Fisiologia - UFSC
Fisiologia - UFSC
Fisiologia - UFSC
Fisiologia Humana
Moacir Serralvo Faria
Odival Cezar Gasparotto
Laura Difni Leite
Cristina Maria Henrique Pinto
Florianpolis, 2009.
Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Copyright 2009 Universidade Federal de Santa Catarina. Biologia/EaD/UFSC
Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada sem a
prvia autorizao, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina.
F537 Fisiologia humana / Moacir Serralvo Faria... [et al]. - Florianpolis :
BIOLOGIA/EAD/UFSC, 2009.
253p.
ISBN 978-85-61485-13-9
1. Fisiologia humana. 2. Homeostase. I. Faria, Moacir Serralvo.
II. Ttulo.
CDU: 612
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na Modalidade a Distncia
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Coordenao Pedaggica LANTEC/CED
Coordenao de Ambiente Virtual Alice Cybis Pereira
Comisso Editorial Viviane Mara Woehl, Alexandre
Verzani Nogueira, Milton Muniz
Apresentao ....................................................................................... 7
1 Homeostasia e Neurosiologia ...................................................... 9
1.1 Homeostasia ...............................................................................................................11
1.2 Filtrao capilar e transporte por uxo de massa ..............................................13
1.3 Neurosiologia ...........................................................................................................17
1.4 Sistemas sensoriais ................................................................................................... 18
1.5 Contrao Muscular ................................................................................................. 41
1.6 Sistema Motor ........................................................................................................... 51
1.7 Sistema nervoso autnomo, sistema lmbico
e expresso de emoes ....................................................................................... 67
Referncias ....................................................................................................................... 77
2 Fisiologia Endcrina ...................................................................... 79
2.1 Viso geral do sistema endcrino ......................................................................... 81
2.2 Relaes hipotlamo-hiposrias ........................................................................ 88
2.3 Hormnios liberados pela neuro-hipse ......................................................... 92
2.4 Hormnio do crescimento (somatotropina) ...................................................... 97
2.5 Hormnios tireoidianos ........................................................................................ 100
2.6 Hormnios do crtex da adrenal ........................................................................ 106
2.7 Regulao do metabolismo energtico: hormnios das ilhotas
pancreticas ............................................................................................................113
2.8 Regulao do metabolismo do clcio ................................................................118
2.9 Fisiologia da reproduo ...................................................................................... 123
Referncias ..................................................................................................................... 136
Sumrio
3 Fisiologia do Sistema Digestrio ................................................139
3.1 Introduo ao estudo da siologia do sistema digestrio............................ 141
3.2 Sistemas reguladores das funes do SD ......................................................... 144
3.3 O processamento dos nutrientes no trato gastrointestinal superior ......... 149
3.4 O processamento dos nutrientes no trato gastrointestinal inferior ........... 154
Referncias ..................................................................................................................... 161
4 Sistema Cardiovascular ...............................................................165
4.1 Viso geral do sistema cardiovascular ............................................................... 167
4.2 O automatismo do corao e o ciclo cardaco ................................................. 173
4.3 Dbito cardaco ....................................................................................................... 180
4.4 Sistema circulatrio................................................................................................ 185
4.5 Regulao da Presso Arterial ............................................................................. 193
Referncias ..................................................................................................................... 199
5 Sistema Respiratrio ....................................................................201
5.1 Mecnica Respiratria ........................................................................................... 203
5.2 Troca gasosa e transporte de gases ....................................................................211
5.3 Regulao da respirao ....................................................................................... 216
Referncias ..................................................................................................................... 222
6 Fisiologia Renal ............................................................................225
6.1 Introduo ao estudo da siologia renal e ltrao glomerular ................. 227
6.2 Funes do nfron proximal................................................................................ 240
6.3 Funes do nfron distal ...................................................................................... 248
Referncias ..................................................................................................................... 252
Apresentao
A Fisiologia Humana estuda as caractersticas e os mecanismos especcos
do corpo humano que fazem deste um ser vivo. O corpo humano possui cerca
de 100 trilhes de clulas que vivem em um meio essencialmente lquido cha-
mado meio interno. Manter o meio interno em condies adequadas e est-
veis signica manter a homeostasia do corpo humano, requisito bsico para
a manuteno da vida. Neste Livro voc estudar vrios sistemas corporais,
chamados sistemas homeostticos, que visam, em conjunto, manter a home-
ostasia. Nos Captulos 1 e 2 voc aprender que o Sistema Nervoso e o Sistema
Endcrino controlam os demais sistemas homeostticos, de forma que estes
possam executar suas funes de forma integrada e coordenada. Ademais,
voc aprender que o Sistema Muscular Esqueltico proporciona o movimen-
to do corpo humano no espao, e que o Sistema Endcrino responsvel pela
reproduo humana, e, conseqentemente, pela perpetuao da nossa esp-
cie. No Captulo 3 voc aprender que o Sistema Digestrio fornece nutrientes
ao meio interno, enquanto nos Captulos 4 e 5 voc aprender que o Sistema
Cardiovascular promove a circulao do sangue pelos vasos sanguneos, fato
esse essencial para o transporte de nutrientes at o meio interno, e que o Sis-
tema Respiratrio fornece oxignio e remove gs carbnico do meio interno.
No Captulo 6 voc tambm aprender que o Sistema Renal elimina as subs-
tncias indesejveis e potencialmente txicas do meio interno. Enm, atravs
da Fisiologia voc aprender como funciona o corpo humano, ou seja, voc
mesmo(a). Ento, voc aceita o nosso convite para uma viagem atravs deste
mundo fascinante que o funcionamento do seu organismo?
Apresentao
C
A
P
T
U
L
O
1
C
A
P
T
U
L
O
1
Homeostasia e Neurosiologia
A fsiologia a rea da cincia que estuda as funes em
nosso organismo. Uma funo vital a manuteno de uma
harmonia entre os sistemas, o que implica na existncia de
uma regncia sobre estes. Desse modo evitam-se desvios ex-
cessivos na constituio de nosso meio interno, mantendo
as condies favorveis para as atividades bioqumicas que
expressam o que chamamos de vida. Por esse motivo, essa
primeira parte da Disciplina, antecedendo a de neurofsiolo-
gia, devotar ateno para o conceito de homeostasia e suas
implicaes, assim como para um processo que no poder
ser visto apenas no captulo sobre o Sistema Cardiovascular
(embora esteja intimamente ligado a este sistema), que o
transporte de nutrientes e excretas no Sistema Circulatrio.
Depois desta abordagem passaremos a enfocar a neurofsio-
logia, que, entre suas mltiplas funes superiores, tambm
designada ao controle dos processos dos sistemas abordados
nos outros Captulos.
11 Homeostasia e Neurosiologia
1.1 Homeostasia
O conceito de homeostasia remonta os anos 30 e 40, tendo sido
utilizado primeiramente pelo fsiologista norte-americano Walter
Bradford Cannon, em 1932. O termo homeostase pode ser utiliza-
do em vrios campos do conhecimento, mas o interesse de Can-
non foi empreg-lo para caracterizar a forma pela qual a vida
mantida sem perder a relao com o meio ambiente. Dessa ma-
neira, um conceito de homeostase para os nossos propsitos pode
ser: a competncia dos processos reguladores dos seres vivos em
estabilizar o meio interno, atravs de ajustes de funes que se
relacionam dinamicamente.
Podemos discutir mais detalhadamente os termos desse con-
ceito ao aplic-lo na sinalizao celular por potenciais bioeltricos
nas membranas celulares. O primeiro ponto sabermos o que
meio interno, j que ele deve ter certa estabilidade, principalmente
considerando que o restante do enunciado remete a funes que se
relacionam dinamicamente. Para esta tarefa precisamos tambm
defnir o que um compartimento, que a princpio pode ser con-
siderado um ambiente com caractersticas fsico-qumicas di-
ferentes daquelas de outro ambiente. Como exemplo, podemos
dizer que a clula pode ser considerada um compartimento, o qual
possui em seu interior uma composio inica, protica e de orga-
nelas que diferente daquela encontrada fora da clula. Da mesma
forma, o Lquido Extracelular (LEC) tambm pode ser considera-
do um compartimento. Esses compartimentos ainda tm em co-
O termo foi criado a partir
das palavras gregas homeo
e stasis, que signicam
respectivamente similares e
estticos.
12 Fisiologia Humana
mum estruturas que delimitam sua existncia no espao, embora
seus componentes possam atravess-las em direo a outro com-
partimento. Em resumo, eles no so hermeticamente fechados.
Podemos tambm defni-los como compartimentos lquidos, j
que a gua o elemento predominante em cada um deles. Assim,
para as reaes bioqumicas ocorrerem de forma a possibilitar a
sobrevivncia do organismo, os seus diversos compartimentos l-
quidos devem se manter relativamente estveis.
O que queremos dizer com relativamente estveis que as
caractersticas fsicas e qumicas desses compartimentos podem
variar dentro de certos limites, preservando no apenas suas ca-
ractersticas intrnsecas, mas tambm a diferena que tm com o
compartimento lquido com o qual se relacionam.
Quando a futuao de valores ocorre fora de uma faixa toler-
vel, o esforo do organismo para recuperar essa futuao a nveis
aceitveis tem de ser muito maior. Esse esforo, na verdade, re-
presentado pelas variaes impostas a outras funes para com-
pensar os desvios que viro ou esto ocorrendo no meio interno.
Podemos retornar aos potenciais bioeltricos e discutir uma
ao homeosttica para manter as caractersticas dos meios intra e
extracelular. Quando uma membrana despolariza, comprometen-
do a diferena de concentrao de cada um deles atravs da mem-
brana. Apesar de poucos potenciais no comprometerem as carac-
tersticas de cada compartimento, em longo prazo podem faz-lo.
Para evitar isso, a bomba de Na
+
/K
+
aumenta sua prpria ativida-
de e colabora para a manuteno da composio inica dos dois
compartimentos lquidos. A forma com que as funes se equili-
bram dinamicamente pode ser exemplifcada pelo fato do nvel de
atividade da bomba de Na
+
/K
+
ser decorrente da quantidade de
ons disponveis para se ligarem a ela em cada lado da membrana.
Dizemos que houve uma retroao negativa (feedback negativo)
da bomba sobre a difuso dos ons. Os mecanismos de retroao
esto sempre presentes nos mecanismos homeostticos, embora,
em algumas situaes, retroaes positivas mantenham proces-
sos em execuo. Isso acontece com o potencial de ao, manten-
do sua amplitude ao ser conduzido pelo axnio.
A bomba de Na
+
/K
+
sempre ativa, aumentando
ou diminuindo sua prpria
atividade de acordo com a
disponibilidade energtica e
a constituio inica em cada
lado da membrana
A despolarizao ocorre
quando ons Na
+
entram
na clula e ons K
+
deixam a
clula.
13 Homeostasia e Neurosiologia
Os processos homeostticos sero mencionados praticamente
em todos os Sistemas que abordarmos, como na regulao dos n-
veis de substratos energticos disponibilizados para as clulas, na
excreo de resduos metablicos ou na regulao da temperatura
corporal. No precisaremos de muita ateno para reconhec-los.
1.2 Filtrao capilar e transporte por
uxo de massa
Os processos homeostticos anteriormente discutidos garan-
tem, entre outras coisas, o metabolismo celular e a integridade dos
tecidos. Para isso, essencial a incorporao de nutrientes e eli-
minao dos catablitos, e a difuso tem um papel decisivo nesse
processo de incorporao e de eliminao. Todavia, para o trans-
porte de catablitos e nutrientes a longas distncias essencial que
haja um grande fuxo de massa lquida, impulsionado sob presso
at s partes mais ntimas dos tecidos. Esse transporte por fuxo
de massa baseado na relao de foras de presso hidrulica e
presso osmtica entre os compartimentos endovascular e inters-
ticial, de forma que o sangue deve ceder aos tecidos os nutrientes
que so conduzidos na circulao arterial, receber os catablitos
produzidos nos tecidos e transport-los na circulao venosa, para
serem eliminados pelos rins, fgado e pulmes.
Entre a poro arterial e venosa do leito vascular existe um seg-
mento, o capilar sanguneo, que possibilita a troca dos nutrientes
e catablitos entre o compartimento endovascular e intersticial.
Essa troca possibilitada pelo fato dos capilares perderem as ca-
madas de musculatura lisa que recobrem os vasos sanguneos, e
por possurem um epitlio que permite um fuxo de massa lquida
e a difuso de solutos. A passagem de lquido ocorre entre suas
clulas ou atravs delas, em canalculos ou poros, que as trans-
passam e so gerados em maior ou menor nmero, em funo da
demanda por transporte atravs do endotlio. Os ons, molculas
como a glicose e algumas protenas plasmticas difundem-se atra-
vs desses poros capilares desde que seus dimetros o permitam.
Catablitos so subprodutos
do metabolismo.
O epitlio que recobre os vasos
sanguneos e que preservado
no capilar denominado
endotlio
O compartimento
endovascular encerra
o contedo interno dos
vasos sanguneos e o
compartimento intersticial
encerra a massa lquida que se
encontra entre as clulas que
compem um tecido.
14 Fisiologia Humana
O fuxo de massa lquida predominante tambm favorece a trans-
ferncia dessas substncias de um lado para outro. A transfern-
cia dos elementos lipossolveis como o oxignio e o dixido de
carbono se realiza atravs das membranas das clulas intersticiais,
o que facilita ainda mais seu transporte entre os compartimentos
endovascular e intersticial.
Para a manuteno da integridade dos tecidos necessrio que
os volumes dos compartimentos sejam relativamente estveis, o que
por sua vez depende da interao entre as foras hidrulicas e as
presses osmticas em cada compartimento. Foi mostrado por E.
H. Starling que, no capilar, as foras que promovem o fuxo de lqui-
do para fora tm valores prximos daquelas que promovem o fuxo
lquido de volta para o capilar na sua poro venosa (fgura 1.1).
O sangue ejetado do corao para a artria aorta com uma
presso sistlica de aproximadamente 120 mmHg. Ao chegar aos
capilares sanguneos de vrios tecidos essa presso se encontra em
torno de 30 mmHg, forando o sangue para frente e contra as pa-
redes dos vasos. A perda de massa lquida que ocorre ao sangue
percorrer o capilar contribui para uma diminuio ainda maior
da Presso Hidrosttica (PH) em suas pores intermediria (18
mmHg) e venosa (10 mmHg). A presso que se ope a PH, a pres-
so osmtica (PO), tem um valor aproximado de 28 mmHg. Esta
presso gerada pelas molculas e ons que no conseguem atra-
Fora hidrulica
Fora decorrente da presso
mecnica de compresso ou
descompresso de massa
lquida.
PH
PO 28 28 28
30 18 10
PO 4
PH 6
10 =
12
0
8
Figura 1.1 - A soma das foras de presso hidrulica (PH) e presso osmtica (PO) existentes dentro e fora do
capilar geram um uxo de massa lquida predominante para fora na poro arterial do capilar sanguneo e
um uxo predominante para dentro na poro venosa. No interstcio tambm existe uma presso osmtica
e hidrulica (ao dos vasos linfticos). Esta fora deve ser somada s foras no interior do capilar para
termos uma fora resultante (smbolos em verde) transferindo massa lquida para fora na poro arterial e
transferindo de volta para o interior do capilar na poro venosa. Todos os dados esto em mmHg.
15 Homeostasia e Neurosiologia
vessar os poros do endotlio, sendo que a albumina e algumas glo-
bulinas contribuem com cerca de 19 mmHg, e os ctions que se
prendem s protenas, com aproximadamente 9 mmHg, no va-
riando de forma signifcativa ao longo do capilar.
No compartimento intersticial h uma presso osmtica de apro-
ximadamente 6 mmHg retendo lquido nesse local, enquanto a PH
tem 4 mmHg a menos que a presso atmosfrica, pelo que infor-
malmente chamada de presso negativa (-4 mmHg). O Sistema
Linftico o principal responsvel por este valor de PH intersticial,
na medida em que executa a remoo de massa lquida do interst-
cio, agindo como uma bomba de suco, em oposio ao corao,
que atua no Sistema Vascular como uma bomba de propulso.
Os capilares linfticos possuem um endotlio composto de c-
lulas frouxamente associadas, o que permite a entrada de massa l-
quida, molculas e at pequenas partculas. Uma vez comprimidos
pela contrao muscular ou compresso do tecido, os capilares e
os vasos linfticos mais calibrosos conduzem o lquido intersticial,
agora denominado linfa, para a cavidade torcica, onde confuem
na juno das veias subclvias e jugulares internas, devolvendo ao
sangue o lquido e os solutos (principalmente protenas) que este
cedeu para o interstcio (ver fgura 1.2).
A falta dessa compensao linftica na devoluo do volume l-
quido e, principalmente, das protenas ao Sistema Vascular provo-
caria a morte do indivduo em cerca de 24 horas. A conduo lin-
ftica no ocorre apenas pela compresso dos vasos linfticos. Os
vasos linfticos so cobertos por musculatura lisa que se contrai
automaticamente, cada vez que esta distendida por um volume
aumentado de linfa no interior do vaso.
Alm disso, nos capilares linfticos, onde no h revestimento
de musculatura lisa, as clulas endoteliais so ricas em actinomio-
sina, capaz de promover a diminuio da luz capilar. A abertura
dos capilares para a entrada de lquido promovida pela expanso
do endotlio, quando os tecidos deixam de ser comprimidos, visto
que as clulas do capilar linftico esto associadas aos tecidos con-
juntivos por molculas de adeso, e frouxamente associadas entre
si (fgura 1.3).
Ao nvel do mar, onde a
presso atmosfrica
de 760 mmHg, o PH no
compartimento intersticial do
exemplo seria de 756 mmHg
(4 mmHg a menos que a
presso atmosfrica), e no
764 mmHg a menos que a
presso atmosfrica, quando
representaria realmente uma
presso negativa de 4 mmHg.
16 Fisiologia Humana
Nodos cervicais
Nodo sentinela
Veia subclvia
Canal linftico direto
Canal torcico
Nodos axilares
Cisterna qulica
Nodos abdominais
Nodos inguinais
Linfticos perifricos
Figura 1.2 - O Sistema Linftico
drena a linfa do espao intersticial
nos tecidos para os vasos
sanguneos, desaguando na
subclvia parte da massa lquida
que o compartimento vascular
cedeu para os tecidos. Este
processo impede a formao de
edema no espao intersticial. Ao
ser transportada ao longo dos
vasos linfticos a linfa passa pelos
linfonodos, os quais garantem a
retirada de organismos que possam
infectar o sangue.
Figura 1.3 - Os capilares linfticos
possuem um epitlio onde as clulas
esto frouxamente aderidas umas
s outras, com frestas a funciona-
rem como poros que permitem a
passagem de lquido intersticial para
o interior dos vasos quando estes
no se encontram comprimidos
pelos msculos. Quando a contrao
muscular comprime o vaso linftico,
o lquido em seu interior (agora
denominado linfa) impulsionado
para vasos linfticos cada vez mais
calibrosos. O retorno da massa
lquida impedido por vlvulas que
se dispem intermitentemente ao
longo dos canais.
Linftico coletor
Vlvulas
Capilates
linfticos
Poros
17 Homeostasia e Neurosiologia
A fora resultante que impulsiona o plasma em direo ao in-
terstcio na poro arterial do capilar de 12 mmHg, e a resul-
tante na poro venosa de 8 mmHg. Isto signifca que sai uma
quantidade maior de massa lquida do que aquela que retorna ao
capilar. Este excesso no interstcio gera o que denominamos ede-
ma de compartimento intersticial, o qual, no entanto, em condies
normais evitado pela ao do Sistema Linftico.
Na verdade, sem este excesso no haveria como se retirar o
excesso de protenas que deixaram o compartimento vascular, e
que gerariam uma presso osmtica excessiva no interstcio. Por-
tanto, devemos ver esse aparente excesso como a forma do Siste-
ma Linftico poder operar, contribuindo para a manuteno da
homeostasia.
Outro ponto importante a se considerar que a resultante das
foras na regio mediana do capilar igual a zero. Isso no signifca
ausncia de troca de elementos entre os compartimentos, mas sim
que o fuxo de massa para um lado equipara-se ao fuxo de massa
para o lado oposto. Ocorre uma troca intensa de solutos entre os
compartimentos, dirigida pelos gradientes de concentrao dos
elementos. Por exemplo, nesse local o CO
2
passa em maior quan-
tidade para o sangue enquanto o O
2
passa com um fuxo maior do
capilar sanguneo para o interstcio.
O prejuzo na capacidade do Sistema Linftico em bombear a
linfa adiante, como nos casos de flariose (elefantase) que ocor-
re por compresso prolongada dos membros ou ao fcarmos mui-
to tempo parados em p resulta em edema de compartimento
intersticial. Um desequilbrio da presso osmtica tambm pode
levar ao mesmo resultado, como no caso dos alcolatras, que no
produzem protenas plasmticas em quantidade sufciente para
manter a presso osmtica endovascular por terem o fgado, seu
principal produtor, avariado pela toxidez do lcool.
1.3 Neurosiologia
A neurofsiologia d incio apresentao da fsiologia humana
na forma de fsiologia de sistemas. A escolha por este tipo de abor-
18 Fisiologia Humana
dagem teve por objetivo tornar o contedo didaticamente mais
compreensvel aos alunos, partindo do pressuposto de que a maio-
ria estar estudando o contedo pela primeira vez. Todavia, temos
que manter em mente que a fsiologia tem a funo exatamente
oposta, que a de explicar o funcionamento do organismo pela
integrao das atividades de seus diversos componentes.
O Sistema Nervoso tem funes diversas, que vo da regulao
da liberao de hormnios ou controle de uma resposta motora
refexa at a atividade cognitiva mais complexa que voc possa
imaginar. Estas atividades so possveis pela relao que travamos
com o meio ambiente, incorporando informaes e abstraindo so-
lues para problemas. O Sistema Sensorial fundamental nes-
ses processos, pelo que vamos abord-lo em primeira instncia.
Depois de exposta suas caractersticas bsicas, comuns a todos
os sistemas sensoriais, vamos nos ater ao Sistema Somatossenso-
rial como exemplo de um sistema especfco, mas sufcientemente
complexo para servir de modelo para todos os outros sistemas.
Depois de discutido o processo de contrao do msculo esquel-
tico, o controle dos msculos pelo Sistema Nervoso ser abordado
para dar sentido adaptativo a este fenmeno.
Finalmente, o Sistema Autnomo ser abordado em seus vrios
aspectos funcionais, incluindo a sua comunicao com segmentos
do Sistema Nervoso Central (SNC), componentes de um sistema
denominado lmbico e o qual est envolvido com a expresso das
emoes.
1.4 Sistemas sensoriais
A relao que estabelecemos com o meio ambiente depende de
nossa capacidade de perceb-lo em suas mltiplas caractersticas.
Neste exato momento estou diante de um computador escrevendo
este texto, necessitando enxergar as imagens no monitor atravs da
viso e sentir as teclas sendo tocadas atravs do tato. O rudo deste
processo, quando no exagerado, funciona at como uma con-
frmao de que a tarefa foi executada corretamente, e quando
discuto o assunto com algum, utilizo a audio. Sem a possibili-
dade desta relao com o meio, as minhas interpretaes e inter-
19 Homeostasia e Neurosiologia
venes seriam diferentes, mesmo com a falta de apenas uma via
sensorial. Assim, nossos sentidos abrem as portas de nossa mente
para que possamos absorver os processos que ocorrem fora dela.
Fazemos algo como virtualizar o que chamamos de realidade.
A este processo de virtualizao da realidade podemos dar o
nome de percepo, o qual encerra um processo muito complexo
de integrao das informaes sensoriais com o que temos arma-
zenado na memria, as nossas expectativas, e portanto tantos ou-
tros fatores, de forma que precisamos limitar essas consideraes
para no nos perdermos em um labirinto sem fm. No momento,
vamos explorar os elementos bsicos necessrios para os proces-
sos sensoriais efetivarem-se.
1.4.1 Caractersticas gerais: receptores sensoriais e
mecanismos de transduo
O nosso organismo possui estruturas genericamente denomi-
nadas de receptor, as quais desempenham funes importantes e
at essenciais para o funcionamento dos sistemas sensoriais. Essas
estruturas no so como os receptores proticos de membrana, em-
bora possam, como estes, possuir protenas. Utilizamos o termo re-
ceptor para nos referirmos s clulas especializadas para a detec-
o de elementos fsicos ou qumicos que entram em contato com
elas, os quais de agora em diante sero chamados de estmulos.
Assim, temos nos olhos os fotorreceptores, com capacidade de
detectar quantidades nfmas de energia eletromagntica, ou seja,
os ftons. Em nossas mos existem clulas especializadas em de-
tectar as deformaes mecnicas, possibilitando o tato, ou a dor.
O trabalho fundamental dessas estruturas o de ser sensvel aos
estmulos que vo detectar, de modo a promoverem o que chama-
mos de transduo.
A transduo a sinalizao dos estmulos em potenciais bio-
eltricos, visto que com este tipo de sinal que o nosso Sistema
Nervoso processa as informaes. Todavia, como os estmulos
possuem qualidades, e a intensidade uma delas, o potencial re-
ceptor tem que ser capaz de sinaliz-la.
Em seres no humanos
substitui-se o termo dor
por nocicepo, visto que a
sensao inferida por ns,
por meio dos comportamentos
que os animais exibem.
Figura 1.4 - No corpsculo de
Meissner, receptor presente na
pele e responsvel pela detec-
o de rugosidade ou aspereza,
o potencial receptor gerado
na terminao nervosa que est
coberta por uma especializao.
A presso sobre a cpsula
transmitida para a membrana
das terminaes, as quais, ao se
deformarem, geram o potencial
receptor, de natureza eletrotni-
ca. Fora do receptor este poten-
cial ativa canais dependentes de
voltagem, gerando potenciais
de ao.
20 Fisiologia Humana
O potencial que pode realizar esta tarefa o potencial eletro-
tnico, visto que ele tem amplitude proporcional ao estmulo que
recebe. Sem esta qualidade do receptor no teramos como saber
qual a intensidade ou diferenci-las.
Ao chegar transio entre o receptor e o axnio aferente, os
potenciais receptores passam a ser chamados de potenciais gera-
dores, pelo fato de poderem gerar potenciais de ao, como visto
na disciplina Biofsica Aplicada s Cincias Biolgicas, surgem ao
ser ultrapassado o limiar da membrana. Os potenciais de ao so
conduzidos em freqncias proporcionais s intensidades dos es-
tmulos, at a medula espinal.
Para discriminarmos duas intensidades precisamos ter infor-
maes sufcientemente diferentes, para que o nosso Sistema Ner-
voso possa tambm discrimin-las. O limiar de discriminao de
intensidades obedece a uma progresso que no uma exponen-
cial, mas que se aproxima dela (fgura 1.5). Quanto mais intensos
50 g
50 g 50 g
A
B
500 g 500 g
E
500 g
50 g
500 g
C
D
Figura 1.5 - Ao colocarmos um objeto sobre nossa mo com massa de 50 gramas, a discriminao de outro de 100 gramas tarefa
facilmente realizvel. Da mesma forma que discriminamos visualmente a freqncia dos potenciais aferentes na situao A e B,
tambm o nosso crebro o faz. Por outro lado, a colocao de um objeto com massa de 500 gramas exige uma diferena maior de
estimulao do segundo estmulo para este ser discriminado, como acontece com a freqncia de potenciais aferentes em C, D e E.
21 Homeostasia e Neurosiologia
forem os estmulos a serem discriminados, maior ter que ser a
diferena entre eles.
Alm da discriminao de intensidade, precisamos considerar
tambm o limiar de discriminao espacial e a diferena entre o
limiar da via aferente e o limiar do indivduo para perceber o es-
tmulo. O limiar de discriminao espacial depende do tamanho
dos campos receptores perifricos e de um processo de inibio
lateral nas vias de conduo aferente. O campo receptor pode ser
conceituado como a rea (ou volume, em alguns casos) de um
tecido em que um estmulo pode ativar a resposta de um deter-
minado receptor.
Assim, temos nas pontas dos de-
dos campos receptores muito peque-
nos, que facilitam a discriminao de
dois pontos, enquanto em nosso dor-
so e abdome os campos receptivos
so muito maiores. Uma vez que a
estimulao de dois pontos dentro de
um nico campo receptivo gera uma
nica sensao, temos a impresso de
que estamos sendo tocados em ape-
nas um ponto (ver fgura 1.6).
As informaes so transmitidas
para pelo menos 3 neurnios antes
de chegarem ao crtex cerebral, que
vai process-las e gerar a percepo
consciente de sermos tocados, e a
representao dos campos recepti-
vos perifricos, que naturalmente se
superpem parcialmente na perife-
ria, exibiria uma superposio ainda
maior, no fosse o processo de inibi-
o lateral (fgura 1.7).
Nesse processo, os neurnios afe-
rentes emitem prolongamentos cola-
terais que ativam interneurnios ini-
Figura 1.6 - O limiar de discriminao entre dois pontos depende em
primeira instncia do tamanho dos campos receptivos. Nos dedos esses
campos tm dimetros bem reduzidos, da ordem de 2 mm, enquanto
no dorso eles podem chegar a 5 cm de dimetro.
Receptor de tato C
Receptor de tato B
Receptor de tato A
Receptor de tato B
Receptor de tato A
Dedo
Antebrao
L
p
i
s
1
L
p
i
s
2
L
p
i
s
1
L
p
i
s
2
22 Fisiologia Humana
bitrios, os quais por sua vez diminuem ou silenciam a atividade
dos neurnios seguintes da via de conduo. Todavia, esse processo
mais efetivo nas bordas do que no centro da rea tocada, possibi-
litando um afunilamento da ativao do crtex cerebral, gerando
um contraste maior da atividade desta rea em relao s demais.
A gerao de contraste uma constante nos diversos sistemas sen-
soriais que possumos. No Sistema Visual, por exemplo, este recur-
so extremamente importante para uma viso bem defnida.
Uma vez sensibilizado o receptor, mesmo a despolarizao aci-
ma do limiar no garante que a informao continuar a ser envia-
da ao SNC. O fator limitante um fenmeno que denominamos
adaptao do receptor. Ele ocorre sempre que um estmulo tem
sua intensidade mantida constante sobre o receptor. O processo
que d base ao fenmeno um aumento progressivo da resistncia
dos canais inicos passagem dos ons, que atenua o potencial
eletrotnico (o qual, por sua vez, base do potencial receptor) e
est aliado a uma acomodao dos tecidos associados a alguns re-
ceptores, principalmente queles que respondem a deformaes
Tecido
perifrico
Medula
espinhal
Tlamo
Crtex
distribuio espacial da excitao
Figura 1.7 - A transmisso das informaes sensoriais no SNC passa por um processo de inibio lateral, que otimiza a
localizao dos estmulos e o reconhecimento de bordas por acentuar os contrastes das regies mais estimuladas em relao s
menos estimuladas. Este processo preserva a atividade neural no centro da via de conduo e inibe a atividade na periferia, o que
facilita a discriminao da intensidade nas duas regies.
23 Homeostasia e Neurosiologia
mecnicas. Como exemplo temos o corpsculo de Paccini, o qual
ser melhor abordado no Captulo seguinte, sobre Sistema Soma-
tossensorial, e que serve para o nosso propsito imediato.
O corpsculo de Paccini detecta presses nos tecidos, mas se
adapta to rapidamente que serve para identifcar apenas o incio e
o trmino de uma deformao (fgura 1.8), sendo ideal para detec-
tarmos vibraes. Este processo ocorre em parte pela diminuio
da permeabilidade da membrana na terminao nervosa que se
1 mdulo
Bainha de mielina
Potencial gerador
Ncleo central
Terminao axnica
amielinizada
Potencial de ao
Potencial de ao
Presso
Presso
Potencial gerador
A
B
Figura 1.8 - O corpsculo de Paccini um receptor de adaptao rpida. No receptor ntegro, com
as lamelas presentes ao redor do terminal nervoso central (A), a resposta breve e ocorre tanto na
fase de compresso como na de descompresso, o potencial gerador se adapta muito rapidamente.
Quando as lamelas no esto presentes (B) a adaptao mais lenta, ocorre apenas um potencial
receptor na fase de compresso do terminal nervoso.
24 Fisiologia Humana
encontra no interior das lamelas, e tambm pela redistribuio do
lquido existente entre as lamelas. Quando isso acontece, a presso
torna-se igual em todos os pontos ao redor da terminao nervosa
e a deformao diminui.
1.4.2 Modalidade sensorial
Uma modalidade sensorial o produto da ativao de um sis-
tema especialmente construdo ao longo da evoluo, que utili-
zado para a gerao de uma sensao especfca. Atribuiu-se a este
conceito o termo Teoria da Linha Marcada. Como exemplo ns
podemos utilizar o Sistema Visual (ver fgura 1.9), que utiliza os
olhos, estruturas receptoras perifricas, associadas a uma via de
conduo nervosa, o tlamo e o crtex visual no lobo occipital.
Os axnios que compem estes nervos terminam em uma es-
trutura do SNC, chamada tlamo, mais especifcamente em seus
ncleos, denominados ncleos geniculados (pois parecem joelhos
dobrados) laterais. As fbras que partem desses ncleos dirigem-se
para o crtex occipital, no plo posterior dos hemisfrios cere-
brais. Estes constituem os crtices visuais primrios.
Todos os componentes dessa via so ativados para produzir uma
sensao de natureza visual, que constitui a modalidade visual. Este
sistema se diferencia daquele utilizado para a produo de uma mo-
dalidade auditiva, olfativa ou de outra natureza qualquer. Estes sis-
temas integram suas atividades em locais especfcos, possibilitando
comportamentos motores, como acontece com a viso e a audio,
que geram refexos oculares em direo a uma fonte sonora.
Os circuitos envolvidos na transmisso de um sinal sensorial,
porm, no produzem uma modalidade sensorial, e, alm disso,
cada modalidade sensorial ainda tem suas qualidades, como a vi-
so a cores ou em branco e preto, a deteco de luminosidade ou
de movimentos, envolvendo circuitos especfcos dentro do pr-
prio Sistema Visual.
Quando questionamos o que essencial para uma modalidade
sensorial, muitos apontam o receptor como o elemento central.
verdade que em condies naturais ele parece ser essencial, mas
25 Homeostasia e Neurosiologia
isso decorrncia dele estar posicionado no incio da cadeia ati-
vada pelo estmulo. Uma pessoa com leso de retina, por exem-
plo, torna-se cega porque no pode sofrer a infuncia dos ftons
em qualquer parte do Sistema Visual sem a ajuda dos receptores.
Todavia, se estimularmos artifcialmente qualquer parte deste sis-
tema (nervo ptico, ncleos geniculados laterais no tlamo ou
crtex visual), todas as sensaes geradas sero de natureza visu-
al. Assim, a enucleao de um animal, seguida de estimulao do
nervo ptico, ainda produzir como resultado a gerao de sensa-
o visual, assim como a estimulao do tlamo ou crtex a partir
de correntes eltricas defagradas por meio de eletrodos.
Figura 1.9 - Uma modalidade sensorial est associada aos locais que processam os sinais
originados nos receptores. Qualquer ponto dessa via que leve os sinais at o crtex
cerebral (excepcionalmente at o tlamo) pode aorar conscientemente.
Nervo ptico
Crtex visual
Campo de viso
direito
Campo de viso
esquerdo
Quiasma ptico
Corpo geniculado
lateral
Enucleao
Retirada dos globos
oculares.
26 Fisiologia Humana
1.4.3 Sistema somatossensorial
A sensibilidade somtica ou somestesia compreende um con-
junto de submodalidades: pressrica e tctil, trmica, dolorosa e
proprioceptiva. Estas tm origem em receptores que podem estar
localizados na superfcie, como na pele e nas mucosas, ou pores
mais internas do corpo, como em msculos, tendes, peristeos,
cpsulas articulares e vsceras.
Existem terminaes nervosas livres e neurnios com estrutu-
ras acessrias que determinam suas sensibilidades quanto natu-
reza e intensidade dos estmulos que recebem, ou ainda, clulas
epiteliais com propriedades receptivas associadas a terminaes
nervosas (ver fgura 1.10).
As informaes geradas nos receptores so conduzidas at o
SNC atravs das fbras perifricas primrias, cujos corpos celulares
formam gnglios prximos da raiz dorsal da medula espinal (fgu-
ra 1.11). Essas fbras aferentes possuem velocidades diferentes de
Originada do grego soma, que
signica corpo, e aesthesis,
sensibilidade.
Plexo
subpapilar
Derme
Epiderme
Estrato
crneo
Pele glabra
Pele
hirsuta
Cristas
papilares
Corpsculo
de Runi
Corpsculo
de Paccini
Receptor do
folculo piloso
Terminao nervosa
livre
Corpsculo
de Meissner
Glndula sebcea
Receptor de Merkel
Epiderme - juno
drmica
Figura 1.10 - Receptores somestsicos mecanorreceptivos, de temperatura e de dor. Com exceo das
terminaes nervosas livres que so sensveis a temperaturas e agentes qumicos, podendo sinalizar
temperatura ou dor, os outros receptores so mecanorreceptivos.
27 Homeostasia e Neurosiologia
conduo dos potenciais de ao em decorrncia de seus diferentes
calibres e graus de mielinizao (fgura 1.12). As fbras da classe A,
por serem mais calibrosas e mielinizadas, possuem maior veloci-
dade de conduo e so responsveis pela conduo das sensaes
de tato, presso e propriocepo. As fbras da classe C so menos
calibrosas, desprovidas de mielina e, por isso, mais lentas, condu-
zindo predominantemente informaes de temperatura e dor.
medida que as informaes so retransmitidas para o SNC, elas
contribuem com respostas refexas e com a percepo consciente
do estmulo recebido. O tato fno e a propriocepo consciente
so conduzidos rapidamente at o crtex, recebendo a denomina-
o de Sistema Epicrtico. O sistema que conduz a sensibilidade
trmica, dolorosa e de tato com baixo poder discriminativo, mais
lento e com baixa localizao espacial, recebe a denominao de
Sistema Protoptico.
A regio posterior da cabea, pescoo e restante do corpo tem
uma inervao que se distingue da inervao da face. Os neur-
nios perifricos do corpo penetram na medula espinal pelos espa-
os intervertebrais, carregando informaes coletadas em faixas
da superfcie corporal chamadas de dermtomos (fgura 1.13).
Gnglio da
raz dorsal
Encfalo
Pele
Gnglio
simptico
do SNV
Axnios aferentes
primrios
Figura 1.11 - A aferncia cutnea para a medula espinal feita atravs da raiz dorsal, onde o gnglio
dorsal aloja os corpos celulares de neurnios pseudo-unipolares que se de dirigem tanto para a
periferia como para o SNC. (Adaptado de BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002)
28 Fisiologia Humana
O nervo trigmio ou quinto par craniano, com os seus ramos
oflmico, mandibular e maxilar, responsvel pela inervao da
face, da poro superior da cabea, da parte da dura-mter e da
cavidade oral, incluindo os dois teros anteriores da lngua, pe-
riodonto, polpa dentria e gengiva. As informaes so enviadas
diretamente ao tronco cerebral, nos ncleos principal, mesencef-
lico e espinal do trigmio (fgura 1.14).
Mecanorrecepo e receptores somticos
As sensibilidades pressrica e ttil so modalidades mecanorre-
ceptivas que, via de regra, baseiam-se no aumento da condutncia
aos ctions e na despolarizao em receptores que podem ser mui-
to diferentes. Dentre esses receptores temos:
Axnios
da pele
Axnios vindos
dos msculos
Dimetro (m)
Velocidade
(m/s)
Receptores
sensoriais
Propriopeptores
do msculo
esqueltico
Mecanorrecep-
tores da pele
Dor,
temperatura
Temperatura,
dor, prurido
e coceira
13 - 20 6 - 12 1- 5 0.2 - 1.5
80 - 120 35 - 75 5 - 30 0.5 - 2
Grupo I II III IV
A A A C
Figura 1.12 - Fibras mais calibrosas e com maior grau de mielinizao conduzem as
informaes aferentes em velocidades maiores que as das bras mais delgadas e menos
mielinizadas. O sistema epicrtico utiliza predominantemente as bras mais velozes,
enquanto o protoptico utiliza mais as bras mais lentas.
29 Homeostasia e Neurosiologia
C2
C6
C5
C8
C8
C8
C6
S1
S3
S4
S5
S1
L4 L4
L4
L3
L2
L1
L5
L5
C6
Figura 1.13 - As bras perifricas
que penetram por um espao
intervertebral levando a
sensibilidade somtica ao SNC
inervam predominantemente
determinadas faixas da superfcie
corporal, denominadas de
dermtomos.
Figura 1.14 - O nervo trigmio
(V) ou quinto par de nervos
cranianos responsvel pela
sensibilidade somtica da face e
cavidade orofarngea. Os ncleos
no tronco cerebral retransmitem
as informaes para o tlamo, que
as retransmite ao crtex. Outras
informaes podem participar de
reexos construdos nos prprios
ncleos do V, como na projeo do
ncleo mesenceflico para o ncleo
motor. SI = rea somtica primria;
SII = rea somtica secundria; PO =
rea posterior do tlamo. (Adaptado
de PATTON et al, 1989)
Oral
Interpolar
Caudal
Lemnisco
trigeminal
SI
SI
VPM
PO
SII
Sensorial
principal
Ncleo mesenceflico
do V
Ncleo motor
do V
Ncleo
espinal
do V
Gnglio
semilunar
Oft.
Max
Mand.
.
30 Fisiologia Humana
Terminaes nervosas dos folculos pilosos a) : o arqueamento
dos plos produz deformao em uma terminao livre enro-
lada em seu bulbo (figura 1.10). Essa terminao parte de
uma fibra calibrosa e mielinizada (A) que responde ao toque
no plo;
Terminaes nervosas livres: b) so morfologicamente seme-
lhantes e sensveis aos estmulos mecnicos, trmicos ou qu-
micos, e podem gerar as sensaes de presso, calor, frio ou
dor. So encontradas em praticamente todos os tecidos do or-
ganismo, possuem fibras de pequeno calibre que podem ser
mielnicas ou amielnicas (A, C) (figura 1.10);
Corpsculos de Paccini c) : terminaes nervosas encapsuladas
por um conjunto de lamelas conjuntivas (figura 1.10). Os cor-
psculos so associados a fibras A, podendo ser encontrados
na derme, no peristeo, peritnio e em diversas vsceras. O
processo de adaptao extremamente rpido, de forma que
o receptor sinaliza apenas a fase de compresso e de descom-
presso do tecido (figura 1.10). So estimulados eficientemente
apenas por estmulos que variam muito no tempo, como est-
mulos vibratrios;
Corpsculos de Meissner d) : so mecanorreceptores de adapta-
o rpida, associados a fibras do tipo A (figura 1.10) que se
enovelam no interior de um invlucro conjuntivo. Esses recep-
tores so encontrados principalmente na transio da derme
com a epiderme, da pele glabra. Acredita-se que esses corps-
culos, juntamente aos de Paccini, colaborem para a deteco de
rugosidade das superfcies, por terem adaptao muito rpida
(figura 1.15);
Discos de Merkel: e) so terminaes nervosas de fibras mielni-
cas, e formam discos que se associam a clulas de Merkel (figura
1.10). Estas clulas estabelecem um contato sinptico, onde a c-
lula de Merkel transfere a informao para a fibra aferente mie-
lnica do tipo A. Os discos de Merkel (poro sinptica ner-
vosa) so encontrados tanto na epiderme da pela glabra como
na da pele hirsuta, respondendo de forma tnica compresso
da pele (figura 1.15). Esto envolvidos com o processamento de
tato e presso contnuos na investigao da forma dos objetos;
Pele glabra
Desprovida de plos.
Pele hirsuta
Provida de plos.
So clulas epiteliais que
possuem vesculas secretoras
em seu interior.
31 Homeostasia e Neurosiologia
Corpsculos de Ruffini f) : so arborizaes terminais de fibras
do tipo A inseridas em uma cpsula fibrosa rica em colge-
no (figura 1.10), situada profundamente na derme. Por estar
preza derme por fibras colgenas e ter adaptao lenta ou t-
nica (figura 1.15), informa no apenas a velocidade e o grau
de deformao da pele, mas tambm o tempo em que ela fica
deformada. Esse processamento importante para a percepo
da posio das partes do corpo entre si, quando auxiliada por
outros receptores;
Bulbos de Krause: g) aparecem em cadeia nas bordas da pele
como nas mucosas, ao redor dos lbios e na genitlia. So com-
postos por terminaes encapsuladas de fibras A, com funo
no definida.
O tamanho dos campos receptivos qualifca a sensibilidade som-
tica. Receptores de Meissner e de Merkel possuem campos receptivos
pequenos, tamanho ideal para uma discriminao espacial e mais
refnada que aquelas geradas pelos receptores de Paccini, Rufni ou
por algumas terminaes nervosas livres mecanorreceptivas. Alm
disso, os campos receptivos nos dedos e nos lbios so menores do
que aqueles encontrados em outras partes do corpo (fgura 1.16).
CAMPOS RECEPTIVOS
Pequeno Grande
Corpsculo de Meissner Corpsculo de Pacini
Rpido
Devagar
Clula de Merkel Terminao de Runi
A
D
A
P
T
A
O
Figura 1.15 - Os receptores somticos possuem velocidades diferentes de adaptao, o que
contribui para a percepo de diferentes caractersticas do meio ambiente. O corpsculo de
Paccini, com sua adaptao extremamente rpida, presta-se a evidenciar toques ou vibraes,
juntamente com o corpsculo de Meissner. O corpsculo de Merkel possui adaptao
intermediria, e se presta para a abordagem da forma de objetos. O corpsculo de Runi tem
adaptao lenta e til na cinestesia.
32 Fisiologia Humana
Termorrecepo
O corpo humano possui terminaes nervosas livres (sem es-
pecializaes morfolgicas) devotadas deteco de temperatura
e que podem ser discriminadas funcionalmente. Algumas so ati-
vadas em temperaturas prximas de 25C, pelo que so denomi-
nadas receptores para o frio, enquanto outras respondem melhor
a temperaturas entre 40C e 45C, denominadas receptores para
o calor, conforme podemos observar pela fgura 1.17. Essa fgura
ainda nos mostra que os tecidos, quando se encontram a tempe-
raturas acima de 45C ou abaixo de 10C, outras terminaes, que
geram a sensao de dor, passam a ser ativadas.
0
Limiar mdio (mm)
10 20 30 40 50
Figura 1.16 - Os limiares de resoluo espacial so diferentes ao longo de nossa
superfcie corporal; enquanto nos dedos eles variam de 1 a 2 milmetros, nos
braos, pernas e dorso podem atingir 40 milmetros ou mais. (Adaptado de
KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000, p. 436)
Temos que relevar o fato
de que so referidas as
temperaturas dos tecidos e
no do meio ambiente.
33 Homeostasia e Neurosiologia
Temos, portanto, receptores de dor ativados por extremos de
temperatura. Os receptores de temperatura possuem campos re-
ceptivos pequenos e densidade maior na pele glabra das mos e
dos lbios, embora estejam presentes por todo o corpo. A sensa-
o trmica sofre adaptao expressiva em curto prazo e s bem
localizada quando acompanhada de outros estmulos, principal-
mente os mecnicos.
Nocicepo e dor
O corpo humano possui terminaes nervosas livres que so
denominadas nociceptores ou receptores algsicos, e que, quando
estimuladas, geram a sensao de dor. Elas se distribuem por todo
o organismo, com algumas raras excees. A densidade de recep-
tores algsicos no alta na maior parte dos tecidos, mas quan-
do o estmulo doloroso aplicado sobre uma superfcie ampla, as
respostas podem ser somadas, causando dores intensas. Esse pro-
cesso bastante evidente nas vsceras, onde perfuraes e cortes
geralmente no geram dor, ao contrrio das distenses de reas
amplas, que geram dores intensas.
2
4
6
8
10
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60
Frio
congelante
Frio Fresco Indiferente Tpido Quente
Calor
escaldante
Frio-dor
Receptores de frio
Receptores de calor
Calor-dor
Temperatura (C)
I
m
p
u
l
s
o
s
p
o
r
s
e
g
u
n
d
o
Figura 1.17 - Sensibilidade dos receptores para calor e frio representada pela atividade
na bra aferente. Nos extremos de temperatura receptores respondem ao calor e ao frio,
mas a sensao gerada de dor. (Adaptado de GYUTON et al, 2000, p. 525)
Como rea isenta de
inervao algsica temos
o parnquima do SNC,
embora nociceptores estejam
presentes nas meninges e nos
vasos sanguneos que irrigam
esse tecido. Perifericamente
so isentos de nociceptores
a parte central da mucosa
das bochechas, a lngua
posterior, a vula inferior e o
parnquima do fgado (mas
no a sua cpsula, motivo
pelo qual pugilistas tm o
fgado como alvo).
34 Fisiologia Humana
O mecanismo de transduo nos receptores algsicos envolve a
resposta a estmulos mecnicos ou trmicos, caracterizando os re-
ceptores unimodais, enquanto aqueles que respondem a estmulos
de mais de uma natureza (mecnicos, trmicos ou qumicos) so
considerados polimodais. O que eles tm em comum um limiar
alto, assim despolarizam apenas com estmulos intensos, que pro-
movam ou possam vir a promover leso tecidual.
A dor nem sempre tem uma origem na ativao dos receptores
perifricos. Ela pode ser gerada por injria na sua via de condu-
o, nos nervos perifricos, ou no SNC, sendo denominada de
dor neuroptica.
Sensibilizao dos nociceptores
Quando um tecido agredido, os estmulos induzem a despo-
larizao dos nociceptores. O potencial de ao na fbra aferen-
te propaga-se para as outras ramifcaes da mesma fbra (fgu-
ra 1.18), induzindo a liberao de peptdeos. Estas substncias
contribuem com um processo infamatrio e de edema no local,
onde seus mediadores diminuem o limiar das membranas dos no-
ciceptores ao seu redor. De uma forma indireta, subprodutos das
membranas celulares lesadas, como prostaglandinas, prostacicli-
nas e leucotrienos, direta ou indiretamente diminuem o limiar dos
nociceptores.
A diminuio do limiar favorece a ativao em especial das f-
bras do tipo C, processo que denominamos de hipersensibilidade
dor ou hiperalgesia. A hiperalgesia pode intensifcar a dor oca-
sionada pelos estmulos nocivos, neste caso denominada hiperal-
gesia primria, ou pelos estmulos incuos, gerando alodnia, ou
ainda, a dor espontnea. Algumas vezes a hipersensibilidade pode
induzir atividade tnica nas fbras nociceptivas, que passam a pro-
mover dor espontnea.
Dor aguda ou rpida e dor crnica ou lenta
Os nociceptores das terminaes A e A so receptores respon-
sveis pela gerao da chamada dor aguda, rpida ou primria;
a dor que aparece pela ao direta do estmulo sobre o receptor
Alondia
Denimos como alodnia
tctil a resposta dolorosa
ao toque pelas roupas ou
por objetos do meio am-
biente, e como alodnia
trmica a resposta doloro-
sa ao frio ou ao calor mo-
derado. Tais tipos de alo-
dnia podem ocorrer aps
a exposio do corpo pro-
longada ao sol, ou nos teci-
dos edemaciados, quando
o toque ou mudanas de
temperatura geram dor.
35 Homeostasia e Neurosiologia
quando o tecido cortado, golpeado, ou submetido a temperaturas
extremas. Os receptores do tipo A geram dor primria que pode
ser sentida 0,1 segundos aps a apresentao do estmulo, e cessa
apenas com a sua interrupo. Portanto, a adaptao ausente ou
muito discreta nesse tipo de receptor. A dor aguda no gerada na
maior parte dos tecidos profundos do corpo.
A dor lenta ou crnica gerada pela estimulao de fbras do
tipo C, recebendo tambm os nomes de dor pulsante (ou late-
jante), em queimao ou nauseante. Ela decorrente da ao de
elementos qumicos liberados pelo tecido lesado ou por agen-
tes pr-infamatrios nas terminaes receptoras. Esse tipo de
dor gera um sofrimento mais prolongado e no precisamente
localizada.
Prostaglandinas K
+
Bradicinina
Produz
edema
Mastcito
Substncia P
Substncia P
Vaso
sanguneo
Histamina
Sinal
Nocivo
Sinal
Nocivo
Gnglio da
raiz dorsal
Medula espinhal
Figura 1.18 - Fatores qumicos sensibilizam os receptores de dor. Alguns so derivados da leso celular e outros do processo
inamatrio que se instala sob inuncia de neuropeptdios, como a substncia P, liberados pelas terminaes nervosas.
36 Fisiologia Humana
Modulao da dor
Inuncia da emoo sobre a dor
A dor tem por funo indicar efeitos lesivos sobre o organismo.
Todavia, no homem, mais do que qualquer outra modalidade sen-
sorial, a dor modulada pelas emoes e pelos pensamentos. A
prpria defnio da dor incorpora tal caracterstica:
Dor uma experincia sensorial e emocional desagradvel, as-
sociada com o dano tecidual real ou potencial, descrita em ter-
mos desse dano. (Cf. IASP, [1999])
Embora essa defnio esteja correta, a universalidade de seus
termos pode ser questionada pelo fato de que a experincia e a
constituio particular de cada indivduo determinam sensibili-
dades e reaes diferentes dor. Nem sempre a reao do indi-
vduo ocorre no sentido de promover um bloqueio da dor. Em
algumas situaes sua conduo pode ser facilitada. A diferena
reside na maneira pela qual substratos neurais do encfalo pro-
cessam as informaes de dor, pelo signifcado emocional que
ela tem, e at mesmo pelo fato da
pessoa ser estimulada por um ato
motor voluntrio dirigido para a
regio manipulada ou receber o es-
timulo passivamente.
Controle da dor pela teoria da
comporta
postulado pela chamada Teo-
ria da Comporta que as fbras de
grosso calibre, como as respons-
veis pela mecanorrecepo de bai-
xo limiar, estimulam interneur-
nios inibitrios na medula espinal
que bloqueiam o repasse dos sinais
da dor (fgura 1.19). Por este moti-
vo, ao sermos picados por um inse-
to massageamos a regio, aliviando
a dor. O prurido, gerado em recep-
Figura 1.19 - Convergncia dos aferentes nociceptivos e mecanorrecepti-
vos de baixo limiar no corno posterior da medula espinal. A ao dos meca-
norreceptores e de interneurnios inibitrios sobre a aferncia nociceptiva
d suporte Teoria da Comporta, de inibio da dor. (Adaptado de LENT,
2002, p. 324)
Para a coluna
dorsal
Ao tracto
espinotalmico
Medula
espinhal
Neurnio
de projeo
Corno
dorsal
Axnios A ou A
(mecanorreceptores
no-nociceptivos)
Interneurnio
Fibras C (sinais
nociceptivos)
+
+
37 Homeostasia e Neurosiologia
tores do tipo C, pode ser bloqueado tanto pelo tato como pela dor.
O mesmo mecanismo parece envolvido com a analgesia induzida
pela estimulao eltrica transcutnea do nervo (ou TENS), e mui-
to utilizado em sesses de fsioterapia, embora o efeito prolongado
da aplicao desta tcnica sugira tambm um efeito supraespinal.
Dor referida
Durante o desenvolvimento embrionrio, estruturas dispostas
ao longo do eixo corporal, chamadas de segmentos dermatom-
ricos, diferenciam-se em tecidos que se distribuem abaixo do epi-
tlio ou entre as vsceras. Embora afastadas, essas estruturas pre-
servam no SNC os seus pontos de inervao muito prximos. Esta
convergncia possibilita que a aferncia nociceptiva de uma vsce-
ra facilite a conduo da sensibilidade nociceptiva de uma rea da
superfcie corporal. Assim, a dor gerada pela isquemia do miocr-
dio referida como uma dor presente na poro superior do trax
e brao (fgura 1.20).
Transcutaneous Electrical
Nerve Stimulation
Ureter
Corao
Esfago
Estmago
Fgado e
vescula biliar
Piloro
Umbigo
Apndice e
intestino delgado
Rim direito
Rim esquerdo
Clon
Figura 1.20 - Localizao da dor referida em reas cutneas, geradas pela estimulao
nociceptiva das vsceras. (Adaptado de GUYTON; HALL, 2002, p. 522)
38 Fisiologia Humana
Transmisso ascendente da sensibilidade
somatossensorial
Transmisso da sensibilidade mecanorreceptiva de baixo limiar:
sistema da coluna posterior-lemnisco medial e via trigeminal
As fbras mecanorreceptivas de baixo limiar que conduzem as
sensaes proprioceptivas de tato e presso epicrticos da maior
parte de nosso corpo entram na medula espinal pelas razes pos-
teriores (fgura 1.21). As fbras primrias dividem-se lanando
ramos que penetram no corno posterior, mediando refexos espi-
nais. Outros ramos formam fbras secundrias que compem a co-
luna dorsal, situada entre os cornos posteriores, ou que originam
feixes de fbras que se projetam para o cerebelo, os feixes espino-
cerebelares. Todavia, a maior parte dos ramos colaterais das fbras
primrias ascende a medula espinal, na coluna dorsal, at o tronco
cerebral. O comprimento destas clulas pode ser de mais de um
metro e meio, se considerarmos as terminaes perifricas que
inervam o p e os seus ramos centrais, que terminam na transio
entre o tronco cerebral e a medula espinal.
No bulbo as fbras primrias contatam as fbras de projeo se-
cundria, que cruzam a linha mdia, formando o lemnisco me-
dial. No diencfalo, o lemnisco medial termina no tlamo soma-
tossensorial ou complexo nuclear ventro-pstero-lateral (VPL)
do tlamo (fgura 1.22).
As informaes mecanorreceptivas de baixo limiar da face e
poro superior da cabea so conduzidas pelas razes do trig-
mio, penetrando no tronco cerebral no nvel da ponte (estrutura
entre o mesencfalo e a medula oblonga). As fbras A contatam
os neurnios de segunda ordem no ncleo principal do trigmio
(fgura 1.14), que se juntam s fbras do lemnisco medial, a partir
de onde a mecanorrecepo epicrtica dos dois sistemas condu-
zida ao tlamo somatossensorial. Enquanto as fbras do lemnisco
medial terminam de forma mais expressiva no VPL do tlamo, as
fbras do trigmio projetam-se predominantemente para a regio
Ventro-Pstero-Medial do tlamo (VPM).
As informaes proprioceptivas da gengiva e da musculatura
mastigatria so conduzidas at o ncleo mesenceflico do trig-
Trato arqueado que ascende
pelo tronco cerebral
contralateral. Suas bras se
dispem em forma de ta
em uma posio medial no
tronco cerebral, recebendo
por isso a denominao de
lemnisco medial.
39 Homeostasia e Neurosiologia
Crtex cerebral
Sulco
lateral
Cpsula
interna
Tlamo
Perna
e p
T
r
o
n
c
o
Crtex sensorial somtico
(giro ps-central)
Crtex insular
dorsal anterior
rea ventral
posterior lateral
Trato espinomesenceflico
Lemnisco medial
Lemnisco medial
Trato espinotalmico
Ncleo
principal
do trigmio
Trato espinoreticular
Sistema anterolateral
Ncleo grcil
Ncleo cuneiforme
Trato e ncleo espinal do
trigmio (N.V.)
Decussao sensorial
Facculo do grcil
Fascculo do
cuneiforme
Medula espinal
Clulas da
raiz dorsal
Medula oblonga
Medula oblonga
Sistema da coluna
dorsal e lemnisco medial
Ponte
Mesencfalo
A
n
t
e
b
r
a
o
e
r
e
a
d
a
m
o
F
a
c
e
Figura 1.21 - Tratos da coluna dorsal-lemnisco medial e da via espinotalmica ntero-lateral, condutores das
sensibilidades somticas epicrticas e protopticas. (Adaptado de KANDEL et al, 2000, p. 446)
40 Fisiologia Humana
P
CL
V
P
M
MD
A
LD
VA
VL
VPL
VPM
M
Lmina mdia
e interna
Ncleos
intralaminares
Lemnisco medial
e trato espinotalmico
Trigmio
Trato
ptico
Nervo
acstico
R
Ncleo
geniculado
medial
Ncleo
Geniculado
Lateral
Figura 1.22 - O tlamo atravessado por lminas de bras de passagem. As regies mais
externas so logeneticamente mais recentes e processam as sensaes somticas mais
elaboradas, como o tato epicrtico e a propriocepo. As reas mais mediais processam as
sensaes menos elaboradas, como o tato protoptico, a temperatura e a dor.
mio, o qual, pela sua conexo com o ncleo motor do trigmio,
pode desencadear refexos mandibulares como o fechamento ou
abertura da boca.
Transmisso da sensibilidade algsica, de temperatura e tato
protoptico: Sistema ntero-Lateral e via trigeminal
As informaes protopticas de tato e presso, de dor, ccegas,
prurido, temperatura e de sensaes sexuais so conduzidas na
medula espinal por vias ascendentes mais complexas, denomina-
das de Sistema ntero-Lateral. Entre os seus componentes esto: o
trato espinotalmico (fgura 1.21), o trato espinorreticular e o tra-
to espinomesenceflico (no representados aqui). Suas projees
so mais difusas do que o sistema do cordo posterior-lemnisco
medial e se projetam no apenas para o tlamo, mas tambm para
o tronco cerebral e o crebro.
As fbras primrias que conduzem as informaes trmicas e de
dor para a medula espinal sobem ou descem alguns segmentos na
medula espinal e contatam neurnios de projeo de segunda or-
41 Homeostasia e Neurosiologia
dem, que cruzam a linha mdia pela comissura anterior da medula
espinal, ascendendo pelo seu quadrante ntero-lateral diretamente
at o tlamo. A via espinotalmica ntero-lateral conduz as sensa-
es de temperatura e o tato grosseiro at o complexo ventro-basal
do tlamo. A aferncia nociceptiva conduzida principalmente
para os ncleos intralaminares do tlamo, e esse processo inter-
mediado pelos ncleos reticulares do tronco cerebral. As proje-
es difusas que partem destas reas talmicas para o crtex so
responsveis pela modulao dos nveis de alerta do indivduo.
A aferncia nociceptiva e de temperatura provenientes do nervo
trigeminal so conduzidas at o ncleo espinal do trigmio por
fbras que compem o trato espinal do trigmio. Esse ncleo possui
trs divises: oral, interpolar e caudal. As informaes nociceptivas
so conduzidas at suas divises caudal e interpolar, de onde partem
fbras que cruzam a linha mdia, formando o lemnisco trigeminal
ou trato trigmio-talmico, terminando no VPM do tlamo.
Transmisso da sensibilidade somtica visceral
A sensibilidade somtica das vsceras chega medula espinal
por aferentes perifricos pertencentes s divises parassimptica
e simptica do Sistema Neurovegetativo, e pelo trato da coluna
dorsal-lemnisco medial. Na diviso parassimptica, as informa-
es so obtidas por 4 pares de nervos cranianos: o trigmio, o
facial, o glossofarngeo e o vago. As vsceras plvicas so inervadas
pelos nervos do segundo ao quarto segmentos sacrais. As afern-
cias sensoriais somticas dos nervos simpticos so complexas e
menos conhecidas do que as parassimpticas.
1.5 Contrao Muscular
As informaes sensoriais que recebemos via de regra nos in-
duzem a comportamentos. Estes podem ser difceis de se observar,
como acontece com os pensamentos, as lembranas e algumas al-
teraes viscerais. Outros so facilmente detectveis com a movi-
mentao induzida pela contrao dos msculos esquelticos, ge-
rando locomoo, movimentos e posturas, ou de forma um pouco
42 Fisiologia Humana
mais sutil, pela resistncia a foras externas. Abordaremos a seguir
a forma pela qual as fbras musculares so ativadas na sua conexo
com o Sistema Nervoso, bem como a forma pela qual essas fbras
operam para a gerao do trabalho muscular.
1.5.1 Juno neuromuscular e despolarizao
da bra muscular
Seja qual for a(s) atividade(s) motora(s) realizada(s), todas pas-
sam pelo comando de um neurnio motor ou motoneurnio. Os
motoneurnios podem ter seus corpos celulares na medula espi-
nal ou no tronco cerebral, e estabelecem contato sinptico com
a fbra muscular, liberando acetilcolina (Ach) para a ativao da
fbra. Esse contato denominado juno neuromuscular (fgura
1.23) e tem na membrana ps-sinptica (na fbra muscular a mem-
brana plasmtica denominada sarcolema) dobras em profuso,
de modo a aumentar a superfcie de contato com os neurotrans-
missores liberados na fenda sinptica.
A membrana ps-sinptica da juno neuromuscular recebe a
denominao especfca de placa motora. Uma vez liberada na fen-
da sinptica, a Ach se liga a um receptor ionotrpico, aumentando
a sua permeabilidade aos ctions, levando a uma despolarizao
da membrana, condio para a contrao muscular ter incio. A
Ach estabelece uma ligao fraca com o receptor ps-sinptico,
pelo que pode se desligar dele e logo a seguir ligar-se a outro.
Para que isso no acontea por tempo prolongado, o que re-
sultaria em uma falta de controle do SNC sobre a musculatura,
os neurotransmissores so rapidamente destrudos por enzimas
que se encontram na fenda sinptica. Na juno neuromuscular
a esse tipo de enzima chama-se acetilcolinesterase, o qual quebra a
Ach em acetato e colina, que so transportados por uma protena
na membrana pr-sinptica de volta para a terminao nervosa,
onde outra enzima, a colinacetiltransferase, recicla os resduos para
montar novas molculas de Ach a um custo metablico menor.
A despolarizao da fbra muscular importante para a entrada
de Ca
++
, elemento vital para o processo bioqumico da contrao.
No entanto, a fbra muscular to grande, se comparada a outras
43 Homeostasia e Neurosiologia
clulas, que a difuso do Ca
++
para junto dos flamentos contrteis
tornaria a contrao muscular um processo bastante lento. Isso
no ocorre porque a membrana celular possui uma srie de in-
vaginaes transversais que facilitam a conduo do potencial de
ao at as regies mais internas da fbra.
Intimamente associadas a essas invaginaes, tambm chama-
das de tbulos transversos ou tbulos em T, esto as membranas
do retculo endoplasmtico, na fbra muscular denominada de re-
tculo sarcoplasmtico. Junto aos tbulos T os canais do retculo
se fundem e so denominados de cisternas. As cisternas armaze-
nam uma grande quantidade de on Ca
++
s custas de uma prote-
na de membrana que funciona como uma bomba, transferindo
por transporte ativo esse on para o interior das cisternas. Ela ga-
rante que no haver Ca
++
em grande quantidade por muito tempo
Troponina + Ca
2+
Ca
2+
Ca
2+
Ca
2+
Ca
2+
Ca
2+
Ca
2+
Ca
2+
Actina
Retculo
Sarcoplasmtico
Membrana
plasmtica
Placa motora
Liberao de Ach
Fenda sinptica
Tbulo
transverso
Figura 1.23 - A juno neuromuscular a associao de uma terminao nervosa com a membrana
plasmtica de uma bra muscular esqueltica. A placa motora apresenta dobras em profuso para aumentar
a superfcie de contato com o neurnio. A acetilcolina liberada atua sobre receptores do sarcolema iniciando
o processo de contrao da clula.
44 Fisiologia Humana
no citoplasma, interrompendo assim o processo de contrao e
levando fase que chamamos de relaxamento da fbra muscular.
O transporte no perodo de relaxamento e repouso ocorre contra
o gradiente de concentrao, sendo intenso o sufciente para fa-
zer com que, na prxima despolarizao da clula, o Ca
++
possa
difundir-se passivamente para o citoplasma.
1.5.2 Teoria dos lamentos deslizantes
Esta teoria preconiza que os flamentos de actina e de miosina des-
lizam entre si, promovendo uma diminuio do comprimento dos
sarcmeros. Estes formam a unidade funcional da fbra muscular, e
seu arranjo em srie ao longo do comprimento da fbra faz com que
a soma dos minsculos encurtamentos de cada unidade resulte em
encurtamentos expressivos da fbra como um todo (fgura 1.24).
Para entendermos este processo, precisamos considerar a cons-
tituio molecular dos flamentos de actina e de miosina (fgura
1.23), e as modifcaes estruturais que esses flamentos sofrem
Linha Z Linha Z Linha M
Contrao
Filamento
grosso
Filamento
no
Figura 1.24 - A interao dos lamentos de actina e miosina promove o encurtamento dos sarcmeros.
Uma vez que estas estruturas se repetem ao longo do eixo longitudinal da clula, o comprimento total
desta expressivamente diminudo.
45 Homeostasia e Neurosiologia
durante a contrao e o relaxamento. A actina tem 3 componentes
importantes a serem considerados:
A 1. actina propriamente dita, protenas globulares que se as-
sociam na forma de uma dupla hlice, dando o nome ao
filamento;
A 2. tropomiosina, protena filamentosa que acompanha cada fi-
lamento de actina, recobrindo um importante stio de ligao
da actina com a miosina;
A 3. troponina, que estabelece ligao tanto com a actina como
com a tropomiosina.
A relao das trs protenas que compem o flamento de actina
muda na presena de Ca
++
, permitindo sua ligao com a miosi-
na. A troponina possui uma subunidade que tem alta afnidade
pelo Ca
++
. Quando ligada a este on, promove uma modifcao
na relao entre a tropomiosina e a actina, expondo um stio da
actina com alta afnidade pela miosina e que estava coberto pelo f-
lamento de tropomiosina. Dessa forma, os dois flamentos podem
se associar caso o flamento de miosina tambm esteja em uma
condio favorvel.
Para isso, as molculas de miosina do flamento que recebe o
mesmo nome devem estar em seu estado de maior energia. Isso
acontece quando elas absorvem a energia de uma molcula de Tri-
fosfato de Adenosina (ATP), disponvel no citoplasma. Um stio
com atividade ATPsica na molcula de miosina quebra o ATP, e a
energia liberada absorvida para esticar a molcula de miosina:
a sua poro tubular fca reta e assume uma posio em ngulo
maior do que possua com a sua poro globular ou ponte trans-
versa, no seu estado de menor energia.
Nesse estado energizado, a miosina pode se ligar actina, caso o
Ca
++
tenha exposto a regio de alta afnidade da actina. Esta liga-
o no consome energia, mas permite que a energia armazenada
na miosina seja liberada, induzindo o retorno da miosina para o
seu estado de menor energia, na forma dobrada (fgura 1.25).
Com o dobramento da miosina ocorre o arrastamento da actina
que est atada ponte transversa. importante nos atentarmos
ATP
ATP
ATP
+
Miosina
Miosina + ATP
Hidrlise
Miosina energizada
+ ADP + Fosfato
P
i
ADP
Figura 1.25 - As molculas de
miosina mudam suas estruturas
em funo do estado energtico
em que se encontram. Com a
energia do ATP absorvida, elas
apresentam uma molcula
estendida, e quando voltam
para o seu estado de menor
energia assumem uma
conformao dobrada.
46 Fisiologia Humana
para o fato de que todas as pontes transversas so deslocadas para
a parte central do sarcmero, visto que as molculas de miosina se
dispem de forma oposta em cada lado deste (fgura 1.24). Essa
disposio que possibilita o encurtamento do sarcmero.
O dobramento da miosina para o seu estado de menor ener-
gia libera o Difosfato de Adenosina (ADP) e Fosfatos inorgnicos
(Pis), resduos do ATP que foi anteriormente quebrado, expondo
novamente o stio com ao ATPsica na ponte transversa. Com
a clivagem de uma nova molcula de ATP, a energia ser utilizada
em parte para desacoplar os dois flamentos e, uma vez liberada
da actina, a molcula de miosina incorpora o restante da energia.
Neste estado de maior energia a miosina assume uma forma retil-
nea, e torna-se disponvel para uma nova ligao com a actina.
Enquanto esse processo ocorre inmeras vezes em um comporta-
mento cclico, o Ca
++
bombeado de volta para as cisternas do ret-
culo sarcoplasmtico. Sem esse on para manter descoberto o stio de
alta afnidade da actina com a miosina, a ligao entre os flamentos
no pode mais ocorrer e a fbra muscular perde fora, entrando na
fase de relaxamento. necessrio ento uma nova despolarizao
da clula, fato que est condicionado a um comando proveniente do
Sistema Nervoso, para que a fbra se contraia novamente.
1.5.3 Mecnica da contrao muscular
A musculatura esqueltica humana composta de fbras com
constituies variadas. Um tipo de fbra muscular, de contrao
lenta, apropriado para atividades de longa durao, contendo alto
teor de mioglobina, mitocndrias e vasos sanguneos. Os compo-
nentes desse tipo de fbra contribuem para a aparncia avermelha-
da e o nome de musculatura vermelha que esse tipo recebe.
As fbras de contrao rpida possuem menos mioglobina, mi-
tocndrias e irrigao sangunea, mas contm depsito maior de
glicognio em seu interior. Essas fbras adequam-se melhor a tra-
balhos de curta durao, por reporem com menos efcincia o ATP
consumido no trabalho muscular.
Um tipo intermedirio entre as fbras de contrao lenta e rpida
possui caractersticas mistas. Nossos msculos podem ter os trs
47 Homeostasia e Neurosiologia
tipos de fbras, embora em cada um deles predomine o tipo mais
adequado ao trabalho muscular ao qual cada msculo se preste.
O SNC est conectado musculatura esqueltica, sendo respon-
svel por sua ativao. Temos que considerar uma unidade bsica
para a contrao muscular, composta pelo neurnio e pelas fbras
musculares que ele inerva. O neurnio tem o corpo celular no SNC
e se projeta at o msculo, ativando um conjunto de fbras muscu-
lares. Esta unidade funcional recebe o nome de unidade motora.
Os msculos que utilizamos para fazer atividades delicadas pos-
suem unidades motoras pequenas, enquanto os msculos que re-
alizam trabalhos mais grosseiros possuem unidades maiores, com
um nmero maior de fbras musculares por motoneurnio. Con-
siderando que uma forma de graduarmos nossa fora atravs
do recrutamento de unidades motoras, a ativao de um nmero
maior de unidades pequenas compatvel com incrementos sutis
de fora em um movimento delicado, enquanto o recrutamento de
unidades motoras grandes contribui com aumentos expressivos de
fora, compatvel apenas com movimentos menos delicados. Isso
porque, uma vez ativado o motoneurnio, todas as fbras muscu-
lares daquela unidade iro contrair, ao mesmo tempo.
Todavia, o recrutamento de todas as unidades motoras em um
determinado instante no representa o mximo de trabalho que o
msculo pode realizar. Uma nica ativao do motoneurnio in-
duz a uma contrao isolada, denominada de abalo muscular, e os
abalos musculares podem somar-se no tempo (somao tempo-
ral), gerando um trabalho muscular mais efciente (fgura 1.26).
Motoneurnio o nome
dado ao neurnio que
inerva a musculatura,
promovendo um trabalho
muscular. Na medula espinal
os motoneurnios tm seus
corpos celulares localizados
no corno anterior ou ventral,
inervando o corpo e parte do
pescoo. No tronco cerebral os
motoneurnios se encontram
em ncleos especcos e
inervam os msculos da
cabea e parte do pescoo a
partir dos nervos cranianos.
A B
Tempo
C
o
n
t
r
a
o
m
u
s
c
u
l
a
r
Figura 1.26 - Os abalos musculares
podem somar-se no tempo, resultando
em uma contrao mais forte e mais
prolongada. Em A temos o abalo isolado
e em B a somao de 3 abalos. Este
fenmeno ocorre quando a fase de
relaxamento no se completa, ou por
permanecer um resduo de clcio no
citoplasma no momento em que a bra
novamente solicitada a contrair-se.
48 Fisiologia Humana
So trs as razes para os abalos musculares somarem-se e pro-
duzirem um trabalho muscular mais efciente. Como o potencial
de ao que se espalha pela fbra muscular tem durao de aproxi-
madamente 1 ms e a contrao dura aproximadamente 100 ms, o
perodo refratrio da fbra para a propagao de um novo poten-
cial termina muito antes de terminar o abalo muscular, e vrios
potenciais podem ser gerados nesse perodo. Se um segundo abalo
desencadeado antes do trmino do primeiro, parte da resistncia
oferecida ao trabalho muscular j foi vencida e o segundo abalo
incorpora uma fora e durao extra ao processo.
A somao temporal de abalos pode ocorrer nas fases de con-
trao ou de relaxamento incompleto da fbra, o que implica na
existncia de um resduo de Ca
++
que ainda no foi bombeado de
volta s cisternas do retculo sarcoplasmtico. Esses acmulos su-
cessivos contribuem para contraes mais efcientes, uma vez que
uma populao maior de pontes cruzadas podem ligar-se a mol-
culas de actina. Dessa maneira, quando um levantador de halteres
disputa um campeonato, ele ter no s que recrutar todas as uni-
dades motoras disponveis em seus msculos, mas tambm ativ-
las com alta freqncia de descarga.
Um msculo ativado promove trabalho, resultando normalmen-
te no deslocamento de uma carga custa de uma tenso gerada em
suas extremidades. Esse processo demanda gasto energtico. Ape-
sar da contrao muscular ter essa tendncia, nem sempre ela ocor-
re dessa maneira. Em algumas situaes, aps um esforo mximo
sem conseguir deslocar uma carga, o msculo pode continuar au-
mentando a tenso em suas extremidades. A esse tipo de contrao
damos o nome de contrao isomtrica. Ela pode ser exemplifca-
da como o trabalho muscular executado em uma disputa de queda
de brao, quando um oponente executa um trabalho semelhante ao
meu: nossas mos no pendem para um lado e nem para outro por-
que o aumento de fora em um brao compensado pelo aumento
da fora no outro brao, ocorrendo, portanto, aumento de tenso
sem deslocamento. A aplicao da equao que defne trabalho, pela
Fsica, resultaria em um trabalho nulo, visto que o deslocamento
igual a zero. No entanto, este tipo de ao demanda um grande con-
sumo energtico e o trabalho no pode ser considerado nulo.
Com a mudana de for-
ma da bra muscular, os
componentes elsticos da
clula, como a sua mem-
brana muscular, oferecem
resistncia contrao,
assim como a viscosida-
de do citoplasma em seu
interior.
Trabalho
Na Fsica, denido como
o produto da fora pelo
deslocamento, ou T = F.D,
onde T = Trabalho, F = Fora
e D = Deslocamento.
Contrao isomtrica
Contrao onde a medida
do msculo permanece a
mesma.
Contrao isotnica
Contrao onde a medida
do msculo varia enquanto
a tenso nas extremidades
permanece constante.
49 Homeostasia e Neurosiologia
Em oposio contrao isomtrica, temos a contrao iso-
tnica. Ela representa a maior parte dos movimentos que reali-
zamos, onde uma carga deslocada pelo trabalho muscular re-
alizado. Todavia, em qualquer trabalho muscular ocorre sempre
uma variao na tenso entre as suas extremidades, mesmo que
seja pelo momento angular, o qual diferente em diferentes fases
da contrao. Assim, embora possamos diferenciar as contraes
em predominantemente isomtricas ou isotnicas, contraes pu-
ramente isomtricas ou isotnicas raramente ocorrem.
A atividade muscular no tem como conseqncia exclusiva-
mente o trabalho muscular. Quando o msculo desempenha ativi-
dade moderada, ocorre gasto energtico e ele estimulado a man-
ter a sua capacidade contrtil. Na vigncia de pouca atividade no
apenas o gasto energtico diminui, mas tambm a massa muscular
diminui em um processo de atrofa, onde ocorre diminuio dos
flamentos contrteis no interior das fbras. Em um trabalho mus-
cular intenso o gasto energtico ainda maior e o msculo neces-
sita de um perodo de repouso para no entrar em exausto, e as
fbras musculares so estimuladas a incorporar mais aminocidos
e formar mais flamentos contrteis. Este fenmeno chamado hi-
pertrofa muscular, e resulta em um msculo mais volumoso e
com uma capacidade maior de realizar trabalho muscular.
Outros fatores interferem na efcincia do trabalho muscular,
como a carga associada ao msculo e o alongamento inicial do
msculo. No que diz respeito carga, quanto maior ela for, mais
lento ser o movimento e maior a demanda energtica. Quanto
ao alongamento inicial, existe um exerccio de alongamento mais
adequado para cada trabalho muscular. Se o propsito da contra-
o for gerar fora, em detrimento do grau de encurtamento das
fbras, uma sobreposio maior dos flamentos de actina e miosina
facilitar o trabalho. Caso o propsito seja o deslocamento, o alon-
gamento da fbra no incio da contrao facilitar o desempenho
da fbra. Temos que levar em conta, entretanto, que extremos de
alongamento, para mais ou para menos, sacrifcaro um dos com-
ponentes do trabalho: no caso de alongamento excessivo, a fora
sacrifcada e, no caso do encurtamento excessivo, sacrifca-se o
deslocamento (fgura 1.27).
50 Fisiologia Humana
Faixa fsiolgica
A
B
C
100
50
0 50 100 150 300
Tenso
isomtrica
(% do mximo)
Comprimento do msculo
(% do comprimento de repouso)
A
B
C
Linha Z
Linha Z
Filamento
grosso
Filamento
fno
Figura 1.27 - A ecincia da contrao muscular depende, entre outros
fatores, do seu grau de alongamento. Msculos muito alongados tm
pouca sobreposio dos lamentos de actina e miosina, no sendo
capazes de gerar fora de forma eciente. Quando muito reduzidos no
comprimento, a superposio dos lamentos pode impedir o deslocamento
deles entre si, prejudicando a gerao de fora adicional, como
demonstrado nas situaes A, B e C.
51 Homeostasia e Neurosiologia
1.5.4 Substrato energtico para a contrao muscular
O metabolismo muscular utiliza ATP como substrato energti-
co. O depsito citoplasmtico de ATP na fbra muscular exauri-
do com poucos segundos de atividade muscular. O substrato que
utilizado de forma mais imediata para a reposio de ATP o
fosfato de creatina, que tambm supre a clula de ATP para ati-
vidade muscular muito curta. O msculo passa ento a depender
da glicose para repor ATP. A glicose pode ser disponibilizada pela
quebra de glicognio, visto que esta substncia armazenada em
grande quantidade nas fbras musculares, ou da glicose incorpora-
da da circulao sangunea.
Caso o msculo esteja com uma boa perfuso sangunea, o
aporte de oxignio facilitar o metabolismo aerbico da glicose,
possibilitando uma atividade por tempo prolongado e, no caso de
uma baixa perfuso sangunea, as clulas realizaro o metabolis-
mo anaerbico da glicose, tendo como produto desse metabolis-
mo uma baixa quantidade de ATP, sufciente para um tempo rela-
tivamente curto de atividade muscular, e o cido ltico.
1.6 Sistema Motor
Conhecidos os mecanismos envolvidos com a contrao da f-
bra muscular e a forma pela qual ela ativada, passaremos a abor-
dar a forma pela qual o Sistema Nervoso aciona os motoneurnios
que iro ativar a musculatura. Precisamos ter em mente que uma
fbra muscular ativada para a contrao e que ela relaxa pela falta
de ativao, e nunca por uma inibio do motoneurnio sobre as
fbras musculares. Por isso, fundamental entender como o SNC
se organiza para uma ativao coordenada dos msculos, de for-
ma a produzir um comportamento motor que possibilite a relao
adaptativa do indivduo com o meio que o rodeia.
Adiantamos que este sistema, de forma talvez mais evidente
do que outros, mostra uma organizao hierrquica, onde um
segmento interfere na ao do outro at a atividade motora ade-
quada ser gerada. Comearemos abordando o nvel considerado
O metabolismo aerbico da
glicose utiliza o oxignio para
a produo de ATP.
O metabolismo anaerbico
aquele que leva produo
de ATP a partir da glicose na
ausncia de oxignio.
52 Fisiologia Humana
mais inferior de organizao, incorporando nesse sistema os n-
veis superiores responsveis pelo planejamento e execuo dos
movimentos.
1.6.1 Medula espinal e reexos medulares
Propriocepo e reexo miottico ou de estiramento
Os neurnios que se projetam da medula espinal para ativar as
fbras musculares tm seus corpos celulares na parte intermedi-
ria e anterior (ventral) da substncia cinzenta (fgura 1.28).
Alguns motoneurnios inervam as fbras musculares respon-
sveis pela gerao de trabalho muscular e so denominados
Motoneurnios Alfa (MA). Outros, os Motoneurnios Gama
(MG), inervam rgos sensoriais existentes na musculatura,
em fbras musculares modifcadas, chamadas de fbras do fuso
muscular. As fbras do fuso muscular tm por funo detectar o
grau de alongamento do msculo, assim como a velocidade com
que a alterao do comprimento deste msculo ocorre. Uma das
fbras neurais aferentes enrola-se na poro elstica na poro
mdia do fuso muscular, do tipo Ia, mielinizada e a mais cali-
brosa que possumos.
Vamos nos referir a esta
regio como corno anterior
da medula espinal.
Tendo
patelar
Patela
Quadrceps
Fibra
sensorial
Fibra
aferente
Fibra
eferente
Fibra
motora
Ossos da perna
Neurnio
sensorial
Medula espinal
Neurnio
motor
Figura 1.28 - O rgo do fuso muscular estabelece um contato com o motoneurnio em uma ala reexa que monossinptica.
A informao sensorial penetra a medula espinal pelo corno posterior, por meio de uma bra grossa e mielinizada denominada
bra Ia, e o comando motor transmitido s bras extrafusais por meio de um motoneurnio do tipo alfa.
53 Homeostasia e Neurosiologia
Outras fbras menos calibrosas ramifcam-se nas bordas da por-
o elstica, contribuem de forma semelhante a das fbras Ia para
com os refexos de estiramento e so denominadas do tipo II ou
III. Uma vez estirado, o msculo gera na fbra Ia uma resposta
proprioceptiva que envia para a medula espinal informaes sobre
o comprimento e a variao do comprimento do msculo. Estas
informaes so distribudas de diversas formas na medula e par-
te da informao ascende ao encfalo pela via do cordo poste-
rior e do lemnisco medial, como apreciado anteriormente. Alguns
ramos da fbra aferente podem fazer contato diretamente com os
motoneurnios alfa, promovendo uma resposta refexa. Este re-
fexo chamado miottico ou refexo de estiramento, e tem como
particularidade o fato de ser gerado por uma via monossinptica,
enquanto todos os outros refexos motores demandam a participa-
o de mais neurnios.
A funo desse refexo compensar o estiramento muscular com
uma contrao que estabilize os segmentos envolvidos de nosso
corpo. Um exemplo de refexo miottico facilmente observvel o
refexo patelar, onde uma percusso no tendo do quadrceps pelo
martelo de borracha do mdico desencadeia uma vigorosa exten-
so da perna (fgura 1.29).
Dizemos que uma resposta
reexa quando ela
estruturada na prpria
medula espinal, sem ter que
receber comandos voluntrios
para ser deagrada.
Joelho
Local de
percusso
rea macia
abaixo da
patela
Msculos relaxados
Perna move
para cima
Tendo
patelar
Patela
Msculo quadrceps
Figura 1.29 - No reexo patelar o clnico pode percutir o tendo do quadrceps com um martelo,
gerando um alongamento discreto, mas rpido. Este estmulo suciente para estimular atravs de
uma bra sensorial Ia os motoneurnios alfa que se projetam para o mesmo msculo, ocasionando
a sua contrao.
54 Fisiologia Humana
Uma vez desencadeada a contrao muscular, o rgo do fuso
muscular tem a tenso em suas extremidades diminuda, o que di-
minui o seu comprimento e conseqentemente sua sensibilidade,
pois o estiramento da sua poro elstica que promove a salva de
potenciais na fbra aferente. Para evitar esta perda de sensibilida-
de as pores perifricas do fuso muscular so estimuladas pelos
motoneurnios gama a se contrair de forma proporcional ao en-
curtamento das fbras extrafusais, ou seja, de forma proporcional
ao encurtamento do msculo.
Este processo reajusta a sensibilidade do fuso muscular, que
passa a responder de forma mais vigorosa a novas mudanas no
alongamento do msculo. Na verdade, quando um comando vo-
luntrio proveniente do encfalo chega medula espinal, os moto-
neurnios gama e os motoneurnios alfa so ativados simultane-
amente, de forma que o sensor (rgo do fuso muscular) tem sua
sensibilidade preservada durante a maior parte do movimento. O
fuso torna-se ainda mais importante quando, apesar de sua ao
preditiva, um obstculo interfere no movimento em execuo e
tem de ser compensado pelo refexo miottico.
Reexo tendinoso de Golgi ou miottico inverso
Os receptores do fuso muscular inserem-se em paralelo com as
fbras musculares e por isso servem para informar o comprimento
do msculo e a taxa de variao desse comprimento. Na transio
entre as fbras musculares e os tendes existem receptores chama-
dos receptores tendinosos de Golgi, que informam ao SNC o grau
de tenso aplicado nas extremidades do msculo. Tais receptores
apresentam-se como terminaes nervosas que se espalham entre
fbras colgenas no interior de uma cpsula (fgura 1.30).
Na medida em que a tenso aumenta as fbras de colgeno ali-
nham-se mais no eixo longitudinal do msculo e comprimem as
fbras nervosas, que se deformam e despolarizam. A fbra aferente
que conduz a informao sobre a carga associada ao msculo
uma fbra do tipo Ib e estabelece mltiplos contatos com os neu-
rnios da medula espinal. Todavia, ramos desses aferentes fazem
contato com interneurnios inibitrios da medula espinal, os quais
difcultam a despolarizao dos motoneurnios alfa, impedindo a
ativao do msculo onde se originou o refexo.
A tenso nas extremidades
do msculo equivale
fora realizada por este ou
s cargas suportadas pela
massa muscular.
55 Homeostasia e Neurosiologia
Sob tenso moderada o rgo tendinoso
de Golgi tem a funo de informar o SNC
sobre a fora realizada, mas sob tenses altas
a inibio impingida pelas fbras Ib sobre os
motoneurnios alfa desencadeia um refexo
inibitrio que faz com que repentinamente o
msculo ceda (fgura 1.31). Como este refexo
acontece apenas sob forte estimulao, o refe-
xo chamado de refexo miottico inverso ou
em canivete, e parece ter um papel protetor,
evitando leses musculares ou nos tendes.
Reexo de inibio recproca
Os msculos normalmente esto inse-
ridos atravs de seus tendes em ossos ou
conjunto de ossos que movem articulaes
ou segmentos do corpo. Quando um lado
fexionado, o outro deve ser estendido, para
no haver oposio ao movimento preten-
dido. Para promover este funcionamento, o
fuso muscular ativa interneurnios inibit-
rios na medula espinal, de forma a impedir a
ativao dos MAs na musculatura antagonis-
Fibra Colgena
Tendo
Fibra aferente (lb)
Cpsula
Tecido Conectivo
Miobrila
Figura 1.30 - O rgo tendinoso de Golgi composto pela arborizao de uma
terminao nervosa que se entremeia nas bras colgenas da insero dos msculos
nos ossos, os tendes. Quando a tenso aumenta as bras colgenas alinham-se mais e
os neurnios so deformados, sinalizando aumento de carga ou de fora do msculo.
Interneurnio
inibitrio
rgo tendinoso de Golgi
Osso
Aferente Ib
Motoneurnio
alfa
Figura 1.31 - O reexo miottico inverso tem origem no
rgo tendinoso de Golgi, no tendo do msculo, atravs de
uma bra mielinizada, um pouco menos calibrosa do que a
bra Ia, denominada bra Ib. Esta bra conduz a informao
at a medula espinal, onde ativa um interneurnio inibitrio
que impede a ativao do motoneurnio alfa. Lembramos
que este motoneurnio se projeta para o mesmo msculo
onde o reexo teve origem e, portanto, a ativao do
msculo impedida pelo reexo miottico inverso. Esse
reexo desencadeado apenas com estimulao intensa nos
receptores de Golgi.
56 Fisiologia Humana
ta. Assim, a ativao do refexo miottico no b-
ceps desencadeia a inibio do motoneurnio que
inerva o trceps, impedindo sua contrao refexa
ao ser estendido durante o refexo fexor. O mes-
mo acontece de forma inversa, quando o trceps
acionado refexamente ou voluntariamente para
a extenso do brao (fgura 1.32), e em qualquer
outro movimento que envolva fexo e extenso.
No apenas no refexo miottico que a inibi-
o recproca ocorre. Ela est presente sempre que
uma ao tem de ser cancelada para no se opor
a outra. Assim, no refexo miottico inverso ela
tambm ocorre.
Reexo de defesa
O contato do indivduo com objetos que pro-
duzem dor desencadeia respostas motoras de
proteo, as quais muitas vezes parecem volunt-
rias, tamanha a sofsticao de sua estrutura. O
refexo protetor freqentemente fexor (fgura
1.33): ao tocarmos uma chapa quente, por exem-
plo, retiramos rapidamente a mo com uma fe-
xo do brao.
Estmulo
doloroso
da mo
Reexo
exor
Inibido
Excitado
Figura 1.32 - A ativao reexa ou voluntria de um
msculo induz inibio do msculo que realiza
um trabalho antagonista quele provocado pelo
msculo que deu incio ao movimento. Para isso,
interneurnios inibitrios tm que estar intercalados
entre a via sensorial e a sada motora.
Corno dorsal
Pele
Msculo
Nociceptores
Figura 1.33 - O reexo de defesa provocado por um estmulo nociceptivo uma resposta
mais complexa do que o reexo miottico ou miottico inverso, recrutando uma
populao maior de interneurnios entre a via sensorial e a via motora.
57 Homeostasia e Neurosiologia
Para isso, os aferentes nociceptivos da pele projetam-se para a
medula espinal e indiretamente ativam os motoneurnios alfa que
promovem a contrao da musculatura fexora. Todavia, se for toca-
da a parte superior da mo e no a palma, o refexo poder ter uma
constituio completamente diferente, mantendo a mo estendida
e levando-a para trs, por exemplo. Este comportamento refete o
circuito neural existente na medula espinal e que est pr-destinado
a responder com mais facilidade estimulao nesse local.
A resposta de defesa mostrou-se to adaptativa ao longo da evo-
luo que os organismos incorporaram-na em seus prprios cir-
cuitos neurais. Essa resposta refexa libera o encfalo de ter que to-
mar decises sobre a resposta mais adaptativa para esse ou aquele
estmulo, embora possa ser modifcada pelos centros mais rostrais
do SNC. A intensidade do estmulo determina a fora e a dura-
o da resposta, podendo promover movimentos que incorporam
agrupamentos musculares progressivamente maiores.
Reexo extensor cruzado
O refexo extensor cruzado desencadeado quando a fexo de
um membro demanda a extenso do membro contralateral para a
manuteno da postura ou do equilbrio, e pode ser demonstrado
experimentalmente com o aumento da estimulao de um refexo
fexor de defesa nas patas de um animal. Esse refexo estrutura-
do em circuitos de inervao cruzada, onde a aferncia sensorial
ativa, por intermdio de interneurnios ipsolaterais, os motoneu-
rnios fexores e inibe os motoneurnios extensores, enquanto
projees contralaterais realizam um trabalho inverso, estimu-
lando os motoneurnios extensores e inibindo os motoneurnios
fexores (fgura 1.34).
Locomoo
A locomoo foi considerada por muito tempo um comporta-
mento refexo. Uma das razes para isso que em algumas prepa-
raes experimentais, onde a medula espinal separada do restan-
te do SNC, a locomoo pode ser desencadeada por estimulao
no coxim plantar de animais. Experimentos mais recentes tm
mostrado que a seco das razes dorsais no interrompe os movi-
mentos, sugerindo a existncia de circuitos geradores de padres
Dizemos que a ativao
indireta por haver uma
cascata de interneurnios
interpostos entre o aferente
nociceptivo e o eferente
motor, em contraposio ao
nico reexo monossinptico
conhecido, que o reexo
miottico.
58 Fisiologia Humana
rtmicos de ativao e inibio que se alternam entre diferentes
agrupamentos musculares de um membro, entre diferentes mem-
bros e entre os dois lados do indivduo. Esses circuitos esto pre-
sentes na medula espinal e em nveis mais rostrais. Embora esses
nveis (supraespinais) no sejam necessariamente os iniciadores
da locomoo ou marcha, podem defagr-la como um comporta-
mento voluntrio ou modifcar a sua progresso.
Choque espinal
A seco da medula espinal em um nvel cervical interrompe
a sua comunicao com o tronco cerebral e o crebro, induzindo
a medula a um perodo de arrefexia. Nesse perodo a aplicao
Neurnio
sensorial
Neurnio
inibitrio
Motoneurnio
Msculos
exores
inibidos
Perna direita estica
para equilibrar o corpo
Msculo
exor ativado
Msculo
extensor
inibido
Msculo extensor
ativado
+
Motoneurnio
Estmulo
Neurnio
excitatrio
-
Figura 1.34 - O reexo extensor cruzado pode ser observado quando o indivduo recebe um estmulo
doloroso em um membro que o impele a contrair a perna, por exemplo. Para o indivduo no cair ao
solo, a perna do lado oposto deve ser acionada de modo inverso, ou seja, exibindo uma extenso. Assim,
a atividade do lado que sofreu a estimulao dolorosa inuencia a atividade na medula espinal do lado
oposto e de forma invertida: o motoneurnio exor foi estimulado a se contrair na perna estimulada e o
extensor foi inibido; por outro lado, na perna do lado oposto o motoneurnio extensor estimulado e o
exor inibido.
59 Homeostasia e Neurosiologia
de estmulos no desencadeia qualquer tipo de resposta motora.
O tempo necessrio para a recuperao do Sistema Nervoso e o
reaparecimento de respostas refexas varivel conforme a espcie
em questo. Em anfbios o choque espinhal pode demorar poucos
minutos, enquanto nos seres humanos pode demorar semanas ou
meses. Recuperado, o indivduo pode exibir os refexos menciona-
dos anteriormente. Todavia, falta tnus na musculatura, de forma
que o indivduo no pode mais se sustentar contra a gravidade.
Como exceo falta de tnus na musculatura, temos alguns
marsupiais, como o gamb, que pode recuperar esse tnus, sendo
capaz de exibir o comportamento de marcha sem sustentao extra
do corpo contra a gravidade. Por exemplo, se a seco ocorrer em
um nvel mdio torcico, as patas anteriores podem arrastar o ani-
mal, por estarem sob controle voluntrio pelo encfalo. Uma vez
arrastadas, as patas traseiras podem ter a estimulao sufciente
para iniciar a marcha. Todavia, a movimentao delas imperfeita
e no sincronizada com a movimentao das patas dianteiras.
1.6.2 Tronco cerebral e movimentos para
locomoo e postura
O tronco cerebral localiza-se em uma posio intermediria
entre as estruturas que executam as aes e aquelas que as elabo-
ram. Ele recebe as aferncias sensoriais do corpo, pescoo e cabea
atravs dos nervos espinais e cranianos, assim como os comandos
motores cerebrais. Sua ao est intimamente associada s pos-
turas e aos movimentos de locomoo. Esta participao envolve
circuitos mesenceflicos geradores de padres repetitivos para a
locomoo, cujas aes se superpem quelas dos circuitos gera-
dores de padres locomotores da medula espinal.
Os circuitos geradores de padro esto sob infuncia de circui-
tos vinculados a posturas. Estes precisam ser acionados antes da
locomoo ter incio, e inibidos durante a sua execuo, de modo
a no competir com esta. Um desses circuitos geradores de postu-
ras envolve os ncleos vestibulares, que recebem informaes da
posio da cabea no espao. Estas informaes so conduzidas
A posio da cabea no
espao fornecida pela
estimulao de clulas do
Sistema Vestibular pela
fora da gravidade, assim
como pelas informaes
proprioceptivas do pescoo.
60 Fisiologia Humana
aos motoneurnios da medula espinal e facilitam o aumento do
tnus da musculatura antigravitacional, intermediado pelo tron-
co cerebral.
O tnus motor que sustenta o nosso corpo contra a gravidade
tem origem em neurnios da ponte (regio do tronco cerebral)
que so tonicamente estimulados pelo Sistema Vestibular.
No sculo passado a regio central do tronco cerebral era deno-
minada formao reticular, devido ao fato de no se discriminar
adequadamente os seus ncleos e as conexes que estes estabele-
ciam entre si e com outras estruturas do SNC. Apesar do conheci-
mento atual, o termo formao reticular mantido quando no se
necessita de uma abordagem detalhada da regio.
Esses neurnios projetam-se para a medula espinal, onde tam-
bm estimulam tonicamente a musculatura antigravitacional. A
ao antigravitacional da formao reticular pontina se d pela ati-
vao de motoneurnios gama, que no estimulam diretamente a
musculatura extrafusal, mas que estimulam a contrao das fbras
intrafusais. O resultado a sensibilizao do fuso que desencadeia
uma resposta refexa pela fbra Ia que aciona os motoneurnios
alfa, da mesma forma que ocorre no refexo miottico. Com isso
nosso encfalo liberado da tarefa de manter um tnus motor que
sustente nosso corpo contra a gravidade.
Quando a formao reticular pontina liberada das infuncias
inibitrias do crtex por leses corticais ocorre uma rigidez que se
caracteriza pela ativao tnica da musculatura antigravitacional.
Outro agrupamento neuronal que contribui na adoo de postu-
ras o de ncleos rubros (ou ncleos vermelhos), os quais infuen-
ciam a atividade dos msculos do pescoo, ombros e braos.
As diversas reas do tronco cerebral envolvidas com o contro-
le motor enviam projees descendentes at a medula espinal na
forma de tratos ou vias que podem ser discriminados. Uma via la-
teral, que se origina no ncleo rubro, proporciona os movimentos
dirigidos a um alvo. Outras vias mais mediais originadas no tronco
cerebral esto envolvidas com o controle de posturas e equilbrio.
Entre elas temos (fgura 1.35):
61 Homeostasia e Neurosiologia
o trato vestibuloespinal, que controla 1.
a posio da cabea, do corpo e dos
membros em funo da posio da
cabea no espao;
o trato tectoespinal, que participa dos 2.
movimentos orientados dos olhos e
da cabea;
o trato reticuloespinal com origem 3.
na ponte (regio do tronco cerebral),
que pode facilitar o tnus da muscu-
latura antigravitacional, como ante-
riormente mencionado; e
o trato reticuloespinal com origem 4.
na medula oblonga, que tem ao
inibitria sobre os motoneurnios
espinhais.
1.6.3 Cerebelo e coordenao de
movimentos
O cerebelo uma estrutura posicio-
nada na parte dorsal da ponte, possui uma poro cortical que se
relaciona com os seus ncleos profundos e, atravs desses, com o
restante do Sistema Nervoso. O cerebelo cumpre um papel funda-
mental na execuo de movimentos, monitorando de forma con-
tnua os movimentos em progresso. Isto realizado pela com-
parao dos comandos motores descendentes do prosencfalo
com o retorno sensorial que os movimentos geram. A compara-
o destas duas informaes origina uma informao do erro que
deve ser corrigido. Para isso, o cerebelo retroage sobre o crtex
atravs do tlamo (fgura 1.36). Esta operao tambm tem uma
ao preditiva sobre o que ocorrer instantes depois, permitindo
ao crtex construir comandos que previnam futuros erros.
O cerebelo no recebe apenas as informaes somatossensoriais,
mas tambm informaes visuais, auditivas e vestibulares. Essas
informaes so representadas no crtex cerebelar juntamente
com os comandos motores enviados pelo crtex de uma forma
Crtex
Cerebelo
Medula
espinhal
Medula
oblonga
Ponte
Ncleos
vestibulares
Figura 1.35 - O tronco cerebral contribui, entre outras coisas,
para a manuteno do tnus motor antigravitacional. Os ncleos
vestibulares ativam tonicamente a formao reticular pontina,
que por sua vez estimula os motoneurnios da medula espinal.
A formao reticular bulbar, apresentada adiante, tem projees
inibitrias sobre a medula espinal, mas esta inuncia sobrepujada
por aquela da formao reticular pontina.
Prosencfalo
Segmento do encfalo
composto pelo telencfalo
e o diencfalo.
62 Fisiologia Humana
fragmentada, em arranjos que reproduzem os movimentos poss-
veis e os msculos que devem ser acionados para esses movimen-
tos. Apesar disso, o verme cerebelar, os crtices intermedirios,
os hemisfrios laterais e o lobo foculonodular recebem aferncias
sensoriais diferenciadas. Da mesma forma, os comandos motores
para a execuo dos movimentos partem predominantemente das
regies mais medianas do crtex cerebelar, enquanto as regies
mais laterais esto mais vinculadas ao planejamento motor.
A relao do lbulo foculonodular com o Sistema Vestibular
confere-lhe um envolvimento especial com o controle do equil-
brio e dos movimentos oculares. Estes arranjos permitem o uso
dos sintomas resultantes de leses cerebelares como meio de infe-
rncias de comprometimento neuronal. Entre os sintomas comuns
associados a leses cerebelares temos o nistagmo, a ataxia, a dis-
metria, a decomposio do movimento e a hipotonia.
Os hemisfrios laterais cerebelares participam do planejamento
do movimento e, alm disso, da avaliao das informaes senso-
riais para o aprendizado motor e aprimoramento das habilidades.
Alm da participao na coordenao da motricidade, o ce-
rebelo, atravs dos hemisfrios laterais, participa da percepo,
memria e cognio. Algumas funes so lateralizadas, como a
participao do crtex cerebelar lateral direito na leitura em voz
alta especfca para verbos.
1.6.4 Gnglios da base: funo motora e no-motora
O conjunto de ncleos localizados na base do prosencfalo, de-
nominado Gnglios da Base, composto pelo caudado e put-
mem; pelo globo plido, com seus segmentos interno e externo;
pelos ncleos subtalmicos; e pela substncia negra (fgura 1.37).
As informaes chegam aos gnglios da base principalmente
pelo estriado, que as distribui para os outros componentes desse
complexo nuclear. Essas informaes so provenientes em grande
parte das reas corticais sensoriais e motoras, mas tambm inclui
reas associativas. A principal via de sada dos comandos basais se
d pelo globo plido e pela substncia negra e, atravs do tlamo,
Nistagmo
Oscilaes repetidas e
involuntrias rtmicas de
um ou ambos os olhos em
algumas ou todas as posies
de mirada.
Ataxia
Do grego ataxis, quer
dizer sem ordem ou
incoordenao.
Dismetria
Transtorno que causa uma
interpretao errnea da
distncia, desorientao
espacial e incapacidade para
alcanar com preciso um
ponto determinado, sem
prejuzo da capacidade de
perceber sua localizao no
espao.
Hipotonia
Condio na qual o tnus
muscular (a quantidade de
tenso ou resistncia ao
movimento em um msculo)
est anormalmente baixo,
geralmente envolvendo
reduo da fora muscular.
O caudado e o putmem tm
origem comum e so referidos
como uma unidade sob a
denominao de estriado.
63 Homeostasia e Neurosiologia
Crtex
motor
Tlamo
Ncleo vermelho
Zona intermediria
do cerebelo
Mesencfalo,
ponte e bulbo
Trato
corticoespinhal
Tratos
reticuloespinhal e
rubroespinhal
Msculos
Trato
espinocerebelar
Figura 1.36 - Relao do cerebelo
com o crtex e a medula espinal.
As informaes provenientes do
crtex que so enviadas para
a medula espinal so enviadas
por ramos colaterais para o
cerebelo. Estas informaes so
comparadas com as informaes
somatossensoriais decorrentes
dos movimentos pelo cerebelo.
Esta medida de erro que instruir
o crtex em seus comandos
corretivos encaminhada com a
intermediao do tlamo.
Ncleo
caudado
Tlamo
Putmen
Globo plido Substncia negra
Tlamo
Globo plido
Substncia negra
Crtex motor
Estriado
Comando
motor
descendente
A B
Figura 1.37 - Os gnglios da base
participam na estruturao dos
comandos elaborados pelo crtex
para as posturas que antecedem os
movimentos, facilitam o incio dos
movimentos voluntrios e o seu
automatismo. Isto ocorre pelas alas de
retroao que o crtex e os gnglios da
base estabelecem entre si.
64 Fisiologia Humana
retroagem sobre a atividade das reas corticais primrias e suple-
mentares envolvidas com a motricidade.
Do ponto de vista funcional, os gnglios da base formam quatro
circuitos bsicos: circuito esqueleto motor, circuito oculomotor,
circuito pr-frontal e circuito lmbico, sendo que estes dois lti-
mos no esto envolvidos com a motricidade.
O circuito esqueleto motor est envolvido com a preparao e
execuo de movimentos. Sua atividade precede e se mantm du-
rante a execuo do movimento. Este circuito parece ter um papel
na seleo dos movimentos, ativando alguns enquanto inibe ou-
tros. O circuito oculomotor est relacionado com os movimentos
sacdicos dos olhos. O circuito pr-frontal contribui com funes
executivas, incluindo as habilidades verbais na soluo de proble-
mas e contextualizando respostas sociais. Leses nesse circuito
contribuem para o surgimento de desordens obsessivo-compul-
sivas. O circuito lmbico est relacionado com comportamentos
motivados e aprendizado de procedimentos.
A maioria dos problemas ocasionados por leses basais resulta
em comprometimento motor, que vai da hiperatividade e impulsi-
vidade, como observado na doena de Huntington e na desordem
obsessivo-compulsiva, at a reduo de atividade e hipotonia, ob-
servadas na Doena de Parkinson e na depresso.
Os gnglios da base tm um papel crucial na gerao interna
de movimentos, ou seja, quando se quer iniciar ou adequar um
movimento intencional. O cerebelo, por sua vez, parece coorde-
nar movimentos baseados em informaes visuais, dirigindo seg-
mentos do corpo para um alvo percebido visualmente. Isso explica
porque em algumas doenas, como na de Parkinson, a difculdade
em iniciar e manter os movimentos intencionais pode ser aliviado
por estimulao visual, situao em que o cerebelo participa mais
ativamente do movimento.
1.6.5 Crtex motor, planejamento e
execuo do movimento
As reas corticais envolvidas com a motricidade incluem a rea
motora primria (M1), no giro pr-central (rea 4 de Brodmann), a
65 Homeostasia e Neurosiologia
rea pr-motora e rea motora suplementar
(rea 6 de Brodmann) e o giro cingulado, na
face mediana do telencfalo (fgura 1.38).
Outras regies associativas no lobo fron-
tal e crtex pr-frontal tambm participam
do planejamento das atividades motoras,
mas nos ateremos s funes das reas 4 e
6 que, juntamente com os gnglios da base
e o cerebelo, planejam e executam os mo-
vimentos voluntrios.
Da mesma forma que o crtex somatos-
sensorial, as reas motoras tambm exi-
bem uma somatotopia, em especial a rea
motora primria, onde uma representao
maior da boca, garganta e mos compat-
vel com a ocorrncia de unidades motoras
menores nesses locais. Todavia, a idia ini-
cial de que cada neurnio ativado nessas
reas induz ativao de um msculo especfco deu lugar ao con-
ceito de que a ativao da rea motora primria responsvel por
movimentos simples, envolvendo uma nica articulao, enquan-
to a ativao da rea pr-motora responsvel por movimentos
mais complexos, envolvendo vrias articulaes.
Um reforo para o abandono da crena de que a rea moto-
ra primria a nica responsvel pela execuo dos movimentos
vem de estudos anatmicos que mostram conexes monossinp-
ticas de reas corticais pr-motoras com ncleos que coordenam
os movimentos de mos e braos. Todavia, tambm notrio, por
estudos que medem a irrigao sangunea cortical durante a exe-
cuo dos movimentos, que o planejamento e o aprendizado de
movimentos iniciados por estmulos internos (mentalizao ou
lembrana de um movimento) ativa de forma expressiva a rea
motora suplementar, e que aps um perodo de treinamento pro-
longado o controle da seqncia de movimentos transferido para
o crtex motor primrio.
A rea motora suplementar recebe rica aferncia do putmem,
que por sua vez tambm recebe profcua aferncia dopaminrgica
Crtex pr-motor
(parte lateral
da rea 6)
rea motora suplementar
(parte medial da rea 6)
Crtex motor
primrio (rea 4)
Sulco
central
Figura 1.38 - Vista lateral e medial do telencfalo. A rea 4 ou
crtex motor primrio (M1) est relacionada com a execuo
dos movimentos simples. A rea 6 pr-motora est relacionada
com o planejamento de movimentos dirigidos por estmulos
externos, como luzes ou sons, e a rea motora 6 suplementar
est intimamente associada a movimentos desencadeados por
motivaes internas, como pegar um lpis para escrever.
66 Fisiologia Humana
da substncia negra. No mal de Parkinson a degenerao desses
neurnios dopaminrgicos prejudica a ativao da rea motora
suplementar pelos gnglios da base e, como conseqncia, ocorre
a lentifcao dos movimentos (bradicinesia) e difculdade em se
inici-los. J os movimentos desencadeados por estmulos exter-
nos, como a acelerao de um veculo perante a passagem da luz
vermelha para a verde, em um sinal de trnsito, utilizam o proces-
samento das reas pr-motoras laterais. Tanto que leses nessas
reas no impedem a execuo de um movimento per se, mas ape-
nas o seu aprendizado associativo. Por isso, pacientes com Parkin-
son podem iniciar movimentos quando estimulados visualmen-
te, por exemplo, depois de um perodo de esforo para inici-los
intencionalmente.
As avaliaes da atividade de neurnios no crtex motor pri-
mrio mostraram uma preferncia para movimentos em uma de-
terminada direo, ou seja, uma seletividade direcional, acrescida
de uma codifcao para fora e velocidade do movimento. Assim,
para cada movimento temos a ativao de uma populao de neu-
rnios e a soma vetorial de suas sensibilidades direcionais nos per-
mite prever a direo fnal do movimento. Todavia, movimentos
iguais realizados com propsitos diferentes recrutam populaes
distintas de neurnios no crtex. Isto uma forte evidncia de que
processamentos paralelos para uma mesma seqncia de aes
so elaborados no Sistema Nervoso.
Embora tenha sido mencionado que as reas pr-motoras con-
tribuam para a execuo dos movimentos, a rea motora primria
contribui com 50% das projees descendentes para a medula es-
pinal. As outras fbras que compem o chamado trato corticoes-
pinal so provenientes do crtex pr-motor e motor suplementar,
e at das reas somatossensoriais. Elas descem ipsolateralmente
(do mesmo lado) at a medula oblonga, onde se concentram nas
pirmides. Nesse local, 90% das fbras cruzam a linha mdia for-
mando o trato corticoespinal lateral e 10% desce pelo mesmo lado,
formando o trato corticoespinal anterior, que cruza a linha mdia
apenas na medula espinal.
Os neurnios dos tratos corticoespinais estabelecem contatos
com motoneurnios no corno anterior e na zona intermediria da
67 Homeostasia e Neurosiologia
medula espinal. Esses contatos so freqentemente monossinpti-
cos para com os motoneurnios alfa, e polissinpticos para com os
motoneurnios gama.
1.7 Sistema nervoso autnomo, sistema
lmbico e expresso de emoes
Os seres humanos possuem um sistema motor especializado em
promover as relaes com o ambiente atravs da movimentao
de suas partes e do deslocamento do indivduo em seu meio. Ou-
tro segmento do Sistema Nervoso, denominado Sistema Nervoso
Autnomo (SNA), promove os ajustes viscerais para manter a ho-
meostasia, e pode ser discriminado do sistema motor em vrios
aspectos. Apesar disso, encontramos ntimas relaes funcionais
entre eles; um exemplo disso que, quando acionamos voluntaria-
mente um msculo esqueltico, os vasos sanguneos em seu inte-
rior se dilatam, favorecendo o fuxo sanguneo. Da mesma forma,
a respirao est sob controle autonmico, mas ao proferirmos pa-
lavras ns a modulamos constantemente.
Embora primeira vista parea que o SNA esteja envolvido
apenas com ajustes homeostticos, ele participa tambm na ex-
presso de emoes. Exemplos dessa atividade so a piloereo
e a midrase. A piloereo, que homeostaticamente proporciona
conservao de temperatura, utilizada por uma boa parte dos
vertebrados para estes se manterem aquecidos no frio; todavia,
ela tambm serve para simular um aumento do corpo, impres-
sionando quem os observa nos momentos de raiva ou de cortejo.
A midrase a dilatao da pupila, que pode ocorrer de forma
refexa, otimizando a quantidade de luz incidente nos olhos, e que
tambm pode ser exibida como demonstrao de emoo: raiva,
medo, paixo e outras mais.
O SNA est estruturado em duas divises de nervos perifricos,
que comunicam as vsceras ao SNC, e que so denominadas divi-
so simptica e parassimptica. Uma terceira diviso contendo os
nervos que se localizam nas paredes do trato gastrointestinal tam-
bm faz parte do SNA, e talvez seja o segmento que mais justifque
68 Fisiologia Humana
o nome do sistema. Os plexos nervosos, denominados intramu-
rais, tm a capacidade de promover atividade visceral refexa bas-
tante coordenada na vscera quando desvinculados do SNC. Por
outro lado, o termo autnomo, conferido at ento ao sistema por
se acreditar que ele no sofresse interferncia de comandos volun-
trios, muitas vezes questionado. A respirao um exemplo cla-
ro de que podemos intervir voluntariamente na atividade visceral,
facilmente em algumas e com mais difculdade em outras.
Uma vez que o Sistema Entrico ser abordado com mais pro-
priedade no Captulo sobre o Sistema Digestrio, e que a anatomia
das divises simptica (SNS) e parassimptica (SNP) tambm foi
abordada na disciplina de Anatomia, ns vamos nos ater s carac-
tersticas funcionais desses sistemas, que esto representados na
fgura 1.39.
Questes com a abrangncia e o modo de atuao de cada
sistema lhes conferem algumas caractersticas prprias. Embora
primeira vista parea que as duas divises inervam todas as vs-
ceras com efeitos que se antagonizam, nem todas as estruturas so
coordenadas pelos dois sistemas, e algumas vezes os seus efeitos
so sinergistas. A piloereo promovida apenas pela atividade
simptica; quando ela aumenta, promove o levantamento dos p-
los, e quando a atividade diminui os plos se abaixam.
O Sistema Reprodutor tem a parte vascular promotora do in-
gurgitamento do pnis, da vagina e dos grandes lbios, promoto-
res do ato sexual, sob comando do SNP, enquanto as contraes
dos canais condutores do smem no momento da ejaculao so
promovidas pelo SNS. Temos nesse caso estruturas diferentes sen-
do inervadas por divises diferentes do SNA, mas as duas agem
de forma a tornar efetiva a reproduo. De uma forma geral, as
inervaes dos nervos do SNS tendem a ser mais abrangentes do
que as do SNP.
A resposta em massa promovida pelo SNS promove uma
constelao de alteraes que parecem preparar o indivduo para
emergncias (luta ou fuga), diminuindo a atividade das vsceras
que no so essenciais para o momento e estimulando as funes
cardiovasculares e respiratrias, o metabolismo, a musculatura
Sinergia
Derivada do grego
synerga (sn, cooperao,
e rgon, trabalho). O efeito
do trabalho ou esforo
coordenado de vrios
subsistemas na realizao
de uma tarefa complexa
ou funo.
69 Homeostasia e Neurosiologia
somtica, a atividade cerebral e o alerta. Parte dessas respostas
promovida pela inervao direta dos terminais nervosos sobre os
tecidos-alvo, mas preciso destacar a atividade da poro medular
da glndula supra-renal. Ela composta de clulas cromafns, que
secretam catecolaminas.
Esta secreo feita na circulao sangunea, pelo que a epi-
nefrina (80%) e a norepinefrina (20%) atuam como hormnios.
Fora dos momentos de recrutamento em massa, o SNS mantm
um tnus bsico sobre a atividade visceral. O recrutamento do
Cadeia
ganglionar
simptica
SIMPTICO PARASSIMPTICO
Estimula salivao
(sialorria)
Contrai
pupila
Dimimui freqncia
cardaca (bradicardia)
Contrai brnquios
(broncoconstrio)
Estimula
peristaltismo
e secreo
Liberao
de bile
Contrai
bexiga
Promove
ereo
Estimula peristaltismo
e secreo
Secreo de adrenalina
e noradrenalina
Inibe a contrao
da bexiga
Promove
ejaculao
Dilata
pupila
Diminui salivao
(xerostomia)
Inibe peristaltismo
e secreo
Aumenta freqncia
cardaca (taquicardia)
Dilata brnquios
(broncodilatao)
Figura 1.39 - Os sistemas simptico e parassimptico inervam as vsceras modicando as suas atividades. O padro de
conexo e os principais efeitos promovidos nos rgos pelo Sistema Simptico esto no lado direito da gura, e os do Sistema
Parassimptico esto representados no lado esquerdo desta.
70 Fisiologia Humana
SPS, por outro lado, tende a promover a ativao de rgos ou
sistemas de forma mais localizada. Aps a ingesto de alimentos,
por exemplo, a atividade parassimptica se intensifca no Siste-
ma Digestrio, de forma a promover a digesto e absoro dos
alimentos.
Mais um conceito clssico sobre o SNA o de que ele um con-
junto de fbras eferentes que atua sobre a atividade de glndulas,
musculatura cardaca e musculatura lisa. Embora esta afrmao
seja verdadeira, os nervos que compem o SNA contm compo-
nentes aferentes viscerais, ou seja, as informaes sensoriais ge-
radas nas vsceras so encaminhadas aos gnglios perifricos ou
ao SNC, promovendo respostas refexas viscerais ou somticas, e
informando os centros superiores enceflicos sobre o funciona-
mento das vsceras. Estas sensibilidades geralmente no aforam
em nossa conscincia, mas mesmo assim so capazes de modif-
car os comandos motores para as vsceras (fgura 1.40) e muscu-
latura esqueltica.
Pelas relaes que este sistema tem com o Sistema Lmbico
(fgura 1.41), as manifestaes viscerais so capazes de induzir
alteraes emocionais; por outro lado, as emoes tambm so
capazes de alterar as funes viscerais. Basta ingerirmos uma
refeio com sentimentos de raiva ou medo para vermos o mau
funcionamento do Sistema Digestrio sob efeito de uma descarga
simptica acentuada.
1.7.1 Mediadores e receptores no SNA
Os efeitos que o SNA promove nas vsceras so realizados pela
ao dos mediadores liberados nos contatos sinpticos e pela adre-
nalina circulante. A Acetilcolina (Ach) encontrada na inervao
parassimptica, e a Norepinefrina (NE) na inervao simptica das
vsceras. Nos gnglios do SNS e do SNP o mediador classicamente
apontado a Ach.
Todavia, em menor quantidade, outros transmissores partici-
pam do processo de transferncia e integrao das informaes no
SNA. As fbras pr-ganglionares podem produzir encefalinas, e as
ps-ganglionares somatostatina. Estas molculas so co-liberadas
O termo motor nesse caso
deve ser entendido como
sinnimo de um comando
efetor, que promove
alterao de estado da
estrutura-alvo inervada.
Sistema lmbico
Conjunto de estruturas
cerebrais ao qual se atribui
a gerao das emoes.
composto pelo hipotlamo,
hipocampo, amgdala,
reas corticais e tlamo. A
estimulao de algumas
dessas estruturas induz
manifestaes viscerais e
motoras que no conjunto
esto presentes em
comportamentos especcos.
71 Homeostasia e Neurosiologia
Ncleo motor
dorsal do vago
Ncleo do trato
solitrio
Ncleo
parabraquial
Substncia cinzenta
periaquedutal
Bulbo
ventrolateral
Hipotlamo
Ncleo ambguo
Amgdala
Crtex
Corao
Ncleo do trato
solitrio
Comando
simptico
Comando
parassimptico
Coluna
intermdio-lateral
Ncleo motor
dorsal do vago
Ncleo
parabraquial
Substncia cinzenta
periaquedutal
Bulbo
ventrolateral
Hipotlamo
Ncleo ambguo
Amgdala
Cortex
Corao
Figura 1.40 - O SNA possui uma conexo profcua com ncleos do SNC, e de forma especial com o
hipotlamo. Esta regio do diencfalo organiza respostas viscerais em funo das aferncias que recebe
dos Sistemas Sensoriais (A) e Lmbico (B), recrutando as vias efetoras perifricas do simptico e do
parassimptico.
72 Fisiologia Humana
com as catecolaminas, modulando suas
aes. Assim como estes neuropeptdios,
outros participam da integrao sensorial
nos gnglios do SNA, a saber, o Neuropep-
tdio Y (NY) e o Hormnio Liberador do
Hormnio Luteinizante (LHRH).
Os efeitos do SNA sobre as estruturas
perifricas dependem, obviamente, da pre-
sena do mediador qumico, mas o tipo
de receptor e os seus mecanismos de ao
que determinam se a resposta ser excita-
tria ou inibitria. E, para um mesmo re-
ceptor, os mecanismos de ao podem ser
diferentes em tecidos diferentes.
Os receptores colinrgicos encontrados
nos gnglios simpticos e na comunicao
da fbra primria simptica com a medula
da supra-renal so do tipo nicotnico. Os
receptores colinrgicos encontrados na
comunicao das fbras secundrias do
SPS com os tecidos so do tipo muscar-
nicos. Eles podem ser encontrados excep-
cionalmente em alguns contatos no SNS,
especialmente na inervao das glndulas
sudorparas que participam do processo
de regulao da temperatura.
Os receptores adrenrgicos medeiam
as respostas simpticas, tanto nas terminaes nervosas onde a NE
atua, como na ao disseminada promovida pela Epi na circulao
sangunea. Temos 4 tipos de receptores adrenrgicos que operam
com diferentes mecanismos de ao, e promovem diferentes res-
postas, so os receptores do tipo
1
,
2
,
1
e
2
.
Os receptores
1
respondem Epi e NE com a mesma po-
tncia, enquanto os receptores
2
respondem preferencialmente
Epi. Os receptores
1
respondem com apenas um pouco mais
de potncia Epi do que NE, mas quando comparados com os
Figura 1.41 - O Sistema Lmbico composto por estruturas
prosenceflicas que se comunicam. O circuito original proposto
inclua o hipotlamo, o giro do cngulo, a formao hipocampal
e a amgdala. Mais tarde foi incorporado o tlamo, pores do
hipotlamo que no estavam includas e as reas corticais como
um todo. A este conjunto de estruturas est atribuda a funo
de gerar motivaes e dar conotaes emocionais aos estmulos
que recebemos, aos pensamentos que criamos e s lembranas
que evocamos.
Crtex
pr-frontal
Crtex associativo
Crtex cingulado
Ncleos anteriores
do tlamo
Tr. mamilo-
talmico
Corpos
mamilares
Hipotlamo
Amgdala
Sistema Nervoso Autnomo
Sistema Endcrino
Formao
hipocampal
Frnix
73 Homeostasia e Neurosiologia
receptores , mostram-se bastante insensveis s catecolaminas.
Os receptores e 1 promovem a contrao da musculatura lisa
dos vasos sanguneos da pele e da musculatura, dos esfncteres
gastrointestinais e da bexiga, da musculatura radial da ris e dos
msculos eretores dos plos.
Os receptores 2, por outro lado, induz ao relaxamento da mus-
culatura da parede da bexiga e do Sistema Gastrointestinal, da
musculatura lisa dos bronquolos e da parede dos vasos sangune-
os que irrigam a musculatura esqueltica, promovendo vasodila-
tao. Os receptores 1 esto mais envolvidos com a atividade do
corao e as funes metablicas como a gliconeognese, liplise
e secreo de renina.
De posse dessas informaes, sugerimos um exerccio de criati-
vidade, imaginando situaes onde ocorre a ativao de descargas
simpticas e/ou parassimpticas, e buscando a explicao para as
respostas indicadas na Tabela 1.1.
Receptores
Receptores colinrgicos so os receptores para a Ach, primariamente divi-
didos em dois grandes grupos:
Os receptores nicotnicos so canais inicos na membrana plasmtica
de algumas clulas, cuja abertura desencadeada pelo neurotransmis-
sor acetilcolina, fazendo parte do sistema colinrgico. O seu nome deriva
do primeiro agonista seletivo encontrado para estes receptores, a nicoti-
na, extrada da planta Nicotiana tabacum. O primeiro antagonista seletivo
descrito o curare (d-tubocurarina). Disponvel em: <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Receptor_nicotnico>. Acesso em: 20 fev. 2009.
Os receptores muscarnicos so receptores metabotrpicos acoplados
a protenas G e que so estimulados pela acetilcolina. Seu nome deriva
de sua ligao com a muscarina, frmaco presente no cogumelo Amanita
muscaria, que os ativa seletivamente. O seu antagonista clssico a atro-
pina, produzida, por exemplo, pela planta Atropa belladonna. Disponvel
em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Receptor_muscarnico>. Acesso em: 20
fev. 2009.
Receptores adrenrgicos so os receptores que se ligam Epinefrina (Epi)
ou Norepinefrina (NE).
74 Fisiologia Humana
rgo Ao Receptor Ao Receptor
Corao
Nodo AS, freq. card. 1 M
Conduo no nodo AV 1 M
Contratilidade 1 (nos trios) M
Msculo liso vascular
Pele, esplncnico Constrico 1
Msculo esqueltico Dilatao 2
Msculo esqueltico Constrico 1
Endotlio Libera EDRF M
Bronquolos Dilatao 2 Constrico M
Sistema Gastrointestinal
Msculo liso, paredes Relaxamento 2, 2 Contrao M
Msculo liso, esfncteres Contrao 1 Relaxamento M
Secreo salivar 1 M
Secreo cida gstrica M
Secreo pancretica M
Bexiga
Parede, msculo detrusor Relaxamento 2 Contrao M
Esfncter Contrao 1 Relaxamento M
Genitlia masculina Ejaculao Ereo M
Olho
Msculo radial, ris Dilata a pupila 1
Msculo esfncter
circular, ris
Constrico da
pupila (miose)
M
Msculo ciliar
Dilata (viso a
distncia)
Contrao da pupila
(viso prxima)
M
Pele
Glndulas sudorparas,
reguladoras da temp.
M*
Glndulas sudorparas,
estresse
Msculo eretor do plo Contrao
Glndulas lacrimais Secreo M
Fgado
Gliconeognese,
glicogenlise
, 2
Tecido adiposo Liplise 1
Rim Secreo renina 1
Tabela 1.1 - Relao dos efeitos da ativao das divises simptica e parassimptica sobre as vsceras no corpo humano. Os
efeitos observados dependem dos tipos de receptores colinrgicos e adrenrgicos e os mecanismos de transporte inico de
membrana, assim como as vias metablicas que eles ativam no interior das clulas.
AV (atrioventricular); EDRF (do ingls, endothelial-derived relaxing factor fator de relaxamento derivado do endotlio);
M (receptor muscarnico); AS (sinoatrial). *Neurnios colingicos simpticos.
75 Homeostasia e Neurosiologia
Resumo
Este Captulo destinou-se ao estudo da homeostasia e da neuro-
fsiologia. Cada um merece ser resumido separadamente.
A respeito da homeostasia podemos dizer que: as clulas do
organismo humano precisam de condies fsicas e qumicas fa-
vorveis para se manter vivas e desempenhar suas funes. Essas
condies devem permanecer relativamente estveis no ambiente
interno do indivduo, o que requer sistemas de controle que coor-
denem as diversas funes envolvidas nesta tarefa. Esses sistemas
envolvem alas de retroao e relaes que podem produzir alte-
raes pronunciadas em alguns parmetros fsiolgicos para que
o produto fnal seja uma certa estabilidade do meio interno, em
processos chamados homeostticos, pois tm a funo de manter
a homeostasia.
Faz parte dos processos homeostticos o transporte de massa
lquida do sangue para os tecidos, nutrindo-os com as molcu-
las absorvidas pelos intestinos ou com o oxignio absorvido pelos
pulmes. Em um processo semelhante, mas no sentido inverso,
um fuxo de massa deve facilitar o transporte de subprodutos do
metabolismo celular como a uria e o gs carbnico do comparti-
mento intersticial para o sangue, que os transporta para os rgos
encarregados de elimin-los, entre eles os rins, o intestino e os pul-
mes. Para que esse transporte atravs dos capilares sanguneos
ocorra com propriedade, a fora resultante da interao das pres-
ses osmtica e hidrulica dentro e fora dos capilares precisa ser
considerada.
Discutimos aqui o conceito de homeostasia e apresentamos a
relao entre as foras que promovem a fltrao capilar, assim
como as conseqncias de um desequilbrio delas na gerao de
edema de lquido intersticial.
A respeito da neurofsiologia, apresentamos que: as relaes que
o organismo humano empreende com o meio ambiente depen-
dem da recepo de informaes desse meio atravs dos sistemas
somatossensorial, visual, auditivo, vestibular, olfativo e gustativo.
As informaes so obtidas pelos receptores, estruturas especia-
76 Fisiologia Humana
lizadas na deteco de caractersticas fsicas ou qumicas dos es-
tmulos. Nervos perifricos levam as informaes at o Sistema
Nervoso Central (SNC), onde elas so processadas e podem afo-
rar conscientemente, participando da construo das percepes.
Outras entradas sensoriais tm a funo de participar dos sis-
temas de controle homeostticos e no nos damos conta de sua
presena. Atravs do processamento no SNC podemos elaborar
comandos motores para, atravs da nossa massa muscular esque-
ltica, realizar movimentos e deslocamentos, reagindo a estes est-
mulos com a busca ou o afastamento do que os provoca. O controle
da musculatura esqueltica realizado em vrios nveis hierarqui-
camente organizados. O mais simples encontra-se na medula espi-
nal, que isolada capaz de promover comportamentos refexos.
O tronco cerebral, entre suas mltiplas funes, tem o papel
importante de manter um tnus ativador sobre os msculos an-
tigravitacionais. O cerebelo coordena movimentos em progresso
e os gnglios da base participam da inicializao, aprendizado e
estruturao de comportamentos motores, trabalhando em ntima
associao com o crtex motor, responsvel pela elaborao das
estratgias e do recrutamento das unidades motoras que executam
a tarefa.
Alm da massa muscular esqueltica, uma parte do nosso Siste-
ma Nervoso comanda as aes viscerais, modifcando a atividade
de glndulas, musculatura lisa e cardaca. As divises simptica e
parassimptica do Sistema Nervoso autnomo tm responsabili-
dade crucial nesse processo, juntamente como o sistema neuro-
entrico, que ser abordado adiante no Captulo sobre o Sistema
Digestrio. Os componentes centrais do Sistema Nervoso autno-
mo tambm participam da expresso das emoes, compondo um
sistema ainda maior denominado Sistema Lmbico.
Os sistemas abordados e os que esto por vir trabalham de for-
ma integrada e buscam a harmonia em suas relaes. graas ao
papel do Sistema Nervoso como elemento de controle na relao
entre os diversos sistemas que o organismo pode se relacionar com
o meio ambiente e mesmo assim manter as suas caractersticas in-
ternas tpicas de um indivduo saudvel.
77 Homeostasia e Neurosiologia
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C
A
P
T
U
L
O
2
C
A
P
T
U
L
O
2
Fisiologia Endcrina
O sistema endcrino est relacionado com o crescimento,
amadurecimento, massa corporal, reproduo e comporta-
mento, alm de participar no controle do fuxo de substra-
tos e minerais para a manuteno da homeostase qumica.
Neste captulo, voc vai conhecer melhor a interrelao da
fsiologia endcrina com o sistema nervoso e o envolvimento
dos hormnios na regulao do metabolismo.
81 Fisiologia Endcrina
2.1 Viso geral do sistema endcrino
Prezado(a) aluno(a), voc j observou ao estudar o Captulo 1
que os mecanismos homeostticos visam preservar a constncia do
meio interno do nosso organismo, e para isso existem dois grandes
sistemas integradores que regulam e integram funes de clulas
diferentes e distantes: o Sistema Nervoso, que j vimos, e o Sistema
Endcrino, que voc vai estudar neste Captulo.
O Sistema Endcrino estuda a funo de substncias qumicas
chamadas hormnios, as quais so normalmente liberadas na
corrente sangunea. Atuam em diversos locais do organismo, com
a funo de manter a homeostasia (por exemplo, a manuteno da
glicose plasmtica), de coordenar as atividades de vrios tecidos
para um objetivo comum (como o crescimento, por exemplo) ou
coordenar essas atividades no sentido temporal (como os proces-
sos relacionados reproduo).
O Sistema Nervoso e o Sistema Endcrino so dois
sistemas sinalizadores que tm diversas caracters-
ticas em comum:
a) Neurnios e clulas endcrinas secretam para
a corrente sangunea (hormnios liberadores
do hipotalmico e a ocitocina, por ex., so pro-
duzidos por neurnios mas so liberados no
sangue);
b) Tanto clulas endcrinas como neurnios geram
potenciais eltricos (clulas beta do pncreas se-
cretoras de insulina);
c) Existe hormnio com funo de neurotransmis-
sor e neurotransmissor com funo de hormnio
(os hormnios gastrointestinais secretina e gas-
trina so tambm produzidos nos neurnios do
Sistema Nervoso Central e Perifrico); e
d) Tanto o hormnio como o neurotransmissor in-
terage com receptores especcos nas clulas-
alvo. Alm disso, alguns estmulos evocam res-
postas tanto do Sistema Endcrino como do
Nervoso, que se somam no restabelecimento da
homeostasia.
82 Fisiologia Humana
Os hormnios geralmente so produzi-
dos por glndulas conhecidas (fgura 2.1),
mas praticamente quase todos os orgos do
corpo possuem tecidos secretores de horm-
nios. Ao serem liberados no sangue ou nos
tecidos adjacentes, eles atuaro nas clulas-
alvo exercendo suas funes especfcas para
por fm serem inativados e excretados pelo
fgado e pelos rins. claro que todas essas
etapas acontecem mediante mecanismos de
regulao, os quais veremos mais adiante.
Nosso objetivo nesta seo aprender al-
gumas formas de comunicao do Sistema
Endcrino, os tipos de hormnios existentes
e como acontece a ao e regulao hormo-
nal. Voc pode observar na fgura 2.2 que
existem quatro formas de comunicao do
Sistema Endcrino:
Endcrina, quando clulas que consti- a)
tuem uma glndula produzem e liberam
o hormnio na corrente sangunea;
Neuroendcrina, quando um neurnio b)
produz e libera o hormnio na corrente
sangunea;
Parcrina, quando as clulas do tecido produtor do hormnio c)
o liberam no lquido intersticial, atingindo as clulas-alvo nas
imediaes; e
Autcrina, quando as clulas que produzem e liberam o hor- d)
mnio atuam novamente sobre clulas idnticas, modulando
sua prpria secreo.
interessante observar que a mesma substncia produzida por
um neurnio pode ser chamada de neurotransmissor, quando
for liberada numa sinapse (como voc j aprendeu no Captulo
1) ou de hormnio, se for liberada na corrente sangunea. Veja o
exemplo da adrenalina: quando voc est em perigo, em situaes
que chamamos de luta ou fuga, ela liberada no sangue pelas
Hipotlamo
Hipse
Paratireides
Tireide
Adrenais
Pncreas
Ovrios
(mulher)
Testculos
(homem)
Figura 2.1 - Localizao das principais glndulas endcrinas
do corpo humano. (Adaptado de <www.msd-brazil.com/.../
mm_sec13_143.html>)
Lquido intersticial
O lquido que banha as
clulas.
83 Fisiologia Endcrina
clulas da poro medular da glndula adrenal como um horm-
nio, e ao mesmo tempo nos terminais dos neurnios como um
neurotransmissor.
Genericamente, os hormnios podem ser classifcados em:
peptdicos (at 100 aminocidos) ou proticos (mais de 100 a)
aminocidos), categoria essa onde se encontram os hormnios
hipotalmicos ou hipofisrios, que estudaremos mais tarde;
derivados de aminocidos, como os hormnios tireoideos que b)
derivam do aminocido tirosina; e
hormnios esterides, que derivam do colesterol, onde se en- c)
quadram os hormnios sexuais como a testosterona e o estr-
geno, por exemplo.
O hormnio liberado na corrente sangunea em quantidades
muito pequenas (picomoles) e reconhecido por receptores nas
1 picomole = 10
-12
mol/L
Mensageiro
qumico
Capilar
Clulas alvo em
tecido distante
Membrana basal
Clulas
endoteliais
Mensageiro
qumico
Secreo endcrina Secreo parcrina Secreo autcrina
Mensageiro
qumico
Receptores
Secreo neurcrina
Axnio
Hormnio Hormnio Resposta
Clula B
Alvo
Sangue Neurnio
da clula A
Figura 2.2 - Formas de comunicao do Sistema Endcrino: Endcrina, Neuroendcrina, Parcrina e Autcrina.
(Adaptado de <http://www.trinity.edu/rblyston/MicroA/Lectures/L26-html/sld009.htm> e LEVY, 2006)
84 Fisiologia Humana
clulas-alvo que so molculas proticas especfcas e com alta af-
nidade pelo hormnio. O hormnio ento se liga nesses recepto-
res como se fosse uma chave (hormnio) na fechadura (receptor),
provocando algum tipo de sinalizao dentro da clula que poder
resultar no estmulo ou inibio de reaes enzimticas, transpor-
te inico, ou transcrio gentica, por exemplo. O receptor do hor-
mnio pode estar localizado na membrana plasmtica da clula
ou dentro da clula (no citoplasma ou ncleo). Vamos, a seguir,
estudar essas duas maneiras de ao do hormnio.
Quando ocorre a associao hormnio-receptor na membrana
plasmtica, isso gera dentro da clula uma variedade de molculas
sinalizadoras ou segundos mensageiros no interior do citoplasma,
os quais, por sua vez, regulam os processos metablicos e outros
eventos, como voc pode observar na fgura 2.3, com o AMPc.
Nesse caso, as informaes para a resposta celular so transmitidas
ao citoplasma quando o hormnio se liga ao receptor da membra-
na. O hormnio representa um sinal extracelular que bastante
amplifcado pelos segundos mensageiros. Esse o caso dos hor-
mnios peptdicos e proticos.
Hormnio
Receptor
Protena - G
Adenilato Ciclase
(ativa)
AMPc ATP
Adenilato Ciclase
(inativa)
Figura 2.3 - AMPc representado como exemplo de segundo mensageiro. O hormnio
liga-se primeiro ao receptor, causando uma mudana conformacional, abrindo o stio de
ligao da protena G, permitindo que esta ligue-se a ele. A ligao da adenilato ciclase
protena G ativa a primeira, permitindo a ativao do AMPc. (Adaptado de <http://
themedicalbiochemistrypage.org/pkacamp.jpg>)
Em contraste, quando ocorre a associao hormnio-receptor
dentro do citoplasma ou do ncleo (isso acontece com os hor-
AMPc, GMPc, Ca
++
,
1,4,5-trifosfatode inositol (IP3),
diacilglicerol, tirosina cinases,
protena-tirosina fosfatases,
protenas transdutoras de sinal
e ativadoras da transcrio, e
xido ntrico.
85 Fisiologia Endcrina
mnios esterides, vitamina D
e hormnios tireoideanos), o
complexo hormnio-receptor f-
nalmente interage com molcu-
las de DNA e altera a expresso
gnica induzindo ou reprimindo
a mensagem gentica, aumen-
tando ou reduzindo a concentra-
o de protenas celulares, como
voc pode observar na fgura 2.4.
O incio das aes hormonais
geralmente mais lento nesse
caso, em comparao quelas
mediadas por segundos mensa-
geiros citoplasmticos.
No incio desta Seo foi dito
que a secreo dos hormnios
est relacionada aos seus papis
na manuteno da homeostasia,
quer dizer que essa secreo pode
ser ligada ou desligada, quando
necessrio. Esses ajustes podem
ser executados por mecanismos
de feedback (retroalimentao). O feedback pode ser negativo ou
positivo. O feedback negativo o mecanismo mais importante e
comum para regular a secreo hormonal. O feedback positivo
raro (acontece em poucas/raras situaes).
O termo feedback signifca que algum elemento da resposta f-
siolgica a um hormnio retroalimenta, direta ou indiretamen-
te, na glndula endcrina que secretou o hormnio, alterando a
sua velocidade de secreo para mais ou para menos.
O conceito de feedback negativo rege e sustenta praticamente a
regulao homeosttica em todos os sistemas do organismo. Apli-
cando agora esse conceito aos Sistemas Endcrinos, o feedback ne-
gativo signifca que alguma caracterstica da ao hormonal, dire-
Membrana
plasmtica
1
2
PROTENAS
ESTRUTURAIS
SNTESE
DE PROTENAS
PROTENAS
CATALTICAS
Hormnio
lipossolvel
TRANSDUO
RNAm
DNA
3
Receptor
intracelular
TRANSCRIO
Figura 2.4 - Mecanismo de ao de hormnios lipossolveis. Os hormnios
difundem-se atravs da membrana plasmtica, podendo xar-se ao receptor
no citosol (1), ou xar-se ao receptor intranuclear (3) aps difuso pelo
citoplasma (2). O complexo hormnio-receptor interage com a molcula
de DNA; inicia-se ento a transcrio dos genes e a sntese de diferentes
protenas.
86 Fisiologia Humana
ta ou indiretamente, atua na glndula que inicialmente produziu o
hormnio, estimulando ou inibindo sua secreo a fm de corrigir
algum excesso ou falta do produto fnal.
Voc pode observar a fgura 2.5, que ilustra as alas de feedback
negativo. Acompanhe a fgura e veja que o hipotlamo est rela-
cionado hipfse anterior, a qual est relacionada a uma glndula
endcrina perifrica (p. ex., os testculos), causando a secreo do
hormnio (p. ex., testosterona), que atua em tecidos-alvo (p. ex.,
msculo esqueltico), produzindo as aes fsiolgicas. Os hor-
mnios retroalimentam na hipfse anterior e no hipotlamo, nes-
se caso inibindo as suas secrees hormonais.
Ainda observando a fgura 2.5, veja que o feedback de ala lon-
ga signifca que o hormnio retroalimenta toda a via do eixo hipo-
tlamo-hipofsrio, o feedback de ala curta signifca que o hor-
FEEDBACK NEGATIVO
Hipotlamo
Hipse anterior
Glndula endcrina
(p.ex. testculo)
Hormnio
(p. ex. testosterona)
Ala
Curta
Tecido - alvo
(p.ex. msculo)
Alas
longas
FEEDBACK POSITIVO
Hipotlamo
Hipse anterior
Glndula endcrina
(p. ex. ovrio)
Hormnio
(p. ex. estradiol)
Tecido-alvo
Figura 2.5 - Mecanismos de feedback negativo e positivo. O eixo hipotlamo-hipse usado como exemplo nesta
ilustrao. Sinais de + indicam estimulao; sinais de - indicam inibio. (Adaptado de COSTANZO, 2002)
87 Fisiologia Endcrina
mnio da hipfse anterior retroalimenta no hipotlamo, inibindo
a secreo do hormnio liberador hipotalmico. Na fgura no est
ilustrada uma terceira possibilidade, feedback de ala ultracurta,
na qual o hormnio hipotalmico inibe a sua prpria secreo,
como por exemplo o hormnio liberador do hormnio do cres-
cimento, o GHRH (do ingls growth hormone-releasing hormone).
Para facilitar sua compreenso, podemos dizer que o resultado
geral de qualquer verso do feedback negativo o de que, quando
os nveis hormonais so considerados adequados ou altos, a secre-
o posterior do hormnio inibida. Quando os nveis hormonais
so considerados inadequados ou baixos, estimulada a secreo
do hormnio. O exemplo ilustrado na fgura 2.5 representa uma
regulao por feedback complexo, que se utiliza das alas de retro-
alimentao, mencionadas acima.
Existe a regulao por feedback
simples, que no utiliza o eixo hipo-
tlamo-hipofsrio, como voc pode
observar na fgura 2.6. Neste caso, por
exemplo, a secreo de insulina re-
gulada pela concentrao sangunea
de glicose. Assim, quando a concen-
trao sangunea de glicose alta, a
secreo pancretica de insulina ati-
vada; a seguir, a insulina atua nos seus
tecidos-alvo (fgado, msculo e tecido
adiposo), diminuindo a concentrao
sangunea de glicose, trazendo-a de
volta ao normal. Quando a concentrao de glicose no sangue re-
duzida, a insulina no mais necessria e a sua secreo inibida.
O feedback positivo raro e autocrescente, porque provoca
mais secreo do hormnio, e quando ocorre, conduz a um even-
to explosivo. No Sistema Endcrino, voc pode acompanhar na
fgura 2.5 um exemplo de feedback positivo, ou seja, o do estrog-
nio na secreo do hormnio folculo-estimulante (FSH, do ingls
follicle-stimulating hormone) e do hormnio luteinizante (LH, do
ingls luteinizing hormone) pela hipfse anterior, no meio do ciclo
menstrual, que voc estudar mais adiante neste captulo.
Concentrao
plasmtica de glicose
Secreo de insulina
Concentrao
plasmtica de insulina
Sada de glicose do
sangue para clulas
Concentrao
plasmtica de glicose
Figura 2.6 - Feedback negativo da glicose plasmtica no controle de
secreo de insulina.
88 Fisiologia Humana
Outro exemplo de feedback positivo a ocitocina, hormnio
liberado pela hipfse posterior pela dilatao da crvice uterina
durante o trabalho de parto. A ocitocina estimula a contrao ute-
rina, que provoca a dilatao da crvice at culminar com a sada
do feto.
Caro(a) aluno(a), fcou claro para voc que o mecanismo prin-
cipal de regulao dos nveis circulantes de hormnios por fe-
edback negativo? Contudo, apesar desse ser o mecanismo mais
comum, existem tambm outros fatores que regulam a secreo
dos hormnios, como estgios do sono, desenvolvimento fetal e
puberal, impulso sexual, estresse e emoo. Caso tenha permane-
cido alguma dvida, revise novamente os conceitos de feedback
negativo (simples e complexo) e feedback positivo, utilizando as
fguras 2.5 e 2.6.
A resposta fsiolgica de um tecido-alvo no depende somente
dos nveis circulantes de um determinado hormnio. O resultado
fnal da interao de um hormnio com suas clulas-alvo depende
de diversos fatores, como: a concentrao do hormnio; a durao
de exposio ao hormnio; os intervalos entre exposies conse-
cutivas; as condies intracelulares; os efeitos concomitantes de
hormnios antagonistas ou sinrgicos; a quantidade de receptores
nas clulas-alvo.
2.2 Relaes hipotlamo-hiposrias
A hipfse considerada a glndula mestra da endocrinofsiolo-
gia. Est localizada na selaturca do osso esfenide (selaturca uma
depresso da face superior do osso esfenide). Encontra-se sob o
controle neural do hipotlamo e sob controle por feedback pelas
glndulas-alvo. A hipfse, tambm chamada de pituitria, consiste
em um lobo posterior e um lobo anterior, pores estas de origens
embriolgicas distintas. A hipfse posterior tambm chamada
de neuro-hipfse, por ter origem neural. A hipfse anterior (ou
adeno-hipfse) provm de origem epitelial da cavidade oral.
89 Fisiologia Endcrina
O hipotlamo, que voc j estudou no Captulo 1, em neurof-
siologia, est conectado hipfse por uma regio chamada infun-
dbulo, como voc pode observar na fgura 2.7. O hipotlamo con-
trola a hipfse tanto por mecanismos neurais quanto hormonais.
Uma vez que o hipotlamo recebe impulsos de diversas reas
como o tlamo, o Sistema Lmbico, os olhos e o neocrtex, por
exemplo, a funo hipofsria pode ser infuenciada por sono ou
viglia, dor, emoo, medo, odor, luz e, possivelmente, at pelo
pensamento! Outro aspecto a ser considerado que as conexes
neurais entre as diferentes reas hipotalmicas possibilitam que a
produo dos hormnios hipofsrios responda s alteraes na
atividade do Sistema Nervoso Autnomo e s necessidades de ener-
gia do organismo, de regulao trmica, e de equilbrio hdrico.
Preste ateno, caro(a) aluno(a), pois a proximidade dessas di-
versas reas do hipotlamo tem lgica! Pense, por exemplo, no caso
dos hormnios da glndula tireide. Provavelmente voc j ouviu
HIPOTLAMO
Infundbulo
Neuro-hipse
Adeno-hipse
Sistema portal
hiposrio
Clulas neurossecretoras
produzem hormnios liberadores
e inibidores de liberao
Esses hormnios so secretados
em um sistema portal
Cada hormnio hipotalmico ou
estimula ou inibe a produo e
secreo de um hormnio da
adeno-hipse
Clulas neurossecretoras
produzem ADH e ocitocina
Esses hormnios trafegam nos
axnios em direo aos
terminais axnicos
Quando necessrio, ADH e
ocitocina so secretados dos
terminais axnicos dentro da
corrente sangnea.
Figura 2.7 - Hipotlamo e neuro-hipse com conexes neurais; adeno-hipse com neurnios hipotalmicos liberadores
e inibidores; sistema porta-hipotlamo-hiposrio. (Adaptado de <http://www.scholarpedia.org/article/Models_of_
hypothalamus>)
90 Fisiologia Humana
falar que eles aumentam o gasto de energia e a produo de calor.
Pois bem, os neurnios hipotalmicos que controlam a produo da
glndula tireide esto situados juntos aos neurnios que regulam
a temperatura e o consumo energtico pelo controle do apetite.
A relao entre o hipotlamo e a neuro-hipfse estritamente
neural, enquanto o hipotlamo e a adeno-hipfse esto ligados
diretamente pelos vasos sanguneos que formam o Sistema Porta-
Hipotlamo-Hipofsrio, dois plexos capilares que fornecem a
maior parte do sangue ao lobo anterior e por onde so transporta-
dos os hormnios hipotalmicos.
Vamos nos concentrar primeiramente na relao entre o hipo-
tlamo e a neuro-hipfse. O lobo posterior no constitudo de
tecido produtor de hormnios. uma coleo de axnios cujos
corpos celulares esto localizados no hipotlamo, como ilustra
a fgura 2.7. Isso quer dizer que o hipotlamo quem produz os
hormnios transportados ao longo dos axnios em vesculas neu-
rossecretoras e armazenados nos terminais dos axnios da neuro-
hipfse. Quando o corpo celular estimulado, as vesculas so
liberadas por exocitose, o hormnio secretado penetra nos capi-
lares, o sangue venoso da neuro-hipfse adentra a circulao sis-
tmica, que entrega os hormnios aos seus tecidos-alvo. So se-
cretados dois hormnios peptdicos pela neurohipfse: hormnio
anti-diurtico (ADH) e ocitocina, que atuam sobre os seus respec-
tivos orgos-alvo: rim, mama e tero.
Diferentemente do lobo posterior, a adeno-hipfse consti-
tuda por uma coleo de clulas endcrinas que secretam seis
hormnios, sendo que as gonadotrofnas englobam os hormnios
LH e FSH, como ilustra a fgura 2.8. A adeno-hipfse est liga-
da diretamente ao hipotlamo pelos vasos sanguneos do Sistema
Porta-Hipotlamo-Hipofsrio, que fornecem a maior parte do
sangue ao lobo anterior. Os neurnios hipotalmicos, por sua vez,
sintetizam os hormnios liberadores e inibidores que vo atuar na
adeno-hipfse.
Quando os corpos celulares dos neurnios hipotalmicos so
estimulados, os hormnios ali produzidos so secretados no te-
91 Fisiologia Endcrina
cido hipotalmico circunvizinho, entram no plexo capilar cujo
sangue distribudo diretamente no lobo anterior, para ento atu-
arem nos diferentes tipos de clulas, estimulando ou inibindo a
liberao dos hormnios da adeno-hipfse. A seguir, os horm-
nios adeno-hipofsrios penetram na circulao sistmica e atuam
nos seus tecidos-alvo. A fgura 2.9 a seguir ilustra os hormnios
liberadores hipotalmicos, os hormnios adeno-hipofsrios e as
glndulas-alvo.
O eixo hipotlamo-hipofsrio est sob um controle por feedback
proveniente de seus alvos perifricos, como voc pode relembrar
com as fguras 2.5 e 2.6. Os hormnios trfcos originrios da ade-
no-hipfse regulam as concentraes dos hormnios secretados
Hormnios
liberados
Adenoipse
(lobo anterior)
Neurossecreo
Hipotlamo
Ocitocina
Neurohipse
(lobo posterior)
Antidiurtico
Glndula
mamria
(expulso
do leite)
Contraes
do tero
Nfron
Glndula mamria
(produo de leite)
Gnadas
Tireide Supra-renal
Osso
Prolactina Gonadotrco Tireotrco Adrenocorticotrco Somatotrco
Figura 2.8 - Hormnios liberados pela adeno-hipse e pela neuro-hipse. (Adaptado de <http://www.aobesidade.
info/images/hipose.jpg>)
92 Fisiologia Humana
pelas glndulas tireides, adrenais e reprodutivas, e dos produtos
como glicose ou cidos graxos livres. Esses elementos, por sua vez,
regulam por feedback a produo hormonal tanto do hipotlamo
como da hipfse anterior (feedback de ala longa) que costuma ser
negativo, embora possa ser eventualmente positivo.
2.3 Hormnios liberados pela neuro-hipse
O lobo posterior da hipfse, tambm chamado de neuro-hip-
fse, secreta dois neuropeptdeos que so sintetizados nos corpos
celulares de neurnios hipotalmicos: o hormnio antidiurtico
(ADH) e a ocitocina.
Hormnios
reguladores
hipotalmicos
Hormnios da
adenohipse
rgos - alvo - efeito
CRH - Horm. liberador
de corticotrona
Adrenocorticotrco
(ACTH - corticotrona)
Crtex adrenal - cortisol
TRH - Horm. liberador
de tireotrona
Tireoestimulante
(TSH - tireotrona)
Tireide - T3/T4
GnRH - Horm. liberador
de gonadotronas
Folculo-estimulante (FSH)
Luteinizante (LH)
Ovrios - Est. e Prog.
Testculos - Testosterona
GnRH - Horm.
liberador de GH (+)
Somatostatina (-)
Hormnio do
crescimento (GH)
Todas as clulas:
metabolismo celular
TRH - Ocitocina (?) (+)
Dopamina (PIF) (-)
Prolactina (PRL)
Glndulas mamrias:
leite (grav./latc.)
Figura 2.9 - Hormnios reguladores hipotalmicos, hormnios da adenohipse e seus respectivos
rgosalvo e efeitos.
93 Fisiologia Endcrina
Os neurnios produtores do hormnio antidiurtico tm seus
corpos celulares principalmente nos ncleos supra-pticos do hi-
potlamo. Os neurnios produtores de ocitocina tm seus corpos
celulares principalmente nos ncleos paraventriculares. O hor-
mnio produzido a partir de um pr-pr hormnio. Os genes
para o ADH e ocitocina tambm so responsveis pela sntese de
protenas chamadas neurofsinas. A neurofsina-1 codifcada no
gene da ocitocina, e a neurofsina-2 no gene do ADH.
Os pr-hormnios so armazenados em grnulos secretores
com as suas respectivas neurofsinas, que servem como carreado-
ras dos hormnios quando eles trafegam pelo axnio em direo
terminao nervosa. Nas vesculas que contm os pr-hormnios
so executadas as etapas fnais da converso em ADH e ocitocina,
e a secreo inicia quando um potencial de ao transmitido do
corpo celular no hipotlamo ao axnio, e da para as terminaes
nervosas na neuro-hipfse. Aps a liberao dos hormnios e
suas neurofsinas dos grnulos secretores, o hormnio se dissocia
da sua neurofsina e ambas as substncias so transportadas para
a circulao sistmica.
O ADH, tambm chamado de vasopressina, o principal hor-
mnio relacionado com a regulao da osmolaridade dos lquidos
corporais. A fgura 2.10 ilustra o princpio homeosttico de que
a privao de gua eleva a osmolaridade plasmtica, evocando a
liberao do ADH. O ADH, por sua vez, atua nas clulas prin-
cipais da poro terminal do tbulo distal e nos dutos coletores,
aumentando a reabsoro de gua pelos rins e, assim, diminuin-
do a osmolaridade dos lquidos corporais, trazendo-a de volta ao
normal.
O estmulo fsiolgico mais importante para aumentar a libera-
o de ADH um aumento na osmolaridade do lquido que banha
os neurnios osmorreceptores no hipotlamo, levando-os a dispa-
rar e defagrar a liberao do ADH dos neurnios produtores.
Como voc pode observar na fgura 2.11, um outro estmu-
lo para a liberao de ADH a hipovolemia e a hipotenso, por
exemplo devido a uma hemorragia. Uma diminuio no volume
do lquido extracelular de 10% ou mais provoca uma queda na
Produto inicial que dar
origem ao hormnio.
Osmolaridade
Quantidade de soluto
no sangue.
De modo inverso, o consumo
de uma carga hdrica diminui
a osmolaridade, suprimindo
a liberao do ADH, o que
aumenta a excreo de
gua e eleva a osmolaridade
plasmtica ao normal.
94 Fisiologia Humana
presso arterial, que percebida pelos barorreceptores no trio
esquerdo, na artria cartida e no arco artico. Essa informao
transmitida via nervo vago ao hipotlamo, estimulando um au-
mento na secreo de ADH que por sua vez estimula a reabsoro
de gua nos rins, restaurando o volume do LEC.
Alm disso, caro(a) aluno(a), importante salientar que um
outro mecanismo de controle homeosttico importante durante
a hemorragia a liberao de ADH, que provoca contrao do
msculo liso vascular (por isso o nome vasopressina), causando
constrio das arterolas e aumento da resistncia perifrica total.
Dor, nusea, hipoglicemia e vrias drogas (por ex., nicotina,
opiceos) estimulam a secreo de ADH. O etanol inibe a secre-
o de ADH atravs da inibio da neurofsina, responsvel pelo
transporte do hormnio at a neuro-hipfse. Por isso, caro(a)
urina diluda e
volume aumentado
urina concentrada
e volume reduzido
Hormnio
Antidiurtico
Hipotlamo
gua corporal gua corporal
Osmolaridade
do sangue
Sede
Neurohipse
Aumenta
reabsoro
de gua
Diminui
reabsoro
de gua
Osmolaridade
do sangue
Figura 2.10 - Ao do hormnio antidiurtico na regulao da osmolaridade sangunea.
Diabetes insipidus
O diabetes insipidus cen-
tral uma siopatologia
causada pela falncia da
neuro-hipse em secre-
tar ADH. O diabetes in-
sipidus nefrognico a
incapacidade dos rins de
responder ao ADH. Em
ambos os casos os indi-
vduos produzem grande
volume de urina diluda,
pois a gua no absorvi-
da pelos ductos coletores.
95 Fisiologia Endcrina
aluno(a), quando voc bebe algumas cervejinhas a mais as via-
gens ao banheiro vo fcando cada vez mais frequentes!
Como est ilustrado na fgura 2.12, a ocitocina produz a ejeo
do leite das glndulas mamrias em lactao, e a contrao do ms-
culo liso uterino. H indcios controversos a respeito da ocitocina
no trabalho de parto normal. No entanto, as contraes rtmicas e
contnuas produzidas por esse hormnio podem ser importantes
na reduo do sangramento ps-parto e na induo do trabalho de
parto. A ocitocina tambm secretada durante o orgasmo.
Estmulo
barorreceptor
ADH
Lobo
posterior
Neurnios
paraventriculares
Osmorreceptores
Neurnios
supra- pticos
Quiasma
ptico
Lobo
anterior
Hipse
Cerebelo
Figura 2.11 - Anatomia do hipotlamo e da hipse (corte sagital mediano), mostrando as vias de secreo de vasopressina
(ADH). Tambm esto indicadas as vias envolvidas na regulao da secreo de ADH. O detalhe uma ampliao do hipotlamo
e da hipse, mostrando os osmorreceptores.
96 Fisiologia Humana
Na amamentao, a principal ao da ocitocina provocar a
sada de leite armazenado nos alvolos mamrios e nos ductos
lactferos pela contrao das clu-
las mioepiteliais. A suco estimula
os receptores sensoriais no mamilo,
que enviam o estmulo sensorial por
neurnios aferentes via medula at o
tronco enceflico e, fnalmente, para
o hipotlamo onde o hormnio
produzido.
Segundos aps o ato da amamen-
tao, a ocitocina secretada pelas
terminaes nervosas na neuro-hi-
pfse. Se a amamentao continua,
nova ocitocina sintetizada pelos
neurnios hipotalmicos, trafega
pelos axnios e repe a ocitocina
que foi secretada.
Suco mamilar
Ejeo lctea
Aferncia
sensorial
Inuncias do
meio externo
Parto
tero
Ocitocina
Aferncia
sensorial
Contrao
do miomtrio
Hipotlamo
Neurohipse
Figura 2.12 - Ao da ocitocina na contrao uterina e na ejeo de leite.
Glndulas mamrias
aps o parto
Sntese
do leite
Hipotlamo
Adenohipse
Prolactina
Suco mamilar
Aferncia
sensorial
Figura 2.13 - Aes siolgicas e regulao da prolactina.
97 Fisiologia Endcrina
Um outro hormnio envolvido na amamentao, que respo-
svel pelas sntese do leite nas glndulas mamrias, a prolactina.
Preste ateno, caro(a) aluno(a), que a prolactina produzida e
secretada pela adeno-hipfse, ao contrrio da ocitocina. Observe
a regulao deste hormnio na fgura 2.13. Quaisquer outras d-
vidas, observe a fgura 2.8.
2.4 Hormnio do crescimento (somatotropina)
O crescimento depende de infuncias genticas, nutricionais,
ambientais e do Sistema Endcrino. O hormnio do crescimento
(GH, do ingls, growth hormone) secretado durante toda a vida
do indivduo, e um facilitador da expresso do potencial gen-
tico para o crescimento (infuencia a estatura em 30% do potencial
gentico). Conseqentemente, o GH tem efeitos muito importan-
tes sobre os metabolismos protico, glicdico e lipdico.
O GH um hormnio protico sintetizado pelas clulas mais
numerosas da adeno-hipfse (somatotrofos), por esse motivo
tambm chamado de somatotropina. Semelhante a outras pro-
tenas, armazenado em grnulos secretores (soma = corpo).
secretado num padro pulstil, com exploses de secreo ocor-
rendo aproximadamente a cada duas horas, sendo que a maior ex-
ploso secretora ocorre dentro de uma hora aps o incio do sono
(durante os estgios III e IV). Por esse motivo aconselhvel que
as crianas durmam cedo! A tabela 2.1 ilustra a atuao de vrios
agentes que alteram a secreo de GH. A diminuio de glicose na
concentrao sangnea e a inanio so estmulos potentes que
aumentam a secreo do GH.
Fatores estimuladores Fatores inibidores
Concentrao diminuda de glicose Concentrao aumentada de glicose
Concentrao diminuda
de cidos graxos livres
Concentrao aumentada de
cidos graxos livres
Exerccios Senescncia
Se, por exemplo, um
indivduo tem um potencial
gentico para uma altura
de 1,80 metros, sem o GH
atingiria 1,20 metros.
98 Fisiologia Humana
Fatores estimuladores Fatores inibidores
Hormnios da puberdade
(estrognio, testosterona)
Somatostatina
Somatomedinas
Exerccios Hormnio do crescimento
Estresse Agonistas beta-adrenrgicos
Sono estgios III e IV Gravidez
Tabela 2.1 - Fatores que afetam a secreo do hormnio de crescimento (COSTANZO, 2002).
A taxa de secreo do GH (ver tabela 2.2) aumenta do nasci-
mento at o incio da infncia, permanecendo estvel por algum
tempo e acelerando muito durante a puberdade, o que est as-
sociado ao crescimento linear durante esse perodo. Isso ocorre
devido ao aumento na secreo do estrognio nas mulheres e da
testosterona nos homens.
Faixa etria nanogramas/ml
5-20 anos 6
20-40 anos 3
40-70 anos 1,6
Tabela 2.2 - Concentraes de GH ao longo da vida do indivduo
A fgura 2.14 mostra a relao entre o hipotlamo, a adeno-hi-
pfse e os tecidos-alvo na regulao da secreo do hormnio de
crescimento. A secreo do GH pela adeno-hipfse controlada
por uma via estimulatria, atravs da ao do GHRH (hormnio
liberador do hormnio de crescimento) e outra, inibitria, atra-
vs da ao da somatostatina (hormnio inibidor da liberao da
somatotropina), ambos secretados pelos neurnios hipotalmi-
cos. A somatostatina inibe a secreo do GH por bloquear a ao
do GHRH nas clulas somatotrfcas na adeno-hipfse. Lembre,
caro(a) aluno(a), que essa regulao por feedback negativo (veja
a fgura 2.14). Alm das alas longa e curta envolvidas, o GHRH
inibe a sua prpria secreo no hipotlamo por meio de uma ala
de feedback ultracurta.
99 Fisiologia Endcrina
O GH induz o crescimento em quase todos os tecidos, no es-
queleto (comprimento e espessura dos ossos), nos tecidos moles,
alm de apresentar uma srie de aes na sntese protica e no me-
tabolismo de glicdios e lipdios. Algumas dessas aes resultam
do efeito direto do GH em tecidos-alvo, como msculo esquelti-
co, fgado ou tecido adiposo. Outras so mediadas indiretamente,
atravs da produo de somatomedinas (IGF). A meia-vida do
GH de 6-20 minutos e, a da somatomedina, de 20 horas.
Como voc pode observar na fgura 2.14, as somatomedinas,
que so subprodutos da ao do GH nos tecidos-alvos, inibem a
secreo do hormnio pela hipfse anterior. Ainda acompanhan-
do a mesma fgura, observe que o GH e as somatomedinas esti-
mulam a secreo de somatostatina pelo hipotlamo. Esse um
claro efeito inibitrio, isto , de regulao por feedback negativo. A
tabela 2.3 ilustra algumas das aes fsiolgicas do GH e das soma-
tomedinas C (IGF-1). Em alguns tecidos, o GH o hormnio que
tem ao preponderante; em outros, o IGF-1.
GHRH
Somatomedinas
(IGF)
Somatomedinas
(IGF)
Hormnio do Crescimento
Hipotlamo
Hipse anterior
Tecidos-alvo
Somatostatina
(SRIF)
Figura 2.14 - Regulao da secreo do hormnio do crescimento. GHRH - Hormnio
liberador do hormnio do crescimento; IGF - Fator de crescimento semelhante insulina;
SRIF - Fator inibidor da liberao de somatotropina. (Adaptado de COSTANZO, 2002)
Somatomedinas so
fatores de crescimento
semelhantes insulina (IGF,
insulin like growth factor).
A mais importante a
somatomedina C, ou IGF-1.
Meia-vida
Perodo de tempo necessrio
para que a concentrao do
hormnio no sangue seja
reduzida pela metade.
100 Fisiologia Humana
Local Ao
Metabolismo
Glicose Plasmtica
AGL Plasmtico
Aminocidos Plasmticos
Uria Plasmtica
Tecido adiposo
Liplise
Captao de Glicose
Adiposidade
Msculo
Massa Corporal magra
Captao de Aminocidos
Sntese de Protenas
Captao de Glicose
Rim, pncreas, intestino,
ilhotas pancreticas, pele,
tecido conjuntivo,
osso, corao e pulmo
Tamanho do rgo
Funo do rgo
Sntese de Protenas
Sntese de DNA e RNA
Tamanho e nmero de
clulas
Condrcitos
Captao de Aminocidos
Crescimento linear
Sntese de Protenas
Sntese de DNA e RNA
Condroitino Sulfato
Colgeno, Tamanho e
nmero de clulas
Tabela 2.3 - Aes siolgicas do GH e das somatomedinas C (IGF-1).
2.5 Hormnios tireoidianos
A glndula tireide fca localizada abaixo da laringe, em ambos
os lados da traquia. constituda de folculos fechados revestidos
por clulas epiteliais cubides (fgura 2.15) que sintetizam e secre-
tam os hormnios tiroxina (T
4
) e triiodotironina (T
3
). Esses hor-
mnios tm efeito em praticamente todos os sistemas do corpo.
As estruturas do T
3
e T
4
diferem somente por um nico tomo de
iodo, como ilustra a fgura 2.16. Apesar de quase toda a liberao
101 Fisiologia Endcrina
hormonal da tireide ser de T
4
, os tecidos-alvo convertem T
4
em
T
3
atravs de uma enzima, removendo um tomo de iodo. Portan-
to, o T
3
o hormnio mais ativo.
2.5.1 Sntese e transporte dos hormnios tireoidianos
As etapas na biossntese desses hormnios pelas clulas folicu-
lares esto esquematizadas na 2.17:
A tireoglobulina (TG), uma glicoprotena composta por gran- 1.
des quantidades do aminocido tirosina, sintetizada no re-
tculo endoplasmtico das clulas foliculares, incorporada em
vesculas e eliminada atravs da membrana apical, dentro da
luz do folculo;
O iodeto (I 2.
-
) transportado ativamente do sangue para as c-
lulas foliculares, contra um gradiente eletroqumico. Devido
ao seu papel na formao dos hormnios tireoideos, o iodeto
representa um elemento essencial na dieta, variando a necessi-
dade diria mnima em torno de 80 g;
O iodeto atravessa a clula em direo membrana apical. 3.
Folculo
Colide
Hemcias
Clulas Epiteliais
Cubides
Figura 2.15 - Unidade tireidea bsica. Um folculo
normal consiste em um ncleo central de material
colide circundado por uma nica camada de clulas
cubides. (Adaptado de <http://medical-dictionary.
thefreedictionary.com/Thyroid+gland+cell>)
O
O
C
C
H
NH HOOC
H H
H
O
O
C
C
H
NH HOOC
H H
H
Tiroxina Triiodotironina
(T4) (T3)
Figura 2.16 - Estruturas dos hormnios
tireoidianos, tiroxina (T
4
) e triiodotironina (T
3
).
(Adaptado de <http://tiroidesobinvestigacao.
blogspot.com/2007_05_01_archive.html>)
102 Fisiologia Humana
Evento Local Enzima Inibidor
Sntese de TG, eliminao para
a luz folicular
Bomba de I
Oxidao do I
I
Retculo endoplasmtico
granular, aparelho de Golgi
Membrana basal
Membrana apical (luminal)
Membrana apical
Membrana apical
Membrana apical
Lisossomos
Intracelular
Peroxidase
Peroxidase
Peroxidase
Proteases
Desiodase
Perclorato, tiocianato
Propiltiouracil (PTU)
Propiltiouracil
Propiltiouracil
1
2
3
4
5
6 Endocitose da TG
7
8
Organizao do I em MIT e DIT
Reao de acoplamento do MIT
e do DIT em T e T
Hidrlise de T e T,
T e T entram na circulao
Desiodao dos MIT e DIT residuais
Reciclagem do I
e da tirosina
1
2
3
8
7
4
5
6
Tireoglobulina
desiodase
TG
I
I
MIT
DIT
MIT
DIT DIT
DIT
MIT
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3
Fisiologia do Sistema Digestrio
Neste Captulo, esperamos que voc compreenda como os
rgos envolvidos na digesto e na absoro dos nutrientes
contribuem para os processos fundamentais que mantm a
estabilidade do meio interno do ser humano. Inicialmente,
sero abordados os conceitos gerais sobre a regulao das
funes orgnicas. Em seguida, veremos como o alimento co-
mea a ser processado desde a boca, passando pelo esfago e
estmago at chegar ao intestino delgado, rgo responsvel
pela digesto fnal e pela absoro dos nutrientes e da gua.
Apenas o que no for digerido e absorvido, ser temporaria-
mente armazenado no intestino grosso e, quando convenien-
te, ser excretado.
141 Fisiologia do Sistema Digestrio
3.1 Introduo ao estudo da siologia do
sistema digestrio
Voc j reparou como variada a dieta alimentar do ser huma-
no? Diariamente, um homem normal de 70 kg necessita consumir,
idealmente, em torno de 150 g de carboidratos, de 70 a 100 g de
protenas, uma quantidade varivel de gorduras, gua, sais mine-
rais e vitaminas, o que faz de ns uma espcie omnvora.
Mas, quais so as nossas fontes energticas? Algumas das prin-
cipais fontes so os carboidratos, e o mais abundante o amido
(contido, por exemplo, na batata), substncia complexa composta
de milhares de molculas de glicose ligadas entre si. Podemos tam-
bm considerar como fonte energtica os aminocidos obtidos das
protenas, derivadas, por exemplo, da carne, que nada mais do
que tecido muscular rico em protenas contrteis (principalmente
actina e miosina), e que tambm contm glicognio (estoque ener-
gtico da fbra muscular). Porm, dentre os nutrientes, quem nos
fornece a maior quantidade de energia a gordura (em especial os
triacilgliceris), a qual pode ser de origem vegetal ou animal, por
exemplo, entremeada s fbras musculares da carne.
Portanto, se ns nos alimentamos de estoques energticos dos
vegetais e dos animais que ingerimos, temos na dieta apenas for-
mas complexas ou polmeros (amido, protenas, glicognio e tria-
cilgliceris), formados por duas ou mais molculas, o que os torna
imprprios para a absoro imediata. Como apenas substncias
simples atravessam a mucosa intestinal (salvo algumas excees),
Omnvoro
Do Latim omnivorus, aquele
que come de tudo ou que se
alimenta de substncias de
origem animal e vegetal.
142 Fisiologia Humana
torna-se fundamental a digesto prvia, ou seja, a diviso dos pol-
meros em pores unitrias (ou monmeros) que, a sim, podero
ser absorvidos. Repare, ento, que estas so duas das principais
funes de nosso SD: a digesto e a absoro de nutrientes.
3.1.1 Reviso sobre as estruturas que compem o
sistema digestrio (SD)
Se voc reconhece a complexidade de nossa dieta, entende tam-
bm por que nosso SD to complexo. Por isso mesmo, antes de
estudar Fisiologia do SD, voc deve estudar as caractersticas mor-
folgicas mais importantes do tubo digestrio e de suas glndu-
las anexas. Basicamente, o Tubo Digestrio (TD) um canal com
cerca de 8,5 m de comprimento, que inicia na boca e termina no
nus, composto por rgos localizados na cabea, pescoo, trax,
abdome e pelve. formado pela boca, faringe, esfago, estmago,
intestinos delgado e grosso e nus. Na transio entre os diferentes
segmentos esto os esfncteres.
atravs deste tubo que o alimento conduzido e, ao mesmo
tempo, processado e absorvido, exigindo a presena de secrees
produzidas pelas glndulas excrinas, dentre elas as glndulas
salivares, o pncreas, o fgado e as glndulas mucosas espalhadas
pelo TD, desde a boca at o canal anal. Somente aps o devido
processamento que os nutrientes sero absorvidos, juntamente
com a gua, as vitaminas e os sais minerais. Aquilo que no for
digerido e/ou absorvido, ser temporariamente armazenado no
intestino grosso e, eventualmente, excretado sob a forma de massa
fecal. Para uma breve reviso das estruturas que compem o Siste-
ma Digestrio, consulte a fgura 3.1.
3.1.2 As grandes funes do SD: motilidade, secreo,
digesto e absoro
Pelo descrito anteriormente, voc j deve ter percebido que, se
quisermos entender como o alimento processado no SD, devemos
entender como ele transportado (fenmeno que chamaremos de
motilidade) e processado em partes bem pequenas (digesto) por se-
crees enzimticas, em substncias menores e absorvveis. Ento,
a motilidade, a secreo, a digesto e, fnalmente, a absoro dos nu-
Glndulas excrinas
Conjunto de clulas
especializadas, que secretam
seus produtos para o meio
externo ao organismo.
Exemplos: glndulas
sudorparas, salivares,
pncreas, fgado e clulas
mucosas do TD.
143 Fisiologia do Sistema Digestrio
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A
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V
A
N
D
E
R
e
t
a
l
.
,
2
0
0
1
,
p
.
5
5
6
)
144 Fisiologia Humana
trientes so as grandes funes do SD (fgura 3.2). A excreo ocorre-
r somente se houver material que no foi digerido e/ou absorvido.
3.2 Sistemas reguladores das funes do SD
Independente da funo do SD, a regulao dessa funo deve ser
efciente e coordenada, exigindo o envolvimento da regulao neur-
crina (do Sistema Nervoso Central, SNC, e do Sistema Nervoso Au-
tnomo, SNA), da regulao endcrina e da regulao parcrina:
A regulao neurcrina realizada por neurnios sensoriais,
associativos e motores, e envolve diferentes neurotransmisso-
res, um exemplo a acetilcolina.
A regulao endcrina aquela que envolve os hormnios,
substncias produzidas e armazenadas por clulas especializa-
das, localizadas na mucosa do tubo digestrio e secretadas para
o sangue. Exemplos: gastrina e colecistoquinina.
A regulao parcrina aquela exercida localmente, a partir
de substncias produzidas e armazenadas por clulas especiali-
zadas e localizadas na mucosa do tubo digestrio, um exemplo
a histamina.
Corao
Fgado
Veia Porta
Heptica
Reto
Clo
Intestino Delgado
Estmago
Esfago
Boca
Motilidade
Alimento
e gua
nus
Fezes
Digesto
Absoro
Secreo
Figura 3.2 - As grandes funes do Sistema Digestrio: motilidade, secreo, digesto e absoro.
(Adaptado de VANDER et al., 2001, p. 555)
145 Fisiologia do Sistema Digestrio
3.2.1 Regulao Neurcrina das funes do SD
A regulao neurcrina envolve o SNA, o qual possui duas pores
extrnsecas ao SD, ou seja, que no pertencem ao SD, o Sistema Ner-
voso Simptico (SNS) e o Sistema Nervoso Parassimptico (SNP), e
uma poro intrnseca ao SD (contida no SD), o Sistema Nervoso
Entrico (SNE), conforme nos mostram as fguras 3.3A e 3.3B.
Msculo
liso
Sistema
nervoso entrico
Sistema nervoso
perifrico
Mucosa e
submucosa
Terminaes
sensitivas
Glndulas
Nervo vago ou
nervo plvico
Gnglio
simptico
Ncleo dorsal
do Vago ou
S - S
T - L
(NE)
(ACh)
(ACh)
(ACh)
(ACh)
(ACh)
Sistema
nervoso central
Figura 3.3A - Organizao
do SNE e suas relaes
com os sistemas SNS e SNP,
todos pertencentes ao
Sistema Nervoso Perifrico
ou Autnomo (SNA).
Neurotransmissores:
Ach - acetilcolina;
NE - noradrenalina;
T
1
-L
3
e S
2
-S
4
- nveis
medulares. (Adaptado de
KIERNAN, 1998)
rio
Nervo parassimptico
(bra vagal)
Mesentrio
Plexo submucoso
Ramo 2
Gnglios
Plexo
mioentrico
Vasos sangneos
Serosa
Lmen
intestinal
Nervo simptico
(perivascular)
Muscular externa
(longitudinal)
Muscular interna
(circular)
Terminaes
sensitivas
Muscular
da mucosa
Submucosa
Vilosidade
Figura 3.3B - As principais
estruturas que formam
o Tubo Digestrio (TD),
os plexos mioentrico e
submucoso pertencentes ao
Sistema Nervoso Entrico
(SNE), suas relaes com os
demais componentes do
TD e a inervao extrnseca
(SNS e SNP). (Adaptado de
GERSHON, 1999)
146 Fisiologia Humana
Tanto o Sistema Nervoso Simptico (SNS) quanto o Parassimp-
tico (SNP) exercem as infuncias externas (ou extrnsecas) sobre
as atividades do SD, tornando o processo de digesto mais efcien-
te, especialmente as atividades motoras e secretoras, que podero
ser iniciadas antecipadamente, quer dizer, podero ocorrer antes
mesmo de o alimento ser ingerido.
Podemos experimentar tais infuncias extrnsecas sobre as fun-
es digestivas todos os dias na hora do almoo, ao nos deparar-
mos com um prato de comida. Se estivermos com fome e a comida
nos parecer apetitosa, o estmago comear a roncar. Tais ron-
cos so, na verdade, borborigmos produzidos pelo deslocamen-
to do ar, provocado pelas contraes gstricas estimuladas pela
inervao extrnseca. Assim como a motilidade, diversas secrees
tambm sero estimuladas, incluindo a salivao (lembre-se da
gua na boca) e a secreo gstrica.
Ento, atravs da inervao extrnseca efetuada pelo SNA que
a viso, o cheiro e o paladar, dentre inmeros fatores, podem in-
fuenciar positivamente ou negativamente no processo de diges-
to. Mas, para que essas infuncias sejam positivas, necessrio
que haja motivao para comer (o apetite ou a fome) ou ainda
a associao dos sinais sensoriais com sensaes de prazer. Caso
contrrio, as infuncias podero ser inibitrias e, portanto, desa-
celerar ou at mesmo impedir a ingesto e a digesto do alimento.
Reveja as principais caractersticas, apresentadas em Neurofsiolo-
gia, sobre o SNS e o SNP na regulao visceral.
O Sistema Nervoso Entrico (SNE) a terceira diviso do SNA
e est envolvido nos processos fsiolgicos do SD. Ele compos-
to pelos plexos mioentrico e submucoso (veja as fguras 3.3A e
3.3B), os quais contm neurnios cujos corpos celulares esto dis-
postos em gnglios, presentes desde o tero mdio do esfago at
o reto. O nmero de neurnios semelhante quele observado na
medula espinhal e j foram descritos mais de 14 tipos de neur-
nios, que podemos agrupar em neurnios sensoriais, interneur-
nios (ou associativos) e neurnios motores (fgura 3.4). Tanto o
147 Fisiologia do Sistema Digestrio
SNS quanto o SNP modularo (acelerando ou desacelerando) as
atividades digestivas, atuando sobre os circuitos neurais formados
pelos neurnios do SNE.
Os neurnios sensoriais (aferentes) do SNE detectam a presena
de substncias qumicas na luz da vscera (so os quimioceptores),
ou so sensveis a estiramento ou contrao da musculatura do
tubo digestrio (mecanoceptores), ou at mesmo temperatura
(termoceptores).
Os neurnios motores (eferentes) so aqueles que inervam a
musculatura lisa, podendo estimular ou inibir sua contrao, de-
pendendo do neurotransmissor envolvido. Tambm so conside-
rados neurnios motores aqueles que estimulam ou inibem as se-
crees (excrinas, endcrinas ou parcrinas, recebendo o nome
de neurnios secretomotores), e os neurnios vasomotores, que
inervam os vasos sangneos.
neurnios
associativos
neurnios
motores
epitlio
mucoso
clulas
secretoras
endcrinas e
excrinas
msculo
liso
vaso
sanguneo
Sistema nervoso entrico
Sistemas
efetores
Substncias presentes
na luz da vscera
Substncia endcrina
ou parcrina
Sistema nervoso central
neurnios
sensoriais
Figura 3.4 - Principais componentes do Sistema Nervoso Entrico (SNE). O SNE composto
por neurnios sensoriais, neurnios associativos (ou interneurnios) e neurnios motores.
Estmulos da luz da vscera eliciam (provocam) reexos vago-vagais (ala longa) e locais (ala
curta), os quais ativam programas motores especcos do SNE que, por sua vez, eliciam ou
inibem as respostas dos sistemas efetores. O SNC regula o SNS e o SNP, e estes regulam o SNE.
(Adaptado de MICHAEL, 2000)
148 Fisiologia Humana
Finalmente, fazendo a interligao entre os neurnios senso-
riais e os motores, temos os interneurnios ou neurnios associa-
tivos. Ento, um circuito neural regulador de uma determinada
funo exigir a participao de neurnios sensoriais (afern-
cia sensorial), interneurnios e motores (eferncia motora ou
secretomotora).
3.2.2 Regulao endcrina e parcrina das funes do SD
A regulao endcrina, feita atravs de diversos hormnios
produzidos por clulas endcrinas distribudas na mucosa do
tubo digestrio (veja alguns exemplos na tabela 3.1), complemen-
ta a regulao neural das funes do SD. Isto porque essas subs-
tncias qumicas podem, atravs do sangue, se distribuir por todo
o SD e de maneira relativamente rpida. J a regulao parcrina
est envolvida com a regulao de fenmenos locais e especf-
cos. Repare que as infuncias entero-endcrinas e parcrinas so
complementares s neuronais, porque os entero-hormnios e as
substncias parcrinas podem chegar em clulas que no rece-
bem inervao.
Neurotransmissores e/ou
Neuromoduladores
Tipo de neurnio
Acetilcolina Interneurnio, motor e secretomotor
Peptdeo Inibidor Vasoativo (VIP) Motor
xido Ntrico Motor
Hormnios Ao siolgica conhecida
Gastrina Estimula a secreo gstrica (a cida e a de pepsina)
GIP (Peptdeo insulinotrpico
glicose-dependente)
Estimula a secreo de insulina
Secretina Estimula a secreo hidro-eletroltica pancretica
Colecistoquinina
Estimula a secreo de enzimas pancreticas
e de bile pela vescula biliar
Substncias parcrinas Principal ao siolgica
Histamina Estimula a secreo de cido clordrico
Substncia P Envolvida com quimiocepo
Tabela 3.1 - Principais substncias encontradas no Sistema Digestrio.
Um exemplo de regulao
parcrina a regulao da
secreo cida gstrica pela
histamina, a qual ocorre
apenas na regio do corpo
gstrico.
149 Fisiologia do Sistema Digestrio
3.3 O processamento dos nutrientes no trato
gastrointestinal superior
3.3.1 Boca e esfago
Sob o ponto de vista do processo de digesto, a permanncia
do alimento na boca no essencial porque, de todos os substra-
tos energticos presentes em uma dieta ideal, apenas o amido e o
glicognio so parcialmente digeridos na boca pela ptialina, uma
alfa-amilase contida na saliva.
Os demais substratos (outros carboidratos, protenas e gordu-
ras) sofrero digesto mais adiante no estmago ou no intestino
delgado. Porm, na boca que o alimento preparado para a de-
glutio. Imagine-se deglutindo um pedao de carne sem mastig-
lo... Idealmente, o alimento deve ser mastigado e fragmentado em
pores menores, e misturado saliva (ver componentes confor-
me a tabela 3.2) de tal maneira que adquira a consistncia adequa-
da para a sua deglutio, caso contrrio poder haver a asfxia.
Se voc ainda tem dvidas da importncia desse processo, ima-
gine-se ingerindo um punhado de farinha seca sem mastig-la e
mistur-la saliva... Tarefa quase impossvel, no mesmo?
Componentes da saliva Aes siolgicas
gua e eletrlitos
(Na
+
, Cl
, HCO
3
, Ca
++
, K
+
,
dentre outros)
Solubilizao para a gustao (paladar),
digesto e deglutio do alimento.
Muco
Contm a glicoprotena mucina, que, polimerizada, forma um
gel que lubrica e protege a mucosa (facilita a fala) e lubrica
o alimento, facilitando a deglutio.
Ptialina
(alfa-amilase)
Enzima que hidrolisa o amido e o glicognio em polmeros
menores, tais como a maltose, a maltotriose e as dextrinas.
Lisozima Enzima bactericida que auxilia na higienizao da cavidade oral.
Mas, como esses processos (mastigao, salivao e deglutio)
so organizados? Todas as estruturas envolvidas nesses processos
esto sob controle neural, atravs de nervos cranianos cujos n-
cleos ou centros (localizados no tronco enceflico entre a ponte
A saliva contm gua e muco,
substncias lubricantes que
agregam as partculas e do
consistncia pastosa ao bolo
alimentar.
Tabela 3.2 - Principais componentes da saliva e suas aes siolgicas.
150 Fisiologia Humana
e o bulbo) organizam as respostas motoras refexas e sofrem infu-
ncias involuntrias e voluntrias (corticais). Caso haja leso de
um ramo de um dos nervos cranianos envolvidos, as estruturas
inervadas por este perdero a sua funo, com conseqente atonia
e atrofa musculares.
Um bom exemplo dessa regulao a mastigao. No momento
em que voc decide introduzir um pedao de alimento na boca,
repare que a sua mandbula cai para que sua boca abra. A queda
da mandbula, embora seja defagrada por um ato voluntrio,
refexa e exige a contrao de msculos abaixadores da mandbula
e a inibio de seus antagonistas (msculos elevadores da mand-
bula). A partir do momento em que o alimento introduzido na
boca, voc mastiga esse alimento tambm por um ato voluntrio,
o qual tambm envolve respostas refexas. Dependendo da consis-
tncia do alimento, por um ato voluntrio, voc decide continuar
mastigando ou degluti-lo.
Paralelamente mastigao, a secreo salivar produzida e li-
berada na cavidade oral, por regulao estritamente refexa (sali-
vao), atravs da infuncia parassimptica e simptica sobre os
cinos e os ductos salivares (fgura 3.5). A salivao ocorre 24 horas
por dia devido ao tnus parassimptico, obedecendo a um ritmo
circadiano, porm sofrendo infuncias do estado emocional, da
hidratao, dentre outros fatores. Mas, obviamente que o melhor
estmulo para que ocorra o aumento da salivao (pode chegar
a 20 vezes, em relao ao que produz em estado de repouso) o
incio da alimentao.
Para que a salivao aumente, contribuem tanto estmulos in-
ternos (p. ex., a motivao para comer) quanto os estmulos exter-
nos (viso, olfao e at audio), atravs da estimulao do SNP.
O contrrio, entretanto, tambm verdadeiro: fatores estressantes
podem nos tirar o apetite, inibir, pelo menos temporariamente, a
ingesto alimentar e, conseqentemente, inibir a secreo salivar
por ativao do SNS.
Aps o alimento ter sido devidamente preparado pela mastigao
e salivao, ele poder ser deglutido. Embora o incio da deglutio
seja um ato voluntrio, uma vez defagrada, ela involuntria.
A mastigao exige no
apenas a movimentao
da mandbula, mas tam-
bm os ajustes e o moni-
toramento da posio da
lngua, das bochechas e
dos lbios.
Circadiano
Do Latim circa (cerca
de) e diano (um dia).
151 Fisiologia do Sistema Digestrio
A fase voluntria da deglutio inicia quando todo ou parte do
alimento que se encontra na boca empurrado com a lngua con-
tra a abertura da orofaringe. Ali se encontram terminaes sensi-
tivas que sero estimuladas e que defagraro a fase involuntria
da deglutio, ou seja, ocorrer uma sucesso de movimentos das
estruturas que compem a faringe e o esfago de tal maneira que
o alimento tenha um nico destino: o estmago.
Seqncia de eventos da deglutio:
1. O palato mole empurrado para cima, fechando a nasofaringe
(impede o refuxo do alimento para a cavidade nasal);
2. As pregas palatofarngeas se aproximam umas da outras (evita
que pedaos grandes de alimento passem);
3. As pregas vocais da laringe se aproximam e a epiglote se fecha
(evita a entrada de alimento para a laringe);
4. A laringe puxada para cima e para a frente (abertura do es-
fncter esofgico); e
5. Iniciam-se na faringe movimentos peristlticos que chegam ao
esfago, forando o bolo alimentar para a sua poro superior
que compe a orofaringe e o esfago, os quais permitiro que o
alimento atinja o estmago.
Gnglio tico
Gnglio submandibular
Nervo parassimptico
(secretor)
Inuncias sensoriais descendentes
(viso, audio, gustao, tato, memria, etc)
Gnglio cervical
Cadeia ganglionar simptica
Nervo ps-ganglionar simptico
Glndula partida
Glndula sublingual
Glndula submandibular
Figura 3.5 - Regulao da secreo salivar. (Adaptado de POCOCK; RICHARDS, 2006, p. 656)
152 Fisiologia Humana
Ento, repare que a nica possibilidade de removermos algo que
deglutimos ou por engano ou porque isto no estava em condies
de ser ingerido (por exemplo, uma comida deteriorada) o vmi-
to. Organizado no SNC (h um centro da nsia e um centro do
vmito), o vmito pode provocar leso da mucosa e at do esmal-
te dentrio se acontecer com freqncia, pois durante o vmito
que o cido clordrico gstrico refui para o esfago, a orofaringe e
at mesmo para a nasofaringe.
Voc deve estar pensando: Mas, se eu quiser, eu posso inibir
a deglutio de um chiclete, por exemplo. Ser que voc inibe a
deglutio? Na verdade voc se ope deglutio, tossindo e for-
ando o chiclete a voltar para a sua boca. Mas, nem sempre voc
consegue, reparou? Isso ocorre porque, uma vez direcionado para
o esfncter esofgico superior, o alimento (ou no caso, o chiclete)
ter um nico destino: o estmago, aps percorrer o esfago. En-
to, a motilidade esofgica , na verdade, um componente impor-
tante da deglutio.
O transporte do alimento atravs do esfago em direo ao es-
tmago ocorre devido ocorrncia de movimentos que propelem
ou empurram o alimento adiante. Tais movimentos envolvem a
contrao da musculatura esofgica imediatamente antes do bolo
alimentar, que o empurra para adiante.
Ento, diferente do que possa parecer, a deglutio no depende
da ao da gravidade. Esse anel de contrao desloca-se de maneira
semelhante a uma onda e chamado peristalse. Ele ocorre graas
s propriedades da musculatura esqueltica (no tero superior do
esfago) e da musculatura lisa (a partir do tero mdio do esfa-
go), e coordenado pelos mesmos nervos cranianos responsveis
pelo controle da deglutio, embora no tero inferior do esfago j
atue tambm o SNE.
O movimento peristltico observado na musculatura lisa ocor-
re graas organizao de duas camadas musculares, a externa
(ou longitudinal) e a interna (ou circular), cujas fbras muscula-
res formam um ngulo reto entre elas. Como a camada muscu-
lar longitudinal possui as fbras musculares dispostas na direo
do comprimento do tubo digestrio, sua contrao acarretar no
153 Fisiologia do Sistema Digestrio
encurtamento daquela poro do tubo. J a contrao da camada
muscular circular implicar em fechamento da luz do tubo.
Combinando-se os movimentos, teremos a contrao do anel
da musculatura circular (ou interna) na poro oral do alimento e
a contrao da musculatura longitudinal (ou externa) no mesmo
segmento, encurtando a vscera e empurrando o alimento adiante.
Porm, repare que, eventualmente, a musculatura frente do ali-
mento pode estar contrada (por ex., a musculatura do esfncter).
Portanto, para que a onda peristltica se desloque, a musculatura
circular frente do alimento dever estar inibida e, portanto, re-
laxada. Essa onda de inibio da musculatura circular frente do
alimento o que permite a abertura dos esfncteres.
Os movimentos peristlticos observados no esfago esto rela-
cionados deglutio, e geralmente uma nica onda peristltica
sufciente para conduzir o alimento desde a faringe at o estmago
(onda primria). Somente se algum resto alimentar permanecer
no esfago que podero ser observados movimentos peristlti-
cos secundrios. Portanto, idealmente, o esfago est sempre sem
luz aparente (colabado) e vazio. A deglutio encerrada com o
relaxamento do esfncter esofgico inferior, que permitir o es-
vaziamento do contedo esofgico no estmago. Imediatamente
aps a deglutio, tanto o esfncter esofgico superior quanto o
inferior voltam ao seu tnus de repouso.
3.3.2 Estmago
Uma das funes do estmago o armazenamento e a conduo
do alimento para o intestino delgado, na quantidade e no ritmo
adequados para que ocorram a digesto e a absoro apropriadas
dos nutrientes.
Na luz gstrica, a digesto do amido e do glicognio, que co-
meou na boca, continuar ocorrendo enquanto a ptialina (da se-
creo salivar) permanecer com pH ideal em torno de 7,0. Como
existe produo de cido clordrico (HCl) pelo estmago, a mis-
tura do alimento com este cido interromper, pelo menos tem-
porariamente, a digesto desses carboidratos. Mas, por que o pH
gstrico cido?
154 Fisiologia Humana
Uma das funes do pH propiciar uma barreira qumica con-
tra agentes patognicos que eventualmente deglutimos com a sali-
va ou o alimento. Outra importante funo do estmago iniciar
a digesto das protenas da dieta e, para que isso ocorra, estas te-
ro que ser desnaturadas para que possam ser hidrolisadas pelas
proteases.
No estmago, a protease encontrada a pepsina que, atravs da
hidrlise das ligaes peptdicas, digere parcialmente as protenas,
originando a formao de polipeptdeos e alguns aminocidos li-
vres. Como todas as proteases, a pepsina secretada em forma
de zimognio (uma pr-enzima inativa chamada pepsinognio)
e somente na luz gstrica e em pH cido (em torno de 3,0) ela se
tornar ativa.
Mas, como o estmago capaz de armazenar at 1,5 L de ali-
mento em uma nica refeio?
Durante o jejum, o estmago encontra-se vazio e contrado, gra-
as ao tnus muscular. Somente se houver uma diminuio desse
tnus que ser possvel a entrada e a acomodao do alimento.
Isto acontece graas ao relaxamento receptivo, uma inibio tem-
porria da musculatura gstrica frente da onda peristltica ini-
ciada na deglutio, permitindo a acomodao do estmago ao seu
novo contedo. Esse relaxamento temporrio e, imediatamente
aps a passagem da onda peristltica, o tnus muscular, incluindo
o tnus do esfncter esofgico inferior, retomado.
3.4 O processamento dos nutrientes no trato
gastrointestinal inferior
3.4.1 Intestino delgado
no intestino delgado que ocorre a digesto do que ainda no
foi digerido, assim como apenas no intestino delgado que ocorre
a absoro dos produtos da digesto de nutrientes da dieta. Isto
se deve s adaptaes morfofuncionais do epitlio absortivo, que
somente so encontradas no intestino delgado (fgura 3.6).
Desnaturao
Perda das ligaes
dissulfdicas da protena que
mantm as conformaes
secundria e terciria.
Pode ser provocada por
tratamento com detergentes
fortes, exposio a elevadas
temperaturas, a nveis de pH
extremos etc.
155 Fisiologia do Sistema Digestrio
Veia
Artria
Vilosidade
Luz do rgo
Plexo
submucoso
Muscular da
mucosa
Ducto linftico
Arterola
Microvilosidades
(formam a borda
em escova)
Clulas epiteliais
Capilares
Terminaes
nervosas
Vnula
Vaso
lacteal
Figura 3.6 - Adaptaes
do intestino delgado para
a absoro de nutrientes:
clulas epiteliais
especializadas e com
microvilosidades, vilos,
drenagem sangnea e
linftica (vasos lacteais).
(Adaptado de VANDER et
al., 2001, p. 556)
Digesto na luz do rgo Digesto na borda-em-escova do ID Transporte de
membrana
amido
(60%)
lactose
(10%)
sacarose
(30%)
-amilase salivar
(20-70%)
-amilase pancretica
(30-80%)
isomaltose
-dextrinas
(isomaltose)
maltase
-dextrinase
(isomaltase)
lactase
sacarase
Glicose (80%)
Galactose (5%)
Frutose (15%)
transporte ativo
secundrio, acoplado
absoro do Na
+
e
compartilhado entre
Glicose e Galactose
Na
+
Na
+
difuso
facilitada
maltose
Figura 3.7 - Digesto e absoro dos principais acares presentes na dieta.
156 Fisiologia Humana
A intolerncia lactose,
devida ausncia da
lactase em adultos, acarreta
diminuio de absoro
de gua e eletrlitos e,
conseqentemente, provoca
diarria osmtica.
A digesto do amido pela
alfa-amilase resulta em
dissacardeos (maltose),
trissacardeos (maltotriose)
e oligossacardeos
(dextrinas de limite alfa).
Lactose
Dissacardeo presente no
leite e constitudo por uma
molcula de glicose e uma
molcula de galactose.
Sacarose
Dissacardeo extrado da
cana-de-acar, constitudo
por uma molcula de glicose
e uma molcula de frutose.
Digesto e absoro de carboidratos
O amido e o glicognio restantes, que no sofreram a ao da
ptialina durante a mastigao, sero digeridos no intestino delga-
do graas alfa-amilase secretada pelo pncreas durante o proces-
so de digesto (tabela 3.3). Porm, apesar da ao da alfa-amilase,
os produtos originados dessa digesto no so passveis de serem
absorvidos porque no atravessam a mucosa intestinal. Portanto,
ser necessria hidrlise pela isomaltase, uma enzima existente na
borda-em-escova formada pelas microvilosidades da membrana
apical da clula absortiva, dando origem a diversas molculas de
glicose, que o monossacardeo a ser absorvido atravs de sim-
porte com o on sdio.
Outro carboidrato abundante em nossa dieta a sacarose, que
sofrer a digesto pela sacarase, outra enzima da borda-em-esco-
va, dando origem aos monossacardeos frutose e glicose.
A frutose ser absorvida por difuso facilitada, e a glicose por
co-transporte com o on sdio (fgura 3.7). Outra enzima presente
na mucosa intestinal a lactase, que hidrolisar a lactose e seus
produtos, a glicose e a galactose, sero absorvidos atravs do mes-
mo co-transportador presente na borda-em-escova, acoplado
absoro do on Sdio. Os nutrientes derivados da digesto dos
carboidratos ou sero utilizados pelos entercitos ou chegaro ao
interstcio e capilares por difuso facilitada, e da sero distribu-
dos aos tecidos de todo o organismo.
Componentes da secreo
pancretica
Local de secreo e aes siolgicas
gua e eletrlitos (Na
+
, Cl
-
, HCO
3
-
,
Ca
++
, K
+
, dentre outros)
Secretados pelos cinos e ductos. Solubilizao do quimo e tamponamento do HCl em
gua, NaCl e CO
2
.
Alfa-amilase
Secretada pelos cinos. Enzima que hidrolisa o amido e o glicognio em polmeros
menores, tais como a maltose, a maltotriose e as dextrinas.
Pr-proteases
Secretadas pelos cinos. Zimognios (ou precursores enzimticos) que precisam ser
ativados pela enteropeptidase da mucosa intestinal para, ento, promoverem a
digesto dos polipeptdeos e dar origem a oligopeptdeos e aminocidos livres.
Lpase
Secretada pelos cinos. Enzima que digere
os triglicerdeos originando cidos graxos
livres e monoacilgliceris.
Tabela 3.3 - Principais componentes da secreo pancretica e suas aes siolgicas.
157 Fisiologia do Sistema Digestrio
Digesto e absoro de protenas
Aps sofrerem a ao da pepsina gstrica, a maioria das protenas
da dieta chega ao intestino delgado sob a forma de polipeptdeos
juntamente com alguns aminocidos livres. Estes so absorvidos
por transportadores especializados, presentes na borda-em-escova
intestinal; porm, os polipeptdeos tero que ser hidrolisados a
partculas menores (aminocidos livres e oligopeptdeos).
Nessa digesto so fundamentais as proteases pancreticas
e as dipeptidases presentes na mucosa intestinal. Finalmente, os
produtos da digesto protica (oligopeptdeos e aminocidos) so
absorvidos por transportadores especfcos, existentes na mucosa
intestinal (fgura 3.8). Semelhante aos carboidratos, os nutrientes
derivados da digesto das protenas ou sero utilizados pelos ente-
rcitos, ou chegaro ao interstcio e capilares por difuso facilita-
da, e da sero distribudos aos tecidos de todo o organismo.
Digesto e absoro de lipdeos
Os principais lipdeos presentes na dieta so os triacilgliceris
(TAG), constitudos por glicerol e 3 cidos graxos (AG). Os TAG,
cujos cidos graxos so de cadeia curta, podero ser absorvidos da
maneira como se encontram, porm, geralmente, os TAG de nossa
dieta so constitudos por AG de cadeias longas, e devero sofrer
hidrlise enzimtica para que seus produtos possam ser absorvi-
As proteases pancreticas
so secretadas na forma de
zimognio e apenas na luz do
intestino delgado que sofrem
ativao, graas presena da
enteropeptidase intestinal.
Transporte de
membrana
polipeptdeos
e
AAS*
di e tri-
peptdeos
transporte ativo
secundrio acoplado
absoro do H
+
ou
do Na
+
Na
+
Na
+
Figura 3.8 - Digesto e absoro das protenas.
Hidrlise enzimtica
Quebra da ligao entre
as unidades de um
polmero (por exemplo, o
glicognio) realizada por
uma enzima especca, a
qual utiliza molculas de
gua (hidro = gua, lise
= quebra). o processo
inverso da condensao,
que a formao de novas
substncias com a perda de
molcula de gua.
158 Fisiologia Humana
dos. Mais uma vez, a secreo pancretica mostra-se fundamental
devido presena da lipase pancretica, a enzima mais importante
para a digesto de TAG no ser humano adulto.
Porm, a gordura da dieta dever sofrer emulsifcao para que
a superfcie de contato com a lipase pancretica seja aumentada.
Essa funo ser exercida pelos sais biliares existentes na bile pro-
duzida pelo fgado e armazenada temporariamente na vescula
biliar. Os nutrientes derivados da digesto dos lipdeos sero di-
fundidos para os entercitos. Estes formaro os quilomcrons, os
quais so lipoprotenas que, aps sua exocitose pela membrana ba-
solateral, difundiro para os capilares linfticos (lacteais) e sero
drenados para o ducto torcico (fgura 3.9).
tambm no intestino delgado que a gua, sais minerais e vi-
taminas so absorvidos. Como possvel observar na fgura 3.10,
cerca de 8,5 L de gua e eletrlitos provenientes da ingesto e da se-
creo do TGI so reabsorvidos por dia no intestino delgado. Ape-
nas cerca de 0,5 L reabsorvido no intestino grosso e outro 0,5 L
excretado na massa fecal.
3.4.2 Regulao da secreo pancretica e biliar
Diante da chegada ao intestino delgado do bolo alimentar par-
cialmente digerido, o SNE estimula a mucosa do intestino delga-
A emulsicao um processo
que permite a solubilizao
da gordura em meio aquoso.
Os sais biliares so anpticos
(possuem uma poro polar e
uma poro apolar) e por isso
tm essa funo de detergente.
Digesto na luz do
intestino delgado
Lipase pancretica
TAGs
TAGs
Quilomcron
Linfa
Monoacilgliceris
cidos graxos livres
Colesterol
Fosfolipdios
Vitaminas
(A,D,E e K)
Colesterol
Fosfolipdios
Vitaminas
(A,D,E,K)
Sais biliares
Colesterol
Fosfolipdios
Vitaminas lipossolveis
(A,D,E e K)
Contedo das micelas
(gordura emulsicada)
Formao dos
quilomcrons no
entercito
Figura 3.9 - Digesto e absoro dos lipdeos da dieta.
159 Fisiologia do Sistema Digestrio
do a secretar os hormnios se-
cretina e colecistoquinina. Esses
hormnios, atravs da circulao
sangnea, chegam ao pncreas e
estimulam a secreo dos ductos
(secreo hidro-eletroltica rica em
bicarbonato de sdio) e a secreo
dos cinos (secreo serosa rica
em enzimas), respectivamente.
A secreo biliar depende da
presena da colecistoquinina, que
estimula a contrao da vescula
biliar e o conseqente esvazia-
mento de seu contedo, a bile,
secretada pelo fgado e a arma-
zenada nos perodos de jejum.
Assim, medida que a gordura
chega ao intestino delgado, esta
emulsifcada pelos sais biliares
contidos na bile e sofre a ao da
lipase secretada pelo pncreas.
Outro importante papel da secre-
o pancretica a neutralizao
do cido clordrico vindo do es-
tmago e presente no quimo, que chega ao duodeno. Essa neu-
tralizao ocorre graas ao bicarbonato de sdio, que reage com
o cido clordrico e resulta em formao de NaCl, gua e CO
2
,
prontamente reabsorvidos pela mucosa intestinal.
3.4.3 Intestino grosso
Aps a digesto e absoro de nutrientes, gua, eletrlitos e vita-
minas no intestino delgado, os resduos alimentares, quer dizer, as
substncias que no foram passveis de serem absorvidas, so trans-
feridas pelo leo ao ceco, no intestino grosso, e ali armazenados.
Durante esse armazenamento, cerca de 0,5 L de gua so reab-
sorvidos, e so secretados muco e bicarbonato. A partir de movi-
mentos de mistura (haustraes) e peristlticos (movimentos de
Saliva
1.500 mL/dia
Ingesto
2.000 mL/dia
de gua
Secrees
gstricas
2.000 mL/dia
Bile
500 mL/dia
Secrees
pancreticas
1.500 mL/dia
Secrees
intestinais
1.500 mL/dia
Intestino
delgado
absorve
8.500 mL/dia
Clo
absorve
400 mL/dia
Excreo de gua
100 mL/dia
Figura 3.10 - Volumes mdios ingeridos, secretados, absorvidos
(reabsorvidos) e excretados pelo Sistema Digestrio em 24 horas.
(Adaptado de BERNE et al., 2004, p. 845)
160 Fisiologia Humana
massa), o muco e o bicarbonato sero misturados aos restos ali-
mentares, tornando a massa pastosa e facilitando sua eliminao
atravs da defecao.
A defecao ocorre periodicamente, variando em freqncia e
volume, geralmente de acordo com o tipo de alimentao e inges-
to de gua. Geralmente, o desejo de defecar surge com o preen-
chimento do reto com parte da massa fecal aps a ocorrncia de
movimentos peristlticos poderosos, que podem deslocar parte
do contedo do ceco at o colo sigmide. Caso a defecao na-
quele momento no seja conveniente, o desejo de defecar pode
ser postergado, mas isto depender do volume e da consistncia
da massa fecal.
Resumo
A partir da leitura deste Captulo, voc dever ter sido capaz
de entender que a dieta omnvora de humanos, derivada de di-
ferentes fontes de substratos energticos, exige o processamento
adequado para que se torne absorvvel e, portanto, aproveitada.
Para tanto, voc dever ser capaz de descrever genericamente e
diferenciar as principais funes do Sistema Digestrio (SD), que
so a motilidade, a secreo, a digesto e a absoro, descrever
e relacionar os diferentes tipos de regulao (neurcrina, end-
crina e parcrina) s funes do SD. Tambm dever descrever
adequadamente e entender quais so as funes da boca, da oro-
faringe e do esfago, importantes na ingesto e no processamento
inicial do alimento ingerido.
Voc dever ser capaz de descrever os principais fenmenos
motores e secretores observados no estmago, relacionando-os
no apenas s suas funes digestivas mas tambm quelas que
determinam o ritmo da digesto e absoro nos demais segmen-
tos do SD. Dever ainda ter conhecimento das principais caracte-
rsticas do Intestino Delgado (ID) e relacion-las funo essen-
cial desse rgo: stio da digesto fnal dos nutrientes ingeridos
na dieta. Alm disso, observar porque o ID o rgo respons-
vel pela absoro do produto fnal desta digesto, assim como da
A decincia na digesto
e, conseqentemente, na
absoro de nutrientes
(por decincia enzim-
tica ou biliar) promover
uma oferta de massa fe-
cal em grande volume ao
ceco o que pode promo-
ver a fermentao bacte-
riana e, conseqentemen-
te, a irritao da mucosa e
a ocorrncia de movimen-
tos peristlticos em maior
freqncia que o espe-
rado, causando assim a
diarria.
161 Fisiologia do Sistema Digestrio
gua e sais minerais. Finalmente, descrever as funes motoras
do Intestino Grosso e os mecanismos envolvidos na excreo das
substncias que no foram digeridas e absorvidas no SD.
Referncias
Livros-textos
COSTANZO, Linda S. Fisiologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2007.
LEVY, Matthew N.; KOPPEN, Bruce M.; STANTON, Bruce A.
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BERNE, Robert M. et al. Fisiologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
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GERSHON, M. D. Te enteric nervous system: a second brain.
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162 Fisiologia Humana
Outros recursos (multimdia e on-line)
Adquirido no Plo
CUMMINGS, Benjamin (Publisher). InterActive Physiolo-
gy 10 - System Suite: Digestive System. U.S.A: A.D.A.M. Pe-
arson Higher Education, 03 jun. 2008. [CD-ROM Only]. Dis-
ponvel em: <http://www.pearsonhighered.com/academic/
product/0,3110,0805361189,00.html>. Acesso em: 20 set 2008.
Disponveis em stio didtico
PINTO, Cristina Maria Henrique. Fisiologia Humana: Recursos
Didticos on-line. Disponvel em: <http://www.cristina.prof.ufsc.
br/sites_didaticos.htm>. Acesso em: 20 set 2008.
C
A
P
T
U
L
O
4
C
A
P
T
U
L
O
4
Sistema Cardiovascular
Neste Captulo voc vai estudar como o Sistema Cardio-
vascular colabora para a homeostasia, gerando condies
adequadas para o estabelecimento de fuxo sanguneo na
circulao. Teremos uma viso geral do Sistema Cardiovas-
cular, com nfase na constituio do corao e do Sistema
Circulatrio, e no sentido que o sangue percorre dentro do
Sistema Cardiovascular. Estudaremos tambm o automatis-
mo cardaco e sua importncia para o sincronismo entre o
perodo de enchimento do corao com sangue e o perodo
de ejeo de sangue pelo corao, bem como a importncia
do dbito cardaco. Em seguida, estudaremos o Sistema Cir-
culatrio e os fatores que determinam o nvel de presso arte-
rial, os quais so regulados pelo Sistema Nervoso Autnomo
(SNA), bem como os mecanismos de controle corporal para a
manuteno, a curto e a longo prazo, da presso arterial em
nveis normais.
167 Sistema Cardiovascular
4.1 Viso geral do sistema cardiovascular
Como voc aprendeu no Captulo 1, item 1.1, para que cada
clula do corpo humano se mantenha viva preciso que o meio
onde ela esteja inserida (ou seja, o meio interno) tenha uma ofer-
ta de nutrientes adequada e que, ao mesmo tempo, os restos de
metabolismo produzidos por essas clulas sejam constantemente
retirados do meio interno.
O Sistema Cardiovascular colabora na manuteno da homeos-
tasia, porque garante a movimentao constante do sangue dentro
dos vasos sanguneos. Considere que somente atravs da movimen-
tao do sangue dentro dos vasos sanguneos que os nutrientes,
oriundos dos alimentos, e o oxignio, obtido atravs da respirao,
sero transportados a todas as clulas do corpo humano.
4.1.1 O corao: trios e ventrculos
Observe na fgura 4.1 que o corao constitudo de 2 trios
(um direito, AD, e um esquerdo, AE) e dois ventrculos (um direi-
to, VD, e um esquerdo, VE). Tanto os trios quanto os ventrculos
so cmaras formadas de msculo cardaco, capazes de bombear
sangue quando contraem, e de receber sangue quando relaxam.
Veja ento que podemos dividir o corao, apenas sob um ponto
de vista funcional, em um corao direito e um corao esquerdo.
E qual seria a importncia em dividir o corao em direito e es-
querdo? A importncia reside no fato de possuirmos um Sistema
O caminho que o sangue
percorre comea em seu
bombeamento pelo cora-
o, passando pelo Siste-
ma Circulatrio (ou seja,
os vasos sanguneos) e ter-
mina com o seu retorno ao
corao, para que possa ser
novamente bombeado.
168 Fisiologia Humana
Circulatrio tambm dividido em dois: a circulao pulmonar e a
circulao sistmica. Observe com ateno, na fgura 4.1, que a cir-
culao pulmonar origina-se na artria pulmonar (conectada ao
VD) e termina nas veias pulmonares (conectadas ao AE), enquanto
a circulao sistmica origina-se na artria aorta (acoplada ao VE)
e termina nas veias cavas (acopladas ao AD). Observe tambm, na
mesma fgura, que cada lado do corao recebe sangue de circula-
es diferentes e bombeia sangue para circulaes diferentes.
Capilares
pulmunares
Valva Mitral
Capilares
sistmicos
Valva artica
Valva pulmonar
Valva tricspide
Sistema
venoso
pulmonar
Circulao
Coronrio
VD
AD
AE
VE
Encfalo
Pulmes
Fgado e trato
gastrintestinal
Sistema
venoso
sistmico
Sistema
arterial
pulmonar
Msculo
esqueltico
Rim
Pele e outros rgos
Sistema
arterial
sistmico
Figura 4.1 - Viso geral do Sistema Cardiovascular. (Adaptado de HANSEN; KOEPPEN, 2003)
169 Sistema Cardiovascular
Observe que o AD recebe sangue da circulao sistmica pe-
las veias cavas, enquanto o VD bombeia sangue para a circulao
pulmonar atravs da artria pulmonar, o que garante que o sangue
circule pelos pulmes. Por outro lado, o AE recebe sangue pelas
veias pulmonares da circulao pulmonar, enquanto o VE bom-
beia sangue para a circulao sistmica atravs da artria aorta, o
que permite que o sangue circule pelo restante do corpo humano.
Assim, como voc pode ver, o lado esquerdo do corao fornece
sangue ao lado direito pela circulao sistmica e, ao mesmo tem-
po, o lado direito fornece sangue ao lado esquerdo pela circulao
pulmonar.
4.1.2 As valvas cardacas e o sentido da circulao
do sangue
As valvas cardacas garantem que o sangue circule sempre no
mesmo sentido. Observe na fgura 4.2 que, entre o AE e o VE, exis-
te a valva mitral e, entre o AD e o VD, existe a valva tricspide. O
conjunto dessas duas valvas chamado de valvas atrioventricula-
res. Observe tambm que existe a valva artica, na artria aorta, e
a valva pulmonar, na artria pulmonar. Esse segundo conjunto de
valvas denominado de valvas semilunares. As valvas atrioventri-
culares e semilunares so importantssimas para o funcionamento
do corao. E por qu? Bem, no caso das valvas atrioventriculares,
quando os ventrculos contraem, elas se fecham abruptamente,
impedindo que o sangue retorne dos ventrculos para os trios.
Por outro lado, as valvas semilunares se fecham abruptamen-
te quando os respectivos ventrculos relaxam, impedindo que o
sangue retorne da artria aorta e da artria pulmonar para os res-
pectivos ventrculos. As valvas atrioventriculares se fecham abrup-
tamente durante a contrao dos ventrculos, enquanto as valvas
semilunares se fecham abruptamente durante o relaxamento dos
ventrculos. Portanto, sempre que o sangue tende a retornar h um
conjunto de valvas se fechando e impedindo o seu retorno. Assim,
graas a esse conjunto de valvas, o sangue ser sempre bombeado
em uma mesma direo, sem refuir.
170 Fisiologia Humana
As valvas cardacas geram sons (chamados de bulhas cardacas)
quando se fecham abruptamente, os quais se propagam at a su-
perfcie da caixa torcica, onde podem ser audveis atravs do uso
de um estetoscpio.
Quando o mdico coloca um este-
toscpio sobre locais especfcos do
seu trax (fgura 4.3), ele ouve uma
seqncia de sons, descrita como
lub, dub, lub, dub.... O lub equi-
vale ao som gerado pelo fechamento
das valvas atrioventriculares no incio
da contrao ventricular ( conheci-
do como primeira bulha cardaca),
enquanto que o dub gerado pelo
fechamento das valvas semilunares,
no incio do relaxamento ventricular
( conhecido como segunda bulha
cardaca).
Membros Inferiores
Cabea e Membros Superiores
Aorta
Veia cava
superior
trio direito
Valva
pulmonar
Ventrculo direito
Veia cava
inferior
Pulmes
Ventrculo
esquerdo
Valva artica
Valva mitral
trio esquerdo
Veias pulmonares
Artria pulmonar
Valva
tricspide
Cspide
Valva
artica
Fluxo do
sangue
Fluxo do
sangue
Cspide
Msculos
papilares
Vlvula mitral
Figura 4.2 - As valvas cardacas. (Adaptado de GUYTON; HALL, 2006)
Valva Artica
Valva Pulmonar
Valva Tricspede
Valva Mitral
Figura 4.3 - Os locais de deteco do fechamento das valvas cardacas.
171 Sistema Cardiovascular
Ouvindo o som gerado pela primeira e pela segunda bulha car-
daca, o mdico pode avaliar como est o funcionamento das val-
vas cardacas. Valvas cardacas com defeito geram sons (ou bulhas)
anormais, conhecidos como sopros cardacos. Sopros cardacos
so indicativos de que o sangue no est sendo adequadamente
bombeado pelo corao no mesmo sentido, ou seja, est havendo
refuxo de sangue em alguma valva.
Ficaram claras para voc a composio do corao e as duas
circulaes? Voc compreendeu o sentido que o sangue percorre
ao longo do Sistema Cardiovascular? Entendeu o papel das valvas
cardacas em garantir o fuxo de sangue sempre no mesmo senti-
do? Caso esteja com difculdade, releia o texto vagarosamente e v
acompanhando passo a passo pela fgura 4.1. Voc tambm pode
desenhar o Sistema Cardiovascular e representar o sentido que o
sangue bombeado, comeando, por exemplo, pelo VE. Tambm
importante que voc compreenda a interdependncia entre o
corao esquerdo e o corao direito, pois o corao esquerdo s
pode bombear o volume de sangue que recebe do corao direi-
to, enquanto que o corao direito s pode bombear o volume de
sangue que recebe do corao esquerdo. Utilize a fgura 4.1 para
exercitar esse raciocnio, at que ele esteja bem fxado.
4.1.3 O uxo artrio-venoso
Tanto a circulao pulmonar quanto a circulao sistmica
constituda de vasos sanguneos, que so divididos em arteriais e
venosos. O sangue sempre bombeado pelo corao em direo
aos vasos sanguneos arteriais, retornando ao corao sempre
pelos vasos sanguneos venosos. Portanto, observe na fgura 4.1
que tanto a circulao pulmonar quanto a circulao sistmica
constituda de um Sistema Arterial e um Sistema Venoso. Sepa-
rando o Sistema Arterial e o Sistema Venoso existe uma regio
de transio, formada pelos capilares pulmonares (no caso da cir-
culao pulmonar) e os capilares teciduais (no caso da circulao
sistmica).
O conjunto desses vasos
formam o Sistema Arterial.
No conjunto, esses vasos
formam o Sistema Venoso.
172 Fisiologia Humana
Os capilares so considerados estruturas nobres da circulao.
E por qu? Porque no caso da circulao sistmica nos capilares
que os nutrientes deixam o sangue em direo aos tecidos para dar
suporte sobrevivncia das clulas, ao mesmo tempo em que os
restos do metabolismo (que so txicos s clulas) deixam os teci-
dos em direo ao sangue, sendo posteriormente excretados quan-
do o sangue passa pelos rins. No caso da circulao pulmonar,
nos capilares que o oxignio (O
2
) entra no sangue pelos pulmes,
enquanto o CO
2
produzido pelas clulas do organismo deixa o san-
gue em direo aos pulmes, onde eliminado pela respirao.
Para que ocorra fuxo sanguneo dentro do Sistema Circula-
trio, o sangue deve ser ejetado pelo VE dentro da artria aorta,
passar pelos capilares teciduais e retornar ao AD pelas veias cavas.
Em seguida, o sangue deve ser ejetado pelo VD dentro da artria
pulmonar, passar pelos capilares pulmonares, e retornar ao AE pe-
las veias pulmonares. Como voc pode perceber, o fuxo sangu-
neo se d sempre do Sistema Arterial para o Sistema Venoso (isso
chamado de fuxo artrio-venoso), seja na circulao pulmonar
ou na circulao sistmica. E qual seria a importncia do fuxo
artrio-venoso?
Bem, vamos considerar a circulao sistmica como exemplo: O
sangue que est sendo bombeado pelo VE no Sistema Arterial est
rico em O
2
e pobre em CO
2
. E por qu? Porque, antes de chegar
ao VE, o sangue passou pelos capilares da circulao pulmonar,
onde o O
2
contido no ar dos pulmes foi captado pelo sangue e, ao
mesmo tempo, o CO
2
contido no sangue foi eliminado para o ar
contido nos pulmes (esse processo chamado de troca gasosa).
Quando o sangue rico em O
2
e pobre em CO
2
passar pelos ca-
pilares teciduais, boa parte do seu O
2
acabar sendo removida e
utilizada pelos tecidos, ao mesmo tempo em que boa parte do CO
2
produzido pelos tecidos ser removida para o sangue. A partir da,
o sangue que retorna ao AD pelo Sistema Venoso da circulao
sistmica pobre em O
2
e rico em CO
2
, at que seja bombeado
pelo VD em direo aos pulmes para nova troca gasosa, retor-
nando ao AE pelo Sistema Venoso da circulao pulmonar.
173 Sistema Cardiovascular
Nesse momento esse sangue, novamente rico em O
2
e pobre em
CO
2
, ser novamente bombeado pelo corao esquerdo dentro da
circulao sistmica, e um novo ciclo se iniciar. Caro(a) aluno(a),
muito importante que ao fnal desta Seo voc tenha entendido
e fxado o sentido do fuxo sanguneo, os locais de incio e trmino
das duas circulaes, bem como a importncia dos capilares pul-
monares e teciduais.
Caso esteja com difculdade, releia o texto novamente e utilize a
fgura 4.1 como apoio. Troque idias com seus colegas. Aprender
com os colegas mais gostoso que aprender sozinho(a)!
4.2 O automatismo do corao
e o ciclo cardaco
Nesta seo vamos estudar a capacidade do corao de gerar
espontaneamente um estmulo eltrico, ou seja, um potencial de
ao. Essa propriedade cardaca chamada de automatismo.
E qual seria a importncia de estudarmos o automatismo carda-
co? Lembre-se que na Seo anterior voc aprendeu que o corao
formado por cmaras musculares, as quais, quando contraem,
bombeiam o sangue contido em seu interior. Pois bem, para que o
msculo cardaco funcione como uma bomba, fundamental que
um potencial de ao seja gerado no trio direito e se propague
pelo msculo atrial, causando despolarizao e, conseqentemen-
te, contrao atrial. Tambm muito importante que o potencial
de ao seja conduzido at o msculo ventricular, para poder gerar
despolarizao e contrao ventricular.
Por outro lado, para que trios e ventrculos relaxem, funda-
mental que sejam repolarizados. Portanto, uma seqncia correta
de despolarizao e repolarizao do msculo cardaco determi-
na uma seqncia correta de contrao e relaxamento do cora-
o entre um batimento e o outro, o que ns chamamos de ciclo
cardaco.
174 Fisiologia Humana
4.2.1 O automatismo cardaco
O termo automatismo signifca que o corao pode gerar es-
pontaneamente, automaticamente, o seu prprio potencial de
ao, mesmo quando retirado do corpo humano, pelo menos por
certo tempo. Portanto, no h a necessidade de estmulos neurais
ou hormonais para o estabelecimento dos batimentos cardacos. O
corao possui sistemas especializados na gerao e na conduo
do potencial de ao.
Observe na fgura 4.4 o sistema de gerao e conduo do po-
tencial de ao cardaco. Note que agora ns estamos olhando o
corao de uma forma diferente daquela utilizada na Seo ante-
rior. Deixamos um pouco de lado aquela viso do corao como
bomba e passamos a olh-lo agora como uma grande massa mus-
cular dividida em um sinccio atrial e um sinccio ventricular, se-
parados por um anel fbroso, que funciona como uma fta isolante,
isolando eletricamente os trios dos ventrculos.
As clulas do msculo cardaco formam um sinccio porque
possuem junes entre si que permitem o contato do citoplasma
de uma clula com o de outra. Tais junes garantem a propaga-
o homognea, e com muita facilidade, do potencial de ao por
todo msculo cardaco, o que gera uma contrao sincronizada e
mais efetiva.
Observe, na fgura 4.4, os trs locais capazes de gerar um poten-
cial de ao no corao, sendo por isso chamados de marcapassos
cardacos: O Nodo Sinoatrial (NSA) e o Nodo Atrioventricular
(NAV), localizados no trio direito, e as Fibras de Purkinje (FP),
localizadas nos ventrculos. Embora essas trs regies sejam capa-
zes de gerar potenciais de ao e, conseqentemente, levar a bati-
mentos cardacos, existe uma hierarquia entre elas, e aquela com
maior automatismo ser considerada o marcapasso dominante no
corao. O NSA o marcapasso dominante em relao aos demais
porque possui um automatismo capaz de gerar de 70 a 80 poten-
ciais de ao a cada minuto. Se voc considerar que cada potencial
de ao gerado pelo NSA gerar um batimento cardaco, ento o
Esses sistemas so cons-
titudos de clulas mus-
culares que, ao longo da
evoluo, perderam a ca-
pacidade de contrair, mas
em compensao ganha-
ram a capacidade de ge-
rar potenciais de ao e
conduzi-los pelo corao.
175 Sistema Cardiovascular
NSA capaz de gerar uma
freqncia cardaca de 70 a 80
batimentos por minuto. E de
fato essa a freqncia card-
aca de um indivduo adulto
em repouso!
J o NAV exibe um auto-
matismo de 40 a 60 poten-
ciais de ao por minuto, en-
quanto que as FP exibem um
automatismo de 15 a 40 po-
tenciais de ao por minuto.
Portanto, o NSA possui auto-
matismo maior em relao ao
NAV e s FP, sendo conside-
rado o marcapasso dominan-
te no corao. O NAV d ori-
gem a um conjunto de fbras
especializadas em conduo
de impulso, que atravessam o
anel fbroso e do origem ao feixe de Hiss, outro tecido especia-
lizado em conduo e que termina nas FP, j em contato com o
msculo ventricular.
Quando um potencial de ao gerado pelo NSA, ele se propa-
ga pelo sinccio atrial levando despolarizao atrial (Figura 4.5,
em A). Em seguida, o potencial de ao se propaga pelo NAV, onde
sofre uma lentifcao na sua propagao. Isso ocorre porque o
NAV possui uma velocidade de conduo bem menor em relao
velocidade de conduo do potencial de ao no sinccio atrial,
no feixe de Hiss e nas FP.
Qual a importncia, do ponto de vista prtico, dessa lentifcao
na passagem do potencial de ao dos trios para os ventrculos?
A importncia a de que, quando os trios se contraem, os ventr-
culos ainda esto relaxados porque que o potencial de ao ainda
no passou do sinccio atrial para o sinccio ventricular. Portanto,
a contrao atrial coincide com o ventrculo relaxado. Quando o
impulso cardaco atinge o feixe de Hiss ele se propaga a uma velo-
O NAV e as FP so deno-
minados de marcapassos
subsidirios e no expres-
sam o seu automatismo,
a no ser que algum qua-
dro patolgico instale-se
no corao, como no caso
de arritmias cardacas.
N SA
Msculo atrial
N AV
Feixe de Hiss
Ramos direito
e esquerdo
Fibras de Purkinje
Msculo ventricular
Figura 4.4 - O sistema de gerao e conduo dos potenciais de ao cardacos.
(Adaptado de HANSEN; KOEPPEN, 2003)
176 Fisiologia Humana
cidade muito alta, passando pelas FP e alcanando o sinccio ven-
tricular, que se despolariza e se contrai (Figura 4.5, em B).
Nesse momento, os trios j entraram em repolarizao, o que
leva ao relaxamento atrial. Repare que novamente temos uma coin-
cidncia entre trios e ventrculos, s que agora diferente, ou seja,
os trios esto relaxados enquanto os ventrculos esto contrados.
Os trios e os ventrculos nunca esto relaxados ou contrados ao
mesmo tempo. Assim, sempre que um estiver relaxado, o outro
estar contrado, e vice-versa.
O Sistema Nervoso Autnomo (SNA) altera de forma signif-
cativa o automatismo cardaco, e isso depende se o indivduo est
sob algum estado emocional muito forte ou se est fazendo alguma
atividade fsica (por exemplo, correndo). Nesses exemplos (exer-
ccio fsico e emoes), o automatismo aumenta porque o Sistema
Nervoso Simptico (SNS) ativado, liberando noradrenalina no
corao e adrenalina na corrente sangunea, o que faz com que o
NSA gere agora no mais de 70 a 80 batimentos por minuto, mas
90, 100, 150 e at 200 batimentos por minuto.
Essa condio de elevada freqncia cardaca, que decorre de
um elevado automatismo, denominada taquicardia. Por outro
nodo sinoatrial
nodo atrioventricular
msculo atrial
feixe de His
ramo esquerdo
do feixe
ramo direito
do feixe
msculo
ventricular
B
nodo sinoatrial
nodo atrioventricular
msculo atrial
feixe de His
ramo esquerdo
do feixe
ramo direito
do feixe
msculo
ventricular
A
Figura 4.5 - A gerao e o sentido de conduo do potencial de ao cardaco. (Adaptado de MOHRMAN; HELLER, 2007)
177 Sistema Cardiovascular
lado, quando o automatismo diminui, ocorre reduo na freqn-
cia cardaca, que denominada bradicardia. A reduo do auto-
matismo ocorre quando o Sistema Nervoso Parassimptico (SNP)
ativado, liberando acetilcolina no corao (Figura 4.6).
Voc poder compreender melhor os efeitos do SNA sobre o
corao ao fazer uma analogia entre a freqncia cardaca e a velo-
cidade de um automvel, onde o SNS seria anlogo ao acelerador
e o SNP seria anlogo ao freio do automvel.
Mas, porque a despolarizao do msculo cardaco induz a sua
contrao? Bem, quando uma clula muscular cardaca despola-
rizada pelo potencial de ao, ocorre um aumento na concentra-
Adrenalina
SA
Nervo
vago
T
r
o
n
c
o
e
n
c
e
f
l
i
c
o
C
e
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v
i
c
a
l
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L
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b
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S
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n
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c
o
C
e
r
v
i
c
a
l
T
o
r
c
i
c
o
L
o
m
b
a
r
Gnglio
Gnglio
Noradrenalina
Medula adrenal
DC
AV NA
NA
Medula
espinhal
PARASSIMPTICO SIMPTICO
NA
ACh
ACh
ACh
ACh
ACh
Figura 4.6 - A inervao simptica e parassimptica do corao. (Adaptado de HANSEN; KOEPPEN, 2003)
178 Fisiologia Humana
o de ons clcio no seu citoplasma. Quando a clula muscular
est em repouso, relaxada, sem se contrair, existe uma baixa con-
centrao de clcio livre no citoplasma da clula porque a maior
parte deles fca armazenada em uma organela intracelular, chama-
da retculo sarcoplasmtico, que funciona como um reservatrio
de ons clcio. A despolarizao da membrana da clula muscu-
lar cardaca provoca aumento da concentrao de clcio no cito-
plasma da clula, porque induz a liberao de clcio do retculo
sarcoplasmtico.
Os ons clcio, por sua vez, ativam o mecanismo contrtil da
clula, que se contrai imediatamente. medida que a membrana
da clula cardaca se repolariza, os ons clcio vo sendo trans-
portados de volta para o retculo sarcoplasmtico, a concentrao
citoplasmtica de clcio vai diminuindo e a clula comea ento
a relaxar, cessando a contrao. Repare como a concentrao de
clcio livre no citoplasma da clula importante para a contrao
e para o relaxamento do msculo cardaco.
4.2.2 O ciclo cardaco
O ciclo cardaco compreende o perodo de tempo entre dois
batimentos cardacos. Durante esse perodo de tempo o corao
pode estar relaxado, quando no estimulado eletricamente, ou
pode estar contrado, quando um potencial de ao gerado no
msculo. Quando o msculo cardaco est num processo de re-
laxamento, dizemos que ele est em distole. Quando o msculo
cardaco est em processo de contrao, dizemos que ele est em
sstole (fgura 4.7). Portanto, considere a distole como um perodo
de relaxamento que serve para as cmaras cardacas encherem-se
de sangue, enquanto a sstole representa um perodo de contrao
que serve para as cmaras cardacas bombear sangue, seja para os
ventrculos, no caso da sstole atrial, seja para a circulao, no caso
da sstole ventricular.
A distole sempre precede a sstole, e para que o corao possa
funcionar como uma bomba, que recebe e bombeia sangue, mui-
to importante que ocorra uma seqncia simultnea de distole
atrial e sstole ventricular, seguida por uma seqncia simultnea
formado por lamentos de
actina e miosina.
179 Sistema Cardiovascular
de sstole atrial e distole ventricular, e assim sucessivamente. Tan-
to trios quanto ventrculos esto, ora em distole, ora em sstole,
porm de forma alternada, ou seja, enquanto os trios esto re-
cebendo sangue (distole atrial) os ventrculos esto bombeando
sangue (sstole ventricular). Logo em seguida os trios contraem
(sstole atrial), impulsionando o sangue recebido para os ventrcu-
los, que agora esto relaxados (distole ventricular). Essa seqn-
cia ideal entre sstole e distole entre as cmeras atriais e ventricu-
lares proporcionada pelas propriedades eltricas discutidas na
Seo anterior (item 4.4), especialmente o atraso na conduo do
potencial de ao dos trios para os ventrculos.
Outro aspecto muito importante que voc deve fxar que os
trios (direito e esquerdo) contraem-se ao mesmo tempo, enquan-
to os ventrculos (direito e esquerdo) se relaxam ao mesmo tempo.
Logo em seguida, os trios relaxam ao mesmo tempo, enquanto
os ventrculos contraem-se ao mesmo tempo. muito importante
que voc compreenda essa dinmica.
Tente o seguinte exerccio: simule a seqncia ideal do ciclo car-
daco, fechando a sua mo esquerda (representando os trios) e a
sua mo direita (representando os ventrculos). Coloque a mo
Sstole Ventricular
trio
Parede
ventricular
Valva de
sada
Distole Ventricular
Valva de
entrada
Cmara intraventricular
Figura 4.7 - O ciclo de sstole e distole ventricular. (Adaptado de MOHRMAN; HELLER, 2007)
180 Fisiologia Humana
esquerda sobre a mo direita, simulando o corao com as duas
cmaras, atriais e ventriculares. Agora abra a mo esquerda (dis-
tole atrial) mantendo a direita fechada (sstole ventricular) e voc
perceber a confgurao do corao no momento em que est
bombeando sangue para a circulao pelos ventrculos e, ao mes-
mo tempo, recebendo sangue pelos trios.
Dando seqncia ao ciclo cardaco, feche a mo esquerda (ss-
tole atrial) e ao mesmo tempo abra a direita (distole ventricular)
e voc ver a confgurao do corao no momento em que os
trios bombeiam sangue para os ventrculos. Repita essas seqn-
cias com as mos vrias vezes, abrindo a mo esquerda enquanto
fecha a direita, e vice-versa. Note como importante o sincronis-
mo entre trios e ventrculos para o bom funcionamento do cora-
o como uma bomba.
4.3 Dbito cardaco
Vamos ver agora um aspecto muito importante do corao, que
o dbito cardaco (DC). Voc vai compreender como o corao
estabelece o fuxo sanguneo artrio-venoso e como o organismo
realiza o controle da presso arterial, um assunto que ns estuda-
remos em breve. Portanto, entenda que a sua compreenso do DC
proporcionar maior ou menor difculdade na compreenso das
prximas sees do Sistema Cardiovascular. Trata-se, portanto, de
um alicerce sobre o qual voc construir o conhecimento futuro.
Fique atento(a)!
4.3.1 O dbito cardaco e o uxo artrio-venoso
O DC representa o volume de sangue bombeado pelo corao
a cada minuto. Tome cuidado com a palavra dbito, porque ela
no signifca que o corao est fraco ou insufciente para ejetar
sangue. A palavra dbito apenas refete a capacidade do corao
em ejetar um determinado volume de sangue em um determinado
perodo de tempo (por conveno, 1 minuto).
181 Sistema Cardiovascular
Conforme demonstra a fgura 4.8, o dbito cardaco promove a
irrigao sangunea dos diferentes rgos corporais, sendo igual
somatria de todo o volume de sangue que retorna ao corao
oriundo de todas as circulaes regionais do corpo humano. Mes-
mo em um corao saudvel, o DC pode estar alto ou baixo, de-
pendendo basicamente de dois fatores: a contratilidade cardaca
e a freqncia cardaca. Quanto maior a contratilidade e a fre-
qncia cardaca, maior ser o DC, e vice e versa.
Pois bem, vamos agora aprender como o corao cria a situao
propcia para o estabelecimento do fuxo sanguneo artrio-venoso.
Como voc aprendeu na Seo
4.1, o lado direito do corao recebe
constantemente sangue pelo Siste-
ma Venoso da circulao sistmica,
ejetando-o para o lado esquerdo do
corao atravs da circulao pulmo-
nar. Por sua vez, o lado esquerdo do
corao bombeia esse mesmo volu-
me de sangue para o Sistema Arterial
da circulao sistmica, que retorna
ento ao corao direito, e assim por
diante. Portanto, se ns simplifcar-
mos esse processo, veremos que atra-
vs da circulao pulmonar o corao
transfere constantemente sangue do
Sistema Venoso para o Sistema Arte-
rial da circulao sistmica.
Caso voc tenha difculdade em
compreender esse raciocnio, releia
atentamente a Seo 4.1 utilizando a
fgura 4.1 como apoio.
Para efeito de raciocnio, vamos
considerar agora dois pontos da cir-
culao sistmica: a artria aorta (o
Contratilidade cardaca
Fora com que o corao
contrai a cada sstole.
Freqncia cardaca
Nmero de vezes em
que o corao se contrai
a cada minuto.
ossos
rins
outros
100% 100%
direita esquerda
Figura 4.8 - Distribuio do dbito cardaco ao longo da circulao.
182 Fisiologia Humana
incio do Sistema Arterial Sistmico) como o ponto A, e as veias
cavas (o fnal do Sistema Venoso Sistmico) como o ponto B.
Qual dos dois pontos voc acredita que teria maior presso san-
gunea, o ponto A ou o ponto B? Pense. Como fcaria a presso
sangunea no ponto A, onde o ventrculo esquerdo est constante-
mente bombeando sangue? Ao mesmo tempo, como fcaria a pres-
so sangunea no ponto B, de onde o trio direito est constante-
mente retirando sangue para ser bombeado ao ventrculo direito
e, posteriormente, para a circulao pulmonar?
Note que o corao est sempre retirando sangue do ponto B
e transferindo para o ponto A.
Para ajudar no seu raciocnio considere que a aorta, sendo uma
artria, mais rgida e possui menor elasticidade em relao s
veias cavas. Na Seo seguinte voc aprender que essa diferena
se deve a uma propriedade dos vasos chamada complacncia.
A resposta que a presso sangunea tende a se tornar maior no
local onde o sangue colocado (o ponto A) e menor no local de
onde o sangue retirado (o ponto B). Em outras palavras, quando
o corao retira sangue das veias cavas (ponto B) e o coloca na aor-
ta (ponto A), acaba estabelecendo uma diferena de presso entre
esses dois locais, com a presso na aorta sendo maior que a presso
nas veias cavas. Como o sangue tende sempre a se deslocar do local
de maior presso para o local de menor presso, podemos observar
que o trabalho conjunto do lado direito e do lado esquerdo do co-
rao gera um gradiente de presso entre a artria aorta e as veias
cavas, o que tende a deslocar o sangue do Sistema Arterial para o
Sistema Venoso da circulao sistmica, passando necessariamen-
te pelos capilares teciduais. Portanto, atravs da gerao de um
gradiente de presso entre o Sistema Arterial e o Sistema Venoso
que o corao estabelece o fuxo sanguneo artrio-venoso.
Quando uma pessoa sofre uma parada cardaca, o corao no
bombeia mais sangue, o que tende a igualar as presses entre os
pontos A e B. Se a presso em ambos os pontos torna-se igual,
Presso sangunea
A fora que o sangue exerce
contra a parede do vaso
sanguneo.
183 Sistema Cardiovascular
no existe mais gradiente de presso entre os dois pontos, o que
interrompe o fuxo sanguneo entre eles. Assim, os tecidos no
recebem mais oxignio e nutrientes, tampouco os restos de meta-
bolismo e gs carbnico so removidos dos tecidos, o que invaria-
velmente levar morte da pessoa.
Em um humano adulto, saudvel e em repouso, os ventrculos
esquerdo e direito bombeiam, cada um, aproximadamente 5 litros
de sangue a cada minuto. Desse modo, o corao humano apresen-
ta dois DCs, um gerado pelo ventrculo direito para a circulao
pulmonar e outro gerado pelo ventrculo esquerdo para a circula-
o sistmica. Em um corao saudvel, os DCs direito e esquerdo
so exatamente iguais. O DC esquerdo determina um fuxo san-
guneo de 5 litros por minuto ao longo da circulao sistmica e,
ao mesmo tempo, o DC direito determina um fuxo sanguneo de
5 litros por minuto ao longo da circulao pulmonar.
Observe que um corao saudvel estar recebendo pelos trios
e, ao mesmo tempo, bombeando pelos ventrculos, um mesmo
volume de sangue a cada minuto, ou seja, 5 litros. Observe tam-
bm que os 5 litros de sangue ejetados pelo ventrculo esquerdo
retornam da circulao sistmica ao trio direito a cada minuto,
pelo Sistema Venoso, enquanto os 5 litros de sangue ejetados pelo
ventrculo direito retornam, a cada minuto, da circulao pulmo-
nar para o trio esquerdo atravs das veias pulmonares. O termo
retorno venoso (RV) utilizado, com freqncia, para expressar o
volume de sangue que retorna ao corao a cada minuto, seja no
trio direito, seja no trio esquerdo.
Repare que o DC esquerdo depende do DC direito, pois o
lado direito do corao que fornece sangue para o lado esquerdo,
atravs da circulao pulmonar. Por outro lado, repare tambm
que o DC direito tambm depende do DC esquerdo, visto que o
lado esquerdo do corao tambm fornece sangue ao lado direito
atravs da circulao sistmica. Veja ento que o DC esquerdo de-
pende do DC direito, e vice-versa. Essa uma situao semelhante
histria do ovo e da galinha, ou seja, fca difcil defnir quem nas-
ceu primeiro. Quando voc imagina o corao como uma bomba
Esse valor equivale volemia,
ou seja, ao volume total de
sangue de uma pessoa adulta.
184 Fisiologia Humana
ejetora de sangue, tambm no possvel estabelecer qual lado
do corao, direito ou esquerdo, mais importante. Isso se deve
ao fato de os dois lados do corao estarem conectados em srie
pelas duas circulaes, a pulmonar e a sistmica. Portanto, o lado
direito e o lado esquerdo do corao so fundamentais para que
o corao, como um todo, possa estabelecer o fuxo sanguneo no
corpo humano.
4.3.2 O sistema nervoso autnomo e o dbito cardaco
Como estudamos na Seo anterior (item 4.2.1), a freqncia
cardaca depende muito do Sistema Nervoso Simptico (SNS) e o
do Parassimptico (SNP), porque ambos tm a capacidade de au-
mentar e diminuir o automatismo cardaco, respectivamente. Pois
bem, podemos assumir que o mesmo ocorre com a contratilidade
cardaca. Quando o SNS ativado, a noradrenalina liberada no
corao e a adrenalina liberada na corrente sangunea. Sob a
ao da noradrenalina e da adrenalina, a capacidade do corao de
ejetar sangue aumenta bastante.
O SNS aumenta a contratilidade cardaca, porque a noradre-
nalina e a adrenalina, chamadas de catecolaminas, aumentam a
liberao de clcio no retculo sarcoplasmtico das clulas carda-
cas. Com mais clcio disponvel no citoplasma da clula, maior
ativao do mecanismo contrtil da mesma, e, conseqentemente,
mais forte a contrao. Por outro lado, quando ocorre a ativao
do SNP, ocorre liberao de acetilcolina no corao, o que diminui
a liberao de clcio do retculo sarcoplasmtico, tornando a con-
trao mais fraca e diminuindo a contratilidade cardaca.
Vamos recapitular? Pois bem, quando estamos com o SNS ati-
vado, temos um aumento do DC porque ocorre um aumento do
automatismo (e, conseqentemente, da freqncia cardaca) e da
contratilidade cardaca. Por outro lado, se o SNS fca inibido, ou
ainda, se o SNP ativado, ocorre reduo do DC devido reduo
do automatismo e da contratilidade cardaca. A noo de que o SNS
aumenta e o SNP diminui o dbito cardaco muito importante.
Voc precisar muito dessa informao nas sees seguintes.
A adrenalina liberada pela
medula da glndula supra-
renal, que tambm inervada
pelo SNS.
185 Sistema Cardiovascular
4.4 Sistema circulatrio
Trs conceitos muito importantes sero discutidos nessa Seo:
presso sangunea, fuxo sanguneo e resistncia vascular. muito
importante que, ao fnal dessa Seo, voc tenha compreendido
tais conceitos. Portanto, procure mentalizar a defnio desses ter-
mos e, principalmente, a importncia deles para o funcionamento
do Sistema Cardiovascular.
4.4.1 A complacncia vascular e a presso sangunea
Para efeito de raciocnio, vamos concentrar nossa ateno apenas
na circulao sistmica. No entanto, voc poder aplicar os mesmos
princpios para a circulao pulmonar. Veja bem, um vaso sangu-
neo constitudo basicamente de duas camadas de tecido: uma de
tecido elstico, que fornece elasticidade ao vaso, e outra, de msculo
liso, que fornece resistncia ao vaso. Entretanto, a proporo entre
tecido elstico e msculo liso varia de uma artria para uma veia.
Por exemplo, uma artria possui uma camada de msculo liso maior
em relao camada de tecido elstico. J no caso de uma veia, a ca-
mada de tecido elstico maior do que a camada de msculo liso.
E qual seria a importncia dessa diferena do ponto de vista
prtico? Bem, vamos iniciar pelo seguinte raciocnio: Imagine uma
artria e uma veia de mesmo tamanho e calibre. Imagine tambm
que tanto a artria quanto a veia tenham em seu interior um mes-
mo volume de sangue de, por exemplo, 100 ml. Denominamos de
presso sangunea presso que esse volume de sangue exercer
contra a parede, tanto da artria - nesse caso, presso arterial (PA)
- quanto da veia - nesse caso, presso venosa (PV). Imagine o se-
guinte agora: o msculo liso vascular confere certa rigidez ao vaso,
enquanto o tecido elstico confere certa elasticidade ao vaso.
Desse modo, se ns imaginarmos a presso exercida por aqueles
100 ml de sangue dentro da artria e da veia, veremos que ela ser
sempre maior na artria em relao veia. E por que isso? Porque
no caso da veia boa parte da presso exercida pelo sangue causar
a distenso do vaso (lembre-se que as veias possuem maior pro-
poro de tecido elstico).
186 Fisiologia Humana
Quando o vaso sofre distenso, o espao interno para acomo-
dao do sangue aumenta, o que tende a diminuir a presso do
sangue dentro do vaso distendido. J no caso da artria essa dis-
tenso ser bem menor, pois a artria mais rgida (lembre-se que
as artrias possuem maior proporo de msculo liso). Portanto,
considere que para vasos sanguneos de mesmo tamanho e cali-
bre, contendo o mesmo volume de sangue, a presso ser sempre
maior nas artrias do que nas veias. Assim, as veias podero sem-
pre comportar um volume maior de sangue em relao s artrias,
visto que podem sofrer maior grau de distenso medida que o
volume de sangue no seu interior aumenta. Essa capacidade dos
vasos sanguneos de se distender medida que se aumenta a pres-
so no seu interior chamada de complacncia. Portanto, as veias
so mais complacentes em relao s artrias.
Vasos sanguneos de elevada complacncia, tais como as veias,
so considerados vasos de capacitncia, porque tm uma alta ca-
pacidade de acomodao de sangue. De fato, a
maior parte do nosso sangue, quase 70%, fca
acomodado no Sistema Venoso da circulao
sistmica e, por causa disso, o Sistema Venoso
considerado um reservatrio de sangue. Por
outro lado, quando um vaso sanguneo tem bai-
xa complacncia, tais como as artrias, so con-
siderados vasos de resistncia, porque resistem
a grandes presses internas, com pouca disten-
so. Vasos de resistncia possuem paredes com
baixa elasticidade e no conseguem acomodar
grandes volumes de sangue. No corpo humano,
cerca de 11% do volume sanguneo est acomo-
dado no Sistema Arterial da circulao sistmi-
ca (fgura 4.9).
Quando o ventrculo esquerdo entra em sstole, ele ejeta certo
volume de sangue na aorta. Esse volume de sangue ejetado causa
certa distenso da aorta e a PA atinge cerca de 120 mmHg na aorta
(fgura 4.10). Essa presso chamada de presso sistlica porque
gerada pela sstole do ventrculo esquerdo. Quando o ventrculo
esquerdo entra em distole, o segmento da aorta anteriormente
Figura 4.9 - A distribuio do volume sanguneo pelas
diferentes partes do Sistema Cardiovascular. (Adaptado
de HANSEN; KOEPPEN, 2003)
187 Sistema Cardiovascular
distendido pelo sangue bombeado se retrai. Com a retrao da
aorta, o sangue comprimindo pela parede da aorta, sendo ento
impulsionado pelo Sistema Arterial da circulao sistmica em di-
reo s arterolas e aos capilares.
medida que o sangue impulsionado em direo aos tecidos,
o volume de sangue na aorta diminui e a PA na aorta cai para cerca
de 80 mmHg (chamada de presso diastlica, porque nesse mo-
mento o ventrculo esquerdo est em distole), at que uma nova
sstole ocorra, levando a nova distenso da aorta e nova elevao
da presso sangunea, para 120 mmHg. Observe que, durante o
ciclo de sstole e distole do ventrculo esquerdo, a PA na aorta
estar sempre oscilando entre 120 e 80 mmHg, o que garante uma
PA mdia de 100 mmHg. Essa a presso arterial sistmica para a
maioria dos seres humanos em repouso.
medida que se afasta do corao em di-
reo aos tecidos, a aorta vai se dividindo em
outras artrias com dimetros cada vez meno-
res, at terminar em milhares de artrias de di-
metro extremamente pequeno, chamadas de
arterolas. semelhante a um grande rio cau-
daloso, cuja gua se desloca com grande pres-
so e velocidade. Esse grande rio caudaloso
vai dando origem a outros rios, cada vez me-
nores, terminando em milhares de riachos em
cujos leitos a gua caminha de forma calma e
tranqila, com baixa presso e baixa velocida-
de. Pois bem, imagine que o rio caudaloso seja
equivalente aorta, a gua do rio seja equiva-
lente ao sangue, e que os riachos sejam equiva-
lentes aos capilares. Pois bem, medida que o
sangue se afasta da aorta (cuja PA mdia de
100mmHg) ele vai perdendo presso e veloci-
dade, de modo que, quando chega aos capila-
res, apresenta uma velocidade e uma presso
bem baixas (cerca de 30mmHg). Esse aspecto
muito importante porque os capilares so es-
truturas muito frgeis e poderiam ser lesados
Parecido com um elstico
que, quando estirado, tende
a se retrair, voltando ao
estado inicial.
Lembre-se: durante a re-
trao da aorta, que coin-
cide com a distole ventri-
cular, o sangue no conse-
gue retornar para o ven-
trculo esquerdo porque a
valva artica se fecha.
Sstole Ventricular
Incio
da Aorta
Distole Ventricular
Valva
Artica
120 mmHg
80 mmHg
Figura 4.10 - As conseqncias da ejeo de sangue na
artria aorta pelo ventrculo esquerdo.
188 Fisiologia Humana
por uma alta presso do sangue. Alm disso, se o sangue passa
mais lentamente pelos capilares, fca mais fcil para os nutrientes
e o oxignio deixarem o sangue em direo aos tecidos. Tambm
fca mais fcil para os restos de metabolismo e o gs carbnico
deixarem os tecidos em direo ao sangue.
4.4.2 O uxo sanguneo
O fuxo sanguneo defnido como o volume de sangue que pas-
sa por um determinado local da circulao a cada minuto. Para que
ocorra fuxo sanguneo de um local para outro, importante que
exista uma diferena de presso (tambm chamada de gradiente
de presso) entre esses dois locais. Quanto maior o gradiente de
presso entre dois pontos da circulao, maior ser o fuxo sangu-
neo e vice-versa. Uma vez estabelecido um gradiente de presso,
ocorrer fuxo sanguneo do local de maior presso para o local de
menor presso.
Figura 4.11 - A diferena
de presso na circulao
sistmica d origem ao uxo
sanguneo artrio-venoso.
(Adaptado de MOHRMAN;
HELLER, 2007)
189 Sistema Cardiovascular
Pense: onde estaria o local de maior e menor presso na circu-
lao sistmica? Bem, como voc aprendeu no incio deste Cap-
tulo, a presso ser sempre maior nas artrias do que nas veias.
Assim, voc pode considerar a artria aorta como o local de maior
presso e a juno das veias cavas com o trio direito como o local
de menor presso. A presso na aorta maior em relao s veias
cavas por dois motivos: em primeiro lugar, a aorta menos com-
placente que as veias cavas. Em segundo lugar, como discutido na
Seo anterior, o lado direito do corao est sempre retirando
sangue das veias cavas e o transportando para o lado esquerdo
do corao, que imediatamente bombeia esse mesmo volume de
sangue para a aorta.
4.4.3 Os vasos sanguneos: resistncia passagem
do sangue
Voc sabe o que resistncia vascular? Bem, normalmente o
sangue sofre certo atrito contra a parede dos vasos sanguneos
quando se desloca. Esse atrito difculta o deslocamento do sangue
dentro do vaso, ou seja, gera uma resistncia passagem do san-
gue. Em outras palavras, o vaso sanguneo sempre oferece certa
resistncia passagem do sangue devido ao atrito sangue/parede
vascular. Essa resistncia denominada resistncia vascular e de-
pende do calibre do vaso. Assim, vasos sanguneos menores, de
pequeno calibre, oferecem maior resistncia passagem do sangue
pelo maior atrito que haver entre o sangue e a parede do vaso.
Por outro lado, vasos sanguneos maiores, de maior calibre, ofe-
recem pouca resistncia passagem do sangue porque haver me-
nor atrito entre o sangue e a parede do vaso. Porm, importante
que voc entenda que o calibre de um vaso sanguneo no uma
medida fxa. Pelo contrrio, ele pode variar, alterando o atrito san-
gue/parede do vaso e, conseqentemente, a resistncia vascular.
Por exemplo, um vaso sanguneo pode contrair-se (processo cha-
mado vasoconstrio), o que diminui o seu calibre e, conseqen-
temente, aumenta a sua resistncia. Por outro lado, o vaso san-
guneo tambm pode relaxar (processo chamado vasodilatao),
o que aumenta o seu calibre e diminui a sua resistncia. Portanto,
a resistncia que um vaso vai oferecer passagem do sangue pode
Veja o ponto B na gura 4.11.
Veja o ponto A na gura 4.11.
190 Fisiologia Humana
variar, dependendo se o vaso sanguneo est contrado ou relaxa-
do (vasoconstrio ou vasodilatao, respectivamente).
A resistncia vascular, assim como o gradiente de presso, afe-
ta de forma signifcativa o fuxo sanguneo, porm de forma dife-
rente. Estudamos anteriormente que quanto maior o gradiente de
presso, maior o fuxo sanguneo. Por outro lado, quanto maior a
resistncia vascular, menor ser o fuxo sanguneo, porque o san-
gue ter mais difculdade ao passar por um vaso de pequeno ca-
libre, em relao a um vaso de grande calibre. Portanto, observe
com ateno que o gradiente de presso e a resistncia vascular
afetam o fuxo sanguneo de formas opostas (fgura 4.12). De toda
a circulao sistmica, as arterolas representam o local que ofe-
rece maior difculdade passagem do sangue, ou seja, o local de
maior resistncia vascular, que ns denominamos de resistncia
total perifrica (RTP).
4.4.4 A regulao do uxo sanguneo
Imagine agora um msculo com elevada atividade metablica,
por exemplo, um msculo esqueltico durante uma atividade fsi-
ca. Nesse caso, muito importante que o fuxo sanguneo no ms-
culo em questo aumente para suprir as necessidades metablicas
do mesmo, por exemplo, maior oferta de O
2
.
Mas, como ocorre o aumento do fuxo sanguneo para esse
msculo em questo? Bem, em primeiro lugar voc deve consi-
Calibre o espao que o
sangue ter para passar: no
vaso de pequeno calibre
muito mais apertado que em
relao ao espao disponvel
no vaso de grande calibre.
P
Comprimento (L)
R
a
i
o
(
r
)
R R R
R R R
Fluxo (Q) = P/R
Figura 4.12 - A relao entre a resistncia vascular (R) e o gradiente de presso (P) para
o estabelecimento do uxo sanguneo (Q). (Adaptado de HANSEN; KOEPPEN, 2003)
191 Sistema Cardiovascular
derar que esse msculo est consumindo muito O
2
do meio inter-
no e utilizando muito ATP para fornecer energia para a contrao
muscular. Em segundo lugar, considere que a quebra da molcu-
la de ATP fornece ao meio uma substncia chamada adenosina.
Pois bem, tanto a diminuio do nvel de O
2
quanto o acmulo de
adenosina no msculo promove vasodilatao nesse msculo. As-
sim, se os vasos sanguneos sofrem vasodilatao nesse msculo,
passam a oferecer pouca resistncia passagem do sangue, o que
aumenta o fuxo sanguneo por esse msculo.
Repare que, nesse caso, o aumento do fuxo sanguneo ocorre-
r apenas no msculo que est ativo, e ser decorrente de uma
diminuio na resistncia vascular local, e no do gradiente de
presso entre a aorta e o trio direito.
4.4.5 O sistema nervoso simptico e a RTP e a PA
A ativao do SNS tende a alterar profundamente a RTP (fgura
4.13). Tanto a noradrenalina e a adrenalina induzem vasoconstri-
o, que diminui o calibre do vaso. J a inibio do SNS tende a
fazer com que os vasos sanguneos relaxem, aumentando o seu
dimetro (vasodilatao).
Refita ento: qual seria o impacto de uma vasoconstrio ou
vasodilatao nas arterolas sobre a PA? Bem, se os vasos esto
oferecendo maior resistncia passagem do sangue, ento ns
vamos observar um aumento da PA durante uma situao de va-
soconstrio arteriolar, porque a diminuio do calibre dos va-
sos aumenta a resistncia vascular, o que difculta a passagem do
sangue do Sistema Arterial para o Sistema Venoso da circulao
sistmica. Por outro lado, caso ocorra vasodilatao arteriolar, no-
taremos que as arterolas oferecero menor resistncia passagem
do sangue do Sistema Arterial para o Sistema Venoso da circula-
o sistmica, o que determinar diminuio da PA.
Voc j estudou na Seo anterior que a ativao do Sistema Ner-
voso Simptico (SNS) aumenta a freqncia cardaca (por aumen-
to do automatismo) e a contratilidade do corao (por aumento na
192 Fisiologia Humana
liberao de clcio do retculo sarcoplasmtico). Viu tambm que
a freqncia e contratilidade cardaca, quando elevadas, acabam
elevando tambm o DC.
Mas, qual seria o impacto de um DC elevado sobre a PA? Bem,
se o corao passa a apresentar um aumento no seu DC, maior
volume de sangue passar a ser retirado do Sistema Venoso para
ser transferido ao Sistema Arterial (formado por vasos de baixa
complacncia). Portanto, na medida em que o DC aumenta, a PA
tambm tende a aumentar. Se voc considerar que o Sistema Ar-
terial est sob vasoconstrio e oferecendo alta resistncia passa-
gem do sangue, ver que o aumento do DC, associado ao aumento
da RTP, provoca grande aumento na presso arterial.
SA
Nervo
vago
T
r
o
n
c
o
e
n
c
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f
l
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Pequenas artrias
e arterolas
Gnglio
Gnglio
Medula adrenal
DC
RTP
AV NA
NA
NA
Medula
espinhal
PARASSIMPTICO SIMPTICO
NA
ACh
ACh
ACh
ACh
ACh
ACh
Adrenalina
Noradrenalina
Corrente
Sangunea
Figura 4.13 - Os determinantes da presso arterial. (Adaptado de HANSEN; KOEPPEN, 2003)
193 Sistema Cardiovascular
Prezado(a) aluno(a), muito importante que ao fnal deste Ca-
ptulo voc consiga visualizar como e por que um aumento ou di-
minuio na RTP e no DC alteram a PA. A relao entre essas trs
variveis muito importante para que voc possa aprender como
o corpo humano faz o controle da PA. Procure estudar e discutir
essa Seo com seus colegas. Isso vai dinamizar o seu aprendizado,
bem como o aprendizado de seus colegas, facilitando a compreen-
so do prximo Captulo. Ento vamos l, mos obra!
4.5 Regulao da Presso Arterial
Veja nesta Seo como a regulao ou controle da PA feita,
de modo a garantir sempre um determinado gradiente de presso
entre o Sistema Arterial e o Sistema Venoso da circulao, o que,
em outras palavras, estabelece o fuxo artrio-venoso.
4.5.1 Por que importante controlar a presso arterial?
Para a manuteno da vida, fundamental que a PA seja cons-
tantemente controlada para permanecer em valor adequado, sem-
pre permitindo o fuxo sanguneo artrio-venoso adequado. Por
exemplo, se a PA cai muito, o gradiente de presso entre artrias e
veias cai muito tambm, o que signifca baixo fuxo sanguneo nos
capilares. Baixo fuxo sanguneo signifca baixa oferta de nutrien-
tes e baixa remoo de restos de metabolismo do meio interno.
Por outro lado, se a PA sobe muito, por exemplo, na hipertenso
arterial, tambm muito ruim, porque pode causar problemas
cardacos ou levar a rompimento de algum vaso sanguneo, oca-
sionando hemorragias internas, por exemplo o acidente vascular
cerebral (AVC). Portanto, fundamental que a PA seja mantida
em valores relativamente constantes, oscilando pouco em relao
ao valor de 100 mmHg.
O controle da PA pode ser feito em curto prazo (por exemplo,
em 1 ou 2 segundos) ou a longo prazo (meses, anos, dcadas). O
Sistema Nervoso encarregado de realizar o controle em curto
prazo da PA, enquanto os rins so encarregados de fazer o controle
em longo prazo da PA.
Lembre-se que restos de
metabolismo so txicos
para as clulas e precisam ser
sempre removidos.
194 Fisiologia Humana
4.5.2 O mecanismo de controle em curto prazo da
presso arterial
Para o controle em curto prazo da PA, o Sistema Nervoso Sen-
sorial assume papel fundamental. Pois bem, na parede da artria
aorta, bem como na parede das artrias cartidas, existem recep-
tores sensoriais que detectam constantemente a presso do san-
gue nessas artrias (localize esses receptores na fgura 4.14). Como
esses receptores detectam a presso do sangue, eles so chama-
dos de barorreceptores articos e carotdeos. A partir dos barorre-
ceptores origina-se o axnio do neurnio sensorial, que se projeta
ao tronco-enceflico, mais especifcamente para neurnios cujos
corpos celulares localizam-se no ncleo do trato solitrio (NTS),
onde esses axnios estabelecem uma sinapse excitatria (Localize
na fgura 4.14 o axnio do neurnio sensorial e o NTS). Portanto,
a ativao dos barorreceptores estimula os neurnios do NTS. Por
sua vez, os neurnios do NTS enviam axnios que inibem o Sis-
tema Nervoso Simptico, ao mesmo tempo em que estimulam o
Sistema Nervoso Parassimptico.
Pois bem, vamos imaginar que, por algum motivo, a PA de uma
pessoa aumentou rapidamente (por exemplo, de 100 para 150
mmHg). Quando a PA na aorta e nas cartidas aumenta rapida-
mente, a parede da aorta e das cartidas tende a ser estirada pela
elevao da presso, o que ativa os barorreceptores, que respon-
dem emitindo potenciais de ao. Os potenciais de ao emitidos
a partir dos barorreceptores acabam por estimular o NTS. Quando
o NTS estimulado, o Sistema Nervoso Simptico inibido, fa-
zendo com que a liberao de noradrenalina no corao e adrena-
lina nos vasos sanguneos diminua, enquanto o Sistema Nervoso
Parassimptico estimulado, fazendo com que a liberao de ace-
tilcolina no corao aumente.
A diminuio da liberao de noradrenalina nas arterolas faz
com que as mesmas sofram vasodilatao (lembre-se que a no-
radrenalina vasoconstritora), o que diminui a RTP (ver Seo
anterior, item 4.3.4). J no corao, a diminuio da liberao de
noradrenalina, associada ao aumento da liberao de acetilcolina,
faz com que o automatismo e a contratilidade do corao diminua,
Que voc estudou no Captulo 1.
195 Sistema Cardiovascular
o que diminui o DC. Como a RTP e o DC diminuem, a PA, que
havia aumentado para 150 mmHg no incio do nosso raciocnio,
diminui at o valor de 100 mmHg.
Vamos imaginar agora o contrrio, quando a PA diminui rapida-
mente (por exemplo, de 100 para 80 mmHg). Nesse caso, quando
a presso na aorta e nas cartidas diminui rapidamente, as paredes
da aorta e das cartidas no so estiradas. Nesse caso, os barorre-
ceptores no so ativados, e, portanto, no emitem potenciais de
ao. Na ausncia de potenciais de ao o NTS no estimulado.
Se o NTS no estimulado, o Sistema Nervoso Simptico no fca
inibido e o Sistema Nervoso Parassimptico no fca estimulado.
Nesse caso, a liberao de noradrenalina no corao e nos vasos
sanguneos aumenta, enquanto a liberao de acetilcolina no co-
rao diminui. O aumento na liberao de noradrenalina nas arte-
rolas promove vasoconstrio, o que aumenta a RTP, enquanto a
liberao de noradrenalina no corao aumenta o automatismo e a
contratilidade cardaca, o que resulta em aumento do DC. Como a
RTP e o DC esto elevados, a PA, que havia cado para 80 mmHg,
acaba aumentando para o valor de 100 mmHg.
Perceba que o mecanismo de controle rpido da PA funciona
muito bem para suas elevaes e quedas. Ele trabalha sempre pro-
curando manter a PA na faixa de 100 mmHg. Entretanto, esse sis-
tema de controle tem uma limitao. Por exemplo, se a PA subir e
se manter elevada, apesar do mecanismo de controle rpido da PA
estar atuando, ele perder a sua efccia porque os barorreceptores
articos e carotdeos fcaro adaptados presso elevada, ou seja,
vo parar de emitir potenciais de ao, mesmo que a PA se man-
tenha elevada. Porm, na falta do mecanismo de controle rpido
da PA, o mecanismo de controle em longo prazo estar atuante,
procurando manter a PA na faixa dos 100 mmHg.
Use a fgura 4.14 para praticar o mecanismo de controle de au-
mento e de queda da PA. Procure discutir com seus colegas esse
sistema de controle em curto prazo da PA. Pratique, utilizando a
fgura 4.14 como apoio.
196 Fisiologia Humana
4.5.3 O mecanismo de controle em longo prazo da
presso arterial
Agora que voc j aprendeu o mecanismo de controle em curto
prazo da PA, vamos estudar como a PA controlada em longo pra-
zo. Normalmente, um indivduo adulto apresenta o seu Sistema
Cardiovascular preenchido por um volume de sangue, chamado
de volemia, de 5 litros. Portanto, nossa volemia normal , em m-
dia, de 5 litros. Esses 5 litros de sangue exercem certa presso con-
tra a parede das veias e das artrias. Assim, quanto maior a vole-
mia, maior ser a PA, e vice-versa. A volemia, e conseqentemente
a PA, depende de um perfeito equilbrio entre o que ingerimos de
Tronco enceflico
(Bulbo)
Neurnio
sensorial
carotdeo
Neurnio
sensorial
artico
Cartidas
Barorreceptor
carotdeo
Barorreceptor
artico
Aorta
Medula espinhal
Neurnios parassimpticos
para o corao e vasos
sanguneos
(Inibem o corao)
Neurnios simpticos
para o corao e vasos
sanguneos
(Estimulam o corao)
+
+
+
_
Ncleo do Trato
Solitrio
Figura 4.14 - Mecanismo de controle em curto prazo da PA.
197 Sistema Cardiovascular
sal, por exemplo, cloreto de sdio (pela alimentao), e o que eli-
minamos de sal pelos rins (atravs da urina).
A excreo renal de sal depende muito da PA. Quando a PA
aumenta, os rins eliminam mais sal; quando a PA diminui, os rins
eliminam menos sal. muito importante que voc mentalize essa
relao entre a PA e a eliminao renal de sal, chamada de natriu-
rese de presso. Natriurese signifca eliminao renal de sal pela
urina. J o termo presso indica que a eliminao de sal pela urina,
a natriurese, depende da PA.
Ficou claro para voc o termo natriurese de presso? Em outras
palavras, quanto maior a PA, maior vai ser a natriurese. Por outro
lado, quanto menor a PA, menor vai ser a natriurese.
Uma ingesto normal de sal associada a uma excreo normal
de sal pelos rins determina um equilbrio entre ingesto e excreo
de sal no organismo. Se uma pessoa ingere diariamente, por exem-
plo, 5 mg de sal, e o seu rim excreta diariamente 5 mg do mesmo
sal, no haver sobra, no haver excesso de sal no organismo.
Nesse caso, a volemia permanecer em 5 litros e a PA permanecer
em 100 mmHg, que a PA normal. Imagine agora que uma pessoa
foi a um almoo e comeu uma feijoada que estava muito salgada.
Imagine que ela ingeriu nesse almoo, por exemplo, 100 mg de sal.
Nesse caso, a pessoa ingeriu 100 mg de sal, mas o seu rim, aps o
almoo, ainda estava eliminando 5 mg de sal.
Portanto, essa refeio estabeleceu uma sobra, um saldo positivo
de sal de 95 mg. Esse saldo positivo far com que a volemia da pes-
soa aumente acima de 5 litros, o que aumenta a sua PA acima de
100 mmHg. Como a PA da pessoa aumentou, a sua excreo de sal,
ou seja, a sua natriurese, tambm estar aumentada pelo mecanis-
mo de natriurese de presso descrito acima. medida que o saldo
positivo de sal vai sendo eliminado pela natriurese de presso, a
volemia vai voltando ao normal, e conseqentemente a PA. Assim,
algumas horas aps o almoo, a pessoa ter eliminado todo o saldo
positivo de sal, e, em funo de no existir mais saldo positivo de
sal, a volemia estar normal, a PA estar normal, e a natriurese de
presso estar compatvel com a PA normal, de 100 mmHg.
198 Fisiologia Humana
Resumo
O Sistema Cardiovascular fundamental para a manuteno da
homeostasia porque determina um fuxo sanguneo entre as art-
rias e as veias do Sistema Circulatrio, possibilitando a oferta de
nutrientes e remoo de restos de metabolismo do meio interno.
O Sistema Cardiovascular humano constitudo de duas circula-
es (sistmica e pulmonar), um corao composto de dois trios
(esquerdo e direito) e dois ventrculos (esquerdo e direito). O
sangue bombeado pelo lado esquerdo do corao na circulao
sistmica, retornando ao lado direito do corao, de onde bom-
beado para a circulao pulmonar para retornar ao lado esquerdo
do corao.
O corao possui um sistema especializado na gerao e condu-
o de potenciais de ao, que so responsveis pela contrao do
msculo cardaco. Esse sistema confere automatismo ao corao
e modulado pelo Sistema Nervoso Simptico e o Parassimpti-
co. A gerao e a conduo adequada dos potenciais de ao no
corao permitem uma sincronia de despolarizao (contrao)
e repolarizao (relaxamento) entre trios e ventrculos durante
o ciclo cardaco, a qual fundamental para que o corao possa
receber e simultaneamente ejetar sangue atravs das circulaes
sistmica e pulmonar. O bombeamento cardaco transfere sangue
das veias para as artrias, gerando uma diferena de presso entre
o Sistema Arterial (presso arterial) e o venoso, que, em ltima
instncia, estabelece o fuxo sanguneo artrio-venoso.
O Sistema Nervoso regula a presso arterial em curto prazo,
atravs do controle do Dbito Cardaco (DC) e da resistncia to-
tal perifrica pelo Sistema Nervoso Simptico e o Parassimptico.
Em longo prazo, os rins controlam a presso arterial mantendo
o equilbrio entre a ingesto de sal e a excreo de sal pela urina
por natriurese de presso, excretando mais sal quando a presso
arterial aumenta e excretando menos sal quando a presso arterial
diminui
199 Sistema Cardiovascular
Referncias
COSTANZO, Linda S. Fisiologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2007.
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de Fisiologia M-
dica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
LEVY, Mathew N.; KOEPPEN, Bruce M.; STANTON, Bruce A.
Fundamentos de Fisiologia: Berne & Levy. 4. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2006.
HANSEN, J.T.; KOEPPEN, B.M. Atlas de Fisiologia Humana de
Netter. Porto Alegre: Artmed, 2003.
MOHRMAN, D.E.; HELLER, L.J. Fisiologia Cardiovascular. So
Paulo: McGraw Hill, 2007.
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5
Sistema Respiratrio
Este Captulo tem como objetivo ensinar o papel do Siste-
ma Respiratrio na manuteno da homeostasia, atravs do
fornecimento de oxignio ao (e remoo de gs carbnico do)
sangue. Comearemos nosso estudo descrevendo as caracte-
rsticas da rvore respiratria e os mecanismos responsveis
pela entrada e sada de ar dos pulmes, ou seja, a mecnica
respiratria. Em seguida, discutiremos como feita a troca
de oxignio e gs carbnico entre o ar contido nos pulmes
e o sangue que circula por estes, bem como o mecanismo de
transporte desses gases pela corrente sangunea. Por fm, dis-
cutiremos o mecanismo de regulao da respirao, funda-
mental para a manuteno da concentrao sangunea de
oxignio e gs carbnico em nveis adequados para a manu-
teno da homeostasia e, conseqentemente, da vida.
203 Sistema Respiratrio
5.1 Mecnica Respiratria
Voc viu durante o estudo do Sistema Cardiovascular que, para
a sobrevivncia das clulas do corpo humano, importante que o
fuxo sanguneo artrio-venoso transporte oxignio (O
2
) at os ca-
pilares que esto em contato com o meio interno e, ao mesmo tem-
po, remova do meio interno os restos de metabolismo das clulas,
como o gs carbnico (CO
2
). Portanto, muito importante que o
O
2
seja constantemente fornecido ao sangue e, ao mesmo tempo,
o CO
2
seja constantemente removido do sangue. Pois bem, a prin-
cipal funo do sistema respiratrio justamente essa: fornecer O
2
ao sangue e remover CO
2
do sangue, ou seja, realizar a hematose.
5.1.1 A rvore respiratria
Antes que a hematose possa ser realizada, porm, preciso pri-
meiramente que algumas etapas sejam cumpridas. Em primeiro
lugar, o ar atmosfrico precisa ser transportado por um longo tra-
jeto (que ns chamamos de rvore respiratria ou vias respirat-
rias) at os locais onde a hematose possa, de fato, ocorrer. Note,
portanto, que a hematose no ocorre ao longo de toda a rvore res-
piratria, mas em locais especfcos, chamados de alvolos. Vamos
primeiro estudar a composio da rvore respiratria.
A rvore respiratria comea no nariz, passando pela faringe,
laringe e traquia (fgura 5.1). A traquia se divide em dois brn-
quios principais, direito e esquerdo, os quais entram nos pulmes
204 Fisiologia Humana
direito e esquerdo, respectivamente. medida que penetram mais
profundamente nos pulmes, cada brnquio principal vai se rami-
fcando em vrios brnquios menores e mais curtos, dando origem
aos bronquolos terminais, os quais terminam nos alvolos pul-
monares. Toda a rvore respiratria constituda de msculo liso
e um epitlio interno secretor de muco. A traquia e os brnquios
tambm possuem anis cartilaginosos que conferem estabilidade
ao calibre dessas regies.
Ao longo de toda a rvore respi-
ratria, a hematose s ocorre nos
alvolos pulmonares. Portanto, toda
a rvore respiratria, com exceo
dos alvolos, funciona apenas como
via de conduo e preparao do ar.
Mas, que preparao essa? Bem, o
ar precisa ser fltrado, ou seja, limpo
de impurezas e sujeiras que possam
estar contidas no ar atmosfrico. A
fltrao feita por plos localizados
no nariz e por clios que revestem
toda a rvore respiratria. A secre-
o de muco tambm tem uma fun-
o protetora porque ajuda a reter
partculas de sujeira, podendo ser
eventualmente eliminado atravs
da tosse. Alm de ser fltrado, o ar
tambm aquecido e umedecido at
chegar aos alvolos.
medida que o ar vai entrando pela rvore respiratria, vai
encontrando regies de calibres (dimetros) cada vez menores,
comeando pelo nariz, faringe, laringe, traquia, brnquios prin-
cipais, passando por vrias geraes de brnquios e, fnalmente,
pelos bronquolos.
medida que passa por essas regies de calibre cada vez menor,
o ar vai sofrendo atrito contra as paredes da rvore respiratria, a
qual lhe impe certa resistncia para entrar e sair dos pulmes.
Em condies normais, essa resistncia no causa nenhuma dif-
Figura 5.1 - A rvore respiratria.
Nariz
Laringe
Pulmo
Direito
Diafragma
Faringe
Traquia
Brnquios
Pulmo
esquerdo
Veia
Artria
Bronquolo
Alvolo
205 Sistema Respiratrio
culdade para a nossa respirao. Entretanto, em condies pato-
lgicas, existe uma regio que oferecer uma grande resistncia
passagem de ar, difcultando bastante a respirao. Essa regio so
os bronquolos. Os bronquolos tm calibre menor que os brn-
quios, so revestidos internamente por msculo liso e, alm disso,
no possuem anis cartilaginosos. Por infuncia de determinadas
substncias, o msculo liso dos bronquolos pode se contrair, dei-
xando-os com calibre ainda menor e oferecendo maior resistncia
(difculdade) para que o ar possa chegar aos alvolos.
Voc j deve ter ouvido falar em pessoas que tm asma e sofrem
com isto. Os asmticos costumam ter alergia a algumas substn-
cias, tais como poeira, perfumes, plos de animais e plen. Uma
vez tendo inalado tais substncias, os asmticos podem ter suas
crises broncoconstritoras desencadeadas, gerando grande difcul-
dade para inspirar e expirar.
O que acontece com os asmticos que a resistncia que os
bronquolos oferecero passagem do ar fcar muito maior, jus-
tamente porque a inalao de plo de animais, por exemplo, vai
irritar muito o msculo liso dos bronquolos, fazendo com que
o calibre dos mesmos fque ainda menor e por isso a pessoa fcar
com muita difculdade para respirar.
5.1.2 A mecnica respiratria
O processo da respirao implica em transportar o ar de fora
dos pulmes at os alvolos e, em seguida, trazer de volta o ar que
est nos alvolos para fora dos pulmes. Nossa respirao ca-
racterizada por essa constante entrada e sada de ar dos pulmes.
Mas, como o ar que est fora dos pulmes chega at os alvolos?
E mais: como o ar que est nos alvolos levado para fora dos
pulmes?
Bem, para que o ar chegue at os alvolos preciso que os pul-
mes sofram uma expanso. Por outro lado, para que o ar saia dos
alvolos preciso que os pulmes sofram uma retrao. De um
modo geral, esse processo de expanso e retrao dos pulmes
denominado de mecnica respiratria.
206 Fisiologia Humana
A mecnica respiratria envolve os mecanismos atravs dos
quais os pulmes sofrem expanso, para que estes possam encher-
se de ar (processo chamado de inspirao), e retrao, para expulsar
o ar contido em seu interior (processo chamado de expirao).
Pois bem, mas como os pulmes sofrem expanso para que pos-
samos inspirar o ar? E mais, como os pulmes sofrem retrao
para que possamos expirar o ar?
Para entender como isso acontece, voc deve saber que os pul-
mes esto dentro da caixa torcica, que constituda pelas cos-
telas, por dois tipos de msculos esquelticos que prendem uma
costela outra, chamados de msculos intercostais internos e ex-
ternos, e por outro msculo esqueltico que forma a base da caixa
torcica, chamado de diafragma (fgura 5. 2).
Resumindo, a caixa torcica formada pelas costelas e por trs
tipos de msculos esquelticos (os intercostais internos, os inter-
costais externos e o diafragma).
Existe tambm uma membrana chamada pleura, que reveste os
pulmes por fora e, ao mesmo tempo, reveste a caixa torcica por
dentro. O espao entre as duas pleuras preenchido pelo lquido
pleural. E qual a importncia disso?
A importncia da pleura e do lquido pleural reside no fato de
que, quando a caixa torcica expandida, os pulmes, por estarem
presos a ela pela pleura, expandem-se tambm. Por outro lado,
quando a caixa torcica se retrai, os pulmes tambm se retraem.
Portanto, se os pulmes vo se expandir ou se retrair, vai depender
da caixa torcica. Fica clara essa idia para voc?
Mas, voc deve estar se perguntando: O que faz a caixa torcica
se expandir e retrair para que os pulmes possam tambm se ex-
pandir e retrair, respectivamente?
Bem, a resposta que a caixa torcica se expande ou retrai por-
que alguns msculos especfcos que a formam se contraem. Tais
msculos so denominados, no seu conjunto, de msculos res-
piratrios (fgura 5.3), mas podem tambm ser subdivididos em
msculos inspiratrios (aqueles que expandem a caixa torcica) e
msculos expiratrios (aqueles que retraem a caixa torcica).
A membrana que reveste os
pulmes por fora chamada
pleura visceral, j aquela
que reveste a caixa torcica
por dentro chamada pleura
parietal.
207 Sistema Respiratrio
Os msculos respiratrios so controlados pelo centro respirat-
rio, localizado na regio do tronco enceflico. O centro respiratrio
envia potenciais de ao aos msculos respiratrios para que estes
possam se contrair, e, conseqentemente, expandir ou retrair a cai-
Diafragma
Msculos
intercostais
Figura 5.2 - A caixa torcica formada pelas costelas, pelos msculos intercostais e pelo diafragma.
Diafragma
Expirao
Inspirao
Msculos Inspiratrios
Esternocleidomastoideo
Escalenos
Intercostais
externos
Diafragma
Reto
abdominal
Oblcuo
externo
Intercostais
internos
Msculos Expiratrios
Figura 5.3 - Os msculos inspiratrios e expiratrios.
208 Fisiologia Humana
xa torcica, dependendo do tipo de msculo respiratrio que est
sendo ativado pelos potenciais de ao. Portanto, o centro respirat-
rio regula a nossa respirao controlando os msculos que fazem a
expanso ou retrao da caixa torcica. Por exemplo, quando ocor-
re ativao do centro respiratrio, ocorre estimulao dos mscu-
los intercostais externos, que contraem, tracionando (puxando) as
costelas para cima, o que aumenta o dimetro da caixa torcica.
Para que voc possa visualizar melhor essa expanso (ou o au-
mento do dimetro) da caixa torcica, promova uma inspirao
bem profunda e suave. Inspire todo o ar que voc puder. Observe
como a sua caixa torcica aumenta, expande-se, medida que voc
est inspirando. Percebeu? Ento, o que voc vivenciou a con-
seqncia da contrao dos seus msculos intercostais externos.
Com certeza os seus pulmes tambm se expandiram, tambm
sofreram um aumento no seu dimetro, proporcional ao aumento
do dimetro da sua caixa torcica.
A ativao do centro respiratrio tambm estimula outro ms-
culo, que por sua vez ajuda a expandir os pulmes. o diafragma,
que separa a caixa torcica do abdome, e que est localizado na
base dos pulmes.
O diafragma tambm est preso base dos pulmes pela pleura.
Quando o diafragma se contrai, ele se afasta da caixa torcica, em
direo ao abdome, levando consigo a base dos pulmes, os quais
expandem-se para baixo, tambm em direo ao abdome. Portan-
to, a contrao do diafragma aumenta a altura da caixa torcica e,
conseqentemente, a altura dos pulmes tambm.
Perceba que, quando inspiramos, os msculos intercostais ex-
ternos promovem um aumento do dimetro da caixa torcica no
sentido horizontal (antero-posterior), enquanto a contrao do
diafragma promove um aumento da caixa torcica no sentido ver-
tical, ou seja, da altura da caixa torcica. Os msculos intercostais
externos e o diafragma so denominados msculos inspiratrios,
porque promovem a expanso da caixa torcica e, conseqente-
mente, dos pulmes, o que faz com que o ar entre pela rvore res-
piratria em direo aos alvolos.
Abdome
Parte do tronco localizada
entre o trax e a pelve,
onde se aloja a maior parte
dos rgos do Sistema
Digestrio.
209 Sistema Respiratrio
Para que ocorra a expirao, o centro respiratrio precisa parar
de estimular os msculos inspiratrios e, ao mesmo tempo, esti-
mular os msculos expiratrios, fazendo com que a caixa torcica
sofra retrao, o que invariavelmente leva retrao dos pulmes
e sada do ar dos alvolos em direo atmosfera.
Dois processos levam retrao da caixa torcica e, conseqen-
temente, expirao. Primeiro, a contrao dos msculos intercos-
tais internos, que abaixam as costelas, retraindo a caixa torcica no
sentido antero-posterior. Quando a caixa torcica se retrai, ela com-
prime os pulmes que estavam cheios de ar, fazendo com que o ar
saia. Por essa razo, os msculos intercostais internos so denomi-
nados msculos expiratrios. Em segundo lugar, o diafragma, que
havia se contrado durante a inspirao, relaxa durante a expirao.
O relaxamento do diafragma diminui a altura da caixa torcica, o
que comprime a base dos pulmes, ajudando-lhes na sada do ar.
Tome cuidado neste ponto: embora o diafragma participe tanto
da inspirao quanto da expirao, ele considerado um msculo
inspiratrio, e no expiratrio. Isso se deve ao fato do diafragma
ter uma participao ativa (ou seja, ele se contrai) durante a ins-
pirao, e passiva (ou seja, ele apenas relaxa) durante a expirao.
Assim, para estabelecer se um msculo inspiratrio ou expira-
trio, deve-se levar em conta a sua participao ativa no processo.
Fique atento(a)!
Quando os pulmes se expandem e retraem, o ar entra e sai pela
rvore respiratria, respectivamente. Mas, por qu? Por que a ex-
panso dos pulmes promove a entrada de ar? Por que a retrao
dos pulmes faz o ar sair da rvore respiratria? Bem, imagine
um pulmo com 1 litro de ar no seu interior. Nesse caso, o pul-
mo possui 1 litro de ar porque o dimetro e a altura do pulmo
so compatveis com 1 litro de ar. As molculas de ar que com-
pem esse 1 litro esto sempre se movimentando e se chocando
contra as paredes dos pulmes, ou seja, esto sempre exercendo
certa presso contra as paredes do pulmo. Imagine agora que o
ar que est fora do seu corpo tambm exerce uma determinada
presso - o que ns denominamos de presso atmosfrica - con-
No confunda com os
msculos intercostais
externos, que so msculos
da inspirao!
Este ar o ar atmosfrico.
210 Fisiologia Humana
tra sua cabea, seus braos, suas pernas, sua barriga etc., porque,
em semelhana ao que ocorre com as molculas de ar dentro dos
pulmes, as molculas de ar que compem a atmosfera tambm
esto constantemente se movimentando e se chocando contra a
superfcie externa do nosso corpo.
Pois bem, vamos imaginar agora que houve a contrao dos
msculos inspiratrios, determinando um aumento no dimetro
e na altura na altura da caixa torcica, e que isso aumentou, pro-
porcionalmente, o dimetro e a altura do pulmo. Assim teremos
1 litro de ar ocupando um espao maior dentro do pulmo, agora
expandido. Como voc acha que fcaria a presso do ar no interior
dos pulmes (daquele 1 litro) em relao presso atmosfrica
sobre a parte externa do seu corpo? Maior, menor ou igual? Bem,
se o pulmo se expandiu, signifca que as molculas que formam
aquele 1 litro de ar tero agora que ocupar um espao bem maior
dentro do pulmo. Em outras palavras, as molculas de ar tero
agora um espao bem maior para se movimentar e se chocar.
como se as molculas de ar fcassem menos apertadas dentro dos
pulmes quando estes sofrem expanso.
Isso faz diminuir a presso do ar dentro dos pulmes em rela-
o presso atmosfrica, fora do seu corpo. Portanto, a presso
do ar dentro dos pulmes fca menor em relao presso do ar
fora dos pulmes. Como o ar tende a se deslocar do local de maior
presso para o local de menor presso, o ar entrar pelo nariz em
direo aos alvolos. medida que o ar vai entrando pela rvore
respiratria, o volume de ar dentro dos pulmes vai aumentando,
a presso do ar dentro dos pulmes tambm vai aumentando, e a
diferena de presso entre o interior dos pulmes e a atmosfera vai
diminuindo. No fnal da inspirao, teremos o pulmo expandido,
agora com um volume de ar de, por exemplo, 1,5 litros, volume
este que determinar uma presso do ar dentro dos pulmes igual
da atmosfrica. Nesse ponto, no haver mais entrada de ar nos
pulmes e ser o fm da inspirao.
Durante a expirao, ocorre a contrao dos msculos expirat-
rios e o relaxamento do diafragma, o que promove a retrao da
caixa torcica. medida que a caixa torcica se retrai, ela comprime
os pulmes, que por sua vez tambm comprimem o ar contido den-
211 Sistema Respiratrio
tro deles. Nesse caso, teremos 1,5 litros de ar para ocupar um espao
cada vez menor dentro dos pulmes. Um espao menor para acomo-
dar um maior volume de ar (1,5 litros) determina um aumento da
presso do ar dentro dos pulmes em relao presso atmosfrica.
Novamente, o ar tender a se deslocar do local de maior presso (o
interior dos pulmes) para o local de menor presso (a atmosfera,
fora do seu corpo), saindo dos alvolos em direo ao nariz.
o processo de expirao, que continuar at o momento em
que sobrarem novamente 1 litro de ar dentro dos pulmes, de-
terminando uma presso do ar dentro destes igual atmosfrica.
Nesse momento, uma nova contrao dos msculos inspiratrios
dar incio a uma nova inspirao, e assim por diante.
Repare que os mecanismos de expanso e retrao da caixa to-
rcica so fundamentais para que o ar possa entrar e sair dos pul-
mes. Isso se deve ao fato da expanso e retrao da caixa torcica
induzir expanso e retrao dos pulmes de mesma magnitude, o
que altera a presso do ar dentro dos pulmes em relao pres-
so atmosfrica. Essa diferena de presso entre o interior dos
pulmes e a atmosfera cria as condies necessrias para que o ar
possa entrar e sair dos pulmes.
Quando estamos em repouso, ou seja, quando no estamos
fazendo nenhuma atividade fsica, nossa freqncia respiratria
varia de 12 a 15 vezes por minuto. Prezado(a) aluno(a), procure
estudar a mecnica respiratria junto a seus colegas. Troque idias
com eles(as). Faam uma boa discusso. Isso amplifcar o seu
aprendizado e o aprendizado deles(as) tambm.
5.2 Troca gasosa e transporte de gases
Nesta seo vamos aprender como ocorre a troca de oxignio
(O
2
) e gs carbnico (CO
2
) entre o sangue nos capilares pulmona-
res e os alvolos pulmonares, processo denominado de hematose
(fgura 5.4). Tambm aprenderemos como o O
2
e o CO
2
so trans-
portados pelo sangue.
212 Fisiologia Humana
5.2.1 A troca gasosa entre os alvolos e o sangue nos
capilares pulmonares
Agora, vamos partir do princpio de que o ar j percorreu toda
a rvore respiratria, j foi fltrado, aquecido e umidifcado, e j
chegou aos alvolos. Considere que os capilares pulmonares esto
em ntimo contato com os alvolos pulmonares. Considere que os
alvolos pulmonares so anlogos a saquinhos de papel cheios de
ar, com uma parede muito fna e delgada. Considere tambm que
essa parede fna e delgada dos alvolos est encostada na parede
do capilar pulmonar, que tambm muito fna e delgada.
Assim, separando o sangue nos capilares pulmonares do ar que
est nos alvolos pulmonares, existe a membrana respiratria ou
membrana pulmonar, constituda basicamente de duas membranas
muito fnas, que so a parede dos capilares pulmonares e a mem-
brana dos alvolos. pela membrana respiratria que ocorre a he-
matose. importante que a membrana respiratria seja fna porque
fca fcil de ser atravessada pelo O
2
e pelo CO
2
durante a hematose.
O processo de hematose implica que o O
2
contido no ar alveolar
se deslocar para o sangue nos capilares pulmonares, ao passo que o
CO
2
contido no sangue dos capilares pulmonares se deslocar para
o ar alveolar para ser expirado (fgura 5.4). Repare que o sangue e
o ar alveolar esto realizando uma troca, onde o ar alveolar fornece
O
2
ao sangue, enquanto o sangue fornece CO
2
ao ar alveolar, da a
denominao troca gasosa. Mas, como esses gases (o O
2
e o CO
2
)
se deslocam? O que gera esse movimento, esse deslocamento?
Pois bem, o ar que chega aos alvolos (o ar atmosfrico) rico
em O
2
e pobre em CO
2
. Por outro lado, o sangue que chega aos
capilares pulmonares j percorreu toda a circulao sistmica e
j forneceu O
2
a todas as clulas do organismo, ao passo que, ao
mesmo tempo, j recebeu CO
2
produzido por todas as clulas do
organismo. Portanto, o sangue que chega aos capilares pulmonares
pobre em O
2
e rico em CO
2
.
Voc percebeu em que contexto a hematose ocorrer? De um
lado da membrana respiratria est o ar alveolar, rico em O
2
e po-
bre em CO
2
, e do outro lado dessa membrana est o sangue, pobre
em O
2
e rico em CO
2
.
213 Sistema Respiratrio
Reparou que, enquanto o ar
alveolar rico em O
2
, o sangue
pobre em O
2
? Voc tambm repa-
rou que o ar alveolar pobre em
CO
2
, enquanto o sangue rico em
CO
2
?
Durante a hematose, o sentido
do deslocamento do O
2
e do CO
2
dado pela diferena de concentra-
o entre os dois lados da mem-
brana respiratria (o ar alveolar
de um lado e o sangue do outro).
Tanto o O
2
quanto o CO
2
se deslo-
caro do local de maior concentra-
o para o local de menor concen-
trao. Portanto, quando o sangue
passa pelos capilares pulmonares
o O
2
se desloca do ar alveolar para
o sangue, ao mesmo tempo em
que o CO
2
tambm se desloca do
sangue para o ar alveolar.
Assim, quando o sangue deixar
os capilares pulmonares em dire-
o s veias pulmonares, estar
novamente rico em O
2
e pobre em CO
2
(fgura 5.4). Retornando ao
corao pelas veias pulmonares, esse sangue ser bombeado pelo
ventrculo esquerdo atravs da circulao sistmica. Em virtude
de sua elevada concentrao de O
2
, esse sangue considerado um
sangue oxigenado, e ir fornecer O
2
a todas as clulas do organis-
mo. Ao mesmo tempo, esse mesmo sangue oxigenado que ir
remover o CO
2
produzido por todas as clulas do organismo.
5.2.2 A troca gasosa entre o sangue dos capilares
teciduais e o meio interno
Quando o sangue oxigenado chegar aos capilares teciduais en-
contrar uma situao bem diferente dos pulmes, porque os te-
cidos normalmente tendem a apresentar baixa concentrao de
Ar entra
nos pulmes
Ar Alveolar
Rico em O
Pobre em CO
Sangue Arterial
Rico em O
Pobre em CO
Sangue Venoso
Pobre em O
Rico em CO
Capilares Pulmonares
CO O
O
CO
Capilares
Sistmicos
Tecidos
Tendem a ser pobres em O
e ricos em CO
Figura 5.4 - A troca gasosa nos alvolos pulmonares (hematose).
214 Fisiologia Humana
O
2
e alta concentrao de CO
2
. E por qu? Porque as clulas nor-
malmente consomem O
2
do meio interno para sua sobrevivncia
e, ao mesmo tempo, liberam CO
2
nesse meio. Portanto, quando
o sangue oxigenado chegar aos capilares teciduais possuir uma
elevada concentrao de O
2
em relao ao meio interno. Por outro
lado, esse meio apresentar uma concentrao de CO
2
elevada em
relao ao sangue.
Voc reparou que, quando o sangue oxigenado chegar aos teci-
dos, estar estabelecida uma nova diferena de concentrao dos
gases, agora entre o sangue e o meio interno? Assim, uma nova
troca de gases ocorrer, com o sangue perdendo O
2
para o meio
interno e, ao mesmo tempo, ganhando CO
2
desse meio. Em virtu-
de dessa nova troca, o sangue que antes estava bem oxigenado tor-
na-se agora novamente pobre em O
2
e rico em CO
2
. esse sangue
pobre em O
2
e rico em CO
2
que retornar ao corao pelas veias
cavas, e ser bombeado, pelo ventrculo direito, atravs da circu-
lao pulmonar, alcanando novamente os capilares pulmonares,
onde nova hematose ocorrer e o mesmo ciclo se repetir.
Repare que, do ar alveolar aos tecidos, o O
2
desloca-se sempre
no sentido do local de maior concentrao para o local de menor
concentrao, ou seja, do ar alveolar para o sangue e depois do
sangue para o meio interno. Repare tambm que o CO
2
se desloca
sempre no caminho inverso, ou seja, do meio interno para o san-
gue e, depois, para o ar alveolar.
5.2.3 O transporte de oxignio e gs carbnico
no sangue
Para terminarmos esta seo, importante aprendermos como
o O
2
e o CO
2
so transportados pelo sangue atravs da circulao.
Quando o O
2
atravessa a membrana respiratria e chega ao san-
gue dos capilares pulmonares, ele se liga a uma protena locali-
zada dentro das hemcias, chamada hemoglobina. A hemoglobi-
na possui uma elevada afnidade pelo O
2
, ou seja, atrai o O
2
com
grande facilidade. A molcula de hemoglobina, agora com o O
2
215 Sistema Respiratrio
ligado a ela, recebe o nome de oxiemoglobina, e dessa forma,
ligado hemoglobina, que o O
2
ser transportado pelo sangue a
todo o organismo. Ao chegar aos capilares teciduais, a afnidade da
hemoglobina pelo O
2
diminui, fazendo com que o O
2
se desligue
dela e seja liberado no sangue que circula pelos capilares teciduais.
Uma vez desligado da hemoglobina, o O
2
pode agora se deslocar
do sangue para o meio interno, como descrito no item 5.2.2. Mas,
e o CO
2
? Como ele ser transportado pelo sangue dos tecidos at
os pulmes?
Bem, o CO
2
transportado pelo sangue de duas formas. Uma
pequena parte transportada ligada hemoglobina, na forma de
carbaminoemoglobina, e a outra na forma de ons bicarbonato.
Como visto anteriormente, quando a oxiemoglobina chega aos ca-
pilares teciduais, ela perde afnidade pelo O
2
, liberando-o no san-
gue. nesse momento, ento, que o CO
2
se liga hemoglobina.
Porm, a maior parte do CO
2
que chega ao sangue dos capilares
teciduais passa por reaes qumicas e transformada em bicar-
bonato. na forma disfarada de bicarbonato que a maior parte
do CO
2
transportada no sangue (fgura 5.5).
Portanto, quando o sangue chegar aos capilares pulmonares,
estar transportando CO
2
de duas formas: na forma de carbami-
noemoglobina e na forma de bicarbonato. Bem, quando o sangue
chega aos capilares pulmonares, a hemoglobina libera o CO
2
e o
bicarbonato passa novamente por reaes qumicas, retornando
forma de CO
2
. Uma vez libe-
rado no sangue, o CO
2
imedia-
tamente desloca-se para o ar
alveolar, como visto anterior-
mente. Nesse momento, o O
2
que acabou de se deslocar do ar
alveolar para o sangue liga-se
hemoglobina, formando nova-
mente a oxiemoglobina para
ser novamente transportado
at os tecidos.
CO
Plasma
Figura 5.5 - As formas de transporte de CO
2
no sangue. Hgb - hemoglobina, HCO
3
- bicarbonato,
HgbCO
2
- carbaminoemoglobina. (Adaptado de GUYTON; HALL, 2006)
216 Fisiologia Humana
5.3 Regulao da respirao
Voc sabe como feito o controle da respirao para manter es-
tveis as concentraes de oxignio (O
2
) e de gs carbnico (CO
2
)
no sangue? Para entender como esse controle feito estude com
ateno esta Seo. Voc aprender que o Sistema Sensorial moni-
tora constantemente a quantidade de O
2
e de CO
2
no sangue arte-
rial, bem como a quantidade de CO
2
no lquido crebro-espinhal,
e infuencia diretamente o centro respiratrio localizado no tron-
co enceflico. Por sua vez, o centro respiratrio capaz de alterar
o nosso padro respiratrio atravs da estimulao de neurnios
motores que inervam os msculos respiratrios.
5.3.1 Por que importante regular a respirao?
Como voc aprendeu na Seo 1.1 do Captulo 1, manter a ho-
meostasia implica, dentre outras coisas, fornecer constantemente
O
2
ao meio interno e, ao mesmo tempo, remover constantemente
CO
2
do meio interno. E por que isso?
Nossas clulas precisam de O
2
para sobreviver e, caso a quanti-
dade de O
2
no meio interno diminua a nveis muito baixos, todas
as clulas do organismo morrero. Por outro lado, o metabolismo
das clulas gera invariavelmente CO
2
, que liberado no meio in-
terno. Caso a quantidade de CO
2
no meio interno aumente muito,
as clulas tambm morrero, porque o acmulo de CO
2
torna o
meio interno muito cido, o que txico para as clulas. Assim,
considere que o corpo humano como uma fbrica que consome
e produz incessantemente O
2
e CO
2
, respectivamente. Portanto,
manter as concentraes de O
2
e de CO
2
no sangue em nveis ade-
quados signifca manter as concentraes de O
2
e de CO
2
no meio
interno em nveis tambm adequados, ajudando, assim, na manu-
teno da homeostasia. A respirao fundamental nesse proces-
so, pois, quando inspiramos, ofertamos O
2
ao sangue e, quando
expiramos, removemos CO
2
do sangue.
5.3.2 Mecanismos de controle da respirao
Existem dois tipos de controle da respirao. Um dito volun-
trio, porque est sob o controle da nossa vontade. Por exemplo,
217 Sistema Respiratrio
voc pode aumentar ou diminuir a sua respirao a qualquer mo-
mento. Basta voc querer. Voc pode at interromper voluntaria-
mente a sua respirao por um determinado tempo. Entretanto,
esse controle voluntrio limitado. Voc pode aumentar ou di-
minuir a sua respirao o quanto desejar, mas se essas manobras
alterarem de forma signifcativa as concentraes de O
2
e CO
2
no
sangue, um segundo mecanismo de controle da respirao passar
a atuar, sobrepondo-se ao controle voluntrio.
J reparou que, quando voc prende a respirao voluntaria-
mente, aps algum tempo voc sente uma necessidade incontro-
lvel de respirar? Por mais que voc queira manter a respirao
suprimida, no conseguir faz-lo voluntariamente. Se voc no
respira, ou seja, se voc est em apnia, medida que o tempo
passa a concentrao de O
2
no sangue reduzida e a concentrao
de CO
2
elevada a nveis crticos. A baixa concentrao de O
2
no
sangue, conhecida como hipoxemia, e a alta concentrao de CO
2
no sangue, chamada de hipercapnia, so potentes estmulos para
acionar o segundo mecanismo de controle da respirao, chamado
controle metablico da respirao. Portanto, o que obriga voc a
respirar durante uma apnia prolongada o controle metablico
da respirao.
O controle metablico , sem sombra de dvidas, o mecanis-
mo mais importante para a regulao da respirao, sendo ativado
sempre que a concentrao de O
2
no sangue diminui e/ou a con-
centrao de CO
2
no sangue aumenta. Ele involuntrio e atua 24
horas por dia, garantindo que voc no tenha que se preocupar em
inspirar e expirar.
5.3.3 O Mecanismo metablico de regulao
da respirao
Como voc aprendeu na Seo anterior, a baixa concentrao
de O
2
e/ou a alta concentrao de CO
2
no sangue so os principais
estmulos para a regulao metablica da respirao. Mas, como o
Sistema Nervoso Sensorial detecta a presena de hipoxemia e/ou
hipercapnia?
Existem receptores sensoriais (chamados de quimiorreceptores
perifricos, doravante Qp) localizados nas artrias aorta e car-
Da o fato do controle
ser voluntrio.
Signica que voc no
tem controle voluntrio.
218 Fisiologia Humana
tidas que so especializados tanto na
deteco de reduo da concentrao
de O
2
no sangue quanto na deteco de
aumento da concentrao de CO
2
ou de
ons hidrognio (H
+
) no sangue (fgu-
ras 5.6 e 5.8).
Quando a concentrao de CO
2
au-
menta, a concentrao de H
+
invaria-
velmente tambm aumenta, porque o
CO
2
reage com gua, formando cido
carbnico, o qual fornece H
+
ao meio,
acidifcando-o.
Esses Qp monitoram constantemente
o nvel de O
2
e CO
2
/H
+
no sangue arte-
rial. A partir desses receptores tem ori-
gem o axnio do neurnio sensorial que
se dirige ao tronco enceflico, mais es-
pecifcamente ao bulbo, onde est loca-
lizado o centro respiratrio. O neurnio
sensorial faz ento sinapse excitatria
com os corpos celulares dos neurnios do centro respiratrio. Por
sua vez, os neurnios do centro respiratrio enviam axnios para
os msculos inspiratrios e expiratrios da caixa torcica (se for ne-
cessrio, releia a seo 5.1, que trata dos msculos respiratrios).
Acompanhe pela fgura 5.6 que, quando a concentrao de O
2
diminui e/ou a concentrao de CO
2
/H
+
aumenta no sangue arte-
rial, ocorre ativao dos Qp, que enviam potenciais de ao at os
neurnios do centro respiratrio, no bulbo. Uma vez estimulados
pelos neurnios sensoriais, os neurnios do centro respiratrio
enviam potenciais de ao que estimulam os msculos respirat-
rios na caixa torcica, o que resulta em estimulao da respirao.
Com o aumento da inspirao do ar atmosfrico at os alvolos
pulmonares, ocorre fornecimento de O
2
ao sangue e eliminao
da hipoxemia. Ao mesmo tempo, com o aumento da expirao do
ar, ocorre eliminao do CO
2
que estava no sangue e eliminao
Aumento na freqncia e na
amplitude da respirao.
Centro
Respiratrio
Msculos
Intercostais
Diafragma
Neurnios
Sensoriais
Neurnios
Motores
Qp Carotdeos
Qp Articos
+
+
Queda O
Aumento CO/H
+
+
Figura 5.6 - O controle metablico da respirao pelos
quimiorreceptores perifricos (Qp).
219 Sistema Respiratrio
da hipercapnia e, conseqentemente, da acidez gerada pela ele-
vada concentrao de H
+
. Uma vez eliminada a hipoxemia e/ou a
hipercapnia, os Qp no so mais estimulados e, por sua vez, no
estimulam mais o centro respiratrio. Se o centro respiratrio no
mais estimulado, a respirao, que estava aumentada durante a
hipoxemia/hipercapnia, retorna ao seu valor normal.
Outro aspecto muito importante para a regulao da nossa res-
pirao a concentrao de CO
2
/H
+
no lquor ou lquido crebro-
espinhal (LCE). A funo primordial do LCE a proteo mec-
nica do sistema nervoso central (SNC), porque forma um tipo de
amortecimento lquido entre o SNC e o sistema sseo. Porm, o
LCE tambm muito importante para a regulao da respirao,
porque banha a regio do bulbo no tronco-enceflico. E qual a
importncia disso?
O bulbo contm um agrupa-
mento de neurnios que pos-
suem quimiorreceptores (cha-
mados de quimiorreceptores
centrais, ou Qc) que so sens-
veis ao aumento da concentra-
o de CO
2
/H
+
no LCE (fgura
5.7). Esses Qc esto em contato
com o LCE. No seu conjunto,
delimitam uma rea no bulbo
chamada de zona quimiossens-
vel. Essa designao utilizada
para indicar que os neurnios
que contm os Qc delimitam
uma zona que sensvel ao
aumento da concentrao de
CO
2
ou acidez gerada pelo
acmulo de H
+
(fgura 5.7).
Mas, de onde vem o CO
2
en-
contrado no LCE?
simples. Temos aproxima-
damente 100 bilhes de neur-
Sangue
Arterial
+
+
Lquido
crebro-espinhal
Fluido aquoso que ocupa
o espao subaracnideo e
envolve todo o SNC, o qual
permanece totalmente
submerso no LCE.
Figura 5.7 - A produo de H+ no lquido crebro-espinhal estimula os
quimiorreceptores centrais (Qc), que ativam o centro respiratrio (CR) para
aumentar a respirao.
220 Fisiologia Humana
nios que constantemente consomem
O
2
da circulao cerebral. O CO
2
pro-
duzido por esses 100 bilhes de neu-
rnios liberado, parte na circulao
cerebral, parte no LCE. Assim, quan-
do a concentrao de CO
2
no LCE
aumenta, ou quando ocorre acidez
no LCE, os Qc da zona quimiossen-
svel so estimulados e geram poten-
ciais de ao que estimulam o centro
respiratrio e, conseqentemente, a
respirao. Como a estimulao da
respirao diminui a concentrao
de CO
2
no sangue, ocorre igualmente
diminuio da concentrao CO
2
/H
+
no LCE, cessando assim a estimulao
dos Qc, o que normaliza a respirao
(fguras 5.7 e 5.8).
Prezado(a) aluno(a), como voc pde perceber, regular a respi-
rao signifca ajustar a oferta de O
2
e a remoo de CO
2
de acordo
com as necessidades do organismo. Por exemplo, quando fazemos
uma atividade fsica o consumo de O
2
pelas clulas aumenta bas-
tante (o que tende a diminuir a concentrao de O
2
no sangue),
ao mesmo tempo em que a produo e liberao de CO
2
no meio
interno tambm aumentam bastante (o que tende a aumentar a
concentrao de CO
2
no sangue). Nesse caso, importante que a
nossa respirao seja estimulada proporcionalmente demanda
de O
2
e produo de CO
2
.
Se assim for, as concentraes de O
2
e CO
2
no sangue perma-
necero constantes, apesar do elevado consumo de O
2
e produ-
o de CO
2
provocados pelo exerccio fsico. Assim, a oferta de
O
2
pela inspirao e a excreo de CO
2
pela expirao devem ser
sempre proporcionais ao consumo de O
2
e produo de CO
2
pe-
las clulas.
Estimula
os Qc
Estimula
os Qp
Estimula
o CR
CO
Plasma
CO Arterial CO LCE
Plasma
H
+
Respirao
H
+
Plasma O
LCE
Figura 5.8 - Resumo do controle metablico da respirao.
Qc - quimiorreceptores centrais, Qp - quimiorreceptores perifricos
e CR - centro respiratrio.
221 Sistema Respiratrio
Resumo
O corpo humano consome e produz incessantemente oxignio
(O
2
) e gs carbnico (CO
2
), respectivamente. Como tanto a falta
de O
2
quanto o acmulo de CO
2
levam morte celular, muito im-
portante que o O
2
seja constantemente fornecido ao sangue e, ao
mesmo tempo, o CO
2
seja constantemente removido do sangue.
A funo do sistema respiratrio fornecer O
2
ao sangue e re-
mover CO
2
do sangue.
A respirao implica em trazer o ar atmosfrico, rico em O
2
,
para dentro dos pulmes, e posteriormente lev-lo de volta at-
mosfera, agora rico em CO
2
.
O processo de entrada do ar nos pulmes chamado de inspi-
rao e o processo de retirada de ar dos pulmes chamado de
expirao.
Durante a inspirao, o centro respiratrio estimula os mscu-
los inspiratrios localizados na caixa torcica, os quais promovem
a expanso da caixa torcica. Essa expanso expande tambm os
pulmes, permitindo a entrada do ar atmosfrico at os alvolos
pulmonares.
Durante a expirao, o centro respiratrio deixa de estimular
os msculos inspiratrios e passa a estimular os msculos expira-
trios, que promovem a retrao da caixa torcica. Essa retrao
induz retrao dos pulmes e, conseqentemente, sada do ar
em direo atmosfera.
Uma vez que o ar encontra-se nos alvolos pulmonares, d-se
incio hematose, que corresponde troca de O
2
e CO
2
entre o ar
alveolar e o sangue nos capilares pulmonares. O princpio para tal
troca a diferena de concentrao de O
2
e de CO
2
entre o ar alve-
olar e o sangue nos capilares pulmonares, onde o ar alveolar for-
nece O
2
ao sangue, enquanto o sangue fornece CO
2
ao ar alveolar.
Uma vez no sangue, o O
2
(ligado hemoglobina) transportado
aos tecidos, enquanto o CO
2
transportado dos tecidos aos capila-
res pulmonares na forma de bicarbonato e ligado hemoglobina.
222 Fisiologia Humana
A respirao controlada com o objetivo de manter as con-
centraes de O
2
e CO
2
no sangue, em nveis adequados para a
sobrevivncia das clulas. A queda da concentrao de O
2
e/ou o
aumento da concentrao CO
2
no sangue detectada por quimior-
receptores perifricos localizados na aorta e nas cartidas, os quais
estimulam o centro respiratrio. Esse centro estimula a respira-
o e, conseqentemente, a oferta de O
2
ao sangue e a remoo de
CO
2
do sangue. O aumento da concentrao de CO
2
/H
+
no lquido
crebro-espinhal detectado por quimiorreceptores centrais, que
tambm estimulam o centro respiratrio, aumentando a respira-
o e, conseqentemente, a diminuio da concentrao de CO
2
no lquido crebro-espinhal.
Referncias
COSTANZO, Linda S. Fisiologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2007.
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de Fisiologia M-
dica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
LEVY, Mathew N.; KOEPPEN, Bruce M.; STANTON, Bruce A.
Fundamentos de Fisiologia: Berne & Levy. 4. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2006.
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Fisiologia Renal
At agora, voc teve a oportunidade de entender como os
diversos rgos contribuem para a manuteno homeostti-
ca de nosso organismo. Dentre eles, voc viu que o Sistema
Digestrio contribui para a obteno de nutrientes e gua,
e para a eliminao de produtos de excreo. J os pulmes
permitem as trocas, entre nosso corpo e o meio ambiente, de
gases e de calor.
Neste Captulo, voc estudar como os rins tambm con-
tribuem para as trocas com o meio ambiente, em especial
controlando a perda ou a conservao de gua e eletrlitos,
fundamentais para a manuteno do meio interno, em con-
dies compatveis com a sobrevivncia.
227 Fisiologia Renal
6.1 Introduo ao estudo da siologia renal
e ltrao glomerular
6.1.1 As principais funes dos rins
Em linhas gerais, os rins tm como funo principal a manuten-
o do meio interno, regulando o equilbrio entre a quantidade de
gua e de ons inorgnicos (ons sdio, cloreto e potssio).
Controlando o equilbrio entre a quantidade de gua e de sal
(equilbrio hidrossalino), os rins contribuem no apenas para a
manuteno do volume e da osmolaridade sangneos, mas tam-
bm, e por conseqncia, da presso arterial.
Tambm, so os rins que controlam, juntamente com o Sistema
Digestrio, a quantidade de clcio e magnsio, dentre outras subs-
tncias dissolvidas no plasma e fundamentais para a manuteno
da vida
O plasma um dos componentes do sangue e composto por
gua, eletrlitos, nutrientes, produtos metablicos, vitaminas, ga-
ses e protenas. Repare que ele no contm os elementos fgura-
dos, ou seja, as clulas sangneas e plaquetas. possvel separar
o plasma atravs da centrifugao, processo que faz com que os
elementos mais pesados (as clulas sangneas e as plaquetas) f-
quem no fundo do recipiente e o plasma fque em cima, formando
o que chamamos de sobrenadante, e que corresponde a cerca de
55% do volume total do sangue.
228 Fisiologia Humana
Se por um lado os pulmes eliminam os gases volteis produzi-
dos durante o metabolismo celular, os rins excretam os gases fxos
(cidos no-volteis tais como cido sulfrico, cido fosfrico, ci-
do rico e corpos cetnicos), contribuindo assim para a regulao
das concentraes de cidos e bases presentes no sangue, ou seja,
regulao do pH sangneo dentro de uma faixa de normalidade.
Vale lembrar que os rins so tambm rgos endcrinos que se-
cretam hormnios importantes, tais como o Calcitriol, a Renina, a
Eritropoetina, dentre outros.
Finalmente, no poderamos deixar de mencionar os rins como
responsveis pela excreo de substncias derivadas do metabo-
lismo celular e que no podem permanecer em nosso organismo,
assim como tambm so responsveis pela excreo de substn-
cias que ingerimos voluntaria (p. ex. medicamentos ou drogas) ou
involuntariamente (substncias que esto contidas nos alimentos,
mas que no tm valor nutricional). Tais substncias, se no forem
excretadas, podero se acumular no organismo, produzindo efei-
tos txicos. Chamamos tais substncias de xenobiticos.
Ento, voc j deve ter percebido que a urina que produzimos
24 horas por dia muito mais do que um lquido que contm pro-
dutos de excreo. Ela representa, na verdade, o resultado fnal de
processos renais complexos e que merecem nossa devida ateno.
Observao importante: embora tenhamos dois rins, como ambos
possuem a mesma funo, eventualmente e quando pertinente,
nos referiremos a eles no singular.
6.1.2 Reviso da anatomia, perfuso arterial e
drenagem venosa renais
Para entendermos como o rim funciona, fundamental termos
em mente a sua anatomia, bem como sua irrigao sangnea e
drenagem venosa. Isto porque todos os mecanismos renais de
manipulao do lquido extracelular dependem da ntima relao
entre as clulas e seu meio circundante, o interstcio. Recomenda-
mos que voc revise as caractersticas morfolgicas do rim (sua
anatomia e histologia) nas disciplinas correspondentes. Por ora,
podemos revisar aqui os aspectos mais importantes.
Xenobitico
Do grego xeno (estranho), e
bitico (de vida), substncia
estranha ao organismo.
229 Fisiologia Renal
Os rins so rgos da cavidade abdominal, retroperitoneais e si-
tuados entre as vrtebras T12 e L3. Na margem medial de cada rim
(o hilo), entram e saem estruturas que formam o pedculo renal,
dentre elas a artria e veia renais, o ureter, os vasos linfticos e os
nervos (fgura 6.1). Repare que a artria renal tem sua origem na
aorta abdominal e, portanto, o rim irrigado (ou perfundido) por
um grande volume de sangue a cada minuto (aproximadamente
1.400 litros por dia) e com uma presso arterial maior do que qual-
quer outro rgo. A fgura 6.2 ilustra simplifcadamente o trajeto
percorrido pelo sangue atravs dos vasos renais.
6.1.3 O nfron e o aparelho justaglomerular
O nfron a unidade funcional do rim. Isto representa que to-
das as modifcaes que nosso plasma sofre ao passar pelo rim so,
na verdade, modifcaes ocorridas quando o plasma passa pela
estrutura tubular que o nfron. Como cada rim possui 1 milho
de nfrons, se quisermos saber como o rim funciona, necessrio
entender, antes de mais nada, como o nfron funciona. O nfron,
basicamente, uma estrutura tubular (fguras 6.3A e 6.3B) dividi-
da por regies morfofuncionais diferenciadas: a cpsula de Bow-
man (CB, ou cpsula glomerular), o tbulo contorcido proximal
(TCP), a ala de Henle (AH), o tbulo contorcido distal (TCD) e
o ducto coletor (DC). Embora um nico DC receba em torno de
10 TCD, funcionalmente no h como desconsider-lo quando o
nfron estudado.
Alm das diferenas morfolgicas tubulares j citadas, grande
parte da funo do nfron devida s diferenas de localizao
dessas regies no parnquima renal. Repare, na fgura 6.1, que a
CB, o TCP e o TCD esto localizados exclusivamente na regio
mais externa do parnquima renal, chamada regio cortical renal,
j a AH e o DC localizam-se tanto na regio cortical quanto na re-
gio mais profunda renal que a regio medular renal. Da mesma
maneira, temos os capilares peritubulares, originados da arterola
eferente e que circundam o nfron tanto na regio cortical quando
na regio medular, formando a vasa recta ou os vasos retos (fguras
6.1B e 6.2). Quando a AH ascendente espessa alcana a regio cor-
tical, dirige-se s arterolas aferente e eferente, passa entre as mes-
O DC formado pelo DC
cortical, o DC medular
externo e o medular interno.
A AH (ou ala nfrica) possui
a poro na descendente,
a poro na ascendente e
a poro espessa tambm
ascendente.
Para ilustrar a relao en-
tre o DC e os TCD, imagi-
ne um galho ou ramo de
um arbusto com dez fo-
lhas, onde a parte central
do galho ou ramo um
DC, e as folhas so os TCD
de 10 nfrons.
230 Fisiologia Humana
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231 Fisiologia Renal
Medular
Vasa recta
V. interlobular
Capilares
peritubulares
Glomrulo
Arterola
aferente
Arterola
eferente
A. arqueada
V. arqueada
V. interlobar
A. interlobar
A. lobar
Cortical
A. interlobular
V. lobar
Figura 6.2 - Esquema simplicado dos vasos sangneos renais e o trajeto (setas) do sangue, desde sua
entrada no hilo renal atravs da artria renal (que dar a origem artria lobar) at sua sada para a veia
renal, advindo da veia lobar.
Tbulo
proximal (TCP)
Vasa
recta
Capilares
peitubulares
Ducto
coletor (DC)
Ducto
coletor (DC)
Cpsula de
Bowman
Glomrulo
Tbulo
proximal (TCP)
Tbulo
distal (TCD)
Nfron cortical
Nfron
justamedular
A
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H
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n
l
e
Ala de
Henle
Segmento
no
Segmento
no
Segmento
espesso
Segmento
espesso
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X
T
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X
Aparelho
justaglomerular
A
B
Figura 6.3 - (A) Os principais segmentos do nfron e suas localizaes nas camadas cortical, medular interna e medular externa
renais; (B) As relaes entre os capilares peritubulares (inclusive a vasa recta) e o nfron. (Adaptado de SULLIVAN, 2002)
232 Fisiologia Humana
mas e d origem ao TCD. Esta poro inicial do TCD possui clulas
tubulares modifcadas que formam a mcula densa. A poro da
AF que entra em contato com a MD possui clulas granulares, mo-
difcadas a partir de msculo liso (chamadas clulas justaglomeru-
lares e secretoras de renina) e, entre as arterolas aferente e eferente,
existe um grupo de clulas chamadas mesangiais. A MD do TCD,
as clulas justaglomerulares da AF e as clulas mesangiais extraglo-
merulares formam o aparelho justaglomerular (fgura 6.4A).
As clulas da mcula
densa (MD) so sensveis
osmolaridade do lquido
presente na luz do TCD,
e regulam o dimetro da
arterola aferente (AF)
e a secreo de renina,
um hormnio renal
secretado pelas clulas
justaglomerulares
presentes na AF.
Figura 6.4 - Em (A), possvel observar o corpsculo renal e o aparelho justaglomerular. Em (B), est ilustrada a membrana
de ltrao que formada pelo endotlio vascular (fenestrado), pela membrana basal endotelial e pelas fendas de ltrao
dos podcitos. As foras de Starling, determinantes da presso efetiva de ltrao (PEF) so ilustradas em (C). Ph - presso
hidrosttica glomerular; Pc - presso hidrosttica capsular; Po - presso coloidosmtica. (Adaptado de POCOCK; RICHARDS, 2006
e SALADIN, 2002)
Arterola
aferente
Mcula
densa
Clulas
justaglomerulares
Incio
do TCD
Arterola
eferente
Epitlio
parietal
Epitlio visceral
(podcitos)
Capilar
glomerular
Espao
capsular
Incio
do TCP
Aparelho
justaglomerular
Cpsula de Bowman
60 mmHg
32 mmHg
18 mmHg
10 mmHg
Espao
capsular
Luz do
capilar
Pediclios
Membrana
basal endotelial
Endotlio
capilar
Fenestra
Fenda
Po
Ph
Pc
PEF
Corpo celular
Luz do capilar Espao capsular
Pediclio
Fenda de ltrao
(entre os pediclios)
Fenestras
Endotlio
capilar
Membrana
basal
endotelial
Podcito
Capilar
glomerular
Luz do capilar Espao capsular
A
B
C
233 Fisiologia Renal
6.1.4 Os mecanismos renais de manipulao do plasma
Como vimos, os rins regulam a quantidade de gua e eletrlitos
no organismo. Para que isso seja possvel, uma amostra do sangue
(na verdade, do plasma) passa pelos rins e, enquanto percorre os
nfrons, manipulada de acordo com a necessidade do organis-
mo. Caso seja importante poupar algum componente dessa amos-
tra, este ser retido e devolvido para o sangue ou, ao contrrio,
caso haja a necessidade de eliminar alguma substncia, esta no
ser devolvida ao plasma e, portanto, ser eliminada. Mas, como
tudo isso possvel? Isto possvel graas aos 3 mecanismos bsi-
cos de manipulao do sangue pelos rins: a fltrao glomerular, a
secreo e a reabsoro tubulares.
Observe a fgura 6.5 e verifque que, quando o sangue chega ao
glomrulo atravs da arterola aferente, parte dele (cerca de 20%)
extravasa para o interior da CB e segue em direo ao TCP. Esse
primeiro processo chamado de fltrao e ocorre graas exis-
tncia de um gradiente de presso favorvel ao extravasamento do
sangue e existncia de uma membrana semipermevel que sepa-
ra o sangue do interior da CB.
Os 80% restantes de sangue que passa-
ram pelo glomrulo e que no foram fl-
trados continuam seu trajeto atravs da
arterola eferente e voltam a entrar em
contato com o nfron atravs dos capilares
peritubulares. Isso permite que o nfron
retire substncias que eventualmente no
foram fltradas e que precisam ser excreta-
das. Esse segundo processo chamado se-
creo, isto , uma substncia sai do capilar
peritubular, difunde para o epitlio tubu-
lar do nfron e transportada (ou secreta-
da) para a luz do tbulo. Geralmente, uma
substncia que foi secretada no mais re-
absorvida e, portanto, excretada, meca-
nismo este preferencial para a excreo de
drogas e catablitos (ou xenobiticos).
Essa membrana
semipermevel, porque
permite a passagem apenas
das substncias dissolvidas
no plasma, exceto protenas.
1
2
3
4
Nfron
Arterola
eferente
Arterola
aferente
Capilares peritubulares
Capilares glomerulares
Figura 6.5 - Os mecanismos renais de manipulao do plasma:
(1) ltrao glomerular, (2) reabsoro e (3) secreo tubulares
e (4) excreo urinria. (Adaptado de SULLIVAN, 2002)
234 Fisiologia Humana
O terceiro processo de manipulao do sangue pelos rins a
reabsoro tubular, a qual permite que a maior parte do que foi fl-
trado seja retirada da luz tubular e retorne aos capilares peritubu-
lares. Repare que a reabsoro tem o sentido inverso da secreo
tubular: substncias que precisam ser preservadas so retiradas do
fltrado que passa nos tbulos renais, atravessam o epitlio tubular
e, por difuso, alcanam os capilares peritubulares. Da, so de-
volvidos grande circulao pelo Sistema Venoso Renal. Ento,
somente as substncias que forem fltradas, secretadas e no reab-
sorvidas sero excretadas.
Ento, os rins so capazes de manipular diferentes substncias
de variadas maneiras (a fgura 6.6 ilustra esses fenmenos). Nos
prximos subcaptulos veremos como isso acontece.
6.1.5 A ltrao glomerular e os mecanismos reguladores
A fltrao glomerular (FG) ocorre basicamente graas exis-
tncia de dois fatores: a) permeabilidade seletiva da membrana
(que separa o sangue dos capilares glomerulares do interior da
CB); b) existncia de uma presso favorvel ao extravasamento de
Para se ter uma idia da
magnitude da reabsoro
tubular basta lembrarmos
que os 2 rins ltram cerca
de 180 L de plasma por
dia. Como nossa excreo
urinria de cerca de 1,5 L, o
que acontece com os demais
178,5 L? Obviamente, se ns
no os excretamos, porque
eles retornaram ao nosso
organismo, ou seja, foram
reabsorvidos.
Capilar
glomerular
Espao de
Bowman
Substncia X Substncia Y Substncia Z
Urina Urina Urina
Totalmente excretada
ex: catablitos e
xenobiticos
Parcialmente excretada
ex: gua e ons
No excretada
ex: glicose e AAs
Figura 6.6 - Diferentes substncias que passam pelo nfron podem ser manipuladas de diferentes maneiras. Substncia
X: alm de ser ltrada tambm secretada pelos tbulos e totalmente excretada (isto acontece com diversos catablitos
e xenobiticos), depurando totalmente o sangue. Substncia Y: embora seja livremente ltrada, no totalmente
excretada pois parte dela reabsorvida (como a gua e diversos ons). Substncia Z: livremente ltrada, totalmente
reabsorvida e, conseqentemente, no excretada (isso ocorre com substncias vitais como a glicose e os aminocidos).
(Adaptado de VANDER et al., 2001, p. 511)
235 Fisiologia Renal
parte desse sangue. A membrana de fltrao formada pelo en-
dotlio vascular glomerular (que do tipo fenestrado), pela mem-
brana basal, que reveste o endotlio, e pelos podcitos, clulas que
formam o epitlio visceral da CB (fgura 6.4 B).
Resumindo, a membrana de fltrao permevel graas pre-
sena de fenestras endoteliais, da membrana basal endotelial e das
fendas de fltrao, e seletiva porque somente substncias capazes
de passar atravs da membrana de fltrao que sero de fato
fltradas. Alm da permeabilidade seletiva, temos que considerar
a existncia de uma superfcie disponvel para a fltrao, e esta,
por se tratar de uma caracterstica fsica, relativamente constan-
te. Por isso, ela representada como a constante de fltrao ou k
f
,
cujo valor estimado para o ser humano aquele em torno de
12,5ml/min.mmHg, ou seja, os dois rins fltram cerca de 12,5ml
de plasma por minuto para cada 1mmHg de presso exercida na
parece do capilar glomerular.
Ento, se existe permeabilidade seletiva, quais so as substn-
cias normalmente fltradas?
Basicamente, todas as substncias dissolvidas no plasma so
fltradas, exceto a maioria das protenas plasmticas. Isto ocorre
porque a membrana basal, rica em glicoprotenas, possui carga
negativa e, portanto, repele grandes nions tais como as protenas
plasmticas. Ento, o fltrado que chega CB muito semelhante
ao plasma, exceto pela ausncia de protenas plasmticas.
Outro fator fundamental que determina a fltrao glomerular
a fora ou presso que permite a passagem dessas substncias do
interior do capilar glomerular para o interior da CB. Essa presso
favorvel fltrao glomerular aquela existente no interior do
glomrulo, criada pelos batimentos cardacos (presso arterial) e
que chamaremos aqui de presso hidrosttica (Ph), j que dada
pela presso do lquido no interior do capilar glomerular.
O valor dessa varivel apenas estimado em humanos, mas, de-
vido a experimentos com outras espcies de mamferos, acredita-
se que seja em torno de 60 mmHg. Ento, graas a essa Ph de 60
mmHg, cerca de 20% de plasma que circulam nos capilares glome-
rulares extravasam para o interior da CB e seguem em direo ao
Essas clulas ganharam
esse nome porque possuem
projees de sua membrana
celular semelhantes a ps
(do grego podo = p +
cito = clula). Na verdade
assemelham-se mais a dedos
e se entrelaam, envolvendo
os capilares glomerulares
individualmente, mas
permitindo a passagem de
gua e solutos por espaos
existentes entre estes
prolongamentos, chamados
de fendas de ltrao.
236 Fisiologia Humana
TCP; porm, medida que ocorre a fltrao glomerular, o lquido
fltrado que preenche a CB exerce uma fora contrria essa fl-
trao. Como essa fora tambm determinada pela presena de
lquido, ela tambm chamada de presso hidrosttica (porm,
presso hidrosttica da CB) ou, simplesmente, presso capsular (Pc)
e estimada, em humanos, na ordem de 18 mmHg.
Lembre que o fltrado no contm as protenas plasmticas! En-
to, medida que parte do plasma fltrada, as protenas que esta-
vam contidas neste volume de plasma fcam retidas no glomrulo.
Essas protenas no fltradas exercero uma fora onctica ou pres-
so coloidosmtica (Po) que desfavorecer a fltrao medida que
o plasma for sendo fltrado.
Enquanto as protenas que no foram fltradas permanecerem
no capilar glomerular e a fltrao plasmtica continuar, essas pro-
tenas exercero uma fora contra a fltrao devido a sua Po, esti-
mada para o ser humano em cerca de 32 mmHg. A Ph, a Pc e a Po
so chamadas tambm de Foras de Starling e, juntas, determinam
a presso efetiva de fltrao glomerular (PEF, em mmHg). Porm,
elas se relacionam da seguinte maneira: a Ph favorece a fltrao,
enquanto a Pc e a Po a desfavorecem (fgura 6.4C). Podemos re-
presentar esta relao da seguinte maneira: PEF = Ph (Pc + Po).
Considerando-se os valores anteriormente citados, temos que
a PEF = 60 (18 + 32) = 10 mmHg, ou seja, o que determina que
20% do plasma extravase do glomrulo para a CB a presso hi-
drosttica resultante no interior do glomrulo, cujo valor em tor-
no de 10 mmHg. A partir do conhecimento dos valores do k
f
e da
PEF, podemos agora estimar o volume de fltrado formado pelos
2 milhes de nfrons na unidade de tempo da seguinte maneira:
a taxa de fltrao glomerular (ou TFG) o produto entre o k
f
e a
PEF, ou seja, TFG = k
f
. PEF, ou TFG = 12,5 ml/min.mmHg x 10
mmHg = 125,0 ml/min. Isto quer dizer que os dois rins formam,
por minuto, 125 ml de fltrado.
Isoladamente, a informao de que nossos dois rins formam 125
ml de fltrado a cada minuto no parece impression-lo(a), no
mesmo? Ento, vamos fazer alguns clculos para avaliar melhor
237 Fisiologia Renal
a funo renal? Em primeiro lugar, calcule o volume fltrado por
hora (multiplique 0,125 L por 60 min) e voc obter a quantidade
de 7,5 L de fltrado formados por hora. Agora, multiplique este
valor por 24 e voc ver que nossos dois milhes de nfrons, jun-
tos, formam em mdia 180 L de fltrado por dia! J comea a fcar
interessante, no mesmo?
No entanto, lembre-se que estes 180 L fltrados representam
apenas 20% (ou 1/5) de todo o plasma que passou pelos glomru-
los. Para voc ter uma idia do volume de plasma que circula em
nossos dois rins em 24 horas, multiplique 180 L por 5 e voc obte-
r: 900 L! Mas, se quisermos saber o volume de sangue que passa
pelos rins por dia basta lembrarmos que o plasma corresponde a
55% do volume sangneo e ento veremos que nossos dois rins
recebem, por dia, cerca de 1.400 L de sangue! Finalmente, voc vai
se perguntar: como os rins fltram 180 L de plasma por dia se o
volume de plasma de um indivduo normal de 70 kg no passa de
3 L? Pense no que isto representa e ver que todo o nosso plasma
fltrado, pelos dois milhes de nfrons, cerca de 60 vezes por dia!
Agora sim, temos a verdadeira dimenso do funcionamento renal!
Mas, para que a fltrao ocorra de maneira adequada e na quan-
tidade ideal para nosso organismo, ela deve ser mantida em nveis
relativamente constantes. Repare que a varivel a ser controlada
a Ph, pois as demais Foras de Starling (a Pc e a Po) so derivadas
desta. Alm disso, a Ph varia de acordo com as necessidades do
organismo e independentemente da funo tubular renal, pois a
Ph determinada pela presso arterial sistmica (PA).
Se a PA variar, a PEF sofrer variao e, conseqentemente, a
quantidade de fltrado formado ser alterada, o que nem sempre
desejvel. Portanto, alm dos mecanismos extrnsecos aos rins, de-
vem existir mecanismos reguladores intrnsecos para minimizar
o impacto da variao da presso arterial sistmica no funciona-
mento renal. Esses mecanismos intrnsecos envolvem as arterolas
aferentes e eferentes (mecanismo miognico) e os tbulos renais
(mecanismo de retroalimentao tbulo-glomerular). A seguir
so descritos os mecanismos intrnsecos e extrnsecos da regula-
o da fltrao glomerular.
238 Fisiologia Humana
Os mecanismos de autorregulao da TFG
Os mecanismos autorreguladores da fltrao glomerular mais
importante so aqueles que envolvem a arterola aferente (AF), j
que esta que recebe o sangue que chega aos rins e com uma pres-
so hidrosttica arteriolar mais elevada do que em qualquer outro
rgo (em torno de 60 mmHg).
Como voc j deve saber, as arterolas possuem clulas muscula-
res lisas que, quando estiradas, se contraem e, conseqentemente,
diminuem a luz arteriolar mantendo seu dimetro relativamente
constante. Esse mecanismo de contrao pode ser prprio da mus-
culatura lisa da arterola quando ela distendida, mas tambm
pode ser induzido por substncias qumicas de origem parcrina,
endcrina ou neurcrina.
Ento, caso a arterola seja distendida por um aumento da pres-
so em sua luz, ela contrair e manter essa contrao no que
chamamos de tnus arteriolar. Essa contrao pode ser devida
propriedade do msculo liso que, quando distendido, se contrai,
mas tambm pode ser induzida por substncias vasoconstrito-
ras liberadas nas vizinhanas. Pois bem, normalmente, quando a
arterola aferente (AF) recebe o sangue que chega sob uma certa
presso, ela distendida e, em resposta, contrai tonicamente. Essa
contrao proporcional presso que fora sua distenso e ga-
rante que o sangue chegue ao glomrulo com uma Ph relativamen-
te constante (em torno de 60 mmHg), mesmo que a PA aumente
perifericamente.
Caso haja uma queda da PA, a presso na AF tambm ser me-
nor e, conseqentemente, ser menor a sua distenso e o seu tnus.
Com um tnus menor, a contrao da AF ser proporcionalmente
menor, ela relaxar e ter seu dimetro aumentado, permitindo
que mais sangue chegue ao glomrulo e restabelecendo, assim,
pelo menos temporariamente e at certo ponto, a Ph glomerular.
Isto, eventualmente, manter a fltrao glomerular relativamente
constante. Porm, repare que estas respostas so em funo de um
aumento ou diminuio da PA, cuja regulao independente do
funcionamento renal.
239 Fisiologia Renal
Se houver uma queda acentuada da presso arterial sistmica
devida, por exemplo, a uma desidratao moderada, ser interes-
sante ao organismo minimizar a perda de gua. Diante dessa situ-
ao, os rins devero diminuir a TFG e, paralelamente, diminuir
a formao urinria aumentando a reabsoro do fltrado. J no
caso de um aumento da PA, a grande contribuio renal ser o
aumento da excreo urinria, graas menor reabsoro tubular
de gua e eletrlitos. Ento, repare que no necessrio o aumen-
to da TFG, pois uma maior oferta de fltrado poder perturbar os
mecanismos tubulares de reabsoro renal.
Esse mecanismo de autorregulao da TFG atravs da contrao
ou relaxamento da AF se d pelo mecanismo miognico (do grego
mys, mys = msculo, e do grego gnesis, pelo latim genese = ori-
gem, gerao) e tem sua origem nas propriedades da musculatura
lisa da AF, mas tambm pode ser conseqncia ser conseqncia
de quanto fltrado est sendo produzido.
Caso haja uma variao signifcativa na quantidade de fltrado
reabsorvido nos primeiros segmentos do nfron (no TCP e na AH
ou nfron proximal), ser defagrado o mecanismo de retroalimenta-
o tbulo-glomerular (tambm intrnseco) que envolve a percep-
o da presena de mais ou menos solutos no fltrado pelas clulas
da mcula densa do aparelho justaglomerular (reveja a fgura 6.4A).
Este um mecanismo complementar ao mecanismo miognico.
Considere um aumento da PA onde a resposta miognica ain-
da no tenha sido sufciente para restabelecer a TFG ideal. Nesse
caso, a Ph estar aumentada e, conseqentemente, a TFG tambm.
Com o aumento da oferta de fltrado j no TCP e na AH, espera-se
que a reabsoro seja ligeiramente diminuda (devido ao excesso
de oferta de substncias) e que haver uma maior quantidade de
NaCl no fltrado quando este passar pela mcula densa do TCD.
Sabe-se que as clulas da mcula densa podem ser consideradas
quimiorreceptoras sensveis quantidade de NaCl dissolvido no
fltrado. Em nosso exemplo, como a TFG e o fuxo do fltrado no
nfron proximal esto aumentados, a reabsoro de NaCl est me-
nos efcaz no nfron proximal, a MD ser estimulada e liberar
vasoconstritores que atuaro na AF.
240 Fisiologia Humana
Assim, o aumento do tnus da AF
(pelo mecanismo miognico e pela pre-
sena do vasoconstritor) diminuir a
TFG. Conseqentemente, o fuxo no
TCP e o na AH sero restabelecidos (veja
esquema na fgura 6.7). Repare que este
mecanismo deve atuar simultaneamente
e de maneira complementar ao mecanis-
mo miognico.
Porm, tanto o refexo miognico quan-
to o mecanismo de retroalimentao t-
bulo-glomerular so inefcazes na queda
da PA, a qual acentuada no apenas por-
que a quantidade de sangue a chegar ao
glomrulo depende da Ph, mas tambm
porque, nesta situao, predominaro as
infuncias extrnsecas aos rins. Os rins
so inervados pelo Sistema Nervoso Au-
tnomo Simptico (SNS), que provocar a vasoconstrio arteriolar
renal, tanto aferente quanto eferente em caso de diminuio da PA.
Dessa maneira, a TFG diminuir e o mecanismo miognico ser
sobrepujado pela ativao do SNS e, portanto, ser inefcaz. Alm
da quantidade de fltrado ser menor na queda da PA, este passar
mais lentamente pelo TCP e AH, ter sua reabsoro aumentada
(por motivos que sero vistos adiante) e, conseqentemente, sua
osmolaridade estar diminuda, parando de estimular as clulas da
MD, que por sua vez deixaro de liberar vasoconstritores. Porm,
como o tnus do SNS ser predominante, tanto o refexo miog-
nico quanto o mecanismo de retroalimentao tbulo-glomerular
sero inefcazes.
6.2 Funes do nfron proximal
Como vimos anteriormente, nossos dois rins fltram cerca de
20% do plasma que chega aos 2 milhes de nfrons, num total de
cerca de 180 L fltrados por dia. Como excretamos, em mdia, 1,5
Reduo da TFG Aumento da TFG
Aumento do Fluxo
do ltrado nos
tbulos renais
Diminuio da
reabsoro no
TCP e na AH
Estimulao da mcula
densa (sensvel ao
aumento de NaCl)
Secreo de
vasoconstritor
Constrio da
arterola aferente
Figura 6.7 - Representao esquemtica do mecanismo de
retroalimentao tbulo-glomerular da regulao da TFG no
aumento da PA. (Adaptado de SALADIN, 2002)
241 Fisiologia Renal
L de urina por dia, tem-se que os 178,5 L restantes retornaram ao
sangue, ou seja, foram reabsorvidos ao longo dos tbulos dos 2
milhes de nfrons. Porm, cada um desses segmentos manipula
o fltrado de maneira bastante distinta um do outro. Em termos de
quantidade, sabido que 65% do que fltrado j so reabsorvidos
no TCP! Isto equivale a reabsorver, em 24 horas, 117 L de fltrado!
Os demais 35% sero reabsorvidos da seguinte maneira: na AH,
em torno de 15%; no TCD, 5%; e os demais 15% podero ser reab-
sorvidos na poro fnal do TCD e no DC. Repare que menciona-
mos podero porque a reabsoro de determinadas substncias
nesses ltimos segmentos facultativa, ou seja, depende da pre-
sena de hormnios.
Mas, como explicar que 65% de fltrado j sero reabsorvidos
no TCP? Apenas a diferena da presso coloidosmtica (Po) en-
tre o fltrado e o sangue dos capilares peritubulares no justifca
tamanha capacidade reabsortiva. Logo, isso s pode ser devido s
propriedades do epitlio tubular, certo? Isto mesmo! As clulas do
TCP so muito parecidas com as clulas da mucosa do intestino
delgado. Uma das grandes semelhanas a presena das microvi-
losidades na membrana apical, bem como de mecanismos celula-
res especializados que permitem a reabsoro de substncias que
normalmente no devem ou no podem ser excretadas na urina.
Muitos desses mecanismos so at mesmo exclusivos do TCP,
no ocorrendo em nenhuma outra poro do nfron. Como j vis-
to na disciplina de Histologia, a membrana apical (ou luminal) das
clulas do TCP possui dobras chamadas de microvilosidades (ou
microvilos), que aumentam em at 20 vezes o contato da membra-
na apical com o fltrado no TCP.
Alm disso, as membranas basal e lateral funcionam como uma
membrana nica, chamada membrana basolateral, que aumenta o
contato da clula com o interstcio. Ainda, entre as clulas do TCP
existem as junes frmes que permitem a reabsoro intercelular
(ou paracelular) de gua e alguns ons da luz tubular para o in-
terstcio na presena de gradiente favorvel. Finalmente, notvel
a presena de grandes quantidades de mitocndrias, indicando a
existncia de transporte ativo atravs das membranas.
242 Fisiologia Humana
Ento, graas a estas adaptaes que o TCP possui essa capa-
cidade de reabsorver 65% do que normalmente fltrado. Porm,
como explicar tamanha atividade reabsortiva se praticamente no
h gradiente osmtico entre o fltrado e o sangue?
Lembre-se que no h limitao para a fltrao, exceto para as
protenas plasmticas. Como a Po contribui muito pouco para a
osmolaridade sangnea (que varia entre 280 e 290 mOsm (mi-
liosmis)), podemos considerar que apenas a diferena de Po en-
tre o fltrado e os capilares no justifca a ocorrncia de tamanha
atividade reabsortiva. Somente se considerarmos a existncia de
mecanismos celulares transportadores, capazes de criar gradiente
osmtico, que podemos imaginar como o TCP desempenha seu
papel fundamental na fsiologia renal.
Ento, a partir de agora, veremos como as principais substncias
contidas no fltrado so manipuladas pelos tbulos renais. Come-
cemos com a captao, pelos capilares peritubulares, de substn-
cias presentes no interstcio peritubular.
Isto possvel somente pelo processo de difuso, isto , somente
substncias que esto em maior concentrao no interstcio difun-
diro para os capilares, ou seja, se houver um gradiente osmtico
favorvel.
Ento, surge uma pergunta: como possvel manter esse gra-
diente osmtico favorvel difuso de substncias do interstcio
para os capilares? Talvez repondo cada uma dessas substncias que
so levadas pelo sangue? Faz sentido, no mesmo!
Mas, como possvel repor essas substncias? Elas tero que vir
de algum outro lugar, por exemplo, de dentro da clulas vizinhas
essa regio do interstcio, certo? Mas, de que maneira substn-
cias so capazes de sair de dentro de uma clula para o interstcio,
mesmo em gradiente osmtico desfavorvel? Na verdade, elas so
retiradas por transportadores de membrana e s custas de ATP. O
verdadeiro motor para o transporte da maioria das substncias
no nfron o mecanismo trocador dos ons sdio (Na
+
) e on po-
tssio (K
+
) pelas bombas Na
+
/K
+
ATPsicas presentes em grande
nmero na membrana basolateral de todas as clulas tubulares do
nfron. Ento, como as bombas Na
+
/K
+
ATPsicas retiram cons-
243 Fisiologia Renal
tantemente Na
+
(com consumo de ATP) de dentro das clulas para
o interstcio, mesmo que estes difundam para os capilares peritu-
bulares, mais ons Na
+
tomaro seus lugares. Quanto ao K
+
, embo-
ra este seja trocado pelo Na
+
, deve-se observar que a membrana
basolateral possui canal de K
+
e que haver diferena de gradiente
criada pela bomba Na
+
/K
+
ATPsica, assim o K
+
difundir de volta
ao interstcio. Ento, graas existncia de bombas Na
+
/K
+
ATP-
sicas nas membranas basolaterais e perfuso sangnea constan-
te ser gerado um gradiente eletroqumico que permitir, direta
ou indiretamente, a difuso da maioria das substncias presentes
no fltrado, inclusive o prprio Na
+
e o K
+
. Para ilustrao, consulte
as fguras 6.8A e 6.8B.
Uma das substncias que os rins no excretam, devido sua
importncia no metabolismo celular, a glicose. A glicose trans-
portada atravs da membrana apical, por transportadores espec-
fcos que a co-transportam com o Na
+
. Uma vez dentro da clula,
e lembrando que a membrana basolateral possui canais de glico-
se (do tipo GLUT-1), a glicose difundir para o interstcio e, ato
contnuo, para os capilares peritubulares. De maneira semelhante,
Figuras 6.8 - Principais mecanismos transportadores de solutos, presentes nas clulas do tbulo contorcido proximal (A) e da
Ala de Henle (B). (Adaptado de SALADIN, 2002)
Na
+
Glicose
Na
+
K
+
Glicose
Na
+
Aminocidos
Aminocidos
Na
+
Fosfato, lactato
ou citrato
Fosfato, lactato
ou citrato
Na
+
H
+
HCO
3
Luz tubular
Sangue
Clula do tbulo
contorcido proximal
Na
+
2Cl
Cl
K
+
Na
+
ATP
K
+
K
+
Luz tubular
Furosemida
Sangue
Clula da Ala de Henle
ascendente espessa
ATP
Furosemida
A
B
ATP
Membrana
luminal
Membrana
basolateral
Vaso
sanguneo
244 Fisiologia Humana
mas graas a outros tipos de transportadores de membrana, so
reabsorvidos os aminocidos e o lactato, tambm fundamentais
para nosso organismo. Dessa maneira, a glicose, os aminocidos
e o lactato so 100% reabsorvidos no TCP, ou seja, em condies
normais nem mesmo a AH recebe tais substncias (Figura 6.8A).
Mecanismos de secreo tubular tambm so acoplados ati-
vidade das bombas Na
+
/K
+
ATPsicas basolaterais. O TCP secre-
ta on hidrognio, ou seja, o H
+
difunde de dentro da clula para
a luz tubular graas existncia de um mecanismo trocador (ou
de contra-transporte) acoplado ao Na
+
. Devido secreo de H
+
para o fuido do TCP, ocorre uma ligeira acidifcao do pH, fa-
vorecendo a reabsoro do tampo sangneo mais importante, o
on bicarbonato (HCO
3
,
co-transportado com o Na
+
na membrana basolateral, chega ao
interstcio e devolvido ao sangue. Ento, repare que a secreo de
H
+
pelo TCP contribui para a manuteno do pH sangneo, no
pela excreo deste on mas sim por favorecer a reabsoro de cerca
de 80% do bicarbonato (HCO
3
) que
havia sido fltrado (fgura 6.9), e isso
apenas no TCP! Dos demais 20%,
cerca de 15% sero reabsorvidos por
mecanismos semelhantes existentes
no ramo ascendente espesso da AH,
e cerca de 5% no DC.
Repare que todos os mecanismos
supracitados esto direta ou indire-
tamente relacionados difuso do
Na
+
do fuido tubular para a clula.
Dessa maneira, cerca de 65% de Na
+
Na
+
K
+
Luz tubular
Sangue
Clula do tbulo
contorcido proximal
Na
+
Na
+
H
+
HCO
3
ATP ATP
HCO
3
+ H
+
H
2
CO
3
H
2
O + CO
2
H
+
+ HCO
3
H
2
CO
3
H
2
O + CO
2
AC
Figura 6.9 - Representao esquemtica da reabsoro de bicarbonato,
relacionada secreo de ons hidrognio no TCP. AC - anidrase
carbnica. (Adaptado de SALADIN, 2002)
245 Fisiologia Renal
fltrado so reabsorvidos no TCP. Bom, at agora mencionamos a
reabsoro de solutos, mas e a gua? Como ela manipulada pelo
TCP? O que voc acha?
Vamos pensar juntos: a gua difunde atravs de membranas se-
mipermeveis somente se houver gradiente osmtico, certo? Ser
que a reabsoro no TCP de 100% da glicose, dos aminocidos e
do lactato, alm da reabsoro de 80% do on bicarbonato e de 65%
do Na
+
favoreceriam a difuso da gua do fltrado de volta para o
sangue? Provavelmente sim, certo? Qual seria a via preferencial
para a difuso da gua atravs de epitlio celular? Voc deve estar
pensando na via intercelular ou paracelular, certo?
Realmente, em alguns epitlios (incluindo o TCP), as junes
entre as clulas so do tipo junes frmes, permeveis gua, em-
bora no TCP a gua tambm difunda em menor quantidade atravs
do epitlio, graas presena de canais de gua (as aquaporinas).
Portanto, medida que ocorre a reabsoro de solutos atravs do
epitlio, a osmolaridade do lquido tubular diminui, favorecendo a
difuso da gua, principalmente atravs das junes frmes.
Mas, observe que medida que a gua difunde (pelo menos
transitoriamente), a concentrao de ons que ainda no foram re-
absorvidos aumenta na luz tubular, tais como as de Cl
, Ca
++
, Mg
++
,
K
+
, do on fosfato, dentre outros. Portanto, juntamente com a re-
absoro paracelular da gua ocorre tambm a reabsoro desses
ons, um fenmeno conhecido pelo nome de difuso por arraste
pelo solvente, no caso, pela gua. O mesmo raciocnio deve ser uti-
lizado para entendermos como a gua e esses ons difundem para
os capilares, isto : medida que estes se encontram no interstcio,
por diferena de gradiente, difundem para o sangue.
Assim, porque o TCP capaz de reabsorver 65% dos ons sdio
e cloreto (os ons predominantes do lquido extracelular e, conse-
qentemente, do fltrado), o TCP tambm capaz de reabsorver
at 65% da gua fltrada. Porm, repare que ainda restam 35% de
fltrado (cerca de 63 L) que precisam, em sua maioria, retornar ao
organismo, funo em grande parte desempenhada pela Ala de
Henle (AH). Em termos quantitativos, a AH reabsorve cerca de
15% da gua fltrada e 25% do NaCl restantes no fltrado. Isso mes-
mo: a AH reabsorve mais NaCl que gua, dando assim ao fltrado
246 Fisiologia Humana
uma osmolaridade menor que a do plasma, que variar entre 100 e
200 mOsm e depender das condies de nosso organismo.
Mas, o que permite AH manipular de maneira diferente a gua
e o NaCl? Quer uma dica? Repare na morfologia da AH e ver que
ela possui uma poro descendente (tambm chamada de fna) e
uma poro ascendente inicialmente fna, mas que em sua maior
extenso espessa. Tais caractersticas so devidas s diferenas
morfolgicas e permitem ento a existncia de diferenas funcio-
nais. Revise a histologia da AH e ver que a poro fna descen-
dente da AH (AH
fd
) possui clulas achatadas e com pouqussimas
mitocndrias, sugerindo que este epitlio no possui mecanismos
transcelulares importantes.
De fato, a AH
fd
impermevel a solutos, inclusive ao NaCl, mas
permevel gua (via paracelular). J as pores fna (AH
fa
) e es-
pessa (AH
ea
) ascendentes da AH so impermeveis gua porque
so permeveis apenas a alguns ons. Especialmente as clulas da
AH
ea
so clulas epiteliais cilndricas altas, com alguns microvilos
na membrana apical e ricas em mitocndrias, sugerindo a existn-
cia de mecanismos transcelulares transportadores de ons.
Quanto s junes, estas so impermeveis gua, mas, se hou-
ver gradiente, permitem a difuso de alguns ons. Uma das prin-
cipais funes do segmento AH
fa
a reabsoro de NaCl por di-
fuso, porm os mecanismos ainda no so bem conhecidos. J a
poro AH
ea
reabsorve NaCl graas presena de um mecanismo
de transporte na membrana luminal bastante especfco desse seg-
mento. Trata-se de um co-transportador 1Na
+
-2Cl
-1K
+
na mem-
brana luminal e, assim como os anteriores, secundrio ao meca-
nismo de transporte Na
+
/K
+
-ATPsico da membrana basolateral,
a qual tambm possui um canal para o cloreto (Figura 6.8B). Desta
forma, o sdio, o cloreto e o potssio podero ser reabsorvidos e
difundiro para os capilares peritubulares, retornando para a cir-
culao sistmica. O segmento espesso ascendente da AH tambm
muito importante para a reabsoro paracelular de diversos ons,
dentre eles o Ca
++
, o Mg
++
e o prprio K
+
.
Revisando: o ramo descendente ou fno da AH reabsorve gua,
mas no soluto, e o ramo espesso ascendente reabsorve soluto, po-
rm impermevel gua, certo? Voc no achou estranho o ramo
247 Fisiologia Renal
descendente da AH, que no possui nenhum mecanismo celular
para reabsorver soluto, ser responsvel pela reabsoro de 15% de
toda a gua que os rins fltram por dia? Como assim? A gua s
difunde se houver gradiente osmtico favorvel, certo?
No TCP, esse gradiente era criado pela reabsoro paralela de
soluto. Mas, se a AH descendente no reabsorve soluto, como ex-
plicar que a mesma reabsorve gua? Onde criado o gradiente
osmtico para a reabsoro da gua? Veja a fgura 6.10 e repare
que estes segmentos da AH esto contidos na regio medular do
parnquima renal. O interstcio dessa regio rico em NaCl graas
capacidade do ramo ascendente espesso de reabsorver o NaCl.
Mais ainda, o fuxo sangneo relativamente lento porque os va-
sos retos acompanham o formato em U da AH, mantendo o gra-
diente osmtico relativamente constante.
Assim, o NaCl reabsorvido pelo ramo espesso ascendente da
AH permanece temporariamente no interstcio medular, criando
Figura 6.10 - As relaes entre os diferentes segmentos da AH e o parnquima renal (camadas cortical e medular)
e o mecanismo de multiplicao em contra-corrente da reabsoro da ala de Henle. (Adaptado de FOX, 2009)
Regio Cortical
Regio Medular
Capilar
(vasa recta)
Mais sal continuamente
adicionado pelo TCP
Quanto maior a
osmolaridade do LEC,
mais gua deixa o ramo
descendente da AH
Quanto mais o ramo
descendente da AH
reabsorve gua, maior
a quantidade de NaCl
no ltrado que a permanece
Quanto maior a
quantidade da NaCl no
ltrado que chega AH
ascendente, mais Nacl
absorvido e chega ao LEC
Quanto mais sal
reabsorvido pelo ramo
ascendente, mais
rico em NaCl ca o LEC
da medula renal
NaCl
H
2
O
300
mOsM
1
.
2
0
0
1
.
2
0
0
1.400
1
.
0
0
0
8
0
0
6
0
0
1
.
0
0
0
8
0
0
6
0
0
1
0
0
4
0
0
2
0
0
Ala descendente Ala ascendente
Permevel gua Impermevel a gua
Transporta Na
+
e Cl
Ala de Henle
248 Fisiologia Humana
um gradiente osmtico favorvel para a difuso da gua no seg-
mento descendente da altura correspondente.
6.3 Funes do nfron distal
Embora o TCD possua algumas caractersticas prprias, de uma
maneira geral podemos considerar que a primeira poro deste
(proximal ao aparelho justaglomerular) possui propriedades fsio-
lgicas muito semelhantes s observadas na AH
ae
, assim como sua
poro distal possui muitas semelhanas ao ducto coletor cortical.
O TCD parece ser, na verdade, um tbulo de conexo (ou de tran-
sio) entre a AH e o DC. Ento, para simplifcao, considerare-
mos a sua poro distal (TCD
fnal
) e o Ducto Coletor como nfron
distal, cujas caractersticas so descritas a seguir.
Uma das caractersticas mais importantes desses segmentos a
presena de dois tipos celulares distintos: as clulas intercalares e as
clulas principais. As clulas intercalares so aquelas responsveis
pela reabsoro dos 5% de HCO
3
-
ainda presentes no lquido tubu-
lar, por mecanismos semelhantes queles descritos para o TCP e a
AH. Porm, estas clulas, alm desta importante funo, so capa-
zes de secretar ativamente a amnia (NH
3
), produzida a partir da
glutamina quando h aumento da PCO
2
(por exemplo, em casos de
acidose sangnea). A amnia tem a funo de tampo para os ons
H
+
que estiverem livres no lquido tubular, formando o on amnio
(NH
4
+
), que ser excretado na urina. As clulas principais so as
clulas cujas funes reabsortivas (principalmente de gua e NaCl)
e secretoras (especialmente de K
+
) so reguladas por hormnios.
6.3.1 Controle hormonal da excreo de gua pelos rins
Em um estado ideal de hidratao, o nfron distal muito pouco
permevel gua. Essa permeabilidade dependente da presena
do ADH que, em condies de aumento da osmolaridade plasm-
tica (desidratao) tem sua secreo aumentada pela neuro-hip-
fse e, no nfron distal, aumenta sua permeabilidade gua.
Como o lquido tubular chega ao nfron distal com a osmolari-
dade menor do que a do interstcio graas aos mecanismos de rea-
249 Fisiologia Renal
bsoro em contra-corrente da AH, basta que as clulas principais
tenham sua permeabilidade aumentada (por expresso de canais
de gua em sua membrana apical) para que a gua, por difuso,
saia da luz tubular e v para o interstcio. Ao mesmo tempo em
que a perda de gua na urina diminuda, a sede defagrada e o
indivduo procurar aumentar a ingesto de gua.
Como geralmente bebemos gua no apenas para nos hidratar,
mas tambm por um prazer momentneo ou at mesmo para nos
refrescar, podemos beber muito mais gua do que a que de fato
necessitamos. Conseqentemente, medida que nosso intestino
delgado absorver a gua ingerida, se a osmolaridade sangnea di-
minuir, o Hipotlamo, que sensvel a pequenas variaes dessa
osmolaridade (basta 1% de variao para verifcarmos alteraes
signifcativas), determinar a inibio da secreo do ADH pela
neuro-hipfse proporcionalmente diminuio da osmolarida-
de sangnea e, conseqentemente, menos gua ser reabsorvida
pelo nfron distal.
Caso essa perda seja maior que o ganho, a osmolaridade sang-
nea aumentar e o ADH novamente ser secretado. Esses meca-
nismos esto representados na fgura 6.11.
Carncia de gua Excesso de gua
Osmolaridade
Presso
atrial
Osmolaridade
sede
reabsoro
de gua
Excreo de
gua diminui
Excreo de
gua aumenta
Reabsoro
de gua
Reabsoro
de gua
Sede
ADH
estimula
inibe
deixa de estimular
Neurohipse
Figura 6.11 - Situaes siolgicas sob o controle hormonal (pelo ADH) da excreo renal de gua.
(Adaptado de DESPOPOULOS; SILBERNAGL, 2003)
250 Fisiologia Humana
6.3.2 Controle hormonal da excreo de NaCl pelos rins
Assim como as clulas principais do nfron distal so sensveis
ao do ADH, elas tambm so sensveis ao hormnio Aldoste-
rona, secretado pelo crtex das adrenais.
Em condies ideais de ingesto de sal (NaCl), o nfron distal
reabsorve apenas parte do NaCl oferecido pela AH, excretando o
eventual excesso. Lembre-se que a oferta de NaCl de, no mximo,
10% do total fltrado (o TCP reabsorve em torno de 65%; a AH
ae
,
outros 25%). Porm, podemos diminuir a excreo renal de NaCl
para menos de 0,5% em casos de necessidade de poupar a perda de
sal (por exemplo, na diminuio da ingesto). Quem determinar
se o nfron distal reabsorver mais ou menos sal ser a presena
da Aldosterona que, na verdade, expressa uma situao orgnica
mais ampla do que simplesmente a osmolaridade plasmtica.
Tomemos um exemplo no qual o indivduo diminui a sua in-
gesto de sal (fgura 6.12). A osmolaridade sangnea ir diminuir
e, conseqentemente, ocorrer momentaneamente um aumento
da excreo renal de gua (por diminuio da secreo de ADH).
A diminuio de volume sangneo determinar, tambm tran-
sitoriamente, uma diminuio da presso sangnea nos rins e,
conseqentemente, a diminuio da TFG. A MD, sensvel a isso,
estimular as clulas justaglomerulares a secretarem o hormnio
renal chamado Renina, que, no sangue, determinar a formao
de Angiotensina II (ANGII).
Dentre seus diversos efeitos (no SNC estimulando a sede, e na
periferia promovendo a vasoconstrio perifrica), a ANGII esti-
mular no crtex adrenal a secreo de Aldosterona. A Aldoste-
rona que chegar aos rins atuar nas clulas principais do nfron
distal, aumentando a sua permeabilidade ao NaCl e, conseqen-
temente, sua reabsoro. Dentre os mecanismos estimulados pela
Aldosterona est o aumento da atividade e do nmero de bombas
Na
+
/K
+
-ATPsicas basolaterais, e a incorporao de canais de Na
+
e de K
+
na membrana apical das clulas principais.
Assim, graas ao gradiente eletroqumico gerado pelo aumento
da atividade e do nmero das bombas Na
+
/K
+
-ATPsicas basolate-
rais, o on sdio da luz tubular difundir para o interstcio em tro-
251 Fisiologia Renal
ca da difuso em sentido contrrio do K
+
(um verdadeiro exemplo
de secreo tubular). Com a reabsoro do nion sdio, o cloreto
ter gradiente favorvel para ser reabsorvido, porm por via pa-
racelular. Caso ocorra um aumento da ingesto de NaCl na dieta,
por exemplo, ocorrer uma inibio na produo de Aldosterona
e o nfron distal deixar de reabsorver parte do NaCl ali ofertado
pela AH, aumentando assim sua excreo.
Controlando facultativamente a reabsoro tanto de gua quan-
to de NaCl, os rins contribuem no apenas para a regulao do
equilbrio hidrossalino, mas tambm para a do volume do lquido
extracelular e, conseqentemente, da presso arterial.
Figura 6.12 - Situaes siolgicas sob o controle hormonal (pela Aldosterona) da excreo renal de NaCl.
(Adaptado de DESPOPOULOS; SILBERNAGL, 2003)
Carncia de sal Excesso de sal
Excreo de sal
e gua diminui
Excreo de sal
e gua aumenta
Osmolaridade
Excreo de gua
Sede
Angiotensina II
Renina Renina
Reabsoro
de Na
+
Reabsoro
de Na
+
Sede
Reabsoro
de gua
Osmolaridade
Volume do plasma e
presso sangunea
Volume do plasma e
presso sangunea
Aldosterona
ADH
ADH
Crtex
adrenal
estimula
inibe
deixa de estimular
252 Fisiologia Humana
Resumo
A partir da leitura deste Captulo voc dever ter sido capaz de
entender que a urina formada o resultado fnal da manipulao
do sangue fltrado pelos rins e que esse resultado depende das
condies de nosso meio interno, e descrever quais so as outras
principais funes exercidas pelos rins, incluindo sua importncia
como rgo secretor endcrino.
Deve conhecer e descrever quais so as principais caractersti-
cas morfolgicas da unidade funcional dos rins (o nfron), des-
crever a perfuso sangnea e a drenagem venosa, relacionando-as
s funes renais, alm de descrever e diferenciar os mecanismos
renais de manipulao do plasma: fltrao glomerular, reabsoro
e secreo tubulares.
Tambm importante que voc saiba: caracterizar as estruturas
que formam a membrana de fltrao e as Foras de Starling, de-
terminantes da fltrao glomerular; descrever quais so os princi-
pais mecanismos observados nos tbulos renais, relacionando-os
s suas funes; e entender como os rins contribuem para a manu-
teno do volume e da osmolaridade sangneos.
Referncias
Livros-textos
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