Este documento fornece uma introdução à teoria e prática do estudo bíblico, discutindo vários tópicos importantes como a interpretação, gêneros literários e métodos de estudo. O documento é dividido em 10 capítulos que abordam pressupostos do estudo bíblico, linguagem e gêneros literários da Bíblia, como narrativa, epístolas e parábolas, e métodos de estudo. O objetivo é equipar estudantes de teologia com ferramentas para estudar e proclamar cor
Este documento fornece uma introdução à teoria e prática do estudo bíblico, discutindo vários tópicos importantes como a interpretação, gêneros literários e métodos de estudo. O documento é dividido em 10 capítulos que abordam pressupostos do estudo bíblico, linguagem e gêneros literários da Bíblia, como narrativa, epístolas e parábolas, e métodos de estudo. O objetivo é equipar estudantes de teologia com ferramentas para estudar e proclamar cor
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
TEORIA E PRTICA DO ESTUDO BBLICO
CURSO DE TEOLOGIA
Anselmo Ernesto Graff
Sumrio Apresentao......................................................................................................................... 4 1. A prtica do estudo bblico ................................................................................................. 7 1.1 A Bblia e seu uso um breve histrico ....................................................................... 7 1.2 Atributos e Propsitos da Palavra de Deus .................................................................. 9 1.3 Pressupostos no Estudo da Bblia .............................................................................. 11 1.4 A Relao entre o Antigo e o Novo Testamento ......................................................... 13 1.5 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 15 2. A tarefa e a arte da Interpretao .................................................................................... 17 2.1 Aspectos gerais na histria da interpretao bblica ................................................... 17 2.2 A Interpretao da Bblia ............................................................................................ 22 2.3 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 25 3. Lei e Evangelho na Interpretao da Bblia ...................................................................... 27 3.1 Lei e Evangelho na Palavra de Deus ......................................................................... 27 3.2 Manejando bem a Palavra Lei e Evangelho ............................................................ 30 3.3 A Lei de Deus em sua trplice funo ......................................................................... 32 3.4 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 34 4. Linguagem da Bblia ........................................................................................................ 37 4.1 As lnguas originais e tradues ................................................................................. 37 4.2 Figuras de Linguagem................................................................................................ 39 4.2.1 Um exemplo de metfora: o maior no Reino dos Cus ..................................... 41 4.3 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 44 5. Gneros Literrios na Bblia Narrativa .......................................................................... 46 5.1 Narrativa .................................................................................................................... 46 5.1.1 Atos 15.36-41: Um exemplo de interpretao de uma narrativa do Novo Testamento .................................................................................................................. 49 5.1.2 xodo 4.1-9 - Exemplo de narrativa bblica do Antigo Testamento ...................... 52 5.2 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 54 6. Gneros Literrios na Bblia - Epstola ............................................................................. 57 6.1 A forma das epstolas ................................................................................................ 57 6.1.1 A carta de 1 Joo e a importncia do contexto histrico .................................... 59 6.1.2 A importncia do esboo: um exemplo em Hebreus ............................................ 61 6.2 Dicas de interpretao ............................................................................................... 61 6.2.1 Colossenses 3.1-11: Exemplo de estudo bblico de uma epstola ....................... 62 6.3 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 66 7. Gneros Literrios na Bblia Parbolas .......................................................................... 68 7.1 Funes das parbolas .............................................................................................. 68 7.2 O Reino de Deus........................................................................................................ 69 7.3 A Interpretao das Parbolas ................................................................................... 70 7.3.1 Exemplo I: A parbola dos dois filhos Mt 21.28-32 ........................................... 72 7.3.2 Exemplo II: A parbola das dez virgens Mt 25.1-13 .......................................... 72 7.4 Lucas 8.16-18 A Parbola da Candeia: Um exemplo de estudo aplicado uma parbola ........................................................................................................................... 73 7.5 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 74 8. Gneros Literrios na Bblia Profecia e Apocalipse ....................................................... 76 8.1 Profecia ...................................................................................................................... 76 8.2 Exemplo de estudo num texto proftico - Jeremias 23.1-9 ......................................... 78 8.3 Apocalipse ................................................................................................................. 80 8.3.1 Linhas interpretativas do Apocalipse ................................................................... 82 8.4 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 84 9. Gneros Literrios na Bblia Poesia e Sabedoria Hebraica ........................................... 87 9.1 Poesia e algumas Caractersticas .............................................................................. 87 9.2 Os Salmos ................................................................................................................. 89 9.2.1 Salmo 16: Um exemplo de considerao sobre o contexto histrico de um salmo ..................................................................................................................................... 91 9.3 Sabedoria Hebraica ................................................................................................... 91 9.4 Atividades de auto-estudo .......................................................................................... 93 10. Mtodos de Estudo Bblico ............................................................................................ 95 10.1 Estudo de um grupo de versculos ........................................................................... 95 10.2 Estudo Temtico ...................................................................................................... 96 10.3 Estudo Doutrinrio ................................................................................................... 96 10.4 Estudo Biogrfico o estudo de um personagem bblico ......................................... 96 10.5 Estudo de um livro da Bblia completo ..................................................................... 96 10.6 Mtodo Devocional .................................................................................................. 97 10.7 Um modelo de estudo bblico temtico - A Oferta Crist .......................................... 97 10.8 O uso devocional da Bblia: lendo a Bblia com a mente e o corao ..................... 103 10.9 Consideraes finais .............................................................................................. 105 10.10 Atividades de auto-estudo .................................................................................... 106
Apresentao A proposta deste material fornecer aos estudantes do Curso de Teologia a oportunidade de trabalhar princpios tericos e prticos que norteiem o estudo e proclamao atravs de estudos bblicos da palavra de Deus. Os tempos ps-modernos exigem que se busque a abordagem correta da interpretao bblica, pressupostos saudveis em sua leitura e reflexo sobre instrumentos disponveis para auxiliar na tarefa de estudar e comunicar a palavra de Deus. Num contexto em que se demandam respostas cada vez mais rpidas e imediatas, o leitor/intrprete da Bblia precisa estudar a arte de aprender a parar para pensar, refletir e processar a palavra de Deus. A Escritura Sagrada o fundamento vital da Igreja Crist e no pode servir simplesmente para especulaes subjetivas e ser tratada com leviandade. A palavra de Deus tem poder. Atravs dela Deus julga, condena, salva, perdoa, consola, orienta, promete e devolve a esperana. Atravs da Escritura Sagrada Deus educa seus filhos a viver bem e a morrer bem. Viver, gozando do bem nos dias da prosperidade e com esperana e aceitao nos dias da adversidade. Morrer, crendo que em Jesus ainda que haja a morte, h a ressurreio assim como Cristo ressuscitou. O prprio Deus afirma o poder da sua palavra. Porque, assim como descem a chuva e a neve dos cus e para l no tornam, sem que primeiro reguem a terra, e a fecundem, e a faam brotar, para dar semente ao semeador e po ao que come, assim ser a palavra que sair da minha boca: no voltar para mim vazia, mas far o que me apraz e prosperar naquilo para que a designei (Isaas 55.10-11). 1 Porque a palavra de Deus viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra at ao ponto de dividir alma e esprito, juntas e medulas, e apta para discernir os pensamentos e propsitos do corao (Hebreus 4.12). Tu, porm, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infncia, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sbio para a salvao pela f em Cristo Jesus. Toda a Escritura inspirada por Deus e til para o ensino, para a repreenso, para a correo, para a educao na justia, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2 Timteo 3. 14-17). A palavra de Deus precisa ser lida e explicada de maneira precisa. O apstolo Pedro advertiu aos seus leitores que h coisas mais complicadas para compreenso e que podem sofrer distores. ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epstolas, nas quais h certas coisas difceis de entender, que os ignorantes e
1 Passagens da Escritura foram extradas da Bblia Sagrada, traduo de Joo Ferreira de Almeida, Edio Revista e Atualizada, 1993. instveis deturpam, como tambm deturpam as demais Escrituras, para a prpria destruio deles (2 Pedro 3.16). O objetivo ltimo e mais importante fornecer elementos e reflexes individuais e em grupo, para que a recomendao do apstolo Paulo ao obreiro Timteo tambm se concretize nos servos de Deus do sculo XXI. Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que no tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade (2 Timteo 2.15). Como foi estruturado esse material? Visando formar obreiros que manejam bem a palavra do Senhor, os dez captulos foram organizados no sentido de contemplar atributos essenciais da palavra de Deus, pressupostos fundamentais para se achegar s Escrituras, revisar alguns princpios hermenuticos, notar as variaes na linguagem bblica, observar a diferena dos gneros literrios da Bblia, possveis mtodos de estudos e alguns estudos bblicos, cujo alvo servir como referncia para produo e apresentao de outros estudos bblicos, que por sua vez, devem ter como fim ltimo apontar para Jesus Cristo, o Autor e Consumador da f. O conceito de que mais fcil propor teorias do que coloc-las em prtica, talvez tambm possa ser aplicado a este material. Porm, este no foi o alvo. A meta foi desenrolar alguns fundamentos tericos para a prtica saudvel e coerente do estudo da Bblia e, quase concomitantemente, oferecer subsdios prticos relevantes para a preparao e proclamao de sermes e estudos bblicos. Ainda assim, este trabalho visa servir como um mapa esboado que conduza fonte primria e nica norma de f e de vida, as Sagradas Escrituras. A Palavra o agente da vida. A Bblia de fato um livro divino e nico, pois prepara os seres humanos para viverem e morrerem. a rocha segura que todos encontram segurana, orientao e conforto. Revelam a Cristo, o Senhor e Salvador da humanidade. Martinho Lutero, em seus comentrios sobre o Salmo 23, escreve que onde a Palavra de Deus ensinada de maneira prpria e pura, o resultado ser s coisas boas: as ovelhas do Bom Pastor sero instrudas, guiadas, as foras renovadas, haver tempos de refrigrio, fortalecimento e conforto. Alm disso, os cristos continuamente sero mantidos no caminho direito, o corpo e a alma protegidos de toda espcie de ansiedades e aflies. Por outro lado, onde esta abenoada luz no alumiar, no haver nem alegria, nem salvao, nem fora ou conforto, mas desacordos, medo, ansiedade e a amarga ameaa da morte. Tudo isto deve servir como advertncia e mobilizao, a fim no considerarmos outra coisa acima ou mais preciosa, do que estar abenoado, possuindo a querida abenoada Palavra, para ser ensinada e confessada livre e publicamente. 2
2 Luther, Martim. Luthers Works. Volume 12: Selected Psalms ) J. J. Pelikan, H. C. Oswald & H. T. Lehmann, Ed.). Concordia Publishing House, Saint Louis, pp.149-151. 1. A prtica do estudo bblico Introduo O alvo para esse primeiro captulo esboar uma viso panormica sobre a Bblia como a palavra de Deus. Sero abordadas questes referentes trajetria do estudo bblico ao longo do tempo, atributos e propsitos das Escrituras, pressupostos em seu estudo e a relao de unidade do Antigo e Novo Testamento. O objetivo principal tornar o aluno familiarizado com as nuances no acesso Bblia e que existiram ao longo dos anos e os propsitos essenciais da revelao divina atravs da Bblia. Espera-se que o estudante tenha desenvolvida sua habilidade em observar os pressupostos na leitura bblica, bem como veja o Antigo e o Novo Testamento como uma unidade teolgica da revelao de Deus. O incio do estudo bblico Quando iniciou a prtica do estudo bblico? Pode-se afirmar em certo sentido que essa prtica comeou ainda no Antigo Testamento. Logo depois da volta do povo de Deus do exlio da Babilnia, os lideres Neemias e Esdras descrevem que no s houve leitura da lei, a Tor (que tambm pode ser traduzida por instruo de Deus), possivelmente os cinco primeiros livros da Bblia, como se dava explicaes sobre os textos lidos (Js 1; 2 Cr 34; Ne 8.8). Igualmente um dos pilares da Igreja Crist do Novo Testamento foi exatamente a perseverana no estudo bblico (At 2.42; 17.11, 18.24-28; Hb 5.12-14; 2 Pe 1.19-21, 3.2,18). O apstolo Paulo em suas cartas admoesta para que haja crescimento no conhecimento (Cl 1.9) e Pedro faz o mesmo em sua epstola (2 Pe 3.18). importante observar que a compreenso do conceito de estudo bblico nesta obra est relacionado ao momento em que cristos se renem em torno da palavra de Deus a fim de ler, estudar e explicar os textos bblicos. Entende-se como estudo bblico a leitura de uma parte da Bblia e verificar o que Deus est realmente querendo dizer. Este o seguro fundamento da Igreja Crist e de cada cristo em particular. 1.1 A Bblia e seu uso um breve histrico Alguns pais da Igreja foram unnimes em afirmar que a maneira normal para ser um cristo convicto e autntico, era ler as Sagradas Escrituras. 3 Justino, Irineu, Tertuliano e Orgenes, no s esperavam que os adultos tivessem estudos bblicos, mas tambm as crianas. A Bblia era para eles o grande livro pblico do cristianismo e que deveria ser apresentado a todos, a fim de que as almas pudessem ser nutridas com a Palavra do Senhor. Policarpo escreveu Igreja de Filipos: eu acredito que todos esto sendo bem
3 Lutheran Cyclopedia. A Concise In-Home Reference for the Christian Family. Edited by Erwin L. Lueker, St. Louis, U.S.A., Concordia Publishing House, 1975, p.89. Disponvel tambm no endereo <http://www.lcms.org/ca/www/cyclopedia/02/> exercitados nas Santas Escrituras e que nada est sendo ocultado de vocs. Isto implica estudo pessoal. A Bblia a melhor missionria da Igreja. Porm, houve um declnio desta prtica com o crescimento da institucionalizao da Igreja. Pouco a pouco o laicato estava perdendo o contato com a Bblia e se tronou por muito tempo um tesouro inacessvel. No sculo XII houve uma tentativa de reavivar o estudo bblico, mas sem sucesso. At a prpria Bblia estava sendo afastada das mos do povo. Isto aconteceu apesar da advertncia de Jernimo: Ignorncia da Escritura ignorncia de Cristo. No tempo da Reforma Luterana esse quadro mudou. Martinho Lutero freqentemente incentivou a leitura das Escrituras. Uma das pressuposies bsicas da f protestante capacitar o Sacerdcio Universal (os cristos em geral) a ler e a interpretar a Bblia. Nem sempre este princpio foi considerado. Havia bastante estudo sobre a Bblia e pouco estudo na Bblia. Matrias paralelas eram usadas em substituio ao estudo pessoal da Bblia. Nos tempos mais modernos um mpeto especial ao uso das Escrituras foi providenciado pelo Pietismo, movimento de reavivamento da igreja do sculo XVII . O cone principal dessa iniciativa foi A. H. Francke, com suas exposies bblicas. Desde 1685 o estudo bblico tem ocupado um lugar de destaque nas igrejas protestantes. Um outro fator que contribuiu para essa nova realidade foi a criao das Sociedades Bblicas. No incio do sculo XX mais uma vez houve foras contrrias para a continuao do estudo da Palavra de Deus, especialmente por causa do surgimento do Liberalismo e Criticismo, que passou a ver a leitura da Bblia mais do que como um outro livro, do que a Palavra revelada de Deus, do incio ao fim. As duas guerras mundiais, a frustrao do materialismo e avanos na educao estimularam novos esforos no sentido de chamar os cristos de volta ao estudo da Bblia. A Bblia: o livro da f e da vida O termo Bblia se origina de uma palavra grega no plural e que significa livros. So 66 livros que compe as Escrituras Sagradas. Eles contam uma histria de aproximadamente 1.100 a 1.500 anos. A Bblia na verdade se trata de uma biblioteca composta por 66 volumes. Alguns desses volumes so cartas de apenas uma pgina, como a Segunda Epstola de Joo, outros so longas elaboraes, como o livro de Isaas no Antigo Testamento e o Evangelho de Mateus, no Novo Testamento. Quando estes volumes so consultados individualmente, possvel perceber que Deus usou diferentes autores, gneros literrios e mesmo diferentes linguagens. So vrios autores que escreveram originalmente em Hebraico [algumas passagens em Aramaico] e Grego. Cada um dos livros da Escritura Sagrada tem uma mensagem proposta por Deus. Assim, podemos dizer que a Bblia a palavra de Deus para a vida e f. Nela vamos encontrar ensinos doutrinrios e conselhos para a vida diria. O fato que a Bblia como palavra de Deus ensina a viver bem e a morrer bem. Ela luz que guia desde o nascimento at o ltimo dia de nossa existncia. 1.2 Atributos e Propsitos da Palavra de Deus A Bblia a Palavra do Deus vivo em linguagem humana. Primeiro, preciso notar o lado divino e humano das Sagradas Escrituras. Isto est revelado em 2 Pe 1.20-21; Jr 36.1- 2; 1 Co 1.1; 2.13. As Escrituras so em sua plenitude a palavra de Deus (Ef 3.2-5). O acesso s Sagradas Escrituras no est ancorado numa pretenso humana, mas na encarnao de nosso Senhor Jesus. Deus entrou no mundo com Cristo e isto est testificado pelos profetas e os apstolos. Assim, a Escritura precisa ser entendida cristologicamente, ou seja, o centro da revelao de Deus Jesus Cristo, pois elas revelam ao Filho, o Ungido de Deus e Salvador da humanidade, o caminho de volta restaurao da comunho com Deus (Lc 24.26-27; 44-45). Alm disso, suas palavras ensinam, corrigem, advertem (2 Tm 3.16) e atravs delas o Esprito Santo chama f (Rm 10.17), ilumina e santifica o povo de Deus (Cf. ainda Salmo 119). Atributos divinos das Escrituras O que deve ser considerado quando se observa os atributos divinos das Sagradas Escrituras? Como palavra de Deus em palavras humanas, as Escrituras podem ser afirmadas como inspiradas, ou seja, elas so resultado da atividade do Esprito Santo nos escritores (2 Tm 3.16). a. Inspirao: a Bblia um livro inspirado por Deus e por isso tem a autoridade de Deus. No h como determinar com exatido como aconteceu o processo de inspirao, ou de que forma Deus revelou as palavras que ele determinou que os autores escrevessem. Porm, alguns aspectos podem ser observados; Os autores foram movidos pelo Esprito de Deus (2 Pe 1.21); O Esprito de Deus estava presente (Ez 12.1); Aos autores foi ordenado a escrever e a falar (Jr 36.2); Os autores foram a boca do Senhor. Eles falaram em nome dele (2 Co 13.3); As palavras so divinas, mas parece que tudo parece ter seguido um processo natural. Paulo o autor da carta aos Romanos (Rm 1.1), mas quem escreveu foi Trcio (Rm 16.22); Paulo parece falar s vezes em seu prprio nome (1 Co 7.8-10); Jeremias foi guiado por Deus, mas quem escreveu o texto foi Baruque (Jr 36.4) e essas palavras consideradas como simplesmente palavras de um homem (Jr 36.21- 24). preciso manter essa tenso. Por um lado um anjo falou aos ouvidos dos autores as palavras a serem usadas, por outro os profetas e apstolos pensaram, pesquisaram e usaram textos para, em nome de Deus, escrever a sua Palavra (Lc 1.1-4). b. Inerrncia: como palavras de Deus elas esto livres de erros. Pode-se dizer que os livros da Escritura so assim como qualquer outro livro, mas sem erro. importante notar o que esta inerrncia no significa: exatido nas citaes, tanto dos textos do Antigo Testamento, como das palavras do Novo Testamento (Mt 4.15-16; Is 9.1-2; Mt 3.17; Mc 1.11); Como possvel observar, h algumas leves diferenas, que de maneira alguma comprometem a mensagem de Deus. exatido na ordem de eventos registrados. Por exemplo, a seqncia das tentaes em Mt 4.1-11 e Lc 4.1-13 so um pouco diferentes. uso de figuras de linguagem, incluindo a hiprbole (Mt 3.5). Positivamente colocado, dizer que as Sagradas Escrituras so inerrantes 4 , afirmar que seus autores so completamente fiis aos seus propsitos pretendidos e a palavra de Deus verdadeira 5 . Outros atributos e alvos das Escrituras Sagradas Alm da inspirao divina e por conseguinte a inerrncia da Bblia, podem ainda ser considerados como atributos e objetivos das Escrituras Sagradas, os seguintes itens. A Palavra de Deus : Indestrutvel: Mt 24.35; Incorruptvel: 1 Pe 1.23-25; Indispensvel: Dt 8.3; Jo 23.12; Mt 4.4; Palavra inspirada de Deus: 2 Pe 1.20-21; O Contedo da Bblia : A Redeno: Ef 1.3-14; Planejada pelo Pai: 1 Jo 4.9-10; Realizada pelo Filho: 1 Co 15.3-4;
4 Outro detalhe observado sobre esse assunto diz respeito s palavras de Jesus, afirmando a semente de mostarda como a menor de todas (Mc 4.31). Cientistas hoje dizem que a menor semente de todas a das orqudeas (Opening the Book of Faith, 2008, p.21). Por isso, o conceito de inerrncia da Bblia no pode ser tomada simplesmente no sentido de no conter erros, mas de que os escritores foram fiis e a palavra de Deus verdadeira. 5 VOELZ, James. What Does This Mean? Principles of Biblical Interpretation in the Post-Modern World. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1995, pp.230-239. Revelada pelo Esprito Santo: Jo 16.7-11,13,14; 14.26; Os propsitos da Bblia so: Dar sabedoria que levam salvao; ensinar a verdade; condenar o erro; corrigir as faltas; ensinar a conduta certa para a vida; preparar para as boas aes: 2 Tm 3.15-17; Produzir a f salvadora: Rm 10.17; Jo 20.31; As palavras de Deus foram designadas para: Apontar para Cristo: Jo 5.39; Pesquisar o corao: Hb 4.12; Iluminar e esclarecer o caminho das pessoas: Sl 119.105, 130; Vivificar: Sl 119. 50, 93; Regenerar: Tg 1.18; A Palavra de Deus promove para aquele que nela medita: Um caminho puro: Sl 119.9; Jo 15.3; Ser sbio e simples: Sl 19.7; Crescimento: 1 Pe 2.2; Hb 5.12-14; Edificao na f: At 20.32; Evita caminhos maus: Sl 17.4; 119.11; Permite prazer, alegria: Sl 119.111; Admoesta: 1 Co 10.11; Rm 15.4; Conforta: Sl 119.81; D vitria contra Satans e as tentaes: Mt 4.1-10 ; Ef 6.11-17; Realiza seus propsitos: Is 55.11; Ganha almas: Lc 8.4-15; Opera eficazmente nos cristos: 1 Ts 2.13; 1.3 Pressupostos no Estudo da Bblia O que um leitor da Bblia precisa pressupor antes de comear a leitura ou o estudo? As consideraes a seguir so alguns dos pressupostos fundamentais para o correto estudo da Palavra de Deus: A Bblia a Palavra de Deus, inspirada pelo Esprito Santo At 1.16; 2 Pe 1.21. a Palavra de Deus, mas em linguagem humana. A Bblia a nica norma (orientao) de f e de vida. Ela nos mostra o que crer (em quem, em Jesus) e o que agradvel a Deus 2 Tm 3.14-17; Somos leitores cristos. A Bblia o livro de Cristo, isto bvio no Novo Testamento Jo 1.45; 5.39; Lc 24.27, 44. O ensino e a iluminao do Esprito Santo no dispensam transpirao, ou seja, no porque o Esprito Santo vai abrir o entendimento das Sagradas Escrituras, que isto dispensaria o estudo cuidadoso e o preparo de um estudo bblico- Jo 14.26; 1 Co 2.9-16; Mt 11.25-26; Sl 119.18. verdade que Deus pode agir e abenoar uma interpretao imperfeita, mas o estudo persistente indispensvel e um recurso abenoado por Deus. O principal objetivo da Bblia revelar a Cristo e tornar seus leitores sbios para a vida e para a salvao pela f no Filho de Deus 2 Tm 3.14-17. A Escritura no um livro de regras morais nem somente uma compilao de fatos histricos. As palavras de Deus visam a salvao e para tanto elas so palavras de condenao e perdo, lei e evangelho, amargas e doces, ms notcias e boas notcias, o que ns temos que fazer (e no conseguimos) e o que Deus fez e faz pelo seu povo (Ap 10.8-11). Esta para C. F. W. Walther, um telogo americano do sculo XIX, em ordem de importncia, a segunda doutrina mais importante. A primeira a doutrina da justificao pela f, 6 ou em outras palavras, somos salvos unicamente pela graa de Deus, nem pelo que praticamos nem pelo que deixamos de praticar, mas pela f em Jesus (Ef 2.8; Rm 3.24; Rm 5.18). A recomendao de separar bem a Lei e o Evangelho ecoa no conselho dado pelo apstolo Paulo ao pastor Timteo (2 Tm 2.15). Saber separar entre Lei e Evangelho uma arte e questo de extrema importncia. Para ser um telogo ortodoxo, no basta que se exponham todos os artigos de f em concordncia com as Escrituras; necessrio, tambm, saber diferenciar corretamente lei e evangelho; Distinguir corretamente lei e evangelho a mais difcil e a suprema arte que se apresenta aos cristos em geral e, em especial, aos telogos. Essa arte ensinada exclusivamente pelo Esprito Santo, na escola da experincia; A Palavra de Deus no aplicada corretamente, quando a lei deixa de ser pregada em todo o seu rigor e o evangelho, em toda sua doura; quando, ao contrrio, componentes do evangelho so adicionados pregao da lei, e componentes da lei so adicionados ao evangelho. 7
Abrir e estudar a Bblia um privilgio, no pr-requisito para a salvao. Por essa palavra h consolo, exortao e ensino Pv 12.25; No existe interpretao oficial de todos os texto bblicos. A Palavra infalvel, mas nenhum indivduo ou igreja pode afirmar essa infalibilidade; A Bblia clara, ainda que haja passagens ou assuntos mais complicados. H alguns textos considerados problemticos na interpretao: Gl 3.20 1 Co 15.29; 1 Co 11.10; 1 Pe 3.19; 2 Ts 2.3 (cf. 2 Pe 3.16). Ao telogo cabe tambm, em algumas vezes e em relao a alguns textos, silenciar. De fato a prpria palavra de Deus
6 WALTHER, C. F. W. Lei e Evangelho. Traduo de Vilson Scholz. Porto Alegre: Editora Concrdia, 1998, p. 17. 7 Idem, p.13. afirma que h certas coisas de difcil compreenso e que pode gerar deturpaes da verdade (2 Pe 3.16). A Bblia no se contradiz e se interpreta a si mesma. Um dos equvocos na interpretao de textos bblicos pinar textos isolados e formular doutrinas baseadas neles e us-los fora do seu contexto ou sem levar em considerao a Bblia como um todo. Depois de terminada a tarefa exegtica, as descobertas precisam ser relacionadas ao pensamento de todo o cnon das Escrituras (Analogia Fidei). Esse conceito entra em cena no processo interpretativo, depois que j foi estabelecido o significado particular da passagem em relao ao seu contexto imediato e do livro estudado. A Bblia no um livro misterioso, Deus quer ser entendido e comunicar sua mensagem. A tarefa descobrir o sentido literal. O que o texto est dizendo. Isto no significa um literalismo absoluto, pois o tipo de linguagem tambm pode interferir. Exemplos: Mc 16.17-18; Ez 2.6; Mt 10.16; A Bblia revelao progressiva. O Novo Testamento interpreta o Antigo Testamento. As leis cerimoniais, por exemplo, o que no foi reinstitudo no Novo Testamento, est abolido pela obra de Cristo Cl 2.16-19. 1.4 A Relao entre o Antigo e o Novo Testamento Um dos princpios muito importantes na interpretao das Escrituras pressupor a unidade dos dois testamentos. Em diferentes pocas esse tema foi articulado de forma diversificada. Marcio foi um dos mais proeminentes crticos. Em sua viso dualista, ele rejeita o Antigo Testamento, pois nele estaria revelado o Deus Justo, enquanto no Novo Testamento, o Deus bom, atravs de Jesus Cristo. Ser que existe diferena entre a teologia do Antigo e a do Novo Testamento? A resposta no. A teologia do Antigo Testamento essencialmente a mesma do Novo Testamento. H descontinuidades, mas a nfase est na continuidade e unidade. H diferenas cronolgicas 8 , mas a essncia do evangelho mantida (Dt 7.7-8 Jo 3.16). Os chamados e as escolhas de Deus no esto baseadas supostamente em mritos humanos, mas em seu amor, pois Deus essencialmente amor (1 Jo 4.8). Jesus Cristo no mencionado no Antigo Testamento, mas implicitamente ele est presente. Tipologia
8 HUMMEL, Horace. How to Preach the Old Testament. The Concordia Pulpit, Saint Louis: Concordia Publishing House, 1996, p.2 Como podemos ver essa continuidade na teologia dos dois testamentos? Um dos princpios utilizados para fundamentar a unidade dos dois testamentos conhecido como tipolgico. Algo relacionado a tipo e anttipo. Anti, no no sentido de contra, mas de correspondncia, uma figura que representa a outra. Ou ento, uma figura sombra da outra. Tecnicamente podemos citar trs tipos de situaes em que podemos observar esse carter tipolgico e que fundamenta a unidade dos dois testamentos. a. Eventos: A Criao de Deus (Gn 1); os novos cus e a nova terra (2 Pe 3.13); o dilvio (Gn 6); Batismo (1 Pe 3.21); xodo/Pscoa (Ex 12); libertao, ressurreio (Jo 20); Guerras/Israel (Js 10-12); batalha contra as foras espirituais do mal (Ef 6.12); Caminhada pelo deserto (Nm 10.11-28); peregrinos, forasteiros (1 Pe 2.11). b. Pessoas: Ado, Moiss, Josu, Juzes Jesus Cristo (Rm 5.14, Hebreus). c. Lugares/cerimoniais: Jerusalm Hb 12.22; Sacrifcios do Antigo Testamento, circunciso, Israel (Cl 2.11-12; Gl 6.16). H ainda outros elementos que podem ser observados sobre esse assunto. O primeiro, que a Bblia da Igreja Primitiva (pelo menos nos primeiros 100 anos) foi o Antigo Testamento. Os primeiros cristos tinham acesso verso grega, denominada de Septuaginta (LXX) 9 . O segundo ponto a ser lembrado sobre o uso que Jesus fazia do Antigo Testamento. Com freqncia ele o citava e outras vezes o reinterpretava (Mc 12.26, 35). Mas no evangelho de Mateus que mais se destaca essa ntima relao e unidade do Antigo e do Novo Testamento (Mt 1.23; 2.6; 3.3, por exemplo). Outro exemplo vem do apstolo Paulo. Ele lembrava fatos ocorridos e descritos no Antigo Testamento e conclua que estes se tornavam exemplos para os cristos de todos os tempos. A presena do Filho de Deus no Antigo Testamento H ainda outra forma de ver a unidade teolgica dos dois testamentos. Tambm se fala em presena real do Filho antes de Cristo, ou seja, Jesus, o Filho, estaria de fato presente no Antigo Testamento. Como colocar esse princpio em prtica? Olhar para as profecias messinicas? Como as do profeta Isaas, por exemplo? (Is 11.1-4; Is 53); Adotar o princpio da tipologia? Como ns vimos acima. Ou citar textos que implicitamente so referncias trindade? Gn 1.26; Is 6.8 Um dos aspectos da presena do Filho antes de Cristo visto na relao da teofania com o Filho de Deus. O pressuposto de que jamais algum viu a Deus (Jo 1.18; 1 Tm
9 LXX a abreviatura ou smbolo para a traduo do Hebraico para o Grego do Antigo Testamento. O trabalho teria sido feito por 70 tradutores (alguns afirmam terem sido 72), por isso LXX. O pedido de traduo foi de Ptolomeu Filadelfo (285-246 a.C.), a fim de que fosse disponibilizada na Biblioteca de Alexandria. Ainda que possa haver variveis sobre as informaes deste trabalho, o certo que a LXX foi adotada pelos judeus de fala grega e usada pelos escritores do Novo Testamento ao citar o Antigo Testamento. 1.17; 6.15-16; 1 Jo 4.12), pois o pecador no pode ver a Deus Ex 33.20, mas os textos de Gn 32.30; Jz 6.22 relatam episdios em que houve quem tivesse visto a Deus. Se essa lgica estiver correta, ento nessas ocasies quem foi visto foi o prprio Filho de Deus. H tambm detalhes interessantes sobre a figura do Anjo no Antigo Testamento (Gn 16.7-12; 21.17-18; Ex 3; Ex 23.20-22; 1 Co 10.4) 10 , que podem colaborar para confirmao deste fato. 1.5 Atividades de auto-estudo 1. Um dos pressupostos fundamentais para o correto estudo da Palavra de Deus de que o ensino e a iluminao do Esprito Santo no dispensam transpirao, ou seja, no porque o Esprito Santo que vai abrir o entendimento das Sagradas Escrituras, que isto dispensaria o estudo e o preparo cuidadoso de um estudo bblico. verdade tambm, que Deus pode agir e abenoar uma interpretao imperfeita, mas o estudo persistente indispensvel e um recurso abenoado por Deus. Descreva em no mnimo 5 e no mximo 8 linhas, a relao entre a obra do Esprito Santo e o papel humano na elaborao de um estudo bblico: 2. O propsito principal das Escrituras segundo o prprio Cristo em Joo 5.39 e Lucas 24.44 revelar e apontar para Ele mesmo, o Filho de Deus. Alm disso, o texto de 2 Timteo 3.14-17 refora a idia de que a Escritura no simplesmente um livro de regras morais nem somente uma compilao de fatos histricos. Faa uma avaliao descritiva, em pelo menos 5 linhas, sobre o significado prtico disto no estudo da Bblia, na aplicao e proclamao de estudos bblicos, mensagens, sermes? 3. Para os pais da Igreja a maneira normal para ser um cristo convicto e autntico : a. tornar-se um freqentador assduo do templo; b. cumprir plenamente os Dez Mandamentos; c. pr em prtica em sua perfeio a lei do amor; d. Ouvir e ler as Sagradas Escrituras; Resposta d 4. Um dos princpios bsicos de interpretao bblica de que a Escritura Sagrada precisa ser entendida cristologicamente, ou seja, o centro da revelao de Deus Jesus Cristo, por que: a. elas revelam ao Filho, o Ungido de Deus e Salvador da humanidade;
10 GIESCHEN, Charles A. The Real Presence of the Son Before Christ: A New Approach to Old Testament Christology. Concordia Theological Quarterly, Volume 68, N o 2, 2004, pp.105-126. Disponvel em: <http://www.ctsfw.net/media/pdfs/gieschenrealpresence.pdf>. b. o prprio Cristo ensinou isto em passagens como Lucas 24.26-27; 44-45 e Joo 5.39; c. as palavras de Deus visam a salvao da humanidade; d. todas as opes anteriores respondem a questo; Resposta d 5. Inerrncia um dos atributos da Escritura Sagrada que significa: a. que como palavras de Deus h exatido nas citaes, tanto dos textos do Antigo Testamento, como das palavras do Novo Testamento; b. que seus autores foram completamente fiis aos propsitos pretendidos e a palavra de Deus verdadeira; c. que h uma exatido absoluta na ordem de eventos registrados; d. que no houve o uso de figuras de linguagem, como a hiprbole, por exemplo; Resposta b Referncias Bibliogrficas do captulo BRAKEMEIER, Gottfried. A Bblia e a nossa vida. Enfoques Bblicos. So Leopoldo: Sinodal, 1987. JACOBSON, Diane; POWELL, Mark Allan; OLSON, Stanley N. Opening the Book of Faith. Lutheran Insights for Bible Study. Minneapolis: Augsburg Fortress, 2008. WEBER, Hans-Ruedi. Bblia: o livro que me l Manual para estudos bblicos. Traduo de Marcelo Schneider. So Leopoldo: Sinodal, 1998.
2. A tarefa e a arte da Interpretao Introduo O que interpretar? Em palavras simples e objetivas poderamos responder que interpretar chegar verdade ou ao entendimento do que est sendo lido. O elemento complicador em grande parte tem sido o conceito de verdade, pois ele tem variado ao longo dos anos. O alvo principal deste captulo tratar sobre alguns detalhes relacionados interpretao da palavra de Deus, a fim de que o estudante seja habilitado a discernir necessrios princpios de interpretao na leitura e estudo da Bblia. A verdade do Pr-Modernismo ao Ps-Modernismo No Pr-Modernismo e no Modernismo a superioridade da razo prevalecia. Ou seja, havia possibilidade de explicar o que estava sendo investigado. No Ps-Modernismo esse conceito comeou a mudar. Apenas poderia existir uma explicao parcial do que estava sendo estudado. No haveria mais uma verdade objetiva e absoluta, mas em construo e relativa. Em outras palavras, depende do meu ou do seu ponto de vista. Ser que podemos aceitar e seguir essa ideia na interpretao de um texto? Talvez de maneira geral a resposta at pudesse ser sim, mas em se tratando de documentos, preciso ter princpios para interpret-los, a fim de que se chegue ao propsito original do autor de um texto, aqui no caso, da Bblia Sagrada. A interpretao de textos bblicos envolve a utilizao de recursos envolvendo o estudo da linguagem, contexto histrico, objetivos dos autores e leitores originais. Porm, o seu uso est condicionado a princpios de interpretao que orientam a leitura da Bblia. 2.1 Aspectos gerais na histria da interpretao bblica Ser familiarizado e compreender aspectos da histria das interpretaes podem ser de significativo auxlio no estudo das Escrituras. Podem servir como advertncia para no incorrer nos mesmos equvocos do passado; podem ajudar a refletir sobre influncias que geraram mal-entendidos da palavra de Deus; podem tambm criar familiaridade com bons intrpretes da igreja primitiva e assim seguir seus passos. Walter Kaiser Jr. lembra que independentemente da motivao para esse contato com o passado, o estudo de suas obras pode poupar ao estudioso da Bblia a perda de tempo ao tentar seguir por trilhas que sabidamente no levaram a lugar nenhum. Poderia se afirmar que desde o princpio e em certas ocasies houve dificuldades para captar a correta compreenso da palavra de Deus. Os profetas tiveram essa reclamao j no Antigo Testamento (Jr 5.21; Is 6.10; Ez 12.2) e no Novo Testamento o apstolo Paulo chama ateno dos Tessalonicenses pela falta de estabilidade no recebimento do ensino (2 Ts 2.2). 11
Escola de Alexandria Ainda que esse assunto pudesse comear com as tendncias hermenuticas no judasmo, a preferncia foi iniciar pelos pais da igreja crist primitiva. O primeiro professor da Escola de Alexandria foi Titus Flavius Clemente. Ele adotou a interpretao alegri ca da Bblia. Seu argumento principal era de que as Escrituras escondem o sentido e so enigmticas. O lema desta escola era a menos que voc acredite, voc no ir compreender, baseado numa traduo e aplicao duvidosa de Is 7.9, na Septuaginta LXX 12 . Orgenes foi um discpulo de Clemente e seguindo o mtodo alegrico, declarou que as Escrituras tinham um sentido triplo: corpreo ou carnal, fsico e espiritual. Em termos prticos, a pessoa mais simples pode ser edificada pela carne das Escrituras (o entendimento mais bvio, primrio-literal); a pessoa em estgio intermedirio, pela alma das Escrituras; e aquele que experimentado aproxima-se das palavras de Paulo em 1 Co 2.6- 7. Esse ser beneficiado pela lei espiritual das Escrituras e que possuem sombra dos bens vindouros (Hb 10.1). 13
Orgenes foi o primeiro na histria da Igreja a elaborar e expor uma teoria de interpretao bblica. Seu princpio bsico a alegoria, influncias de Philo e do Platonismo. Seu ponto de que as Escrituras escondem o sentido e por trs do significado literal do texto, h um significado mais profundo do texto. 14
O mtodo alegrico est fundamentado em cima do ensino das correspondncias. Os acontecimentos ou objetos naturais e terrenos, vm acompanhados de um objeto ou acontecimento anlogo correspondente e de natureza celestial ou espiritual. Toda a histria secular uma alegoria e descrio de coisas espirituais e celestes. 15
Na interpretao alegrica, as passagens na Escritura que tratam de fatos histricos ou falam de coisas terrenas tm um significado mais profundo do que o literal. Exemplo: o relato da embriagues de No em Gn 9.20-27. Nesse caso, um sentido mais profundo a inteno do autor e o carter literal da histria rejeitado. Outro exemplo desse tipo de interpretao a entrada triunfal de Jesus em Jerusalm, relatada em Mateus 21.2-7. Para Orgenes esse fato indigno para o Filho de
11 KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii. So Paulo: Cultura Crist, 2002, p. 203 12 Para o significado de LXX, cf. nota 9, captulo 1. 13 KAISER JR, op. cit., pp.210-211. 14 FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008, p.239. 15 KAISER, JR., op. cit., p. 212. Deus. inconcebvel que Jesus tenha necessitado de uma jumenta e de um jumentinho. Por isso o relato deve ser alegorizado. Jesus, como palavra de Deus faz entrada na alma; jumento, sentido literal do Antigo Testamento; jumentinho, sentido literal do Novo Testamento. Ambos se tornam os veculos da palavra de Deus ao serem soltos pelos discpulos. 16
Parece possvel at a existncia de listas de equivalncias alegricas para os telogos pertencentes escola de Alexandria. Dentre eles pode se citar: Jo 2.1: dias so Cristo; trs a f; um casamento o chamado aos gentios e Can a Igreja. Em Pv 10.1, as equivalncias alegricas so: filho sbio, apstolo Paulo; pai, o salvador; filho insensato, Judas Iscariotes; me, a igreja. 17
Escola de Antioquia Em oposio a esse tipo de abordagem ou de interpretao do texto bblico, surgiu a escola de Antioquia. Os principais lderes foram Teodoro de Mopsuesta, o maior exegeta da igreja antiga e Joo Crisstomo, o maior pregador. 18 O lema dessa escola era a theoria, ver, observar. Nesse caso, o sentido espiritual no pode ser separado do sentido literal. O alvo era preservar a integridade da histria e do sentido natural da passagem bblica. Isto, em outras palavras, o mtodo histrico-gramatical. A idia era evitar dois perigos: excesso de literalidade ou de alegoria. 19 O sentido literal deve ser mantido, a no ser que fique claro a utilizao alegrica, como em algumas parbolas. Na interpretao dos escritos era importante considerar os hbitos, objetivos e mtodos de cada autor, pois o impulso divino na inspirao era sobre a conscincia e a inteligncia do escritor. O sentido literal tinha primazia e dele tinham que ser tiradas lies morais, os sentidos tipolgico e alegrico, eram considerados secundrios. 20
Escola do Ocidente O mtodo de interpretao desta escola inclua elementos da escola alegrica de Alexandria, bem como de Antioquia. Os principais nomes dessa escola foram Jernimo, conhecedor do grego e do hebraico, tradutor da Bblia Vulgata e Agostinho, especialista em organizar as verdades bblicas. A marca principal da interpretao bblica nesse perodo era o modelo qudruplo, ou seja, cada texto bblico teria quatro sentidos. Histrico-literal, alegrico, tropolgico (moral) e anaggico (mstico ou escatolgico). A ilustrao com a cidade de Jerusalm, por
16 FEE, STUART, op. cit., p.239. 17 KAISER, JR., op. cit., p.212. 18 FEE, STUART, op. cit., p.240. 19 KAISER, JR., op. cit., p.213. 20 FEE, STUART, op. cit., p.240. exemplo. Literalmente a cidade dos judeus; alegoricamente a igreja; tropologicamente a alma e anagogicamente o lar celestial. No tempo da Idade Mdia at o perodo da Reforma, a Bblia era interpretada como tendo um sentido qudruplo: literal, alegrico, moral e anaggico. Exemplo: Ex 20.8. O Sbado aqui teria quatro sentidos: a) O 7. dia deve ser guardado; b) Cristo descansou no tmulo; c) O cristo deveria descansar do pecado; d) O verdadeiro descanso nos espera no cu. 21
Outro fator que ganhou importncia nessa poca (500-1500) foi o princpio de que a interpretao da Bblia tinha que se adaptar s tradies e doutrina da igreja. 22 Uma das figuras importantes deste perodo foi Stephen Langdom (1150-1228), arcebispo de Canturia. Foi ele quem efetuou a diviso da Bblia em seus captulos atuais. Mas sua interpretao dos textos bblicos foi no sentido de enquadr-los nas doutrinas da igreja. O nome mais importante nesse perodo foi Toms de Aquino (1225-1274). Por um lado ele defendeu o sentido literal como base para todos os outros sentidos da Bblia, por outro lado ele argumentou que o intrprete deve prestar ateno num sentido simblico, visto que as coisas celestes no podem ser expressadas em palavras terrena sem o uso desse simbolismo. 23
A interpretao bblica no perodo da Reforma Luterana Essa poca considerada como um tempo em que a Bblia foi desacorrentada, a fim de que ela pudesse falar por si mesma. De incio, Lutero tambm seguia o modelo bsico de interpretao da Idade Mdia, ou seja, a alegorizao das Escrituras, porm mais tarde, ele insistia no sentido literal do texto como a nica base slida para a interpretao bblica. Para Lutero as alegorias so inadequadas para a leitura da Bblia. 24
Uma outra grande diferena era no sujeito capaz de ler as Escrituras. Enquanto na Idade Mdia a interpretao era confinada ao clero, os reformadores afirmaram que a Bblia acessvel e compreensvel a todos. O Esprito Santo o escritor mais simples e suas palavras no podem ter mais do que um sentido, o sentido literal das Escrituras. O padro exegtico de Lutero apontava para o estudo das lnguas originais, buscando descobrir o sentido primrio, histrico e gramatical. 25
Somente a Escritura. Este o princpio formal da teologia da Reforma Luterana. A norma para as doutrinas no encontrada nas tradies da igreja, mas sola Scriptura,
21 Lutheran Cyclopedia. Edited by Erwin L. Lueker, St. Louis, U.S.A., CPH, p.286. 22 KAISER, JR., op. cit., pp.214-215. 23 Idem, p.215. 24 Idem, p.216. 25 FEE, STUART, op. cit., pp.241-242, KAISER, JR., op. cit., p.216. somente nas Escrituras. E nesse princpio vem embutido o sentido literal como sendo a nica base slida e adequada para a exegese. A interpretao da Bblia no perodo posterior Reforma As duas escolas ou movimentos mais significativos foram o Pietismo e o Racionalismo. O primeiro foi uma reao ao dogmatismo e falta da prtica crist piedosa dos estudiosos bblicos. No entender de pietistas, a Bblia era usada apenas para confirmar doutrinas. Embora tivesse sido um movimento de reao, preciso considerar como positivo o modelo de estudo da Bblia proposto, visando uma compreenso adequada do texto e sua proclamao. 1. o passo: estabelecer o texto; 2. o passo: elucidar o sentido das palavras; 3. o
passo: observar o contexto; 4. o passo: considerar o contexto bblico; 5. o passo: descobrir informaes do contexto histrico; 6. o passo: ver o sentido do texto como um todo; 7. o passo: aplicao homiltica (proclamao). O Racionalismo tem sua manifestao especialmente no mtodo histrico-crtico. 26 A pretenso foi tornar os estudos bblicos cientficos, fruto em grande parte do Iluminismo. A partir desse modelo, tudo o que incompatvel com a razo humana deveria ser descartado. A Bblia passou a ser vista como um livro iguail aos demais e conceitos teolgicos, como da inspirao, deveria ser ignorado. Nessa linha tambm surgiu a crtica da forma, que visava demonstrar que a literatura bblica tinha origem em contextos histricos definidos e alguns relatos seriam inexatos. Mais recentemente Rudolf Bultmann sacudiu com princpios de interpretao bblica. Para ele a revelao deveria ser desvinculada da histria e por isso deveria haver pouco interesse pelo Antigo Testamento. A ttulo de exemplo, usando esse pensamento, a desmitologizao, E. L. Allen considerou como removveis os seguintes conceitos no Antigo Testamento: a) O conceito da eleio de Israel por Deus, como povo escolhido. Isto seria nacionalismo e racismo; b) O conceito do Deus pessoal, ciumento, pois inapropriado empregar termos pessoais a suas aes para com os seres humanos, apenas o contrrio possvel. 27 Sua era remover supostos mitos antigos e ler a mensagem da Escritura numa forma relevante para a mente moderna.
26 Esse mtodo geralmente avaliado como estando mais preocupado em identificar as fontes literrias e contextos sociais que deram vida aos textos, do que os textos bblicos que podem normatizar a vida dos leitores contemporneos e da igreja. Em resumo, esse modelo de interpretao enfatizaria mais sua lealdade a teorias atuais de composio de textos e como eles surgiram, do que o texto em todas as suas partes e o que realmente quer dizer (KAISER Jr., 2002, pp.30-31). Uma avaliao do Mtodo Histrico-Crtico est no Apndice 2 (pp.244-247), escrito por Enio Ronald Mueller, no livro Entendes o que ls, da Editora Vida Nova (cf. referncia bibliogrfica do captulo). O livro est em sua segunda edio e foi reimpresso em 2008. 27 LIVINSGTON, Herbert G. The Pentateuch in its Cultural Environment. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1987, p.203. 2.2 A Interpretao da Bblia H diferentes tipos de leitura: leitura para informao; leitura para lazer e leitura para compreenso. Quando a leitura da Bblia, exige-se uma leitura que leva compreenso e percepo do texto. Isto significa entender as palavras, frases e pargrafos. Por isso, ler para apreender o contedo demanda leitura lenta, no caso da Bblia, um elemento facilitador o estudo em diferentes tradues disponveis e com anotaes. Isto j no bastaria para uma leitura e explanao proveitosas da palavra de Deus? Por que preciso falar em princpios para ler e explicar a Bblia? Antes de tudo, preciso admitir que se existem problemas na interpretao bblica, eles no so da Bblia, mas daqueles que a leem. verdade tambm que a Bblia no um livro obscuro e que dependeria de profissionais para ser compreendido. Uma resposta possvel a esses questionamentos que a Bblia se trata de um livro divino e assim exige alguns critrios para l-la de forma adequada. Em se tratando de textos bblicos no possvel concordar com a frase essa a sua ou a minha interpretao. Declarar simplesmente uma opinio particular sobre um texto bblico desmente o conselho dado pelo prprio Deus. Ao longo das Escrituras Sagradas, h algumas referncias a textos que exaltam a necessidade de se buscar a excelncia na interpretao da palavra de Deus e da responsabilidade envolvida nessa prtica. O conselho dado pelo escritor de Apocalipse (Ap 22.18-19) pode at se referir de maneira especfica ao ltimo livro da Bblia, mas existem outros textos que possuem essa mesma orientao (Pv 30.5-6; 2 Tm 2.15; Tg 3.1). verdadeira a observao de que ningum capaz de falar de maneira absolutamente clara e compreensvel em todas as ocasies, a no ser o prprio Deus. Na verdade no se pode deixar de lembrar que o princpio bsico que rege a interpretao das Escrituras, que ela interpreta a si mesma e que o cristo tem a iluminao do Esprito Santo para ler e estudar a Palavra (1 Jo 2.27). Porm, a Bblia um livro divino e humano ao mesmo tempo e por isso preciso olhar para alguns detalhes decisivos para sua interpretao. H aspectos lingusticos e culturais que no nos so to familiares, bem como aes e mesmo palavras que necessitam observao especial. Alm disso, existem ainda nos livros da Bblia diferentes gneros literrios e que nem sempre so do nosso domnio completo. Fundamentalmente a Bblia um livro bastante simples e claro. Entretanto, como leitores nem sempre possumos o conhecimento suficiente e adequado para nos aproximarmos do texto e tirar dele e de maneira completa o sentido e os propsitos do texto. Antes de enumerar algumas regras que podem ser observadas na interpretao da palavra de Deus, podem ser lembrados alguns propsitos ltimos de uma interpretao saudvel: a. entender as palavras da Escritura e a mensagem que elas conduzem; b. estabelecer uma conexo da cultura dos tempos bblicos do mundo contemporneo, sem perder a essncia da mensagem; c. ter um fundamento seguro para a f, doutrina e vida crists, tanto para o cristo individualmente, bem como para a igreja. Estas so algumas das razes que compeliram cristos atravs dos sculos a buscar uma interpretao que saudvel bblica e teologicamente, bem como honesta e vlida intelectualmente. 28 O alvo da interpretao correta simplesmente chegar ao sentido claro do texto. Princpios Gerais de Interpretao Bblica preciso princpios de interpretao? No bastaria a leitura dos textos bblicos? O sentido de um texto no vem pela leitura? Essa ltima pergunta poderia ser respondida de certo modo com um sim e um no. A razo principal de se aprender a interpretar porque um leitor tambm um intrprete. Quando lemos ns passamos a entender de algum modo o que est sendo lido. E nesse nosso entendimento incorporamos nossas experincias, nossa forma de ver as coisas, cultura e compreenso de palavras e ideias. E a que reside o detalhe problemtico de equiparar a simples leitura de um texto com a sua compreenso plena. Um exemplo dado sobre o texto de Rm 13.14 e o conceito de carne. verdade que tradues mais modernas facilitam sua compreenso, mas carne aqui no se refere ao corpo, como poderia se supor, mas aos apetites fsicos, ou a natureza pecaminosa do ser humano. 29
A natureza da Escritura Sagrada demanda princpios para ler e interpretar bem. Por ser palavra de Deus, sua relevncia eterna. Porm, ela humana nas palavras e nos personagens. A seguir, alguns princpios bsicos que devem ser levados em conta na tarefa de interpretar a palavra de Deus. Um dos primeiros elementos a ser considerado tratar o texto bblico do ponto de vista histrico-gramatical, usado desde o tempo da escola teolgica de Antioquia. Esse mtodo procura valorizar o fato de Deus ter se revelado na histria em palavras humanas. Em termos prticos isto significa ouvir o texto como as pessoas do primeiro sculo o compreendiam.
28 Aqui necessrio refletir no fato de que existem assuntos na Bblia em que a razo precisa calar. O prprio apstolo Paulo diz aos Corntios que a salvao de Deus atravs da cruz de Cristo loucura (1 Co 1.18-25). Tambm no se encaixa racionalmente a idia que cristos devem dizer no para seus interesses particulares e serem servos de Cristo e uns dos outros (Mc 8.34-38; 10.43; Fp 2.1-7). Porm, Deus tambm no espera que um intrprete da sua palavra desligue o seu crebro e simplesmente creia em tudo, mesmo no que no faz sentido algum. Ler e interpretar a palavra de Deus tambm envolve cuidadoso estudo, a fim de checar se as coisas de fato so assim e a Bblia foi entendida de maneira adequada. A razo, quando usada apropriadamente, tambm uma ddiva do alto para conduzir verdade (Opening the Book of Faith, p.25-26). 29 FEE, E STUART, op. cit., pp.13-15. Tambm preciso ler a passagem dentro do seu contexto. Esse princpio vale para toda a literatura, mais ainda a Bblia. As Escrituras no podem ser tratadas como uma coleo de passagens isoladas. O alvo compreender o todo a fim de apreciar e entender as partes, ou ento compreender as partes para apreciar o todo. Precisam ser observados principalmente os contextos do texto (o que vem antes e o que segue), do livro da Bblia e contexto histrico. Importante ainda observar o gnero literrio que estou lendo. Os diferentes gneros literrios exigem ateno diferenciada. Um Salmo no pode ser lido e explicado como uma parbola, por exemplo. Os principais gneros literrios so: Narrativa Histrica, Poesia, Sabedoria Hebraica, Profecia, Parbola, Epstola e o Apocalipse. Na leitura da Bblia necessrio aprender a aplicar regras especiais a cada uma dessas formas literrias. Identificar o contexto histrico e cultural de um livro tambm um auxlio na interpretao. Quem escreve, para quem, com que propsito, de que forma, o que estava acontecendo na poca. O desafio ler o texto como se fssemos contemporneos daqueles primeiros leitores. Em termos culturais h palavras e imagens que precisam ser dissecadas e esclarecidas. Ainda vale a recomendao de que a prpria Escritura a sua melhor intrprete. A fim de evitar interpretaes subjetivas (humanas), um outro princpio, que pode ser considerado como primrio, deixar com que a prpria Escritura estabelea o ensino. O que quer dizer isso? Primeiro, que fora da Bblia realmente no se pode definir uma verdade. Deus tem a ltima palavra e no tradies humanas (Mt 15.3; Cl 2.8). Segundo, toda passagem bblica deve ser iluminada pelo ensino da Escritura como um todo. Isso diz respeito particularmente quelas passagens de compreenso mais difcil, mas um critrio que deve ser aplicado em todos os textos. Autor, texto e leitor palavras e aes No caso da Escritura Sagrada, podem existir pelo menos trs aspectos envolvidos no processo de interpretao. Autor, texto e leitor. No caso do autor, mesmo que em alguns casos haja algum grau de dificuldade para determin-lo, tem o seu valor saber quem escreveu determinado texto. Tambm fundamental se ater quilo que bsico, o texto em si, ou o significado das palavras. Porm, preciso ainda considerar que o texto revela tambm aes, cujo significado pode no ser claro por si s e que tambm interfere na interpretao do texto. Jesus caminhando sobre a gua por exemplo (Mt 14.22-33), ou o sacerdote e o levita passando do outro lado da estrada, na histria do Bom Samaritano (Lc 10.25-34). Tambm significativo considerar os receptores do texto. O que estava acontecendo na poca, sob quais circunstncias o texto lhes foi encaminhado. Aqui preciso lembrar que, de maneira geral, o sentido de um texto est na superfcie. No h necessidade de escavar. No preciso zelar pela originalidade na interpretao, como se as verdades estivessem nessa escavao. O alvo do estudo bblico no a originalidade em termos de inovao na interpretao, mas apresentar o que o texto ensina de forma mais profunda possvel. justificvel, contudo, o propsito de buscar reflexes sobre a aplicao de melhores tcnicas de estudo e de instrues sobre princpios hermenuticos bblicos saudveis para a elaborao e conduo de estudos bblicos, cuja meta por sua vez, a edificao do povo de Deus atravs do evangelho do Senhor Jesus Cristo, o cerne das Santas Escrituras. 2.3 Atividades de auto-estudo 1. Uma das caractersticas dos tempos ps-modernos a afirmao de uma suposta falta de uma verdade objetiva. H uma relativizao extrema e que tambm acaba chegando leitura e interpretao da Bblia. Os mesmos textos so interpretados de forma completamente distinta. Como podemos avaliar essa situao em se tratando da leitura de documentos, a saber, a Escritura Sagrada? Considere essa circunstncia e apresente em pelo menos 5 linhas uma anlise e possvel soluo para essa situao. 2. O que est certo? a) Ler e interpretar o texto bblico com bom senso, saber que o sentido do texto geralmente est na superfcie e seu sentido literal; b) O mais importante inovar na interpretao, isto o mais importante num Estudo Bblico. Escreva em torno de 3 a 5 linhas sobre a razo de sua escolha e fundamente sua resposta. 3. Em poucas palavras poderamos dizer que interpretar : a. tirar concluses subjetivas de um texto; b. abranger todas as possibilidades de explicao de um texto; c. chegar verdade ou ao entendimento correto do que est sendo lido; d. uma explicao parcial de um texto bblico; Resposta c 4. A afirmao de que Bblia se trata de um livro divino e assim exige alguns critrios para sua leitura, se refere: a. a garantir que cada um tenha o direito de interpretar a Bblia subjetivamente; b. interpretao adequada e em conformidade com os objetivos de Deus; c. a apenas alguns livros da Bblia, especialmente Apocalipse; d. somente ao modelo qudruplo de interpretao; Resposta b 5. Diante de passagens da Escritura Sagrada de compreenso mais difcil: a. submet-las ao princpio de que a Bblia interpreta a si mesma; b. devem ser completamente ignoradas para evitar ensino falso; c. No existem passagens bblicas desse tipo; d. fazer valer a opinio de cada um em particular; Resposta a Referncia comentada HALL, Christopher A. Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja. Traduo de Rubens Castilho. Viosa: Ultimato, 2002. Para uma aproximao dos pais da Igreja e aprendizado sobre sua leitura das Sagradas Escrituras, a sugesto o livro que faz uma viagem desde a razo de ler dos pais, a mente moderna e a interpretao bblica, quem so os pais e forma como eram lidas as Escrituras neste perodo. Referncias Bibliogrficas do Captulo JACOBSON, Diane; POWELL, Mark Allan; OLSON, Stanley N. Opening the book of faith. Lutheran Insights for Bible Study. Minneapolis: Augsburg Fortress, 2008. KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2002. FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? 2 Ed. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008. VOELZ, James W. What Does This Mean? Saint Louis, U.S.A.: Concordia Publishing House, 1995.
3. Lei e Evangelho na Interpretao da Bblia Introduo Esse captulo visa tratar de maneira especial e especfica um aspecto fundamental, quem sabe crucial, na leitura da Bblia e j tratado inicialmente nos pressupostos no estudo da Bblia, abordados no primeiro captulo desta obra. A distino entre lei e evangelho. Saber distinguir e aplicar corretamente a lei e o evangelho uma arte ensinada pelo Esprito Santo na escola da experincia, mas espera-se que a partir dos estudos e das reflexes aqui apresentadas, o estudante seja capaz de observar a importncia do ensino e comece a colocar em prtica essa arte. 3.1 Lei e Evangelho na Palavra de Deus O contedo da palavra de Deus na Bblia nos vem em forma de lei e evangelho. Por um lado a palavra de Deus aterroriza os pecadores denunciando seus pecados, por outro lado ela lhes justifica, vivifica e regenera, apagando suas transgresses. Essas so a rigor as duas obras de Deus e nestas duas se divide a Escritura Sagrada. Uma parte a lei, que teologicamente tambm chamada de espelho, pois mostra e condena os pecados; a outra evangelho, denominado de boas novas, pois apresenta a boa notcia da graa salvadora manifestada em Cristo. Em princpio, aprender a distinguir a lei do evangelho tarefa at certo ponto fcil. O que talvez seja mais complexo a sua aplicao na vida das pessoas atravs da proclamao da palavra de Deus. Costuma-se afirmar que isto s pode ser ensinado pelo Esprito Santo na escola da experincia. O Centro das Escrituras A mensagem da Bblia tem a ver com a histria de pessoas que erraram o alvo em suas vidas. Deus criou o homem e a mulher em completa santidade e perfeio. Entretanto houve uma quebra nesse relacionamento gerado pelas prprias criaturas. Deus no desistiu de seus filhos, muito pelo contrrio, ele foi atrs deles to logo aconteceu sua rebelio, prometendo-lhes um salvador, a fim de restabelecer a conexo perdida entre criaturas e criador (Gn 3.15). A Bblia, em resumo, a histria do livramento divino para pessoas perdidas no pecado. E essa histria culminou em Jesus Cristo. Ele a palavra (Verbo) que se fez carne e habitou entre ns (Jo 1.14) e todo que nele cr se torna filho de Deus (Jo 1.12). Cristo o centro da Bblia. Ele prprio deixou isso claro em vrias ocasies. O cerne da revelao de Deus so as boas novas do evangelho. Em Joo 5.39 ele fala de maneira bem direta que as Escrituras testemunham a respeito Dele. Em Lucas 24.25-27,44, ele ressalta que o Antigo Testamento falava de Jesus. O que significa isto? Isto tem implicaes significativas na compreenso da Bblia e na forma como vamos proclamar sua mensagem. Se a Bblia aponta para o Filho de Deus, nosso compreenso e proclamao devem ter como centro a Jesus Cristo, o Salvador. Bblia: o livro das Boas Novas Um dos conflitos mais proeminentes descrito nos evangelhos de Cristo com os fariseus. Qual era a dificuldade principal? Grande parte do problema estava na interpretao equivocada da palavra de Deus por parte dos fariseus. A leitura deles no era cristocntrica, nem orientada na distino lei/evangelho. Para esses lderes religiosos as Escrituras eram vistas como uma coleo de regras e que tinham como enfoque o que cada um deve fazer para agradar a Deus. Jesus os acusou de colocarem sobre os ombros das pessoas pesados e impossveis fardos de carregar (Mt 23.4) e sua inteno era apenas serem vistos pelas outras pessoas (Mt 23.5-7). Essa postura chegou ao extremo de at ignorar e invalidar a prpria palavra de Deus, para fazer valer as suas tradies (Mc 7.10-13). Ao invs de colocar no centro do seu ensino e vida a Cristo, o salvador prometido na Lei, Salmos e Profetas, eles preferiam continuar ensinando regras comportamentais e at tradies meramente humanas. Eles at tinham zelo por Deus, porm, no com entendimento (Rm 10.2), com o propsito de serem justificados por Deus. 30
Infelizmente essa tendncia equivocada de todo ser humano. Ler a Bblia com nfase maior, e s vezes to somente, nas exigncias de Deus, ao invs da mensagem de lei e evangelho. A nfase na lei um perigo. Ela pode gerar desespero, bem como produzir pessoas que confiam mais naquilo que supostamente fazem de agradvel a Deus, do que naquilo que Deus fez a faz por elas graciosamente em Jesus Cristo. O papel da Lei de Deus A lei de Deus j vem programada originalmente em todo o ser humano (Rm 2.15) e sua funo tornar conhecido o pecado (Rm 7.7) e assim produzir o arrependimento. Foi isso que aconteceu no reinado de Josias, ainda no Antigo Testamento (2 Rs 22.11-13). A palavra de Deus na forma de lei apontou s pessoas daquela poca o pecado e com o seu arrependimento, veio a boa nova de Deus (2 Rs 22.18-20). Isto aconteceu h vrios sculos atrs. Mas essas redescoberta do rei Josias nos lembra que nossa f ou esperana no se pode basear sobre alguma espcie de moralidade, ou mesmo sobre a lei, mas na pregao da lei para mostrar o pecado e produzir
30 O prprio apstolo Paulo um exemplo dessa prtica nos primeiros anos de sua vida, at ser encontrado e convertido pelo Senhor Jesus (At 9.1-19; Fp 3.2-11). o arrependimento (2 Tm 2.25) e do evangelho, a boa nova do perdo e da nova vida em Cristo (2 Tm 1.10). A lei tem o papel de expor o pecado, cortar a carne, e o evangelho o poder de Deus para sarar e fazer com que os pecados e transgresses sejam atirados nas profundezas do oceano (Mq 7.18-19), pois essa mensagem est baseada na misericrdia e na graa do Senhor Jesus Cristo. O Evangelho de Jesus Cristo Ao exercer sua funo a lei no est em conflito com a mensagem do evangelho, mas est a servio dele. Por isso, a distino entre ambos no feita num vcuo, ou de maneira abstrata. A funo da lei em ltima anlise servir ao evangelho e engrandec-lo. Qual definio poderia ser dada ao evangelho? Dentre os muitos acontecimentos e descobertas na vida de Martinho Lutero e dos quais somos herdeiros, nada talvez se compare ao fato de que ele foi convencido da verdadeira identidade de Deus. Um Deus amoroso e que pode ser chamado de Pai. E ele s pde ver o retrato do verdadeiro Deus em Jesus Cristo, seu Filho, quem lhe foi revelado na Escritura Sagrada. Martinho Lutero tinha um pai terreno. Ele tinha um pai e uma me que cuidavam dele e queriam o melhor para ele. Mas nem por isso ele vivia em paz. Ele vivia com medo e na melancolia. A igreja da sua poca lhe ensinava que Deus era um pai amoroso para quem era obediente sua lei. Quem fazia coisas boas recebia as recompensas do pai. Isso tudo gerava medo, confuso, angstia e aflio, pois por mais que se esforava, ele no conseguia satisfazer a Deus. Mas esse era o ensino na ocasio. Um dos primeiros acontecimentos que aflorou esse medo foi antes de entrar na universidade. Depois de ter se ferido com a espada, com a perda de muito sangue e posterior infeco, ele pensou que iria morrer. Isso provocou nele o medo da morte e o mais srio, o medo de Deus, pois foi levado a acreditar que Deus era um juiz irado e vingador. Mas o acontecimento decisivo aconteceu um tempo depois, quando em meio a um temporal e muito assustado, caiu de joelhos prometendo ser um monge para agradar a Deus e no ser castigado. Ele ansiava pela paz e a maneira que lhe foi ensinado e pensou que poderia faz-lo, era separar-se do mundo, fazer coisas boas, agradar a Deus e sentir o seu amor. Porm, mais ele tentava faz-lo, mais ele se afundava e se perdia num labirinto sem sada, no sabendo mais o caminho de volta para o Pai. Ele havia chegado ao fundo do poo. Para encontrar o verdadeiro Deus, a epstola de Romanos foi decisiva para Lutero ver a Deus como Pai. L, ele confirmou o que j sabia: que era um filho desobediente e que se distanciou do Pai. Porm, l Deus lhe ensinou o outro lado da moeda: ele no precisa e nem pode fazer algo para se reaproximar e voltar casa do Pai, pois Deus fez isso em Jesus Cristo. Nele somos filhos adotados do Deus Pai. um presente em Jesus. Quanto mais Lutero estudava a palavra, mais ele era convencido que Deus Pai quer salvar os pecadores e no puni-los e que a graa de Deus remove os pecados. Essa talvez seja uma forma de descrever o evangelho, a boa notcia de Deus para a humanidade. Essa a mensagem que o apstolo Paulo tinha para os corntios (1 Co 15.1-4). Seu contedo especfico. Ele trata do perdo amoroso de Deus atravs da obra de seu filho Jesus Cristo. Esse o evangelho pelo qual somos salvos. Como a bno do evangelho atualizada na vida das pessoas hoje? Como elas recebem os benefcios da cruz conquistados por Cristo? Segundo a palavra de Deus, o evangelho no s informao a respeito do amor de Deus, mas o poder de Deus para regenerar e salvar quem nele cr (Rm 1.16). O apstolo Paulo nos diz que esse evangelho e que nos une com Cristo vem por meio do Batismo (Rm 6.3-8) e pela pregao da Palavra ou do evangelho (Rm 10.17). 3.2 Manejando bem a Palavra Lei e Evangelho Senhores, que devo fazer para que seja salvo? (At 16.30) Essa foi a pergunta de um carcereiro feita a Paulo e a Silas. Em nossa resposta pode estar envolvido o seu destino eterno. Qual seria a sua resposta? Se ela for do tipo preciso ser um imitador de Jesus ou preciso obedecer a Deus, poder haver uma confuso entre lei e evangelho. Cristo de fato nos convida a sermos seus imitadores, mas depois de termos recebido gratuitamente a sua salvao (Ef 5.1-2). Quando existe qualquer exigncia ou apego lei, se anula a graa, ou o evangelho do Senhor Jesus (Gl 2.21). Por isso a resposta de Paulo e Silas foi cr no Senhor Jesus e sers salvo, tu e tua casa (At 16.31). Na cruz de Cristo foi pago tudo o que era necessrio para a nossa salvao (Jo 19.30). Quando se introduzem exigncias a fim de algum ser perdoado e receber a salvao, a boa nova do evangelho transformada em lei. E isto contradiz o evangelho do Senhor Jesus, que graa e no exigncia (Ef 2.8-9; Rm 5.17-21). Lei e Evangelho em ao Na leitura da Bblia possvel observar a maneira como Deus trabalha na vida das pessoas. Ele as chama ao arrependimento atravs da Lei e lhes concede a graa do perdo atravs do Evangelho. Essa forma de lidar com o ser humano desde o princpio de sua existncia e no quadro abaixo a proposta olhar as formas diferentes de Deus operar atravs da Lei e do Evangelho. A Lei e o Evangelho trabalham de forma diferente 31 : A Lei de Deus O Evangelho de Deus Como Deus os d? Como Deus escreveu a Lei no corao do Deus no escreveu o Evangelho no corao
31 Baseado na Revista Boas Novas, Nmero 11, Lei e Evangelho, pp. 30-31. Esta publicao feita em vrias lnguas pela Concordia Mission Society, St. Louis, Estados Unidos. homem quando o criou (Rm 2.14-15): A conscincia do homem reconhece a Lei (Rm 2.15); At o pior pecador pode ver que ele deveria fazer o que a Lei manda (Rm 2.14-15). do homem quando o criou (1 Co 2.6-14), por isso: A conscincia do home surpreendida pelo Evangelho (Lc 4.14-30; Jo 6.41, 51-52, 60,66); O home s ir aprender o Evangelho se o ler ou se algum o proclamar/testemunhar a ele (Mt 28.18-20; Lc 9.2; Rm 10.14-17; 16.25-26). Em resumo: Enquanto todas as pessoas sabem naturalmente alguma coisa sobre a Lei, s se pode aprender o Evangelho a partir da proclamao da palavra de Deus. O que ensinam? Como a Lei mostra o que deve ser feito pelo homem (Ex 20.1-17; Dt 27.10), ela: Se concentra nas obras (Dt 6.24; Jr 11.3-4); Exige obedincia perfeita (Dt 6.5-8; Mc 12.30-31; Tg 2.10); Nunca oferece o perdo, mas cobra, nos condena e mata. Como o Evangelho nos mostra o que Deus faz por ns em Cristo (Mt 26.26-28; Rm 4.8; 6.3-7; 2 Co 5.19-21), ele: Se concentra na obra de Deus pela humanidade (Rm 3.22-26; 5.6-9; 8.32); No faz exigncias, mas oferece a graa (At 20.24) e a salvao de Deus (Ef 1.13); Perdoa, redime, justifica, salva e concede a paz e a vida eterna (Rm 3.24,28; 5.1; Cl 1.13-14, 21-22; Jo 10.27-28; 1 Jo 5.11). Em resumo: Enquanto religies ensinarem apenas a mensagem da Lei, haver somente uma explicao parcial da palavra de Deus. A Bblia tambm ensina a mensagem do Evangelho, as boas novas da salvao e esta for ensinada de modo preponderante, a palavra completa de Deus ser ensinada. O que prometem? A Lei pode at nos prometer vida e salvao (Lv 18.5; Lc 10.25-28), mas: Somente se houver cumprimento perfeito e completo (Gl 3.12; Tg 2.10); A Lei s pronuncia algum como justo um homem realmente justo (Rm 2.13). O Evangelho tambm nos promete vida e salvao (Jo 3.15-16; 5.24), mas: Sem impor absolutamente nenhuma condio (Rm 3.28; Rm 4.1-5; Gl 3.18), portanto: O Evangelho declara que um homem injusto justo (inocente diante de Deus) atravs de Jesus Cristo (Rm 4.5; 5.6-8). Em resumo: Somente Cristo poderia cumprir integral e perfeitamente as exigncias da Lei. Ele as cumpriu para a nossa salvao. Como ameaam? A Lei nos ameaa apenas com punies (Gn 2.17; Lv 26.14-17; Dt 27.26; Gl 3.10). O Evangelho jamais nos ameaa (2 Sm 12.13; Mt 9.2; Lc 7.47; Jo 8.3-11; 1 Tm 1.15). Em resumo: Cristo levou o castigo ou a maldio que voc merecia, silenciando assim, as ameaas que a Lei fazia a voc. O que fazem para voc? Como a Lei exige mas no pode nos Como o Evangelho convite e poder de capacitar a cumprir suas exigncias, ela: Nos torna rebeldes (Rm 7.5,7-11, 15); Jamais nos ajuda no combate vida pecaminosa e assim nos leva ao desespero (Mt 27.3-5; Rm 7.7,24); Nos faz tristes e temerosos e no nos proporciona consolo algum (2 Sm 12.7-13a; At 2.36-37). Deus para recebermos as bnos de Deus em Cristo Jesus (At 16.27-31; Rm 10.17), ele: Remove todo o terror, medo e angstia e os substitui com paz e alegria no Esprito Santo (Rm 5.1-2, 10-11; 8.1); No exige um bom corao, boas intenes, aperfeioamento, santidade ou amor para com Deus ou s pessoas. Ele no d ordens, mas nos regenera e capacita para vivermos uma nova vida em Cristo (2 Co 3.18; 5.17; Ef 5.8; Cl 1.21-22). Em resumo: A Lei no pode salvar voc, mas ela tem um papel importante: ela o convence da sua pecaminosidade e a que o Evangelho pode fazer sua obra de reconciliao, perdo e cura na sua vida. Quem deve ouvir? Todos so pecadores (Rm 3.10, 23; 1 Jo 1.8, 10), logo, todos precisam ouvir a Lei (1 Tm 1.9). Todos s pecadores com o corao quebrantado (arrependido) precisam ouvir o Evangelho (Is 61.1-3; Lc 7.37, 44-50; Rm 3.24; 1 Jo 1.9) Em resumo: Quando o arrependido e o impenitente (aquele que no se arrependeu) esto juntos num mesmo lugar (como numa igreja), tanto a Lei como o Evangelho devem ser proclamados. Quando uma igreja crist tem o seu fundamento na palavra de Deus, tanto a Lei como o Evangelho precisam ser ensinados e praticados. Deus deseja que em nossa vida crist haja censura dos atos falhos, bem como o perdo e o encorajamento a viver como seus filhos amados e livres em Cristo Jesus (Gl 5.1; At 15.10-11). Por isso a nfase recai sobre o Evangelho, pois com ele uma igreja poder viver com perdo e alegria. 3.3 A Lei de Deus em sua trplice funo Quando se fala em lei, geralmente se lembra dos Mandamentos, aos quais se pode aludir como proibies de Deus ou orientaes. Nem sempre h clareza quanto a isso. Uma dos caminhos enfatizar teologicamente os Dez Mandamentos e v-los no sentido de ter trs usos: Freio (todas as pessoas sabem por natureza o que certo e o que errado, o que auxilia em segurar a sociedade); Espelho (esse o uso teolgico no sentido da pessoa olhar para eles e se enxergar como pecador e assim se voltar para Cristo) e Norma (os Mandamentos servindo como orientaes para a vida diria). A idia que eles podem ser antes multifuncionais, medida que o impacto que eles causam pode diferenciar de pessoa para pessoa. Tudo depende do esprito do pecador. Isto no significa tornar a questo meramente subjetiva, como se cada um em particular pudesse escolher como os Mandamentos de Deus iro funcionar em sua vida, mas considerar os diferentes tipos de pessoas que esto os ouvindo e absorvendo. Se um cristo arrependido, um impenitente, ou mesmo um descrente. A lei de Deus vai funcionar apenas como imperativo negativo, ou uma dura proibio, naqueles que no esto em relao saudvel com o Deus da Graa. Estes so aqueles que pensam que precisam constantemente realizar obras para agradar a Deus. De fato a Lei de Deus sempre acusa quando dirigida aos pecadores distantes de Deus. Mas quando o pecador est numa relao positiva com Deus atravs de Jesus Cristo, a funo da lei continuar revelando que somos culpados diante de Deus, mas tambm pode ser positiva, no sentido de orientar a nossa vida diria. S os afastados de Deus que percebero a lei unicamente como cruis e abominveis exigncias de Deus. Quem poder identificar essa multifuncionalidade? Com certeza somente Deus em sua oniscincia poder saber e controlar o uso e os benefcios da lei naquele que a est ouvindo. Pode se considerar que para a natureza pecaminosa do homem, a lei sempre acusar e condenar, mas no para o novo homem em Cristo Jesus. Nesse caso a lei vai at ao corao devidamente filtrada, pois a maldio ficou retida no sangue de Jesus Cristo (Gl 3.10-13). Para o homem sem Cristo a lei ser s proibio e condenao, para o homem com Cristo a lei tambm atividade do Deus Redentor. bvio que no processo de acusao, a lei est a servio do evangelho, visto que esta remeter o pecador a Cristo. Alm disso, h outro aspecto que pode ser relevante na abordagem funcional do Declogo 32 e nas instrues ou advertncias decorrentes dele. Em Cristo, o pecador poder visualizar a bondosa e positiva preocupao de Deus tambm para o seu prprio bem-estar. Os Dez Mandamentos costumam ser divididos em duas tbuas. A primeira se referindo aos trs primeiros mandamentos e a segunda do 4 ao 10 mandamento. A primeira fala de nossa relao correta com Deus e a segunda com o nosso prximo de maneira geral 33 .
32 Quando Moiss recebe os Mandamentos de Deus, ele fala em Dez Palavras (Ex 34.28), por isso Declogo. 33 Embora isto no altere a essncia do seu ensino, existe uma disposio um pouco diferenciada dos Dez Mandamentos. Na tradio Catlico-Romana e Luterana, os primeiros trs tratam do nosso relacionamento com Deus. O primeiro, no h outros deuses; o segundo, no tomar em vo o nome do Senhor; e o terceiro, santificar o dia de sbado (ou do descanso, traduo possvel de sabath). A segunda parte: o quarto, honrar pai e me; o quinto, no matar; o sexto, no adulterar; o stimo, no roubaro oitavo, no testemunhar falsamente (reputao pessoal); o nono, no cobiar (pessoas) e o dcimo, no cobiar (bens materiais). O Helenismo Judaico, Igreja Ortodoxa Oriental e Tradies Reformadas adotam a seguinte disposio: O primeiro, no h outros deuses; o segundo, no esculpir imagens semelhantes a Deus; o terceiro, no tomar em vo o nome do Senhor; o quarto, santificar o dia de sbado; O quinto, honrar pai e me; o sexto, no matar; o stimo, no adulterar; o oitavo, no roubar; o nono, no testemunhar falsamente; e o dcimo, no cobiar. Os mestres judaicos defendem a seguinte ordem: Primeiro, prlogo; o segundo, no h outros deuses (referncia a imagens esculpidas); o terceiro, no tomar em vo o nome de Deus; o quarto, santificar o dia de sbado; o quinto, honrar pai e me; o sexto, no matar; o stimo, no adulterar; o oitavo no roubar; o nono, no testemunhar falsamente e o dcimo no cobiar (ARAND, Charles P. That I May Be His Own. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2000, p.195). Se Deus diz na primeira tbua que ele quer o homem todo confiando Nele, orando, invocando e dedicando lhe tempo, porque ele no quer que seus filhos vivam perdidos assim como ovelhas que no tm pastor. Se na segunda tbua ele pede para respeitar pais e superiores, no matar, no adulterar, no roubar, no testemunhar falsamente, no cobiar nem o que tem vida nem coisas materiais, porque ele quer que nossa autoridade seja respeitada, nossa vida preservada, nossa famlia mantida, nossos bens conservados, nossa fama e nome prestigiados e tudo que nosso no esteja exposto aos olhos alheios. Em outras palavras, o que negativo sem Cristo, torna-se tambm positivas prescries para viver com Cristo. A motivao obedincia no a lei, mas Cristo. 3.4 Atividades de auto-estudo 1. Infelizmente uma das tendncias equivocadas na leitura da Bblia colocar nfase maior, e s vezes to somente, nas exigncias de Deus, como se a Bblia fosse um livro de regras comportamentais, ao invs de enfatizar as boas novas do que o Senhor Deus fez e faz pelos seus filhos atravs de Jesus Cristo. A nfase na lei um perigo. Ela pode gerar desespero, bem como produzir pessoas que confiam mais naquilo que supostamente fazem de agradvel a Deus, do que naquilo que Deus fez a faz por elas graciosamente em Jesus Cristo. Avalie essa situao em aproximadamente 5 a 8 linhas, tendo como referncia os princpios de interpretao dos fariseus e a reao de Jesus Cristo a esse tipo de atitude. 2. De acordo com as palavras de Romanos 1.16: Pois no me envergonho do evangelho, porque o poder de Deus para a salvao de todo aquele que cr, primeiro do judeu e tambm do grego; De Romanos 3.19: Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpvel perante Deus; Romanos 5.20: Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graa; Romanos 7.5: Porque, quando vivamos segundo a carne, as paixes pecaminosas postas em realce pela lei operavam em nossos membros, a fim de frutificarem para a morte; Romanos 8.3: Porquanto o que fora impossvel lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu prprio Filho em semelhana de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado; e Colossenses 1.13-14: Ele nos libertou do imprio das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redeno, a remisso dos pecados. Quais so as diferenas entre a Lei e o Evangelho? Esboce sua resposta em 5 linhas. 3. Tomando como base o texto de Romanos 3.20, visto que ningum ser justificado diante dele por obras da Lei, em razo de que pela Lei vem o pleno conhecimento do pecado, pode se concluir: a. A Lei tem o poder de apontar e condenar o pecado e no pode remover o pecado; b. A Lei no pode nos justificar e nem nos salvar de nossos pecados; c. A Lei tem o poder para remover o pecado e nos justificar diante de Deus; d. As afirmativas a e b esto corretas. Resposta d 4. A Lei apenas pode nos condenar pelos nossos pecados. o Evangelho, o poder de Deus para a salvao, que nos concede o perdo dos pecados e a salvao. Como recebemos as bnos do Evangelho segundo Romanos 10.14-17, Como, porm, invocaro aquele em quem no creram? E como crero naquele de quem nada ouviram? E como ouviro, se no h quem pregue? E como pregaro, se no forem enviados? Como est escrito: Quo formosos so os ps dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedeceram ao evangelho; pois Isaas diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregao? E, assim, a f vem pela pregao, e a pregao, pela palavra de Cristo (cf. ainda Tito 3.4-7). a. Deus nos d o perdo dos pecados e a salvao quando nos esforamos o mximo possvel para crer; b. Deus nos d o perdo dos pecados e a salvao atravs do ouvir das Boas Novas de Cristo e atravs do lavar regenerador do Batismo; c. Ns alcanamos o perdo dos pecados e a salvao atravs da nossa obedincia Lei e a f no Senhor Jesus; d. Ns obtemos o perdo dos pecados e a salvao atravs de uma vida rigorosamente santa, segundo o Evangelho de Deus. Resposta b 5. Baseado em Romanos 6.14 e 7.6: Porque o pecado no ter domnio sobre vs; pois no estais debaixo da lei, e sim da graa; Agora, porm, libertados da lei, estamos mortos para aquilo a que estvamos sujeitos, de modo que servimos em novidade de esprito e no na caducidade da letra, ser que uma pessoa v a Lei de forma diferente quando cr no Evangelho do perdo? a. Sim, aqueles que no esto em Cristo que esto sob as ameaas da condenao da Lei; b. A Lei no domina o crente em Cristo, mas o instrui e o leva ao arrependimento diariamente; c. O cristo vive pelo Evangelho e ele observa a Lei, no para ganhar o favor de Deus, mas em gratido pela nova vida em Jesus Cristo; d. Todas as afirmativas anteriores esto corretas. Resposta d Referncias bibliogrficas comentadas Existem duas obras significativas para uma compreenso ampla na distino Lei e Evangelho. Uma delas edio condensada e outra a obra completa. Alm disso, o recurso da Revista Boas Novas 34 outra fonte de amplas reflexes sobre o assunto. WALTHER, Carl Ferdinand Wilhelm. A Correta Distino entre Lei e Evangelho. Edio Completa. Traduo de Marie Luize Heimann. Porto Alegre: Editora Concrdia; Canoas: Editora da ULBRA, 2005. _______________________________. Lei e Evangelho. Edio Condensada por Walter C. Pieper. Traduo de Vilson Scholz. Porto Alegre: Concrdia, 1998. BOAS NOVAS. St. Louis. Nmero 11. Lei e Evangelho.
34 A Revista Boas Novas publicada em vrias lnguas, inclusive Portugus, atravs da Concordia Mission Society, P.O. Box 8555, St. Louis, MO, USA, 63126. Contatos no Brasil podem ser feitos com a Editora Concrdia, Caixa Postal 1076, Porto Alegre, RS. CEP: 90001-970. E-mail: editora@editoraconcordia.com.br 4. Linguagem da Bblia Introduo Esse captulo est destinado a introduzir nossas reflexes no mundo bblico e explorar alguns elementos referentes linguagem utilizada pelos escritores da Bblia. Entender o processo e a fora da comunicao atravs das palavras outro requisito significativo para uma adequada interpretao de um texto bblico. Nesse caso, recomendvel trazer lembrana o valor das lnguas originais, a importncia de uma variedade de tradues, bem como conhecimento sobre o uso de diferentes figuras de linguagem. Espera-se que o estudante seja familiarizado com os diferentes tipos de linguagem e aplique esse conhecimento na leitura e interpretao de textos bblicos. 4.1 As lnguas originais e tradues A Bblia a palavra de Deus em linguagem humana. Deus se revelou originalmente e em ampla maioria dos textos na lngua grega e hebraica. Falar em Grego e Hebraico at pode intimidar, porm no podemos nos esquivar da verdade que foi nestas lnguas que a Bblia foi escrita e assim acabar minimizando a importncia das lnguas originais. H quem argumente que o estudo do Grego e do Hebraico seja desnecessrio, medida que o cristo no precise de nenhum intermedirio para se aproximar de Deus (1 Tm 2.5). Todavia, mesmo tendo esse acesso direto a Deus em Cristo, Deus concedeu mestres sua igreja (Ef 4.11). Qual seria a razo para se ter mestres na igreja? Com certeza o motivo est relacionado necessidade de orientao e instruo na compreenso da revelao de Deus. Se por um lado no se pode minimizar o valor de se ler Grego e Hebraico, por outro isto no pode ser estimado de forma exagerada, como se apenas com o conhecimento dessas lnguas se obtivesse a interpretao correta. De fato as variadas tradues para o Portugus so adequadas, suficientemente claras e qualificadas, visto que so fruto do rduo trabalho de estudiosos das lnguas originais. Alm disto, necessrio considerar que as verdades essenciais da palavra de Deus e a mensagem do Evangelho do Senhor Jesus Cristo vm em alta definio e suficiente clareza para o Esprito Santo operar na vida de estudiosos, leitores e ouvintes. Porm, vale a pena uma reflexo sobre a importncia que deve ser dada s lnguas originais. Num artigo escrito pelo professor Gottfried Brakemeier 35 , a respeito de uma leitura mais cientfica da Bblia, ele afirma que existe uma complicao indevida das coisas, mas existe tambm uma complicao necessria, caso no se queira cair em superficialismos.
35 O artigo completo est na Revista Teolgica Enfoques Bblicos e com o ttulo A Bblia e a nossa vida, pp.61-74. Leitura cientfica da Bblia levar percepo da estranheza da Bblia, e, se ela for de fato cientfica, sempre de novo chegar a questionar os nossos preconceitos e as nossas ideologias com que iniciamos a leitura dos textos. Precisamos perceber e reconhecer que no existe leitura absolutamente neutra ou objetiva da Bblia. Ainda assim, dever do estudo cientfico advogar os autores da Bblia, de sua mensagem e de seus direitos, defendendo-os contra interpretaes errneas. Brakemeier lembra um texto consideravelmente antigo, mas atual para ilustrar a importncia da lngua original. No Jornal Correio Braziliense, edio de domingo, dia 23 de julho de 1978, foi publicado um artigo do professor Carlos Torres Pastorino, que leciona Grego e Latim na Universidade de Braslia, sob o ttulo: "Divergncias nas tradues do Novo Testamento". Brakemeier salienta: Afirma o ilustre professor que as tradues do Novo Testamento, em muitos casos, no reproduzem o sentido original do Grego. A sua tese principal que a Igreja inverteu a ordem da Trindade. Jesus teria ensinado ser o Esprito Santo a primeira pessoa da Trindade, o Pai a segunda, o Filho a terceira. Encarnao significa ento para Pastorino que o Esprito Santo veio habitar em ns e que, por isto, Deus no alguma coisa acima de ns ou entre ns, mas em ns. Para fundamentar esta tese, Pastorino recorre, entre outras, passagem 1 Corntios 6.20b, traduzida normalmente: "Glorificai a Deus no vosso corpo." Pastorino se admira desta traduo, segundo sua viso, errada, desapercebida desde sculos, e traduz: "Acreditai estar Deus em vosso corpo." Como julgar o caso? bem verdade, "doxzein" (o verbo em questo) tem no grego clssico o significado de opinar, acreditar, se bem que em alguns casos j aparea o sentido de glorificar. Predominantemente, porm, "doxzein" deve ser traduzido por acreditar. Ento, Paulo quer dizer que Deus est dentro de ns e que o nosso corpo nada mais do que o invlucro para o Deus Esprito em ns? Pastorino no considerou o Antigo Testamento em sua traduo grega, a assim chamada Septuaginta, onde "dxa" o equivalente para o termo hebraico "kabod" que significa glria, e onde "doxzein" correspondentemente significa glorificar. A partir de onde Paulo deve ser compreendido? A partir da Septuaginta, a Sagrada Escritura da primeira cristandade, ou a partir do grego clssico? A resposta me parece ser evidente. Teologia cientfica, pois, tem a incumbncia de proteger a Igreja contra a confuso resultante de falsas abordagens e da propagao de simples opinies. Ela deve exigir prestao de contas do que se apresenta como interpretao correta do evangelho e simultaneamente fornecer o instrumento para uma exegese condizente com a prpria Bblia. Em sntese, ela deve dar voz vida da qual a Bblia fala. 36
Outro exemplo vem do estudioso do Novo Testamento Moiss Silva. Ele menciona um pregador que interpretou o texto de Efsios 4.26, Irai-vos e no pequeis, como uma proibio dupla: da ira e do pecado. Mesmo que a ira de fato seja condenada em outras partes da Escritura Sagrada e assim sua interpretao em parte correta, sua concluso foi de que a partcula negativa se aplicaria aos dois verbos. Contudo, o no vem depois do verbo irar e antes do verbo pecar. Moiss Silva conclui que a inteno do apstolo ensinar
36 BRAKEMEIER, Gottfried. A Bblia e a nossa vida. Enfoques Bblicos. So Leopoldo: Sinodal, 1987, p.72. que, embora possa haver situaes em que a ira apropriada, no podemos permitir que se tornem uma ocasio para pecar. 37
Ao mesmo tempo em que o conhecimento das lnguas originais favorece a interpretao, vale lembrar ainda um erro bastante comum na leitura de textos bblicos envolvendo a sua linguagem: a tendncia de se explicar uma palavra atravs de sua etimologia, ou seja, pelo seu incio e desenvolvimento. Reconstrues etimolgicas at podem servir como ilustraes, mas no podemos usar desse expediente para extrair um sentido objetivo. Um dos exemplos mencionados por Moiss Silva, visando ilustrar a dificuldade com esse recurso o seguinte: Cristos deveriam ser otimistas. Deveramos ter em mente que a palavra pessimista vem da palavra latina para p, ps. Em razo de tropearmos com nossos ps, encontramos o verbo relacionado peccare, pecar, e o cognato ingls peccadillo. Assim, talvez possamos considerar os pessimistas como pessoas que tm o hbito de cometer pequenos pecados. 38
A avaliao geralmente feita de que este tipo de exerccio no costuma lanar luz sobre o sentido do texto. Segundo Moiss Silva, a etimologia figurativa da palavra , de fato, um tanto irrelevante para os interlocutores modernos, visto que seu significado pode estar perfeitamente claro sem o conhecimento das origens das palavras. Por outro lado, uma ferramenta comumente usada e que sadia na leitura da palavra de Deus examinar como uma determinada palavra usada ao longo das Escrituras. 39
4.2 Figuras de Linguagem Ao tratar da questo da linguagem bblica, preciso lembrar que as Escrituras apresentam uma srie de figuras de linguagem. Na medida em que elas so destacadas, elas tambm podem ser uma fonte de reflexo medida que proporcionam informaes adicionais de um texto. O intrprete da palavra de Deus precisa estar atento quando lida com os diferentes tipos de linguagem. Figuras de linguagem nem sempre so to precisas em sua compreenso e por vezes podem limitar e at causar confuso para os leitores da Bblia. Na perspectiva de que a linguagem bblica veculo para ricas mensagens de Deus, um dos fatores que levado em considerao a distino dos tipos de linguagem. Dentre elas, uma das que recebe ateno especial, a linguagem figurada e suas peculiaridades na tarefa de interpretao. Esse o momento em que o objetivo olhar e desdobrar algumas figuras de linguagem utilizadas pelos escritores bblicos e assim identificar com maior preciso e profundidade a mensagem de Deus.
37 SILVA, Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. So Paulo: Cultura Crist, 2002, p. 47. 38 Idem, p.54. 39 Idem, p.55. Linguagem Figurada 40
Como acontece em toda a literatura humana, autores podem fazer uso de figuras de linguagem para transmitir sua mensagem. O estudo agora ter seu foco sobre algumas das diretrizes que auxiliam na interpretao de textos bblicos, em que o autor abriu mo do sentido literal das palavras, para usar o expediente das figuras de linguagem. Quando uma palavra usada no sentido literal, todas as caractersticas do significado que o mesmo evoca, correspondem s caractersticas do referente. Portanto, se algo chamado de rosa no sentido literal, todas as peculiaridades pertinentes rosa, precisam estar em correspondncia com o objeto que est se falando. Contudo, a linguagem tambm reserva exemplos que o autor faz o uso no-literal ou metafrico das palavras ou expresses. Por exemplo, o apstolo Paulo escreve aos Efsios e lhes diz que eles estavam mortos nos delitos e pecados e receberam vida em Cristo (Ef 2.1). A associao natural que se faz com morto a sepultura. Aqui, porm, o apstolo Paulo detalha a condio moral e situao espiritual de algum separado de Deus e sua completa incapacidade de se regenerar, mas ser ressuscitado por Deus vida de f (Ef 2.6-8). Parece fcil compreender que esse recurso tem como propsito promover uma fora adicional, ou dar mais vida e maior nfase quilo que est sendo expresso. Metfora Essa uma das formas de linguagem bem freqente na palavra de Deus. Nesse fato h uma desproporo entre o sujeito e o predicado. Esse o caso em que apenas algumas das caractersticas do significado correspondem s caractersticas do referente. Exemplo: Minha esposa uma rosa. uma idia transmitida de um elemento para outro sem que se diga diretamente que um semelhante ou como o outro. Isto pode ainda ser ilustrado quando Jesus se refere a Herodes Antipas como raposa (Lc 13.32). Sem dvida que Cristo deixou de lado as caractersticas fsicas do animal, mas teve como inteno salientar sua sagacidade ou esperteza. Quando este princpio se aplica s Escrituras, pode-se notar que a linguagem a respeito de Deus essencialmente metafrica. Por exemplo: O SENHOR a minha Rocha (2 Sm 22.2), ou O SENHOR Deus, ele a nossa luz (Sl 118.27). Parece que no h maiores dificuldades em identificar as caractersticas de rocha e luz, aplicando as a Deus e aquelas que no so aplicveis. S que no sempre assim. O aspecto problemtico surge quando no h clareza na identificao de qual ou quais caractersticas evocadas por
40 Aqui importante notar que se usa para alguns casos termos como: figuras de identificao, figuras de relao e associao ou figuras de comparao. Essa diferenciao no ser observada nessa exposio. uma determinada palavra dizem respeito ao referente. Exemplo: Vs sois o sal da terra (Mt 5.13). Quais so as qualidades do sal correspondentes aos cristos? Uma outra reflexo pode ser feita sobre a palavra paidion (criana), que Jesus Cristo usa em Mt 18.3, bem como em outros textos dos evangelhos. O que Jesus quer dizer ao afirmar que preciso se tornar como uma criana para entrar no Reino de Deus? 4.2.1 Um exemplo de metfora: o maior no Reino dos Cus 41
Quem o maior no reino dos cus? Essa pergunta foi feita certa vez ao Salvador Jesus, que s no responde a essa questo, como surpreende, escolhendo uma criana para redefinir o conceito de grandeza no reino dos cus. Em termos culturais e sociais, no mundo Greco-Romano a criana era considerada de maneira geral como algum desinformado, que precisa ser ensinado e at passar por disciplina mais severa. O costume romano inclua certas situaes em que recm-nascidos no desejados, poderiam ser abandonados, a fim de que morressem, ou serem encontrados por algum para serem criados como escravos. A idia de criana como criana, era bem negativa. No mundo do Antigo Testamento e Judasmo a criana era vista como sem entendimento, teimosa e desobediente, o que significava necessidade da divina e humana disciplina (2 Rs 2.23ss). As crianas na antiguidade no eram vistas como modelos, mas como necessitados, sem entendimento e dependentes do cuidado de outros. No evangelho de Mateus o vocbulo especfico para criana se refere ao necessitado Jesus, que precisa ser protegido por Jos e Maria (Mt 2.8-9, 11, 13-14, 20- 21), a crianas alimentadas, (14.21), os que precisam de cura (15.26), aqueles que recebem a bno e a orao de Jesus (19.13-14) e os oponentes adultos de Jesus, que so comparados a crianas imaturas que choram e reclamam (11.16). A referncia para crianas em Mateus seja literal ou para adultos, sua condio de necessitados de comida, proteo, orao, exorcismo e revelao divina. Jesus Cristo no usa crianas como modelos, no sentido de terem comportamento ou exemplos de atitudes humildes, mas porque so totalmente dependentes de cuidados e inbeis, por elas mesmas, de entrar no reino dos cus. Por isso, parece improvvel que Jesus tenha cogitado de que se tornar como uma criana, ou humilhar-se como esta, signifique tornar-se um humilde servo e assim ser o maior. Porm, sua resposta de que aquele que como uma criana, isto , que tem as maiores necessidades, que precisa do maior cuidado, de maior auxlio e maior orientao,
41 As consideraes abaixo esto baseadas num artigo escrito pelos professores do Concordia Seminary de Saint Louis, U.S.A., Jeffrey Gibbs e Jeffrey Kloha. O ttulo original Following Matthew 18: Interpreting Matthew 18:15-20 in its Context (Seguindo Mateus 18: Interpretando Mt 18.15-20 em seu contexto). Concordia Journal, Volume 29, January 2003, Number 1, pp.6-21. esse o maior no reino dos cus. Falar de crianas como humildes, certamente referncia mais s suas limitaes, do que por alguma virtude espiritual ou intelectual. 42
Em relao ao versculo 5, Jesus acrescenta a verdade de que os discpulos deveriam estar ansiosos para receber e ministrar para as crianas, os necessitados irmos na f. Eles deveriam saber que ministrar para estes maiores no reino dos cus, significa ministrar para o prprio Jesus. Aqui cabem tambm os antropoformismos como brao do SENHOR (Is 53.1; Gn 48.21a; Rt 2.11; Is 65.2, e os antropopatismos o SENHOR se arrependeu (Gn 6.7; Sl 2.4; Is 59.15b-16a). Metonmia A marca principal dessa forma de linguagem que nenhuma das caractersticas evocadas por uma palavra (significado) corresponde s caractersticas do referente. Porm, existe uma associao ntima com o referente. A linguagem baseada em algum tipo de semelhana ou relao que diferentes objetos tm uns com os outros. O Palcio do Planalto respondeu s crticas do Jornal Um exemplo interessante se refere expresso Reino dos cus ou Reino de Deus, geralmente empregados nos evangelhos. A frmula Reino dos cus metonmia para quem habita nos cus ou o reino daquele que est nos cus. Em Lc 16.29, a declarao de Jesus Moiss e os profetas, se refere aos livros do Antigo Testamento escritos por Moiss e os textos profticos (2 Sm 7.16; Jr 18.18; Gn 42.38; Lv 19.32; Rm 3.27-30; Ap 3.7). Sindoque Aqui a idia de que o todo pode ser compreendido pela parte, ou a parte pelo todo. Quando em Lc 2.1 est escrito que todo o mundo deveria recensear-se, o contexto aponta que o pensamento preciso interpretar essa afirmao como todo o mundo romano. Nesse caso, todas as caractersticas do significado, correspondem quelas de apenas uma parte do referente. O objetivo compreender uma coisa dizendo outra. Um exemplo 1 Pe 3.20, quando almas se refere para pessoas. Outra ilustrao vem de Jz 12.7. Jeft foi sepultado nas cidades de Gileade (traduo literal). evidente que no se pode imaginar que Jeft foi enterrado em todas as cidades, mas numa das cidades de Gileade (Mt 6.11; At 27.37; Is 2.4).
42 O escritor Brennan Manning, ao refletir sobre o conceito de graa de Deus, enriquece esse conceito de criana ao lembrar que uma criana geralmente no capaz de fingir, nem fazer gnero ou impressionar algum. Elas so elas mesmas. Tornar-se como uma criana para Manning Jesus nos convidando para esquecer tudo o que ficou para trs (MANNING, Brennan. O Evangelho Maltrapilho. Traduo de Paulo Purim. So Paulo: Mundo Cristo, 2005). O uso dessas figuras de linguagem pode no ter uma preciso absoluta em seus significados, todavia, fornece a possibilidade de ilustrar e comunicar com mais vivacidade. Assim, a ateno poder ser dirigida a certos ingredientes que, de outro modo, poderiam no ser to bem observados. Smile Esta uma comparao expressa e afirmada entre duas coisas ou aes em que uma se refere a outra sendo como ou semelhante. Sua funo no texto geralmente clara e geralmente no h grandes dificuldades para se identificar sua ao. Alguns exemplos: Is 55.10-11; Sl 102.4; Ml 3.2; Lc 10.3; 1 Co 3.15; 1 Ts 5.2; Ap 1.9-10. Personificao Nesse caso so atribudos a seres inanimados caractersticas de seres vivos. Exemplos: Sl 114.3-4; Is 35.1a; Mt 6.34; Rm 6.9; Jz 9. Ironia Essa a forma em que um escritor utiliza palavras para transmitir o oposto de seu sentido literal. usado tambm em contextos de sarcasmo e ridicularizao. Um exemplo que auxilia a ilustrar essa figura quando esposa de Davi, Mical, o ridicularizou seu marido (2 Sm 6.20). O exemplo de J 12.2 tambm pode estar nessa mesma categoria (1 Rs 18.27; 1 Co 4.6,8; 2 Co 12.13). Hiprbole Esta expressa o exagero consciente ou um tipo de excesso para aumentar o efeito, no enganar, do que est sendo dito. O salmista clamou com esse exagero intencional (Sl 6.6). Isto tambm se aplica s palavras de Jesus em Mt 5.29: Se o teu olho direito te faz tropear, arranca-o e lana-o de ti; pois te convm que se perca um dos teus membros e no seja todo o teu corpo lanado no inferno. Aqui interessante observar algo relacionado ao sentido literal. Se por um lado se insiste que a melhor interpretao bblica considera decisivo e por isso preserva o aspecto literal do texto, h casos em que a linguagem exige que o intrprete definitivamente no siga esse princpio. Por essa razo a observao das figuras de linguagem adquire um significado enorme na leitura e interpretao da palavra de Deus. Gn 22.17; Dt 1.28; Jz 7.12; Mq 6.7; Jo 21.25. Eufemismo Outra forma de contraste tambm usada a fim de tornar uma expresso mais branda e agradvel. Nesse casos ocorre a substituio de palavras que poderiam agredir, por palavras que atenuem sua fora ofensiva ou de inconvenincia. Alguns exemplos que ilustram essa figura de linguagem (Lv 18.6; Jz 3.24; 1 Sm 24.3; At 1.25; 2.39; Ef 2.13; 1 Ts 4.13-15). 4.3 Atividades de auto-estudo 1. Os professores Gottfried Brakemeier e Moiss Silva fazem algumas reflexes importantes sobre a importncia que deve ser dada s lnguas originais, Grego e Hebraico, para compreenso e interpretao da Bblia. Faa uma descrio avaliativa luz destas consideraes em aproximadamente 6 a 8 linhas. 2. Quem o maior no reino dos cus? Essa pergunta foi feita certa vez ao Salvador Jesus, que s no respondeu a essa questo, como surpreendentemente escolhe uma criana para redefinir o conceito de grandeza no reino dos cus. O que Jesus quer nos dizer com essa escolha? O que a criana ou tem e que nos faz pensar sobre o assunto? Faa uma reflexo do tema baseando-se nas concluses dos professores Jeffrey Gibbs e Jeffrey Kloha e apresentadas neste captulo 43 . 3. Sobre figuras de linguagem usadas na Bblia, certo afirmar: a. Elas nem sempre so to precisas em sua compreenso e por vezes podem limitar e at causar confuso para os leitores da Bblia; b. Elas sempre so precisas e fceis em sua compreenso e no limitam nem causam confuso para os leitores da Bblia; c. Elas sempre so precisas em sua compreenso, mesmo que por vezes limitem e causem confuso para os leitores da Bblia; d. Elas nem sempre so precisas em sua compreenso e por vezes limitam e causam confuso para os leitores da Bblia, mas o Esprito Santo conduz verdade absoluta. Resposta a 4. Faa a devida correspondncia: a. Metfora; b. Sindoque; c. Hiprbole; d. Metonmia ( ) O todo pode ser compreendido pela parte, ou a parte pelo todo; ( ) Apenas algumas das caractersticas do significado correspondem s caractersticas do referente; ( ) Expressa o exagero consciente ou um tipo de excesso para aumentar o efeito; ( ) Forma de linguagem em que nenhuma das caractersticas evocadas por uma palavra (significado) corresponde s caractersticas do referente. Seqncia correta : b; a; c; d
43 O artigo completo est em <http://www.seminarioconcordia.com.br/IL/IL20081.pdf> 5. O texto do Salmo 114.3-4: O mar viu isso e fugiu; o Jordo tornou atrs. Os montes saltaram como carneiros, e as colinas, como cordeiros do rebanho, classificado em que tipo de linguagem? a. Hiprbole; b. Eufemismo; c. Personificao; d. Ironia. Resposta c Referncias Bibliogrficas do captulo KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii. So Paulo: Cultura Crist, 2002. FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? Segunda 2 Ed. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008. VOELZ, James W. What Does This Mean? Saint Louis, U.S.A.: Concordia Publishing House, 1995.
5. Gneros Literrios na Bblia Narrativa Introduo Neste captulo ser desenvolvido outro aspecto importante no processo de interpretao da Bblia e elaborao de estudos bblicos e que observar a forma de comunicao utilizada por Deus para revelar sua Palavra. Deus se utilizou de homens, que por sua vez usaram diferentes padres de linguagem, ou gneros literrios. Que tipo de linguagem Deus se utilizou? Na Bblia, em resumo, podem ser encontradas narrativas, epstolas, parbolas, profecias, salmos, literatura sapiencial e literatura apocalptica. Cada um desses gneros literrios possui suas peculiaridades. Para interpretar corretamente o l e ento dos textos bblicos, aconselhvel ficar atento, tanto diferena dos gneros em si, bem como a algumas regras ou princpios que se aplicam separadamente a cada uma deles. Nesse sentido, espera-se que o estudante no s fique atento s diferenas em todos os gneros literrios empregados pelos autores, e que sero apresentados separadamente a partir deste captulo, como saiba distinguir os detalhes de cada um deles na hora da interpretao. 5.1 Narrativa Narrativa o gnero mais comum na Bblia. Mais do que um tero de toda a Bblia est escrito nesta forma. Se olharmos em termos de divises na Bblia, o gnero narrativo predominante em quase todas elas. Ele est presente no Pentateuco, nos Profetas, Evangelhos e no livro de Atos. estimado que mais de 40% do Antigo Testamento narrativa. Estes so sem dvida indicativos que mostram que ateno especial deve ser dada para sua leitura e interpretao. O que narrativa O que uma narrativa? Em seu sentido mais amplo, um relato de acontecimentos especficos no tempo e espao com participantes, cujas histrias so registradas com um comeo, meio e fim. Qual a diferena na viso da Histria secular de maneira geral e aquela da Escritura Sagrada? Talvez se possa afirmar que a Histria secular retratada do ponto de vista humano, enquanto as histrias reportadas na Bblia so escritas da perspectiva divina 44 . importante observar as narrativas no ensinam de modo direto, mas podem ilustrar aquilo que ensinado em outros textos bblicos. Um exemplo poderia ser a relao e o ensino das passagens de Dt 5.17-18 e Ex 20.13-14. No matars. No adulterars. Em
44 KAISER, op. cit., p.79. ambas Deus probe o homicdio e o adultrio de maneira explcita. J a narrativa de 2 Sm 11, relata os pecados do assassinato e do adultrio cometidos por Davi. Nesse relato no h uma meno de que matar e adulterar so errados, porm isso ns j sabemos porque foi ensinado anteriormente em outra parte das Escrituras 45 . Assim, nesse caso, a narrativa uma ilustrao dos efeitos que o pecado pode causar na vida de uma pessoa. Deste ponto de vista, correto afirmar que narrativas so mais descritivas e no tanto normativas. Elas ensinam verdades sobre o ser humano e sobre Deus e sua maneira de agir com as pessoas. Uma das caractersticas importantes da narrativa a cena. Dentro da histria narrada pode haver uma seqncia de cenas retratando o acontecimento no tempo e no espao. Com bastante freqncia o prprio Deus um dos personagens destas cenas, ou a voz do profeta substitui a presena de Deus. As narrativas bblicas visam a glria de Deus e no a dos homens. De que forma isso acontece? Quando elas so apresentadas para revelar Deus operando a favor do seu povo, atravs da sua providncia, cuidado, proteo e perdo. O que as narrativas no so? Narrativas no so apenas histrias sobre pessoas, mas histrias do que Deus fez para elas e atravs delas. Deus o heri e o protagonista da histria. Narrativas tambm no so alegorias, histrias com significados ocultos. Podem at haver aspectos de difcil compreenso, mas o ponto a ao de Deus na histria, influenciando e moldando as aes humanas, implementando a sua prpria vontade, s vezes de forma incompreensvel (Gn 50.20). Narrativas tambm no respondem a todas as perguntas e oferecem muitas vezes apenas uma pea do mosaico que mostra como Deus est operando na histria. A insatisfao com essa compreenso limitada que pode gerar s vezes interpretaes inadequadas, ou insero de elementos que no esto l. Princpios de interpretao das narrativas Que pressupostos so importantes guardar na hora de interpretar uma narrativa? Narrativas no ensinam doutrinas, mas podem ilustrar doutrinas escritas em outros textos. As narrativas registram o que aconteceu e no o que deveria ter acontecido ou que preci sa acontecer ainda hoje. Muitas vezes o que acontece e relatado na Escritura no exemplo a ser seguido, pois as narrativas revelam personagens fracos e imperfeitos, como , a propsito, a natureza humana. Narrativas tambm nem sempre so completas e com todos os dados que precisaramos para uma compreenso plena ou resposta a nossas perguntas
45 FEE, op. cit., p.68. teolgicas. O que aparece nelas que o autor inspirado por Deus considerou importante e essencial para a nossa compreenso 46 . Na contramo da interpretao da narrativa podem figurar pelo menos dois equvocos. O primeiro tornar a histria em um fim em si mesma e o segundo, projetar alguma verdade moral ou espiritual sobre um personagem bblico ou acontecimento. Nesse caso, a lio moral abafaria o carter histrico da narrativa. A objeo interpretao da Bblia de forma moralista, ao tirar exemplo de cada narrativa (histria) em separado, fragmentar a unidade da mensagem das Escrituras e tirar do foco a histria redentora de Deus e seu pice em Jesus Cristo. Pode-se afirmar que enxergar as narrativas em separado, ter uma interpretao teocntrica, enquanto o prprio conselho dado por Cristo ler as Escrituras de forma Cristocntrica (Jo 5.39; Lc 24.44). Ainda que histrias fascinem e desejemos encontrar nelas informaes ou lies prticas, pessoais e assim aplicveis nossa vida, elas no podem ser isoladas de toda a revelao de Deus. Porm, elas tambm no podem ser desconsideradas, pois foram escritas para o nosso ensino (Rm 15.4). certo que os aspectos histricos no so o ponto principal das narrativas, porm, elas validam de certa forma as afirmaes feitas no texto. Em muitos exemplos a prpria teologia ensinada encontra sua sustentao direta com a veracidade dos acontecimentos relatados. Um exemplo bvio e ao mesmo tempo fundamental so os relatos ligados a Jesus, seu sofrimento, morte e ressurreio. Se o que est descrito nesses textos no tivesse ocorrido, a confisso de f do Credo Apostlico seria algo intil. 47 Aproximando ainda mais o foco, pode se afirmar que se os acontecimentos histricos envolvendo o Salvador Jesus no tivessem ocorrido, v seria a pregao da igreja e v seria a f crist (1 Co 15.1-19). Qual ento o caminho que deve ser seguido? aprender a lidar com a f orma como as narrativas so apresentadas e observar dicas para uma interpretao apropriada. A narrativa geralmente nos conduz a trs tipos de significado ou aplicao: [a] entender a natureza humana; [b] entender o desenvolvimento histrico sob o ponto de vista de Deus e [c] entender a natureza de Deus e sua relao com os seres humanos. Em resumo: narrativas so descritivas, no prescritivas, no h como tirar imperativos delas, mas verdades a respeito de Deus verdades a respeito dos seres humanos. Em termos de interpretao aplicao interessante esboar um resumo que concentre nas aes, palavras e descries de cada cena. Um exemplo pode ser a narrativa do texto de 1 Reis 17. 48 Kaiser divide essa narrativa em quatro partes. [1] Elias no palcio
46 Idem, p. 69. 47 KAISER, op. cit., 2002, p. 76 48 O exemplo de autoria de Walter Kaiser Jr., no livro Introduo Hermenutica Bblica. diante do rei Acabe (v.1); [2] Elias sendo alimentado por corvos junto torrente de Querite (vv.2-7); [3] Elias pede sustento viva de Sarepta, Fencia, e acontece o milagre da multiplicao do azeite e da farinha (vv.8-16); [4] A morte do filho da viva em sua prpria casa e Elias lhe restaurando vida com a ajuda de Deus (vv.17-24). Qual ponto de vista subjacente a todas essas quatro cenas? Segundo Kaiser, a est o ponto crucial de uma correta interpretao de uma narrativa, de forma que ela no se torne uma simples coleo de histrias. Na observao de Kaiser, h uma expresso que permeia todo esse texto e que palavra do Senhor (vv. 2, 8, 16, 24). Mais do que uma simples introduo nesses versculos, o objetivo era demonstrar que a palavra de Deus era digna de confiana em cada uma das circunstncias de vida descritas nos quatro momentos. Em outras palavras, o protagonista Deus e sua palavra 49 . Dicas e detalhes a serem observados na tarefa de interpretao Ao invs de se colocar na histria (narrativa), deveria se perceber como cada um participa nesta realidade e assim tentar determinar o que a narrativa fala sobre aquela realidade, e assim algo a respeito dos seres humanos, sua situao e destino 50 . Onde comea e onde termina a percope (pargrafo)? Que ttulos tm? Quem est falando? Como a histria est sendo narrada? (seqncia de cenas) H detalhes? Que palavras merecem destaque? O que est acontecendo nesta passagem? o comeo, meio ou fim da narrativa? H algo de novo na histria? Quem so os personagens, h algo revelado a respeito deles? Que conhecimento do contexto cultural importante saber? Existem referncias cruzadas (textos paralelos que tratam do mesmo assunto)? O texto exige ou promete? amargo ou doce? Como pode ser analisada a polaridade Lei-Evangelho? Como anunciar a Lei e o Evangelho? 5.1.1 Atos 15.36-41: Um exemplo de interpretao de uma narrativa do Novo Testamento 36 Alguns dias depois, disse Paulo a Barnab: Voltemos, agora, para visitar os irmos por todas as cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam. 37 E Barnab queria levar tambm a Joo, chamado Marcos. 38 Mas Paulo no achava justo levarem aquele que se afastara desde a Panflia, no os acompanhando no trabalho. 39
Houve entre eles tal desavena, que vieram a separar-se. Ento, Barnab, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre. 40 Mas Paulo, tendo escolhido a Silas, partiu encomendado pelos irmos graa do Senhor. 41 E passou pela Sria e Cilcia, confirmando as igrejas. O livro de Atos
49 KAISER, op. cit., p.68. 50 VOELZ, op. cit., p.331. Quem escreveu esse livro? Embora o autor no se identifique, evidncias externas e inferncias do prprio livro conduzem concluso de que o autor foi Lucas. Em certos pontos do livro ele se inclui como um colega do apstolo Paulo em suas viagens missionrias (At 16.10-17; 20.5-21.18; 27.1-28.16). O autor provavelmente estava presente em eventos especficos em que ele usa o pronome ns. Nestas passagens do ns, se inclui o captulo 28, perodo de aprisionamento do apstolo Paulo e durante o qual ele escrevu as epstolas aos Colossenses e Filemom. Em ambas Paulo envia saudaes de seus colegas, entre ele Lucas (Cl 4.14; Fm 24). No h provas concretas de que Lucas teria exercido a profisso de mdico. H, contudo, alguns indcios que podem apontar ou refletir aspectos que do suporte a essa possibilidade. Alm do texto de Colossenses 4.14, em que Paulo usa o termo mdico amado, o vocabulrio em Atos 28.6, tambm pode confirmar tal sugesto. O livro de Atos funciona como uma ponte para os escritos do Novo Testamento. Como um segundo volume do evangelho de Lucas, que relata o que Jesus comeou a fazer e a ensinar (Lc 1.1), Atos continua a mostrar o que Jesus fez e ensinou atravs dos apstolos e o estabelecimento da igreja e sua histria de pelo menos trinta anos. Se Lucas resumiu seu evangelho nos primeiros versculos (Lc 1.1-3), o livro de Atos pode ser resumido por um versculo: mas recebereis poder, ao descer sobre vs o Esprito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalm como em toda a Judia e Samaria e at aos confins da terra (At 1.8). O tema teolgico de Atos o desenvolvimento da pequena comunidade judaico/crist em Jerusalm, para os confins da terra. Propsitos do livro de Atos Quais so os propsitos do livro de Atos? As principais finalidades do livro de Atos so: [a] apresentar a histria da fundao da Igreja Crist, da expanso do evangelho, o comeo de congregaes e os esforos evangelsticos dos apstolos; [b] deixar claro que o plano de salvao de Deus universal. Todos fazem parte dos intentos salvadores de Deus, judeus, samaritanos e gentios (At 10.11,15); [c] Em Atos possvel perceber princpios bsicos sendo aplicados em situaes especficas num contexto de problemas teolgicos (At 15), de perseguio (At 8) e vida em comunidade (At 2.42-47); [d] Tambm se pode verificar que a Igreja de Cristo no um empreendimento humano, sujeito a interferncias humanas, pois no obstante a perseguio, o evangelho ultrapassou fronteiras e foi espalhado de Jerusalm a Roma. Esboo do livro de Atos O autor de Lucas varia suas nfases no relato dos comeos e expanso da Igreja Crist. Um dos instrumentos para se obter uma viso panormica do livro e perceber os eventos e tpicos mais significativos no avano da igreja no primeiro sculo, atravs de um esboo. Ainda que isso possa ser feito de maneira bem mais detalhada, um esboo geral do livro pode ser assim exemplificado: I. Pedro e o comeo da Igreja na Palestina (Atos 1-12); a. Judia, Galilia e Samaria (At 1.1-9.31); b. Fencia, Chipre e Antioquia (At 9.32-12.25). II. Paulo e a expanso da Igreja de Antioquia a Roma (Atos 13-28) a. Frgia e Galcia (At 13.1-15.35); b. Macednia (At 15.36-21.16); c. Roma (21.17-28.31). 51
O texto em estudo Atos 15.36-41 Logo aps o primeiro Conclio da igreja em Jerusalm, e que reafirmou a salvao por graa atravs de Jesus Cristo para todos (At 15.11), Paulo e seus companheiros se prepararam para a segunda viagem missionria. O alvo inicial agora era confirmar (At 15.41) as igrejas visitadas na primeira viagem missionria e anunciar o evangelho na Macednia (At 16.10). O relato do atrito entre Paulo e Barnab pode no soar to bem, mas no realismo de Lucas podemos perceber e lembrar o que os dois falaram em Listra: ns tambm somos homens como vs, sujeitos aos mesmos sentimentos (At 14.15). No h detalhes sobre quem dos dois est certo ou errado, mas apenas descrito o episdio. v. 36: Lucas no fornece um dado exato sobre o tempo transcorrido logo aps a estadia de Paulo e Barnab em Antioquia. Porm a proposta era fazer uma nova visita a igrejas plantadas na primeira viagem missionria (At 13.4-14.26). vv.37-38: Os planos foram feitos, mas antes da execuo houve o episdio do desentendimento entre dois amigos e servos do Senhor Jesus: Paulo e Barnab. Barnab queria levar junto a Marcos, seu parente (Cl 4.10), mas Paulo entendeu que isto seria injusto, pois Marcos os havia abandonado na Panflia e no ido com eles para Antioquia, Icnio, Listra e Derbe (At 13.13). vv.39-41: A discusso entre eles adquiriu tamanha dimenso, que chegou ao ponto de gerar a diviso e separao entre ambos. Paulo ento encontrou para sim uma nova companhia
51 Nesse sentido, alguns fazem essa diviso em duas grandes partes; a primeira, o ministrio de Pedro e a segunda, o ministrio de Paulo. H uma expanso dessa diviso no seguinte sentido: 1. O testemunho em Jerusalm (At 1-7); 2. O testemunho na Judia e Samaria (At 8-12) e 3. O testemunho de Antioquia a Roma (At 13-28). Fundao, expanso e extenso (Cunha, Guilhermino. Sua igreja pode crescer. Perspectivas de crescimento segundo o modelo de Atos dos Apstolos. So Paulo: Editora Vida, 2006, pp.32-33). para empreender a viagem missionria, Silas e Barnab ento pde realizar seu desej o de levar a Marcos. 52
Como fazer a aplicao deste texto? um esquema para procedimentos no trabalho em equipe? uma descrio das vrias personalidades que podemos encontrar nos servos do Evangelho? possvel alegorizar a congregao e se colocar dentro da histria? Ou melhor uma interpretao teolgica? Se o foco nesta ltima possibilidade, pode-se concluir o seguinte: apesar da fragilidade humana, apesar dos conflitos de personalidade e pecaminosidade, o Reino de Deus avana atravs da proclamao do Evangelho de Cristo. Nessa narrativa h verdades teolgicas sobre os seres humanos e verdades teolgicas sobre Deus e sua misso atravs da Igreja, que est acima de quaisquer preferncias ou desejos humanos. 5.1.2 xodo 4.1-9 - Exemplo de narrativa bblica do Antigo Testamento Respondeu Moiss: Mas eis que no crero, nem acudiro minha voz, pois diro: O SENHOR no te apareceu. 2 Perguntou-lhe o SENHOR: Que isso que tens na mo? Respondeu-lhe: Um bordo. 3 Ento, lhe disse: Lana-o na terra. Ele o lanou na terra, e o bordo virou uma serpente. E Moiss fugia dela. 4 Disse o SENHOR a Moiss: Estende a mo e pega-lhe pela cauda (estendeu ele a mo, pegou-lhe pela cauda, e ela se tornou em bordo);
5 para que creiam que te apareceu o SENHOR, Deus de seus pais, o Deus de Abrao, o Deus de Isaque e o Deus de Jac. 6 Disse-lhe mais o SENHOR: Mete, agora, a mo no peito. Ele o fez; e, tirando-a, eis que a mo estava leprosa, branca como a neve. 7 Disse ainda o SENHOR: Torna a meter a mo no peito. Ele a meteu no peito, novamente; e, quando a tirou, eis que se havia tornado como o restante de sua carne. 8 Se eles te no crerem, nem atenderem evidncia do primeiro sinal, talvez crero na evidncia do segundo. 9 Se nem ainda crerem mediante estes dois sinais, nem te ouvirem a voz, tomars das guas do rio e as derramars na terra seca; e as guas que do rio tomares tornar-se-o em sangue sobre a terra. O livro de xodo O ttulo do livro xodo uma palavra latina derivada do grego e que significa sada, partida. Nesse caso, esse livro narra a sada ou libertao do povo de Israel da escravido egpcia. O livro de xodo poderia ser considerado como a continuao da narrativa que
52 Aqui vale destacar que tanto Barnab como Paulo no aparecem mais nos relatos do livro de Atos, mas o prprio apstolo Paulo os menciona em epstolas (1 Co 9.6; Gl 2.11-13). Ainda possvel ver que Marcos se associou com Pedro (1 Pe 5.13); Marcos e Paulo esto na misso (Cl 4.10; Fm 24) e Paulo pede a Marcos para que este fique ao seu lado (2 Tm 4.11). comeou em Gnesis e que completada com Levtico, Nmeros e Deuteronmio. So os 5 primeiros livros tambm conhecidos como o Pentateuco. Quem o autor do livro? Algumas declaraes no prprio livro apontam para Moiss (Ex 17.14; 24.4). Alem disso, Js 8.31, refere-se ordem de Ex 20.25. Tambm o Novo Testamento atesta para a autoria mosaica (Mc 7.10; 12.26). A mensagem ou a teologia do livro so mltiplas. So vrios os temas teolgicos tratados no livro de xodo. Mas talvez a nfase maior esteja no fato de que Deus se revela como o Senhor da Histria e da salvao da humanidade. O contexto anterior do texto de Ex 4.1-9, desde Ex 1.15, o personagem principal da narrativa Moiss. Seu nascimento (Ex 1.15-22); sua formao (Ex 2.1-10); o crime praticado e a fuga (Ex 2.11-22); seu chamado, misso confiada, recomendaes e promessas de Deus (Ex 3.1-22). O texto em estudo xodo 4.1-9 v.1: Mesmo com a promessa de Deus (Ex 3.18), Moiss insiste em sua relutncia. Essa a terceira vez (Ex 3.11;3.13). Ele solicita sinais para conduzir o povo f (talvez ele prprio). Em certas ocasies Deus fornece sinais (Jz 6.36-40); outras vezes no (Jo 10.41-42); Jesus Cristo se recusa a realiz-los (Mt 12.39). O elemento necessrio a f nas palavras de Deus. vv.2-4: Diante da obstinada rejeio de Moiss, o Senhor agiu de forma diferente com seu servo. Como a promessa de que ele seria ouvido e a libertao se concretizaria, no foi suficiente para sensibilizar a Moiss, Deus lhe passou a conceder provas do seu poder. A primeira foi uma vara, aqui pode ter conexo como o cajado mencionado no Salmo 23.4, mas que ao parece no era mais do que uma vara. Em Ex 4.20 ela chamada de vara de Deus. Mais tarde ela usada nos milagres (Ex 7.9). A cobra tem relao com a histria do Egito. O Fara tinha uma cobra de metal como um smbolo de soberania (Ex 7.9-10). v.5: O objetivo disto para que creiam. O objetivo era remover as supostas suspeitas da sua aceitao e que Moiss carregava consigo. uma conseqncia do pecado no jardim do den, ao invs de confiar nas palavras de Deus, houve dvidas, l e aqui. Em Jo 20.30- 31, o evangelista escreve que os milagres feitos por Jesus foram escritos para levar pessoas f no Filho de Deus e assim tenham vida. Esse objetivo missionrio de Deus perpassa a Bblia. vv.6-9: Um sinal adicional mais impressionante ainda ser produzido pela mo de Deus usando as mos de Moiss. Essa a segunda opo, mas ainda no a ltima, pois o Senhor vai mais longe e se persistir a incredulidade, ele poder fazer um terceiro sinal, pegar as guas do Nilo e quando derram-las em terra, se tornaro em sangue. Os trs eventos especiais ou fenmenos sero oferecidos para demonstrar autoridade e garantia (Js 2.12-13), servir de testemunho (Is 19.19-20), admoestao (Nm 17.10) e remoo das desconfianas e encorajamento f. O contexto posterior mostra que Moiss continuou relutante e no aceitou a misso (Ex 4.10-13). Em sua compaixo, Deus providencia ento algum para ir junto com ele, seu irmo Aro (Ex 4.14-17). Depois de regressar ao Egito, faz os sinais e o povo de Israel se convence por eles e por suas palavras e cr no Senhor (Ex 4.30-31). Reflexes prticas e teolgicas Esse texto nos auxilia a entender a natureza humana. Existe a tendncia de colocar em dvida as promessas de Deus. O homem natural no aceita as coisas do Esprito de Deus (1 Co 2.14). E s vezes pede sinais que pudessem autenticar que Deus est em ao. Ou como Tom, quer ver para crer (Jo 20.26-29). Esse pode ser o aspecto da Lei neste estudo. Revela o lado pecador do ser humano, que no confiar nas palavras de Deus, assim como aconteceu com Ado e Eva no incio de Gnesis. A confiana que depende de respostas observveis, no confiana. Tambm possvel observar o desenvolvimento histrico sob o ponto de vista de Deus. O controle da histria est nas mos dele. Seja qual for a maneira que Deus escolher para interferir, cabe aos seus servos cumprir e aceitar seus caminhos (Ex 15.11). A natureza de Deus e sua relao com os seres humanos: A teimosia de Moiss provocou a ira de Deus, mas mesmo assim o que est em relevo em todo este contexto sua incrvel pacincia (Sl 30.5). Esse o Evangelho, a boa nova deste texto. por essa compaixo e pacincia que Deus providenciou o sinal necessrio para toda a humanidade e que acompanha a pregao da sua Palavra (Is 7.10-14; Mt 1.18-25), Jesus Cristo, o Deus Conosco, o sinal que Deus est do nosso lado. 5.2 Atividades de auto-estudo 1. Narrativa um relato de acontecimentos especficos no tempo e espao com participantes, cujas histrias so registradas com um comeo, meio e fim. Narrativas no ensinam de modo direto, mas podem ilustrar aquilo que ensinado em outros textos bblicos. Narrativas tambm no ensinam doutrinas, mas podem ilustrar doutrinas escritas em outros textos. Pode-se afirmar at certo ponto que narrativas no prescrevem, mas descrevem. Que pressupostos so importantes guardar na hora de interpretar uma narrativa? Faa uma anlise deste gnero literrio em aproximadamente 8 linhas. 2. O texto de Atos 15.36-41 descreve uma discusso entre Paulo e Barnab e que chegou ao ponto de gerar a diviso e separao entre ambos. Como fazer a aplicao deste texto? um esquema para procedimentos no trabalho em equipe? uma descrio das vrias personalidades que podemos encontrar nos servos do Evangelho? possvel alegorizar a congregao e se colocar dentro da histria? Ou melhor uma interpretao teolgica? No texto acima a concluso foi de que o recomendado uma interpretao teolgica. Descreva sua compreenso sobre o assunto e faa uma avaliao do que foi aprendido em pelo menos 5 linhas: 3. A Narrativa (histria) nos conduz a que tipo de significado ou aplicao? a. Uma narrativa nos ensina o que devemos fazer, pois ela essencialmente prescritiva; b. Uma narrativa nos mostra o que deve acontecer em nossa vida espiritual e do dia a dia; c. Uma narrativa descreve verdades sobre Deus e como ele age na histria e verdades a respeito dos seres humanos. d. Uma narrativa ensina principalmente verdades morais aos cristos. Resposta c 4. Do relato da viva de Elias e da viva de Sarepta em 1 Reis 17, possvel concluir que a grande lio desta narrativa : a. Aumentar principalmente o conhecimento histrico do crente em Cristo; b. Demonstrar que a palavra de Deus digna de confiana em cada uma das circunstncias de vida descritas nos quatro momentos; c. Uma lio da importncia de sempre se buscar a Deus fielmente, independente das circunstncias; d. Que um verdadeiro filho de Deus nunca vai temer diante da escassez. Resposta b 5. certo que os aspectos histricos de uma narrativa no so o ponto principal a ser destacado, porm, elas validam de certa forma as afirmaes feitas no texto. De forma particular, h exemplos em que a prpria teologia ensinada encontra sua sustentao direta com a veracidade dos acontecimentos relatados. Qual um dos grandes acontecimentos histricos e que o fundamento da f crist? a. A passagem pelo Mar Vermelho; b. O bezerro de ouro; c. O sofrimento, morte e ressurreio de Jesus Cristo; d. A cura dos dez leprosos. Resposta c Referncia comentada SCHOLZ, Vilson. Princpios de Interpretao Bblica Introduo Hermenutica com nfase em Gneros Literrios. Canoas: Editora da ULBRA, 2006. Esse um dos livros de publicao mais recente sobre o tpico deste captulo. O autor aborda, alm do mtodo exegtico, especialmente aplicado a diferentes gneros literrios, uma viso mais global da Bblia e metodologias a serem empregadas no processo de interpretao e aplicao de um texto bblico. Referncias Bibliogrficas do Captulo BRUCE, F. F. The Book of Acts. Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1988. KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii, tradutores. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2002. FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? 2 Ed. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008. GISPEN, W. Hendrik. Exodus. Ed van der Maas, trad. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1982. ROTTMANN, Johannes e SCHOLZ, Vilson. Atos dos Apstolos Volume II, Atos 6.1- 17.15. Porto Alegre: Concrdia, 1997. VOELZ, James W. What Does This Mean? Saint Louis, U.S.A.: Concordia Publishing House, 1995.
6. Gneros Literrios na Bblia - Epstola Introduo Considerando que cada gnero literrio demanda um cuidado especial na interpretao, qual a melhor estratgia a ser usada na leitura de uma epstola? Ainda que esse gnero literrio possa ser comparado a uma carta, h um diferencial importante quando ele tratado como epstola. A epstola um documento mais longo e tem um carter mais formal. Alm disso, as epstolas tm autoridade apostlica e so inspiradas por Deus, o que lhes confere um carter nico e por isso devem ser lidas e interpretadas com responsabilidade. De fato h semelhanas com as cartas antigas em termos de formatao do texto: identificao de quem escreveu, receptor, saudao, ao de graas (que considerado o nico elemento que pode variar), o corpo do texto e concluso. 6.1 A forma das epstolas Existe a sugesto de que algumas epstolas refletem em sua estrutura caractersticas de algo bem mais elaborado, com princpios retricos mais formais da antiga oratria grega e latina. Isto seria perceptvel principalmente na Epstola aos Glatas. Prescrito epistolrio (1.1-5); Exordium (introduo aos fatos 1.6-11); Narratio (declarao dos fatos 1.12-2.14); Propositio (resumo do contedo legal da narratio 2.15-21); Probatio (provas ou argumentos 3.1-4.31); Exhortatio (advertncias/exortaes 5.1-6.10); Ps-escrito epistolrio (6.11-18). 53
Se por um lado h aqueles que defendem que esse modelo no poderia ser encaixado numa epstola das Sagradas Escrituras, mais precisamente de Glatas, que identificada como uma carta apologtica, por outro h valiosas contribuies no sentido de afirmar a integridade e coerncia desses documentos. 54
Quanto ao corpo das cartas paulinas, h trs elementos que se diferenciam e que so importantes na anlise de uma epstola. [1] O corpo contm elementos autobiogrficos, no sentido de oferecer informaes sobre a vida em particular do apstolo; [2] Tambm fazem parte do corpo elementos didticos, as epstolas ensinam s igrejas o que crer e
53 KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss, op. cit., pp.128-129. 54 Idem, p. 129. como agir na vida prtica; e [3], existem elementos apologticos, ou seja, a f crist defendida de ataques e desafios de filosofias e religies no crists. 55
Funes das Epistolas As cartas do Novo Testamento funcionam como um substituto da conversa face a face: Espero, porm, no Senhor Jesus, mandar-vos Timteo, o mais breve possvel, a fim de que eu me sinta animado tambm, tendo conhecimento da vossa situao (Fp 2.19): da presena espiritual: Eu, na verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em esprito, j sentenciei, como se estivesse presente, que o autor de tal infmia seja... (1 Co 5.3); Pois, embora ausente quanto ao corpo, contudo, em esprito, estou convosco, alegrando-me e verificando a vossa boa ordem e a firmeza da vossa f em Cristo (Cl 2.5) e diminuem a distncia entre o emissor e a igreja (1 Co 16; 2 Co 7-8). H propsitos, s vezes bem especficos, envolvidos em sua escrita a. estabelecer contato; b. dar informaes; c. aconselhar/advertir e d. fazer pedidos. Outro detalhe interessante e que no pode ser ignorado na leitura de uma epstola, o mesmo que geralmente ocorre em nosso dia a dia quando ns lemos uma carta, hoje talvez mais uma mensagem eletrnica. muito provvel que leiamos a mensagem por inteiro, sem interromper a leitura, do incio ao fim. Tambm provvel que iniciemos a leitura no comeo do texto e o leiamos em seqncia. Pois assim deveria acontecer com uma epstola. Uma leitura fragmentada facilmente pode gerar confuso e equvocos na interpretao. O sentido de um pargrafo (isso geralmente acontece) pode ter a sua compreenso facilitada ou clarificada com a observao do que foi dito anteriormente. Isto tem a ver com uma regra de interpretao bsica na leitura de qualquer texto, muito mais das Escrituras Sagradas, ler o texto sempre dentro do seu contexto. Epstolas como escritos ocasionais As epstolas neo-testamentrias freqentemente so referidas como sendo escritos ocasionais, ou seja, houve razes especficas que motivaram o autor a escrever e abordar. Normalmente, mas no necessariamente, eram problemas que tinham de ser resolvidos. Aqui entra grandemente o valor do contexto histrico de cada epstola em particular. Talvez depois da leitura do texto em si, tentar reconstruir a situao histrica especfica na qual o autor est se manifestando, seja um dos pontos mais importantes a ser observado. O que ocasionou a escrita de determinada epstola? Quais possveis circunstncias estavam envolvidas? No como se o apstolo, no tendo nada melhor para fazer, pensasse ser uma boa idia escrever um artigo teolgico para qualquer um que pudesse estar interessado
55 LONGMANN III, Tremper. Lendo a Bblia com o corao e a mente. Traduo de Roselene Domingos Sant`Anna. So Paulo: Cultura Crist, 2003, p.211. nele! Pelo contrrio. Sempre houve uma ocasio concreta que o motivou a escrever esses documentos. 56
Essa natureza ocasional caracterstica de quase todas as epstolas do Novo Testamento. As excees podem ser Filemom, Tiago e, provavelmente, Romanos. 57 Aqui pode residir tanto o problema na interpretao das epstolas, mas tambm um elemento facilitador na compreenso do texto. Esse quadro poderia ser ilustrado com uma conversa que ouvimos de algum ao telefone. Temos as respostas, mas nem sempre sabemos quais eram as perguntas ou os problemas, ou at mesmo se havia um problema. muito semelhante a escutar um lado de uma conversa telefnica e tentar descobrir quem est no outro lado e o que aquela pessoa invisvel est dizendo. 58
Contexto histrico de Epstolas Como saber o que est sendo dito do outro lado da linha? s vezes um olhar cuidadoso no prprio texto, especialmente se observada a leitura completa da epstola e sem interrupo, fornece dados que permitem visualizar algo sobre o assunto de maneira mais detalhada. possvel ler nas entrelinhas alguns elementos que ajudam a clarear o contexto histrico, se bem que vale o conselho de agir com cautela nas leituras que sejam dependentes de inferncias ou dedues. Por isso, um caminho mais seguro talvez seja a reconstruo histrica da epstola, com recursos extra-texto, como introdues nas Bblias de estudo e comentrios bblicos. De novo vale uma palavra de prudncia. Essa pesquisa extra exige relao criteriosa com o texto bblico, pois este no pode ser sufocado pelas descobertas histricas ou culturais. Uma boa compreenso do contexto histrico de um documento pode ajudar- nos no apenas lidar com versculos difceis; pode tambm aumentar nosso entendimento sobre uma carta como um todo. 59
6.1.1 A carta de 1 Joo e a importncia do contexto histrico Como o contexto histrico de uma epstola pode auxiliar na sua leitura? Um exemplo pode ilustrar a importncia desse fator no conhecimento contextual e assim clarificar a compreenso do texto. Os estudiosos bblicos normalmente se referem s epstolas como escritos ocasionais, ou seja, havia uma razo concreta que motivou algum escrever. No caso da primeira epstola de Joo, o contexto histrico aponta para a infiltrao de ensinamentos falsos na comunidade crist.
56 KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss, op. cit., p. 121. 57 FEE e STUART, op. cit., p.32. 58 Idem, p.32. 59 SILVA, op. cit., p.124. O principal ensino errado foi o Gnosticismo, cujo ensino era de que o esprito seria bom e a matria m. O corpo mau e deve ser contrastado com Deus, que esprito e bom. Salvao para o Gnosticismo se livrar do corpo atravs da obteno de um conhecimento especial (gnosis em grego conhecimento). Vamos ver como esse ensinamento esclarecedor quando olhamos para a doutrina da pessoa de Cristo. Por mais controverso que este ensino tenha sido nos primeiros sculos da era crist, a Bblia como um todo e de forma especfica as epstolas, claramente afirmam Jesus Cristo como verdadeiro Deus (Rm 9.5; Fp 2.11) e verdadeiro homem (Rm 5.17-19; 8.3; Fp 2.7). Jesus Cristo a expresso exata da glria de Deus (Hb 1.1-3). Qual a ligao deste ensino com o contexto da primeira carta de Joo? Com o princpio de que a matria m, a humanidade de Cristo passou a ser negada. Primeiro, porque se afirmava que Cristo apenas parecia ter tido corpo. Outros ainda diziam que a natureza divina se uniu ao Cristo homem na hora do batismo e o deixou no momento de sua morte. Esta parece que foi a questo mais delicada que motivou Joo a escrever (1 Jo 1.1; 2.22-23; 4.2-3; 5.6). A heresia do Gnosticismo ainda tinha uma postura contraditria em relao ao melhor uso do corpo. Por um lado, como o corpo mau, pois matria, ento ele deveria ser tratado com rigor. o ascetismo mencionado no livro de Colossenses (Cl 2.21-23). Por outro lado, essa idia tambm incentivava a libertinagem, pois o mau nessa histria a matria e no a desobedincia lei de Deus, por isso no havia nenhuma conseqncia moral envolvida e, mesmo a realidade do pecado era negada (1 Jo 1.8 cf. Judas v.4). Assim, possvel perceber por que tambm a prtica da vida crist abordada por Joo. Ele se ope vigorosamente aos que separam a f dos atos de amor. Tanto nos relacionamentos pessoais (1 Jo 2.9-11; 3.14-18), como no controle dos desejos da carne, dos olhos e o orgulho (2.15-17). O apstolo Joo lhes lembra que a motivao de tudo isto est no perdo de Deus (2.12) e no seu amor (4.9,19). O contexto histrico se torna um instrumento auxiliar que facilita a compreenso do texto da epstola. Assim tambm com o esboo de uma epstola. Ele tambm importante, medida que funciona como uma mapa que nos ajuda identificar alguns detalhes importantes na leitura de uma epstola. O esboo nos ajuda a ter uma viso panormica do livro, altamente til, para identificarmos com mais propriedade a diviso que o autor da carta faz. Geralmente as cartas do Novo Testamento formam um argumento que perpassa do incio ao fim do texto. Vamos ver isso com um exemplo? Ainda que o livro de Hebreus no seja visto como tendo todas as caractersticas que o identificariam como uma epstola, a falta da autoria, por exemplo, a exposio do seu esboo funciona como uma ilustrao clara de como este recurso outro auxlio na compreenso de um livro todo. 6.1.2 A importncia do esboo: um exemplo em Hebreus Hebreus foi escrito para cristos que conheciam bem o Antigo Testamento e que possivelmente estavam, por causa de perseguies, sofrimento e ensino falso, sendo tentados a abandonar a f crist. Esses cristos tinham sido muito fiis (Hb 6.10) e encorajaram uns aos outros (Hb 10.32-34). Mas estavam desanimando (Hb 10.35; 12.12), influenciados por outros ensinos (Hb 13.9); eles pararam de crescer na f (Hb 5.11-24), alguns podem at ter abandonado a f (Hb 6.4-8), deixaram de ir igreja (Hb 10.25), todos estavam em perigo de cair da f (Hb 3.12) e voltar para trs e esquecer a Jesus Cristo (Hb 10.39). Esboo I. Introduo: A Superioridade da Nova Revelao de Deus (1.1-4) II. Cristo Superior a Anjos (1.5-2.18) III. Cristo Superior a Moiss (3.1-4.13) IV. Cristo Superior aos Sacerdotes da descendncia de Aro (4.14-7.28) V. A Superioridade da Obra Sacrificial de Nosso Sumo Sacerdote, Cristo (8-10) VI. Apelo final para perseverar na F (11-12) a. Exemplos de Heris da F (11) b. Encorajamento para perseverar na F (12.1-11) c. Exortaes para perseverar na F (12.12-17) d. Motivao para perseverar na F (12.18-29) VII. Concluso (cap. 13) 6.2 Dicas de interpretao Alm do que foi apresentado acima, proveitoso reproduzir de forma discriminada, alguns itens adicionais quando lemos e preparamos estudos tendo como base textos em epstolas. a. Ver o contexto histrico e procurar reconstruir a situao da poca. Aqui obviamente vale a regra de que um texto no pode significar aquilo que nunca poderia ter significado para seu autor ou seus leitores. 60
b. Observar com ateno o contorno da percope ou pargrafo a ser estudado, de forma especial no que vem antes, mas sem desconsiderar o que vem depois. O esboo do livro funciona como um instrumento til para separar os assuntos. c. Ver diferentes tradues da Bblia anotar o que parece ser diferente. d. Procurar por passagens paralelas. Se o texto uma epstola de Paulo, observar preferencialmente os textos em Paulo. Tambm interessante considerar o uso, quando
60 FEE, op. cit., p.48. houver, de passagens do Antigo Testamento e tentar reconstruir o contexto original dessas citaes. e. Ficar atento polaridade Lei-Evangelho. f. Juntar as idias para proclamao. O que este texto ensina? Quais as aplicaes que podem ser feitas? Essas aplicaes so coerentes com o ensino teolgico de toda a Bblia? Aqui evidentemente precisa ser observado se a proclamao aponta para Jesus Cristo, o centro das Escrituras. Os critrios que organizaram os escritos de Paulo precisam ser considerados. 1, ele reconheceu que Cristo no estava morto e nem era irrelevante, mas o centro da f verdadeira (Rm 1.4; 1 Co 9.1; 15.8); 2, ele pregava a Jesus como divino e humano. Jesus retratado como a exata expresso da glria de Deus e verdadeiro homem e foi ele que tomou o lugar da humanidade pecadora para proporcionar a reconciliao com Deus; 3, ele reconheceu de maneira que o conceito da graa o fato de que ns simplesmente no podemos fazer nada para merecer a ateno de Deus. O perdo um dom de Deus; e 4, ele entendeu que no s a salvao por graa, at as obras, geralmente atribudas a realizaes humanas, tambm execuo de Deus: Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, no s na minha presena, porm, muito mais agora, na minha ausncia, desenvolvei a vossa salvao com temor e tremor; porque Deus quem efetua em vs tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.12- 13) 61 . 6.2.1 Colossenses 3.1-11: Exemplo de estudo bblico de uma epstola Notas introdutrias Como j foi observado acima, as epistolas do Novo Testamento geralmente so escritas com a inteno de solucionar problemas e fornecer instrues aos destinatrios. Como uma carta, muito importante observar o contexto histrico em que foi escrita, os contornos do texto em estudo e tambm o esboo do livro, que funciona como uma boa ferramenta para separar os assuntos e melhorar a compreenso. Destinatrios da Carta de Colossenses Essa epstola foi originalmente escrita aos cristos ou a igreja da cidade de Colossos (Cl 1.2). Essa foi umas das cidades mais importantes da sia Menor (hoje Turquia). Ao final do primeiro sculo essa importncia diminuiu e provavelmente Laodicia e Hierpolis (Cl 4.13), cidades vizinhas, tomaram o lugar de Colossos em termos de poder e importncia. A igreja de Colossos foi instruda por Epafras (Cl 1.7), cuja converso deve ter ocorrida nos trs anos de ministrio de Paulo em feso (At 19.10).
61 LONGMANN III, Tremper. Lendo a Bblia com o corao e a mente. Traduo de Roselene Domingos Sant`Anna. So Paulo: Cultura Crist, 2003, p.214. Por que foi escrita essa carta? Como foi visto acima e caracterstico nas cartas de Paulo, ele no escreve explicitamente sobre qual o problema a ser abordado em seu escrito. Mas bem provvel que houve algum tipo de dificuldade a ser tratada. Este tambm foi o caso de Colossenses. Porm, possvel descobrir, pelo prprio texto, algumas pistas sobre assuntos que o apstolo tem em mente ao escrever para aquela comunidade. O Cerimonialismo parece ter sido o principal problema. Havia uma preocupao em conectar o cristianismo a cerimnias e rituais, colocando assim sobre a cruz de Cristo uma sombra (Cl 1.15-20; 2.2-3,9). Isso poderia ser feito atravs da exigncia da circunciso (Cl 2.11; 3.11), sinal da aliana entre Deus e o povo no Antigo Testamento, ou tipos de comida e cerimnias realizadas no Antigo Testamento (Cl 2.16-17); Tambm havia uma tendncia de se aderir ao Ascetismo, um forma de disciplina corporal encontrado em muitas religies. Havia possivelmente em Colossos quem quisesse implantar esse tipo de disciplina moral tambm na igreja (Cl 2.21-23). Sem que haja muitos detalhes, ainda h meno de cultos a anjos (Cl 2.18) e ateno a outras filosofias humanas (Cl 2.4,8), como dificuldades a serem abordadas nesta epstola. Para abordar esses assuntos, Paulo exalta a Cristo como a imagem de Deus, o Criador, existncia eterna e sustentador de todas as coisas, o cabea da igreja, o primeiro a ser ressuscitado, a plenitude da divindade (Cl 2.9) em forma corprea e o reconciliador (Cl 1.15-22). Em resumo, Cristo que conta. Ele atende a todas as necessidades do ser humano. As heresias contestadas por Paulo so inadequadas e filosofias enganosas (Cl 2.8) e no tm nenhuma fora para obter o favor de Deus e controlar a velha natureza pecaminosa (Cl 2.23). Esboo da Carta provvel que haja algumas diferenas entre esboos de livros bblicos, encontrados em bblias de estudo e comentrios bblicos, mas a estrutura principal geralmente a mesma e a essncia da mensagem preservada. I. Introduo 1.1-14 a. Saudao 1.1-2 b. Ao de graas 1.3-8 c. Orao 1.9-14 II. A suficincia de Cristo e do seu Evangelho 1.15-23 III. O trabalho do apstolo Paulo pela Igreja 1.24-2.7 a. Um ministrio a favor da igreja 1.24-29 b. Preocupao com o bem-estar dos seus leitores 2.1-7 IV. Liberdade atravs da vida com Cristo 2.8-23 a. Cuidado com os falsos mestres 2.8-15 b. Pedido para rejeitar os falsos mestres 2.16-19 c. Uma anlise do ensino falso na igreja em Colossos 2.20-23 V. Conselhos para uma vida santa 3.1-4.6 a. A velha natureza e o novo ser em Cristo 3.1-4 b. As obras da natureza terrena e do novo homem renovado em Cristo 3.5-11 c. As virtudes na vida em comunidade 3.12-17 d. Dicas para a vida em famlia e no trabalho 3.18-4.1 e. Instrues adicionais 4.2-6 VI. Saudaes finais 4.7-18 O texto 3.1-11 Nesta seo o apstolo Paulo tem como foco o ensino sobre a vida tica do cristo. E aqui muito importante observar que logo no incio do pargrafo aparece a palavra portanto, que funciona como um conector do ensino proclamado anteriormente. Esse detalhe muito significativo, pois deixa claro que a vida crist s pode ser vivida a partir da ressurreio operada por Cristo (Cl 3.1). A forma como ocorreu essa ressurreio est descrita em Cl 2.11-13, ou seja, atravs do Batismo, que confere perdo e a nova vida em Cristo, bem como anula ordenanas do Antigo Testamento. Com base no que aconteceu no Batismo, que o apstolo Paulo passa a exortar aos cristos da igreja de Colossos a viver uma vida tica de acordo com a vontade de Deus, pensando nas coisas l do alto (Cl 3.2). vv.1-4: O portanto liga parte anterior e que a seo doutrinria da carta. L, o apstolo afirma a suficincia da obra de Cristo, em termos objetivos e individuais, em contraste com a ineficcia das tradies humanas. Aqui comea a ser tratada uma parte mais prtica e Paulo continua afirmando a Cristo como base e poder para a nova vida nos que nele crem (Jo 15.5). A vida crist deve ser vista em Cristo. Nada mais real do que o fato de que Nele se ressuscitado para uma nova vida, atravs da nova circunciso do batismo (Cl 2.11-12; Rm 6.1-14). vv.5-9: Se na primeira parte o apstolo busca relembrar o significado do Batismo na vida do cristo, agora o ensino mais especfico em como o povo de Deus pode viver a sua vida santificada como filho regenerado de Cristo Jesus. Paulo aconselha a lutar contra e abafar as diversas manifestaes da velha vida sem Cristo. Ao fornecer as instrues para deixar de lado as vrias manifestaes do pecado, o texto no est afirmando que este assunto meramente uma questo de progresso na vida moral do cristo ou at de auto-ajuda. As conseqncias da pecaminosidade inata do ser humano no permitem esse tipo de idealismo. A melhora na vida do cristo s ocorre quando Cristo operar as mudanas atravs da sua Palavra. Ele efetua o desejo e a realizao. A lista apresentada por Paulo no completa, mais ilustrativa, mas engloba os pecados que podem ser cometidos exteriormente e aqueles da intimidade do corao e pensamentos. So exemplos de conduta m e que so motivo da ira de Deus e que devem ser removidos da vida do batizado. Deus est irado com razo, mas sua ira anulada mediante a obra de Cristo na cruz e todos os que nele confiam encontram o favor de Deus. vv.10-11: O despir do velho homem e o revestir do novo homem obra de Deus. Cristo opera a renovao. O primeiro foi crucificado com Cristo no batismo (Rm 6.6; Cl 2.12) e o novo homem vestido no cristo pelo prprio Deus (Ef 4.24; Gl 3.27) e renovado segundo a imagem de Deus (Gn 1.26-27). A partir da o cristo capaz de conhecer a Deus, ser reconhecido por ele e andar buscando as coisas l do alto. Esse homem novo capaz de viver segundo a vontade de Deus, tanto individualmente, como na igreja de Cristo como um corpo, no fazendo distines entre raa, cultura ou classe social. Cristo est cima de qualquer barreira imposta por raa, cultura ou nacionalidade. Aplicaes Jesus Cristo a nica e suficiente fonte de redeno e remisso dos pecados. Atravs desse perdo os cristos so transportados para o Reino de Deus (Cl 1.13- 14), atravs do santo Batismo (Cl 2.11-12). O resultado disso a paz entre Deus e os homens (Cl 1.20) e o acesso diante de Deus como santos, inculpveis e irrepreensveis filhos dele (Cl 1.22). No h cerimnias ou obras humanas que podem operar essa primeira ressurreio. Fostes ressuscitados! (Cl 3.1). Cristo tambm o fundamento para os resultados prticos na vida do regenerado. Sua vida vai ser santa e agradvel, graas a Cristo. Tendo sido restitudos imagem de Deus pelo batismo, o cristo equipado a viver segundo a vontade de Deus Obras no so necessrias para a salvao, porm isso no significa que elas so desnecessrias ou impossveis. Por causa da raiz pecaminosa que permanece, s Jesus Cristo pode operar o querer e o realizar uma vida tica adequada. Por isso as exortao do apstolo Paulo tambm so cristocntricas (Cl 3.13), pois s neles elas encontram sua realizao. Assim o conselho de Paulo : Habite ricamente em vs a palavra de Cristo; instrui-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus com salmos e hinos e cnticos espirituais, com gratido em vossos coraes (Cl 3.16). 6.3 Atividades de auto-estudo 1. Uma epstola geralmente segue um padro em sua escrita: a) identificao de quem escreveu; b) receptor; c) saudao; d) ao de graas (que considerado o nico elemento que pode variar); e) o corpo do texto; f) concluso. Identifique esses elementos na primeira epstola de Paulo aos Corntios, descrevendo no item corpo do texto, algumas das possveis situaes tratadas pelo autor: 2. Trabalhe o texto de Filipenses 4.1-7, segundo as dicas de interpretao do ponto 6.2: Portanto, meus irmos, amados e mui saudosos, minha alegria e coroa, sim, amados, permanecei, deste modo, firmes no Senhor. 2 Rogo o a Sntique pensem concordemente, no Senhor. 3 A ti, fiel companheiro de jugo, tambm peo que as auxilies, pois juntas se esforaram comigo no evangelho, tambm com Clemente e com os demais cooperadores meus, cujos nomes se encontram no Livro da Vida. 4 Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos. 5 Seja a vossa moderao conhecida de todos os homens. Perto est o Senhor. 6 No andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porm, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas peties, pela orao e pela splica, com aes de graas. 7 E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardar o vosso corao e a vossa mente em Cristo Jesus. 3. A Epstola funciona como uma carta para estabelecer contato, informar, advertir e corrigir problemas. Quais so as alternativas abaixo que possuem os principais itens a serem observados na hora de interpretar esse tipo de texto? a. Observar o vocabulrio variado que o autor utiliza; b. Olhar principalmente comentrios bblicos; c. Observar para quem e por que foi escrito, para reconstruir a situao daquela poca; d. Prestar ateno no esboo da carta e no contexto do texto, principalmente o que vem antes; Resposta c e d 4. Quanto ao corpo das cartas paulinas h elementos que se diferenciam e que so importantes na anlise de uma epstola: a. O corpo contm elementos autobiogrficos, no sentido de oferecer informaes sobre a vida em particular do apstolo; b. Tambm fazem parte do corpo elementos didticos, as epstolas ensinam s igrejas o que crer e como agir na vida prtica; c. Existem elementos apologticos, ou seja, a f crist defendida de ataques e desafios de filosofias e religies no crists; d. Todas as afirmativas anteriores so verdadeiras. Resposta d 5. Um detalhe interessante e que no pode ser ignorado na leitura de uma epstola que, como uma carta ou e-mail, preciso ler a mensagem por inteiro, sem interromper a leitura, do incio ao fim. Uma leitura fragmentada pode gerar confuso e equvocos na interpretao. O que recomendado quando estudamos um pargrafo especfico? a. Nunca deveramos fazer o estudo de apenas um pargrafo, mas apenas de toda a carta, independente de sua extenso; b. O sentido de um pargrafo tem sua compreenso facilitada ou clarificada com a observao do que foi dito anteriormente. Isto tem a ver com uma regra de interpretao bsica na leitura de qualquer texto, muito mais das Escrituras Sagradas, ler o texto sempre dentro do seu contexto. c. O esboo do livro funciona como um instrumento til para separar os assuntos e assim obter uma viso panormica da epstola, para facilitar a compreenso de um texto em particular; d. Eventuais problemas nesse caso podem ser superados simplesmente recorrendo a passagens paralelas. Resposta b e c Referncias Bibliogrficas do Captulo DETERDING, Paul E. A Theological Exposition of Sacred Scripture Colossians. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2003. FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? 2 Ed. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008. KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii. So Paulo: Cultura Crist, 2002. LONGMANN III, Tremper. Lendo a Bblia com o corao e a mente. Traduo de Roselene Domingos Sant`Anna. So Paulo: Cultura Crist, 2003.
7. Gneros Literrios na Bblia Parbolas Introduo Uma marca distinta dos mtodos de ensino de Jesus era o freqente uso de parbolas. Em torno de 33% do ensino do Mestre est nesse gnero literrio. Uma definio at certo ponto simples, mas satisfatria poderia ser que parbolas simplesmente eram histrias contadas por Jesus. H, contudo, uma definio mais ampla: so histrias tiradas da vida comum do dia-a-dia, que tem uma ou mais lies teolgicas, transmitidas de forma indireta e que se destinam a convencer ou persuadir, e levar o ouvinte a tomar uma deciso e agir. Parbolas em geral so usadas para ilustrar ou facilitar a compreenso de um assunto complicado; falar do desconhecido a partir do conhecido, do abstrato para o concreto e servir como uma ponte para chegar l. Quando Jesus fala do semeador que vai semear (Mt 13.3), ele no est falando de algum realizando literalmente esse trabalho, mas de sua prpria misso de semear o Evangelho. O objetivo da histria descrever alguma coisa diferente do que ela na verdade est afirmando. E justamente pelo fato de uma parbola no ser nem sempre uma simples metfora, que ela s vezes adquire um grau de complexidade maior em sua interpretao. preciso ateno nas aes, personagens, situaes e outros detalhes significativos. Por essa razo tambm, parbolas tambm poderiam ser chamadas de alegorias, ou seja, h um outro sentido pretendido pelo texto. Porm, importante observar que dizer que uma parbola uma alegoria no significa necessariamente que podemos alegorizar uma parbola. Isto por sinal nem recomendvel. 62
7.1 Funes das parbolas A opo de Jesus em ensinar por parbolas parece ser de fcil explicao. Elas so simples e interessantes, de modo que o pblico geral podia seguir a histria com certa facilidade. Diz-se que as parbolas tm a vantagem de desarmar queles que possam ofender-se com sua mensagem, visto que o ouvinte freqentemente tem que esperar at o ltimo momento da histria para descobrir seu significado, ou mesmo, e a pode estar o ponto principal, se enxergar dentro da histria. Um exemplo disto pode ser a parbola de Nat ao rei Davi (2 Sm 12.1-10). 63 Quando o profeta Nat repreendeu a Davi, ele se usou de uma parbola a fim de ilustrar o que de fato o rei havia feito ao tirar a esposa de Urias, Bate- Seba. Num determinado momento, Davi se enxergou na histria e assim ele s no compreendeu o que estava sendo dito, como se deu conta o que tinha feito e a se
62 VOELZ, op. cit., p. 303-304 63 SILVA e KAISER JR. op. cit., p.104. arrependeu e pediu perdo a Deus. Nesse caso a parbola atingiu completamente seus propsitos. A parbola uma forma de cativar os ouvintes, faz-los parar e pensar acerca do seu modo de agir, pensar e crer, a fim de lev-los a reagir e dar alguma resposta ao Senhor Jesus. 64
Categorias de Parbolas Jesus usou outras formas de ensino e discurso, como por exemplo, o Sermo do Monte (Mt 5-7), mas com muita freqncia fez uso de parbolas. Algumas delas esto conectadas ao Reino de Deus. O reino dos cus semelhante... (Mt 13.44). E dizia: A que semelhante o reino de Deus, e a que o compararei? (Lc 13.18). Aqui vale lembrar que algumas parbolas so contadas por Jesus no contexto de conflito com os fariseus (Lc 10.25-37; Lc 15.11-32). Na verdade poderia se pensar em termos prticos e concretos em duas categorias de parbolas. Aquelas que tratam do Reino de Deus, de forma especial a respeito de Jesus Cristo e sua misso (Mc 4.1-32; Mt 13.31-33) e aquelas que se referem a cada pessoa, sua vida e atividade. Pode ser notado o detalhe que algumas das parbolas parecem se encaixar num meio termo. Um exemplo excelente a parbola do Credor Incompassivo (Mt 18.18-35). Nesta est em relevo tanto a atividade de Deus em Jesus Cristo, como a resposta humana em seu relacionamento com outras pessoas. 65
As parbolas do reino dizem respeito ao desenvolvimento histrico e a invaso do reino de Deus e seu domnio na histria. As parbolas relacionadas vida crist so mais atemporais e dizem respeito a pessoas de todos os tempos e lugares. 7.2 O Reino de Deus O que o Reino de Deus? Quando Joo Batista ouviu na priso a respeito do que Jesus Cristo fazia, ele enviou seus discpulos para lhe perguntar. s tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro? (Mt 11.3). Na resposta de Jesus ele alude s profecias de Isaas 35.5-6 e 61.1-2: E Jesus, respondendo, disse-lhes: Ide e anunciai a Joo o que estais ouvindo e vendo: os cegos vem, os coxos andam, os leprosos so purificados, os surdos ouvem, os mortos so ressuscitados, e aos pobres est sendo pregado o evangelho (Mt 11. 4-5). O tempo se cumpriu. Jesus o reino de Deus presente. Se, porm, eu expulso demnios pelo Esprito de Deus, certamente chegado o reino de Deus sobre vs (Mt 12.28). O tempo do reinado de Deus foi inaugurado com a vinda de Jesus e as pessoas so
64 FEE e STUART, op. cit., p.125. 65 VOELZ, op. cit., p. 314 chamadas a viver sob seu senhorio, com as bnos do reino, ou da presena de Jesus: a paz e o perdo. Na verdade as parbolas que enfatizam a presena do reino querem levar seus ouvintes a olhar para o agora, Deus j est nos governado em Cristo Jesus e no seu reino podemos desfrutar de sua companhia e para o futuro, o reino em sua manifestao futura e completa, para o qual Jesus nos convida a vigiai, pois no sabeis o dia nem a hora (Mt 25.13). 7.3 A Interpretao das Parbolas As parbolas tornaram-se um veculo de revelao das verdades a respeito do reino de Deus presente em Jesus, ainda que algumas vezes elas lhes do um tom enigmtico. Ao que respondeu: Porque a vs outros dado conhecer os mistrios do reino dos cus, mas queles no lhes isso concedido. Pois ao que tem se lhe dar, e ter em abundncia; mas, ao que no tem, at o que tem lhe ser tirado. Por isso, lhes falo por parbolas; porque, vendo, no vem; e, ouvindo, no ouvem, nem entendem (Mt 13.11-13). Portanto, em certo sentido no h como evitar debates e no estamos completamente livres de equvocos na hora da interpretao. Na verdade, at mesmo os discpulos algumas vezes ficaram intrigados pelas histrias ouvidas de seu mestre (Mc 4.13). este detalhe particular que pode nos levar a refletir que existe algum grau de dificuldade por causa da identificao ou no com os personagens ou fatos da histria narrada. Por isso, a tarefa hermenutica exige cautela e ateno. Seria bem mais prtico se Jesus tivesse explicado todas as parbolas, como fez com algumas (Mt 13.24-30 36-43). Alm disso, preciso observar que nem sempre os personagens, fatos e objetos de uma parbola tm um significado simblico ou alegrico. Portanto, o primeiro aspecto a ser levado em conta o contexto original em que a parbola foi contada. Para elevar o grau de exatido na compreenso deste tipo de gnero literrio, alm de obviamente entender bem a parbola em si, fundamental prestar bem ateno no motivo pelo qual Jesus a contou. A observao do contexto particular e original em que as parbolas foram contadas um elemento que pode se tornar decisivo para compreender bem o ensino de Jesus. bem provvel que algumas vezes nem havia necessidade de esforo para interpret-las, visto que os ouvintes originais tinham e conheciam bem os pontos de referncia usados e mencionados por Jesus. isso que nos falta em parte hoje: conhecer o contexto cultural original. 66
66 Por isso aqui vale uma referncia bibliogrfica interessante, de forma especial as parbolas registradas no evangelho de Lucas. BAILEY, Kenneth. As Parbolas de Lucas. Traduo de Adiel Almeida de Oliveira. So Paulo: Vida Nova, Reimpresso, 2003. Segundo o Prefcio edio em Portugus Bailey pesquisou alm dos autores modernos, os comentaristas do Oriente Mdio que lutaram para entender as mensagens das parbolas atravs da era crist. Esforou-se para evitar concluses sem primeiro ouvir os camponeses que ainda hoje vivem num ambiente cultural semelhante quele da Terra Santa nos tempos de Jesus (p.9). Quanto ao seu entendimento, um cuidado necessrio sobre a tendncia natural da alegorizao, ou seja, como se cada item (personagem, fato ou ao) da parbola tivesse um significado correspondente e/ou diferente do que est escrito. verdade que parbolas podem ter essa caracterstica, como o prprio Jesus explicou na parbola do semeador. Porm, isso pode no funcionar to bem em outras parbolas. A que vamos comparar, por exemplo, na parbola das virgens prudentes e nscias (Mt 25.1-13), o azeite? O pedido de emprstimo do azeite? s vezes preciso tirar os olhos dos detalhes, que nem sempre compreendemos e fixar nosso olhar no grande ensino pretendido por Jesus. No caso da parbola das dez virgens, a vigilncia. Nesse caso poderia se afirmar que alguns elementos da parbola esto l, mas no precisam ser decodificados na hora da interpretao, simplesmente porque no so condutores de algum tipo de lio. Esse pode ter sido o problema da interpretao da Igreja Primitiva e pode continuar sendo hoje, quando se pretende decifrar todos os itens da histria, o que resultou e pode ocasionar problemas na interpretao. 67
De maneira geral, o segredo na interpretao parece ser o ponto de comparao intencionado por Cristo. Normalmente um grande ensino, mas que com certeza vem acompanhados de outros aprendizados. Tambm h os que afirmam que podem existir at trs pontos de comparao, 68 ou existirem mais lies. O fato que geralmente existe uma grande verdade expressa por Jesus e que pode muitas vezes ser desdobrada em outros ensinamentos relevantes. Parbolas so ensinos que vm em cdigos e a funo do intrprete decodific-los e extrair delas o ensino almejado por Jesus. Nas parbolas do reino poderia se at seguir um conjunto padro de imagens e significado de cada uma delas, visando facilitar o processo de decodificao e servir com um certo ponto de referncia e auxlio para ler parbolas. Rei = Deus (Mt 18.23-34; 22.1-13); Vinha = Israel [cf. Is 5.7], povo de Deus (Mt 20.1-15; 21.28-30; 21.33-41); Colheita = o Julgamento (Mt 13.24-30; Mc 4.26-29); Casamento = o comeo da era messinica [cf. Mt 9.15]; (Mt 25.1-13; 22.1-13); Campo = mundo (Mt 13.38; 13.31; 13.44); Pssaros = gentios (Mc 4.30-32). Alm desses, Jesus parece ainda usar as seguintes imagens quando falamos em um padro:
67 VOELZ, op. cit., p. 309 68 Craig L. Blomberg em seu livro Interpreting the Parables, divide as parbolas naquelas em que h trs pontos simples de comparao, trs complexos pontos de comparao, dois pontos e um ponto de comparao. Homem = Jesus = Deus (Mt 13.3-8; 13.31; 13.24); 69
Semear a semente = espalhar a palavra do reino atravs da pregao (Mt 13.3-8); Pares = lderes religiosos e pecadores manifestos (Mt 21.28-30; Lc 15.11-32); Ausncia/atraso em razo de uma viagem = expirao do tempo antes da vinda de Jesus (Mt 21.33-41 [primeira vinda]; Mc 13.34 [segunda vinda]); Ceifeiros = anjos (Mt 13.24-30); Servos = cooperadores ou trabalhadores de Deus [profetas do Antigo Testamento, doze discpulos, etc.]; Mt 13.24-30; 21.33-41; 22.1-13. 70
7.3.1 Exemplo I: A parbola dos dois filhos Mt 21.28-32 1. Passo: Por que Jesus contou essa parbola? A resposta a esta questo est no contexto anterior. O texto anterior imediato revela que a discusso estava em torno da atitude dos fariseus em relao autoridade de Jesus e o batismo de Joo Batista (Mt 21.23-27). 2. Passo: Identificar os personagens e entender o texto da parbola em si. No modelo do um ponto de comparao, poderamos concluir que a lio de Jesus que no Reino de Deus no basta falar, preciso fazer, algo que vai ao encontro da atitude farisaica, eles at certo ponto reconheciam que a pregao de Joo Batista para o arrependimento era legtima, mas mesmo assim eles a rejeitaram. Blomberg percebe essa parbola como tendo trs pontos de comparao: 1. Assim como o Pai enviou seus filhos para trabalhar, assim Deus comanda a todas as pessoas para que faam a sua vontade; 2. Uns desobedecem, apesar de terem prometido e assim so rejeitados por Deus; 3. Uns se rebelam, mas mais tarde se submetem a Deus e assim so aceitos. 71
7.3.2 Exemplo II: A parbola das dez virgens Mt 25.1-13 No modelo do um ponto de comparao, a lio : vigilncia constante para a volta de Cristo. Os trs pontos de comparao de Blomberg: 1. Deus pode retardar sua vinda mais do que as pessoas esperam; 2. preciso estar preparado para este atraso; 3. O despreparo caminho sem retorno. 72
Abaixo um exemplo mais completo de uma interpretao de parbola.
69 Voelz observa que h parbolas lidam com a figura do rei e em outras predomina a figura do homem. Nisto pode haver alguma indicao da importncia da encarnao (VOELZ, op. cit., p. 308, nota 12). 70 Idem, p. 308 71 BLOMBERG, op. cit., p. 188. 72 Idem, p. 195. 7.4 Lucas 8.16-18 A Parbola da Candeia: Um exemplo de estudo aplicado uma parbola a. Entendendo o desenvolvimento do texto Quando se acende uma lmpada, esta no vai ser colocada debaixo da cama, mas num lugar onde possa cumprir sua funo de iluminar. Cristo continua dizendo que um dia o que est em secreto vai aparecer e que preciso saber ouvir, porque aquele que tem, mais lhe ser dado e quem no tiver, aquilo que ele pensa que tem, lhe ser tirado. b. Identificando o motivo pelo qual Jesus contou essa parbola Pelo contexto possvel perceber que Jesus comeou a ensinar em Lc 8.4, quando falou a primeira parbola, a parbola do semeador (8.5-8). Nos vv.9-15, ele explica seu ensino anterior. Por essa explanao, possvel saber que ele estava falando da pregao do evangelho, semear a semente e que dependendo da maneira que alguns ouviam, os resultados eram diferentes. c. Aonde Jesus quer chegar? Os leitores de Lucas vo identificar a luz da candeia com Cristo e seu evangelho (Lc 2.32). Cristo ilumina os convertidos com a sua luz. Depois de estar nessa luz e ser luz, o cristo (pregador) no vai esconder o evangelho de Cristo. Atravs desses pregadores e a comunidade de cristos, Cristo revela os mistrios de Deus. tarefa da igreja continuar o que Jesus comeou. Assim a admoestao: tomem cuidado no ouvir. Aqueles que j tm f recebem atravs da Palavra sempre mais os benefcios de Deus e mais ainda lhe ser dado a salvao no ltimo dia. Aqueles que no tm, o ltimo dia revelar que eles de fato se enganaram a si mesmos, pois pensaram que tinham algo. d. Algumas concluses/aplicaes A palavra (evangelho) recebido pelo ouvir; Esse evangelho uma luz. O desejo de Jesus que essa luz ilumine e no seja guardada. Pregar essa luz tambm significa que preciso ensinar a ouvir com ateno, pois o ouvir aparente significa que esse no receber em seu corao a iluminao e isto um dia vai acabar sendo revelado. Por isso a grande importncia de saber ouvir, pois o ouvir cuidadoso vai gerar em crescimento cada vez maior; o ouvir indiferente ou superficial vai resultar em engano, pois aquele que assim procede, pensa que tem algo e perder o que no tem, a luz de Cristo. A vida da igreja em Cristo orientada a viver essencialmente a colocar a luz do evangelho de Cristo no suporte, a fim de que atravs da comunidade dos irmos e proclamao do pastor, essa luz seja manifestada a mais pessoas, com a esperana e confiana que alguns ouviro bem. 7.5 Atividades de auto-estudo 1. Parbolas em geral so usadas para ilustrar ou facilitar a compreenso de um assunto complicado; falar do desconhecido a partir do conhecido, do abstrato para o concreto e servir como uma ponte para chegar l. O objetivo da histria descrever alguma coisa diferente do que ela na verdade est afirmando. E justamente pelo fato de uma parbola no ser nem sempre uma simples metfora, que ela s vezes adquire um grau de complexidade maior em sua interpretao. Faa uma breve descrio do que se recomenda a um intrprete de parbolas para o ensino de Jesus seja claro e verdadeiro: 2. Trabalhe a parbola dos trabalhadores na vinha (Mateus 20.1-16), levando em considerao as recomendaes de interpretao do ponto 7.3 3. Na hora de ler e interpretar uma parbola, h de fato vrios detalhes importantes a serem observados. Porm, h um ponto inicial muito importante a ser observado. Qual essa significativa questo a ser respondida na hora de interpretar Parbolas? a. Que linguagem foi usada? b. Por que, qual foi o motivo da parbola ter sido contada? c. Quantas palavras tem a parbola? d. O que significa exatamente cada personagem, ao e objeto da parbola? Resposta b 4. Jesus contou uma srie de parbolas e que so categorizadas, dependendo do seu pblico alvo e contexto em que foram contadas. Quais das categorias abaixo entram nessa classificao? a. Parbolas do Reino de Deus, de Jesus Cristo e sua misso; b. Parbolas num contexto de conflito com os fariseus; c. Parbolas que se referem a cada pessoa, sua vida e atividade; d. Todas as alternativas so verdadeiras. Resposta d 5. De maneira geral, o segredo na interpretao e extrao das verdades pretendidas por Jesus atravs das parbolas, depois de descobrir o contexto original e compreender o texto em si, parece ser: a. Alegorizar a parbola, ou seja, descobrir em detalhe o significado de cada personagem e elemento da histria contada por Jesus; b. Descobrir o ponto de comparao intencionado por Cristo, pois geralmente existe uma grande verdade expressa por Jesus e que pode muitas vezes ser desdobrada em outros ensinamentos relevantes; c. Como cada personagem, ao e palavra tem smbolos correspondentes, a chave de interpretao est nesta descoberta; d. Como nem os discpulos entenderam algumas parbolas, o tom enigmtico das parbolas no permite chegar a verdades nesse tipo de gnero literrio. Resposta b Referncias Bibliogrficas do Captulo BAILEY, Kenneth. As Parbolas de Lucas. Traduo de Adiel Almeida de Oliveira. So Paulo: Vida Nova, Reimpresso, 2003. BLOMBERG, Craig L. Interpreting the Parables. Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1990. KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii. So Paulo: Cultura Crist, 2002. FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? 2 Ed. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008. VOELZ, James W. What Does This Mean? Saint Louis, U.S.A.: Concordia Publishing House, 1995.
8. Gneros Literrios na Bblia Profecia e Apocalipse Introduo A profecia um gnero bblico bem mais amplo, e at mais complexo, do que a maioria das pessoas pode pensar. Os livros profticos so colocados entre as partes mais difceis da Escritura Sagrada, no sentido de serem lidos corretamente e interpretados de acordo com a inteno original de Deus. Muitas vezes e em certa medida por causa disto, o tpico tratado superficialmente ou at evitado. Outras vezes a palavra at banalizada e mal usada. Talvez o principal problema esteja na prpria palavra profecia, geralmente conectada ideia de predies do futuro e no verdadeira misso de um profeta, que de ser pregador dos orculos de Deus. Uma explicao para o sentido do verbo profetizar pode ser encontrada na epstola aos Corntios no Novo Testamento. L (1 Co 14.1-3), profetizar claramente est conectado a outros trs verbos e por conseguinte s aes dos profetas: edificar, exortar e consolar. E isto verdade. A funo dos profetas era bem mais diversificada do que apenas falar do futuro. Por isso, mesmo olhando para as profecias do Antigo Testamento, sua pregao tem envolvimento com a misso de ser, antes de tudo, mensageiros de Deus na proclamao da sua Palavra. 73
8.1 Profecia Boa parte dos textos profticos do Antigo Testamento est relacionada a previses. Segundo clculos de estudiosos, de um total de 31.214 versculos na Bblia, 27% trata de previses futuras. As estatsticas apontam que o Antigo Testamento contm 6.641 versculos, de um total de 23.210, que falam do que est por vir, ou seja, 28.6%. Apenas os livros de Rute e Cantares no Antigo Testamento e 3 epstola de Joo no Novo Testamento, que no possuem previses profticas. 74
Em certas pocas profetas pregavam para seus contemporneos. Eles tinham palavras amargas (Lei) e doces (Evangelho) para o povo do seu tempo, mostrando o pecado humano e a graa divina (Is 1.12-20; Is 40.1-2). Esse aspecto no invalida o valor das suas pregaes pra o tempo presente. Sua mensagem no est confinada apenas ao tempo dos profetas. Eles nem sempre eram visionrios, mas suas palavras de condenao e salvao so relevantes vida e f para a igreja hoje. Em outros tempos e ocasies os profetas anunciavam o futuro, mas diversas vezes o futuro imediato do povo de Deus e de outras naes. Exemplos: Ed 6.14; Ag 1.1-8; Zc 1.1;
73 KAISER, op. cit., p. 135 74 Idem, p. 135. Jr 30.8-9. Outro trao bem marcante desse gnero literrio a profecia escatolgica, ou seja, a ltima visita de Deus Sf 1.2-3, incluindo a vinda prolptica no Messias encarnado (Mq 5.2-5a). Por fim, existe ainda a categoria da profecia complexa. Nela, h dois possveis focos: o futuro imediato, misturado com elementos escatolgicos (Jl 2.1-20). O que acontece no presente tempo tem alguma relao com o que ainda acontecer em outro tempo. Esse tipo de profecia tambm pode ser vista no Novo Testamento, quando Jesus fala, quase concomitantemente, da profecia da destruio da cidade de Jerusalm, ocorrida no ano 70 A.D. e a vinda do Filho do Homem (Jesus) no Julgamento Final (Lc 21.7-36). 75
Sugestes Hermenuticas Profecia o gnero literrio que, por causa da sua complexidade, exige leitura e estudo mais cuidadosos. No h lugar para a superficialidade. Esse princpio evidentemente deveria ser aplicado a qualquer leitura, desde um e-mail importante at qualquer outro texto, mas muito mais na palavra de Deus e mais precisamente ainda nos seus textos profticos. Lembrando sempre que a iluminao do Esprito Santo no dispensa a transpirao em nossos estudos e pesquisas. Por isso, a correta compreenso dos livros profticos exige tempo e estudo paciente; Existe necessidade de ajuda externa (Dicionrios e Comentrios Bblicos, Manuais Bblicos, Bblias de Estudo); Igualmente importante observar o contexto maior e o especfico. Para entender a profecia, altamente importante ter uma viso histrica da poca em que o profeta viveu e pregou, bem como era a situao poltica e teolgica do povo para quem era dirigida essa pregao; Fundamental, talvez um dos aspectos mais importantes, observar e detectar o cumprimento da profecia: literal ou imediato; espiritual/Cristo/era messinica; final ou celestial; Ainda que geralmente clara, no deixar de perceber a polaridade Lei (palavras de condenao) e Evangelho (palavras de salvao); Por fim, fazer aplicao sem forar respeitando o texto e o cumprimento das profecias, esclarecendo tudo o que o profeta disse e escreveu ao seu povo. Abaixo, um exemplo mais completo de uma interpretao e aplicao de um texto proftico.
75 Por um lado, menos de 2% da profecia do Antigo Testamento messinica; menos que 5% da era da Nova Aliana e menos que 1% diz respeito a eventos ainda vindouros (FEE e STUART, op. cit., p.154). 8.2 Exemplo de estudo num texto proftico - Jeremias 23.1-9 Autoria do livro Jeremias foi um sacerdote da cidade de Anatote (1.1). Deus o aconselhou a no constituir famlia, pois o julgamento divino alcanaria tambm a Jud (16.1-4). Embora o profeta tenha pregado a palavra do Senhor durante 23 anos, e em princpio ningum tenha sido convertido (25.1-4), ele tinha alguns amigos (26.24; 38.7-13; 36.15-18). Um em especial, Baruque (36.4-32; 45; 32.11-16; 43.6-7). O significado do nome de Jeremias incerto. Sugestes apontam para O Senhor exalta, ou O Senhor estabelece. Uma outra proposta assinala ainda como sendo O Senhor derruba. Eco, provavelmente da realidade hostil e ministrio difcil do profeta ou em decorrncia do julgamento divino que vai alcanar as naes (Jr 1.10). Jeremias comeou seu ofcio proftico por volta do ano 626 a.C. e se estendeu at 586 a.C. Foi contemporneo de Sofonias, Habacuque e talvez Obadias. Ezequiel comeou seu ministrio em 593 a.C. entre os primeiros exilados na Babilnia. Assim como Ezequiel, Jeremias tambm se utilizou de simbolismos para conduzir a mensagem do Senhor (13.1-11; 19.1-12; 27; 43.8-13). O significado simblico tambm pode ser encontrado em algumas recomendaes que o profeta recebeu do prprio Senhor (16.1- 9; 36.6-15). Tambm recursos visuais eram usados por Jeremias (18.1-10; 24). No se sabe ao certo a data da morte do profeta, mas uma tradio judaica reporta esse acontecimento como tendo ocorrido no Egito e por apedrejamento (cf. Hb 11.37). Contexto Histrico Jeremias iniciou seu ofcio proftico na metade do reinado de Josias (640-609 a.C.) e o continuou durante outros reinados. Foi um tempo de muitas turbulncias polticas. Na poca surgiu o imprio babilnico, que havia suplantado os assrios. Egito procurou a libertao da Assria. O rei Josias tentou impedir esse avano e acabou sendo morto (2 Cr 35.20-27). Em 605 a.C. os egpcios foram derrotados pelos babilnios, atravs de Nabucodonosor (Jr 46.2). Nesse mesmo ano os babilnios comearam a oprimir os habitantes de Jerusalm, levando inclusive os primeiros cativos (Dn 1.1-6). Mais tarde, em 598-597 a.C., outro ataque e mais exilados foram levados Babilnia (Jr 24.1). A queda definitiva de Jerusalm foi em 586 a.C. (Jr 38.28; 2 Rs 25.8-17). A razo desta queda est escrita: o pecado do povo de Deus (Jr 13.24-27; Ez 39.23). As profecias de Jeremias Um profeta no Antigo Testamento fala em nome do Senhor sobre o presente, coisas que em breve iro acontecer e outras num futuro mais distante. Com Jeremias tambm foi assim. Ele prega para o seu povo se arrepender (Jr 2), mas tambm fala sobre profecias que se cumpriro num curto espao de tempo (Jr 20.4-5; 25.11-14; 27.19-22; 29.10 -> 597 a.C. 2 Rs 24.13), outras num espao de tempo um pouco maior (Jr 52.17-23 -> O retorno do exlio Ed 1.7-11) e finalmente algumas predies que se cumpriram no perodo messinico (Jr 23.5-6; 30.8-9; 31.31-34; 33.15-16). O contexto da pregao de Jeremias Jeremias foi chamado pelo Senhor para combater o pecado do povo de Deus e conclamar para que este se volte outra vez a Deus (Jr 7.8-10; 16.10-13; 22.9; 32.29). Apesar da vida pecaminosa, Jeremias orava por eles (Jr 14.7,20), ainda que contra a prpria vontade de Deus (Jr 7.16; 11.14; 14.11). Compreenso do texto vv.1-2: A situao era deprimente em Jud (Jr 10.21). O rebanho estava corrompido. Governantes e pessoas (2.8; 4.22; 10.14,21). Enquanto o primeiro versculo resume a situao do povo, no segundo o Senhor declara sua inteno em julgar os maus governantes e lderes de Jud (Ez 34.4), trazer de volta do exlio (vv.3-4; 7-8) e estabelecer o rei davdico ou messinico (vv.5-6). v.3: Haver um restante fiel e Deus anuncia sua fidelidade ao plano original da criao (Gn 1.28). v.4: A ausncia de pastores que cuidem adequadamente seu rebanho, deixa-o sob o perigo de ataques de animais ferozes (Ez 34.8). Mas o Senhor acalmar o povo estabelecendo pastores segundo o seu corao (Jr 3.15; 1 Sm 2.35). v.5: Uma das mais importantes profecias messinicas em Jeremias (cf. 33.15-16). O Messias, diferente de qualquer outro descendente de Davi, ser o Rei ideal. Nele estaro presentes todas as qualidades e infinitamente superiores a qualquer outro rei. Renovo Justo um ttulo messinico e uma parfrase aramaica o substitui por Messias (Is 4.2; 52.13). v.6: O rei Ezequias, cujo nome significa O Senhor minha justia, no viveu o que seu nome denotava. Porm, Jesus, o Messias, tornar possvel a salvao e a segurana do povo. vv.7-8: Ecos de Jr 16.14-15. a afirmao das promessas do retorno do exlio. O Senhor convida seus filhos a olhar para trs e lembrar os feitos salvadores do Senhor no passado, para olhar para frente vivendo com esperana e f. Aplicaes Independente da realidade, Deus continua enviando profetas segundo o seu corao para derrubar e levantar, pregar Lei e Evangelho; O Senhor cumpriu as suas promessas de retorno do povo do exlio, restaurando- lhes a sua sorte (Jr 31.23-25), bem como seu compromisso da nova aliana em Jesus Cristo (Jr 31.31-34), o pastor em quem h perdo, segurana e apoio (Jo 10); Pregar Jesus Cristo a tarefa dos profetas hoje. Para quem ouvir, a pedra angular, para quem rejeitar, pedra de tropeo (Lc 2.34; 20.17-18; 1 Pe 2.6-8). A misso da igreja continua a ser em derrubar e levantar, mas acima de tudo pregar a obra prpria de Deus: a sua misericrdia em Jesus Cristo. 8.3 Apocalipse Ler e interpretar Apocalipse como entrar num pas estrangeiro. Sua linguagem e formato so nicos. No h histrias ou provrbios, mas anjos, trombetas, terremotos, selos, drages, nmeros. Em termos fundamentais esse gnero no diferente da narrativa, mas existe principalmente o problema do referente para o que relatado, geralmente em formato de cdigos. O termo apocalipse tem sido muitas vezes relacionado a fim do mundo. De certa forma e em certo sentido o termo tem de fato relao com o fim da histria, pois os livros que se encaixam nesse gnero, descrevem, pelo menos em parte, o final da histria e inclusive com caractersticas violentas. Porm, sem desconsiderar esse aspecto, a palavra tem um significado bem mais simples. Sua origem est no termo grego apocalipsis, e cujo significado descobrir ou desvendar, ou ainda simplesmente revelar. Essa a primeira palavra do livro e por isso algumas verses da Bblia trazem ao invs de Apocalipse, o ttulo Revelao. No livro de Apocalipse est descrito o momento em que o cu se abre e Deus mostra o que est guardado para o futuro, imediato e mais longnquo. Nessa revelao, Deus tanto revela quanto oculta quando fala atravs das suas figuras apocalpticas. Ele nos informa exatamente, no precisamente. Ele nos d os pontos bsicos, ma sno todos os detalhes. 76
Caractersticas de Apocalipse Apocalipse uma literatura, como o prprio ttulo j sugere, com caractersticas apocalpticas. H alguns livros e trechos no Antigo Testamento que so muito semelhantes ao ltimo livro da Bblia, por ser enquadrarem dentro desse tipo de literatura. Os captulos 7- 12 do livro de Daniel, Zacarias, Joel, Isaas 24-27, so alguns exemplos. H caractersticas comuns com outros apocalipses: a expectativa do tempo em que Deus daria um fim violento e radical na histria; vises, sonhos, linguagem enigmtica, smbolos; figuras estranhas (besta com 10 chifres 13.1; gafanhotos com caudas de escorpies 9.10); uso simblico dos nmeros e assim por diante. Esse uso de imagens
76 LONGMANN III, 2003, p. 229 pode at perturbar. O prprio profeta Daniel ficou e teve dificuldades na interpretao das imagens descritas em Daniel 7 (Dn 7.14-15). Porm, uma caracterstica diferencia a literatura apocalptica geral do Apocalipse cannico: o autor identificado. Revelao de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por intermdio do seu anjo, notificou ao seu servo Joo (1.1); Eu, Joo, irmo vosso e companheiro na tribulao, no reino e na perseverana, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus (1.9). Apocalipse tambm vem no formato de Profecia, pois possui tanto elementos contemporneos (as 7 igrejas sofrendo perseguio), bem como de futuro imediato e escatolgico (1.3; 22.18-19). Tambm o tom de carta perceptvel, porque h um elemento ocasional e bem elaborada (1.4-7; 22.21). Interpretao de Apocalipse Para uma interpretao adequada do livro que fecha o cnone bblico, o leitor e intrprete deve reconhecer o carter distinto da forma literria desse livro. Como caracterstico da literatura apocalptica, a caracterstica principal e que perpassa todo o texto o uso muito freqente do simbolismo. Alguns dos smbolos at podem ser considerados como bizarros. O aspecto dos gafanhotos era semelhante a cavalos preparados para a peleja; na sua cabea havia como que coroas parecendo de ouro; e o seu rosto era como rosto de homem; tinham tambm cabelos, como cabelos de mulher; os seus dentes, como dentes de leo; tinham couraas, como couraas de ferro; o barulho que as suas asas faziam era como o barulho de carros de muitos cavalos, quando correm peleja; tinham ainda cauda, como escorpies, e ferro; na cauda tinham poder para causar dano aos homens, por cinco meses (9.7-10). H um detalhe no prprio livro que essencial para auxiliar na interpretao: o prprio livro fornece pistas do seu carter simblico e dicas para sua interpretao. Apocalipse 1.12, 16 Apocalipse 1.20 Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi sete candeeiros de ouro; Tinha na mo direita sete estrelas, e da boca saa- lhe uma afiada espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua fora. Quanto ao mistrio das sete estrelas que viste na minha mo direita e aos sete candeeiros de ouro, as sete estrelas so os anjos das sete igrejas, e os sete candeeiros so as sete igrejas. Ainda que isto no ajude a esclarecer tudo, essa informao importante para criar no leitor e intrprete o pressuposto de que preciso cuidar com o simbolismo do livro. Talvez por causa desse distintivo carter de uso de smbolos e nmeros, no de se admirar que haja diferentes formas de interpretar o livro de Apocalipse. possvel que os leitores originais tenham entendido a mensagem sem grandes dificuldades, porm, hoje, h pelo menos quatro linhas interpretativas do livro. 8.3.1 Linhas interpretativas do Apocalipse H pelo menos quatro linhas interpretativas do livro de Apocalipse e que sero esboadas abaixo. O objetivo familiarizar-se como as diferentes vises existentes, bem como obter um esprito crtico construtivo ao se aproximar do ltimo livro do cnone bblico. Preteristas Os intrpretes preteristas entendem o livro de Apocalipse em termos de contexto histrico do primeiro sculo. Sua argumentao de que a maioria dos eventos descritos j tiveram seu cumprimento plenamente realizado, especialmente na queda de Jerusalm em 70 A.D., ou na queda de Roma em 476 A.D. O ponto fraco dessa interpretao que difcil imaginar que Joo no tenha recebido em sua viso, a derrota completa do mal e o reino eterno do Senhor Jesus. Futuristas Essa linha de interpretao tambm chamada de escatolgica. A nfase maior est na vitria final de Jesus Cristo sobre as foras do mal. Em outras palavras, muitos futuristas [nem todos] entendem a partir de Apocalipse 4.1, Depois destas coisas, olhei, e eis no somente uma porta aberta no cu, como tambm a primeira voz que ouvi, como de trombeta ao falar comigo, dizendo: Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas, que o contedo do livro pertence a um tempo ainda por acontecer. A fraqueza desta posio o fato de que no haveria nenhum significado particular para aqueles que o livro originalmente endereado. Haveria pouco conforto para um cristo perseguido do primeiro sculo, que a vitria de Cristo e a punio do inimigo seriam apenas num futuro distante. Idealistas Essa a posio que interpreta o livro de Apocalipse apenas simbolicamente. No haveria eventos especficos, mas as descries seriam verdades atemporais, mas que afirmariam a vitria do bem sobre o mal. Assim, Apocalipse seria um poema teolgico que coloca em relevo a luta entre o reino da luz e o reino das trevas. Esse tipo de leitura minimiza e at exclui, como foi prprio da interpretao alegrica no perodo medieval, do fato histrico do texto. Isto at pode ter sentido, na medida que o livro est repleto de smbolos, porm a fraqueza est no fato de que nega qualquer cumprimento histrico especfico. Histricos Em essncia essa posio entende que Apocalipse descreve um longo ciclo de eventos histricos desde Patmos, local onde Joo recebeu a revelao, at o fim dos tempos. Enquanto o preterista coloca o livro inteiramente no perodo histrico em que foi escrito, o intrprete histrico o v como uma previso de fatos no curso da histria at o fim. Essa a interpretao que tem tido mais preferncia. Porm, importante observar que as vises em Apocalipse no podem ser explicadas como sucessivas e cronolgicas, pois s vezes h diferentes aspectos sendo discutidos num mesmo perodo. Algumas recomendaes A principal recomendao talvez seja a de que o livro de Apocalipse no pode ser lido sem ter Jesus Cristo como centro. Sempre h aqueles que reivindicam ter encontrado a chave hermenutica para o livro de Apocalipse, de forma especial para todos os smbolos e nmeros. Porm, se nessa interpretao no est Jesus Cristo, ento h algo errado. Foi o prprio Filho de Deus que j havia fornecido a chave hermenutica para seus discpulos. Desde o Antigo Testamento as Escrituras apontam para Cristo e ele que precisa ser anunciado (Jo 5.39). No caso de Apocalipse, se por um lado Jesus revela, por outro ele parece paradoxalmente ocultar verdades que os cristos anseiam em saber, especialmente maiores detalhes sobre a volta do Salvador, ou ainda sinais mais claros indicando a proximidade de sua vinda. Por isso, ao ler Apocalipse talvez o outro conselho seja em ver o que este livro no , a saber, revelador de detalhes ou a interpretao de cdigos secretos sobre Deus e as foras do mal. O que Apocalipse , na realidade, um texto confortante que nos assegura que neste mundo perverso, no importa poca ou lugar, j h um vencedor, Cristo Jesus. E independente de tempo ou lugar, a igreja e os cristos individualmente vivem na poca que antecede volta de Cristo. Desde a ressurreio at os dias de hoje h guerras, terremotos, falsos cristos e homens inquos se apresentando, mas tudo isto para lembrar que estamos vivendo entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Isto explica o penltimo versculo do livro: Aquele que d testemunho destas coisas diz: Certamente, venho sem demora. Amm! Vem, Senhor Jesus! (Ap 22.20). O propsito de Apocalipse trazer conforto e esperana ao povo de Deus que milita nesse mundo de dor e problemas, mas que tem assegurado que o controle est nas mos do Senhor Jesus. Por isso, bem-aventurados aqueles que lem e aqueles que ouvem as palavras da profecia (Ap 1.3), pois sero confortados no presente e sero alimentados com confiana e esperana para o futuro. Algumas pistas para ler e interpretar Apocalipse Seja paciente. A correta compreenso de livros profticos exige tempo e estudo tranqilo, isto tambm recomendado em Apocalipse, afinal, seu estilo varia entre literatura apocalptica, epstola e profecia; Seja observador. Verifique o contexto histrico original: inteno original do autor, propsito e circunstncias originais da carta; Seja reservado. Apocalipse usa muitas figuras e nmeros. Ambos parecem ter uma mensagem clara e exata, mas so smbolos e precisam ser vistos luz de bons Comentrios Bblicos e Bblias de Estudo. Seja Cristocntrico. Observe como Cristo apresentado e de que forma, e nas circunstncias atuais, esse texto pode gerar conforto e esperana. Em fim, considere o fato que o Apocalipse em si suficiente para entender, mas no ignore o princpio da Escritura se interpretando a si mesma, ou seja, quando h passagens obscuras, preciso buscar sua compreenso em outras partes da Bblia. Vale ainda o cuidado com as figuras de linguagem, pois algumas so identificadas, outras no 77 . 8.4 Atividades de auto-estudo 1. Profecia um gnero literrio com algum grau de complexidade na leitura e interpretao. Um dos passos para facilitar a compreenso identificar se a profecia se refere a uma pregao dos profetas aos seus contemporneos, est relacionada a um futuro imediato, prolptica ou escatolgica. Descreva seu entendimento sobre o assunto e fundamente suas reflexes. 2. H pelo menos quatro linhas interpretativas do livro de Apocalipse e que foram apresentadas neste captulo. Preteristas, Futuristas, Idealistas e Histricos. Depois de familiarizar-se com as diferentes vises existentes, que avaliao pode ser feita? Faa uma avaliao fundamentada sobre suas concluses em aproximadamente 8 a 10 linhas. 3. H vrias recomendaes a serem seguidas na hora de ler textos profticos. Porm, qual um conselho muito importante a seguir na leitura desse gnero literrio e notado no contedo deste captulo? a. Ler com um bom dicionrio;
77 Em geral existe concordncia com o significado dos smbolos e nmeros usados no livro de Apocalipse. b. Ler especialmente com tempo e estudo paciente; c. Prestar ateno nas metforas; d. Ler com vrias alternativas de traduo. Resposta b 4. Qual o sentido de profecia na Bblia? Sobre o que os profetas falavam? (Se voc precisar, leia 1 Co 14.3, que fornece uma boa dica). a. Os profetas falavam to somente do futuro; b. Os profetas falavam do passado e do futuro; c. Os profetas pregavam a Palavra, exortando, edificando e consolando. Falavam do presente e do futuro; d. Os profetas pregavam apenas para seus contemporneos. Resposta c 5. Um diferencial que chama a ateno no livro de Apocalipse especialmente sua linguagem e formato que so nicos. No h histrias ou provrbios, mas anjos, trombetas, terremotos, selos, drages, nmeros. Que recomendao especial se aplica diante disto e que no pode ser esquecida? a. Seja Cristocntrico. O prprio Salvador Jesus afirma que as Escrituras apontam para ele. Por isso observe como Cristo apresentado e de que forma, e nas circunstncias atuais, como esse texto pode gerar conforto e esperana. b. Considere o fato que o Apocalipse em si suficiente para entend-lo, mas no ignore o princpio da Escritura se interpretando a si mesma, ou seja, quando h passagens difceis de entender, preciso buscar sua compreenso em outras partes da Bblia. c. Seja reservado. Apocalipse usa muitas figuras e nmeros. Ambos parecem ter uma mensagem clara e exata, mas so smbolos e precisam ser vistos luz de bons Comentrios Bblicos e Bblias de Estudo. d. No seja curioso. Apocalipse no um revelador de detalhes ou com cdigos secretos sobre Deus e as foras do mal; e. Todas as recomendaes acima se aplicam na leitura e interpretao de Apocalipse. Resposta e Referncias Bibliogrficas do Captulo FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? 2 Ed. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008. KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii. So Paulo: Cultura Crist, 2002. LONGMANN III, Tremper. Lendo a Bblia com o corao e a mente. Traduo de Roselene Domingos Sant`Anna. So Paulo: Cultura Crist, 2003. MOUNCE, Robert H. The Book of Revelation. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1977.
9. Gneros Literrios na Bblia Poesia e Sabedoria Hebraica Introduo O gnero literrio mais comum da Bblia a narrativa. Porm, a poesia tambm um gnero bem proeminente nas Escrituras Sagradas. Em torno de 1/3 do Antigo Testamento escrito em forma potica e principalmente nos Salmos que esse tipo de literatura encontrado. Contudo, esse gnero tambm pode ser percebido no livro dos Provrbios, em outros livros de sabedoria e mesmo no Novo Testamento. Citaes de poetas antigos (At 17.28; 1 Co 15.33; Tt 1.12); hinos dos primeiros cristos (Fp 2.5-11; 1 Tm 3.16; 2 Tm 2.11- 13); modelos poticos do Antigo Testamento (Lc 1.46-55; 1. 68-79; 2.14; 2.29-32) e estilos de poesia (Lc 13.34-35; Jo 14.1-7), canes e imagens de Apocalipse (Ap 4.8,11; 5.12-13; 7.15-17; 11.17-18; 15.3-4; 18.2, 14-24; 19.6-8). interessante notar que somente em sete livros do Antigo Testamento no h qualquer texto potico: Levtico, Rute, Esdras, Neemias, Ester, Ageu e Malaquias. 78
9.1 Poesia: algumas caractersticas Apesar de toda variedade de tradues dos textos bblicos e conhecimento acerca de textos poticos, h importantes implicaes hermenuticas em conhecer caractersticas especiais da poesia bblica. Deus inspirou os escritores poticos e estes retrataram em palavras ao prprio Deus e como so os seres humanos, especialmente em relao aos seus sentimentos e emoes. Tremper Longman III sugere um teste para se compreender de forma mais precisa o impacto de uma histria bblica ser descrita em forma potica. A leitura do texto de xodo 14 descreve em tom narrativo a perseguio sofrida por Israel, culminando com a passagem pelo Mar Vermelho e a derrota dos egpcios. J em xodo 15, esse mesmo episdio descrito de forma potica. 79
O fato que a poesia bblica possui caractersticas especiais e que devem ser notadas para uma leitura e interpretao saudveis. Uma das marcas importantes da poesia hebraica o paralelismo. Paralelismo O paralelismo hebraico caracterizado por uma correspondncia entre as proposies. Nesse caso o pensamento de cada parte de uma unidade potica est inter- relacionado. Por exemplo, o Salmo 117.1: Louvai ao SENHOR, vs todos os gentios,
78 KAISER, op. cit., p. 82 79 LONGMAN III, op. cit., p. 146 louvai-o, todos os povos. Aqui h um relacionamento encontrado nas duas linhas: louvai/louvai; SENHOR/o; todos/todos; gentios/povos. H basicamente trs tipos de paralelismo: sinnimo, antittico e sinttico. No sinnimo a segunda linha de forma prtica repete essencialmente a idia apresentada na primeira linha, sem qualquer acrscimo especial ou eliminao de pensamentos (Sl 148.1; Pv 1.20; Gn 4.23; Lc 1.46b-47a). J no paralelismo antittico o pensamento da segunda linha apresenta uma idia contrastante quela da primeira linha. Os exemplos mais freqentes esto em Provrbios (Pv 10.1; 27.6; cf. Salmo 1.6). O terceiro tipo de paralelismo o sinttico. Nesse caso o pensamento ou significado da segunda parte fornece um pensamento adicional primeira parte (Salmo 42.9; 148.7- 12). Vale observar que o paralelismo aparece como a caracterstica principal da poesia hebraica, mas existem aqueles poemas em que no h paralelismo e se houver, quase imperceptvel. Kaiser cita como exemplo o livro de Lamentaes de Jeremias, que, das 266 linhas, 104 no apresentam nenhum paralelismo. 80
Recursos Retricos Uma outra particularidade da poesia hebraica a riqueza no uso de imagens e figuras de linguagem. Essas podem ser designadas como recursos retricos e que por sua vez podem ser segmentadas em quiasmo, simbolismo emblemtico e paralelismo climtico. Quiasmo um recurso literrio usado pelos escritores bblicos e que possui esse nome por causa da letra chi do alfabeto grego e cujo correspondente no alfabeto portugus o x. Nesse caso h um cruzamento e inverso de palavras e sentenas no texto. Na verdade esse mtodo tambm pode ser notado no Novo Testamento, em Romanos 10.9-10: Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu corao, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, sers salvo. Porque com o corao se cr para justia e com a boca se confessa a respeito da salvao. No caso da poesia hebraica um exemplo pode ser o Salmo 19.2: Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. O simbolismo emblemtico o tipo de paralelismo em que o enunciado ilustrado figurativamente. Como jia de ouro em focinho de porco, assim a mulher formosa que no tem discrio (Pv 11.22; cf. ainda Pv 25.25 e Salmo 42.1). O paralelismo climtico, que tambm chamado de paralelismo de escadaria, quando o poeta faz uma repetio de palavras, de forma que colocada em relevo a beleza esttica do texto. Cantai ao
80 KAISER, op. cit., p. 84 SENHOR um cntico novo, cantai ao SENHOR, todas as terras (Salmo 96.1; cf. ainda Salmo 92.9 e 93.3). 9.2 Os Salmos Como j foi visto acima, a poesia est presente em quase toda a Escritura Sagrada. Porm, possvel que nos Salmos que ela tenha mais leitores. Os salmos da Bblia hebraica tm fascinado os leitores de todos os tempos. Os salmos servem de base para as liturgias e hinos, tanto judaicos como cristos e oraes do povo de Deus. O propsito desta parte no exibir todos os detalhes e riquezas desse gnero literrio, mas pelo menos identificar traos diferenciados nos salmos e entre os salmos. A Bblia palavra de Deus. Palavra de Deus para as pessoas. Salmos so palavras de Deus, para serem faladas para Deus. So hinos, cnticos, oraes. Os propsitos dos salmos so servir como auxlio para o povo de Deus se expressar diante dele atravs de emoes e sentimentos, tais como: alegrias, tristezas, sucessos, fracassos, esperanas, lamentos, pecados. H tambm aqueles salmos considerados como didticos, que convidam o leitor a considerar os caminhos do Senhor. Salmos so poemas, poemas musicais. Visam facilitar a memorizao e tm como alvo construir um dilogo entre Deus e as pessoas. Os Salmos esto designados para orientar para a adorao e aproximao de Deus, de como podemos ter um relacionamento honesto com Deus e mostrar a importncia da reflexo e da meditao, do cntico litrgico, individual ou coletivo, sobre as coisas que Deus fez e est realizando pelo seu povo. Consideraes para interpretao Com certeza um dos propsitos dos Salmos evocar sentimentos, emoes. Estimular uma resposta do indivduo, alm do entendimento cognitivo. Porm, preciso cuidado ao ler e interpretar um salmo. Eles no podem ser lidos primariamente com a inteno de extrair doutrinas, mas como o prprio Cristo j deixou claro, conduzir o leitor ao Autor e Consumador da f, o salvador Jesus (Hb 12.2). A seguir, Jesus lhes disse: So estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim est escrito na Lei de Moiss, nos Profetas e nos Salmos (Lc 24.44). H tambm diferentes tipos de salmos, o que exige ateno para facilitar a leitura e a interpretao. Uma anlise do contedo prov uma classificao dos diferentes tipos de salmos, o que pode ser til para o seu estudo. Tipo do Salmo Exemplos de Salmos com essa caracterstica Oraes individuais 3, 31, 39 Oraes coletivas 12, 44, 80 Salmos de Ao de Graa individuais 18, 30, 34 Salmos de Ao de Graa coletivos 65, 67, 75 Hinos de Louvor a Deus 8, 19, 29, 66, 103 Salmos da histria da salvao 78, 105, 106, 135, 136 Salmos de celebrao e afirmao (compromisso com Deus e entronizao de reis) 50, 81, 45, 72 Salmos de sabedoria ou cnticos didticos (instruo) 1, 34, 36, 37, 73, 112, 119, 128, 133 Cnticos de confiana 40, 62, 63 Salmos penitenciais (reconhecimento da condio de pecador) 6, 32, 38, 51, 102, 130, 143 Salmos imprecatrios ( a verbalizao da ira. Deus escuta as palavras zangadas, sinceras e honestas do seu povo) Sl 137.7-9; 140 Salmos acrsticos (cada versculo comeando com uma letra do alfabeto hebraico - de A a Z) 9, 10, 25, 34, 37, 111, 112, 119, 145 Cantos litrgicos 15, 24, 68 Algumas vezes importante, quando possvel, identificar o autor do salmo em seu contexto histrico. Em certos salmos essas referncias histricas podem estar no prprio ttulo das Bblias em Portugus, outras vezes exige estudo adicional em literatura prpria. O Salmo 142, por exemplo, identificado como uma orao no meio de grande perigo e algumas bblias nomeiam esse momento como sendo o de Davi na caverna (1 Sm 24.3), quando fugia de Saul. Outras vezes as bblias trazem referncias de texto paralelas, como o caso do Salmo 105 (1 Cr 16.7-22). Abaixo, um exemplo de tentativa em identificar o contexto histrico do Salmo 16, que geralmente identificado nas edies em lngua portuguesa como sendo um Hino de Davi. Em que situao especial pode ter levado Davi a compor esse hino? 9.2.1 Salmo 16: Um exemplo de considerao sobre o contexto histrico de um salmo A ocasio especfica que Davi se encontrava ao escrever esse Salmo desconhecida. O mximo que se pode fazer mencionar algumas possibilidades, mas que podem servir de auxlio para o compreendermos mais acuradamente. A primeira possibilidade quando a cidade de Ziclague foi saqueada pelos Amalequitas (1 Sm 30). Pelo menos duas coisas muito significativas abateram a Davi: sua famlia foi levada cativa e o povo o responsabilizou por essa tragdia, a ponto de quererem apedrej-lo. Naquela ocasio Davi confessou que s o SENHOR o poderia devolver a segurana (1 Sm 30.6). No Salmo 16 Davi professa sua f de que o SENHOR o seu nico bem (v.2). Uma outra alternativa considerar o contexto da profecia de Nat em 2 Samuel 7. Alguns afirmam que Davi pode ter estado numa situao de doena terminal e consideram essa possibilidade bem consistente, especialmente por causa da omisso de qualquer referncia a inimigos ou tempos de tribulao, a maturidade de sua f, pela sua calma diante da possvel morte, a aceitao da vontade de Deus e, sobretudo, pela profecia messinica nos vv. 9-11. Ainda possvel considerar, ainda que remotamente, baseando-se especialmente no v. 4, que Davi pode ter sofrido a tentao da idolatria (1 Sm 27), na terra dos Filisteus. Seja qual for a opo que tomarmos, a conexo entre as trs possibilidades parece dizer algo a respeito do conselho ou Mandamento no sentido de se aceitar toda e qualquer situao, independente do grau de dificuldade e contrariedade. 9.3 Sabedoria Hebraica Jesus Cristo designou o Antigo Testamento como sendo Lei, Profetas e Salmos (Lc 24.44). Os judeus tambm incluam os Escritos, cujo contedo nessa classificao so os textos de sabedoria, como J, provrbios e Eclesiastes. Esses livros de sabedoria so associados com uma classe de pessoas denominadas como sbios (Jr 18.18). Esses sbios eram chamados para aconselhar reis e instruir jovens. No caso especfico da sabedoria, o princpio que esta foi adquirida em grande parte por meio da experincia e reflexo nos caminhos de Deus. Por isso envolve a disciplina de aplicar a verdade vida, luz da experincia adquirida. O que importante notar que o livro de Provrbios subordina seus conselhos adquiridos com a vida, sabedoria e inspirao de Deus. Caractersticas A caracterstica principal dessa literatura a utilizao de paralelismos sinnimos (Pv 7.4) e antitticos (Pv 10.1). Tambm existem acrsticos (Pv 31.10-31) e seqncias numricas (Pv 30.15-31 cf. Am 1.9). A sabedoria no abrange a totalidade da vida, h questes teolgicas que devem ser vistas luz de outros textos, mas ela cobre uma vasta gama de orientaes para a existncia humana. Provrbios so afirmaes breves e que visam facilitar a memorizao e a aplicao vida no seu dia a dia. Esse tipo de literatura encontrado em praticamente todas as partes da Bblia e podem ser classificados como: ditado (Pv 14.31); enigma (Jz 14.14,18; 1 Rs 10.1; Ap 13.18); alegoria (Mt 5.13; Pv 5.15-23; Ec 12.1-7); admoestao (Pv 23.3); dilogo (J; Pv 5.12-14; 7.13-21; 8.4-36) Alguns escritos so considerados como sendo otimistas, como no caso do livro de Provrbios, que exalta o caminho de uma vida prspera e feliz, e que tambm so chamados de sabedoria proverbial. Outros carregam um tom mais pessimista, J e Eclesiastes, pois lidam com questes teolgicas difceis, como por exemplo, o problema da existncia do mal e a prosperidade dos maus (Salmo 37, 73). Esses tambm so designados como sabedoria especulativa. Interpretao De forma geral, como acontece com a maioria dos gneros, preciso usar o contexto, quando este til, para interpretao dos textos de sabedoria. Quando este incerto, a recomendao o bom senso e recorrer ao princpio de que a Escritura interpreta a si mesma, ou seja, buscar em outras partes da Bblia a clarificao de textos. Outro detalhe que este livro est destinado a instruir e orientar queles que j esto na f em Jesus Cristo. De fato entre todos os livros da Escritura Sagrada, talvez seja o livro de Provrbios que mais oferece conselhos para a prtica da vida crist (Pv 25.17;18.13;11.30). Ele est destinado a ensinar sabedoria. O livro opera com pelo menos trs pressuposies bsicas e que precisam ser observadas ao l-lo. Trs pressuposies para ler Provrbios A primeira pressuposio a capacidade inata do ser humano em pensar e agir. O autor formula princpios de conduta para seu interesse e da sociedade de maneira mais ampla. Mesmo afetado individualmente pelo pecado dos primeiros pais, o Criador lhe dotou com capacidades racionais para produzir o que lgico, comprovado na prtica, mas submetido acima de tudo vontade de Deus. A segunda pressuposio a de que o livro deixa claro que o homem completamente dependente de Deus. Por mais esperto que seja, ele no est apto a determinar o curso de sua vida. Por melhor que seja seu refletir, os passos do homem esto ordenados por Deus. O corao do homem traa o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos (Pv 16.9;20.24;19.21). A cada passo, Deus lhe pesa o corao. Todos os caminhos do homem so puros aos seus olhos, mas o Senhor pesa o esprito (Pv 16.2; 21.2) e o prprio livro recomenda reconhec-lo em todos os caminhos. Reconhece-o em todos os teus caminhos e ele endireitar as tuas veredas (Pv 3.6). Tambm preciso considerar que a prtica errada abominao ao Senhor (Pv 3.32; 6.16; 15.8-9) e a quebra das leis morais no ficam impunes (Pv 3.33;11.21). Onde est a esperana para quem quebra essa lei? Nisso est envolvida a terceira pressuposio. No livro de Provrbios, a Lei em termos de manter a disciplina externa e ensinar, predomina significativamente. Com isto pode se pressupor que essas palavras so dirigidas a filhos perdoados por Deus e que existe uma relao positiva entre ambos, com iniciativa do prprio Deus. Confia no Senhor de todo o teu corao e no te estribes no teu prprio entendimento (Pv 3.5; 10.3). Provrbios aplica os princpios gerais revelados a Moiss (Sl 103.7), a questes mais complexas da vida diria. 9.4 Atividades de auto-estudo 1. Tremper Longman III sugere um teste para se compreender de forma mais precisa o impacto de uma histria bblica ser descrita em forma potica. A leitura do texto de xodo 14 descreve em tom narrativo a perseguio sofrida por Israel, culminando com a passagem pelo Mar Vermelho e a derrota dos egpcios. J em xodo 15, esse mesmo episdio descrito de forma potica. Faa a leitura do mesmo episdio em tom narrativo e potico e escreva uma reao de algumas linhas sobre as diferenas notadas. 2. A Sabedoria trabalha com o princpio de que esta foi adquirida em grande parte por meio da experincia e reflexo nos caminhos de Deus. Por isso envolve a disciplina de aplicar a verdade vida, luz da experincia adquirida. O que importante notar, de forma especial no livro de Provrbios, de que este subordina seus conselhos adquiridos com a vida, sabedoria e inspirao de Deus. Faa uma descrio fundamentada sobre da sua compreenso sobre as necessrias pressuposies para ler o livro de Provrbios. 3. Os propsitos dos Salmos so principalmente para evocar sentimentos, emoes, estimular uma resposta do indivduo. Por isso, preciso cuidado ao ler e interpretar um salmo. Como eles devem ser lidos? Quais as alternativas abaixo se encaixam nas recomendaes? a. Eles no podem ser lidos primariamente com a inteno de extrair doutrinas; b. Eles devem ser lidos antes de mais nada com a inteno de extrair doutrinas; porque eles na verdade so ilustraes das doutrinas; c. Eles devem ser lidos, segundo o prprio ensino de Cristo, na perspectiva de conduzir o leitor ao Autor e Consumador da f, o salvador Jesus; d. Eles devem se lidos na perspectiva de ilustrar as doutrinas extradas em outros textos da Escritura; Resposta a e c 4. A sabedoria Hebraica (Eclesiastes, Provrbios) tem as suas particularidades. Basicamente so direes para o bom comportamento no dia a dia. H um detalhe significativo e que exige um cuidado especial a ser tomado quanto sua interpretao: a. Esses textos so basicamente evanglicos e retratam o que Deus fez por ns em Cristo Jesus; b. Eles so essencialmente ensino para os que j so cristos, a fim de que eles distingam o que certo e o que errado; c. Eles retratam especialmente a vida como ela , por isso o tom pessimista em seu contedo; d. Eles foram escritos para os no-crentes em Cristo emendarem suas vidas. Resposta b 5. Faa a devida correspondncia: a. Salmo 38; b. Salmo 145; c. Salmo 78; d. Salmo 73; e. Salmo 62 ( ) Salmo de sabedoria ou cntico didtico; ( ) Salmo Penitencial; ( ) Salmo Acrstico; ( ) Cntico de confiana; ( ) Salmo da histria da salvao. Seqncia correta : d; a; b; e; c Referncias Bibliogrficas do Captulo FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que Ls? 2 Ed. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 2008. KAISER JR., Walter C. e SILVA Moiss. Introduo Hermenutica Bblica. Traduo de Paulo Csar Nunes dos Santos, et alii. So Paulo: Cultura Crist, 2002. LONGMANN III, Tremper. Lendo a Bblia com o corao e a mente. Traduo de Roselene Domingos Sant`Anna. So Paulo: Cultura Crist, 2003.
10. Mtodos de Estudo Bblico Introduo Conhecer os princpios de interpretao bblica, separar Lei e Evangelho, identificar e perceber as diferenas da linguagem e dos gneros literrios, so algumas das facetas importantes na elaborao e conduo de um estudo bblico. Nesse ltimo captulo deste material a nfase ser sobre possveis mtodos que podem ser empregados no estudo da Bblia e a posterior proclamao e ensino. Ao contrrio dos princpios hermenuticos, que devem seguir padres mais rgidos, mtodos tm certa flexibilidade e de certa maneira at demandam alguma criatividade. O que so mtodos de estudo bblico? Literalmente mtodo tem o significado de seguir um caminho. Aqui mtodos aqui devem ser entendidos como linhas de orientao e sugesto, a fim de oferecer opes positivas para tornar o estudo bblico cada vez mais estimulante e acima de tudo proveitoso. O objetivo desse tpico que o aluno se familiarize com alguns dos possveis caminhos a escolher na hora de selecionar uma forma de elaborao e comunicao do estudo bblico. 10.1 Estudo de um grupo de versculos 81
Escolher, analisar e explicar um grupo de versculos (tambm chamado de percope) um tipo de estudo bblico tambm denominado de estudo analtico. Esse mtodo conduz ao exame minucioso e cuidadoso de um trecho bblico. Nunca demais lembrar que preciso observar os contornos do texto, o que vem antes e o que segue, a fim de contextualizar adequadamente a passagem e no incorrer no equvoco de extrair ensinos bblicos fora do seu contexto. Procedimentos sugeridos: a. Observar os contornos e o contexto em que aparece o texto selecionado; b. Ver outras tradues disponveis (Bblias de Estudo); c. Como esse texto encaixa no todo do livro e da Escritura; d. Listar palavras e pensamentos importantes, passagens paralelas, compreender o texto; e. Aplicar o texto observando a polaridade Lei-Evangelho.
81 O livro Mtodos de Estudo Bblico, de Walter A. Henrichsen, traduo de Odair Olivetti, So Paulo, Editora Mundo Cristo, 1997, pp.14-60, uma das referncias utilizadas nesse captulo e til para um aprofundamento no assunto.
10.2 Estudo Temtico O estudo temtico pode tanto se originar simplesmente de uma escolha de um tema de estudo, bem como de um versculo chave ou base que, sem desconsiderar o contexto, pode ser desdobrado e explorado luz de passagens bblicas de toda a Escritura Sagrada. Exemplo de um versculo: Orai sem cessar (1 Ts 5.17). Exemplo de um possvel tema de estudo: casamento. Os passos recomendados so: a. Definir o tema ou o versculo chave; b. Localizar e consultar passagens bblicas que tratam do assunto; c. Refletir o conceito bblico do tema e fazer a aplicao. 10.3 Estudo Doutrinrio Alguns preferem denominar esse tipo de estudo como estudo tpico. Nesse caso uma doutrina da Escritura (ensino) em particular escolhida e o assunto ampliado. Exemplos desses tpicos podem ser: justificao, f, graa, pecado, anjos. Algumas vezes esses assuntos aparecem em quase toda a Escritura e merecem uma delimitao em sua abordagem. Outras vezes o tema aparece mais reduzidamente e assim h possibilidade de exp-lo luz de toda a Bblia. Vale sempre lembrar, todo o assunto deveria ser visto luz de toda a revelao de Deus e no de maneira fragmentada. Abaixo esto os procedimentos sugeridos: a. Definir a Doutrina; b. Consultar um livro de sistemtica, ou dicionrio teolgico que trata do assunto; c. Comparar passagens bblicas e fazer a aplicao. 10.4 Estudo Biogrfico o estudo de um personagem bblico Esse tipo de estudo bblico interessante medida que podem haver surpresas ao sondar algumas atitudes e reaes de alguns personagens bblicos. Como no caso dos estudos tpicos, aqui tambm necessria, em alguns casos, uma boa delimitao para o contedo no ficar demasiadamente extenso. Alguns procedimentos indicados: a. Escolher o personagem (No, Abrao, Davi); b. Pesquisar o fundo histrico, textos mais interessantes, caractersticas, virtudes (pontos fortes), fraquezas (vacilos). 10.5 Estudo de um livro da Bblia completo Em certos casos at recomendvel que um livro bblico seja estudado do incio ao fim. Haver uma compreenso mais precisa, especialmente no caso das epstolas, mas tambm nos profetas do Antigo Testamento, visto que seu contedo est inter-relacionado em todo o livro. a. Leitura do texto completo; b. Averiguao e observao dos aspectos isaggicos do livro, ou seja, consultar com auxlio de uma bblia de estudo ou comentrio, detalhes sobre autoria, contexto histrico original em que o livro foi escrito, objetivos do autor, mensagem ou teologia do livro. Esse procedimento indicado na verdade para todos os estudos, mas de forma especial no caso de um livro inteiro da Escritura Sagrada. c. Fazer a leitura e explicar versculo por versculo (significado das palavras, aes, mencionar passagens paralelas, conectar o pensamento ao ensino do ensino central da Escritura. 10.6 Mtodo Devocional O mtodo devocional serve como uma alternativa adicional para preparar e conduzir estudos bblicos e no deixa de ser um caminho sugerido para a leitura particular da Bblia. A sugesto seguir quatro passos: 82
1.: Olhar com expectativa para a Palavra de Deus Sl 119.18; 1 Sm 3.9. Reverncia, f, submisso e orao pelo Esprito Santo (Jo 14.26); 2.: O que a Escritura est dizendo para mim? Seu ensino advertncia, chamado ao arrependimento, orientao, encorajamento? 3.: O estudo move orao pedindo f, e fora para colocar em prtica os ensinamentos; 4.: A ao: o que crer, o que saber, quem eu sou, o que fazer, o que Deus faz por mim. Deus Esprito Santo pode se valer deste tipo de exerccio para implantar a Palavra de Deus no corao dos que estudam e posteriormente dos ouvintes. 10.7 Um modelo de estudo bblico temtico - A Oferta Crist 83
Introduo Falar sobre oferta na Igreja Crist pode causar preocupaes. Pode at haver, mas no precisa e nem deveria. Oferta no falar de falhas, mas de liberdade. Tambm no questo de levantar culpas, mas de exaltar a graa, a graa de Deus (2 Co 8.1-3). Ofertar graa de Deus. um dom, mas h responsabilidades envolvidas e que precisam ser conferidas luz da palavra de Deus. a. Trs tipos de oferta Certa vez algum falou sobre esse assunto colocando trs possveis tipos de oferta que so feitas na igreja.
82 FEUCHT, Oscar. Learning to use your Bible. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1969, pp. 26-27. 83 Esse estudo foi baseado num recurso disponvel no endereo <www.lcms.org/stewardship> e o texto completo tambm est disponvel nesse site na lngua portuguesa. Primeira: a oferta bolsa de valores. Eu oferto como sendo um investimento do meu dinheiro e espero um retorno favorvel, ou a prosperidade. Nesse modelo, pode haver frustrao, pois as bnos de Deus so originadas da sua graa e no em realizaes humanas. Segunda: oferta condomnio. Esse tipo de oferta serve como um rateio das despesas da congregao. Faz se uma diviso do que custa a igreja. Nesse caso pode haver um provvel distanciamento dos membros da igreja, pois sequer deve se saber o porqu da sua existncia e a razo do ofertar. E terceira: a oferta segundo a palavra de Deus. A oferta em que sou movido pela gratido a Deus. Gratido pela salvao em Jesus Cristo e pelo po dirio, que envolve toda uma rede de acontecimentos provenientes da sua bondosa mo (tempo bom, colheita, emprego, paz) e pessoas (agricultores, trabalhadores, vendedores, governantes). Ofertar: esse assunto diz respeito a quem? O pronome ns de uso muito comum. Mas assim como tambm acontece com a salvao, isso diz respeito a mim. Robert Rosin escreve em um de seus artigos 84 que o falecido professor Deomar Roos pediu para escrever em sua lpide o texto de Isaas 43.1. Sua orientao era de que este texto deveria ser escrito em Hebraico, Portugus e Ingls. No entanto, ele pediu para que um detalhe fosse observado na escrita e que muito importante: chamei-te pelo teu nome, tu s meu. Eu sou um filho salvo de Deus e o assunto da oferta diz respeito a cada filho de Deus em especial, seja ele de muitas posses, ou de poucos bens. b. Princpios que orientam a oferta do cristo Sou uma criatura de Deus Creio que Deus criou a mim e a todas as criaturas, assim ns confessamos a nossa f baseada no Primeiro Artigo. No Salmo 139 ns lemos: Pois tu formaste o meu interior tu me teceste no seio de minha me. Graas te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras so admirveis, e a minha alma o sabe muito bem (Salmo 139.13-14). Esse o princpio fundamental. Deus o meu criador. Eu existo porque sou criatura de Deus e sou cuidado por ele desde o ventre materno. Tudo o que tenho e existe provm de Deus Logo no comeo da palavra de Deus, em Gnesis 1.1, sublinhada a verdade de que Deus o criador de todas as coisas, das visveis e das invisveis. Ele o criador e o proprietrio. Esse o princpio que nos faz ver a nossa existncia, nossos bens e tudo o que
84 ROSIN, Robert. Luther Discovers the Gospel: Coming to the Truth and Confessing the Truth. Concordia Journal, April 2006, p.150. nos rodeia (casa, apartamento, emprego, comida, automvel, trator, roupas) como pertencentes a Deus. Ele o dono, mas ele nos confiou esses e tantos outros bens para administr-los, visando o bem da sua criao e a glria de Deus. verdade, somos ns que trabalhamos para ganhar dinheiro e pagar pelo que temos, mas se olharmos para trs, vamos perceber que para que isso fosse possvel, fomos dependentes da sade, habilidades, oportunidades e tantos outros detalhes, que somente se tornam possveis, porque so bnos de Deus. Poderia se discutir aqui o porqu de Deus no abenoar a todos de forma igual. No precisamos muitas vezes olhar muito longe para notar que em nosso meio h pessoas com uma situao melhor do que a de outros. Talvez alguns at passando por necessidades. Mas o que importa que tendo muito ou pouco, vontade ou o suficiente, isso vem de Deus e a ns foi confiada a misso de administrar essas bnos. Essa responsabilidade de administrao j foi confiada humanidade antes da queda em pecado (Gn 2.15). Trabalho uma bno, embora o pecado o tenha tornado em algo pesado (Gn 3.17-19). O prprio Deus declara que ele o proprietrio de tudo o que existe nos cus e na terra (Salmo 89.11; 24.1). Foi nesta perspectiva que foram feitas as doaes para a construo e ornamentao do primeiro templo, construdo por Salomo (1 Cr 29.14). Houve generosidade na medida em que houve reconhecimento de que Deus foi generoso. Assim fizeram os Corntios (2 Co 8.1-7). Aqui tambm interessante observar que o apstolo tem uma palavra de advertncia muito sria sobre os prejuzos que o dinheiro pode causar (1 Tm 6.9-10). Porm, o apstolo Paulo tambm aconselha de maneira especial a Timteo sobre o que recomendar s pessoas que possuem mais condies financeiras (1 Tm 6.17-19). Riquezas tambm so proporcionadas por Deus e quando bem usadas, sero bnos que se multiplicam. A verdade que se os homens so inclinados por natureza a dividir ou a subtrair, Deus adiciona e multiplica (Mt 14.13-21) e esse seu pensamento que ele quer imprimir em nossos pensamentos. O desafio evitar a falsa noo de que somos proprietrios do que temos e deixar nos convencer por Deus de que somos administradores do que lhe pertence e assim lidar com o que temos e somos para causa de Deus e bno para outras pessoas (Ef 4.28; Salmo 67; 2 Co 9.6-15). Sou um filho regenerado de Deus Mas agora, assim diz o SENHOR, que te criou, Jac, e que te formou, Israel: No temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu s meu (Isaas 43.1-3). Eu perteno a Deus e como filho dele vou procurar entender qual a sua vontade para minhas atitudes e prticas, tambm na oferta crist (1 Co 6.19-20). Deus me criou e me resgatou e me deu uma nova vida em Jesus Cristo atravs do Batismo para ser seu filho. Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glria do Pai, assim tambm andemos ns em novidade de vida (Rm 6.4). Essa a passagem clssica e talvez a mais clara, para expor a nossa conexo no batismo morte e ressurreio de Cristo. O Esprito santo nos capacita a fazer o que agrada a Deus. No batismo somos ressuscitados a viver a nova vida em Cristo. E, assim, se algum est em Cristo, nova criatura; as coisas antigas j passaram; eis que se fizeram novas (2 Co 5.17). Porque pela graa que esto salvos, mediante a f. E isto no mrito vosso, dom de Deus. No vem das obras para que ningum se glorie. Pois somos obra das suas mos, criados em Cristo Jesus para vivermos na prtica das boas obras, as quais de antemo Deus preparou para ns (Ef 2.8-10). Essa a passagem que declara com toda clareza, que tudo isso no depende de ns ou de nossas obras, porque se assim fosse, nunca teramos certeza se praticamos o suficiente para sermos aceitos e salvos por Deus. Como confortador saber que a graa de Deus que nos abraa por inteiro e por ela somos salvos. Porm, h algo importante no v.10, ns fomos salvos de, mas tambm salvos para, ou seja, fazer boas obras a Deus e ser uma bno para outras pessoas. Sou um filho santo e pecador ao mesmo tempo Os mordomos de Deus se alegram e vivem segundo o que Deus declarou que eles so por meio da cruz do Senhor Jesus. Ao mesmo tempo, seus mordomos reconhecem que so pecadores em luta diria contra o pecado e suas conseqncias. Eu sou um filho resgatado por Deus, mas ainda pecador. O texto clssico que descreve essa luta diria entre o velho homem e o novo homem em Cristo Rm 7.18-25 (cf. tambm Gl 5.17). Mas, vejam com que amor o Pai nos amou, a ponto de sermos chamados filhos de Deus! E somos seus filhos realmente! por isso que o mundo no nos conhece, uma vez que no conhece a Deus. Queridos amigos, agora somos filhos de Deus, mas aquilo que havemos de ser ainda no totalmente claro. O que sabemos que, quando Jesus aparecer, havemos de ser iguais a ele, porque havemos de o ver tal como ele (1 Jo 3.1- 2). Esse um dos textos mais bonitos da palavra de Deus. Ser um filho de Deus a melhor coisa que poderia ter nos acontecido. O desafio continuar sendo um filho pela graa de Deus e ser fiel at no fim, para receber a coroa da vida [Ap 2.10b]. Por causa da tenso que existe na vida do cristo [santo em Cristo/pecador por natureza], a reao diante do ensino da oferta pode ofender nosso velho homem, a velha natureza pecaminosa. s vezes depende da maneira como o assunto apresentado e recebido, outras vezes preciso se voltar para Deus e reconhec-lo como doador de todas as coisas; O desafio apresentar o assunto da oferta crist de maneira clara e positiva, segundo a palavra de Deus, pois ofertar um dom, no uma obrigao e nem uma negociao; A minha motivao para toda a vida crist (tambm no ofertar) est na f em Jesus que atua pelo amor e gratido; A oferta faz parte da minha vida santificada, o que significa lembrar que nem todos esto no mesmo nvel de maturidade. Alguns esto apenas engatinhando como um beb, outros podem estar dando passos gigantescos, assim, no se deveria esperar que houvesse uma uniformidade na oferta entre todos os cristos. Sou um filho nico de Deus, mas um filho que vive numa comunidade de f Ns afirmamos no incio que a oferta um assunto de carter particular. Muitos at dizem que isso questo entre mim e Deus. Verdade. A oferta uma resposta pessoal, mas ao mesmo tempo feita dentro de uma comunidade em atividade. Os mordomos de Deus so parte do corpo de Cristo e esto ligados cabea, o prprio Cristo. Estamos juntos nessa. Num mesmo corpo h vrios membros e cada um tem a sua funo. Assim tambm ns, que somos muitos, formamos um s corpo em unio com Cristo e estamos unidos uns aos outros como membros do mesmo corpo (Rm 12.4-5). da natureza humana almejar o reconhecimento e louvor pessoal e individual e fazer o que parece ser o mais importante. Deus nos abenoou com diferentes dons e habilidades e ns servimos melhor e com mais alegria quando descobrimos quais so esses talentos e ento us-los fielmente. Aos olhos de Deus aquele que limpa bem o templo e cuida bem do seu patrimnio, to fiel quanto o pastor que realiza seu trabalho de maneira efetiva e fiel. Na Igreja trabalhamos juntos para o bem comum. As palavras de 1 Co 12.12-13 enfatizam que o corpo de Cristo uma unidade singular em muitas partes, assim como o corpo humano, com diferentes funes, mas trabalhando em conjunto para o bem-estar do corpo. O Esprito Santo opera em cada um e distribui esses dons conforme lhe apraz. Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graa de Deus (1 Pe 4.10; cf. ainda 2 Co 8.13-14; Dt 15.4-8; Gl 6.10). Os mordomos cristos so membros do Corpo de Cristo e esto na obra do reino juntamente com outros cristos e ofertar no significa simplesmente alcanar o oramento ou o objetivo financeiro de uma organizao, mas honrar ao Senhor e ser condutor de bnos para outras pessoas; Deus concede ddivas conforme a capacidade de cada um em administr-las; Ofertar um privilgio, graa de Deus, mas que tambm envolve a responsabilidade; Todas as reas da congregao precisam receber a ateno e todas as funes serem honradas. Um amado filho de Deus que ama Este princpio poderia de fato ser o fundamento dos outros princpios. O amor que Deus mostrou e continua a nos mostrar atravs do seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, que nos motiva a fazer as coisas certas pelas razes certas. A verdade expressa pelo apstolo Joo, inspirado pelo Esprito Santo, pode dar suporte para esse princpio e seu significado. O texto de 1 Jo 4.19 mostra de maneira clara que Deus deu o primeiro passo em nossa relao de f. Nossa capacidade de amar s existe porque Ele nos amou primeiro. Esse o amor incondicional e eterno. o amor que nos alcana no obstante nossa natureza pecaminosa. O apstolo Paulo diz isso de maneira parecida em Rm 5.8. O texto de 1 Jo 3.16-18 oferece um forte encorajamento para o amor mtuo, no somente em palavras, mas com aes. Entre outras coisas, essa passagem fala sobre o compartilhar de nossos bens materiais com aqueles em necessidade. A igreja primitiva chegou ao ponto de tomar do dinheiro medida que bens eram negociados e coloc-lo a disposio de toda a comunidade (At 4.32-35). Outros textos interessantes: Tg 2.14-17; 2 Co 5.14-15; Gl 5.6b. Os mordomos de Deus reconhecem que a sua mordomia flui do ato do amor de Deus por eles em Cristo, o que por sua vez lhes capacita a amar outros atravs de atos de amor como os de Cristo. Todas as atividades dos mordomos cristos feitas em f e amor so mordomia propriamente crist. c. Algumas questes prticas Minha motivao para ofertar no est baseada em obrigaes, mas num privilgio concedido por Deus. Ele nos amou em seu Filho Jesus (Rm 5.8; Jo 3.16; 1 Jo 4.19). Deus nos amou, continua a nos amar e essa a motivao para fazermos as coisas certas pelos motivos certos. Deus doador de todas as bnos (Dt 8.17-18; Sl 24.1; Ag 2.8; Rm 11.36). Oferta no investimento, no rateio de despesas, mas uma manifestao crist de gratido a Deus. No se deveria pensar que uma igreja est praticando uma boa administrao dos bens e dons apenas por cumprir o oramento previsto. H vrias outras oportunidades e alternativas que podem ser exploradas para servir Igreja de Cristo, comunidade dos irmos e queles que ainda no conhecem o Salvador Jesus. Em poucas linhas, palavras significativas que servem de orientao sobre o uso adequado e inadequado do dinheiro, esto na epstola Paulo a Timteo (1 Tm 6.9-10; 17-19). Quanto ofertar? Fala-se muito na palavra dzimo, ou 1/10 parte, primcias e muitas vezes se fazem leis em cima desses valores. A oferta proporcional pode de fato servir como um excelente conselho, orientao e parmetro na hora de saber quanto ofertar. Porm, pela f em Jesus, somos livres tambm para escolher o valor que queremos ou podemos oferecer a Deus. No Antigo Testamento temos de fato uma srie de referncias ao dzimo (Dt 14.22; 2 Cr 31.5; Ne 13.12), mas tambm conselhos sobre ofertar segundo o que est proposto no corao (Dt 16.10, 17). Este, por sinal, o ensino do Novo Testamento e este princpio fundamental em guiar a nossa oferta. Ofertas tambm tm promessas de recompensa por parte de Deus e elas tambm podem ser lembradas (2 Co 9.6, 13-14; Pv 3.9-10; 11.24). Reflexo adicional relativamente fcil ser um cristo no Domingo ou na hora do culto. bem mais desafiador ser um cristo exemplar nos demais dias da semana. Vivemos em toda a espcie de tenses e dificuldades. Temos compromissos, inquietaes no trabalho, famlia e financeiras. Contas para pagar, escola, farmcia, armazm, mercado, carto de crdito, financiamento, emprstimo, fornecedores, empregados e tantas outras obrigaes, que podem gerar ansiedades e apreenses, aparentemente e s vezes, acima do limite. por isso que os filhos de Deus precisam constantemente voltar para Deus e buscar refgio, perdo e consolo em sua santa palavra e nos sacramentos, Batismo e Santa Ceia. No caso da oferta, voltar a ele para ser encorajado a ser um mordomo fiel. Em sua palavra Deus nos revela que ele confiou aos seus mordomos a vida e os recursos dela, e lhes deu o privilgio de gerenci-los para ele de forma agradecida, responsvel e alegre. Ainda interessante relembrar que a administrao fiel das bnos de Deus envolve todas as atividades de nossas vidas, no apenas o que feito na igreja. Deus me anima a administrar e honrar lar, escola, estudo, trabalho, vizinhana, lazer, amizades e bens, como ddivas provenientes de Deus. 10.8 O uso devocional da Bblia: lendo a Bblia com a mente e o corao A arte de usar a Bblia na vida devocional uma prtica a ser cultivada por todos os cristos em particular e por toda a igreja crist. O termo devocional est ligado ao verbo devotar, que pode ser definido como um ato de dedicao total e que envolve focar a ateno sobre a Palavra de Deus. O objetivo ou motivao no pode ser apenas satisfazer a curiosidade intelectual, mas se submeter em humildade ao do Esprito Santo, cujo meio de ao exatamente a Palavra de Deus. O conceito de meditao nas Escrituras A meditao apresentada nas Escrituras como um ato de adorao que envolve a comunho com Deus. Esta no consiste num processo mstico sem um referencial definido, mas uma ocupao cuidadosa com as Sagradas Escrituras. Este princpio possvel observar em Josu 1.8. No h meditao crist sem a presena da Palavra de Deus. Nesse sentido, meditao um retiro espiritual dos cristos que possibilita a ao do Esprito Santo em suas vidas. Deus trabalha em sua f, pensamentos e vida. Meditar se colocar diante de uma mesa recheada com alimento espiritual e permitir Deus atender os cristos (Jr 15.16). A palavra meditar usada com certa freqncia no Antigo Testamento, especialmente nos salmos (Sl 1.2; 19.14; 49.3; 63.5-6, 119.15, 23, 48, 78, 97, 99, 148; 143.5; Pv 15.28; Is 33.18). no Salmo 77 que possvel ter uma idia mais precisa do que significa a meditao crist. H uma trplice referncia palavra: Em tempo de angstia e insnia, meditao sobre o Senhor (v. 3). Aqui o verbo na lngua hebraica significa: tirar informaes, procurar, examinar. Em inquietao, a recordao dos feitos do passado (v. 5). Pensar, considerar, calcular, o sentido da palavra original. Durante as longas noites, lembrar sobre a maneira de Deus agir (v.6). O resultado disso que o desnimo do salmista deu lugar ao livramento de Deus, no ponto em que ele foi convencido das prodigiosas obras de Deus em sua vida (v.12). Um modelo de meditao em Martinho Lutero Em 1535 foi publicado um pequeno livro sobre orao escrito por Martinho Lutero. Seu objetivo foi atravs de seu testemunho pessoal ensinar a um amigo como orar. Lutero lembra a Pedro Beskendorf (Pedro Barbeiro), que as ocupaes dirias e pensamentos alheios podem se opor vontade de orar. Porm, dependendo de sua disponibilidade, ele se ocupava com os Mandamentos, citaes de Cristo, de Paulo ou dos Salmos 85 . Uma das suas sugestes aplicar a cada mandamento uma abordagem meditativa qudrupla. Tomo cada mandamento primeiro como um ensinamento, como ele na realidade o em si mesmo,
85 LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Obras Selecionadas de Momentos Decisivos da Reforma. Traduo Walter O. Schlupp, Editoras Concrdia e Sinodal, 1984, p.318. e reflito o que o nosso Senhor Deus nele exige de mim com tanta seriedade; por outro, fao dele uma ao de graas; em terceiro lugar, uma confisso, e em quarto, uma orao. 86
A idia fazer a aplicao desses passos a um texto bblico. Nesse caso, pode-se seguir as seguintes etapas, baseadas no molde usado por Lutero: Leio um versculo, um grupo de versculos e reflito sobre essa parte: A. Encontro instruo para minha vida e f; B. Isto me anima a agradecer a Deus; C. Tambm concluo que no cumpro a vontade de Deus, fao uma confisso; D. Isto me leva a observar o doce e o amargo, lei/evangelho e orar: perdo, mais f e fora para fazer o que a passagem pede. Exemplo - Tg 1.17-27 Deus nos ensina que Ele a fonte de todo o bem, da nossa regenerao, da nossa vida espiritual, e que isto vai se manifestar no falar e agir: ouvir com mais cuidado e viver cuidando em no falar demais e controlar o estopim. Temos uma grande confisso a fazer. Confessar que falamos demais, que nos irritamos com muita facilidade e por sermos ouvintes negligentes e esquecidos. Temos muitssimo a agradecer: agradecer porque de natimortos espiritualmente, recebemos vida pelo Evangelho de Cristo, de rfos passamos a chamar Deus de Pai, de vazios, passamos a ter dentro de ns a Palavra de Cristo, que poderosa para nos salvar, perdoar, consolar, tirar o medo, as angstias, corrigir, ensinar, de escravos do pecado passamos a ser livres. Temos o que pedir, pedir que Deus nos torne cada vez melhores ouvintes, pedir mais f a fim de vivermos como filhos salvos e para que ele opere atravs de ns no amor e no exemplo. 10.9 Consideraes finais importante notar que todas as prticas usadas para elaborao e ensino atravs de um estudo bblico, seriam estreis e sem sentido, se no tivermos a clara noo e convico de que a Bblia um meio da graa de Deus chegar aos ouvidos e vidas dos seus leitores e ouvintes. Em outras palavras, no ser o mtodo escolhido que ser a causa primria na gerao de frutos, mas Deus Esprito Santo que opera nos coraes das pessoas, atravs da Palavra escrita e revelada. Assim como h diferentes tipos de livros na Bblia (Salmos e os Evangelhos, por exemplo), assim h diferentes mtodos de abordagens de um texto bblico. Alguns livros podem ser estudados por captulos e de outros at podem ser estudadas pequenas pores. H tambm a possibilidade de inicialmente escolher temas especficos e
86 Idem, p. 324. posteriormente submet-los Bblia como um todo. Porm, em todas as formas possveis de abordagem fundamental que seja observado o contexto em que determinadas palavras foram originalmente proclamadas. Com certeza h limitaes bem como aspectos positivos em cada um dos mtodos e o processo de avaliao do uso de qualquer um deles tambm uma atitude recomendada. H alguns critrios que poderiam ser seguidos para uma observao e avaliao na escolha de qualquer um dos mtodos de estudo bblico, porm, definitivamente, qualquer um deles, dever responder afirmativamente s questes a seguir. a) O estudo bblico ser cristocntrico, apontar para Jesus Cristo, conforme a prpria recomendao do Salvador? Ento, lhes disse Jesus: nscios e tardos de corao para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, no convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glria? E, comeando por Moiss, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras... A seguir, Jesus lhes disse: So estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim est escrito na Lei de Moiss, nos Profetas e nos Salmos (Lc 24.27, 44; cf. Jo 5.39); b) O estudo ser visto como um meio da graa de Deus para produzir arrependimento (reconhecimento do pecado e confiana), fortalecer a f, consolar e orientar para a vida? E, assim, a f vem pela pregao, e a pregao, pela palavra de Cristo (Rm 10.17; cf. 2 Tm 3.14-17); c) o Esprito que iluminar o trabalho de estudo dos textos bblicos atravs do uso de princpios de interpretao saudveis, ateno para com as palavras, formas gramaticais, uso de Bblias de estudo? A iluminao do Esprito no dispensa a transpirao. Visto que muitos houve que empreenderam uma narrao coordenada dos fatos que entre ns se realizaram, conforme nos transmitiram os que desde o princpio foram deles testemunhas oculares e ministros da palavra, igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigao de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentssimo Tefilo, uma exposio em ordem, para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instrudo (Lc 1.1-4). d) O texto ser ouvido em termos de Lei (Deus nos acusando de pecados) e de Evangelho (Deus nos consolando em Jesus Cristo)? 10.10 Atividades de auto-estudo 1. Faa a leitura do texto de Isaas 5.1-7 e identifique o ensinamento seguindo a orientao abaixo: a. Aspectos da Lei (no que ns devemos fazer, mas o que revela que o ser humano pecador): b. Aspectos do Evangelho (apesar do pecado, Deus tem boas novas aos pecadores): Escreva ainda o que pode ser extrado em termos de: a. Uma confisso: b. Um ensino: c. Um agradecimento: d. Um pedido: 2. Agora leia o texto de Mateus 6.25-34 e repita os passos seguindo a orientao abaixo: a. Aspectos da Lei (no o que ns devemos ou deveramos fazer, mas o que revela que o ser humano pecador): b. Aspectos do Evangelho (apesar do pecado, Deus tem boas novas aos pecadores): Escreva ainda o que pode ser extrado em termos de: a. Uma confisso: b. Um ensino: c. Um agradecimento: d. Um pedido: Referncias Bibliogrficas do Captulo FEUCHT, Oscar. Learning to use your Bible. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1969. HENRICHSEN, Walter A. Mtodos de Estudo Bblico. Traduo de Odair Olivetti. So Paulo: Mundo Cristo, 1983. LONGMANN III, Tremper. Lendo a Bblia com o corao e a mente. Traduo de Roselene Domingos Sant`Anna. So Paulo: Cultura Crist, 2003. MEER, Antonia Leonora Van Der. O Estudo Bblico Indutivo. So Paulo: ABU Editora, 1986. SYMMANK, Leo e BIMLER, Rich. Dinmica de Grupos Trabalhando com Jovens e Adultos. Porto Alegre: Concrdia, 1988.