produccin de confetos relacionados a la sexualidad a partir de la perspectiva
de la mujer con lesin medular. Se trata de un estudio cualitativo, en el cual se utiliz el
abordaje socio-potico. Los resultados indican la diversidad de confetos que implican varias
dimensiones de la sexualidad y van ms all de la perspectiva biolgica y, notoriamente,
ultrapasan las probables limitaciones generadas por la lesin medular en el camino de ser
mujer. Fueron compuestas categoras que revelaron, entre otros aspectos, simbolismos
asociados al sexo, relaciones afectivas antes y despus de la lesin medular, maternidad y
relaciones con el cuerpo. Se busca contribuir a la construccin de un concepto de cuidado
clnico que supere los lmites del cuidado altruista. Se cree que el equipo interdisciplinario y
el paciente, inseridos en el proceso de rehabilitacin, tienen mucho que ganar cuando se
disponen a transponer las clases expositivas y se permiten dar la oportunidad a espacios para
la planificacin de una atencin individualizada y basada en la escucha del sujeto. Son
necesarios ms estudios que aborden al sujeto y su escucha como centro del cuidado y no
solamente sus quejas y protocolos de como resolverlas.


Palabras-clave: Enfermera, Atencin Dirigida al Paciente, Investigacin en Enfermera
Clnica, Salud de la Mujer.














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LISTA DE FIGURAS



FIGURA 1 - Como compreender as mulheres .................................................................... 18
FIGURA 2 O corpo coletivo produzido pelo grupo-pesquisador .................................... 63
FIGURA 3 - A colcha de retalhos produzida pelo grupo-pesquisador .............................. 75
FIGURA 4 - Les Amants ..................................................................................................... 86




















12

SUMRIO


LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................ 11
1 FEMINILIDADE, SEXUALIDADE E LESO MEDULAR: o que se inscreve nesse
corpo?................................................................................................................................. 14
2 REVISO DE LITERATURA....................................................................................... 20
2.1 A MULHER E A SEXUALIDADE ............................................................................. 20
2.2 LESO TRAUMTICA DA MEDULA ESPINHAL ................................................ 28
2.3 SEXUALIDADE FEMININA E LESO MEDULAR ............................................... 31
2.4 CONSTRUINDO O CONCEITO DE CUIDADO CLNICO DE ENFERMAGEM 38
3 REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO: os caminhos escolhidos................ 48
3.1 TIPO DE ESTUDO...................................................................................................... 48
3.2 LOCAL DO ESTUDO................................................................................................. 49
3.3 SUJEITOS DO ESTUDO............................................................................................ 50
3.4 BASES TERICAS DA SOCIOPOTICA................................................................ 50
3.5 OPERACIONALIZAO DA PESQUISA: o mtodo do grupo-pesquisador ......... 54
3.6 ASPECTOS TICOS................................................................................................... 58
4 PRIMEIRA OFICINA DE PRODUO DE DADOS: construindo um corpo coletivo
uma mulher com duas cabeas ....................................................................................... 59
4.1 CATEGORIZAO DO CORPO COLETIVO ........................................................ 59
4.2 TRANSVERSALIZAO DO CORPO COLETIVO............................................... 70
4.3 ANLISE DA PRODUO PLSTICA ................................................................... 73
5 SEGUNDA OFICINA DE PRODUO DE DADOS: produzindo com os sentidos
uma colcha de retalhos....................................................................................................... 74
5.1 CATEGORIZAO DA COLCHA DE RETALHOS............................................... 74
5.2 TRANSVERSALIZAO DA COLCHA DE RETALHOS...................................... 82
5.3 ANLISE DA PRODUO PLSTICA ................................................................... 85
6 OFICINA DE ANLISE-EXPERIMENTAO: anlise do grupo-pesquisador....... 86


13
7 OFICINA DE CONTRA-ANLISE: o discurso do grupo-pesquisador....................... 90
8 ANLISE FILOSFICA: confetualizado os conceitos e conceitualizando os confetos92
9 CONSIDERAES FINAIS: e assim comea o fim..................................................... 99
REFERNCIAS............................................................................................................... 102
APNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO......... 111
ANEXO A TERMO DE APROVAO DA PESQUISA ........................................... 113























14
1 FEMINILIDADE, SEXUALIDADE E LESO MEDULAR: o que se inscreve nesse
corpo?

A feminilidade um conceito que tem sido discutido h dcadas. Vrios autores
tm se empenhado em resolver esse enigma. Birman (1999) afirma que ela pode ser
condensada em duas palavras: aventura e enigma. De fato, apesar de tantos estudos, no h
consenso geral.
O que dizer, por exemplo, de um ser humano com todas as caractersticas
biolgicas de um homem e que se sente uma mulher presa no corpo de um homem? Podemos
dizer que menos mulher que qualquer outra com a anatomia feminina?
Exatamente por isso, comeamos nosso texto constituindo-o com a palavra
feminilidade e no exatamente com a palavra mulher. A diferena entre os sexos, na verdade,
implica em diferentes caractersticas, de acordo com o olhar que lanado. Para a biologia e o
registro civil, a anatomia determinante; para Freud e Lacan, na psicanlise, embora com
algumas diferenas de conceito, a postura diante da busca do falo, das conquistas flicas
(poder, domnio sobre as coisas e sobre os outros) que define a postura masculina ou feminina
diante da vida (SOLER, 2005).
Em complementaridade aos conceitos de Freud e Lacan, neste estudo, abordamos
o conceito de feminilidade entendido por Birman (1999) como sendo a singularidade do
sujeito e as suas escolhas especficas, uma postura voltada para o particular, o relativo e o
no-controle sobre as coisas. esse sujeito, essa feminilidade, que nos interessa. Mas antes de
tudo h que se entender que sujeito esse.
Em cada cultura, alm das religies e da historicidade, h sempre a necessidade de
um salvador ante o desamparo, que seja tambm causa e garantia da existncia humana, o
grande Outro, chamado Deus. Lacan, muitas vezes, situa o Outro como sendo a me, ao se
referir experincia das crianas (FINK, 1998; MAGALHES, 2004).
Mas comecemos do princpio acompanhando o raciocnio de Fink (1998). Mesmo
antes de uma criana nascer, existe um desejo dos pais em relao a este filho (o desejo no
equivalente a uma vontade de ter filhos e pode inclusive ser uma no-vontade) que prepara e
antecede sua chegada. As motivaes para se ter filhos funcionam de uma forma muito direta,
como causadoras da presena fsica da criana no mundo. Assim o sujeito existe por causa do
desejo do outro. Vemos aqui a alienao pelo desejo.


15
Logo aps o nascimento a criana ainda no assimilou a linguagem, no consegue
se expressar por palavras e chora. Os pais, por sua vez, traduzem este choro em palavras, ou
seja, o sentido do choro dado pelas pessoas que cuidam do beb, e a partir desta linguagem
que vai ser interpretado como frio, dor, fome ou outra significao qualquer. Assim, a criana
obrigada a fazer uso dos significantes do Outro, a fim de expressar seus desejos em
palavras. Estes podem no corresponder necessariamente s suas demandas especficas, pois
so moldados pela linguagem do Outro. Vemos agora a alienao pela linguagem.
Lacan nos mostra que os porqus interminveis das crianas, na verdade, no
so meras curiosidades, mas sim sua preocupao em compreender que posio ocupam, que
importncia tm para seus pais, o que permanece no desejo do Outro, o que falta ao Outro.
Esse desejo comea a funcionar como causa do desejo da criana. Assim, Para Fink (1998), a
linguagem permeada pelo desejo e este inconcebvel sem a linguagem.
A fala utilizada pelo sujeito para decodificar o mundo. As primeiras
simbolizaes proporcionam s crianas um novo recurso para dar o salto da fronteira de seus
domnios e para aprender a obter prazer diante da angstia que a ausncia da me produziu
(MAGALHES, 2004, p. 22).
De acordo com a teoria lacaniana, a linguagem permite que o desejo se realize, e
ao mesmo tempo, possibilita desejar e no desejar a mesma coisa, e desejarmos mais quando
conseguimos o que pensvamos desejar e assim sucessivamente. linguagem, como estrutura
significante que permite ordenar a subjetividade e a constituir a realidade discursiva do ser
falante, Lacan identificou como o Outro primordial (FINK, 1998; MAGALHES, 2004).
A essa cadeia de significantes como palavras, fonemas e letras constituintes da
linguagem, Lacan chamou de inconsciente. O inconsciente o discurso do Outro, na medida
em que as opinies e desejos de outras pessoas so simbolizadas por meio das palavras para
fluir at ns (FINK, 1998).
Desta forma,
O sujeito dividido entre o eu e o inconsciente, entre consciente e inconsciente,
entre um sentido inevitavelmente falso do self e o funcionamento automtico da
linguagem (a cadeia de significante) no inconsciente. O sujeito no seno essa
prpria diviso, sujeito fendido, sujeito dividido, sujeito barrado ($). A clivagem do
Eu em eu (falso self) e inconsciente gera uma superfcie num certo sentido com
dois lados: um que exposto e um que escondido (FINK, 1998, p. 66-67).
Na releitura que Lacan faz da obra freudiana, a sexualidade seria algo da ordem da
fala e da linguagem. O corpo estaria inscrito pelo erotismo desde o momento em que a me


16
toca o filho com os objetivos mais bsicos, como o de realizar a higiene de seu corpo. Sendo
assim, a exigncia biolgica da reproduo at poderia seria ser decorrncia do ato sexual,
mas no seria sua nica causa (BIRMAN, 1999).
Em nosso estudo, este corpo est, tambm, inscrito, marcado, pela leso medular.
A leso da medula espinhal uma das mais graves sndromes incapacitantes pelo fato deste
rgo ser um centro regulador de importantes funes do corpo, como respirao, circulao,
bexiga, intestino, controle trmico e atividade sexual (GIANINI, CHAMLIAN, ARAKAKI,
2006).
Sua importncia expressa na populao por meio de dados epidemiolgicos
apresentados em vrios estudos. Marotta (2002) cita dados dos Estados Unidos onde afirma
que a leso da medula espinhal atinge cerca de 30 a 40 pessoas por milho. O Censo
Demogrfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE em 2000
mostrou que naquele ano, havia 955.287 pessoas com paraplegia, tetraplegia ou hemiplegia,
dos quais 48.332 estavam no estado do Cear (IBGE, 2002).
Entre as vrias alteraes em conseqncia da leso medular, a literatura cita a
importncia das relativas funo sexual (PRANDINI, FERNANDES, TELLA JR 2002;
FALAVIGNA, 1997; ALVES, GUEDES, ALVES, 1999; GONDIM, OLIVEIRA, RLA,
1998). Estas podem ocorrer em qualquer etapa da funo sexual: ereo, ejaculao,
lubrificao vaginal e orgasmo e esto diretamente ligadas ao nvel da leso e/ou disfuno
neurolgica e tm ntima relao com o estado psicolgico (FARO, CAMPEDELLI, 1991;
GONDIM, OLIVEIRA, RLA, 1998).
Assim, o tema da sexualidade est diretamente relacionado promoo da sade e
o bem-estar da pessoa com leso medular, devendo ser contemplado no processo de
reabilitao, sendo, portanto, de grande interesse para estudos por parte dos enfermeiros.
A sexualidade pode ser entendida como uma dimenso pessoal e humana que
supera os limites do impulso genital e avana para um aspecto profundo da personalidade,
presente desde a concepo at a morte e inclui tudo o que se e o que se faz, inter-
relacionada de forma inseparvel os papis biolgico, psicolgico e social (MELO,
CARVALHO, PEL, 2006).
Entre os ramos da cincia que se ocupam do cuidado com o corpo est a
enfermagem. Desde Florence Nightingale, na segunda metade do sculo XIX, um marco da
enfermagem moderna, o enfermeiro lana mo de sua subjetividade sobre o cuidado com o
corpo. Entretanto, devido forte ligao desta com a prtica religiosa, relacionada ao contexto


17
histrico, o idealismo da poca pregava a negao do desejo e no se podia trabalhar com a
subjetividade. Desta forma, o cliente no participava do seu cuidado, pois de acordo com a
perspectiva positivista, o saber tcnico-cientfico era insupervel (TEIXEIRA, FIGUEIREDO,
2001).
Contudo, ao longo dos sculos, vrios movimentos surgiram com o objetivo de
romper este modelo. Outros saberes foram construdos considerando diversos aspectos do ser
humano, como as emoes, o inconsciente e o desejo pela vida. Assim, o enfermeiro buscou
um papel que fosse no somente aquele de higienista e controlador da organizao das
instituies e passou a se importar com a subjetividade e as vivncias do sujeito. Na esfera da
subjetividade no se pode esquecer do desejo (TEIXEIRA, FIGUEIREDO, 2001). E este,
entre seus vrios aspectos, envolve a sexualidade.
Gomes (2007) afirma que a sexualidade influencia de forma importante a
qualidade de vida do cidado, pois no um aspecto isolado de suas vidas. Ressalta, tambm,
que ela constantemente construda por meio da interao entre os sujeitos e as estruturas
sociais vigentes no se restringindo apenas a uma viso biolgica.
Nesta perspectiva, na ateno pessoa com leso medular a sexualidade se faz
importante objeto de estudo, tanto quanto o dos cuidados com as condies fsicas como a
avaliao das funes vsico-intestinais, os cuidados com a pele, entre outros. Assim,
importante que o enfermeiro tenha conhecimento do universo subjetivo de seu cliente, o que
ele considera importante para seu cuidado com o corpo em suas vrias dimenses.
Ao procurar um servio de sade, a pessoa com leso medular se apresenta com
todas as suas alteraes: lceras por presso, infeces urinrias, problemas relacionados
hipotenso, incontinncias e, tambm, aqueles relacionados vivncia da sua vida sexual
(GARCIA, 1993; FARO, 1995; GONDIM, OLIVEIRA, RLA, 1998). Entretanto, no
comum os profissionais de sade lidar com as questes da sexualidade (SUAID et al, 2002).
Embora se saiba que o relacionamento sexual estimula e constri a auto-estima, a
capacidade fsica no deve ser totalmente responsabilizada pela vivncia sexual de uma
pessoa. H influncia, tambm, de fatores muito importantes como a desinformao, que pode
deixar a pessoa vulnervel em seu processo de relao com a imagem corporal, auto-estima e
identidade sexual (ALVES, GUEDES, ALVES, 1999; FARO, CAMPEDELLI, 1991;
SIECZKOWSKI, 1998; FEROLLA, LOURENO, 1996).
Cada pessoa deve ser considerada em sua experincia de vida nica e o
profissional de sade deve incentiv-la a ter maior poder de interveno nas relaes sociais


18
que influenciam a qualidade de sua vida, obtendo papel ativo e transformador da realidade em
que vive. Isto, nada mais que promover a sade (RIOS et al, 2007).
Minha convivncia diria com pessoas com leso medular no Centro de
Reabilitao Sarah Fortaleza possibilitou-me conhecer um pouco do cotidiano das mesmas,
bem como de suas preocupaes e anseios. Estou nesta Instituio desde fevereiro de 2002.
Em julho do mesmo ano iniciei meu trabalho no Programa de Reabilitao do Lesado
Medular. Um programa destinado a atender pessoas com leso medular seja ela traumtica ou
no. Chamou-me bastante ateno a fala das mulheres apresentando suas angstias
relacionadas s questes voltadas sexualidade aps este tipo de leso.
A partir desta motivao, passei a estudar a temtica e me inseri no grupo de
orientao sexual do Programa do Lesado Medular em 2004. Atualmente, este grupo ocorre
quinzenalmente, homens separados das mulheres, e tem como objetivo realizar orientaes
gerais sobre a neurofisiologia reprodutiva alm de proporcionar um espao para reflexo
sobre a sexualidade e sua relao com a leso medular. Os depoimentos, em geral,
corroboram com a literatura discutida anteriormente na medida em que as mulheres
confirmam que este tema no havia sido abordado nas instituies por onde passaram
anteriormente e que, algumas vezes, seus prprios familiares consideram um ato de violncia
a aproximao sexual aps a leso medular. As mulheres relatam se sentirem excludas destas
questes. Com a participao no grupo, meu interesse pelo tema aumentou cada vez mais.
Nesta perspectiva, a relevncia deste estudo est em almejar despertar o
enfermeiro reabilitador para a importncia de conhecer como a mulher com leso medular se
percebe em relao vivncia de sua sexualidade. Este conhecimento pea fundamental no
processo de reabilitao, pois subsidia o planejamento de atendimentos e orientaes que
podem contribuir efetivamente para a melhoria da qualidade de vida destas pessoas. A
assuno crtica das reflexes sobre esta temtica pode permitir, ainda, que a mulher se
aproprie, ainda mais de seus potenciais, deixando de ter um papel de paciente/passiva e
assumindo-se como agente do seu prprio cuidado.
Desta maneira, rompe-se o paradigma da verticalizao do profissional de sade
em relao a seu cliente, onde o primeiro planeja as aes e o segundo somente as recebe e
executa, sem em nada contribuir e/ou questionar. Este passa a ter papel ativo fundamental em
seu processo de sade e reabilitao, participando e contribuindo com o mesmo. Da a
importncia de saber no s o que a literatura estritamente cientfica e neurolgica expe e
recomenda, mas tambm, saber quais os sentidos, conceitos e afetos que a mulher com leso


19
medular produz sobre o tema. Acredita-se que se sentindo parte do processo, ela estar mais
envolvida nele.
Um outro aspecto a considerar que, na prtica cotidiana, de modo geral, vemos
as pessoas com idias prontas sobre a pessoa com leso medular. Acreditam-nas incapazes
para desenvolver atividades ditas normais, como estudar, trabalhar e se relacionar afetiva e
sexualmente. Mas, no universo dessa pessoa isto pode acontecer de forma bastante diferente.
Como pudemos perceber com a discusso introduzida por Lacan, a experincia do corpo no
se resume ao biolgico e cada sujeito, fazendo uso de sua insero na linguagem, se situa de
formas diferentes em relao ao que lhe acontece e marca.
Assim, surgiu a questo desta pesquisa: Quais os confetos
1
produzidos, acerca da
sexualidade, por mulheres com leso medular?
Deste modo, traamos como objetivo geral deste estudo fazer emergir a produo
de confetos relacionados sexualidade a partir da perspectiva da mulher com leso medular.
E como objetivos especficos: 1) proporcionar um espao que favorea s mulheres com leso
medular refletirem acerca das questes relacionadas sexualidade, 2) identificar os confetos
produzidos pelo grupo-pesquisador correlacionando-o com o saber cientfico tradicional
acerca do tema, 3) refletir sobre a contribuio dos confetos produzidos na promoo do
cuidado clnico de enfermagem.










1
conceitos produzidos pelo grupo- pesquisador os quais se distinguem do senso comum por dar-se na
composio de um plano de consistncia onde conceitos e afetos se misturam, traando linhas de
desterritorializao e configurando a realidade de novos desejos.(GOMES et al, 2008).


20
2 REVISO DE LITERATURA


2.1 A MULHER E A SEXUALIDADE



Figura 1: Como compreender as mulheres.
Fonte: http://comidanapedra.blogspot.com/2005/03/como-compreender-as-mulheres.html

Este Sherman, um cartoon elaborado por Jim Toomey
(http://www.slagoon.com/) espalhado em tirinhas pelo mundo inteiro. Aqui podemos ver
Sherman, o personagem principal, com sua mulher Megan. Eles vivem no lago Kapupu, do
atol de mesmo nome que fica na Micronsia.
Esta tirinha j correu o mundo como uma explicao de como compreender as
mulheres e, apesar de no nos dar uma resposta objetiva, j adianta as complicaes com as
quais nos deparamos ao tentar abordar o tema.
Soler (2005. p.30) nos diz que a mulher uma inveno da cultura histrica,
que muda de feio conforme as pocas, dela tudo pode ser dito, mas no sentido de
qualquer coisa: sempre haver um exemplo possvel e uma multido de exemplos contrrios.
Originais, por definio (SOLER, 2005, p. 41).
H algumas perguntas que povoam o imaginrio: o que uma mulher? O que quer
uma mulher?


21
Uma imagem famosa de mulher Eva, mulher de Ado. de conhecimento geral
que ela foi retirada da costela do homem para fazer-lhe companhia, ou seja, para servi-lo.
Porm, ela se mostrou uma figura perigosa, pois seduziu Ado a comer do fruto proibido, o
que lhes valeu a expulso do paraso. Esta origem feminina passa a idia de que a mulher
pode ser assustadora e talvez isso explique o empenho dos homens ao longo da histria em
domin-la.
Outra imagem de mulher que podemos tomar como exemplo a da teoria de
Galeno, no incio da era crist. Para ele, a mulher tinha o aparelho genital anlogo ao do
homem e seus rgos guardavam correspondncia estrita. O que os diferia era a interioridade
corporal dos rgos sexuais femininos e a exterioridade dos masculinos, pois estes tinham o
calor mais intenso presente. Mas no havia diferena de essncia. Se a Mulher tivesse sua
intensidade de calor aumentada ela poderia vir a ser um homem, considerado a materializao
da perfeio sexual. Porm, o inverso no seria possvel, pois seria uma soluo impensvel
na ordem csmica da hierarquia entre os seres (BIRMAN, 1999).
Dando um salto na histria, do incio da era crist para o perodo colonial,
observamos que ao longo dos anos se delineou uma ntida distino de papis sexuais. Ao
homem cabia: controlar a vida da mulher como se fosse sua propriedade, determinando o que
seria desempenhado por ela e sustentar a famlia. mulher cabia: procriar, ser dona de casa,
administrar tarefas dos escravos, educar os filhos do casal, prestar servios sexuais ao marido,
ou seja, ser totalmente dominada pelo homem submetendo-se aos seus interesses. Porm, esta
mulher da qual falamos a mulher branca, residente nas casas senhoriais. Os modelos de
corpo atendiam aos interesses capitalistas estabelecendo diferenas significativas. mulata
era associada imagem sensual no seu modo de andar, de sorrir e de fazer carinhos nos
senhores brancos melhor que suas esposas. As esposas, por sua vez, no tinham o direito de
receber educao sexual antes do casamento e nem tampouco lhes era permitido exercer
atividades intelectuais, pois os mdicos acreditavam existir uma estreita relao entre o tero
e o sistema nervoso central. Assim, a atividade intelectual feminina poderia gerar crianas
doentes e malformadas. O homem no corria tal risco, por isso a atividade intelectual lhe era
incentivada (BORIS; CESDIO, 2007).
A supresso da atividade intelectual feminina pode ser vista tambm na arte,
campo onde, novamente, o olhar masculino dominante (LOPONTE, 2002). O desenho
natural com modelo nu foi a base do ensino acadmico e da representao na Europa do
sculo XVI ao XIX. Por isso, embora os nus femininos fossem presena constante naquela


22
poca, isso no queria dizer, em momento algum, que os homens se preocupavam em retratar
a sexualidade feminina ou a mulher como um sujeito com vontade prpria. Ao contrrio, as
mulheres apareciam em bordis, sendo retratadas como prostitutas e amantes. A mulher artista
no tinha direito a este ensino. Deveria se contentar com obras consideradas de menor valor
artstico como representao de pinturas de interiores e naturezas-mortas. Era incentivada a
arte apenas se ela estivesse moldada pelo contexto domstico (LOPONTE, 2002).
As mulheres no eram inseridas no rol dos grandes artistas, ao contrrio, eram
sempre apndice de algum. E quando os crticos no conseguiam diminuir o valor de sua
obra argumentavam que se tratava de obra falsa (LOPONTE, 2002).
A diferena dos modos de enxergar a nudez feminina na arte pode ser vista
claramente a partir de dois exemplos. O primeiro, a partir de um tema bastante retratado no
Renascimento, SUSANA E OS VELHOS. Na obra de Tintoretto (1518-1594), a mulher est
nua sendo observada por dois homens. Assume uma posio passiva, resignada, revelando
uma quase cumplicidade provocativa, prestes a ser dominada. Na obra de Artemisia
Gentileschi (1593-1652), Susana no se mostra passiva, provocativa, mas assume uma postura
de horror (LOPONTE, 2002).
O outro exemplo se refere ao casal Rodin e Camille Claudel na representao do
amor ertico. Na obra, O beijo (1880-1889), de Rodin, o homem domina o beijo, se
apoderando do desejo da mulher. Por outro lado, na escultura Abandono, Vertumno e Pomona
e Sakountala (1905), de Claudel, o homem est ajoelhado diante da mulher e esta retribui o
desejo ertico com um beijo. Os corpos femininos esculpidos por Claudel so desejantes e
no simples objetos do prazer masculino (LOPONTE, 2002).
Porm, o erotismo foi subjugado pela religio crist, sendo desqualificado em
favor da cristandade. O erotismo seria regulado, ento, pela reproduo e ideais de amor
familiar para que o homem no incorresse em pecado (BIRMAN, 1999).
Paralelo a este contexto, surgiu a psicanlise que definiu a sexualidade pelos
atributos do prazer e do gozo, ou seja, trouxe cena o erotismo dos corpos, sendo eles
masculinos ou femininos (BIRMAN, 1999, p. 21).
Nesta perspectiva, surge outro enigma, o da diferena sexual. J se nasce homem
ou mulher? Ou h alguma condio que produza homens e mulheres? Recorreremos aos
estudiosos de Freud, criador da psicanlise, para tentar entender como este organizou suas
idias.


23
Soler (2005) nos resume que, para Freud, a identidade do sujeito diretamente
ligada ao falo. O homem tem-no e tem medo de perd-lo, a mulher, no o tem, mas tem
vontade de t-lo. Mas o que o falo?
Rocha (2002) considera este, exatamente, um dos problemas da teoria de Freud. O
autor considera que Freud no conseguiu fazer uma distino rigorosa entre o falo e o pnis. E
isto teria comprometido sua teoria ao concentr-la na diferena biolgica. O autor considera,
ainda, que a mulher freudiana era um homem mutilado, inferiorizada pela civilizao
patriarcal e pelo discurso masculino, pontos que Freud, embora um vanguardista, no
considerou.
Freud desenvolveu sua teoria da diferena sexual e da feminilidade em torno do
mito do amor de dipo. Para a menina, a fase foi dividida em duas etapas: 1) na primeira,
semelhante ao dipo masculino, a me o objeto de amor da menina e sua zona ergena o
clitris; 2) na segunda, o pai passa a ser objeto de amor e a vagina a zona ergena. Esta
mudana de objeto de amor estaria diretamente relacionada identificao da menina e da
me como seres castrados, destitudos de pnis. Ao perceber ter sido colocada no mundo pela
me sem pnis, a menina culpa-a e desvaloriza-a, podendo ser levada a trs destinos
possveis: a neurose e a inibio sexual, a virilidade feminina e a maternidade. Esta troca de
objeto era considerada por Freud um ponto fundamental, pois aspirando ao amor de um
homem ela alcanaria o nico caminho seguro para a feminilidade, a maternidade (FREUD,
1905; BIRMAN, 1999; UTCHITEL, 2005; DUARTE, EGUCHI, 2007; FARIA, 2004).
Soler (2005) acrescenta que, at mesmo no casamento, Freud considerava que ele
s seria seguro se a mulher assumisse a postura de ser me do seu marido, pois no havia
salvao para a mulher fora do casamento. Fora dele ela estaria sujeita inibio sexual da
neurose ou perverso ou alimentaria a pretenso de ter o falo e ser como um homem
(BIRMAN, 1999).
O prprio Freud reconhecia as limitaes de sua teoria:
Isto tudo o que tinha a dizer-lhes a respeito da feminilidade. Certamente est
incompleto e fragmentrio, e nem sempre parece agradvel. Mas no se esqueam
de que estive apenas descrevendo as mulheres na medida em que sua natureza
determinada por sua funo sexual. verdade que essa influncia se estende muito
longe; no desprezamos, todavia, o fato de que uma mulher possa ser uma criatura
humana tambm em outros aspectos. Se desejarem saber mais a respeito da
feminilidade, indaguem da prpria experincia de vida dos senhores, ou consultem
os poetas, ou aguardem at que a cincia possa dar-lhes informaes mais
profundas e mais coerentes (FREUD, 1932, p.165).


24
No podemos esquecer que Freud viveu numa poca em que o discurso era
patriarcal e a sociedade, dominada pelos homens. Se a maternidade era considerada a sada e
nico caminho seguro para a feminilidade, a mulher feminina era a mulher-me.
Neste sentindo recorremos ao pensamento de Birman (1999) para entender como
funcionava a sociedade da poca. Ele utiliza a figura de Carmem, no contexto original de
Bizet
2
. Carmem era uma prostituta, com disposio de mulher fatal que caminha de cabea
erguida para a Plaza de Toros. Neste contexto, a seduo feminina foi considerada atributo
negativo, pois era exatamente o oposto da figura da me, signo do perigo para a ordem
familiar e social, da esposa casta e fiel. Esta Carmem era marcada pelo egosmo, infidelidade
e ausncia de castidade. Era a materializao da inexistncia da decncia feminina.
Esta figura se inscrevia num papel social absolutamente definido como aquela
que poderia oferecer ao macho a centelha de paixo e de erotismo que inexistiam no universo
domstico do lar (BIRMAN, 1999, p. 88). Assim, foi necessrio disciplinar a prostituio,
medicalizando-a e destituindo-a de periculosidade na medida em que poderia satisfazer a
volpia masculina sem disseminar as doenas venreas (BIRMAN, 1999).
Sem poderes sociais, Carmem utilizava os atributos do seu corpo e a promessa das
delcias para transformar o homem numa presa capturada, que depois de seduzido seria
descartado e desprezado. Nesse modelo, de seduo por seduo, este atributo se apresenta
numa construo anti-ertica. Birman (1999) considera este tipo de seduo como um ato de
morte do sujeito desejante. E esta figura feminina era a mulher-homem movida pelo poder e
pelo domnio. E por isso mesmo, durante anos, a seduo foi vista como uma marca
pejorativa da virilidade da mulher.
Avanando para final do sculo XIX, observamos o incio do declnio do sistema
patriarcal no Brasil. As primeiras escolas normais foram criadas e criticadas por aqueles que
se mostraram contra a profissionalizao da mulher. O feminismo ganhou fora nos sculos
XIX e XX. Surgiram novas profisses ligadas ao incio da industrializao e o sistema
patriarcal perdeu fora para o capitalismo (BORIS; CESDIO, 2007).
No capitalismo, mais uma vez, os corpos foram submetidos a uma dominao no
campo sexual. O corpo era considerado meio para a produo industrial e no interessava aos
donos de indstrias que houvesse a liberdade sexual, pois a represso sexual era uma forma de
medir poder e preservar o corpo para o trabalho (FOUCAULT, 2006a).

2
Georges Bizet escreveu a pera Carmen, com estria mundial em 1875, na pera Comique, em Paris.


25
A vontade de recrutar e dominar corpos para o trabalho fez com que a mulher
pudesse ter a oportunidade de ter acesso ao mercado de trabalho e aos meios de produo,
podendo se desenvolver como profissional. Assim, obteve conquistas que antes eram
consideradas masculinas: teve reconhecida sua capacidade intelectual, desenvolveu pesquisas
cientficas e cursou mestrado e doutorado; pde contribuir nos gastos financeiros da famlia,
e, algumas vezes, exerceu sozinha o papel de chefe familiar (BORIS; CESDIO, 2007).
Em meio a essas transformaes scio-polticas, no incio da dcada de cinqenta,
eis que surge uma nova abordagem acerca da feminilidade a partir do pensamento de Jacques
Lacan. Nele ressurge com vigor a perspectiva falocntrica freudiana como organizador central
da sexualidade e do desejo. Alm disto, o pensamento de Lacan destaca a importncia do
Outro, que pode ser aproximado do contexto do complexo de dipo, deixando sua marca na
posio a ser adotada por qualquer sujeito no exerccio da sexualidade (DUNKER, 2004;
UTCHITEL, 2005).
Lacan fez uma releitura da teoria da freudiana e resignificou o falo, como aquilo
que representa a falta, um significante, do desejo e do gozo, o resto inconcludo de uma
imagem. Com ele, surgiu a idia de que o falo no o pnis, mas o valor simblico atribudo
a ele e, por extenso, erotizao do corpo. O falo, como representante da falta, rene sob si o
tema da castrao quer como perda de amor, quer como angstia (DUNKER, 2004, p 121).
Como todo significante, o falo tem lugar no discurso do Outro.
A linguagem assume papel importante na diferena sexual, pois a partir do
momento em que algum significantizado e chamado de menino ou menina d-se o primeiro
passo, embora no definitivo, para um tornar-se homem e um tornar-se mulher (SOLER,
2005). Assim como em Freud, a sexualidade e identificao sexual, aqui chamada de
sexuao, so submetidas funo flica em seus pensamentos iniciais.
Entretanto, com o seguimento de seus estudos Lacan percebeu que a sexualidade
feminina e masculina funcionam a partir de lgicas internas diferentes. Acompanhemos o
raciocnio de Dunker (2004) sobre a sexualidade masculina tecida por Lacan.
A lgica da sexualidade masculina, por exemplo, define-se por uma
contradio entre a exceo e universalidade: (a) Existe um homem que no est
submetido castrao. (b) Todos os homens esto submetidos castrao. [...] A
exceo no apenas confirma, mas constitui a regra. O conjunto dos homens
assim um conjunto consistente (Dunker, 2004, p. 124).


26
Aqui vemos o mito de que pelo menos um homem escapa castrao, o pai real,
do tempo antes da linguagem, que tem acesso a todas as mulheres. A masculinidade vive,
assim, a lgica da incompletude, do extremo da impotncia ao donjuanismo.
Para a sexualidade feminina:
O conjunto formado pela mulher um conjunto inconsistente, no um conjunto
incompleto. Isso porque a forma de gozo em questo, neste caso, no se limita ao
gozo comandado e organizado pelo falo. H, na sexualidade feminina, um gozo
suplementar, ou seja, um gozo que no completa aquilo que estava faltando,
segundo a lgica masculina, mas que vem a mais, vem como suplemento. Isso
ocorre porque a sexualidade feminina est no-toda submetida ao falo. (a) No toda
mulher est submetida castrao . (b) No existe mulher que no esteja submetida
castrao (DUNKER, 2004, p. 125).
Nesta perspectiva, o falo perde o status de ordenador nico da sexualidade, pois
ele necessrio, mas no todo suficiente para se pensar a sexualidade feminina. Assim, nem
toda sexualidade flica. A sexualidade feminina no toda inscrita pelo falo e existe uma
falta prpria, peculiar ao sujeito feminino. Esta falta, Barbieri (1996) nos diz que Lacan
considerou como irrepresentvel. Ou seja, de um lado, a mulher est submetida falta flica,
de outro, falta prpria do feminino est alm da linguagem e no possvel ser simbolizada.
Soler (2005) nos ajuda a concluir que, para Lacan, homem o sujeito totalmente
submetido funo flica. E mulher o sujeito no todo submetido ao gozo flico.
Explicando melhor como se d esta dimenso do no todo acrescentamos que, a
mulher,
[...] para alcanar este Outro gozo h que se despir ento da prpria ordem flica,
em todos os seus pormenores. Abrir mo do simblico, para alcanar a falta
significante. Gozar deste estado sem palavras, que s o grito pode representar
enquanto falta de significantes no Outro (BARBIERI, 1996).
A falta flica, na mulher, converte-se num efeito compensatrio, ela se transforma
naquilo que no tem para tentar suprir o desejo do seu parceiro, do outro. Ela tambm se auto-
proporciona o substituto flico: fortuna, poder, influncia, sucesso, entre outros. S que as
conquistas flicas no so suficientes para se fazer uma mulher. Por isso, h tempos a
psicanlise conhece os conflitos subjetivos, os quais variam conforme as pocas, entre a
apropriao flica e a inquietao quanto vida de mulher (SOLER, 2005). Assim, a mulher,
embora tambm submetida funo flica, certifica-se de que no um sujeito qualquer, mas
um sujeito escolhido pelo amor de um homem.


27
Para essa nova imagem de feminilidade, invocamos novamente Birman (1999) e
suas Carmens. Esta agora, a nova Carmem, a dos anos 80, dos filmes de Francesco Rossi e
notadamente a de Carlos Saura. Ela retoma a seduo e o erotismo sob uma imagem positiva,
pois os assume em estado puro, identificando-se com eles. O ser da mulher est inscrito no
registro do desejo, longe da masculinidade, falicidade ou prostituio. Este desejo depende
das singularidades femininas. Ser mulher no implica mais abrir mo ou ser obrigatoriamente
me. pela feminilizao do desejo que o erotismo se torna possvel, pois revela para os
homens e para as mulheres a incompletude que rasga os seus corpos [...] (BIRMAN, 1999, p.
99).
A seduo deixa der exibida na conquista pela conquista, sem leviandade e passa
ser exercida como uma marca insofismvel da feminilidade (BIRMAN, 1999, p. 91). uma
mulher com brilho das ondas luminosas do desejo, que impregna o outro com sua
luminosidade e o coloca em movimento, presente no outro, despojado de apropriaes e
sujeies.
O erotismo se impe, inscrevendo-se no corpo do outro de maneira indelvel,
podendo ofertar ento no apenas pernas e asas para o pensamento, mas infundir
tambm energia para a ao. Enfim, o erotismo se faz assim carne e smbolo, libido
e simbolizao ao mesmo tempo (BIRMAN, 1999, p 128).
Eis a feminilidade.
Porm, atualmente, estamos acostumados com os corpos femininos vendendo
produtos, lugares, modos de ser e de viver. Seria um retorno mulher-objeto?
Os modos de ser, pensar e agir que delimitam o ser humano so um resultado da
interao com os valores e influncias scio-culturais de uma poca, em cada sociedade. E
desta forma, a construo e concepo do corpo feminino est ligada a este modo de ser e se
organizar psiquicamente. Assim, no existe uma definio rgida de sexualidade feminina, ela
envolve discursos e imagens produzidos.
Mas, o que quer a mulher?
Comungamos com o pensamento de Soler (2005):
Um desejo bem alheio a qualquer busca do ter, e que tampouco a aspirao a ser
que a demanda de amor. Ele se define como o equivalente, se no de uma
vontade, pelo menos de uma visada de gozo. Mas trata-se de um gozo especfico,
que se excetua do carter discreto e, portanto, limitado do gozo propriamente
flico. Mais que um voto de alhures, um empenho, um esforo que rivaliza e em
relao ao qual eu arriscaria de bom grado a formulao: gozar tanto quanto deseja
(SOLER, 2005, p. 36).


28
O corpo, alm de marcado pela linguagem, leva consigo, marcas que o
acompanham e lhe traduzem significados ao longo de sua histria de vida. A leso medular
uma marca que carrega em si vrios significados, pois provoca vrias alteraes na mecnica
e na interao entre os corpos. uma imagem de mulher, diferente da dos comerciais de
televiso, a que se trata aqui. Por isso, achamos importante que o leitor conhea, tambm, o
que se diz, biologicamente, da mulher com leso medular traumtica.


2.2 LESO TRAUMTICA DA MEDULA ESPINHAL


A medula espinhal de um adulto se estende desde a primeira vrtebra cervical at a
primeira ou segunda vrtebra lombar, possuindo cerca de 45 cm. A coluna vertebral d
sustentao ao tronco e ao mesmo tempo oferece proteo medula, um importante condutor
de impulsos nervosos de natureza sensitiva e motora entre as vrias partes do corpo e o
crebro (DEFINO, 1999; BOULLOSA et al, 1995).
Pereira e Arajo (2006) relatam que, de um modo geral, as leses traumticas so
responsveis por 80% do total das leses medulares, ocasionadas, geralmente, por acidentes
de trnsito, projtil de arma de fogo, armas brancas, quedas e acidentes de trabalho ou de
prtica de esporte. Sobre as leses no-traumticas (20%), as causas mais freqentes so:
tumores, infeces, alteraes vasculares, doenas degenerativas e malformaes.
Boullosa et al (1995) citam sete mecanismos pelos quais a incidncia de foras de
impacto e os movimentos da coluna vertebral gerados destas foras podem ocasionar o trauma
raquimedular: 1) carga axial (quando a maior fora do trauma exercida no pice do crnio),
2) hiperflexo (quando a coluna cervical exageradamente fletida para frente), 3) extenso
(quando o crnio tende a estender a coluna para trs), 4) rotao (ocorre rotao exagerada de
um determinado segmento da coluna em relao a outro), 5)carga lateral (a coluna
hiperfletida em sentido ltero-lateral), 6) distrao (quando as foras que envolvem o trauma
esto em direes opostas, caudal e cranialmente), 7) ferimentos penetrantes (o tecido nervoso
lesado diretamente).
Estes mecanismos podem levar s fraturas das vrtebras ou s leses ligamentares,
o que pode comprimir a medula e ocasionar comprometimento neurolgico (BOULLOSA et
al, 1995). Segundo Taricco (2001), no instante do trauma, ocorre o chamado choque medular,


29
caracterizado pela perda de todas as funes neurolgicas abaixo do nvel da leso medular, o
que se traduz em flacidez e ausncia de atividade reflexa e pode persistir por vrias semanas.
Silva (2006) acrescenta que a leso medular uma grave sndrome neurolgica
incapacitante, caracterizada por alteraes nas funes motoras, de eliminao vesical e
intestinal, pele e tecidos moles, estruturas articulares, expresso da sexualidade, requisies
nutricionais, alm de interferir na vida profissional e produtividade econmica do indivduo.
H milhares de anos j se tinha conhecimento das grandes repercusses do trauma
medular sobre o indivduo. No antigo Egito, alguns mdicos consideravam to remota a
possibilidade de recuperao de uma pessoa com tal leso, que recomendavam que a mesma
fosse privada de gua para que morresse mais depressa. Entretanto, os avanos da medicina e
com ela, dos centros de reabilitao, permitiram a utilizao de medidas teraputicas para
minimizar as conseqncias devastadoras deste tipo de leso e aumentar a expectativa de vida
dos pacientes. Desde ento, questes relacionadas qualidade de vida e doenas associadas
vm sendo estudadas (GEBRIN et al, 1997; GIANINI, CHAMLIAN, ARAKAKI, 2006).
Tal a importncia deste tipo de leso para a sociedade que a American Spinal
Injury Association (ASIA) desenvolveu padres para avaliao e classificao neurolgica
para a leso medular decorrente do trauma aceitos mundialmente (ASIA, 2002).
Resumidamente, o exame neurolgico envolve avaliao da sensibilidade e da funo motora.
O exame da sensibilidade engloba a pesquisa da sensibilidade ttil e dolorosa em 28
dermtomos de ambos os lados atribuindo-se uma avaliao numrica ao achado: 0 ausente,
1 alterada, 2 normal e NT no testada. J a avaliao motora avalia 10 pares de
mitomos (msculos chaves), em ambos os lados, tambm com avaliao numrica: 0
paralisia total, 1 esboo visvel de contrao, 2 movimento ativo que no vence a fora da
gravidade, 3 movimento ativo que vence a fora da gravidade, 4 movimento ativo que
vence uma resistncia moderada, 5 movimento ativo normal. Alm disto, examina-se o
esfncter anal externo por meio do dedo examinador, a sensao e a motricidade presentes ou
no contribuiro na classificao da leso como completa ou incompleta.
A partir destes dados, a ASIA (2002) classifica as leses de acordo com a
Impairment Scale (AIS) em: A - leso completa, sem funo motora ou sensitiva abaixo do
nvel da leso, inclusive nos segmentos sacros S4-S5; B - leso incompleta, sem funo
motora abaixo do nvel da leso, porm com sensibilidade preservada abaixo do nvel
neurolgico, inclusive nos segmentos sacros S4-S5; C - leso incompleta, com funo
sensitiva e motora preservada abaixo do nvel da leso, com a maioria dos msculos chave


30
abaixo do nvel neurolgico com fora muscular entre os graus 1 e 3; D - leso incompleta,
com funo sensitiva e motora preservada abaixo do nvel da leso e com fora muscular dos
msculos chave abaixo do nvel neurolgico maior ou igual a 3 e E - as funes sensitivas e
motoras esto todas preservadas.
A ASIA (2002) define ainda outros conceitos importantes: tetraplegia perda ou
diminuio da funo motora e/ou sensitiva dos segmentos cervicais da medula espinhal, o
que resulta em alterao da funo dos braos, tronco, pernas e rgos plvicos, mas no
inclui leses de plexo nem de nervos perifricos; paraplegia - perda ou diminuio da funo
motora e/ou sensitiva dos segmentos torcicos, lombares ou sacrais, resultando em leses que,
de acordo com o nvel, podem atingir tronco, pernas e rgos plvicos.
Vrios estudos comprovam a supremacia de incidncia da leso medular em
indivduos do sexo masculino e numa faixa etria entre 19 e 38 anos, perodo
economicamente ativo e de busca de realizaes pessoais e crescimento profissional. Este fato
no exatamente novo, pois Homero, em seu livro Odissia, aproximadamente 700 anos a.C
j relatava leso medular em homens (VENTURINI, DECESARO, MARCON, 2006;
NOGUEIRA, CALIRI, HAAS, 2006).
Talvez por esta maioria numrica, os homens sejam mais estudados no que diz
respeito s conseqncias da leso medular, inclusive em relao funo sexual. Esta uma
das reas que mais necessitam de assistncia, devido os aspectos culturais, psicolgicos e
biolgicos envolvidos (VENTURINI, DECESARO, MARCON, 2006; MATZAROGLOUA
et al, 2005). Outro fator que pode ser citado o da disfuno sexual feminina ser considerada
menos problemtica devido o papel passivo da mulher no intercurso sexual e pela maior
questo da perda da ereo, ejaculao e fertilidade masculina (FERREIRO-VELASCO, et al,
2005).
Deste modo, concordamos com o pensamento de Silva (2006), quando este afirma
que o enfermeiro tem papel primordial, atuando no cuidado integral ao paciente promovendo
a sade e, principalmente, participando da reabilitao, na superviso e orientao de
cuidados gerais ao paciente, objetivando o maior grau possvel de independncia. E a mulher
no pode ser deixada de lado nesse processo de cuidado e ateno.







31
2.3 SEXUALIDADE FEMININA E LESO MEDULAR


Um sujeito tambm constitudo e representado pelo seu corpo. Este por sua vez,
ao longo da sua histria adquire marcas. Assim, para entendermos um pouco mais sobre com
quem estamos dialogando, tambm necessrio conhecermos as marcas fsicas que sero
significantizadas por cada sujeito de nossa pesquisa e como elas se relacionam cultura.
Cultura aqui entendida como definem Boris e Cesdio (2007),
o modo como os indivduos se comportam e expressam seus valores, suas crenas e
seus saberes, em um determinado perodo histrico, a cultura compreende a
maneira de o sujeito organizar seu pensamento, suas relaes interpessoais, seus
ideais e sua forma de perceber o mundo (BORIS; CESDIO, 2007, P. 454-55).
Na maioria dos pases, a expectativa de vida da populao tem aumentado ao
longo das dcadas e a qualidade de vida tem sido uma preocupao das pessoas. Entre seus
indicadores, a satisfao da atividade sexual tem sido um dos mais citados. Assim o incentivo
a uma vida sexual saudvel passou a ser um tema importante na rea da sade (CORDS;
LARANJEIRAS, 2006).
Com isso, o conhecimento sobre a sexualidade humana avana, e com ele
identificam-se as diferenas entre as vrias caractersticas relacionadas aos estmulos sexuais.
Estas diferenas so influenciadas por fatores de ordem biopsicossocial, em especial:
hormnios sexuais (estrgenos versus andrgenos), educao sexual (repressora versus
permissiva), ambiente (controlador versus estimulante). Essa situao dinmica e
modificada de acordo com os fatores prprios de cada indivduo (ABDO; FLEURY, 2006).
A cultura do grupo social tambm tem sua influncia, na medida em que este
define os roteiros e comportamentos considerados aceitveis. Desta forma, os referenciais dos
diversos segmentos sociais orientam as prticas sexuais, expresses e manifestaes relativas
sexualidade conforme os valores e significados atribudos. Assim, percebemos que o
exerccio da sexualidade est estreitamente modelado pela relao entre sociedade e
indivduo. Antropologicamente, inclusive, considera-se que a maneira como caminhamos,
sorrimos ou rimos, olhamos, escutamos ou empreendemos muitas das funes consideradas
naturais de nossos corpos socialmente construda conforme as idias dominantes na
sociedade, em cada momento histrico. Assim, os conceitos de beleza, apreciao social do
corpo e a atrao exercida sobre outras pessoas podem ser diferentes e variar de uma regio
para outra em um mesmo pas, de um grupo social para outro ou de um perodo histrico para


32
outro. Desta maneira, pode-se inferir que a sexualidade objeto de um processo de construo
e aprendizagem. Logo, estabelecem-se regras de padres estticos pelas quais as pessoas vo
sentir atrao ou interesse e selecionar com quem se relacionam. Estes roteiros sexuais tm
importante papel na biografia sexual dos indivduos (HEILBORN, 2006).
Foucault (2006a) nos mostra a importncia da cultura sobre a sexualidade quando
discorre sobre o modo como a sociedade ocidental implantou, ao longo dos sculos,
dispositivos para abarcar sua imensa vontade de saber sobre o sexo. Envolveu a medicina,
sobretudo a psiquiatria, e imps discursos de controle por ser uma forma de prazer no
destinada aos trabalhadores da sociedade capitalista. A histria da sexualidade, segundo o
filsofo francs antes de tudo, uma histria dos discursos sobre a verdade do sexo e de seus
prazeres.
Assim, se socialmente reconhecido o tabu de fazer sexo com uma mulher com
uma incapacidade fsica, estas regras sociais e culturais podem dificultar que estas mulheres
estabeleam relacionamentos (ANDERSON et al, 2007). Em uma situao diferente da
considerada socialmente normal as mulheres apontam como dificuldade considerar seus
corpos menos atrativos e acrescentam a mesma reao negativa de seus parceiros
(FORSYTHE; HORSEWELL, 2006).
A nova realidade a partir de uma leso medular pode afetar a vida sexual da
mulher de forma significativa, no apenas pelas alteraes motoras e/ou de sensibilidade, mas
igualmente pela repercusso individual da atitude social e do parceiro diante da situao. Este
conjunto determinante sobre a viso da pessoa em relao sua auto-estima e auto-imagem,
e pode ter carter negativo se a mulher com leso medular for vista como um ser assexuado,
sempre dependente de outros e incapaz de ter relacionamentos fsicos em p de igualdade.
Estes elementos sero a base da construo da sexualidade desta pessoa (FERREIRO-
VELASCO et al, 2005; FORGE et al 2006).
tambm uma tendncia construda socialmente a de que o prazer est associado
regio genital e que o intercurso o nico aspecto da atividade sexual. Nos casos de um
indivduo onde a leso medular provocou alterao de sensibilidade, seja ela total ou parcial,
nesta regio a qualidade de vida sexual tende a diminuir devido frustrao e,
conseqentemente, h uma perda na libido. Isto pode causar um significativo decrscimo na
freqncia da atividade sexual aps a leso medular, ou seja, no necessariamente se atribui
exclusivamente diminuio da qualidade de vida sexual aps a leso medular ao grau da
ASIA e ao nvel da leso.


33
claro que o nvel, a extenso da leso, e o tempo ps-leso esto diretamente
relacionados com o grau de disfuno sexual orgnica. Mas, a leso no acarreta perda da
sexualidade. O indivduo continua sendo um ser sexuado, qualquer que seja seu sexo.
Pesquisas mostram que a despeito das conseqncias da leso medular sobre o
comportamento e funo sexual feminina, a maior parte delas tem conseguido um ajustamento
sexual satisfatrio com o passar do tempo (FERREIRO-VELASCO et al, 2005; SUAID et al,
2002; SIPSKI et al, 2005). Vale ressaltar que estes dados so pertinentes a estudos
americanos. No Brasil, ainda no h estudos publicados abordando estes aspectos.
Como j dito anteriormente, o impacto da leso medular sobre a funo sexual
feminina tem sido particularmente bem menos estudado em comparao aos homens. A
literatura estrangeira disponvel ao alcance durante a pesquisa de referencial terico deste
estudo versa, quase em sua totalidade, apenas dos aspectos estritamente biolgicos: que
aspectos fsicos so mais acometidos e quais os mecanismos neurofisiolgicos que os
regulam. No Brasil, inclusive, pouco se escreveu sobre a temtica. um aspecto humano
desconhecido, muito pouco debatido, quase negado. Quando se fala em deficincia pensa-se
mais nas questes de acessibilidade e nem estas ainda esto satisfatrias em nosso pas.
Um exemplo de como a leso medular pode influenciar a relao afetiva na
perspectiva feminina pode ser visto no filme Tarde Demais para Esquecer (An affair to
remember) do ano 1957. Terry McKay, interpretada pela atriz Deborah Kerr, abre mo de seu
grande amor e se esconde dele aps ser atropelada e ficar paraplgica. Ela temia ser rejeitada
e ao mesmo tempo ser um fardo para ele.
Os estudiosos da rea sugerem que a neuroanatomia e a neurofisiologia da funo
sexual feminina seja similar aos homens (ANDERSON, et al, 2007). Foote (2002) afirma que
as respostas sexuais femininas (vaso congesto vaginal e do clitris) so organizadas a nvel
espinhal e estas envolvem coordenaes dos sistemas simptico, parassimptico e eferentes
somticos. Estes centros sexuais espinhais podem ser ativados por estimulao genital (via
nervo pudendo) ou inibidos por aferentes viscerais (via nervo plvico ou hipogstrico). Stios
cerebrais e o hipotlamo tambm exercem controle excitatrio e/ou inibitrio sobre esses
centros sexuais espinhais.
Anderson et al (2007) acrescentam que informaes sensoriais aferentes da
genitlia medula so retransmitidas via nervo pudendo (S2-S4); a transmisso nervosa no
sentido parassimptico genitlia ocorre via nervo plvico (S2-S4); e impulsos simpticos para
a genitlia passam pelo nervo hipogstrico (T10-L2). Impulsos parassimpticos causam


34
engurgitamento e intumescncia dos lbios e clitris, bem como lubrificao vaginal e
impulsos simpticos causam contraes rtmicas da uretra, tubas uterinas, glndulas
parauretrais e musculatura do assoalho plvico. Estes autores citam a importante descoberta
de que a preservao de impulsos sensoriais nos dermtomos de T11L2 pode estar associada
com a habilidade psicognica de excitao.
A lubrificao vaginal resultado da excitao, que por sua vez surge do
sinergismo de aes psicognicas e reflexas. Este mecanismo sofre influncia dos graus e
nveis da leso medular. Mulheres com leso at nvel T11-L2 tm uma diminuio na
habilidade de obter excitao genital de origem psicognica. Neste caso est preservada a
capacidade de lubrificao reflexa, o que sugere que a excitao , tambm, dependente de
um arco reflexo sacral intacto. Ao mesmo tempo, mulheres com leses que envolvem os
centros sacros apresentam maior habilidade para a excitao sexual de origem psicognica.
Alm disto, em mulheres com leso acima de T11, atribui-se a perda da sensao ao trato
espinotalmico e a perda da vasocongesto genital por dano ao trato retculoespinhal
(FORSYTHE, HORSEWELL, 2006; SIPSKI et al, 2005; MATZAROGLOUA et al, 2005).
O orgasmo definido pela maioria dos estudiosos como uma funo reflexa sacral
que pode ser aumentada ou inibida pela inervao supra-espinhal e acompanhada por
percepo sensorial, mas ainda requer mais estudos para maiores esclarecimentos. Os estudos
sobre orgasmo so vrios e divergem: uns relatam que mulheres com injria incompleta tm
mais probabilidade de obter orgasmo do que as com injria completa; outros no encontram
relao com o nvel neurolgico nem grau da ASIA, e consenso da maioria que o arco
reflexo sacral intacto necessrio para vivenciar orgasmo devido estimulao genital direta, o
que pode ger-lo como uma resposta reflexa do sistema nervoso autnomo, o que perdura,
mesmo aps uma leso completa. Aps a leso medular as sensaes fsicas mais comumente
relatadas para a caracterizao do orgasmo so o formigamento e os espasmos.
Acredita-se, tambm, que o nervo vago possa ser um componente sensorial do
orgasmo, pois j foi visto que o ncleo do tracto solitrio da medula oblonga, do qual se
projeta o nervo vago ativado durante o orgasmo. Entretanto, sabe-se, na prtica, que
mulheres com leses cervicais tm menor possibilidade de conseguir orgasmo que outras com
nveis torcicos e lombossacros, o que contraditrio (FERREIRO-VELASCO, et al, 2005;
ANDERSON, et al, 2007; FORSYTHE, HORSEWELL, 2006; SALONIA et al, 2004).
Embora hoje j se saiba de tudo isto, muitas mulheres com leso medular e arco
reflexo sacral intacto podem ter um potencial armazenado de obter orgasmo e passam por um


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sofrimento no relacionado diretamente neurofisiologia do orgasmo (SIPSKI et al, 2005).
Vrias facilidades/dificuldades podem ser explicadas pelo suporte familiar envolvido. Uma
satisfao geral com a vida, experincias satisfatrias anteriores, estreitamento emocional,
interesse mtuo e boa vontade so considerados importantes incentivos para os aspectos
psicolgicos da sexualidade (MATZAROGLOUA et al, 2005).
As alteraes nos fatores fsicos decorrentes de uma leso medular podem
influenciar negativamente no s a atividade sexual da mulher, mas toda a sua vida social.
So eles: incontinncia urinria e intestinal, espasticidade, dificuldade de lubrificao vaginal,
disreflexia autonmica e dificuldade de posicionamento. O controle destes problemas
contribui positivamente para a melhoraria da qualidade de vida, tanto do aspecto sexual, como
social (FORSYTHE; HORSEWELL, 2006).
Incontinncia vesical e/ou intestinal durante a atividade sexual tem um impacto
significante para mulheres, o qual impede tentativas de atividade sexual com o parceiro.
possvel que o medo da incontinncia possa contribuir para entraves psicolgicos na
excitao. Devido ao posicionamento da anatomia feminina, com a vagina prxima bexiga e
ao reto, inevitvel que o coito vaginal estimule o intestino e bexiga, e a ausncia de controle
voluntrio de tais esfncteres gera o risco de incontinncia, o que angustiante, diminui a
espontaneidade, e influencia negativamente a auto-imagem. Certamente, precaues podem
ser tomadas, tais como esvaziar a bexiga e o intestino, mas, nem sempre so suficientes para
prevenir incontinncia. Os mtodos levam em considerao fatores como nvel, grau da leso,
hbitos anteriores e medicaes. Para o esvaziamento vesical, a cateterizao intermitente o
mtodo mais comumente utilizado e, geralmente, promove um bom controle sem maiores
riscos. Para promover a evacuao a estimulao nus-reto largamente utilizada, podendo
estar associada a laxantes e/ou supositrios (ANDERSON et al, 2007; FORSYTHE,
HORSEWELL, 2006).
A espasticidade definida por Teive, Zonta & Kumagai (1998) como o aumento,
velocidade dependente, do tnus muscular, com exacerbao dos reflexos profundos,
decorrente de hiperexcitabilidade do reflexo do estiramento. Quando manifestada de forma
severa, pode interferir de forma profunda e negativa na qualidade de vida do paciente. O
manejo envolve medicamentos orais, injetveis e at, intratecais. No homem, estes
medicamentos podem apresentar efeitos negativos reversveis sobre a ejaculao e ereo.
Porm, na mulher no h investigaes profundas sobre seus efeitos na habilidade de obter
orgasmo (FORSYTHE; HORSEWELL, 2006).


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A dificuldade de lubrificao vaginal tem uma soluo simples, podendo ser
resolvida com o uso de lubrificantes base de gua. Porm mulheres que no apresentam
percepo sensorial da rea genital no esto cientes da verdadeira extenso deste problema
(FORSYTHE, HORSEWELL, 2006; FERREIRO-VELASCO et al, 2005).
A disreflexia autonmica (DRA) um fenmeno que ocorre primariamente em
indivduos com leso acima do nvel T6 e uma resposta neurolgica a estmulos nocivos
abaixo do nvel da leso caracterizada por severa hipertenso, dor de cabea pulstil,
calafrios, tremores, ansiedade e sensao de desorientao. gerada pela ausncia de inibio
simptica com conseqente hiperatividade. Pacientes que vivem uma situao de DRA
durante o ato sexual, geralmente, descontinuam a atividade sexual. No se sabe se as mulheres
so mais susceptveis a desenvolver episdios severos de DRA em resposta estimulao
sexual, ou se simplesmente elas percebem melhor o seu corpo, mas este evento mais citado
por mulheres que homens. Esta dvida precisa ser esclarecida por pesquisas mais profundas e,
infelizmente, esta condio no pode ser farmacologicamente evitada (FORSYTHE,
HORSEWELL, 2006; ANDERSON et al, 2007).
Em relao dificuldade de posicionamento prevem-se solues simples como
utilizar posies que exijam um menor esforo e respeitem as limitaes fsico-funcionais
decorrentes da leso (FERREIRO-VELASCO et al, 2005).
Em um estudo realizado nos Estados Unidos, Anderson et al (2007) identificaram
como principal razo das mulheres em manterem atividade sexual aps a leso, a necessidade
de intimidade, e como segunda razo, manter o parceiro. A maioria das mulheres
entrevistadas relatou que a leso medular tinha alterado sua percepo sexual de si mesma o
que dificultava a excitao. Mesmo assim acreditavam que melhorando sua funo sexual
poderiam melhorar sua qualidade de vida. Outro fato bastante interessante foi que muitas
mulheres relataram que haviam desenvolvido novas reas de excitao acima do nvel de sua
leso. Isto sugestivo de neuroplasticidade e de emprego de estratgias de adaptao para
intensificar a excitao e a resposta sexual, o que refora que o intercurso no sinnimo
nico de atividade sexual, mas apenas um componente. Ferreiro-Velasco et al (2005) tambm
afirmam que uma mulher com leso medular pode aprender a explorar e investigar
possibilidades erticas em outras partes do corpo e entender a sexualidade num sentido mais
amplo.
De um modo geral, a reabilitao sexual no tem sido o interesse primrio no
processo de reabilitao para a mulher com leso medular. Mas isto, entretanto, no impede o


37
aconselhamento, pois a informao a chave para que a mulher entenda as conseqncias de
sua leso. Mulheres com mais conhecimento tm maior possibilidade de conseguir satisfao
na vida sexual ps-leso. A equipe deve estar preparada para abordagem paciente quando
esta a solicitar e tiver conscincia da importncia da reabilitao sexual. Com o seguimento
do processo de reabilitao, as mulheres necessitam de atendimentos mais individualizados,
focados em problemas especficos. No h como predizer quais fatores estaro envolvidos na
orientao, pois estes aspectos, como vimos, so determinados culturalmente e
individualmente, sofrendo influncia de acontecimentos anteriores e, tambm, dos vrios
aspectos da injria. As orientaes so necessrias, tambm, ao companheiro da mulher com
leso medular e auxiliam a dirimir dvidas, medos e preocupaes e na construo de uma
imagem corporal saudvel como ser sexual (FORSYTHE, HORSEWELL, 2006; FERREIRO-
VELASCO et al, 2005; FOOTE, 2002).
Sobre a repercusso da leso medular sobre o relacionamento conjugal, Lima
(2005), realizou um estudo na capital brasileira, onde comprovou que as alteraes na funo
e/ou relao sexual foram citadas como um dos principais estressores no relacionamento
conjugal, uma vez que a relao sexual foi citada como um dos fatores mais importantes para
a manuteno do casamento. A autora acrescenta, ainda, que esta dificuldade maior logo
aps a leso, podendo englobar os dois primeiros anos, fase em que ocorre a adaptao da
pessoa com leso medular e dos que convivem com ela nova condio fsica.
Neste contexto de adaptao, mulheres mais independentes em seu auto-cuidado
tm mostrado mais possibilidade de ajustamento na vida sexual com sucesso. Dificuldades
prvias persistem e tendem a se exacerbar aps a leso. Outros fatores que tambm
influenciam so o nvel de atividade social, profissional e aceitao da incapacidade. Mais
uma vez, a educao e a cultura tm papel fundamental neste processo, pois numa relao
aberta onde fique claro que mulheres com deficincia so, tambm, sexualmente desejveis,
so reforados fatores importantes como a auto-estima e auto-imagem. E mesmo aps a leso
medular, as mulheres consideram a atividade sexual como fator importante para sua qualidade
de vida (FORSYTHE, HORSEWELL, 2006; FERREIRO-VELASCO et al, 2005;
ANDERSON et al, 2007).
Como vemos, o corpo no responde apenas biologicamente de forma rgida e
totalmente prevista. As pessoas reagem diferentemente aos mesmos estmulos e/ou
estressores, de acordo com o significado que aquilo assume para sua vida e suas relaes. A


38
linguagem, como j discutimos, tem um papel muito importante nesta siginificantizao das
coisas pelo sujeito.
Assim, percebemos que toda a composio emocional pode repercutir ainda mais
sobre uma disfuno orgnica e interferir na qualidade de vida. Isto enfatiza a importncia da
reabilitao o mais precoce possvel, de acordo com os interesses do paciente, com o objetivo
de dirimir mitos e tabus.
No processo de reabilitao, o enfermeiro tem papel fundamental, tambm pelo
fato de ser o profissional que permanece mais tempo com o paciente. Este recebe do
enfermeiro os cuidados os quais considera necessrios para que a partir daquele momento a
vida seja vivida com melhor qualidade. Porm, h que se discutir que cuidado esse e como
ele tem sido exercido.


2.4 CONSTRUINDO O CONCEITO DE CUIDADO CLNICO DE ENFERMAGEM


um desafio, a partir de tantas perspectivas e conceitos de cuidado, escolher um
caminho a trilhar sobre o cuidado de enfermagem. Principalmente, quando o mesmo est
circunscrito pela clnica. Entender que cuidado esse e, essencialmente, do que trata esta
clnica, fundamental para contextualizar nossas idias acerca deste tema.
As terminologias so muitas: cuidar, receber cuidado, produzir cuidado ou
manifestar cuidado. BACKES et al (2006) realizaram uma pesquisa com o objetivo de
analisar as concepes tericas de cuidado expressas nas teses de doutorado de um Programa
de Ps-Graduao do sul do Brasil e identificaram seis concepes de cuidado, os quais
apresentamos resumidamente:
- cuidado em sade/doena: compreende a estrutura de um sistema complexo, que vai alm
do cuidado linear. Em constante movimento, mantendo, produzindo acontecimentos,
componentes e indivduos, de acordo com as necessidades levantadas, normalizadas ou no,
ou de solicitaes diversas, mas ligadas a diversas situaes do viver social. Este cuidado
caracteriza-se tambm pelas aes da equipe de sade na medida em que objetivam prevenir,
minimizar ou eliminar os problemas dos pacientes, ao considerar as crenas e valores do
outro.


39
- cuidado como processo interativo: estabelece-se a partir de uma relao de envolvimento e
empatia entre cuidadores e seres cuidados, cujas atitudes trocam, interagem e modificam suas
crenas, valores e culturas.
- cuidado em um sistema de cuidados: o cuidado enquanto sistema ultrapassa a lgica
prioritria do fazer enfermagem e abarca um processo interativo, dinmico, solidrio e
criativo (BACKES et al, 2006, p. 75). Compreende aspectos como autonomia,
individualidade, relaes e atitudes profissionais, entre as quais aquelas relativas s prticas
do enfermeiro.
- cuidado de si: parte do princpio de que para demonstrar interesse ao outro preciso que
eu tenha interesse para comigo mesmo (BACKES et al, 2006, p. 75). A partir do momento
em que a pessoa desperta para o auto-conhecimento e para o saber cuidar de si, ela ter
condies de reconhecer potencialidades e fraquezas do outro e isso influenciar
positivamente o cuidado.
- cuidado domiciliar: realizado no domiclio, como diz sua prpria denominao, uma das
maneiras pelas quais os profissionais podem cuidar tanto em situaes de promoo e
preveno como no apoio e na teraputica de doenas (BACKES et al, 2006, p. 75). Exige
do profissional que seja habilidoso no planejamento, encaminhamento, deciso, iniciativa,
interatividade, e tambm seja social e eticamente comprometido com o ser humano.
- cuidado familiar: a famlia apresentada como unidade de cuidado e a partir dela, que
so delineadas e supridas as necessidades de cuidado e, alcanados os objetivos para o bem-
estar de seus membros (BACKES et al, 2006, p. 77).
Deste modo, antes de tudo, faz-se necessrio conhecer um pouco de como tem se
dado na prtica de enfermagem e o que tem sido considerado pelos enfermeiros como
cuidado. Principalmente, porque, como nos lembram Ori, Moraes e Victor (2004), o mundo
de hoje, cada vez mais sintonizado na era da globalizao, exige profissionais mais
qualificados tecnologicamente e capazes de se adaptar e responder s mudanas econmicas e
sociais. Assim, a capacidade tecnolgica assume status superior s interaes humanas.
Sabe-se que, como todos os outros conceitos que as pessoas constroem, o de
cuidado, tambm est influenciado pela cultura, crenas e valores de cada sociedade em cada
momento histrico. Deste modo, consideramos importante acompanhar a construo do
conceito de cuidado de enfermagem ao longo da histria.
Dias e Motta (2004) nos contam que por volta do sculo XII, o cuidado aos
doentes era exercido por mulheres religiosas, que renunciavam ao mundo para se dedicar a


40
Deus. Esse modelo de cuidado religioso permaneceu na Idade Mdia e no era visto como um
trabalho a ser remunerado, mas como uma misso para que no tinha preo e que seria
recompensada em outro mundo (KRUSE, 2006).
Porm, a Igreja catlica influenciou este modelo ao se apropriar do poder de
discernir entre o bem e o mal e rompeu a unidade entre corpo e esprito. A partir de ento, o
corpo foi considerado fonte de impureza, fornicao e malefcio, enquanto o cuidado com o
esprito era supremo. Deste modo iniciou-se uma medicina subordinada ao clero at o
surgimento da clnica. Deste momento em diante a relao entre o bem e o mal foi modificada
e cabia ao mdico identificar e extirpar o mal que causava a doena. O pobre, considerado
perigoso por sua maior susceptibilidade s doenas e a transmiti-las, e no o doente, era o
foco das atividades no hospital, que era um lugar de excluso social. O mdico participava da
cura ao intervir no momento da crise, no tinha experincia hospitalar (COELHO,
FONSECA, 2005).
Foucault (2004) nos apresenta a escrita e o segredo, ou seja, o compartilhar do
saber mdico com um grupo privilegiado, como um marco histrico da clnica mdica. Antes
de ser um saber, a clnica era uma relao universal da humanidade consigo mesma: idade de
felicidade absoluta para a medicina (FOUCAULT, 2004, p. 58). A medicina era aprendida ao
lado do leito do doente, observando-se suas reaes e sensibilidades ao tratamento institudo.
O conhecimento era transmitido de pai para filho.
At meados do sculo XVIII o hospital e a medicina eram independentes.
Entretanto, para atender aos interesses da sociedade capitalista em formao, a sade foi
institucionalizada. Os cuidados empricos foram substitudos pelos cuidados cientficos ou
mdicos a fim de curar os corpos para que retornassem ao trabalho produtivo (COELHO,
FONSECA, 2005).
Assim, com a necessidade de transmitir o saber sobre a clnica, foram criadas as
escolas e cursos de prtica clnica. Deixou de ser uma experincia em si mesma para ser o
resultado de uma experincia anterior para uso dos outros. Deixou-se de descobrir pelo olhar
para duplicar a arte de demonstrar. Os alunos chegavam a fazer dirios sobre o diagnstico,
estado do doente a cada visita e os medicamentos tomados durante o dia. A clnica, neste
momento histrico, visa aprendizagem de uma prtica que ela resume mais do que analisa,
agrupa toda a experincia em torno dos jogos de um desvelamento verbal que nada mais do
que sua simples forma de transmisso, teatralmente retardada (FOUCAULT, 2004, p. 67). O


41
conhecimento era passado por meio de protocolos com rigoroso registro e sem desvio de
linguagem.
Em meio a todo esse contexto, do final do sc. XVII at a metade do sc. XIX,
ocorreu o perodo decadente da enfermagem. As mulheres que atuavam como enfermeiras no
cenrio de excluso hospitalar eram analfabetas e consideradas imorais. A atividade de
enfermagem foi formalizada e instituda por Florence Nightingale, que contribuiu para a
construo do conhecimento da enfermagem moderna, baseada nas prticas profissionais de
enfermagem e mdicas do sculo XVIII (DIAS, MOTTA, 2004).
Florence Nightingale nasceu em Florena em 1820 e vinha de uma rica e
aristocrtica famlia inglesa. Interessava-se em conhecer sobre polticas, pessoas e instituies
de caridade. Aos 24 anos quis atuar nos hospitais ingleses. Porm foi proibida pela me, uma
vez que os cuidadores eram compostos em menor nmero por mulheres religiosas e em maior
nmero por pessoas sem educao e sem moral. Era uma mulher perseverante e no
enxergava no casamento a possibilidade para se realizar. Assim sendo, aos 31 anos estagiou
em uma instituio para formao de enfermeiras diaconisas cuja reputao era conhecida
pela moralidade e elevados idias de seus fundadores. Aps viajar pela Europa visitando
hospitais e casas de doentes publicou estudos comparativos entre tais instituies e teve o
desejo de fundar uma escola de Enfermagem (KRUSE, 2006).
Florence comparava o cuidado de enfermagem a uma obra de arte, pois ambos
necessitavam de toda dedicao do profissional. Mas o grande mrito de Florence foi
institucionalizar a enfermagem como profisso ao fazer os cuidadores daquela poca
perceberem a importncia dos rituais que j seguiam como prtica profissional (VIEIRA,
ALVES, KAMADA, 2007; KRUSE, 2006).
Ela teve importante participao no cuidado aos doentes da guerra da Crimia, em
1854. Ali iniciou seu trabalho com as novas bases da enfermagem ao se preocupar com
questes que no eram muito pensadas antes, como a alimentao adequada dos doentes, a
limpeza e ventilao do ambiente, a troca de roupas de cama, a separao entre doentes e
feridos, a higiene dos pacientes, sua privacidade e lazer, ao mesmo tempo em que cuidava da
economia e custos, diviso do trabalho e superviso do hospital. Preocupou-se tambm com
os registros estatsticos, os quais revelaram que suas medidas incorreram numa significativa
queda da mortalidade dos soldados ingleses. Assim foi nomeada Superintendente de
Enfermagem do Exrcito (KRUSE, 2006).


42
Ela documentou extensamente os problemas que enfrentou e a soluo para os
mesmos. Deste modo, elaborou, aps a guerra, um grande plano de reformas que foi estudado
e implementado por uma Comisso Real de Sade do Exrcito e seus estudos influenciaram a
administrao mdica hospitalar. Os mtodos de Florence foram implementados em Londres
e Paris, a fim de contribuir para a melhoria das condies de sade da populao dos
potenciais trabalhadores sobre os quais se interessava o crescente capitalismo. Em 09 de julho
de 1860, Florence realizou seu desejo de fundar uma escola para enfermeiras, junto ao
Hospital St. Thomas, em Londres. S recebia moas com educao e elevada posio social.
Os internatos garantiam que as moas permanecessem educadas alm de garantir a disciplina
e moral necessrias. Neste momento, a prtica mdica e de enfermagem, institucionalizadas
como profisso, se encontraram no hospital, e a chamada Enfermagem Moderna nasceu
dentro da instituio hospitalar, como adjuvante da prtica mdica (KRUSE, 2006).
As idias de Florence sobre a enfermagem serviram de base para outros
estudiosos, principalmente as enfermeiras norte-americanas, no final dos anos sessenta e na
dcada de setenta do sculo passado, lanarem suas teorias como a do cuidado, das
necessidades humanas bsicas, da relao interpessoal, do alcance dos objetivos, da
enfermagem transcultural, transpessoal, do ser humano unitrio, da adaptao, dos sistemas de
sade, do ser humano-existncia-sade e da enfermagem humanstica (VIEIRA, ALVES,
KAMADA, 2007).
Kruse (2006) faz toda uma retrospectiva e nos conta que, no Brasil, como em toda
a Amrica Latina, no incio do sculo XX, devido urbanizao das cidades e conseqente
aumento da complexidade da estrutura scio-econmica do pas, o governo se viu forado a
instituir medidas que evitassem a transmisso de doenas, as quais poderiam afetar a
populao produtiva e prejudicar a economia. Deste modo, foi implantado um modelo
sanitarista centralizado com forte influncia da estrutura norte-americama (KRUSE, 2006).
Foi criado em 1923 um Servio de Enfermeiras no Departamento Nacional de
Sade Pblica (DNSP) e junto a ele uma escola chamada Escola de Enfermeiras do DNSP,
que em 1926 passou a chamar-se Escola Anna Nery e posteriormente Escola de Enfermagem
Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esta escola seguiu os moldes do
sistema ingls proposto por Florence, inclusive ao recrutar somente moas com prestgio
social importante (KRUSE, 2006).
Tambm no Brasil, chegaram as teorias de enfermagem. Estas chegaram como
parte de um processo para reconhecimento da enfermagem como uma cincia com um corpo


43
de conhecimentos prprios, campos de atuao e mtodos de trabalho especficos. Ao mesmo
tempo, Kruse (2006) contradiz outros autores da rea ao afirmar que, tambm no Brasil, a
enfermagem surgiu como profisso institucionalizada no hospital.
Dias e Motta (2004) acrescentam que a partir do sculo XX as tcnicas de
enfermagem se intensificaram e instrumentalizaram o cuidado de enfermagem. Em grande
parte das instituies de sade, este cuidado acontece em meio a aparelhos e dependncia da
tecnologia. Assim, com o avano da tecnologia a prtica do cuidado passou a ter a doena,
tcnicas, habilidade e destreza do profissional como foco central e o modelo preditor do
cuidado, o biologicista, guiado pelo paradigma positivista. A doena avaliada de maneira
reducionista como sendo a manifestao fsica de danos aos rgos, somente. O corpo visto
apenas como biolgico, esquece-se o ser humano a ser cuidado, sua histria de vida e
multidimensionalidade (NASCIMENTO, TRENTINI, 2004; COELHO, FONSECA, 2005).
No s a enfermagem, mas a grande parte das profisses da rea da sade
construiu sua histria dependente da hierarquia hospitalar e do paradigma mecanicista, ligado
ao modo de produo capitalista. A interveno mais valorizada quanto mais tcnica e
submetida a rotinas, rigidez e normatizaes. O cuidado se torna impessoal e restrito ao
cumprimento de tarefas. O ser humano objeto do cuidado e assistncia (GOMES;
ERDMANN, 2005; BUENO, QUEIROZ, 2006). preciso curar os corpos para que eles
voltem ao trabalho.
Por outro lado, para a pessoa que necessita do cuidado hospitalar, este ambiente
desconhecido e cercado de ansiedade e medo. A internao hospitalar um momento no qual
se espera ser submetido realizao de procedimentos, muitas vezes invasivos, e no qual os
profissionais se comunicam com linguagem tcnica e rebuscada, de difcil compreenso e
considerado, muitas vezes, desumanizado (ORI, MORAES, VICTOR, 2004).
estranho falar em humanizao do cuidado quando este realizado por seres
humanos a outros seres humanos. Porm, ultimamente a enfermagem tem se voltado para si
mesma e analisado seu modo de cuidar. Disto resulta um desejo de resgatar a autonomia em
relao tecnologia, utilizando-a quando necessrio, mas no sendo escrava dela. Voltar seu
olhar para o ser que necessita do cuidado, enxergando-o como uma pessoa com histria
social, cultura, famlia, anseios, dvidas, necessidades afetivas, enfim, olhando cada ser
humano como nico e no padronizvel. A partir desta perspectiva, retomamos o conceito de
clnica apresentado por Foucault (2004), na qual cada sujeito valorizado particularmente.


44
O cuidado de enfermagem, sob esta ptica, no ignora as emoes, pois para cada
sujeito, como j discutimos na introduo deste trabalho, h um significado pautado em suas
experincias vividas. Neste sentido o cuidado assume uma dimenso sensvel pois implica
em um encontro entre pessoas aquela que cuida e aquela que participa do cuidado em que
pese a dotao da espcie humana com rgos de sentido e emoo (FERREIRA, 2006, p.
328).
Neste contexto, o ser humano visto como um sujeito que interage com o seu
ambiente e as pessoas que o rodeiam, que os transforma, na medida em que transformado
por eles. Ele participa ativamente dos planejamentos de aes de sade, pois seus objetivos
so tambm objetivos do enfermeiro. E cada planejamento individualizado, pois para cada
pessoa h uma definio do que lhe mais importante, uma vez que cada um tem uma histria
de vida e perspectivas diferentes para o futuro. O ser humano no um mero objeto do
cuidado.
A linguagem assume, mais uma vez, importante papel no desenvolvimento deste
modo de cuidar. Para considerar o ser cuidado como algum com emoes, identidade e saber
prprios necessrio conhec-lo. Para conhec-lo necessrio escut-lo (PRADO,
REIBNITZ, GELBCKE, 2006; GOMES; ERDMANN, 2005).
Ori, Moraes e Victor (2004) consideram a comunicao como um dos mais
importantes aspectos do cuidado de enfermagem. Uma maneira de suavizar a relao de poder
do relacionamento enfermeiro-cliente, na medida em que um momento para demonstrar
atitudes de sensibilidade, aceitao e empatia entre ambos. Esta pode se dar, tambm, de
maneira no-verbal, por meio de gestos, postura, expresso facial, entre outros. Devido ao
grande universo de significados individuais, o dilogo e a assertividade so armas importantes
para evitar que a comunicao seja um entrave no relacionamento interpessoal e possa
comprometer o cuidado.
O significado do cuidado, tambm para o enfermeiro, est permeado por suas
experincias de vida e conhecimento adquirido ao longo da mesma. Assim, importante que
o enfermeiro se conhea e se escute como ser humano. preciso antes de tudo que ele se
volte para si e entenda como se cuidar. Mas neste momento no estamos nos referindo ao seu
auto-cuidado com o corpo e questes de higiene, por exemplo. Referimo-nos ao conceito do
cuidado de si, abordado por Foucault (2006b).
O autor utiliza o exemplo grego para nos apresentar dois diferentes conceitos, mas
que so confundidos atualmente: gnthi seautn o conhece-te a ti mesmo e epimleia


45
heauto o cuidado de si. Mas este fato explicado pelo fato de que, no pensamento
filosfico, o conhece-te a ti mesmo aparece subordinado e formulado a partir do cuidado de si.
O cuidado de si definido como
[...] uma espcie de aguilho que deve ser implantado na carne dos homens,
cravado na sua existncia, e constitui um princpio de agitao, um princpio de
movimento, um princpio de permanente inquietude no curso da existncia. (...)
realmente o quadro, o solo, o fundamento a partir do qual se justifica o imperativo
do conhece-te a ti mesmo. (FOUCAULT, 2006b, p. 11.)
antes de tudo uma atitude filosfica para consigo, com os outros e com o mundo
a partir da qual o homem deve ocupar-se consigo mesmo. O homem precisa estar atento ao
que se pensa, nas aes exercidas pelas quais se assume transformar. No se trata, portanto, de
egosmo, mas de uma forma de ser e de refletir sua prpria subjetividade.
Ainda com as idias de Foucault (2006b), acrescentamos que o se conhecer citado
aqui no se trata da forma consciente e cartesiana de ser. Vai alm disso. um modo de
acesso verdade de cada um, alma de cada sujeito. Mas no a alma espiritual, a alma como
essncia de cada ser humano, que se vale do corpo e do princpio do saber e do conhecimento
de si mesmo por si mesmo, do elemento divino que lhe transforma.
Bub et al (2006, p. 154) nos afirmam que, resumidamente, o cuidado de si mesmo
supe uma relao particular com a verdade e com o saber, mas tambm com a ao.
Lunardi et al (2004, p. 934) complementam estas idias ao dizer que cuidar de si significa,
antes de tudo, no ser escravo: dos outros, dos que nos governam, como de ns prprios, das
nossas prprias paixes.
Quem cuida de si mesmo, a partir deste conceito, est em condies de reconhecer
no outro um ser ativo, conhecedor da sua verdade e que capaz de participar de sua prpria
vida. Nesta perspectiva, o sujeito do cuidado perde o status passivo e passa a ser conhecedor
da sua verdade. Neste contexto no cabe um cuidado de enfermagem altrusta no qual o
enfermeiro absoluto detentor do saber e da verdade e o sujeito inerte, merc dos seus
cuidados.
Concordamos com o conceito de cuidar apresentado por Prado, Reibnitz e
Gelbcke, (2006),
Cuidar traduz uma ao de tratar algum, atender algum, sendo o recebedor do
cuidado, um ser humano tambm incompleto, inconcluso, que tem diferentes
dimenses, as quais sero cuidadas, quer fsica, psicolgica ou espiritualmente. O
cuidar envolve trabalho, responsabilidade, conhecimento, reconhecimento do outro,
interao, abertura de espaos para uma relao dialgica, para a


46
interdisciplinaridade e intersetorialidade. (PRADO, REIBNITZ, GELBCKE, 2006,
p. 297-98).
Deste modo, o cuidado no est reduzido a tcnicas e execues de procedimentos,
tambm, uma forma de ser, de agir e se relacionar. Isto requer uma atitude tica que
considere no somente as chamadas necessidades humanas bsicas, mas tambm o respeito ao
ser com uma histria de vida.
Inserido na equipe de reabilitao, o enfermeiro atua em mltiplas interfaces do
cuidado, pois alm de relao com o paciente, interage com todos os demais profissionais da
equipe interdisciplinar sendo um dos articuladores deste processo. Para as aes de
reabilitao, o eixo central da ao teraputica dever considerar a importncia da construo
de projetos de vida, significativos para cada pessoa. A famlia no pode ser esquecida, pois
como tal, parte importante da histria de cada pessoa (GOMES; ERDMANN, 2005;
BARBOSA, SILVA, 2007).
Deste modo, o cuidado clnico que queremos exercer no considera a sade como
apenas ausncia de doena (OMS, 1979). Uma mulher com leso medular no
potencialmente uma mulher doente pelo fato de ter a leso. uma pessoa que sofreu um
trauma ou alguma alterao no-traumtica (infeco, por exemplo) que gerou mudana na
coordenao nervosa de transmisso de impulsos nervosos entre o crebro e o corpo. No se
trata, de modo algum, de uma doena que apaga sua histria, suas paixes, seus projetos. E
como nos dizem Nascimento e Trentini (2004), a pessoa saudvel aquela disposta s
experincias da vida. Alm do mais, a doena, como parte da vida, uma tambm uma
experincia pessoal, a qual pode contribuir para a pessoa se aproprie de seu corpo e de
conhecimento sobre si mesma.
Este cuidado est inserido em todas as nuanas de promover o conhecimento do
cuidado de si, mas no aquele apenas de necessidades humanas bsicas, e sim voltado para o
que a verdade de cada um, o seu bem-viver, o que fazer para si mesmo, seu modo de ser e,
conseqentemente, de se relacionar com si mesmo e com os outros (FOUCAULT, 2006b).
Dias e Motta (2004) resumem de modo interessante que o equilbrio entre a cincia, o cuidado
do outro e o cuidado do eu o cuidado autntico.
Barros, Oliveira e Silva (2007, p. 816) reforam que importante construir um
novo olhar para o cuidado baseado no dilogo e na criatividade que possibilite a
transformao social do papel dos profissionais no exerccio da sua prtica. Neste sentido,
interessou-nos as idias de Prado, Reibnitz e Gelbcke (2006), os quais colocam a ludicidade


47
como um elemento capaz de estimular a imaginao e permitir a construo de significados e
interpretaes que serviro de impulso ao processo crtico-criativo. A ludicidade estimula a
imaginao, e esta a criatividade e o pensamento crtico, que por sua vez, estimulam a
autonomia e o envolvimento e desenvolvimento pessoal, social e cultural.
Referindo-se formao profissional de enfermeiros crtico-criativos, Prado,
Reibnitz e Gelbcke (2006, p. 300) afirmam que a ludicidade importante como uma das
formas de educar para o cuidado, no sentido de abrir espaos para a reflexo crtica deste
significado, se faz por meio de estratgias de ensino pautadas no ldico.
Esta premissa, transportando-a, tambm, para o cuidado pessoa em processo de
reabilitao, no qual se encontra com um mundo novo e desconhecido, apenas refora a nossa
escolha pelo referencial terico-metodolgico escolhido, a Sociopotica. Esta teoria permite
pesquisar cuidando e cuidar criando.


















48
3 REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO: os caminhos escolhidos


3.1 TIPO DE ESTUDO


Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, carter descritivo e
desconstrutivista.
Uma pesquisa denominada qualitativa quando estuda os fenmenos em seus
cenrios naturais, tentando caracteriz-los em termos dos significados que as pessoas levam
aos pesquisadores. Esta metodologia foi escolhida porque as pessoas organizam e estruturam
suas vidas, e, inclusive, seus cuidados com a sade de acordo com o significado atribudo
sua prtica e fatos do cotidiano. Um estudo descritivo por coletar descries detalhadas dos
fenmenos existentes utilizando os dados para justificar e avaliar condies e prticas
correntes (LOBIONDO-WOOD, HABER, 2001; TURATO, 2005).
Bogdan e Biklen (1994) discutem alguns pontos elucidativos a respeito da
abordagem qualitativa. Sobre a cientificidade de uma pesquisa, eles a atribuem ao respeito ao
mtodo e aos dados. Para o pesquisador qualitativo, o sucesso caracterizado por boa
investigao desenvolvida na tcnica e teoria escolhidas, o que envolve o rigor de tcnicas na
pesquisa dos dados e o registro detalhado dos achados e no por contedos ou resultados
especficos. A despeito das diferentes reas de concentrao e teorias, o objetivo maior da
pesquisa qualitativa melhor compreender o comportamento e experincias humanas, e,
quem sabe, contribuir para melhorar as condies de vida de seus participantes.
O carter desconstrutivista nesta pesquisa no deve ser entendido como algo
relacionado destruio. Aqui a desconstruo to somente uma linha epistemolgica do
conhecimento cientfico que considera todo conhecimento como construo humana
interessada e politicamente objetivada. Assim, considera no somente as verdades impostas
pela cincia, mas, tambm, a verdade de cada sujeito em seu contexto histrico e cultural
especfico. Conseqentemente, a perspectiva descontrucionista almeja novos nveis de
conscincia crtica, tanto por parte dos participantes, como do pesquisador, reforando os
novos paradigmas do conceito de promoo da sade (SILVA; RAMOS, 2001).
Desta forma, este tipo de abordagem possui caractersticas marcantes: 1) respeita
as diferenas nas relaes com o outro; 2) busca crescente envolvimento dos participantes no
processo de pesquisa; 3) encoraja os mltiplos significados na leitura de um texto, ao tempo


49
em que considera nossas diferentes vivncias afetando a significao da leitura de um texto 4)
considera a pesquisa um espao importante para o cuidado, principalmente, para aes que
favoream uma crescente qualidade de vida em sociedade; 5) a pesquisa deve estar a servio
da felicidade humana, rompendo as barreiras das discriminaes, sejam elas quais forem
(SILVA; RAMOS, 2001).


3.2 LOCAL DO ESTUDO


O estudo foi realizado no Centro de Reabilitao Sarah Fortaleza, uma unidade
da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitao. A Rede SARAH gerida pela Associao das
Pioneiras Sociais (APS) - entidade de servio social autnomo, de direito privado e sem fins
lucrativos.
A APS, criada pela Lei n 8.246, de 22 de outubro de 1991, tem como objetivo
devolver o imposto pago atravs de assistncia mdica qualificada e gratuita aos cidados,
formando e qualificando profissionais de sade, desenvolvendo pesquisa cientfica e gerando
tecnologia. O carter autnomo da gesto desse servio pblico de sade faz da Associao a
primeira Instituio pblica no-estatal brasileira.
O SARAH-Fortaleza, inaugurado em setembro de 2001, dedica-se
especificamente neuro-reabilitao de crianas e adultos, contando com atendimento
ambulatorial e unidades de internao.
O Programa de Reabilitao do Lesado Medular desenvolvido por uma
equipe interdisciplinar composta de enfermeiros, mdicos, terapeutas funcionais, psiclogos,
nutricionistas, assistentes sociais, pedagogos, professores de educao fsica, farmacuticos,
entre outros. A equipe, a famlia e o paciente somam esforos para atingir a reabilitao do
paciente.
As atividades realizadas so de carter fsico, educativo e de apoio. So
utilizados, durante o processo de reabilitao, os mais diversos espaos fsicos da instituio,
como enfermarias, rea externa, ginsio, piscinas, entre outros.
O enfermeiro tem um importante papel na assistncia prestada ao paciente em
reabilitao, desde sua admisso ambulatorial at a alta hospitalar e comunga, com toda a
equipe, do objetivo de prestar assistncia individualizada e de qualidade.



50
3.3 SUJEITOS DO ESTUDO


Os sujeitos do estudo so mulheres adultas (maiores de 18 anos) com diagnstico
de seqela de leso medular traumtica, do tipo paraplegia. Para fins de delimitao, foram
solicitadas a participar desta pesquisa mulheres que tenham recebido atendimento no Centro
de Reabilitao Sarah Fortaleza nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2007.
Compuseram o grupo-pesquisador as mulheres que preencheram os seguintes critrios de
incluso: 1) mais de 01 ano de leso, por j terem passado pela fase aguda de choque medular;
2) residentes em Fortaleza, pela facilidade de deslocamento; 3) com disponibilidade de
participar da mesma.
Foi realizado o primeiro contato, por telefone, com todas as mulheres que
preenchiam os critrios de incluso, com o convite para participao na oficina de negociao.
Nesta oficina, foi apresentada e exposta s participantes a pesquisa e o que a sociopotica.
Informamos que o trabalho uma pesquisa para obteno do ttulo de mestre e a nossa
proposta de convid-las para formar o grupo-pesquisador e construirmos coletivamente um
saber acerca do tema gerador SEXUALIDADE. Foi composto um grupo com oito
mulheres.


3.4 BASES TERICAS DA SOCIOPOTICA


Foi utilizado como referencial terico-metodolgico a Sociopotica , abordagem
que me foi apresentada por minha orientadora em nossas conversas iniciais. Agradou-me
muito o fato de ser um mtodo ligado arte e criatividade devido minha afinidade pelas artes
plsticas. E mais ainda o fato de ser uma forma de pesquisar onde o sujeito do estudo
participa ativamente da construo do conhecimento da pesquisa e esta retorna a ele sob a
forma de socializao do conhecimento. O prprio autor da fala diz ao pesquisador se o que
ele interpretou est de acordo com sua verdade, o que confere Sociopotica um carter de
valorizao individual do sujeito. Desta forma, pesquisador se aproxima de co-pesquisadores
e fazem-lhes, naturalmente, se sentirem co-reponsveis pela pesquisa e valorizados em sua
participao.
A Sociopotica foi criada pelo filsofo e pedagogo francs Jacques Gauthier a
partir de sua experincia vivida no movimento sindical de luta dos Kanak, povo indgena das


51
Ilhas Kanaky, no Pacfico, na luta pela independncia contra o colonialismo francs. No
Brasil, tem sido desenvolvida nas reas de enfermagem, educao, psicologia e sociologia
(PETIT et al, 2005; SANTOS, 2005).
uma prtica social, educativa, de pesquisa e de cuidar que considera o ser
humano como ser poltico e social e apresenta duas caractersticas essenciais: a utilizao de
mtodos poticos, ligados arte e criatividade e a conseqente produo de uma poesia
crtica (SANTANA; SANTOS, 2005).
Na maioria das vezes, o pesquisador produz o sentido de sua pesquisa final escrita
a partir da participao (falas, escritos, entre outros) dos co-pesquisadores. Ele fala no lugar
do sujeito interpretando o sentido de sua fala. A Sociopotica vai mais alm, promove a
construo coletiva do conhecimento por meio da ao dialgica entre pesquisadores e
sujeitos da pesquisa, buscando a integrao na ao do cuidar, pois considera que ningum
melhor que o sujeito da fala pode lhe dar sentido (NEVES, ZAGONEL, 2006; GAUTHIER,
2004).
Esta abordagem , antes de tudo, um mtodo, um caminhar cujo corpo
constitudo pelo grupo-pesquisador. Este dispositivo analtico leva em considerao as
vivncias e culturas do ser humano e o primeiro princpio da Sociopotica. Este grupo
responsvel pelo desenvolvimento do processo de pesquisa. Os conhecimentos presentes no
grupo interagem e fazem emergir novas figuras. Assim, os sujeitos da pesquisa so co-
responsveis pelo conhecimento produzido. No campo do cuidar, este princpio expresso no
compartilhar do cliente com a equipe interdisciplinar os seus saberes sobre cuidar de si
(SANTOS, OLIVEIRA, CASTRO, 2006; PETIT et al, 2005; SANTOS, 2005; GAUTHIER,
2004). Este princpio transportado reabilitao traduz-se na valorizao da equipe ao
conhecimento prprio do cliente em relao ao seu auto-cuidado e estratgias j
desenvolvidas para sua reabilitao e na soma de esforos para sua melhor qualidade de vida.
O segundo princpio da Sociopotica diz respeito valorizao das culturas
dominadas e de resistncia na produo e leitura dos dados. Neste princpio, pode-se
considerar como cultura dominada do cliente em relao ao profissional de sade numa
relao em que o primeiro s aceita o conhecimento cientfico do segundo, e este esquece que
o cliente um ser cultural e tem seus valores, vises, crenas e experincias pessoais.
Respeitando estes princpios, o profissional de sade sai do patamar de nico dono do saber e
aprende, com o grupo, alternativas de cuidar e ao mesmo tempo as pessoas compartilham
conhecimento com o objetivo de melhor cuidarem de si e dos outros (SANTOS, 2005;


52
GAUTHIER, 2004). Refere-se equipe respeitando as crenas e valores que o cliente atribui
s suas experincia de vida.
O terceiro princpio considerar o corpo todo como fonte de conhecimento e
no apenas a razo. O corpo age integrado com o esprito e todas as formas de pensar. Ou
seja, da interao cotidiana e exposio s caractersticas humanas das pessoas surgem
experincias de vida que se manifestam nas relaes humanas atravs das mais diversas
formas como sensaes, emoes, sensualidade, gestos, entre outras formas de expresso.
Seguir este princpio, nada mais que tratar o ser humano com humanidade, sensibilidade e
solidariedade, o que essencial para a prtica de sade com qualidade (SANTOS, 2005;
SANTANA, SANTOS, 2005; GAUTHIER, 2004). a equipe interdisciplinar valorizando as
pessoas em seu aspecto mais humano, seus sentimentos, aflies, dificuldades de
enfretamento em relao doena, qual seja, agindo como facilitadores neste processo.
Favorecer, pelo uso de tcnicas artsticas, a emergncia de saberes constitui o
quarto princpio da Sociopotica. Este princpio utiliza o uso de recursos artsticos na
produo de dados, o que coloca o grupo-pesquisador numa posio geradora, estimulando a
criatividade e favorecendo a expresso de emoes e sentimentos de forma espontnea e
talvez mais abrangente do que responder a uma pergunta. A expresso desta sensibilidade
aproxima o profissional do cliente favorecendo o crescimento e a realizao mtua de
pesquisador e co-pesquisadores. O pesquisador/educador/cuidador tem o papel de facilitar a
auto-organizao do pensamento grupal em relaes de dialogicidade contribuindo para a
transformao potica das pessoas, o que gera conceitos de cientificidade, de educao e
cuidar mais humanos (PETIT et al, 2005; SANTOS, 2005; GAUTHIER, 2004). Traduz-se na
equipe interdisciplinar se aproximando de forma sensvel de seu cliente, ajudando-o a
expressar suas emoes e sentimentos de forma criativa, ao mesmo tempo em que o
profissional reabilitador assume papel de educador e cuidador ao ajudar o cliente a organizar
seu pensamento de forma dialgica a enfatizar os objetivos de sua reabilitao.
O quinto e ltimo princpio, porm, no menos importante, a interrogao,
pelo grupo-pesquisador, do sentido poltico, tico e espiritual, ou seja, humano, do
processo de pesquisa desenvolvido e das formas de socializao da mesma. Gauthier
(2004) afirma que a Sociopotica pretende atender a essa exigncia, pela anlise do
pensamento do grupo-pesquisador como se o grupo fosse um filsofo s, criador de conceitos
e o pesquisador o facilitador da pesquisa. O sentido espiritual e humano na pesquisa so
afirmaes do compromisso tico do pesquisador com a pesquisa e com as pessoas nela


53
envolvidas. Faz-se necessrio lembrar o significado de "Sociopotica", referente a socius de
raiz latina, "quem compartilha o mesmo po e do grego poiesis de criao, e em relao
prtica de sade, pode-se dizer que educar, cuidar e pesquisar dependem da aceitao e
envolvimento das pessoas (cuidadores e cuidados) nesta atividade (SANTOS, OLIVEIRA,
CASTRO, 2006; PETIT, et al, 2005; SANTANA, SANTOS, 2005; SANTOS, 2005). Uma
pesquisa beneficia a comunidade por formas diretas e/ou indiretas, e a socializao da
produo do conhecimento compartilhado uma das formas diretas de retorno do sentido da
pesquisa aos colaboradores da mesma. contaminar as pessoas com as idias comuns do
grupo de que a reabilitao possvel e desejada envolvendo as outras pessoas para a
comunho deste pensamento.
Santos (2005) caracteriza a Sociopotica como um mtodo essencial para a prtica
de enfermagem, na medida em que proporciona uma interao entre cliente e profissional
indispensvel ao cuidar, por partir do pressuposto de que todas as pessoas possuem saberes.
Promove, assim, a dialogicidade no cuidar e estimula em seu cliente um desejo de saber sobre
seu viver e conviver no mundo almejando bem-estar. Procura revelar o que no est bvio, o
que est escondido, mas que indispensvel compreenso e ao cuidado.
A enfermagem uma profisso que visa o cuidar e a Sociopotica permite
pesquisar-cuidando, uma vez que promove o saber como uma construo coletiva entre o
pesquisador e o grupo. Nesse caso, o saber no exclusivo do pesquisador, que o repassa ao
grupo, mas assume significado para todos os sujeitos da pesquisa, na medida em que
representa as vozes, sentimentos e percepes de pessoas, de uma forma que pode ser
entendida (SANTANA, SANTOS, 2005).
O enfermeiro visa sobretudo o cuidado sade. No se pode pensar na sade do
ser humano sem pens-lo como o ser poltico e social defendido pela Sociopotica, pois os
aspectos fsicos, mentais e sociais so diretamente influenciados pelo ambiente, condies
materiais de vida, seus ideais de liberdade, questes sociais gerais, economia do lugar em que
vive, situao de emprego, troca de experincias e subjetividade humana, entre outras
(SANTOS et al, 2002).
Nesta perspectiva, o trabalho realizado pela enfermagem desenvolvido com arte
(criatividade, esttica), tica (respeito, compreenso) e cincia (conhecimento, pesquisa)
produzindo bem-estar, o qual direito fundamental do ser humano (SANTOS et al, 2002).
Portanto, esta abordagem da pessoa como um ser poltico, tico, moral e social - a
Sociopotica tem seu lugar na prtica de enfermagem, pois considera o cliente, tambm,


54
como co-responsvel pela promoo do almejado bem-estar, assim como tambm de
fundamental importncia a participao e construo conjunta do conhecimento com o cliente
que tem leso medular em busca de sua reabilitao social, poltica e de seu bem-viver alm
dos limites/muros dos centros de reabilitao.


3.5 OPERACIONALIZAO DA PESQUISA: o mtodo do grupo-pesquisador


Em um primeiro momento, foi realizada uma pesquisa junto ao Setor de Controle
de Qualidade da instituio para identificar as mulheres que se encaixavam nos critrios de
incluso, perfazendo um total de trinta e trs mulheres.
O mtodo da Sociopotica se realiza por meio de quatro etapas, as quais
descreveremos a seguir, apontando tambm como cada uma dessas fases ocorreu em nossa
pesquisa. A seguir, apresentamos as etapas do mtodo da sociopotica, explicando como
desenvolvemos em nossa pesquisa cada uma dessas fases.
a) Oficina de negociao
O primeiro momento a oficina de negociao e formao do grupo-
pesquisador. Nesta oficina, o pesquisador apresenta sua proposta de produo de
conhecimento aos possveis sujeitos de sua pesquisa e apresenta o que a sociopotica.
Informamos que o trabalho uma pesquisa para obteno do ttulo de mestre e que a nossa
proposta era a de convid-las para formar o grupo-pesquisador e construirmos coletivamente
um saber acerca do tema gerador SEXUALIDADE. Foi explicado ao grupo que esta
atividade difere daquela realizada nos grupos de orientaes e no se trata de aulas e/ou
palestras acerca do tema. Inicialmente, foram convidadas 17 mulheres para esta oficina,
obtendo-se a confirmao de 12 delas. A data de sua realizao foi 03 de abril de 2008.
Este nosso primeiro encontro gerou certa angstia para esta pesquisadora, pois boa
parte das convidadas se atrasou e algumas das que chegaram primeiro tinham hora marcada
para sair. Assim, tivemos cerca de 40 minutos com o grupo completo. A sinalizao das
pacientes de que o tempo era escasso nos gerou certa inibio e angstia. Por isso, no houve
um aquecimento inicial sobre o tema. Foram apresentados os pontos propostos e solicitado
que elas expusessem suas opinies.
Embora tenhamos deixado claro que o tema do encontro se tratava de uma
pesquisa acerca da sexualidade, as pacientes todas elaboraram seus discursos manifestando


55
sua gratido instituio no que diz respeito ao atendimento e processo de reabilitao.
Embora fugindo ao tema, no interrompemos as falas das mesmas e deixamos que elas
falassem livremente.
Algumas mulheres, ainda nesta oficina apresentaram vrios motivos para no
comparecer aos encontros seguintes: dificuldades de transporte, mudana de cidade,
desinteresse pelo tema, coincidncia com horrio de trabalho, entre outros. Das doze, seis se
comprometeram a dar seguimento pesquisa. Porm, no final daquela tarde, eu e o psiclogo
samos de l com o sentimento de que algo no teria ido to bem quanto o pensado antes.
De fato, nas confirmaes para a semana seguinte, somente duas mulheres
realmente firmaram o compromisso de comparecer. Assim, marcamos uma nova oficina de
negociao com mais mulheres, sendo que seis se interessaram em comparecer para o dia 17
de abril de 2008.
Nesta sim, foi possvel, com um intervalo de tempo mais confortvel inserir uma
tcnica que favorecesse a aproximao com o tema. Utilizamos a HISTRIA DO NOME. O
grupo se dividiu em duplas as quais deveriam compartilhar entre si a histria da origem de
seus nomes. Foi uma tarde agradvel, bem diferente daquela angstia inicial da semana
anterior. Ao final deste momento, oito mulheres se dispuseram a fazer parte do grupo-
pesquisador. Nesta mesma data, iniciamos a segunda etapa do processo.
b) Oficinas de produo de dados
Este segundo momento constitudo pelas oficinas de produo dos dados.
Falamos em produo de dados e, no, em coleta de dados, pois partimos do princpio de
que o real est em constante produo, no existindo um mundo j dado, no qual podemos
coletar (SILVEIRA, 2004). A produo se deu com a realizao de oficinas nas quais
utilizamos tcnicas artsticas para favorecer a produo de conhecimento acerca do tema
gerador. Cada oficina de produo foi composta de dois momentos. No primeiro, realizamos
uma atividade de relaxamento objetivando concentrar o grupo na questo da pesquisa. Em
seguida demos incio produo dos dados propriamente dita por meio de tcnicas como
pintura, desenho, colagem, entre outras. As tcnicas sero especificadas nos captulos
seguintes, pertinentes a cada oficina.
Aps a produo coletiva do dia, cada co-pesquisadora apresentou verbalmente
sua produo, discorrendo sobre ela e correlacionando-a com o tema da pesquisa: a
sexualidade. Estas falas foram gravadas em dispositivo de gravao digital do tipo MP3
player. Foram necessrias duas oficinas de produo de dados.


56
c) Anlise dos dados
O terceiro momento com o grupo-pesquisador a oficina de anlise-
experimentao dos dados. Neste momento tambm a participao do grupo-pesquisador a
chave do processo, pois ele quem inicia a anlise dos dados, comentando-os. Foi realizada
uma oficina de anlise, onde o material plstico e as falas transcritas foram entregues para o
grupo-pesquisador para que elas pudessem discutir todo o material produzido. Nesta fase,
espera-se que o grupo traga tona os elementos que os constituem, tudo aquilo que foi
capturando ao longo da sua vida e que agora possa ser utilizado como referencial de anlise.
Segundo Gauthier (1999), os facilitadores participam discretamente deste momento, sensveis
fala do grupo. Tudo que o grupo-pesquisador produzir nesse momento de anlise ser
registrado por meio de gravaes e tambm constar no relatrio de pesquisa, ao lado das
anlises do pesquisador oficial.
A anlise realizada pelo pesquisador oficial se apresenta da seguinte forma.
Terminada a oficina de anlise do grupo, o pesquisador oficial, de posse de todo o material
produzido, realiza suas prprias anlises de acordo com a proposta do mtodo da
sociopotica. A anlise da produo plstica do grupo feita separadamente, pois se trata de
um tipo de expresso bastante diferente da oral ou escrita. Conforme orienta Silveira (2004),
importante que a anlise deste material ocorra. A anlise das produes plsticas busca
compreender o que expresso por meio dos materiais confeccionados durante as oficinas pelo
grupo-pesquisador, mas que no est dito to claramente nas falas dos sujeitos. So discutidos
os elementos, formas, texturas e disposies destes elementos em cada produo, fazendo
uma correlao com o tema.
No segundo momento, analisa-se a produo verbal do grupo procurando
multiplicar ao mximo as possibilidades de produo de sentido. As tcnicas de anlise do
material verbal propostas pela sociopotica so: anlise classificatria, estudos transversal e
filosfico.
Na anlise classificatria, tomam-se as transcries das falas do grupo e
classifica-se este material de acordo com categorias temticas extradas da prpria fala do
grupo. Organizam-se as falas em quadros, agrupando aquelas que possuam afinidade
semntica, construindo as categorias. Depois disso, observa-se, em cada uma delas, as falas
que convergiram, as que divergiram, as oposies, ambigidades e os paradoxos presentes.
Aps esta separao por categoria temtica, parti-se para a anlise transversal.


57
No estudo transversal elabora-se um texto mais fluido onde, procura-se ligar o
material dividido na anlise classificatria, identificam-se as passagens, fluxos e relaes
entre esses dados, procurando ligar aquilo que a categorizao separou e identificar as
sutilezas dos pensamentos expressos.
Por fim, tem-se o estudo filosfico que pretende buscar os confetos produzidos
pelo grupo para correlacion-lo ao pensamento filosfico/cientfico convencional,
estabelecendo uma comunicao que nos permita perceber suas convergncias,
complementaridades ou oposies. O termo confeto foi criado por Gauthier (2004) para
referir-se aos conceitos produzidos pelo grupo-pesquisador os quais se distinguem do que
seria bvio e esperado no contexto, por dar-se na composio de um plano de consistncia
onde conceitos e afetos se misturam configurando a realidade de novos saberes.
d) Oficina de contra-anlise
O quarto momento a oficina de contra-anlise dos dados. Nesta fase da
pesquisa o pesquisador apresenta as anlises que realizou ao grupo-pesquisador para que este
possa avali-las, aceitando-as, alterando-as ou rejeitando-as e propondo a sua contra-anlise.
Acontece um movimento dialgico de alianas ou bifurcao de sentidos, pois os conflitos
nem sempre encontram solues e a divergncia tambm considerada produtiva. Foi
realizada uma oficina com este objetivo, descrita em captulo especfico.
e) Socializao da produo
Por fim, ocorre o momento de socializao da pesquisa. Para finalizar a pesquisa,
o facilitador no somente oficializa o trmino da mesma e publica seu trabalho, mas discute
com o grupo uma proposta de socializao do conhecimento produzido que envolva tambm o
grupo-pesquisador. Pode ser uma pea de teatro, uma poesia, msica, exposio da produo
plstica, entre outras. O grupo que decide como se d este momento, que tem como objetivo
a elaborao de um produto final de pesquisa por parte do grupo. Esta passagem , sobretudo,
um compromisso tico-poltico com as pessoas que assumiram e co-participaram da pesquisa.
Por toda esta dinmica, acreditamos que, embora no haja garantias que as
mulheres que participaram deste grupo realmente desenvolveram uma maior autonomia nas
relaes que permeiam sua qualidade de vida, o grupo foi um espao que ofereceu momentos
de reflexo no que diz respeito sua participao ativa em seu processo de reabilitao, para
alm dos limites do centro de reabilitao. Estamos cientes de que h toda uma gama de
fatores externos que influenciam todo este processo continuamente, mas acreditamos,
tambm, que lanar uma semente neste campo poder favorecer o despertar da conscincia


58
para a importncia desta autonomia.
Em nosso estudo, essa fase est em elaborao. O grupo dialogou e achou que a
melhor forma deste momento ocorrer seria organizar uma tarde, na qual elas possam convidar
outras mulheres que vivenciam a leso medular para um grande dilogo. Ainda estamos em
discusso de como ser a melhor forma para que isso acontea.


3.6 ASPECTOS TICOS


Com relao tica normativa na pesquisa, preocupamo-nos em assegurar a
observao dos princpios ticos descritos na resoluo n 196/96 (BRASIL, 1996) que trata
da pesquisa envolvendo seres humanos e asseguram o consentimento livre e esclarecido dos
sujeitos da pesquisa (autonomia); compromisso com o mximo de benefcios e o mnimo de
danos e riscos (beneficncia); garantia de que danos previsveis sero evitados (no
maleficncia) e relevncia social da pesquisa (justia e eqidade). Todos os sujeitos do estudo
foram esclarecidos sobre as questes que envolvem a pesquisa atravs de um termo de
consentimento livre e esclarecido (APNDICE 1) conforme preconiza a mesma resoluo,
sendo assegurada a sua participao na mesma por anonimato. O projeto foi submetido aos
Comits de tica e Pesquisa da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitao e registrado sob o
nmero 224/07 (ANEXO A).















59
4 PRIMEIRA OFICINA DE PRODUO DE DADOS: construindo um corpo coletivo
uma mulher com duas cabeas


Esta oficina ocorreu, como j mencionado, em 17 de abril de 2008. Utilizamos
uma tcnica desenvolvida por Silveira (2004) e Gomes (2007) na qual foi fornecido ao grupo
materiais variados (tinta, lpis de cor e de cera, areia colorida, canudos, folhas secas, papel
crepom, cartolina branca, tesouras, revistas e jornais) e solicitado que elas construssem,
cada uma, a parte de seu corpo que elas considerassem mais relacionada sua sexualidade.
Foi dado o tempo de, aproximadamente, trinta minutos para que o grupo realizasse esta
proposta. Ao trmino, cada co-pesquisadora apresentou verbalmente sua produo,
discorrendo sobre ela e correlacionando-a com o tema da pesquisa: a sexualidade.
Aps a produo individual foi solicitado que o grupo construsse, a partir dos
pedaos de corpos expostos, um nico corpo, com vida e histria
3
. Em seguida, cada co-
pesquisadora comentou sua produo compondo o corpo da produo oral. Nos tpicos
seguintes apresentamos a anlise desse material.


4.1 CATEGORIZAO DO CORPO COLETIVO


As falas do grupo foram transcritas e organizadas em tabelas conforme a
categorizao de sentido das mesmas. Enxergamos cinco categorias: 1 - Sentidos atribudos
ao sexo e sexualidade; 2 Relaes afetivas antes da leso medular; 3 Relaes afetivas
com o parceiro aps a leso medular; 4 - Sentidos relacionados maternidade e 5 Sentidos
atribudos s relaes com o corpo. Respeitando o anonimato, todos os nomes apresentados
nas falas dos sujeitos foram substitudos, ao longo de todo este trabalho.

1 Sentidos atribudos ao sexo e sexualidade
1. (...) e essa coisa de sexualidade, de sexo em si mesmo, esse relacionamento, essa energia eu
canalizei para um trabalho que a gente realizava muito que um trabalho assistencial que a
gente d continuidade, ento, a minha vida trabalhar numa creche, numa favela aqui do
Lagamar, e me dedicar muito a isso que isso me preenche e me gratifica, ento eu tenho um

3
A produo plstica dessa oficina ser apresentada no captulo especfico para anlise da produo plstica.


60
vislumbre do lado assim propriamente espiritual do que propriamente material, do sexo, do
fsico, entendeu? Eu consegui, eu acho que esse sexo, ele transcendeu, ele espiritualizou-se de
uma forma to boa, to gostosa, to plena, que eu no sinto falta do fsico, do material, eu no
sei se eu me fao entender, mas eu me sinto muito assim.
2. [Sobre o corao] Esse amor... Aqui eu quis mostrar a terra, eu quis mostrar aqui a terra no
... E foi nossa vivncia muito de mato, de praia, como ela , n? [se referindo Julieta], a
gente fez muito amor na praia. [O sexo] muito ligado assim natureza.
3. (...) que s vezes eu ia com o namorado, com o marido, era banho de rio, banho de chuva,
banho de mar, ento, fiz muito amor no mar, e banho de cachoeira, porque no tinha aqui,
mas inclusive com esse meu marido que morreu, que atirou em mim, a gente tomou muitos
banhos de cachoeira na serra fazendo amor. Tudo isso aqui eu acho que faz parte de uma
sensualidade, mais sensualidade do que sexualidade, a junta, n?
4. E eu acho assim que eu consegui aqui expressar mais ou menos sintetizando assim o que eu
penso do amor, da vida. Eu no sou contra casamento, de maneira nenhuma. Muito pelo
contrrio, eu sempre incentivei meus filhos a casar. Mas a minha filha tambm teve um
bloqueio porque ela tambm teve 3 noivos pra poder casar com o terceiro. Acho que isso,
muito embora, eu sempre dizia pra ela, voc no vai ter me toda vida. Um dia voc vai ter
que enfrentar a vida s e melhor voc enfrentar com uma pessoa. Agora saiba escolher, eu
no soube escolher. Mas voc sabe escolher, voc pode escolher e engraado que ela
realmente, ela tem 5 anos de casada e ela tem um casamento timo. Eu tenho um genro
maravilhoso.
5. E assim, graas a Deus... (isso prova que existe amor sem ter sexo Isolda) Pode sim,
pode acreditar, porque eu e meu marido, ns tem amor e um amor grande, eu e meu marido.
(...) O amor, conserva a pele.
6. e uma coisa que sempre me chamou ateno o meu pensar, como eu falei no incio, que o
amor e o sexo t ligado ao sentimento, n? E o smbolo do amor e do sentimento em qualquer
rea que a gente estude o corao. E eu fiz aqui um corao, pequenininho assim, mas o
meu bem grande, e a t partido ao meio assim, porque pra mim assim, sou eu, a minha parte
e o outro, n? Significa compartilhar e significa tambm que sentimento e que igual
beleza.
7. Aqui eu procurei, e esse corao que nos une ao espao que eu coloquei aqui azul e com
essas estrelas, n? E essa relao muito de que realmente quem ama jamais se separa, eu
acredito fielmente nisso. Eu acho que o amor ele transcende a tudo, matria, a tudo.


61
8. (...) ento eu vivo assim [sem sexo], mas eu no tenho tristeza por isso, eu procuro ser uma
pessoa mais alegre e participativa da vida, tentei levar minha vida sozinha em casa mesmo e
eu me sinto uma pessoa muito feliz at porque eu tenho o meu Deus que me ajudou e tudo e
me deu muita sabedoria pra eu superar todas as minhas dificuldades.
9. Eu acho que o sexo tambm est relacionado famlia, amor, amizade, e vida tambm, n?
Eu botei aqui amor, famlia, amizade e vida. Eu acho que t relacionado, tudo relacionado,
n? Ao sexo mesmo. isso que eu acho, porque se no estiver tudo desse conjunto, no tem,
no rola sexo, no rola nada, n? Se no tiver amizade, se no tiver o amor, porque eu
tambm acho que sexo s pode rolar se for com amor.
10. Tem muita menina novinha que o negcio dela, sair com o menino, n? Ficar e j rola
sexo, no tem amor, s sexo, sexo, sexo, eu no acho isso certo, apesar de eu no ter
tambm, sabido escolher a pessoa certa pra mim, n? Rolou o sexo porque eu amava ele, n?
Foi com ele que eu perdi a virgindade, foi com ele que eu tive dois filhos.
11. Ta aqui meu desenho para vocs ver. Na verdade, eu escrevi mais do que desenhei. E
para mim, assim, sexualidade uma pirmide. Tem que comear assim, com muitas coisas
assim mesmo, ter, n? Paz de esprito mesmo, respeito, n? Mtuo, n? Compreenso,
carinho, respeito, tranqilidade, pra poder ocorrer mesmo, n? De fato, e de verdade mesmo a
sexualidade. Acredito que nossa sexualidade t no crebro, n?
12. Acho que a sexualidade vem mesmo assim de dentro mesmo da gente. Mexe muito com a
cabea, n? Porque tem gente por a com as pernas boas mesmo que no tem uma vida a dois,
n? Tranqila, n? E como eu botei aqui no meu cartazinho: sexualidade no tudo, mas algo
importante para a vida a dois, um alimento que acalma os nervos, alegra, e aumenta nossa
auto-estima.
13. [Sobre os coraes] Ah, porque tem que ter muito amor, n? Porque eu acredito que ns
no somos mquinas, n? E a gente precisar estar bem consigo mesmo, a gente que estar
tambm com corao limpo, sem guardar mgoa daquela pessoa, e tudo, porque sexo, ns no
somo cachorros, n? Pra fazer sexo de qualquer jeito, ento a gente tem que estar bem, n?
Evoluda espiritualmente, e deixar rolar, n?
2 e 3 convergem ao associar sexualidade e natureza. Entretanto 03 ressalta que isso est mais
relacionado sensualidade.
4, 5, 6, 7,9, 10 e 13 convergem ao associar o sexo ao amor e ao sentimento. Entretanto, o
discurso de 4 paradoxal na medida em que diz que no contra casamento, mas que
preciso muita escolha. Para 5, no entanto, h possibilidade de amor sem sexo.


62
11 e 12 associam a sexualidade mente (crebro, cabea).
1 e 8 associam o sexo a alguma forma de sublimao (voltando o interesse para o trabalho, no
caso da primeira e para Deus e a alegria de viver, na segunda).


2 Relaes afetivas antes da leso medular
1. O segundo [marido], esse que atirou em mim, durante 14 anos, ele foi um marido excelente,
por incrvel que parea! Quando eu digo isso at as pessoas dizem, talvez tenha sido at o fato
de eu perdoar, eu acho at porque o que eu acho que ele fez de bom pra mim em vista desse
tiro que ele me deu e tambm porque eu tenho uma espiritualidade muito assim, avanada, o
povo diz pra mim: como que tu consegue perdoar uma pessoa que fez isso contigo? Matou
tua me, matou teus dois tios, e perdoei, perdoei, perdoei, perdoei, mesmo e talvez at se ele
tivesse vivo eu conseguisse olhar pra ele e dizer: Eu perdoei. Principalmente porque eu sei
que no caso dele foi um surto de loucura, na hora que ele teve presente pra fazer isso eu j vi
que ele no era mais a mesma pessoa.
2. (...) e pra mim foi muito difcil porque o meu casamento na realidade sempre foi uma
furada, e eu, na poca, era a poca que eu mais sofria, a poca quando eu tava de resguardo,
quando eu tava amamentando, era a poca assim que eu sofria muito. E eu no sei, at acho
que eu deveria, na poca [da separao] eu deveria ter feito alguma terapia, algum tratamento
com relao a isso, ao casamento. Eu tive pessoas maravilhosas que passaram pela minha
vida, quando, n? Quando eu separei, eu tinha 31 anos, era muito jovem e tudo, e sempre tive
muito medo de casar, ainda hoje, n? Eu queria falar s um pouquinho em relao ao que ela
falou, em relao ao casamento, embora eu tambm no tive um casamento feliz, embora a
minha idia era casar, eu casei aos 24 anos, virgem, queria que desse certo pro resto da vida,
minha idia era envelhecer, duas cadeiras de balano, eu e ele, queria que fosse pra sempre,
eu o amava muito. Eu penso que, eu acredito tambm que ele me amava, no da mesma
maneira, de uma outra maneira, ele me amava e s outras mulheres do mundo todo, tambm
(risos de todas) e eu, n?
3. Eu acredito que eu sou um pouco diferentes das outras, acredito at que de todas vocs,
porque est com 16 anos, n? Que meu marido partiu juntamente com a filha, n? E de l pra
c eu continuo muito ligada. Eu me surpreendi semana passada quando de um plano de sade
queriam saber a minha condio atual, n? Como que eu me, como que eu era, n? E eu
fiquei muito, assim, eu no gostei de dizer que eu sou viva porque eu no me sinto viva. Eu


63
achei uma palavra muito pesada, muito pesada pra mim. Eu no, eu no me ligo, eu no ligo,
eu no vejo uma distncia muito grande, eu no vivo fixada nele nem nada, mas ele foi aquele
amor pleno, completo, que eu sinto que ele continua e como eu coloquei aqui assim na terra
como espao, porque eu realmente acredito que quem ama com tanta intensidade, tanta
entrega, tanto carinho, como foi a minha relao com ele, n? Ns tivemos, eu acredito que
Deus estava nos abenoando por antecipao, n? O pouco tempo que a gente ia ter, porque
foi tudo muito maravilhoso enquanto durou e que essa lembrana, esse amor, esse carinho, ele
permanece. No que eu viva ligada, pensando nele, mas eu no me sinto distante, eu sinto que
realmente quem ama jamais se separa e tambm esse amor permanece.
4. Eu sou caso pra estudo viu? Como pediram pra desenhar uma coisa sobre o que eu pensava
sobre sexualidade, eu fiquei sem saber, porque realmente eu nunca me imaginei assim, eu
tenho 20 anos de separada, eu no tenho marido, ele vivo, mas eu sou viva de marido vivo,
e .... [risos], sou viva de marido vivo.... Eu passei 16 anos casada. Eu no tive um bom
casamento. Vocs aqui falaram cada uma do seu. Eu tive um pssimo casamento. No quero
nem me aprofundar muito nisso, no, mas deixa eu, s eu concluir aqui. Ento, a, assim,
como faz 20 anos que eu sou separada, eu com 8 dias de casada eu chorei arrependida, por a
voc, conclui o resto e eu no tenho, mas assim, eu no perdi o amor pela vida, no, de jeito
nenhum eu tenho certeza que eu no sou uma pessoa amargurada, eu gosto de viver...
5. Mas tambm que nem minha me disse, eu no soube escolher, foi por causa dele que eu
to de cadeira de roda, por causa que bebia, botava boneco, usava droga, botava boneco no
meio da rua e a no dia em que o cara foi matar ele, eu tava junto, e levei tiro tambm, n?
Levei um tiro nas costa e fiquei, n? Paraplgica, j ele, teve trs tiro e est a, bom, j est
com outra famlia, depois que eu separei dele, j faz 2 anos, j t outra mulher, j t com outra
menina, outra menina, outra filhinha, n? Eu tenho uma filha dele, de 2 anos, pois , foi isso,
n?
1 e 3 convergem ao falar que seus casamentos foram experincias muito boas. Entretanto, o
discurso de 1 paradoxal, na medida em que cita seu ex-marido como causador de sua leso.
2,4 e 5 convergem ao falar que sua experincia de relacionamentos antes da leso medular foi
negativa e algumas vezes, infeliz.



3 Relaes afetivas com o parceiro aps a leso medular
1. Ele me recusou. Me recusou e tudo mais. Eu tambm me envergonhei dele, eu no tinha
coragem, a tambm eu enjoei. No queria mais nada com ele, no deixava nem ele sentar na


64
minha cama, mas porque ele era muito injusto comigo, sabe? Muito injusto, porque ele nunca
foi um bom marido. Assim, foi um bom dono de casa, mas bom marido, no. E agora ns
somos bons amigos, moramos juntos. (...) E chorava muito, porque com minha depresso eu
chorava demais, porque eu no aceitava o que ele fazia, porque ele era muito farrista, e ento
eu rezei muito, pedi muito a Deus pra mim deixar de gostar, pra mim sofrer menos, n? Me
libertar. Ah, e como Deus foi bom, me libertei. (...) Hoje a gente vive como amigo, eu saio pra
onde eu quero e ele sai pra onde ele quer, mas eu tive muita depresso. Eu botei aqui, n?
Tirei aqui, quis botar aqui, n? O recorte, mais falando mais s de mim, porque depois do
acidente, n? Acabou marido, no tenho o que dizer, quer dizer que eu me casei muito nova,
tambm, e ento, 39 anos de casada, e 11 de acidente, ento depois do acidente no houve
mais nada.
2. (...) a sua dificuldade [referindo-se co-pesquisadora 8], depois que aconteceu comigo, n?
O tiro, eu no tive mais nenhum parceiro, no tive relacionamento nenhum com homem, com
ningum, nada. Talvez at porque eu esteja na menopausa, a gente perde mesmo o interesse
assim. Eu tenho abuso de homem.
3. Eu sou muito egosta, eu perco, mas eu no divido, eu digo muito isso pro George, n? Que
ele um homem muito bonito, e ainda umas pessoas que paqueram com ele, a eu disse pra
ele que se algum dia aparecer uma outra pessoa, n? Que ele se interesse por ela, que ele me
avise e a gente. Mas que eu no divido, eu no divido homem, como tambm eu no me
divido. Vou completar 48 anos, o George tem 61. E eu moro na minha casa e ele mora na casa
dele. Maravilhoso! No tem coisa melhor, e ontem de noite, ele falando: Eu tava pensando
em casa, esses dias que eu tava doente, assim, se a gente fosse casado era melhor de cuidar de
voc. Me d um negcio, me sufoca, me sobe por aqui. Ento, eu acho tambm, casamento
muito bom pros outros, mas eu quero continuar namorando, muito bom namorar, ento eu....
E agora, n? Atualmente, n? Na minha nova vida, quando eu conheci o George, que ele se
props que a gente comeasse a namorar, aquela coisa toda, e ns namoramos seis meses pra
poder chegar, n? A alguma intimidade maior, ento foi, com as conversas e tudo, com
beijinho, um dia a gente tava na rea de casa, namorando, um dia de sbado, e ele pela
primeira vez, n? Me tocou, tocou meus seios e eu depois de sete anos que eu tava sem vida
ativa, sexual, eu percebi que estava completamente viva e foi maravilhoso e at hoje est
sendo [palmas]. (...) ele estando l em casa eu no posso pedir nem um copo dgua a
ningum, tem que ser ele pra fazer tudo por mim, e isso...
4. Eu sempre tive aquela coisa, como eu vou dizer... [sorri e se esconde atrs de seu desenho].


65
Eu sempre mandei nos homens na minha vida (risos), sempre fui muito autoritria, muito
dona da situao, ento pela primeira vez eu fiquei a merc de um homem e como eu temia,
n? Como Anita mesmo falou, a gente muito gente e temos nossas dificuldades, foi uma
coisa que no foi fcil pra mim, aceitar, aos 42 anos, depois de sete, de sete de lesada uma
pessoa na minha vida.
5. (...) mas agora t aqui como que eu era. Olhe, sexo, amor, bom demais. Mas de 11 anos
pra c, eu no sei se ainda bom demais (risos). A aqui, eu queria ser, n? Queria que
voltasse tudo de novo. (...) Pode ser que eu ainda encontre uma pessoa que... um George na
vida [referindo-se ao namorado de Garbo], que eu possa saber, pra mim poder.. Que a
prxima reunio, quem sabe, eu possa dizer se o sexo ainda bom? A, , isso, n?
6. E o seguinte, eu falei ali pra ela que ela falou, ela falou que o amor t por cima de tudo,
eu falei pra ela que uma verdade, voc sabe por que eu falei isso, pelo seguinte, eu to com
sete anos dessa minha, desse meu acidente. Comecei, sem andar, passei 1
ano e 5 meses em cima duma cama, eu vim pra c foi em 81
4
, que eu vim pra c. Mas eu no
pude ficar porque eu tinha uma escara a voltei. Quando foi em 2002 eu vim no comeo do
ano. Eu vim, fiquei aqui (no centro de reabilitao), fiquei na cadeira de rodas. Hoje eu tenho
sete dessa minha leso e durante esse tempo todinho que eu tenho essa minha leso, eu vivo
com meu marido, eu tenho um marido porreta. Mas ns no temos sexo, eu no tenho
relao com ele, e no sinto uma falta. como se fosse uma coisa normal, e ele me ama
demais... E eu no sinto um pingo de vontade. Eu sinto uma dor to grande, que s falto
morrer, por isso que eu no Vou fazer 45 anos, agora dia 16 de novembro. Eu no tenho
vontade, no, sabia? Meu marido me ama, eu sei que ele me ama e eu amo ele. Porque, , ele
t sempre do meu lado, todo final de semana a gente viaja, ento eu fiz aqui, eu sou muito
sexy, mas no tenho nada, s um corao bem grande. [Sobre o desenho] As frutas esto
relacionadas mais alimentao mesmo. Pode acreditar. Meu marido tambm me d prazer
assim de eu ver lindo e maravilhoso do meu lado, aonde a gente chega o pessoal vem logo
interditar, vem logo parabenizar ele porque ele me trata muito bem a a gente j faz uma nova
amizade, sabe? Todo dia ele passava aqui 6h, 6 e meia da manh, 6 h da, 6 e meia da noite eu
tava sempre l no ptio toda vida que ele passava, seu eu no tivesse l ele parava do outro
lado e ficava l esperando at eu ir l pra mim ver ele. Quando ele no podia vim aqui porque
sempre num era toda vida porque ele era sub-gerente l de onde trabalhava, a no podia ta

4
Apesar de Juliana Paes citar o ano de 1981, na realidade, este momento aconteceu no ano de 2001.


66
faltando, n? Estar saindo assim, n? Para aqui acol estar me visitando a quando passava
tinha oportunidade pra me ver l em cima, a as menina Teu marido t passando, no era,
no? Eu fazia questo de tomar banho 5h da manh pra quando fosse 6h eu j estar ali no
ponto pra ver ele. Ave-maria se eu no tivesse l ele ficava preocupado, quando era assim de
tarde, eu no via a hora de dar quatro hora pra ele ligar pra mim o que foi minha amiga que
aconteceu, que tu no tava l, que eu no te vi hoje?, porque s vezes tinha merenda e a eu ia
merendar quando eu me lembrava ento eu pensava que ele j tinha passado e voltava.
7. Surgiram pessoas na minha vida, amigos que queriam, uma relao, uma coisa mais
profunda, mas eu sempre encarei para o lado da amizade...
8. Quando, logo no comeo, que eu sofri o acidente que eu via meu marido pensando, mas ele
no tinha coragem de falar. Ele talvez tinha algum medo, alguma coisa assim. E a gente foi se
descobrindo, graas a Deus e hoje uma coisa natural. E minhas pernas no atrapalha, graas
a Deus em nada, que at o tabu assim que eu tinha um pouco de vergonha, acabou isso.
Graas a Deus, n? Porque meu marido novo ainda e eu tambm sou nova. No fao s pra
agrad-lo no, porque tambm, sexo tambm t na cabea da gente, n? E para mim hoje, levo
uma vida normal, minhas pernas no quer dizer nada. As preliminares tambm ajudam muito
e tudo. Claro que a gente, n? Assim o principal, pode at ter que algum que diga que, n? A
questo n? Que, a penetrao mesmo, meu marido at hoje, eu engano ele, ele acredita que
eu sinto alguma coisa (risos). Mas no sente nada. Eu no acredito que algum possa sentir
alguma coisa assim mesmo, s que quando t bem assim a sua mente, voc consegue ter um
prazer, embora voc no esteja sentindo nada, entendeu? Assim, questo da penetrao
mesmo, mas como a sua cabea est ligada, voc consegue ter algum prazer, questo crebro,
n? Acho que ta na cabea, n? E assim psicolgico, n?
1, 2, 5 e 7 convergem ao relatar a ausncia de uma relao amorosa aps a leso medular.
Para 1, isso ocorreu por recusa do marido, 2 acha que tem abuso de homem por causa da
menopausa. 5 porm, queria encontrar uma pessoa e saber como o sexo. Ao contrrio de 7,
que no quis uma relao aps a leso medular.
3, 4, 6 e 8 convergem ao falar da relao amorosa aps a leso medular. Sendo que 4 fala do
medo da relao, de estar a merc de outro. 3 e 9 relatam do modo como conduziram a
relao sexual em sua vida aps a leso medular. 6 fala de relaes de afeto sem sexo e 9
ressalta que o prazer t na cabea.


4 - Sentidos relacionados maternidade
1. Tenho trs filhas maravilhosas, so boas demais, que no tem! Boas filhas, muito, elas so
minhas, eu tenho elas como se fosse assim, minhas. J casaram todas 3, porque quem vai ter


67
filhas bonitas, n? Casam mais rpido (risos). Podiam, ser bonitas, no, mas inteligentes, n?
2. (...) e a o trigo, n? Eu coloquei aqui porque como uma renovao da vida, tambm,
porque aqui ao mesmo tempo em que me retratou me lembrou da minha maternidade agora eu
j estou na poca de viver a maternidade, as maternidades da minha nora, n? Que eu j sou
av, por duas vezes e tem sido muito bom, ela hoje foi ao mdico com o Bento de trs anos e
desmamou, colocou na chuquinha e eu me vi com a Letcia, n? De 1 ms, aqui no meu brao
e eu dando, o leite pra ela, e engraado que o George tava fazendo a unha com a manicure e
ela empurrando assim que s mama e no queria chuquinha e ele brincou ... Ento, aqui a
renovao da vida, a continuidade, a nossa vida sempre ta continuando e maravilhosa.
3. (...) pra mim, na maternidade, assim, como me, eu peguei essa gravura aqui, essa moa
amamentando para mim era a coisa assim, sagrada e mais difcil porque tinha que estar muito
disponvel, na hora que a criana chora voc tem que largar o que est fazendo e se
tranqilizar e a gente sabe que tem que estar bem emocionalmente pra que o leite saia, flua,
tem que passar aquela tranqilidade pra criana.
4. (...) eu tenho 2 filhos e me dediquei minha famlia, a meus filhos e pronto, entendeu? E
tenho minha netinha, j que tem um aninho, muito linda, fofa, j t andando pra todo canto,
viu? Correndo tudo.
2 e 3 convergem por mencionarem a amamentao como smbolo da maternidade. E 3 ainda
fala da amamentao como algo sagrado.
2 e 4 convergem ao falar da vternidade.
1 e 4 convergem ao falar da relao com os filhos. 1 fala sobre como so boas suas filhas e 4
sobre como dedicou a vida aos filhos.


5 Sentidos atribudos s relaes com o corpo
1. Mas graas a Deus to muito feliz, de vez em quando d uma acidentezinho comigo
[apontando para uma queimadura em regio sacra causada por compressa morna], mas (risos),
a gente vai vivendo n?
2. Eu tinha muito medo. Eu, eu tinha muito medo de estar fazendo amor e fazer xixi, tinha
muito medo de estar fazendo amor e fazer coc ou acontecer alguma coisa assim, n? Ele era
um estranho pra mim, eu o conheci na igreja aquela coisa toda, mas uma pessoa, n? Muito
especial, uma pessoa linda por dentro e por fora e eu coloquei todas essas questes, todos
esses medos pra ele e ele dizia: E por que que a gente no v isso junto? e se acontecer a v


68
como resolve e aquilo tudo, ento, dependeu muito dele, foi tanto que o sexo dependeu dele,
de mim acho que eu teria desistido logo assim, at mesmo por vergonha do que acontecesse,
se acontecesse.
3. natural que nesses cinco anos tenha tido algumas, no sei se tragdias, foram algumas
ocasies que constrangeram um pouco e por ele, ele procura resolver da maneira e deixar tudo
como se fosse muito natural, tanto que s vezes eu peo para ele pedir ajuda, n? Da
secretria, contudo ele nem quer...
4. [Sobre o trigo que faz uma moldura na gravura da mulher que amamenta] Alm de enfeitar,
pra ficar mais bonitinho, n? Que eu fiz assim, com muito carinho, uma coisa que quando eu
falo, uma das partes da minha vida que eu gosto muito de falar, sobre isso, sobre sexo,
sobre a sexualidade.
5. Mas essa parte a da sensibilidade eu acho tambm que ta ligada muito altura da leso.
Eu acho que quanto mais baixa a leso, mais sensibilidade voc tem. Quanto mais alta mais
voc vai perdendo a sensibilidade, por exemplo, se uma pessoa tem uma leso aqui (aponta
para o colo) ela no tem mais sensibilidade nem nos seios, n? J a minha bem aqui
embaixo eu sinto minha bexiga quando ela ta cheia, para fazer xixi. Eu sinto quando eu quero
fazer coc, mas as passagens eu no sinto. Eu tenho certeza que se eu fosse ter uma relao eu
tambm no sentiria a penetrao, mas eu acho que tem gente que talvez at sinta alguma
coisa. Por exemplo, quando eu vou fazer o cat, se eu botar a sonda mais um pouquinho, eu
sinto que j doeu, ta doendo aqui. Sabe a minha beeem... mas j bem l pro final eu acho
que eu j sinto que eu no tenho mais sensibilidade. Eu acho que ta ligado mais a altura das
leses. Nos homens, tambm, eu converso muito com os meninos, e eles dizem que quanto
mais alta a leso mais teso eles tm e eu nem entendo. Mas eu j conversei com eles e vrios
que so assim mais para tetraplgico dizem que tm mais teso de que um paraplgico, que
continua o teso por mais tempo, e eu digo ento deve ser uma coisa que ningum sabe que eu
nem entendo.
6. Eu desenhei aqui, meus seios, que foi o que restou e que sempre, quando eu era jovem a
parte que eu tinha mais sensibilidade era nos seios e permanece n? No que eu viva me
apalpando, no, mas quando eu vou me enxugar e tudo, no alterou nada, apesar dos meus 54
anos como se eu tivesse os 20. Permaneceu essa sensibilidade, na parte da sexualidade e as
coisas que eu gostava muito que me deixavam assim muito excitada...
7. Eu n? Sempre considerei os seios a parte do corpo da mulher, assim, muito sagrado, pelo
fato da gente amamentar, e ser capaz de manter uma vida, n? Tudo que sai ali... Eu sempre


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tive meus seios muito bonitos, sempre gostei muito deles, foi uma parte assim que me chamou
muito a ateno...
8. (...) e aqui saudade, porque eu sempre fui muito vaidosa, apesar do acidente, eu passei um
tempo com muita depresso, a graas a Deus me libertei. Fao como ela, no deixo minhas
vaidades.
9. Olha! Esse aqui foi o desenho que eu fiz. Aqui eu, linda e maravilhosa, e um corao bem
grande, porque eu posso ser pequenininha, mas eu tenho meu corao bem grande.
10. E aqui ao lado, umas frutinha, porque eu adoro fruta. Eu no sei por que eu tenho esse
corpo, isso aqui no ... Porque eu gosto muito mais de fruta do que almoar e jantar mesmo
comida pesada, eu adoro fruta, tanto no suco como a fruta mesmo natural.
11. Eu sou vaidosa que s, botei logo um brinco aqui, porque implica em beleza, eu acho que
sexo, amor, implica em beleza. E tambm implica vida, tem um bebezinho aqui, , implica
vida.
12. [Sobre a cor diferente marcando os seios] pra realar. E a cintura tambm, porque eu
tinha uma cintura muito sensvel. Hoje em dia tambm j t muito gorda, mas antes qualquer
toque na minha cintura, j assim, me arrepiava, n? Eu era muito sensvel nessas reas. E
ainda o que eu tenho de mais sensvel isso. A sensualidade minha t ligada mais nessas
reas.
13. Minhas perna, pra mim, no influi, nem contribui pra isso, no empatou nem nunca na
vida fez diferena pra existir uma sexualidade, na verdade.
14. E se ele faz alguma coisa isso a tambm no me interessa porque ele homem, e ele sabe
muito bem como se cuidar, n? Porque se acontecer alguma coisa com ele, j no me
prejudica, vai prejudicar ele, no a mim, n? Porque ele no tem nada comigo.
1, 2, 3, 4 e 5 convergem ao falar das alteraes de sensibilidade corporal aps a leso
medular, entretanto 2 e 5 so mais especficas no que diz respeito sensibilidade do ato
sexual
6, 7 e 12 convergem ao relatar sobre a sensibilidade em partes especficas do corpo.
8, 9, 10, 11 e 14 convergem ao falar da vaidade e cuidado com o corpo como algo importante.
Para 14, entretanto, o homem sabe mais cuidar do corpo.
13 diverge das demais ao no dar tanta importncia sensibilidade das pernas para sua vida
sexual.







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4.2 TRANSVERSALIZAO DO CORPO COLETIVO


Tal qual a proposta da sociopotica, agora momento de unir o que foi separado
anteriormente. Foi uma grande desafio, pois so muitas histrias densas, intensas para juntar
num corpo s...
Ei-la.

A Histria de Quintura Vida

Foram muitos os sentidos, idias e pensamentos ligados sexualidade. Iniciando
nosso passeio por esse universo percebemos, que o sexo transcende tudo, inclusive
matria. Ao construir um corpo coletivo o grupo traa uma cartografia da sexualidade. um
corpo que se chama Quintura, sobrenome Vida. Vamos a histria de vida dela.
Comeamos apresentando o corao, porque pra comear, sem corao, no tem
vida. Nele, o sexo precisa estar ligado ao amor, amizade, famlia, vida. So idias que no
concordam muito com as meninas que fazem sexo casual. Sexo s com amor. O sentimento
uma coisa que est muito embutida aqui, que independe de como ns estamos, fisicamente ou
no. Mas o amor, esse no precisa necessariamente de sexo. Alm do sentimento, o sexo
pode, tambm, estar ligado natureza: banho de chuva, banho de rio, banho de mar... Esse
corpo j viveu tanta coisa, que s de pensar j fica tremendo. Viveu uma histria completa.
Uma vida como a vida realmente , com as suas emoes, os seus padecimentos, momentos
alegres e tristes. um corpo completo, com suas experincias, opinies. Com muita saudade,
mas tambm muita coragem pra falar o que sente, muita energia.
Durante sua juventude namorou demais, danou demais, transou demais. um
corpo mesmo, de carne e osso. Depois veio o casamento. Ela lembra que preciso ter
cuidado, preciso saber escolher. Porque no fim, mesmo com amor, as relaes afetivas
podem envolver um casamento do tipo grande furada, com vivas de maridos vivos e trazer
infelicidade... s vezes muita infelicidade, deixando marcas em sua histria; marcas visveis
como um tiro de revlver, outras invisveis como o abandono e a solido. Quando Quintura se
lembra do casamento que teve ela se fecha pro amor, fica s no desejo. Por outro lado, se voc
souber escolher, seu casamento pode ser excelente, e mesmo depois de findar a matria vocs
jamais se separam. Por isso preciso saber usar a cabea, a razo.


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Mas um dia, de repente, um fato novo na vida de Quintura: uma leso medular.
Da em diante, muita coisa muda. So vrios os caminhos que podem se abrir. Como fica a
sexualidade? No existe s uma resposta.
Pode haver a recusa do seu homem. Mas, tambm, tem o outro lado, o de recusar
um, ter abuso de homem por estar na menopausa. Ou mesmo de no querer mais saber de
casamento nenhum, s de namorar, porque namorar maravilhoso. Alis, nem precisa ter
sexo para no ser triste, para ser participativa da vida, embora exista a curiosidade de saber
como o sexo depois da leso medular.
Da h quem diga que a sexualidade est no crebro, dentro de cada um e que
mexe com a cabea, outra cabea, a segunda, no a da razo. isso mesmo! Quintura tem
duas cabeas, porque muitas vezes pensa com a cabea e com o corao: assim, s vezes, a
gente pensa uma coisa e faz outra, a gente pensa que vai fazer de uma maneira e faz de outra.
Mas alm da cabea o sexo tambm est em outras partes do corpo de Quintura.
uma sensibilidade diferente, mas presente na cintura, nos seios porque sexo sem seios no d.
E as pernas... ah! A ausncia de sensibilidade nelas pode no ter influncia nenhuma para que
sua sexualidade, seu sexo continue presente e ela gosta muito de falar nesse assunto. Mas, s
vezes, Quintura tem saudade de danar de rostinho colado, seios colados... bom demais!
Essas diferenas que fazem o corpo ter vida. Nesses dias ela lembra que, antes da
leso medular, quando tinha relaes, a sensibilidade tava muito ligada parte da genitlia,
primeiro seio e depois clitris, e s tinha orgasmos se tivesse alguma estimulao no clitris.
Chegou at a pensar que pela alterao de sensibilidade no teria mais orgasmos. Mas depois
que Quintura teve a leso medular foi que percebeu que nunca tinha olhado tanto para sua
genitlia, como agora. Tem que estar em tanto contato, por conta do cateterismo.
Quando fala em sexo, Quintura tambm se preocupa muito com o entremeio, a
bexiga, o intestino... Nessas horas ela pensa que pelo amor de Deus, lesado no era pra ter
intestino, nem bexiga! Mas eles continuam l, embora, funcionando um pouco diferente,
verdade. Ela se lembra como aprendeu a reeducar o intestino, apesar dos imprevistos. E
lembra da vez que se sujou no carro do filho, e aquilo foi a maior da tristeza da sua vida. Ou
daquela outra vez em que se sujou de fezes numa noite de amor. Foi realmente uma prova de
fogo, mas s assim soube que podia mesmo contar com seu amor, com seu cuidado em limp-
la e perfum-la.
muito bom ter um amor, um companheiro, um marido para ajudar a relaxar a sua
mente, passar por cima de suas dificuldades e conseguir ter prazer. Se voc no tem esse


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amor, pode desejar conhecer algum que esteja disposto a te dar esse prazer, a conhecer o seu
corpo. Respeitar e compreender os medos dos acidentezinhos que porventura possam
acontecer.
Mesmo antes da leso ela sempre foi uma mulher que gostou muito de fazer amor
e depois desse tempo percebeu que continua gostando. Mas quando est naqueles dias da
menopausa, aqueles calores que sufocam, ela pensa que se tivesse homem perto dela, ela dava
um murro nele, jogava ele l pra longe, e no sente falta de sexo. Mas os calores de Quintura
no so s de menopausa no. Lembra daquele fogao que sentia na hora da relao. s vezes
conclui que aquilo vinha do crebro at a cintura, mas no passa dali, e sente que ela
realmente ela no ia sentir nada se fosse fazer alguma coisa....
Tudo isso sexualidade e existem outras coisas que so muito mais interessantes.
Quintura sabe que sexualidade no s coito, e na realidade, sexualidade, no s isso, a
sexualidade voc ter um namoro, voc ter um parceiro do seu lado pra voc ver um filme
pra voc discutir, pra dizer que voc est bonita, um cheiro no pescoo. Mas tem que ser
com a pessoa ideal, maravilhosa. Seno fica existindo s as lembranas e tudo fica igual. Ou
quem sabe, canalizar suas energias para se dedicar aos seus netos, curtir a maternidade de
filhas e noras numa vternidade.
Mesmo assim, ela no esquece de sua vaidade! Est ligada a tudo isso, porque
continua se sentindo linda e maravilhosa. Na verdade, sua sexualidade e relaes afetivas
podem, at, ser bem melhores que antes da leso medular. Quintura se sente bem, muito bem,
est muito aberta, porque ama muito, adora pessoas, adora amar, adora acariciar. Ela se sente
viva, continua se amando, se gostando e est aberta ao amor. Ento descobriu que a leso
medular na sua vida retardou algumas coisas, mas no mudou o que na realidade ela , pois
continua sendo a mesma pessoa.











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4.3 ANLISE DA PRODUO PLSTICA



Figura 2 - Corpo coletivo produzido pelo grupo-pesquisador.

Esta obra se apresenta com trs cores predominantes: o vermelho da paixo, o azul
do cu e o verde da natureza.
Isto mostra as sensaes diversas que ela provoca.
Vrios corpos esculpidos pela beleza. V-se que a vaidade est muito presente. E o
mesmo seio que amamenta tambm aparece como sensual, destacado no corpo em vermelho
de paixo.
O corpo, o desejo de homem-mulher.
Esse corpo transmite ser, antes de tudo, desejante.
Deseja famlia, amor, equilbrio, beleza, vaidade e sensualidade.






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5 SEGUNDA OFICINA DE PRODUO DE DADOS: produzindo com os sentidos
uma colcha de retalhos


Na segunda Oficina (24 de abril), iniciamos o relaxamento ao som da msica
Braveheart, na voz de Enya. Antes, as pesquisadoras foram vendadas, a fim de estimularmos
os demais sentidos e proporcionarmos maior integrao com a atividade. Solicitamos que elas
se concentrassem na respirao, bem devagar, inspirando o ar pelo nariz e expirando pela
boca. Que, em seguida, se imaginassem numa praia deserta, sentindo o vento.e o barulho do
mar. Numa grande bolha transparente que as envolvesse e as fizessem flutuar, deixando-as
depois na areia e desaparecendo.
Cerca de dois minutos depois, iniciamos com a oficina propriamente dita.
Ainda vendadas, oferecemos trs estmulos para o tato (gelo, esponja de ao, pelcia), olfato
(organo, canela, caf) e audio (sons de chocalho, plstico bolha e caixa de fsforo).
Orientamos que elas no deveriam tentar adivinhar do que se tratava e sim, imediatamente,
que falassem a palavra relacionada sexualidade e sensao que estavam experimentando
(SILVEIRA, 2004). Em seguida, fornecemos tecido e tinta para que elas iniciassem sua
produo.
A metodologia de apresentao da produo individual seguiu a mesma
metodologia anterior.
Posteriormente, solicitamos que elas costurassem os retalhos e produzissem
uma colcha. Foi produzida uma colcha de cama de casal.


5.1 CATEGORIZAO DA COLCHA DE RETALHOS


Tal qual como no corpo coletivo, nesta segunda oficina, as falas do grupo foram
transcritas e organizadas em tabelas conforme a categorizao de sentido das mesmas.
Elaboramos, desta vez, sete categorias: 1 Sentidos atribudos pintura; 2 Sentidos
atribudos relao entre corpo e espao; 3 Enfrentamento das conseqncias da leso
medular; 4 Relaes da sexualidade com os sentidos sensoriais; 5 - Sentidos atribudos
maternidade; 6 Sentidos atribudos s Relaes afetivas e 7 Relaes com a natureza.



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1 Sentidos atribudos pintura
1. [Sobre as manchas perto da TV] Essas manchas aqui eu botei um tapetezinho, n? E minha
cama. Eu quis botar aqui um colcho s que essas pernas aqui eu no sei, acho que eu botei as
pernas da escada, n? [risos]. Aqui, nesse canto aqui eu quis desenhar uma televiso, a minha
televiso.
2. Olha aqui, prestem ateno, eu estava tomando banho de mar, sa caminhando na areia,
atolando meu p naquela areia molhada e fofa. Aqui um meninozinho, que poderia ser o meu
menino, tambm, quando era pequeno, perto de mim. Que ele caminhava muito comigo aqui na
praia, assim pequenininho. Esse homem a, por acaso, ele tava passeando a na praia tambm. E
a gente saiu em direo aos morros, pra subir aos morros, e descer aos morros e se esconder, no
mar, sair do mar, ir pra detrs dos morros, e sair andando naquela areia fofa. Aqui sou eu e
menino pequeno, esse homem a desconhecido, apareceu, ele tava l na frente andando e a
gente tava andando aqui e ele tava l na frente e a gente tava saindo do mar, caminhando na
areia, pisando na areia molhada, fofa, afundando o p, e vamos subir os morros. Aqui so uns
barquinhos no mar, pedras. No mar onde eu caminhava geralmente eu observo muito as pedras,
eu observo as pedras. Elas ficam ali. O mar fica batendo, eu acho bonito. Isso aqui era no Icara.
3. [Sobre as pessoas em azul] Acho que foi por conta do aperreio do tempo, sabe? De fazer
logo os bonequinhos porque depois foi que eu percebi que tinha feito tudo e no tinha colocado
a principal coisa que eram as pessoas no cenrio. mesmo, foi por conta do tempo, deveria ter
me feito de outra cor.
4. Esse aqui eu e meu marido. Esse aqui as ondas do mar. A gente t tomando banho de
mar. Esse aqui os dois coraes que esses aqui so unidos para sempre. Eu no sei, no! Eu
que digo (risos), o meu desejo. Aqui um trem, sabe que eu tenho a maior vontade de andar
de trem?! A eu desenhei um trenzinho aqui. Ele no deixa! Eu tenho a maior vontade de andar
de trem ...
5. Aqui o meu desenho que simboliza uma noite, uma noite qualquer, n? Que tem ser assim
com muito amor, muita adrenalina, n? uma noite estrelada. T aqui o cu estrelado, e muito
amor no ar, no ?
2, 3, 4 e 5 convergem ao incluir pessoas, relao com o outro em suas pinturas.
1 diverge das demais por considerar apenas objetos inanimados.




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2 Sentidos atribudos relao entre corpo e espao
1. O meu faz at vergonha mostrar porque no sei se eu fiz uma cama ou foi uma estante. Isso
daqui eu tentei desenhar minha cama, cama de solteiro. Porque no tenho marido, tem que ser
solteiro. (...) Porque no caso assim: minha casa duplex, s que quando houve o acidente no
tinha como subir, quer dizer, uma vez eu tentava, n? Com sacrifcio, minha filha me subindo.
A eu vi que aquilo no tava dando certo, n? Porque o que que acontecia, ia acabar com as
colunas, n, das meninas de tanto me levar. A, ento, eu resolvi fazer da minha sala de jantar,
meu quarto, que por sinal no tenho privacidade de nada, n? De nada, mas vou ter se Deus
quiser porque eu vou construir. Eu j escapei de muita queda, sabe. Ele [referindo-se ao genro]
j me acudiu de muita queda, j levei queda, fui passar pra cama e fiquei desse jeito [faz se
como se estivesse caindo da cadeira e grita:] Tony, Tony!!! A l vem o Tony, pelo amor de
Deus, com a cala bem aqui [aponta para a pelve], se eu tivesse tirado a cala, ein?! A Chega,
Tony! Menino pelo outro lado, porque minha cama tem duas sadas, n? De um lado e de
outro. Me botou na cama. Eu tenho muita d dele, viu? A ento, o que que eu tenho? S essa
cama, a estante, que eu no fiz a estante porque eu no sou boa de desenho, e a televiso.
2. Aqui meu quarto, faltam umas coisinhas assim porque no deu pra colocar tudo, n?
Devido casa ser muito cheia e ter agora j os netos. A essa coisa toda. Ento, a gente no
pode se dar ao luxo de carinhos e ficar, num... E tambm o tempo, ento a nossa, n, a nossa
sexualidade acontece aqui. um quarto muito amplo, bem grando. Tenho bastante espao. E
aqui, esses azuis aqui, a minha cabea como fica no momento, n, como fico entregue,
totalmente. Tem horas que se perguntar meu nome eu no digo, e acredito que ele tambm.
Aqui [o quarto] o meu ninho de amor. Deixa eu s concluir aqui a minha cama. Essa cama, o
meu filho mais novo tem 20 anos, e eu ganhei, ento, do meu falecido marido. Mudei o colcho,
mudei o colcho e ela muito linda. Que antigamente chamavam de mvel colonial, mvel de
madeira, bruta, muito resistente, muito linda. E eu no me desfao nada da minha caminha, eu
j mantenho h mais de 20 anos comigo. eu lembro bem que quando eu estava no Sarah-
Salvador, quando a gente comeou a aprender a mudar os lenis da cama, quando a gente t
naquele treinamento, n? AVD, atividade de vida diria, e eu sempre conversava com a
psicloga: E a Alade, quando chegar em casa? Porque quando eu sa de casa eu tava com 1
ms e pouco e ento, eu tinha deixado a minha casa e uma cama hospitalar. A gente conversava
l com as meninas e no, quando eu chegar eu vou continuar com a cama hospitalar, a eu vou
colocar um bicho igual a esse, ah, no sei o qu, no sei o qu, e eu dizia pra todo mundo, pois
eu no vejo a hora de chegar em casa, ir numa loja, comprar um lenol bem lindo, que eu amo


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lenol colorido, a cama bonita, sempre arrumada, e voltar pra minha cama. E imediatamente
voltei pra minha cama. Minha cama o meu tudo.
3. [Sobre a dificuldade para posicionamento durante a relao sexual] Incomoda, n? Com
certeza. Mdio, n? Desde sempre, n? Depois da leso, no foi por causa da gravidez, no.
4. E as coisas que voc mostrou me trouxeram muita, me trouxeram muita recordao, do
passado e tudo, n? Coisas que hoje mais difcil de fazer e tudo, as questo de posio assim,
n? Pra no dar tanto prejuzo, trabalho, e eu sei que...
5. [Sobre a relao entre o tem e a sexualidade] Ah, minha filha, a gente dentro do trem faz
muita coisa. Olha o trem. Mas eu no sei, no! Eu imagino, n? Que deve ser uma viagem bem
tranqila, n? Que d pra gente dar uns beijos, n? Porque.... (risos).
1 e 2 convergem ao falar da falta de privacidade na sua casa. Mas ao mesmo tempo divergem
entre por 1 considerar o quarto como um local de estar s, 2 considera o quarto como um ninho
de amor.
3 e 4 convergem entre si ao demonstrar sua dificuldade de posicionamento no espao.
2 e 5 convergem ao falar de um espao para o amor, a primeira, o quarto, e a segunda, o trem.


3 Enfrentamento das conseqncias da leso medular
1. (...) Mas eu j superei tudo, n? Que tinha mesmo, tinha que superar, foi difcil, mas... Tem
dia que eu penso, que s vezes eu sou... sei l, que eu sou mais feliz. Conheci tanta gente boa,
tenho tanto amigo legal, sabe? Que, me deram muita fora e tudo, mas foi muito difcil. O
comeo foi muito... acho que pra todos, n?
2. Eu no me vejo as minhas pernas to limitadas. Elas servem tanto! A gente se vira, a gente
se cala, a gente usa uma saia com uma meia bonita. Eu uso saia com meia, e quando a gente
vai se arrumar pra dormir, so muito importantes as nossas pernas, mesmo estando paralisadas
para andar. Quando a gente senta e fica na posio de buda, quando a gente vai fazer o cate, no
?
3. [Sobre a gravidez] Eu queria e no queria ao mesmo tempo. Eu queria pra minha auto-
estima. Eu ficava assim quando ouvia falar assim que eu tava invlida, que eu no fazia mais
nada com meu marido, que meu marido ia arranjar outra mulher, logo, logo. porque o ato em
si no tem como mostrar, a gravidez uma forma. Tem gente que acha t invlido, morto, no
faz mais nada, n? E aqui t a prova, n? Do crime, n?


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4. Eu fao ioga na minha cama, eu fao reiki no sol da manh, eu gosto de muito de estar bem
acompanhada comigo mesma. Eu estando sozinha com um bom livro, ou estando sem fazer
nada, somente respirando, eu estou relaxando, estou me fortalecendo e assim, minha vida fica
muito produtiva, muito alegre, entendeu?
5. (...) s que uso muito aqueles modelador, porque eu t doente ainda aqui, n? E ainda no
uso, eu uso muito aquilo pra prender a barriga, a minha barriga t solta e t crescendo um
pouco, mas vou continuar.
1, 2 e 4 falam da superao encontrada nelas mesmas, cada uma a sua maneira, sendo que 1
ressalta a fora encontrada no apoio dos amigos, 2 ressalta que no se sente limitada e 4 fala de
si mesma como caminho para a superao das dificuldades.
3 diverge das demais por encontrar na sua gravidez uma forma de enfrentar o preconceito das
pessoas em relao sexualidade de uma pessoa com leso medular.


4 Relaes da sexualidade com os sentidos sensoriais
1. Sobre o que voc passou hoje o seguinte [referindo-se aos objetos], no tem nenhuma
relao porque t com 11 anos, n? De leso, a at eu falei, curiosidade, n? Saudade, o que eu
quis dizer, eu tenho curiosidade de saber como reage o sexo na pessoa deficiente, entendeu?
isso.
2. Aqui faltou ainda a minha televiso, eu no coloquei. Eu coloquei algumas coisas
relacionadas com o que ns vimos antes, com o que voc mostrou. Com relao ao cheiro, eu
gosto muito de incenso, mas eu no estou mais com esse adaptadorzinho, eu comprei na praia
uma bruxinha linda, a gente coloca incenso, e a cinza, tambm vem com um pirezinho. Uma
bruxa linda, preta com rosa choque, que eu coloco incenso eu gosto muito. Mas eu sou assim,
meia fresca com relao a cheiro. Eu no gosto de canela, essas coisas pra doce. Eu gosto mais
de lavanda, coisa que lembre verde, assim, em relao ao cheiro.
3. Aqui um som, o seu porquinho ali [referindo-se ao aparelho de som utilizado no
relaxamento], que eu chamo de porquinho ... e o ventilador. Eu no me dou bem com ar-
condicionado, por conta da minha leso, me incomoda demais, eu fico muito incomodada. E o
ventilador, eu uso aqui s onde esquenta realmente e fica muito confortvel. Logo no... aqui sou
eu e o George, n?, (risos) e quando, os barulhos, assim de tudo que eu nem disse, assim, coisa
muito com coisa. Mas eu coloquei aqui o som e o ventilador porque no comeo a gente tinha
muito problema com relao a barulho. Porque ele dizia que no conseguia, no conseguia fazer


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amor com barulho de ventilador, com televiso ligada, com som, ele tinha um monte de neuras,
n?
4. Aqui essa cama ela t bem colorida(...)E eu uso lenis assim bem coloridos, aquela coisa
toda, eu gosto de estar sempre bem limpo, bem cheiroso. Muito bem!
5. Aqui do outro lado, um outro criadinho mudo que nem assim, no dirio, mas pelo
menos, uma vez, duas vezes no ms, a gente gosta de tomar um vinho, n? A gente usa uma
taa s, a gente nunca tomou em duas taas e a gente sempre usou um copo, uma taa s, aqui
uma vasilha com um petisco, n? Alguma coisa, e aqui a garrafa de vinho. Aqui eu e o George.
Neste momento ns estamos sentados, ouvindo msica, tomando vinho, a gente nos preparando
ou no pra alguma coisa: s vezes pra dormir, s vezes pra fazer amor, s vezes s namorando,
depende.
6. [Sobre os estmulos] Fizeram lembrar demais, prazer, no ? Prazer, momentos tambm que
eu falei, ... Essa aspereza, isso aqui de voc deitar numa grama que nem sempre ela fofinha,
embora ela seja spera, mas o importante no onde voc est sentado ou deitado, mas o que
voc est vendo ao seu redor. Isso aqui me fala mais de alegria interior.
7. [Sobre um desenho na tela] Isso aqui eu no sei nem o que , eu ia fazer bule e uma
xirquinha de caf, pra gente merendar, n? Mas no deu. s vezes, depois de uma boa noite de
amor, um caf quente bom demais, a depois fumar um cigarro e voltar a fazer de novo, ave-
maria, uma beleza (risos).
8. [Sobre a predominncia do preto] Preto porque o preto eu e meu nego, somos uma cor s.
A eu no ia fazer um diferente, n? Isso eu botei vamos dizer assim, uma lama mesmo da beira
do mar, aquelas onda arrasta aquelas coisas, as algas escuras.
9. Esta rosa que eu desenhei, porque eu adoro rosa. Ah, uma noite de amor, voc ganhando
primeiro um floco de rosas muito bom, porque aquilo estimula a gente, mesmo que voc no
queira, voc aceita (risos).
5 e 7 associam o paladar a uma noite de amor.
4, 8 e 9 convergem por falar sobre os estmulos visuais. Entretanto, 4 e 8 se ope, pois a
primeira pensa no colorido das cores e a segunda em uniformizar sua cor seu amado. 9 fala das
flores como estmulo a uma noite de amor.
7 e 10 se opem quando a primeira se recorda de momentos de prazer e a segunda de suas
dificuldades aps a leso medular.
2 fala sobre a importncia do cheiro
3 apresenta um discurso paradoxal, pois ao mesmo tempo em que relata o gosto pela msica,
acrescenta que o barulho no interfere em sua dinmica sexual.
6 fala dos estmulos, principalmente do tato, como fonte de alegria interior.
1 diverge das demais por no conseguir fazer associaes entre os estmulos sensoriais e a
sexualidade.


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5 - Sentidos atribudos maternidade
1. Moro s, com ele. Eu tenho marido, mas, ele mora em cima e eu moro embaixo, mas ele
no faz falta por baixo. Tem uma menina tambm que mora comigo h 09 anos, mas, s
vezes, ela vai embora mais cedo. Termina os fazeres e vai, porque dorme na casa dela. A tem
meu genro, que minha filha viajou, n? Casaram. A ela foi morar com a mais velha, foi pra
Austrlia. Deixou o marido, que ficou l em casa, que dorme em cima tambm. Tem vezes
que ele sai de manh vai almoar e chega s s dez e meia da noite que ele trabalha na [nome
da empresa] e vem e faz faculdade. , deixou l em casa, mas todo dia to na internet, p-p-
p na internet, mas agora por sinal, ela falou at que ia pro Japo, acho que teve um atrito
porque ela quer ir de l. Mas eu tenho ele como um filho. Ento, minha vida essa, eu tenho
minhas filhas, mas nenhuma mora comigo, eu moro s.
2.[Sobre o filho na sexualidade] No sei, porque eu gostava muito de passear na praia e eu
acho que o mar, s o mar em si j sensual demais, a cor do mar, o barulho do mar, o cheiro
do mar, a brisa do mar, o vento, a areia. E eu andava muito na praia. De repente minha cabea
colocou ele aqui. No sei, acho que eu sa da sensualidade aqui. Talvez at esses momentos
aqui, eu sinta falta, n? De repente... eu gostava muito.
1 e 2 convergem ao falar nos filhos, porm 1 mais especfica sobre sua relao com eles e 2
no consegue explicar muito bem o que quis dizer.

6 Sentidos atribudos s relaes afetivas
1. A, marido, eu no digo mais marido, um bom amigo, n? A ento, eu vivo assim, vivo
aqui, n? Nesse lugarzinho, perto da minha cozinha, ali eu t administrando tudo, n? E vou
levando a vida, minha vida eu no tenho muito que contar, no, s de muito sofrimento, mas
j, j superei. A sala pequena ento eu sinto falto, o qu, de um parceiro aqui junto a mim.
(...) E hoje eu... Bom, eu acho difcil. Eu no sei se ainda arranjo, mas eu acho que no, acho
mais no! [risos] A eu tenho a curiosidade de saber como que . Como era que eu ia me
sentir se acontecesse.
2. Uma vez eu fui me consultar num mdico e ele foi falar de sexo, n? Ele veio perguntar:
e voc, como que voc se masturba?, olha a, isso no um horror? E ele sentou quase em
cima de mim, assim, ai.. a ele disse que queria ver, se eu pudesse filmar que ele queria ver
como era minhas espasticidade, entendeu? A ele marcou disse que ia aplicar umas injeo de
botox. (...) A ele disse quando voc for pra aplicar no precisa voc usar modelador. Olha?


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Eu fui s? Quando ele viu eu com a ngela olha a cara dele! Mas ele ainda disse assim, que
nesse tempo eu tava mais cheiinha, n? Ah, as pernas t bem grossinha! Olha, o que que
ele queria dizer com isso? [risos] Mas feio que s! Descartei, agora se fosse um bonitinho,
talvez eu tivesse ido, entendeu? Tinha deixado s, um alisadozinho.
3. De coisas assim e que de repente ns fomos conversando e eu fui tentando dizer pra ele
que no tinha nada a ver que era muito gostoso aquilo tudo e hoje a gente no faz sem [refere-
se ao barulho de msica]. Ento foi quebrado, desmistificado aqui ali: pode o neto estar
batendo na porta, pode ter um carro na esquina buzinando, no existe mais isso. T na hora de
DUAS CARAS (novela), tambm no tem problema. Ento por isso que eu salientei isso aqui
em relao aos barulhos, n?
4. [Sobre o homem] Esse homem a, eu no sei o que ele t fazendo a. T de enxerido. Deus
me livre, meu senhor! Continue pra frente, que eu vou subir o morro. Passe pra l, v mais pra
praia, mais pra longe, que eu quero subir o morro, que eu no quero mais preocupao na
minha vida [as outras riem].
5. Todo mundo fala, Juliana Paes voc tem um marido, at hoje. Ele teve oportunidade de
ter me deixado, n? Tinha dinheiro, tinha moto, podia muito bem ter ido embora, no ter nem
ligado pra mim, eu no fundo de uma cama no tinha esperana nenhum porque nem se quer
eu me mexia.
6. (...) Ento mesmo assim eu no deixo de aproveitar as minhas noites com meu esposo e
tudo. Tem aquelas noites de cansao. Ele j se cansa mais do que eu mesmo. Eu t na cadeira
de rodas, cozinho, me estresso com menino, e com isso, mas eu no tenho problema quanto
isso. E eu at fico, s vezes, assim triste quando ele t muito cansado e tudo que eu planejo
assim alguma coisa diferente e puxo na memria, mas vai tudo por gua abaixo, mas sempre,
n? A gente tem que estar preparada, n? Pra doar, n? Ter pacincia tambm com o seu
prximo, com seu parceiro, n? E aceitar que, eles to cada um com seus problemas, n? A
gente l na nossa casinha tem nossos problemas, e o home que trabalha l fora tambm tem os
problemas dele o estresse dele, ento isso significa uma noite, uma noite mesmo de um casal
normal, que eu no sou nem uma pessoa extra-terrestre, anormal, no. Uma noite qualquer de
qualquer casal mesmo que se ame, n? E se doa sempre.
1 e 2 mencionam a falta que sentem de um parceiro
3, 5 e 6 falam da experincia do amor conjugal aps a leso medular, sendo que 4 e 6 ressalta
a compreenso necessria para levar o relacionamento.
4 apresenta um discurso paradoxal sobre a vontade ou no ter de um homem em sua vida.


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7 Relaes com a natureza
1. O meu so resqucios de lembranas felizes, n? Relva, so flores, deitar na grama, andar
de barco, de repente, num rio abaixo, curtindo natureza, fazendo ou sol ou uma noite de lua.
De barco, no, de barco eu ainda no andei. Ento, so momentos, n, de muito carinho, de
muito amor, de muita entrega, de muita alegria, de muito prazer, so momentos assim que
voc pra, voc deita, voc observa a natureza, pssaros, o cu, ou o sol, ou a noite,
tambm, n? Muito gostoso de se ver.
2. Como o meu esposo do interior, ento a gente tinha momentos muito bons no interior,
no , toda uma natureza e eu sou muito ligada verde, ento, ... hoje, vocs conhecem j a
minha casa. Minha vida essa: cuidar das minhas plantas. Tem, sabe? Tem que ter verde,
tem que ter ao meu redor e isso me d prazer e isso me remonta muita alegria, muita
felicidade, alm de momentos, hoje, de prazer muito grande em que eu fico embaixo da
rvore, fao a minha leitura, eu fao reiki, eu fao minhas meditaes, ento eu gosto muito
de natureza, gosto de estar cercada de natureza.
3. [O verde nas letras] Assim, como eu sou muito ligada assim natureza, sempre tive
vontade de ter natureza, mas nunca tive como. Sempre morei aqui na cidade e tudo. A gente
viaja poucas vezes quando tinha tempo e era mesmo pra praia. Assim, alguma coisa assim,
nada de muita natureza, no. Gosto muito de natureza. Tenho vontade de tomar muito banho
de chuva, que ainda no tomei, ainda.
1 e 3 se opem quando 1 relaciona a alegria de seu grande contato com o verde e 3 a
ausncia desse contato.
2 coloca a natureza como um elo de ligao com o marido e com si mesma.


5.2 TRANSVERSALIZAO DA COLCHA DE RETALHOS


Quando comeamos a ler a transcrio da produo coletiva do grupo acerca da
colcha de retalhos e organizar o texto para anlise transversal, comeamos instantaneamente a
nos lembrar da msica e poesia de Chico Buarque de Holanda. A primeira a surgir foi Retrato
em branco e preto, seguida de Cotidiano. A partir da, demos as mos a Chico Buarque para
nos ajudar nesta doce, embora complexa, tarefa de costurar estas histrias numa colcha de
retalhos. Criamos um inter-texto no qual o dicurso do grupo-pesquisador se conjuga com os
trechos das msicas destacadas em itlico.


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Agora era uma colcha de retalhos, muitos pedaos das marcas de amor nos nosso
lenis. Alguns se mostram sem maiores mistrios. So pedacinhos do sonho ou da vida real:
tapetes, cama, colcho, televiso, mar, areia, noite... sof virando cama corao. Noutro
pedacinho, podemos ver melhor os tais mistrios e as relaes desses corpos com o espao
que os rodeiam. Vemos uma cama de solteiro, um ninho de amor, que pode ser um quarto ou
um vago de trem. Mas esse corpo pode ter dificuldade de se encaixar nesse espao, de se
movimentar como gostaria, de lidar com as marcas que ficaram em seu corpo como tatuagem.
Na boa companhia de si mesmas a fora para superar tais dificuldades. Perceber
que suas pernas no esto to limitadas assim como as outras pessoas pensam, nem tampouco
deixaram de ser merecedoras do amor de um homem. E por no saber se amor crime,
mostrar a prova deste crime de amor, gravidez.
Olhos nos olhos, vemos a curiosidade de saber..o sexo, a leso, como isso reage?
E essa colcha estimula todos os sentidos. Sentimos seu perfume de incenso e de rosas, as
almas com perfume de jasmim. E ela to colorida que chegamos a ouvir a msica que
embala o casal que se deita nela degustando uma taa de vinho. Se fecharmos os olhos,
podemos sentir at o gosto, que o vinho busca ocupar o lugar da dor. Ou para quem preferir
um caf quente e um cigarro.
Ela assim to especial to fofinha que chega a ser spera, por contar tanta
histria. Quem sabe at um retrato em branco e preto. Nesse retrato, claro, no pode faltar
ningum. Os filhos tm de estar presentes, mesmo em recordao ou saudade. Saudade engole
a gente...
Uma cor que aparece muito a verde. Te quero verde
te quero casa pra morar, porque verde natureza. muito gostoso de se ver, mesmo que no
seja com a freqncia e quando se tem vontade, os pssaros, o cu, ou o sol, ou a noite.
E se essa colcha falasse... Ah!!! Era muita coisa para contar. A tristeza de ser
recusada por quem se amou, o apoio que se deu e se d todo dia ao companheiro, uma
verdadeira de mulher de cotidiano [...] Seis da tarde como era de se esperar, Ela pega
e me espera no porto, diz que est muito louca pr beijar e me beija com a boca de paixo
[...]. Porque numa relao a gente tem que estar preparada, para se doar, ter pacincia tambm
com o seu prximo, com seu parceiro.
A mulher que diz que no quer homem, mas ele aparece, sem rosto, sem
identidade, nos seus pensamentos. [...] Tira as mos de mim, pe as mos em mim, e v se o
fogo dele guardado em mim te incendeia um pouco... Ou quem sabe encontrar um novo amor,


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e se ele for bonitinho, melhor ainda porque esse seu novo amor lhe quer tambm to bem que
at comove aquele olhar que um homem tem quando ele pensa que sabe o que quer.
Essa colcha, claro, tinha de ser uma colcha de cama de casal, porque a cama o
smbolo mgico. Eu fao ... amor at mais tarde e tenho muito sono de manh [...]O trnsito
contorna a nossa cama reclama, do nosso eterno espreguiar.
Ah, to bom, na cama! Com uns travesseiros bem romnticos. to bom deitar
assim numa onda bem macia, e numa relva, com brisa, com vento. A cama lugar pra chorar
que um lugar quente. E chorei, chorei, at ficar com d de mim...
s vezes vm assim umas lembranas e muito bom. bom, bom e bom
mesmo. onde a pessoa fica quando est doente ou se recuperando ou descansando. Ou ainda
no fundo dela, sem esperanas.
Em todo canto pode acontecer [...] ao p da cama ... sem coberta, no tapete atrs
da porta... Mas sem uma cama, no d. mais aconchegante a cama, o quarto, fechado, sem
barulho, voc pode at ter uma luzinha verde, bem de leve, mas no muito claro. O melhor
local da gente fica no quarto.
A a hora do balacubaco. Mas no depende s da gente, depende muito do nosso
parceiro tambm, porque ele faz que a gente consiga, ele possibilita, ele ajuda, ele no mede
esforos, ele nunca t cansado, ele nunca se esquiva. muito importante o companheiro. A
deitar e rolar. Porque o meu amor tem um jeito manso que s seu e que me deixa louca
quando me beija a boca a minha pele toda fica arrepiada e me beija com calma e fundo at
minh'alma se sentir beijada...


















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5.3 ANLISE DA PRODUO PLSTICA



Figura 3. A colcha de retalhos.

Uma colcha que transmite tranqilidade, serenidade e desejo.
Serenidade na praia, no barco. Imagens da natureza que nos transmitem paz e
harmonia.
O desejo na cama, nos corpos se amando na noite quente, nos casais de uma cor
s. O cotidiano repetido da vida e do amor. Um cotidiano colorido, quase feliz. No fosse pela
cama vazia, sem corpo.
As duas faces do amor: desejo e solido.









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6 OFICINA DE ANLISE-EXPERIMENTAO: anlise do grupo-pesquisador


Nesta oficina (05 de junho) pensamos em uma maneira de aproximar as co-
pesquisadoras com o material produzido. Sendo assim, aproveitando a arquitetura da sala,
dividimo-na em duas, de um lado, o corpo coletivo montado, de outro, a colcha de retalhos.
Solicitamos que elas se aproximassem tantas quantas vezes quisessem do material
Apresentamos, tambm, todas as falas transcritas e impressas em letra legvel para que elas
lessem tanto quanto considerassem necessrio.
Causou-nos certa estranheza o fato de que elas no se aproximaram muito nem do
corpo, nem da colcha. Assim tambm foi a rapidez com que trocaram entre si os papis com
as falas transcritas.
Quando exposto o fato, elas argumentaram que conheciam bem o que tinha
produzido e dito. Diante deste argumento, nada mais tivemos a dizer. Vamos anlise do
grupo.
Para efeito de apresentao, nomeamos as co-pesquisadoras com nomes de
mulheres escolhidos pela pesquisadora oficial. A inteno era que cada uma escolhesse o
nome que lhe agradasse, mas o envolvimento nas oficinas era tanto que isso s era lembrado
quando elas j haviam acabado.
No foi realizada nenhuma adequao ou correo gramatical para a apresentao
das falas. Vamos a elas.

Identificao Discurso
Co-pesquisadora 01
Julieta

Na colcha de retalhos eu posso ver que na parte superior,
paisagens que dizem falam de liberdade. O centro da colcha, posso
ver cenas mais prximas da sexualidade, pois casais esto sobre a
cama em clima romntico. A parte inferior no de fala nada de
sexualidade, s mveis e pessoas pintadas de preto que retratam
mais tristeza!
As gravuras me parecem bem sensuais e alegres coisas que
gostaramos de ser e viver constantemente talvez.
Este estudo eu acho muito importncia para pessoas deficientes
principalmente aquelas que pensam que j morreram! atravs de


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troca de idias e informaes que as pessoas se descobrem e alertam
para as suas falhas e erros e procura compens-los. Uma coisa que
eu acho muito importante para esta pesquisa ver a que religio
cada pessoa pertence, pois podemos atravs da religio observar
variaes de opinies, posies, e idias do certo ou errado para
cada pessoa.
Co-pesquisdora 02
Juliana Paes

Juliana Paes no escreveu, argumentou conosco que como no
domina a escrita, sentir-se-ia constrangido a faz-lo. Como o
objetivo de nossa pesquisa, em nenhum momento gerar incmodo,
deixamos Juliana Paes vontade.
Co-pesquisadora 03 -
Anita

Pela minha percepo achei que o grupo todo interrgil com
muita diversidade, entusiasmo e muita criatividade; todos ligados a
uma s idia a um s objetivo...
Todos tem sua histria, seu passado, por isso mesmo tivemos
diversos modelos de transcrever sobre sexualidade.
Todos colocaram nos trabalhos o que lhe faziam lembrar sua
sexualidade. Traduziram tambm um pouco de suas experincias
emocionais de antes de uma leso medular, e como encaram a vida
sexual hoje aps uma leso medular; claro tudo ficou diferente,
difcil mais nada impossvel. n?
Todos acham em si; que temos como manter nossa
sexualidade ativa mesmo apesar de todas as lutas e dificuldades que
enfrentamos!
Somos mais que vencedores!
Co-pesquisadora 04 -
Graziela Massafera
Meu Deus que devo fazer vamos l
A gente precisa estar bem consigo mesmo
A gente que estar tambm com corao limpo sem guardar
mgoa daquela pessoa meu marido at hoje, eu engano ele, voc
consegue ter um prazer embora no posso falar muita coisa sobre
sexo.
Gostaria como iria me coportar, tenho curiosidade.
Com meu atual marido no acaboa amor que centia no d
mais pra mim esta dificies


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A prxima vez quem sabe que poderei escrever falar chegou
o dia, chego com a cara de felicidades falo tudo
Ai como maravilhoso
Breve.
Me aguarde?
Co-pesquisadora 05
Holly

Fazendo uma anlise mais detalhada com base nos trabalhos
apresentados nas oficinas, observo que a sexualidade nas mulheres
com leso medular se apresenta de forma muito abrangente.
Sexualidade vida, parceria, troca de afeto e acima de
tudo, alegria, gozo, e expresso fsica de amor.
A sexualidade aflora de repente, sem que a gente perceba. Aps este
trabalho de grupo e o conhecimento passado pelas mulheres do
grupo, passei a observar (perceber) que o sexo pode ainda ser muito
bom, apesar da leso medular.
Co-pesquisadora 06
Lucola

Observando os quadros, e o que foi falado, e agora lendo o
depoimento de uma das participantes, cheguei a seguinte concluso:
As pessoas, homens ou mulheres, deseja e que muito serem felizes.
Todos ns temos direito felicidade. E, a felicidade para muitas,
est relacionada diretamente ao sexo: Quando, no se teve uma vida
sexual ativa, mesmo sem que se perceba, voc cria algumas
fantasias. Estas fantasias, esto relacionadas com tudo que belo e
bom e gostoso. Em todos os quadros, observados, pode-se ver
claramente, algumas gravuras, muito bonitas, outras erticas(seios) e
outras relacionadas ao prazer, ao paladar (frutas), ento eu posso
compreender, que tem muitas coisas, que nos d prazer e felicidade,
sem envolver sexo.
Para cada pessoa, o sexo, tem o seu valor, seu peso , sua
necessidade. Para mim, no conta; sinto falta de um companheiro,
presente, amigo onde voc pode contar com ele em todos os
momentos, os bons e ruins, mas sexo , mesmo no. Quanta coisas,
ditas e escritas, falou-se em juventude, em transa, casamento, feito e
desfeito, falam-se em felicidade e sexo de varias maneiras. Acredito,
que cada um tem o seu jeito de ser feliz, com sexo ou sem.


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Co-pesquisadora 07
Isolda
Eu acho que um pouco nos falamos de sexo mais depois da
leso o sexo ficou no segundo plano no momento e mais importante
famlia, a amizade mais muitas vesis agente pensa porque no, no
tem nada erado com nosco ns temos muito medo de falar e fazer
sexo por vergonha. De fazer xixi na hora.
Mais que quando fiquei com cadeira de roda tive uma vida
sexual ativa tanto que tive uma menininha linda mais j faiz 2 anos
que eu no sei o que e sexo.

























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7 OFICINA DE CONTRA-ANLISE: o discurso do grupo-pesquisador


Depois de concluda a anlise do material produzido pela pesquisadora oficial,
reunimo-nos novamente com o grupo pesquisador para apresent-la. Nossa primeira
dificuldade foi em relao presena do grupo. O nmero era de oito mulheres e destas
somente quatro compareceram, embora sete tenham confirmado presena quando foi feito o
contato telefnico. A oficina se deu em 16 de outubro de 2008.
J no contato telefnico uma das participantes nos indagou se haveria algo para ler
e/ou escrever, pois se assim houvesse ela no iria. Explicou-nos que, como no domina estas
modalidades da linguagem, sentir-se-ia constrangida com a atividade e preferiria no
comparecer.
Deste modo, em respeito a este membro do grupo encontramos uma maneira de
no necessitar de recursos de leitura e escrita. Ns mesmas leramos ao grupo em voz alta o
texto para ser analisado, ao mesmo tempo em que seria distribudo o mesmo texto em duplas.
As observaes vistas por elas seriam gravadas. Acreditamos que desta maneira atingiramos
nosso objetivo sem expor nenhum membro grupo.
E assim foi. Lemos os textos e aguardamos a opinio delas. Ficamos at bastante
emocionados com seus depoimentos, pois elas apresentaram um discurso de que estavam
muito satisfeitas com o modo como o material estava sendo apresentado. Elogiaram nossa
idia de inserir elementos poticos e musicais em nossa anlise.
A seguir apresentamos suas falas da contra-anlise.

Identificao Discurso
Co-pesquisdora 02
Juliana Paes

Ficou muito legal, ficou timo! Achei bonito, muito gostos. Achei
que voc soube colocar as palavras certas. T maravilhoso. Com
essas palavras que voc colocou ficou mais legal ainda. Eu adorei.
Acho que no tem nada para tirar e para botar. Parabns!
Co-pesquisadora 03 -
Anita

To bom, n? As palavras, voc soube colocar as palavras bem
direitinho. Eu lembrei um pouquinho de cada, lembrei da estria da
relva, da natureza. Muito bom mesmo.
Co-pesquisadora 05
Holly
to importante, n, esse trabalho, que quando faz essa juno a
gente lembra de quem falou aquilo. Volta automaticamente, n?


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Ento, excelente, muito gostos de se ler. Ns identificamos o que
cada uma falou. muito importante isso. E de uma maneira muito
potica. E se encaixou de uma maneira tal que tornou a leitura muito
atrativa, muito interessante. Alm de qualquer expectativa. Nossa!
Quanta criatividade! Eu gostei muito porque voc foi muito
sinttica, mas muito consistente, brincando com a msica.
Co-pesquisadora 06
Lucola

Isso aqui foi uma opinio do grupo e cada uma demonstrou aqui sua
experincia. Eu tambm penso, assim, concordo assim. Na minha
experincia o sexo no foi uma coisa boa que vivi, mas isso a
minha experincia e no do grupo. Ento quando eu fiquei sem uma
vida sexual ativa para mim foi muito melhor. Porque era um
sacrifcio para mim. Eu vivia muito assim, subjugada quele
casamento, dependente dele. Ento, eu, da minha parte, acho muito
melhor hoje. Mas da maneira que voc colocou aqui, o amor isso
aqui, a vida sem isso aqui no existe, no. Voc colocou o lado
romntico da vida, mas no deixou de colocar o lado spero. E aqui
eu no vi a pessoa com leso medular. Independente dela ter leso
ou no, a pessoa passa por esses altos e baixos da vida.


Embora de certa forma aliviados por ter ouvido que conseguimos captar a essncia
do dito e no dito, ficamos um pouco receosos de que talvez elas no tivessem se sentido
vontade para criticar o texto. A entrou o psiclogo que participou das oficinas e nos
tranqilizou com a idia de que elas realmente elas foram sinceras e que na verdade,
acabramos de submeter o trabalho ao filsofo mais qualificado para dizer-nos o sentido dele.










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8 ANLISE FILOSFICA: confetualizado os conceitos e conceitualizando os confetos


Gaarder (1995) nos conta a histria de Sofia Amundsen, uma jovem que s
vsperas de seu aniversrio de quinze anos comea a receber cartas e cartes postais
estranhos, cujo remetente e destinatrio ela desconhece. O livro promete trilhar a histria da
filosofia ocidental. Mas o que nos chama ateno, pensando na sociopotica, a frase de
introduo do captulo intitulado A CARTOLA ... a nica coisa de que precisamos para nos
tornarmos bons filsofos a capacidade de nos admirarmos com as coisas... (GAARDER,
1995, p. 22). Ele acrescenta ainda que muitas das buscas filosficas da antiguidade foram
resolvidas pela cincia, como o enigma lunar. Segundo ele, as perguntas filosficas surgem da
estranheza do homem em viver e se perguntarmos s pessoas qual a coisa mais importante da
vida, a resposta depender do contexto em que vive em cada um. E mesmo com a filosofia
oferecendo vrias resposta a uma mesma pergunta, ele nos diz que a leitura do que outras
pessoas pensaram pode nos ser til quando precisamos construir nossa prpria imagem do
mundo e da vida (GAARDER, 1995, p. 25).
Em outras palavras ele retoma a significantizao das coisas pelo sujeito, e nos
introduz a idia de que os filsofos tradicionalmente reconhecidos no so os donos da
verdade do mundo e da vida. Para ns, este pensamento importante, pois aqui o filsofo que
se apresenta no aquele formado na universidade, muito menos o da antiguidade. O filsofo
aqui o grupo-pesquisador que se estranha e se surpreende com as coisas, escrevendo a sua
prpria histria, e atribui conceitos a seus afetos, confetos.
Tal como Jostein Gaarder aconselha Sofia, a Sociopotica nos diz para
relacionamos estes confetos ao que os outros homens pensaram e escreveram na literatura
filosfico-cientfica difundida. Tentamos discorrer sobre suas convergncias, oposies e
complementaridades.
Gauthier (2005) nos socorrem ao explicar melhor este momento:
[...] um trabalho de elucidao da linguagem e dos seus contextos, pelo processo
de afinio dos conceitos; ou seja, pelo movimento oposto da definio (que caba,
delimita, fecha o significado como se fosse uma propriedade solta), a atividade
sociofilosfica nunca acaba de atrair significados heterogneos para uma palavra ou
expresso dada (Gauthier, 2005, p. 261).
Temos duas construes bastante interligadas: um corpo e uma colcha de cama
para este corpo se deitar. Sendo assim, optamos por realizar esta anlise contemplando as
duas oficinas em um nico momento.


93
Dentre os vrios significados produzidos pelo grupo-pesquisador acerca da
sexualidade, percebemos num primeiro momento uma grande associao entre o corpo e os
significados afetivos. Foi uma preocupao inicial nossa que o corpo biolgico marcado pela
leso medular falasse mais alto que o sujeito.
Entretanto, em nossa primeira oficina conhecemos uma nova criatura, Quintura.
Quintura uma mulher. Ela sabe que sexualidade no s coito. Na realidade, sexualidade
tambm a afetividade, o namoro, o dilogo, a presena. Ela mostra que uma mulher se sente
bem ao estar aberta, ao amar muito, ao adorar pessoas, adorar amar, adorar acariciar. Ela se
sente viva, se amando, se gostando.
Sabemos que a sexualidade uma inveno histrica, influenciada por inmeros
fatores: gerao, raa, nacionalidade, religio, classe, etnia, entre outros, ou seja, pelo
significado atribudo a todas estes constituintes. Assim, no uma questo que nasce com a
pessoa, ela social e politicamente construda, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por
todos os sujeitos (LOURO, 2001). E neste sentido, retomamos a importncia da linguagem,
meio pelo qual o sujeito estrutura sua subjetividade e representa os seus desejos, a sua falta, o
seu senso de incompletude.
Quintura um confeto construdo pelo grupo que nos diz o que sexualidade. Este
confeto desmistifica a idia de que a mulher com leso medular uma mulher incompleta,
incapaz de manter um relacionamento afetivo. uma mulher dotada de feminilidade, na
medida em que retoma traos claros do erotismo, do brilho que ilumina as pessoas com o
amor, tal como Birman (1999) nos faz conhecer.
Ao mesmo tempo, o grupo-pesquisador apresenta dois confetos diferentes do
sexo: o sexo-corao e o sexo-cabea. O sexo-corao aquele que no pode ser feito sem
sentimento, sem afetividade. Este sexo est ligado aos laos familiares, de amizade, respeito e
amor. Portanto, no admite o sexo casual, o sexo pelo sexo. O outro, o sexo-cabea, envolve
dois sentidos diferentes atribudos cabea: uma racional, que tem que parar, pensar e
escolher bem seu parceiro. E a outra, aquela que fantasia, que vive a sexualidade por meio da
imaginao, que ao relaxar, se entrega e tudo flui.
Embora inicialmente opostos, estes dois conceitos so absolutamente
complementares. Pois a cabea que vive a sexualidade a mesma que constri o significado
de famlia, amor, amizade, entre outros. Confirmamos aqui as idias de Lacan de que a
mulher est no toda inscrita na funo flica, pois a conquista pela conquista, do sexo casual,
tal como se via na Carmem de Bizet (BIRMAN, 1999), no interessa Quintura.


94
O sexo casual, como forma de demonstrar poder e domnio sobre o outro, est
submetido ordem flica, e, portanto, de uma postura masculina, mesmo que este sujeito
seja, anatomicamente, uma mulher. Entretanto, a postura feminina no implica em se
assujeitar passivamente a ser apenas causa do desejo masculino e atender a todos os seus
pedidos. Vai alm, pois incorre em vestir-se do que causa o desejo no homem, no importa o
que seja (BARBIERI, 1996). Significa, pois, inserir-se na fantasia particular de cada homem e
ocupar nela, o lugar de sua completude, do reencontro com o que lhe falta. Ocupar essa
posio foge a toda a simbolizao possvel, da a dificuldade em responder clebre
pergunta de Freud O que quer uma mulher?.
Pode significar, portanto, na tentativa de apaziguamento da angstia do parceiro,
ter atividade sexual com ele para mant-lo ao seu lado ou conservar a intimidade entre os
dois. Assim, esta tambm uma forma de ser mulher. Desta afirmativa, vemos que, neste
estudo, o companheiro est inscrito em uma dimenso afetiva, no apenas sexual.
Estes pensamentos se relacionam a outro confeto produzido pelo grupo, o
marido. Trata-se do parceiro ideal que nunca falta, est sempre disponvel, carinhoso,
companheiro, unido para sempre. Esta imagem de homem ideal o homem que a mulher quer
amar e supe saber as possibilidades de suprir o que lhe falta. Mais uma vez, percebemos o
amor como tentativa de subjetivar a falta onde a mulher no toda (ANDR, 1998).
Soler (2005) parte desse pressuposto para nos explicar a afirmao de Lacan de
que no h relao sexual. A relao sexual de que trata Lacan no a do contato entre os
corpos, mas do smbolo dessa completude, desse preenchimento da falta, que no se consegue
simbolizar.
Francisco Brennand, artista plstico brasileiro, nos apresenta esta busca constante
em sua escultura intitulada Les Amants (Os Amantes) (Figura 4). Nela podemos ver um
homem e uma mulher numa tentativa, quase em agonia, de se mostrarem unidos. Eles se
apresentam amarrados por cordas e parafusos. Um desejo, literalmente, amarrado no outro.



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Figura 4: Les Amants, obra de Francisco Brennand
Fonte: http://baiao-de-dois.zip.net/index.html

Vicente (2007) nos diz que a mulher busca um parceiro permanente de forma
perseverante. A sua afinidade com a falta lhe causa desejo tudo. Esta falta de limite e inquieta
os homens. Nem mesmo a morte tem sido considerada um limite para o amor ideal. Com
estria recente no cinema nacional brasileiro (novembro/08) o filme ROMANCE, de Guel
Arraes e Jorge Furtado, nos apresenta este aparente paradoxo entre amor e morte. Nele, dois
atores, Pedro (Wagner Moura) e Ana (Letcia Sabatella) se apaixonam durante a montagem da
pea Tristo e Isolda, uma estria de amor e morte. Durante todo o filme, Pedro questiona
com Ana se seria possvel um amor recproco feliz, haja vista a dicotomia amor e morte ter
encantado os povos h sculos, com romances como Tristo e Isolda e Romeu e Julieta.
No outro extremo temos o confeto casamento furada - o casamento que s traz
tristeza, que faz sofrer e se fechar em defesa prpria.
Louro (2001) nos lembra que o casamento foi institucionalizado como uma
maneira de controlar as foras perturbadoras do sexo, de controlar a moralidade. Mas de
modo algum esse o casamento que interessa ao nosso corpo filosofante, embora j se saiba
que o casamento para mulheres com leso medular mais reduzido que para os homens nesta
mesma condio (ANDERSON et al, 2007). Ele quer amar e se entregar.
E claro, este corpo pode ter uma noite de um casal normal aquela noite
estrelada, com muito amor, muita adrenalina, na qual um casal, sendo a mulher com leso
medular ou no, faz amor, como qualquer outro casal.
A vivncia sexual importante na sustentao do casamento, tal como j dissemos
o que mostra o estudo de Lima (2005). Relacionamentos nos quais o parceiro sem leso tem
compreenso e conhecimento sobre as necessidades sexuais do parceiro com leso medular
tem seguido com mais xito no relacionamento sexual (FORSYTHE; HORSEWELL, 2006).


96
Esta vivncia como busca da completude revela o desejo simbolizado pela
linguagem que permite que este se realize e ao mesmo tempo, como nos diz Fink (1998), d
um n nesse lugar, e nos faz de tal forma que podemos desejar e no desejar a mesma coisa e
nunca nos satisfazermos quando conseguirmos o que pensvamos desejar, e assim por
diante. Ou seja, a linguagem nos permite expressar nossos desejos para que os realizemos,
mas ao mesmo nos reapresenta a dimenso da falta quando achamos que a completamos.
E entre os extremos do amor ideal e do amor infeliz, encontramos o confeto
enxerido aquele homem que insiste em aparecer nos pensamentos, na imaginao,
lembranas, embora a boca viva dizendo que tem abuso de homem.
Magalhes (2004) nos relembra o conceito de Freud de que neste momento,
quando h uma oposio entre o que conscientemente se diria e o que se faz presente,
acontece uma formao do inconsciente: um chiste, um lapso. Aparece aqui a dimenso do
inconsciente, do significante. O inconsciente vem tona e apresenta o que est escondido.
A dimenso da feminilidade leva-nos ainda a encontrar o confeto de fogao. Trata-
se de um fogo no corpo, que vem do crebro e se espalha pela cintura. Nele confunde-se o
fogo da excitao sexual e o calor da menopausa. Vemos a o carter infinito das
possibilidades de feminilidade, pois em um nico confeto podemos fazer a leitura de
experincias bastante diferentes.
De fato, a menopausa provoca alteraes na dinmica fsica feminina, uma vez que
lhe causa alteraes hormonais importantes. Mas, alm disso, na menopausa, a atividade
sexual perde a justificativa biolgica da reproduo. Porm, um estudo sobre a sexualidade no
processo de sexualidade no envelhecimento (VASCONCELLOS et al, 2004) nos relembra
que ao Freud afirmar o prazer como objetivo da sexualidade humana, derruba-se este
reducionismo reprodutivo. E, em auxlio s barreiras biolgicas do ato sexual na menopausa,
a medicina tem alcanado grandes progressos com os hormnios sintticos. Mas ainda
preciso que as pessoas acompanham estes avanos e percebam que a menopausa no tem o
porqu de ser o fim da sexualidade.
Sendo tambm, um corpo biolgico, aparecem elementos relacionados bem
ntidos, como o entremeio, as partes do corpo da mulher com leso medular que geram
preocupao na hora do sexo - intestino e bexiga; medo dos acidentezinhos, de fazer coc, de
fazer xixi e estragar tudo; mas sabe-se que eles tm de estar ali, porque a mulher precisa se
alimentar, ter nutrientes.


97
Vrios estudiosos (ANDERSON et al, 2007; FORSYTHE, HORSEWELL, 2006)
se preocupam tambm com este entremeio. Devido alterao na habilidade de controlar
voluntariamente os esfncteres, o posicionamento da anatomia feminina, com a vagina
prxima bexiga e ao reto, inevitvel que o coito vaginal estimule o intestino. Isto refora
que estes receios tm sim, razo de existir. Mas que no devem ser considerados
impedimentos absolutos, pois h maneira de manej-los.
Este confeto podemos pensar como o nico que realmente faz uma referncia
concreta leso medular, que apresenta um corpo com um limite. Porm, se olharmos com
mais afinco, percebemos que no to especfico assim, pois no cotidiano, inclusive nas
propagandas de televiso constante a tentativa de disseminao da idia que os odores do
corpo so atrativo importante para a seduo. Belos homens e mulheres esto sempre
promovendo marcas famosas de perfumes, atribuindo-lhes o milagre da seduo.
A mulher com leso medular um sujeito com uma marca fsica, mas ela no
determinante e castradora. No elimina o desejo, a fantasia. Pensando nisso, nesse corpo e
suas relaes com esse desejo no espao aberto e eles nos deparamos com mais dois confetos
a cama e o trem.
Cama um misto de coisas. Pode ser de casal ou de solteiro. um ninho de
amor, lugar quente para chorar, local para meditar, fazer ioga. Smbolo do retorno vida
normal com lindos lenis coloridos. tudo.
Trem lugar onde se pode fazer muita coisa, muito romance. Cenrio das
fantasias, de uma viagem tranqila para se dar uns beijos, fazer carinho e encostar a cabea no
amado.
Estes dois confetos nos remetem fantasia. Birman (1999) nos diz que
[...] a sexualidade se inscreve na fantasia, antes de mais nada. Esse o campo por
excelncia do erotismo. No existiria, pois, sexualidade sem fantasia, sendo essa a
sua matria-prima. Seria, ento, a partir da fantasia como fundamento que a
sexualidade poderia assumir formas comportamentais diversificadas (BIRMAN,
1999, p. 22).
Outra faceta da femilinilidade abordada pelo grupo pesquisador aquela que diz
respeito maternidade. Esta relao entre feminilidade e maternidade j foi apontada por
Freud como sendo muito prxima. Para o grupo ela se expressa de duas formas: a provado
crime e a vo-ternidade.
Prova do crime a gravidez como prova para as outras pessoas saberem que
acontece o ato sexual. De que a mulher com leso medular no est invlida, morta. a prova


98
de que o marido no precisa buscar o sexo com outra mulher. Nesse sentido, a gravidez uma
prova do crime.
Para este sujeito, a maternidade foi simbolizada como acesso e prova exterior
feminilidade. Silencia quem poderia dizer que na cadeira de rodas no se mais mulher,
esquece-se a vida sexual, que o marido tem que ter uma mulher de verdade. Pois carregar um
filho no ventre prova irremedivel de que a procriao possvel e concreta. Para Freud a
maternidade seria o nico caminho seguro para a feminilidade, pois o filho representaria a
posse simblica do atributo flico, o substituto do pnis invejado (UTCHITEL, 2005).
Inteiramente relacionada maternidade, e pelos mesmos motivos, nos
aproximamos da v-ternidade - sensao maravilhosa de curtir a maternidade das filhas e
noras, cuidar dos netinhos e relembrar de como era bom pegar seus filhos bebs no colo, de
dar o leite, a chuquinha e pensar na renovao da vida.
Os confetos discutidos aqui no so os nicos possveis, pois a todo o momento, os
sujeitos constroem e reconstroem sua histria de acordo com o momento cultural, poltico e
com as marcas inscritas em seus corpos e essncias por meio da linguagem e da simbolizao
desta.



















99
9 CONSIDERAES FINAIS: e assim comea o fim


Encerrando este captulo de nossa pesquisa retomamos os objetivos que traamos.
A proposta era, em primeiro lugar, conhecer quais os confetos produzidos, acerca da
sexualidade, por mulheres com leso medular.
Ns vimos que eles so muitos e diversos. Substantivos comuns e de conceitos j
fudamentados, como trem e cama, assumem, neste olhar, um mundo de novas possibilidades
para a afirmao da sexualidade. A maternidade vai muito alm da procriao e do desejo de
ter filhos e empunha a bandeira do eu sou mulher, eu posso amar e ser amada. E, como na
maioria das experincias femininas, a mulher com leso medular tambm pode enfrentar
relacionamentos felizes e infelizes. A leso medular no se apresenta como garantia de ter ou
no ter amor.
A inovao dos confetos produzidos pelo grupo est relacionada ao fato de que
no existe A mulher com leso medular, o que existe so caminhos diferentes que vo
sendo construidos em busca da feminilidade e de se tornar mulher. Estes caminhos so
trilhados pelo sujeito em busca da postura feminina, no premissa que haja ou no uma
leso medular.
Acreditamos que possibilitamos o emergir de confetos para que o grupo refletisse
acerca da sua sexualidade. E estes mesmos confetos so, tambm, substratos importantes para
a reflexo do profissional de sade sobre o atendimento no processo de reabilitao.
A partir do momento em que foi oferecido s participantes o espao para produo
de conceitos sobre sexualidade, rompemos com os limites dos discursos acadmicos e do
senso comum, e percebemos emergir vrios saberes. O grupo pde compartilhar experincias
que no se relatam nos artigos cientficos. E at mulheres que relataram no estar to
despertas para esta questo, ao final da pesquisa se disseram estimuladas.
A partir dos resultados e reflexes apresentados, acreditamos que o processo de
reabilitao, no que diz respeito s questes sexuais, pode ganhar muito quando a equipe
interdisciplinar se dispe a ir alm da aula expositiva restrita transmisso cartesiana de
conhecimento. Embora a falta de informao seja um entrave, a pura aquisio de
conhecimento no garantia de que o sujeito o considerar como verdade nica e ser feliz a
partir do momento em que o adquirir.
Ampliando este conceito para alm da questo sexual, o paciente pode ter muito a
ganhar em seu processo de reabilitao como um todo, se o mesmo for planejado de forma


100
individualizada e baseado na escuta do sujeito. Isto pode ser pensado e proposto, na prtica,
por meio de grupos onde se ofeream espaos para este sujeito falar alm do discurso
ensaiado, possibilitando formas de expresso que revelem o que est escondido, como grupos
de expresso corporal, ou outros que abranjam dinmicas por meio de empatia e
encorajamento para que o sujeito fale e mostre equipe o que realmente lhe importante
naquele momento de sua vida.
Cada pessoa simbolizar o conhecimento recebido a partir de sua vivncia nica e
dar a ele o destino que lhe cabe dentro de sua estruturao subjetiva. Fica claro nessa
perspectiva que no cabe um pacote pronto, um protocolo geral como uma receita de bolo
para que todas as mulheres lidem com a leso medular e sua vida sexual a partir dela. Cada
uma construiu ao longo da vida o seu prprio conceito de sexualidade e feminilidade, e este
pode, inclusive, significar a ausncia da relao sexual em dado momento da vida.
O sujeito deve ser valorizado em suas particularidades e construtos, sendo o
enfermeiro, apenas um auxiliar neste processo de resgate da autonomia. Um facilitador para
que cada mulher, dentro do que considere a sua verdade, o seu modo de ser e de se cuidar,
possa exerc-lo com respeito e dignidade.
Este o cuidado clnico que queremos exercer, voltado para o sujeito, um corpo
que traz inscrita uma histria pessoal e um passado, no para uma queixa. Trata-se do cuidado
que respeita cada um nas suas individualidades, certezas, dvidas, seguranas e medos. No
se trata aqui do auto-cuidado ou do cuidado voltado exclusivamente para as necessidades
vitais de higiene e alimentao, das necessidades chamadas humanas bsicas. Porque, nesta
perspectiva cada um considerar o que bsico ou vital para si.
necessrio entender que no desprezamos a importncia dos cuidados em salvar
vidas nas situaes de urgncia e emergncia, ao contrrio. Mas no processo de reabilitao,
impera outro conceito, o do cuidado de si. acima de tudo uma atitude para consigo mesmo e
para com os outros, o ocupar-se consigo mesmo, despertar para suas potencialidades, voltar-
se para sua essncia, assumir-se, transformar-se, construir sua subjetividade e descobrir a sua
verdade. No h, portanto, frmulas ou protocolos para isso.
Este trabalho, logo, almeja contribuir construo de um conceito de cuidado
clnico de enfermagem que supera a viso altrusta e caridosa do cuidado. Pois aqui, ele no
considerado como algo que o enfermeiro, insupervel em seu saber, oferece-o ao sujeito como
modo de alcanar sua felicidade e sade. E sim, como uma construo, na qual o enfermeiro
tem o papel de caminhar ao lado do sujeito, na busca da sua verdade.


101
Lamentamos, em nosso estudo, que esta tcnica de expresso e construo coletiva
de conhecimento no possa ser realizada com um grande nmero de pessoas, o que
descaracterizaria o acolhimento e intimidade do grupo. Percebemos que a escuta do sujeito
no se encerra aqui. So necessrios mais estudos que abordem o sujeito como o centro do
cuidado e pea importante na sua construo e despertem as equipes interdisciplinares para
que, quando em situaes diferentes da resoluo de risco iminente vida, centrem o seu
olhar no sujeito e no apenas em suas queixas e protocolos de como resolv-las.


























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111
APNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


Pesquisador: Deyse Cardoso de Oliveira, Enfermeira do Centro de Reabilitao Sarah
Fortaleza.
Ttulo da Pesquisa: A LESO MEDULAR E SEU VNCULO COM A SEXUALIDADE
FEMININA: REFLEXES PARA O CUIDAR CLNICO EM ENFERMAGEM.

Eu, Deyse Cardoso de Oliveira, Enfermeira do Centro de Reabilitao Sarah Fortaleza,
pretendo desenvolver uma pesquisa intitulada A LESO MEDULAR E SEU VNCULO
COM A SEXUALIDADE FEMININA: REFLEXES PARA O CUIDAR CLNICO
EM ENFERMAGEM, com as mulheres atendidas na citada unidade com o objetivo de obter
o grau de mestre. Por meio desta pesquisa pretendo construir conceitos sobre a sexualidade de
mulheres com leso medular a partir de suas crenas, seus valores e dentro de um ambiente de
confiana e respeito. Sero realizadas oficinas em grupo, chamados grupo-pesquisadores,
onde realizaremos procedimentos de produo artstica e, tambm, discutiremos sobre o tema.
Os encontros dos grupos-pesquisadores sero repetidos de acordo com a negociao feita
entre as duas partes. Acredito que o resultado desta pesquisa ser grande auxiliar na
assistncia a mulheres com leso medular no que diz respeito sexualidade. As falas de
alguns encontros sero gravadas em gravador digital do tipo MP3 Player porttil. Quanto aos
direitos de cada sujeito da pesquisa fica estabelecido que: as informaes produzidas nas
oficinas somente sero utilizadas para os objetivos da pesquisa; as informaes ficaro em
sigilo e o anonimato ser preservado; h liberdade de desistncia, a qualquer momento, da
participao na pesquisa; em nenhum momento haver prejuzo financeiro ou de atendimento
nesta instituio; no haver despesas nem compensaes financeiras relacionadas
participao na pesquisa e caso necessrio, ser fornecido suporte emocional pelo psiclogo
responsvel do Programa do Lesado Medular referente s alteraes que ocorrerem em
conseqncia desta pesquisa.
Em qualquer etapa do estudo as pacientes tero acesso aos profissionais envolvidos
nesta pesquisa. Em caso de esclarecimento, poder ser realizado contato com a pesquisadora
responsvel: Enfermeira Deyse Cardoso de Oliveira, pelo telefone (085) 3499. 4999, de
segunda a sexta de 9 s 18h.



112
Acredito ter sido suficientemente informada a respeito das informaes que li ou que
foram lidas para mim sobre o estudo acima. Ficaram claros para mim quais so os propsitos
do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de
confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro tambm que minha
participao isenta de despesas e que tenho garantia do acesso a suporte emocional, quando
necessrio. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu
consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuzo
ou perda de qualquer benefcio que eu possa ter adquirido, ou no meu atendimento neste
servio.

Fortaleza, ____/____/____

------------------------------------------------------------------------
Assinatura da paciente

-------------------------------------------------------------------------
Assinatura do responsvel pelo estudo Deyse Cardoso de Oliveira
Fortaleza, ____/____/____













113
ANEXO A TERMO DE APROVAO DA PESQUISA

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