A Cidade e A Imagem
A Cidade e A Imagem
A Cidade e A Imagem
E A IMAGEM
ORGANIZADORES
CARLOS COSTA
DULCILIA SCHROEDER BUITONI
SO PAULO, 2013
25/09/2014, 12:30
Editora In House
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SUMRIO
Prefcio
Orvalho leve na noite negra: So Paulo,
imagens lricas de luto e luta
Nicolau Sevcenko .................................................................. 7
Apresentao
Dulcilia Schroeder Buitoni ................................................. 25
Uma coleo de preciosidades
Carlos Costa ........................................................................ 29
O espao pblico como meio comunicativo
Lucrcia DAlessio Ferrara ................................................. 35
Enquanto a cidade dorme
Josep M. Catal ................................................................... 51
Cidade, paisagem, fotografia, emblemas
Dulcilia S. Buitoni ............................................................. 111
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ORVALHO LEVE
NA NOITE NEGRA:
SO PAULO,
IMAGENS LRICAS
DE LUTO E LUTA
Nicolau Sevcenko
How do I know what Order brings
Me into being?
I only know, if you do certain things,
I must become your Hearing and your Seeing;
Also your Strength, to make great wheels go round,
And save your sons from toil, while I am bound!
What do I care how you dispose
The Powers that move me?
I only know that I am one with those
True Powers which rend the firmament above me,
And, harrying earth, would save me at the last
But that your coward foresight holds me fast!
Como saber a Ordem que me faz vir a ser?
Apenas sei que, em certos atos vossos,
hei de ser o vosso Ouvido e vossa Vista;
e a Fora vossa, a mover grandes rodas,
poupando vossos filhos da exausto,
enquanto eu me mantenho em submisso!
A mim, que importa o uso que
ireis fazer das energias minhas?
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Apenas sei que sou Um com as Foras
tremendas que sustentam bem no alto o Firmamento
e, varejando a Terra, s em ltimo lugar me salvaro
mas, covardes, de mim no abris mo!
(Rudyard Kipling, Song of the Dynamo, escrito em 1927
vista da UsinaHidreltrica de Cubato,
construda para fornecer energia cidade de So Paulo)
Na madrugada paulista de 26 de julho de 1968, um grupo terrorista de extrema-direita perpetrou um atentado horrendo contra
o poeta Federico Garca Lorca. No contra a sua pessoa, pela segunda vez, mas contra o monumento concebido em sua homenagem pelo arquiteto e artista plstico Flvio de Carvalho. Protegida
pelo escuro da noite, uma horda armada arremeteu contra o
memorial e, com a ajuda de marretas de ferro e serras eltricas,
atacou ferozmente a obra de arte, at v-la reduzida a uma massa
sucatada disforme e pedaos de metal retorcido, espalhados pelo
jardim e saudados ao fim pelos agressores com saraivadas de
disparos de pistolas e rajadas de metralhadoras. O monumento havia
sido instalado na Praa das Guianas, em meio a uma pacfica rea
residencial, prximo a uma escola de crianas e uma igreja, numa
rea bem central de So Paulo, onde se cruzam os eixos diametrais
representados pelas avenidas Nove de Julho e Brasil, na direo do
popular Parque Ibirapuera. Esse trgico episdio, ocorrido em pleno
corao da cidade, significativo em vrios sentidos e revela como
poucos o campo de tenses em que So Paulo se transformou ao
longo do sculo XX.
O monumento em si mesmo era extremamente sugestivo. Ele
se compunha de uma base de concreto, a partir da qual vicejavam,
como numa eflorescncia, um intrincado conjunto de tubos retilneos em desconcertantes angulaes geomtricas, parcialmente
envoltos por chapas de ferro moldadas em curvas sinuosas, destacando trs apliques amebides em metal pintado de vermelho vivo,
dois nas extremidades superiores e outro maior suspenso ao meio
da composio. Sobre a superfcie exterior dessa pea maior, Flvio de Carvalho pintou, em letras negras, versos em espanhol tira-
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dos do belssimo poema Los lamos de plata, do Libro de poemas, de 1921, de Garca Lorca:
Hay que abrirse del todo
frente a la noche negra,
para que nos llenemos del roco inmortal!
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Este monumento encarna em ao a tmpera
de Federico Garca Lorca, simboliza seu
esprito dinmico que explode num teatro
autenticamente telrico e numa poesia viva,
universal.
Seus tubos so flechas lanadas ao espao,
na procura da liberdade que dignifica o ser
humano.
No seu conjunto, a prpria vida do poeta,
que trava a definitiva batalha contra a
tirania e a opresso.
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Curiosamente, todo o grupo dos artistas em cujo trabalho Flvio de Carvalho parecia se inspirar na sua execuo do memorial,
Picasso, Apollinaire, Mir, Calder, eram muito amigos entre si e
amigos todos tambm do poeta franco-suo Blaise Cendrars, que
junto com Apollinaire foi um dos inventores da chamada poesia
cubista, em 1913. Com a morte de Apollinaire, Cendrars acabou se
tornando uma espcie de vrtice da cena artstica do ps-guerra
em Paris, incentivando tanto o neo-plasticismo de Le Corbusier e
Lger, quanto o surrealismo de Picabia, Cocteau e Masson. Foi
nessa condio, de articulador das iniciativas radicais de renovao esttica, que Cendrars foi abordado por Paulo Prado em Paris
e trazido para So Paulo em 1923, para uma longa permanncia e
vrios retornos durante o restante da dcada de 20. Nesse mesmo
ano de 1923, Flvio de Carvalho, voltando de um perodo de onze
anos de permanncia na Frana e Inglaterra, onde se formara na
Universidade de Durham em engenharia e arquitetura, convertendo-se num arauto da arte moderna, encontra-se em So Paulo com
ele, Cendrars, ento o mais celebrado interlocutor do movimento.
Quanto cidade propriamente, na senda da industrializao,
no s manteve quanto intensificou enormemente seu acelerado
processo de crescimento. Desde o incio dos anos 20, porm, quando Washington Lus assumiu a Prefeitura da cidade, a nfase administrativa se deslocou do projeto urbanizador inspirado no II Imprio francs, seguindo uma nfase tecnicista voltada para a prioridade ao automvel em prejuzo dos pedestres. O ponto de inflexo
nessa tendncia naturalmente coincidiu com o golpe de 1930 e a
adoo do primeiro projeto tcnico integrado para a cidade, o chamado Plano Avenidas, baseado na idia de amplos corredores de
circulao rpida, as vias expressas, ao longo das margens dos rios.
Jardins e espaos pblicos seriam, desde ento, sistematicamente
sacrificados para a circulao e o estacionamento de veculos.
Do ponto de vista arquitetnico, segundo a lgica especulativa
predominante no mercado imobilirio, prevaleceriam as construes verticais elevadas em detrimento da ocupao horizontal e da
escala humana. essa cidade rida, rude, esmagadora, em que
palpitam as milhes de esperanas solitrias, construda num curto
espao de tempo, onde latejam mltiplas expresses de uma sensi-
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Detalhe de propaganda do automvel Hudson, 1941
(100 Anos de Propaganda. Abril Cultural, SP, 1980).
bilidade tolhida e to evidente nas festas animadas dos bairros populares e do futebol das vrzeas perifricas, que Mrio de Andrade
canta no seu Meditao sobre o Tiet, de 1945. Incorporando a
imagem sinuosa do rio, que serpenteia silencioso pelos bairros pobres, luz distante dos edifcios e do plano retilneo das vias expressas, ele chora o destino frustrado de um sonho de emancipao que no se cumpriu:
[...] Por que os homens no me escutam!
Por que os governadores
No me escutam? Por que no me escutam
Os plutocratas e todos os que so chefes e so fezes?
Todos os donos da vida?
Eu lhes daria o impossvel e lhes daria o segredo,
Eu lhes dava tudo aquilo que fica pra c do grito
Metlico dos nmeros, e tudo
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O que est alm da insinuao cruenta da posse. [...]
Por que os donos da vida no me escutam?
Eu s sei que eu no sei por mim! sabem por mim as fontes
Da gua, e eu bailo de ignorncias inventivas.
Meu baile solto como a dor que range, meu
Baile to vrio que possui mil sambas insonhados!
Eu converteria o humano crime num baile mais denso
Que estas ondas negras de gua pesada e oliosa,
Porque os meus gestos e os meus ritmos nascem
Do incndio puro do amor... [...]
Eu me acho to cansado em meu furor.
As guas apenas murmuram hostis,
gua vil mas turrona paulista
Que sobe e se espraia, levando as auroras represadas
Para o peito dos sofrimentos dos homens.
... e tudo noite. Sob o arco admirvel
Da Ponte das Bandeiras, morta, dissoluta, fraca,
Uma lgrima apenas, uma lgrima,
Eu sigo alga escusa nas guas do meu Tiet.
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Afora essa construo de acervos fixos e peridicos, envolvendo os maiores nomes da arte contempornea brasileira, latinoamericana e mundial, ele ainda encabeou a criao do Teatro Brasileiro de Comdia, principal ncleo da renovao do teatro brasileiro e da Companhia Cinematogrfica Vera Cruz, com estdios e
equipamentos de primeira qualidade, para a qual convocou uma
equipe de tcnicos europeus que concentrariam o know how bsico do cinema nacional no ps-guerra. Outras iniciativas na mesma
linha de atualizao cultural da cidade foram o Festival Internacional de Cinema (1951), o Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de So Paulo (1964) e a Bienal Internacional do Livro (1969). Mas nem s em instituies se envolvia Ciccillo. Quando em 1956 o artista Flvio de Carvalho criou uma moda masculina adaptada s condies climticas locais, que consistia em saiote
e blusa bufante em tecido brilhante e decidiu apresent-la num
desfile pblico atravs da cidade, arrastando multides escandalizadas atrs de si, Ciccillo fez questo de acompanh-lo durante
todo o percurso.
Mas o auge da sua atividade est associado sua atuao na
Presidncia da Comisso Organizadora dos festejos do IV Centenrio da cidade de So Paulo, em 1954. Numa relao bastante
conflituosa com a Prefeitura, ele props um projeto de recuperao de uma ampla rea pantanosa nas vrzeas do Rio Pinheiros, ao
sul da cidade, a fim de transform-la num jardim pblico, rea de
lazer e centro cultural da cidade de So Paulo. O projeto resultou
na realizao do Parque Ibirapuera, com cerca de 18 km quadrados de rea ajardinada, ponteada por um conjunto de prdios pblicos projetados por Oscar Niemeyer, o futuro arquiteto de Braslia.
Dentre as vrias atividades culturais dos festejos destacou-se a criao do Bal do IV Centenrio, primeiro grande impulso ao desenvolvimento da arte coreogrfica no Brasil, cuja direo foi entregue ao clebre coregrafo hngaro Aurel Milloss, ex-diretor dos
Bals de Paris, Berlim, Viena e do La Scala de Milo. As apresentaes foram abertas ao grande pblico e vieram para reger a Orquestra Sinfnica de So Paulo os maestros Paul Hindemith, da
Alemanha, Pierre Dervaux, da Frana, e Nino Stinco, da Itlia, num
repertrio de compositores brasileiros, com destaque para Villa-
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Lobos e com cenrios e figurinos de artistas nacionais, com destaque para Flvio de Carvalho.
No total, mais de cem eventos artsticos foram apresentados
populao no contexto do IV Centenrio, envolvendo cerca de 350
artistas brasileiros. Os quais, em retribuio, resolveram dar a
Ciccilo uma tela de De Chirico que, ato contnuo, ele repassou para
o acervo permanente do MAM. O fato comporta uma curiosa coincidncia. Um de seus primeiros colaboradores, fora o jornalista e
magnata das comunicaes Assis Chateaubriand, ex-combatente
da tentativa de secesso paulista de 1932. Mas Chateaubriand tinha seus prprios planos de mecenato e em 1947 se associou com o
crtico de artes italiano Pietro Maria Bardi e sua mulher, a arquiteta Lina Bo Bardi, para criar o mais sofisticado acervo de arte da
cidade, o Museu de Arte de So Paulo, reunindo obras de grandes
mestres desde o Renascimento at a atualidade. Ocorre que o pai
de Lina, Enrico Bo, foi pintor surrealista e amigo dileto de De
Chirico, tanto que a famlia Bo era sua vizinha na Via Ges, em
Milo. Lina foi pois fortemente influenciada pelo mestre da pintura metafsica e, sob o patrocnio de Chateaubriand, projetaria o
prdio do MASP (1968), na parte mais central e visvel do espigo
central da cidade, em plena Avenida Paulista, segundo uma concepo arquitetnica e museolgica extremamente original, inspirada na esttica do deslocamento onrico do mestre italiano. Seu
impacto, intensificado por outras obras de Lina Bo Bardi, acabaria
dando um tom peculiar produo arquitetnica paulista.
Assentados esse padres bsicos de referncia e a atmosfera
geral desse ressurgimento paulista, a cena cultural adquiriu um
dinamismo de fora radical a partir dos anos 60. Ao redor da
Cinemateca Brasileira, surgida em 1956 a partir da Filmoteca do
MAM e da atividade crtica de Paulo Emlio Salles Gomes, se organiza em 1960 a I Conveno da Crtica Cinematogrfica Brasileira, desencadeando as reflexes e o debate esttico que desembocariam no Cinema Novo. No teatro, Gian Francesco Guarnieri
dirige operrios na montagem de Eles no usam black tie, lanando
o Teatro de Arena e radicalizando a cena teatral. O III Festival da
Msica Popular Brasileira da TV Record (1967), lana o Tropicalismo de Caetano Veloso, com Alegria alegria, e Gilberto Gil, com
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S em meados dos anos 1980, com a superao gradual dos
mltiplos entraves legados pelo regime ditatorial, que comeou a
se esboar o retorno s experincias sinrgicas desse laboratrio
sem centro e sem fronteiras. Tendo entrado no sculo XXI como a
terceira maior rea de conurbao do globo, So Paulo vai se tornando outra vez o palco de um sincretismo cultural entre extremos
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de riqueza e misria, especulao e segregao, prodgio tcnico e
fragilidade humana, cultura globalizada e tradies populares,
massificao e isolamento, cupidez e solidariedade, privao de direitos e aspirao democrtica. Predominantemente composta de
todas as formas de desenraizados e migrantes, nela o nico solo
comum compartilhado pelas mentes e est em algum lugar no
futuro, imerso na nvoa sutil que envolve persistente a cidade. Por
isso nos comove o eco daqueles versos sobre os lamos de Plata,
lidos um dia no ao enferrujado sob as plantas do jardim, por um
dos maiores poetas brasileiros, Paulo Mendes Campos, o qual escreveu essa Ode a Federico Garca Lorca:
20
* Esta uma verso abreviada do ensaio publicado originalmente como So Paulo, um laboratrio cultural sin fronteras, na
Revista de Occidente, n.174, em novembro de 1995, pelo Instituto
Ortega y Gasset, Madri. Uma verso ampliada e ilustrada foi
publicada em Pindorama Revisitada, cultura e sociedade em tempos
de virada. So Paulo: Editora Peirpolis, 2000.
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Nicolau Sevcenko, historiador, professor na Universidade
Harvard. Publicou entre outros A revolta da vacina (1983, com
reedio em 2010 pela Cosac&Naify), Orfeu exttico na metrpole:
So Paulo nos frementes anos 20 (1992), A corrida para o sc. 21: no
loop da montanha-russa (2001) e Literatura como misso: tenses
sociais e criao cultural na Primeira Repblica (2003), alm de ter
organizado o volume Histria da vida privada no Brasil: da belle
poque era do rdio (1998), todos pela Companhia das Letras.
REFERNCIAS
ALMEIDA, Fernando Azevedo de. O franciscano Ciccillo. So
Paulo: Pioneira, 1976.
AMARAL, Aracy. Artes plsticas na Semana de 22. So Paulo:
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BLAISE CENDRARS. Au coeur du monde, posies compltes:
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________________. Etc... etc... (Um livro 100% brasileiro). So
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GETLIO VARGAS. O governo trabalhista do Brasil. Rio de
Janeiro: Jos Olympio, 1952.
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LARA, Ceclia de. De Pirandello a Piolin, Alcntara Machado e o
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MARIO DE ANDRADE. Poesias completas. So Paulo, Crculo
do Livro, 1976.
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OLIVEIRA, Olvia Fernandes de. Quarto de arquiteto, Lina Bo
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Braga. Rio de Janeiro, Braslia, Casa de Rui Barbosa, Senado Federal, MEC, 1983.
SEVCENKO, N. Brazilian follies: the casting, broadcasting and
consumption of images of Brazil on both sides of the continent,
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1930-50, texto apresentado ao International Seminar on Ways of
Working in Latin American Cultural Studies, no University College,
University of London, em Abril de 1995, promovido pelo Center
of Latin American Cultural Studies, Kings College, London.
. Transformaes da linguagem e advento
da cultura modernista no Brasil. IN Estudos histricos, Rio de
Janeiro, Revista da Fundao Getlio Vargas, vol. VI, no. 11, 1993.
. Orfeu exttico na metrpole, So Paulo
sociedade e cultura nos frementes anos 20. So Paulo, Companhia
das Letras, 1992.
.Rio de Janeiro y San Pablo: desarollo social y cultural comparativo, 1900-1930" IN J.E.HARDOY y
R.MORSE (edts.) Nuevas perspectivas en los estudios sobre histria urbana. Buenos Aires, G.E.L., 1989.
.So Paulo: The quintessential, uninhibited
megalopolis as seen by Blaise Cendrars in the 1920s in BARKER,T.
& SUTCLIFFE,A. (edts.) Megalopolis: the giant city in History.
London, New York, MacMillan Press, St. Martins Press, 1993.
STEEGMULLER, Francis. Apollinaire, poet among the painters.
New York, Penguin, 1986.
TOLEDO, J. Flvio de Carvalho, o comedor de emoes. So Paulo, Brasiliense, Campinas, UNICAMP, 1994.
WISER, William. The crazy years, Paris in the twenties. Londres,
Thames and Hudson, 1990.
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APRESENTAO
Dulcilia Schroeder Buitoni
Como a imagem da cidade foi se tornando tema central para o
Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual? Dos primeiros
mapas conceituais sobre o fenmeno da visualidade, chegamos s
cidades concretas e imaginrias. Talvez a histria seja um pouco
longa, mas gostaramos de registrar os passos deste grupo de pesquisadores que vm empreendendo uma caminhada investigativa
que une imagem e comunicao.
A potica do espao/cidade foi nos conquistando. Trabalhamos inicialmente com buscas tericas: uma fenomenologia das imagens que permitisse refletir e tambm criar. Chegamos a formular
pr-projetos em torno de alguns assuntos como as representaes
da criana na mdia que resultou em algumas produes acadmicas. E ento, desde 2011, fomos nos concentrando em torno da
cidade. Agora, reunimos um conjunto de textos que bem representam o estgio atual.
Por isso, este livro marca uma etapa de vida do Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual, do CNPq. Tambm marca a
relao do grupo com o Programa de Ps Graduao Stricto Sensu
em Comunicao da Faculdade Csper Lbero. Assim que o Programa Comunicao na Contemporaneidade se iniciou, no segundo semestre de 2006, houve a proposta de criao de um grupo de
pesquisa que tivesse como objeto a imagem em suas diferentes formas. A onipresena da imagem em todas as atividades humanas,
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sociais ou pessoais, principalmente na esfera da comunicao, exige que as visualidades sejam tema fundante na pesquisa de psgraduao.
A proposta que congregou alguns pesquisadores de outras
universidades, professores da Csper Lbero e estudantes de
mestrado e de graduao, visava o estudo de imagens miditicas
fixas e em movimento, impressas, videogrficas, cinematogrficas,
digitais. O entusiasmo era grande, mas havia que conviver com a
escassez de tempo. Alm das inmeras atribuies de cada um, no
caso dos mestrandos, o problema se agrava com a imposio do
tempo compacto: apenas dois anos para fazer um mestrado de cincias humanas, prazo bastante curto para refletir, analisar e produzir, especialmente para os alunos com compromissos profissionais. Para esses mestrandos, participar de um grupo de pesquisa
representa um grande esforo.
A vinculao com a fotografia levou-nos a participar como
membro do GP Fotografia da Intercom, primeiro com apresentao de pesquisas e depois como coordenadora do GP, de 2009 a
2012, sendo responsvel pela seleo e organizao das sesses do
Congresso nacional dessa associao. Em todos os anos, membros
do GP Comunicao e Cultura Visual apresentaram trabalhos nos
congressos da Intercom.
Relaes com professores de outros programas de ps em comunicao tambm foram se estreitando: docentes como Lucia
Santaella, Jos Luiz Aidar e Lucia Leo, da PUC-SP; Elisabeth
Saad e Maria Dora Mouro, da ECA-USP; Fernando de Tacca, da
Unicamp, e Paulo Boni, da Universidade Estadual de Londrina,
entre outros.
Desde seu incio, o grupo procurou manter contatos internacionais. Professores da Faculdad de Ciencias de la Comunicacin
da Universidad Autnoma de Barcelona foram os primeiros a estreitar relaes, em virtude de antigos laos de pesquisa originados
quando esta signatria era professora da ECA-USP. Assim, Teresa
Velzquez, professora do Departamento de Periodismo y Teoras
de la Comunicacin participou do seminrio Imagem e Sociedade do Conhecimento, realizado pelo GP Comunicao e Cultura
Visual em 2010. No mesmo ano, tambm promovemos o seminrio
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APRESENTAO
Imagem e informao, com o professor francs Dominique
Wolton, diretor do CNRS (Centre National de la Recherche
Scientifique).
Essa primeira visita da professora Teresa Velzquez impulsionou a ideia de um convnio entre as duas instituies, Faculdade
Csper Lbero e Universidad Autnoma de Barcelona (UAB), finalmente formalizado neste incio de 2014, com as assinaturas do
reitor da UAB e da diretora da Csper. Enquanto os trmites do
convnio eram processados, muitas atividades conjuntas foram realizadas. Em 2011, a coordenadora do GP Comunicao e Cultura
Visual assinou um acordo com o Observatrio Mediterrneo de
Comunicao, rede que rene pesquisadores da Europa, frica e
Amrica Latina.
O professor da UAB Josep M. Catal, com formao em Histria, Cinema e Comunicao, um dos mais importantes pesquisadores das produes visuais contemporneas, vem contribuindo com
o GP Comunicao e Cultura Visual desde 2006. Seu livro Imagen
compleja: la fenomenologa de las imgenes en la era de la cultura
visual, publicado em 2005, j se tornou um clssico dos estudos de
imagem. Em outubro de 2011, o GP promoveu sua vinda; ele ministrou o seminrio Imagem complexa: representao visual e
conhecimento. As atividades de Catal estenderam-se em palestras na ps em Tecnologias da Inteligncia e Design Digital, na
PUC-SP, em articulao com a professora Lucia Santaella; e na
ECA-USP, em conjunto com o Departamento de Audiovisual, atravs de Dora Mouro. Tambm houve um encontro de Catal com
o professor Norval Baitello, da PUC-SP, e seus alunos. Nessa ocasio, foi lanado ainda o primeiro livro de Catal traduzido no Brasil, A forma do real: introduo aos estudos visuais, cuja edio foi
por ns indicada Editora Summus.
Nessa primeira visita do Prof. Catal, tivemos a ajuda imprescindvel da mestranda Ana Paula Kwitko, presente em todas as atividades programadas.Terminado o mestrado, Ana Paula foi aceita para o doutorado em Comunicao da UAB um dos resultados
do convnio UAB/Csper, antes mesmo de seroficializado.
J completamente integrado s pesquisas do GP Comunicao e Cultura Visual, e com apoio parcial da Fapesp, Josep M. Catal
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http://www.quadernsdigitals.net/datos_web/biblioteca/l_762/enLinea/0.html
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O ESPAO PBLICO
COMO MEIO
COMUNICATIVO
Lucrcia DAlessio Ferrara
1. O megamundo
Toda superfcie uma interface entre dois meios onde
ocorre uma atividade constante sob forma de troca entre as duas substncias postas em contato (VIRILIO,
1993: 12).
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los em oposio na cidade cosmopolita. Porm, a questo se torna
mais complexa quando essa relao se define pelo carter comunicativo de dois parmetros culturais e sociais em confronto em um
mesmo local: surge a clara noo do espao pblico.
A arqueologia do espao pblico deve ser procurada na gnese da cidade cosmopolita do sculo XVIII e nas construes que
identificaram e consideraram aquele espao como matriz da cultura moderna:
Em sociedades de grande pobreza, de hierarquias rgidas ou
de paixes religiosas muito fortes, a gratificao psquica s
pode ter pouco sentido enquanto um fim em si mesmo. Este
clamor peculiar da natureza contra a cultura comeou a tomar forma no sculo XVIII, especialmente na Inglaterra, na
Frana, no norte da Itlia e no nordeste dos Estados Unidos.
Como todo desenvolvimento histrico complexo, ele no nasce de um s golpe. Nossos antepassados lutaram para encontrar imagens e experincias que pudessem de algum modo
exprimir essa oposio, de maneira a atribuir uma forma social concreta busca da felicidade. Um dos caminhos que
utilizaram para exprimi-lo foi por meio da distino entre o
pblico e o privado. A geografia das capitais servia aos cidados como meio para pensarem sobre natureza e cultura, iden-
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manifestao cultural que encontra, nos processos de relao comunicativa que estimula, as caractersticas que o identificam no
apenas enquanto espao caracterstico do movimento moderno, mas
da modernidade enquanto fantstica operao de identidade cultural que, ps-segunda guerra mundial, passou a assumir caractersticas que vo do desencanto marxista ao ps-moderno que inaugura as premissas do mundo contemporneo. Para tanto, necessrio no apenas descrever a relao comunicativa, mas identificar
as caractersticas semiticas que deixam seus ndices nos desenhos
do espao pblico. Estuda-se, portanto, a relao comunicativa localizada semioticamente no espao territorial ou virtual, isto , prope-se sair de uma anlise fenomenolgica da relao entre os indivduos, para estudar o espao pblico como elemento arqueolgico
da cultura atravs dos discursos que ostenta e daqueles que oprime.
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lugar, e em qualquer lugar est sempre repleto de novas improvisaes (Jacobs, 2000: 52).
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vazia-se de sentido porque se concentra no instante da prpria relao estabelecida e cria outra dimenso do coletivo. Atualiza-se
no instante fugaz do tempo simultneo em que algum se apropria
de informaes produzidas por outros para construir relaes e
respostas geradoras de outros conhecimentos: essa mtua modelagem cognitiva cria coeso pblica entre indivduos espalhados em
vrios pontos privados do planeta. Saber operar com quantidade
de informaes, comparar, selecionar e relacionar so as operaes que desenham o espao pblico virtual e se opem ao cultivo
dos hbitos, hierarquias, gestos, falas e narrativas que nortearam a
doxa do espao pblico espetacular. No espao pblico virtual o
lema sair do casulo, ou seja, redimem-se as tiranias da intimidade, ao mesmo tempo em que se supera a exponibilidade do ver
para ser visto.
No virtual, a esfera pblica um espao que no est, mas se
processa em desafios reflexivos onde o que importa estar informado; paradoxalmente, esse hiperdomnio pblico jamais alcanado pelo espao fsico ou mediado pela imagem eletrnica, parece
produzir uma desconstruo das duas modalidades anteriores.
Como observa Pierre Levy (1996: 16) o espao fictcio exatamente como o real, s lhe falta a existncia, ao contrrio, o espao
virtual se ope no ao real, mas ao atual porque sua alternativa
disponvel para a ao capaz de superar a distncia que os separa.
O virtual a ante-sala da ao que concretiza a passagem do real
ao atual, do privado ao pblico, do individual ao coletivo, da
subjetivao da interioridade objetivao da exterioridade. Entre estes plos que permaneciam estanques no espao cosmopolita, no pblico virtual as fronteiras ntidas do lugar a uma
fractalizao das reparties (Levy, 1996: 25).
O espao pblico do lugar tradicional tem na doxa, transmitida e mantida pela oralidade, o princpio tico da sua semiosfera. O
espao mediado pela imagem autofgica e comercial claramente
submisso a um interesse programado e sua tica est contida na
prpria eficincia tcnica ficcional. A rede pblica de informao
do espao virtual, ao contrrio, dominada pela acessibilidade,
transmisso e armazenamento da informao inerente ao veculo
digital. Abre-se um novo debate entre o pblico e o privado, entre
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vagos, em todas as avenidas que tm suas horizontalidades transformadas em circularidades convergentes de vozes, gestos, palavras onde tudo pode acontecer da revoluo ao vandalismo, da cidadania ao roubo, da participao desordem. Ante essa evidncia, no sobra espaos para ingenuidades ufanistas, ao contrrio e
mais do que nunca, o espao pblico aquele disponvel para a
ao que vai da cidadania ao descontrole emotivo, tico e oportunista. Justamente nesse quadro e submetendo-se s circunstncias
polticas e ideolgicas das quais no se pode livrar, o espao pbico
, atualmente, a expresso mais genuinamente comunicativa da cidade.
Sem tica a monitor-lo, esse novssimo espao pbico ocupado pela multido que, sem programas e sem classes, parece surgir espontaneamente de todos os lugares, casas, becos, favelas.
Chegamos ao sculo XXI e agora cabe a cada um de ns multiplicar a singularidade de cada corpo ou gesto em multido com voz e
com fora para construir seu prprio espao pblico interativo e
movente de identidades partilhadas. Afinal:
Cada vez mais, as pessoas esto organizadas no simplesmente
em redes sociais, mas em redes sociais mediadas por computador. Assim, no a internet que cria um padro de individualismo em rede, mas seu desenvolvimento que fornece um
suporte material apropriado para a difuso do individualismo em rede como a forma dominante de sociabilidade. O
individualismo em rede um padro social, no um acmulo
de indivduos isolados (Castells, 2003: 109).
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A CIDADE DORME1
Por Josep M. Catal Domnech
Traduo: Jos Geraldo de Oliveira
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no ser transitar pela velha carcaa em que a cidade superdesenvolvida se tornou. Essas duas espcies entopem o centro das cidades, uns jogados nas caladas, exibindo desavergonhadamente as
pegadas de um outro mundo distante, os outros escorregando sobre seus sonhos cristalinos, de viagem entre a imunidade sepulcral
de dois edifcios.
A cidade hoje [4] decrpita como a Esttua da Liberdade
que aparece no final do filme Planeta dos Macacos [5], uma derrotada alegoria que emerge por entre os verdes entramado de uma
paisagem exuberante e fora de controle. Mas o centro da alegoria
no tanto a esttua como essa natureza atrevida que parece querer vingar, com sua fria verde, antigas afrontas. Pretendem ser
dois pontos de referncia muito claros: a cidade como forma e
artificialidade; a natureza como espontaneidade e liberdade. Formam decididamente um conjunto de coordenadas, mas sua clareza, como veremos, mais do que questionvel.
Em algumas cidades mediterrneas (e, claro, na maioria das
chamadas de Terceiro Mundo e agora englobadas na da categoria
de Sul [6]), as ruas ainda esto vivas. O espao urbano, nelas, no
perdeu ainda sua qualidade dramtica, sua condio de cena. Em
1931, King Vidor realizou um filme sobre Nova York e deu o ttulo
de Street Scene (No Turbilho da Metrpole), pois era nas ruas onde
a cidade existia e onde os habitantes adquiriam a condio de cidados. Nas ruas ainda podia-se viver. Longe o dia em que o asfalto
se converteria em selvas e mais distante ainda o momento em que
a selva se esvaneceria no hiperespao pos-moderno, um hiperespao
capaz de conectar sem trauma os diferentes nveis de existncia
que no mundo industrializado se dividem entre os compartimentos
fixos da casa, do trabalho e da loja.
Na maioria das cidades que ainda esto vivas, a vida comea
na porta da casa, ao contrrio das cidades ps-modernas, nas quais
o que comea na porta da casa a morte. A casa nas cidadesvida no mais um lugar de referncia, um lugar a que se regressa
em busca de repouso e comida, o porto onde repousa o marinheiro
depois de cada travessia. A casa, o lar, ainda que parea um
paradxico, no nestes lugares pre-industrializados ou simplesmente industrializados, mas nunca ps-industrializados o local
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reza e esta vem sendo relegada posio que antes nela ocupava o
conceito de artificialidade. Quanto mais natural se percebe, por
exemplo, a artificialidade do espao urbano, menos natural se experimenta o que de no artificial resta natureza, que aquela
parte virgem da mesma (cada vez mais minguada, diga-se, devido
presso das cidades). Um exemplo concreto, j mencionado: o natural se converteu hoje num produto de consumo, preferencialmente
nos ncleos urbanos. Os yuppies so os mais naturalistas, no os
camponeses.
Devido s caractersticas do moderno ciclo de produo massiva
de alimentos, os produtos chamados naturais, destinados ao consumo de certas elites citadinas, devem, para adquirir sua dose extra de
naturalismo, sofrer uma assistncia tcnica muito mais intensa do
que os demais produtos destinados ao consumo do resto da populao. Quando se deixa crescer os cultivos de forma mais ou menos
aleatria natural , preciso proteg-los das pragas com o uso de
pesticidas [27], mas essa prtica acontece de forma generalizada e
nada cientfica: a natureza resiste a este banho, como pode chegar a
resistir a geadas ou a furaces; uma prova de sua fora. Caso se
pretenda cultivar produtos puros [28], necessrio um cuidado extremo, aplicando, de forma quase individualizada, todos os conhecimentos da horticultura, caso contrrio, morrem ou se tornam
invendveis: preciso isol-los da natureza, em sntese. Encontramonos, assim, com o paradoxo de que nas grandes cidades possvel
conseguir produtos mais naturais do que no campo.
Essa naturalidade, esta pureza, foi alcanada, sem dvida,
devido a procedimentos altamente tcnicos [29]. No meio rural,
entretanto, embora parte dos produtos que os agricultores consomem venham de produo prpria, a maioria deles obtida nas
lojas ou supermercados. Esses alimentos foram processados como
os vendidos nos mercados de elite das grandes cidades, mas com
tcnicas distintas das utilizadas em produtos ditos naturais; nada
que os novos telogos do naturalismo considerem naturais. Constituem, de fato, um resduo da artificialidade que foi expulsa das
cidades [30] e que ainda tem aceitao na mentalidade rural. De
fato, trinta ou quarenta anos atrs, o artificial ainda conservava no
ocidente um alto prestgio, que agora s se mantm em zonas ru-
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com que a antiga natureza tinha horror ao vazio. As imagens defendem-se do caos mediante o permetro ou moldura que as encerra, da mesma forma que uma clula est isolada do seu entorno
por uma membrana. De fato, a membrana que define a clula,
impedindo-a de se confundir com o catico entorno; da mesma
forma, a imagem vem definida por sua moldura (que pode ser real
ou virtual), sem a qual os seus elementos se fundiriam em um magma
sem significado.
O fato de que a ecologia comeasse a enraizar na imaginao
coletiva a partir do momento em que a imagem de nosso planeta
pde ser vista na tela da televiso no deixa de ser sugestivo [34].
Tratava-se do definitivo processo de sutura [35]: a impresso que
produziu na sociedade ocidental o conceito da humanidade contemplando-se, pela primeira vez, a si mesma como entidade objetiva o contraplano absoluto e definitivo depois de tantos planos ,
vista em uma s direo, deu o golpe de misericrdia na realidade.
At aquele momento, havamos estado imersos na natureza, lutando para encontrar uma sada de sua terrvel priso [36], mas incapazes ainda de poder imaginar a liberao. No momento em que as
telas de nossos televisores nos mostraram as imagens desse planeta
azul suspenso no espao e nos identificaram com o nosso planeta,
no momento em que todas as representaes geogrficas e
cosmolgicas se resumiram pela primeira vez na objetividade desse globo azulado, distante e indiferente, nesse momento a humanidade se sentiu liberada, deixou de ser prisioneira de conceitos
metafsicos e atravessou o espelho da imagem para instalar-se definitivamente do outro lado.
Essa mudana foi como um processo de purificao, uma anulao do pecado original. Por outro lado, que poderamos esperar
do Jardim do den em seu estado original, antes que a rvore da
cincia sofresse a profanao da nossa nsia de conhecimento? Foi
um retorno s mticas origens que no fazamos na condio de
precrios inquilinos de um jardim alugado, que regressavam a seu
domiclio sob alguma ordem judicial, mas pelo contrrio, voltvamos triunfantes, agora convertidos em guardies definitivos de um
jardim herdado. Regressvamos literalmente como jardineiros [37].
A humanidade, expulsa do paraso terrestre pela fria divina,
regressaria convertida no mesmssimo olho de Deus [38]. Agora
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ca, nos induzem ao fetichismo da tcnica, e tudo sob a roupagem
da natureza, enquanto a antiga natureza se consome visivelmente
afligida pelo excesso de tecnificao. Acossados, pois, por imagens
contraditrias, vemos construir sobre a terra uma escatologia celeste, uma escatalogia que reproduz, alegoricamente, os traos de
anteriores projetos tecnolgicos e, portanto, no menos opressora
do que eles.
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4. A nova escatologia
A catedral gtica era um espao que pretendia invocar a presena do mundo escatolgico. Era experimentada como uma mistura de cu e terra, uma plataforma conectada com os dois mundos. A estudada combinao de luzes e sombras, a matizao e
cromatizao dos raios do sol ao atravessar os vitrais, a elevao
dos muros e colunas que culminam numa exploso de arcos e tetos
abobadados, incluindo o som da msica e dos cnticos, tudo era
pensado para dar aos fiis a impressionante sensao de que, ao
entrar na catedral, se penetrava em um espao novo, distinto, um
espao sulcado em toda a sua geometria pela presena divina. Evidentemente trata-se de um espao propagandstico, pois se utilizava de uma determinada retrica arquitetnica no apenas para
convencer os fiis da realidade de certos argumentos religiosos,
mas para simplesmente atra-los para as cerimnias. O espao da
catedral era tambm a expresso arquitetnica de uma determinada forma de entender o mundo. Para um habitante da Idade Mdia
tardia, a presena da catedral em sua cidade era no apenas uma
prova fidedigna da existncia do mais alm, que se expressava em
toda sua grandeza dentro dos muros da baslica, mas tambm constitua uma promessa de poder participar, penetrando nesse espao,
de uma das mais excitantes experincias possveis daquele tempo:
o contato com o outro mundo.
Este tipo de retrica arquitetnica, uma vez despojada de seu
componente sacralizado, ou seja, dessa outra dimenso, tambm
espacial embora no fsica, que o espao fsico criava na mente dos
fiis e que correspondia literalmente ao paraso, sobreviveu durante sculos em determinados palcios ou edifcios pblicos, mas j
como uma carcaa vazia e simplesmente de efeito. Curiosamente,
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Os resultados sociais e polticos da Reforma e da Contra-Reforma criaram uma nova viso do espao. No estranho que isso
acontecesse, pois tantos as bases fixadas pelo Conclio de Trento
como as do movimento protestante, supunham de forma bem direta uma autntica remodelao cosmognica surgida dos avanos
do humanismo renascentista. Os dois movimentos pretendiam restaurar a ideia de Deus, j no mais sobre a primazia do homem,
que impregnara explcita ou implicitamente todo o pensamento do
Renascimento, mas inclusive contra a humanizao do cu, do crescente culto virgens e aos santos que foi ao mesmo tempo a causa
e consequncia [43]. De maneira geral, podemos afirmar que, uma
vez desenvolvidos esses movimentos, o reino celestial voltou a ocupar seu antigo lugar, abandonado no final da Idade Mdia.
O cosmo infinito de Giordano Bruno [44] voltava a se fechar
graas a esse horizonte escatolgico. Era o momento de erguer novas catedrais, o que foi feito, dando lugar a uma exploso de reluzentes igrejas erigidas segundo esse novo estilo chamado (de maneira
desdenhosa) de Barroco. Se as catedrais gticas queriam apelar aos
cus para descer at suas naves iridescentes, as igrejas barrocas constituam uma autntica representao teatral do cu sobre a terra.
Dos reluzentes plpitos que proporcionavam com os falsos brilhos a
importncia da palavra divina [45] at a iluminao interna extremamente cenogrfica das naves, entregue aos inmeros conjuntos de
velas. O contraste do claro/escuro gtico pretendia filtrar a presena
do real do cu na igreja, passando pela exploso vermelha e amarela
da luz barroca. A catedral levantava os braos ao cu para exigir a
presena divina, enquanto que a igreja barroca se enche e agita para
afetar a realidade dessa presena cuja realidade intrnseca passou a
um segundo plano. A nfase j no se enraizava na comunho, como
na Idade Mdia, mas sim na propaganda.
Tambm nas catedrais, como foi dito, se tentava promover uma
ideia, mas essa ideia e, sobretudo, sua factualidade eram os fatores
preponderantes. Pode-se dizer que nas catedrais se tentava vender
o produto mediante uma exibio mais ou menos forjada, de suas
manifestaes mais genunas, enquanto na igreja barroca o produto est simplesmente guardado no depsito e se apela, pelo contrrio, a todo tipo de mtodos substitutivos para conseguir sua aceita-
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Os sistemas de representao apelam, pois, para as leis da geometria clssica para executar uma tentativa de objetivao daqueles conceitos abstratos de que o novo cosmos quer estar formado.
Um projeto que, de alguma forma, resume em si mesmo o que
constitui basicamente a tarefa da geometria clssica a
materializao de essncias , tarefa que desse modo se converte,
como anteriormente ocorreu com as tcnicas da perspectiva, numa
emblemtica situao ideolgica, ao mesmo tempo em que cumpre tambm as funes de mecanismo expressivo desta ideologia.
E o campo de batalha onde acontece o desembarque das foras
racionais basicamente a cidade, que passa a cumprir agora o mesmo papel que antes havia sido das catedrais e das igrejas.
O espao urbano, geometrizado e monumentalizado, parece
por um momento converter-se na prpria imagem da mente humana, como regressaram as prepotentes tentativas materializadoras e
substitutivas do Barroco, mas no se trata tanto de uma tentativa
de objetivar determinada estrutura mental como de um processo
inverso, pois no tardar o cidado comear a exercer o seu raciocnio da mesma forma que se move pelas bem traadas ruas e avenidas, e a deter-se diante das ideias e das recordaes como faz o
caminhante diante de um edifcio ou monumento. Ou pelo menos,
esse seria o projeto ideal da filosofia das luzes. E se na cidade racionalizada refletem as estruturas de uma filosofia iluminista, to
perfeita que sua imagem capaz de imprimir rapidamente os meandros de uma mente que acredita ser o centro do universo, no
deixa de ser lcito considerar que seja a cidade que acaba adquirindo a qualidade de centro do cosmos, centro desde o qual a mente
ordena e classifica.
O furor enciclopdico alcana tambm a imagem que se torna
clara e precisa. No mais cheia de intenes retricas, no mais
um mecanismo destinado a convencer visualmente a existncia de
um mundo cuja principal caracterstica no pertencer ao universo sensvel, mas se encarrega de constatar a verdade, a solidez do
que visto. Recupera para isso a tradio realista da perspectiva,
mas se afasta da inteno ilusionista. A imagem deixa de ser a contnua plasmao do mais difcil para tornar-se um agradvel escrivo do real. A razo, com suas delimitaes, traa os limites da
realidade e dentro dela, de cada um dos elementos que a compem,
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O que na gravura da enciclopdia uma construo absolutamente racional de um espao organizado eminentemente por e para
a viso, em que todos os elementos formam um conglomerado orgnico e indivisvel, adquire no emblema um tom completamente
distinto. O espao no visual, mas mental, conceitual. Cada elemento regido por suas caractersticas prprias, tanto fsicas como
ideolgicas. Entre todas as partes forma-se um conjunto, mas ele
no reconhecvel em nenhuma realidade fsica, mas tenta ser, por
um lado, expresso visual de uma realidade transcendente e, por
outro, uma prova da preponderncia dessa realidade metafsica
sobre o mundo material. Para o emblemista, a gravura da enciclopdia seria uma mera aparncia, atrs da qual se esconderia a complexidade de seus emblemas. Para o enciclopedista, pelo contrrio,
no h outra realidade do que as mostradas em suas linhas e volumes: sua gravura se abre diante de ns como uma janela, mas no
como a janela renascentista que, como disse, pretendia nos impressionar, mas simplesmente com o gesto satisfeito do burgus que
nos mostra os seus pertences.
No final do sculo XIX, a ltima onda de arquitetos
racionalistas, com Haussmann frente, transforma a cidade na representao espacial de uma utopia. Os traados remodeladores
de Paris, sobre os auspcios de Napoleo III, no tentava abrir caminhos entre os pntanos da metafsica, mas, soprado na orelha
pelo chefe de polcia, pretendia tirar da revolta popular um espao
em que fosse possvel acontecer a rebelio. A cidade que nasce
deste projeto no uma cidade racionalista, mas a cidade da razo
de Estado, uma cidade utpica o resto de uma utopia burguesa
que se constri sobre os restos de outra utopia as revoltas populares de 1848 , e que ajuda a derrotar as prximas ondas utpicas,
como a Comuna de Paris, que foi controlada graas aos espaos
abertos pela urbanizao de Haussmann [48].
A maioria dos projetos urbansticos dessa poca, desde a cidade linear de Arturo Soria y Mata, em Madri, e a Barcelona de
Ildefons Cerd, para citar dois urbanizadores espanhis, se v
impulsionada por um furor utpico de um signo ou outro. O arquiteto deixa de ser o catalisador de um estilo de uma poca, e se
torna um engenheiro social. J no trabalha mais com o rosto vol-
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mentamos, uma mistura dos espaos do passado, convenientemente reorganizados para cumprir as necessidades do paradigma
que rege o presente. A ordem escatolgica ainda est em vigor,
mas como ocorreu durante o Renascimento, o lugar est agora situado neste mundo. A resposta que Paul luard, s portas do
surrealismo, d ao slogan cristo meu reino no desse mundo,
difana: h outros mundos, mas estamos neste. E luard, recordemos, falava justamente quando a moderna fico cientfica
nascia para futuras glrias. Mas nosso reino celestial no somente
deste mundo, mas de fato constitui o nosso mundo.
O reino celestial, esse conceito utilizado at a exausto pela
imaginao histrica [50], mudou de domiclio. De seu cmodo
assentamento em lugar nenhum, caiu nesse espao mtico que nosso mundo ocupa desde que a humanidade pde contempl-lo pela
primeira vez atravs do ponto de vista de Deus. O cu, o paraso
celestial da posmodernidade, no hoje outra coisa seno a natureza sofrendo enclausurada no flutuante globo azul, que em seu
momento nos foi mostrada pelas exultantes telas da televiso. E
com essa mudana, vimos tambm a necessria instituio de uma
nova teologia, de cuja difuso se encarregaram principalmente os
plpitos cada vez mais populares das previses do tempo. Nos boletins meteorolgicos podemos assistir, diariamente, a essa viso
divina da natureza celestial. Cada dia, o novo sacerdote que o
homem do tempo nos explica, como em um sermo dominical,
as vicissitudes deste mundo suspenso no ter, vicissitudes centradas
nas mudanas meteorolgicas que, numa realidade dominada e
congelada pela imagem, so as nicas possveis.
um sermo visual que nos fazemos a ns mesmos, constitudos em deuses atravs do fenmeno dos satlites meteorolgicos.
As nuvens so anjos e as depresses e os anticiclones representam
a eterna luta entre o bem e o mal, da qual somos, muitas vezes,
participantes e espectadores. O satlite meteorolgico, ao mostrar
que nosso olho, cujo olhar delegamos, no pode seno ver a si prprio, nos recorda a cada dia a realidade de nosso confinamento.
o momento de regressar a essa to recorrente afirmao de Nicolau
de Cusa, referente esfera divina, cujo centro, segundo indica, est
em todas as partes, enquanto que sua circunferncia no achada
em nenhuma delas.
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5. A capital da dor
Se os crculos mais profundos desse inferno citadino no podem ser alcanados sem dor, a menos que se atravesse treinando e
correndo , os crculos da outra cidade, a cidade imaginria, somente so acessveis por meio da televiso ou passando nervosamente as pginas de uma revista. por meio da rpida articulao
de imagens e subimagens que se consegue conectar com o espao
hipntico.
Vivemos em um espao hiper-real, um espao hipntico, que
se cria mediante as sucessivas articulaes de imagens, e das imagens que formam parte de outras imagens. Se tivssemos de situar
esse espao em alguma parte, diramos que est entre a imagem de
nosso corpo e a imagem de uma ecologia global. A fluida articulao de imagens, que ocorre nos aparelhos de televiso e se sucede
nos cinemas aonde vamos para sonhar nossos imaginrios sonhos,
cria uma textura, a textura do novo espao. Esse espao, como o
renascentista, o gtico ou o barroco, um espao imaginrio, mas,
igual queles, acaba por adquirir forma, por incrustar-se nos murros de nossas casas, de nossos objetos, nas linhas de nossas pinturas, sem abandonar por isso sua qualidade de imaginrio. O espao
gtico estava representado na catedral; o renascentista, na perspectiva; enquanto o espao barroco se corporificava na alegoria. J
o espao modernista, herdeiro do positivismo do sculo XIX, era
um espao horizontal, representado principalmente pelo planejamento urbano.
A cidade foi arrancada da evoluo temporal, da histria, pelo
frio gesto do urbanista, que pretendendo eliminar a expanso catica, substituiu o passado por um futuro materializado pelo cimento. Na Europa, a cidade nasceu ao redor das catedrais e mercados,
e se desenvolveu nas estreitas ruas circulares que rodeavam o centro onde o comrcio celestial e terreno davam-se as mos. Esse
crescimento por camadas, quase to orgnico como o de uma cebola ou dos anis de um tronco de uma arvore indicando sua idade,
era o smbolo da temporalidade da cidade, sua conexo com a histria. Mas, no final do sculo XIX, esta temporalidade foi cortada.
A cidade, extrada desse fluxo temporal, se v obrigada a viver, a
partir desse momento, na imaginao de seu arquiteto. Ele quem
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repetindo uma expresso odiosa que ganhou fama em certos ambientes universitrios da Amrica do Norte, podemos falar de uma
percepo politically correct (politicamente correta), mas nunca de
uma percepo, de uma conscincia que no seja midiatizada. No
existe, fora do pensamento metafsico, uma percepo absoluta, e o
grande desafio da crtica social contempornea consiste em aprender a viver com essa ideia. A crtica social deve passar por uma revoluo bruniana [refere-se a Giordano Bruno], precisa ir do mundo
fechado ao universo infinito e restabelecer o velho conceito de luta
contnua. Uma luta contra a incessante e inevitvel alienao que
busca compensar mediante a conscincia lcida de sua inevitabilidade.
Diante de ns se abre um horizonte infinito de penalidades.
Todos os tipos de espao, como j disse, encontram seu caminho at a fisicalidade, visto que depois de uma incessante percepo do mundo sob determinada organizao, esta acaba sempre se
filtrando sobre a prpria matria para mold-la a sua imagem e
semelhana [53]. Outro tanto teria de acontecer, portanto, com o
espao hipntico que foi se formando, como percepo, ao longo
dos ltimos cinquenta anos. Assim, ultimamente, tcnicos e artistas do vdeo tm revelado nos festivais internacionais da imagem o
resultado de suas pesquisas para configurar diversos espaos eletrnicos que sem dvida supem a materializao do espao hipntico. Desses projetos, o mais conhecido o denominado Virtual
Reality (RV: realidade virtual) (54).
Durante a Art Futura 1990, em Barcelona, Scott Fisher, do
Centro de Pesquisa Ames da NASA, e Eric Gullichsen, representante da empresa privada que pretendia comercializar o projeto,
descreveram a realidade virtual como a criao de um espao
tridimensional atravs de um computador, por meio da computao grfica, mas com imagens ainda pouco desenvolvidas. O certo
que se tratava de uma inovao desenvolvendo e inclusive superando as possibilidades infogrficas, realizada quando esta acabava de alcanar sua total operacionalidade. Assim rapidamente acontecem as coisas no universo da imagem eletrnica.
Uma das caractersticas da RV consiste, precisamente, em que
por meio da incorporao de um visor (culos), qualquer pessoa
pode penetrar em um espao computacional. O visor, pequenos
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Mas essas consideraes em torno dos meios nascidos do desenvolvimento capitalista admitem certa matizao. Evidentemente a publicidade visual uma tcnica nascida do e para o capitalismo, uma tcnica que tambm constitui um fator necessrio para a
criao, como j se mencionou, do espao hipntico. Mas ainda
assim, tanto ela como a televiso, o cinema e o design possuem
antecedentes que de certa forma os desligam de uma total filiao
corporativista. possvel, por exemplo, traar uma histria do design
anterior Revoluo Industrial [61] e no podemos negar que tanto a televiso como o cinema nasceram a partir da evoluo dos
meios anteriores, o que converte a sua gnese em algo praticamente inevitvel, ainda que ligada aos nveis de determinado desenvolvimento. Poucos foram os pases industrializados em que, no final
do sculo XIX, no ofereceram as condies necessrias para a
inveno do cinematgrafo e seu posterior desenvolvimento. Quanto publicidade, pode-se dizer, num sentido geral, que se trata de
um aperfeioamento de tcnicas que remontam antiga oratria e
que tem antecedentes to precisos como os sermes medievais ou,
em sua vertente visual, os emblemas e as alegorias renascentistas e
barrocas. Em qualquer desses casos, o que o capitalismo fez foi
transformar um meio mais antigo e mold-lo s suas necessidades
especficas [62].
Talvez, de todos esses meios-linguagens, a televiso seja a que
est mais ligada evoluo das corporaes, no sentido de que,
nascida como meio de comunicao neutro, se v paulatinamente
ligada linguagem da corporao at tornar-se parte integrante
desta linguagem, como a prpria publicidade. Recordemos que a
inveno da televiso no foi consequncia de pesquisas realizadas
por uma grande corporao, mas, como todas as outras invenes
do sculo XIX, resultou do trabalho individual, nesse caso com a
particularidade de estar dividido entre vrios pesquisadores, de cuja
soma de trabalhos isolados veio a se concretizar a televiso. Quanto tempo teve de passar desde as primeiras experincias de May ou
de Nipkow at que fosse possvel realizar as primeiras transmisses da British Broadcasting Corporation? Aquele meio sculo de
pesquisas individuais e dispersas poderia ter sido menor se o trabalho houvesse sido realizado em conjunto e patrocinado por uma
grande corporao. Essa foi uma lio que no caiu no vazio [63].
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soluta de uma realidade por outra. No seria como ver um amigo com o rosto
mudado por uma operao esttica, mas como entrar na mente de quem procurou essa mudana.
72. Lembremos da viagem a Marte de Schwarzenegger em O Vingador do Futuro, filme baseado num conto muito mais interessante do inevitvel Philp K. Dick,
We can remember all for you. O resto do ano, s fica a cidade. A cidade que est
se convertendo em um lugar inspito. Uma declarao que concreta em alguns
pases industrializados e na maioria dos ps-industrializados, em especial naquele que o espelho do mundo: A Amrica do Norte.
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DIKOVISKAYA, Margaret. Visual culture. The study of the visual
after the cultural turn. Cambridge: The MIT Press, 2006.
ELKINS, James. How to use your eyes. Nueva York: Routledge,
2009.
_______________. The domain of images. Ithaca: Cornell University
Press, 1999.
GRAU, Oliver and VEIGL, Thomas (Eds.). Imagery in the 21st.
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GRAU, Oliver. Virtual Art. From Illusion to Immersion.
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HEYWOOD, Ian y SANDYWELL, Barry. Interpreting Visual
Culture. Explorations in the hermeneutics of the visual. Londres:
Routledge, 2005.
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CIDADE, PAISAGEM,
FOTOGRAFIA,
EMBLEMAS
Dulcilia Helena Schroeder Buitoni
Dentro do grande tema imagem e cidade, a proposta discutir conceitos espaciais de cidade e paisagem para serem aplicados reflexo sobre a fotografia jornalstica. Em forma de ensaio, articularemos conceitos de geografia e arquitetura com reflexes de estudos
visuais, procurando aproximar a pesquisa de imagem a outras reas
de saber. Autores como Milton Santos e Lucrcia DAlessio Ferrara
entram em dilogo com textos de Pepe Baeza e Josep Catal, entre
outros, na procura de elementos terico-metodolgicos. A
contraposio construes urbanas/paisagem permitiu analisar representaes emblemticas recorrentes do Rio de Janeiro e So Paulo
na revista Veja; a questo do esteretipo tambm foi abordada.
Fotografia, espao e cidade
Assim que a fotografia comeou a se disseminar no mundo
ocidental, as cidades se tornaram imediatamente objeto dos fotgrafos. Afinal, construes, ruas, jardins e monumentos eram o
entorno em que fotgrafo e cmera se situavam. Pessoas tambm
eram registradas, mas fotografia primeiramente espacial. Representadas em desenhos e gravuras, as cidades j vinham sendo acompanhadas de todo um imaginrio figurativo. Quando a fotografia
surgiu, muitas cidades tinham consolidado determinadas imagens
que sintetizavam sua identidade visual.
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e categorias difceis de situar. Para ele, ensaiar formas de classificar as imagens contemporneas uma maneira de preservar a funo crtica frente proeminncia de seus usos persuasivos. Essa
tarefa no uma mera formalizao pois:
(...) estabelecer classificaes a melhor maneira de sublinhar a singularidade de cada tipo de imagem e,
consequentemente, de opor-se uniformizao do gosto que , em definitivo, o mais sutil e depurado mecanismo de controle de mercado. Essa uniformizao se estabelece assim sobre o empobrecimento que provocam
essas frmulas rgidas que chamamos esteretipos e que,
como indica Adorno, definem o modelo de comportamento do espectador, por cima do questionamento dos
contedos especficos (Baeza, 2001: 29).
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Caractersticas fsicas plasmadas com simbolismos sempre esto nas fotografias que captam cidades e, mais ainda, nas que buscam claramente acentuar uma identidade urbana.
Espaos: construo e paisagem
Para trabalharmos sobre a escolha de imagens que representem uma determinada cidade, a diferena entre espao e lugar for-
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(...) de um para outro, h menos uma questo de desenho da cidade ou de sua comunicao visual do que uma
questo de imagem perceptiva, de um juzo valorativo
sobre a cidade; em outras palavras, esse juzo supe a
leitura e a interpretao daquele fragmento urbano selecionado a partir da dominante estrutural escolhida
para nortear a leitura (Ferrara, 2007: 39).
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A definio de paisagem sempre apresentou dificuldades aos estudiosos de geografia, filosofia, histria e arquitetura, entre outras.
Muitos autores consideraram a paisagem principalmente pela matriz
da natureza. Lucrcia Ferrara (2012: 44) nos diz que indispensvel
operar/produzir a evidncia dos elementos que a distinguem da natureza. Assim, a construo cultural que configura e atualiza a natureza como paisagem precisa ser evidenciada, ainda mais se trabalhamos com representaes miditicas. Se a imagem publicada de uma
cidade privilegia aspectos da natureza ou do urbano, reflexes sobre
comunicao e representao se tornam imprescindveis.
A paisagem corresponde a uma forma visual da
materialidade urbana, mas construda pelo imaginrio
que se amplia em mltiplos contornos. Nessa expanso,
atinge a complexidade de um espao qualificado como
ambiente, onde toda a informao se organiza atravs
de tcnicas, tecnologias, produes, trocas, sentimentos
e vida que, sem distino, se misturam e permitem pensar em uma ecologia da cidade atravs das mdias que a
registram (Ferrara, 2012: 47).
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Paisagem enquanto forma, a imagem corresponde a uma
seleo perceptiva esttica que, de modo espetacular,
produz manifestaes autoidentitrias da cidade, at
transform-las em seus registros emblemticos. Nesse
sentido, a paisagem transformada em imagem da cidade
constitui elemento visual que nutre a cultura urbana e a
torna inconfundvel (Ferrara, 2012: 47).
A autora prope uma semitica da paisagem, em que esta surge como uma configurao da natureza, entendida como representao e signo da natureza:
(...) a paisagem no se confunde com espao, territrio,
meio ou acidentes geogrficos naturais e, muito menos,
com marcas histricas, por mais proeminentes que sejam como sinalizadores do fazer transformador do homem; (...) no se pode confundir natureza, espao, territrio, campo ou cidade como sinnimos de paisagem
(Ferrara, 2012: 45).
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Revistas e jornais tendem a considerar paisagem principalmente pelo aspecto natureza. Esse tipo de paisagem incide principalmente nas construes imagticas sobre a cidade do Rio de Janeiro. Embora a autora trabalhe com conceito de paisagem como forma da materialidade da natureza (Ferrara, 2012: 45), mas modificada pelo homem, h uma relao com a apreenso fugaz:
Na sua densidade visual, a paisagem s pode ser apreendida na fugacidade de um instante; portanto e enquanto
espacialidade que a comunica, a paisagem no tem tempo ou seu tempo falso porque est sempre presente
(Ferrara, 2012: 46).
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so, capaz de super-lo, a fim de ser possvel perceber a paisagem
como acontecimento comunicativo. As revistas promovem este registro: mas ser que constroem um acontecimento comunicativo? A
fotografia jornalstica e a respectiva edio operam fragmentaes:
Entretanto, sem essas fragmentaes, no h paisagem,
pois ela no se d a conhecer seno nas suas partes e
nas dimenses que a registram. Se de um lado, a paisagem manifestao da atualidade de um cotidiano que,
enquanto tempo vivido, utiliza os dispositivos tcnicos
do registro para se tornar memorvel; de outro, as
tecnologias contemporneas que se concretizam em
fotografias, cinema, vdeo, televiso ou digitalizao lhe
permitem apresentar-se como espacialidade tecnolgica
que lhe concede um tempo de permanncia (Ferrara,
2012: 46).
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Cidades-paisagem
Se Milton Santos (2012) nos diz que a paisagem resultado
de uma acumulao de tempos, a utilizao pela mdia de uma paisagem que h muito est no imaginrio brasileiro e ocidental talvez seja ndice de estagnao. As mudanas das relaes sociais e
polticas, as mudanas do meio ambiente que se refletem na configurao do espao e que deveriam ser registradas por uma foto
jornalstica permanecem ocultas, como se aquela paisagem tivesse uma permanncia acima dos fatos. Assim, o Rio de Janeiro, identificado com a Baa de Guanabara, aparece numa foto de sumrio
na revista Veja [figura 2], quase como uma cena intemporal.
Essa identificao cidade-paisagem um recurso discursivo
facilitador, porque permite o reconhecimento imediato. Nesse sentido, mais aceitvel ser escolhida para indicar uma determinada
cidade no sumrio, que necessita velocidade de navegao. Mas
essas mesmas fotos esto presentes no corpo da matria. Alm disso, outras imagens perseguem o elemento paisagem como
identificador do Rio de Janeiro.
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Figura 2. Revista Veja, 20/04/2005, pg. 8.
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As formas em si mesmas, isto , os objetos geogrficos,
deixavam de ter um papel exclusivamente funcional. As
coisas j nascem prenhes de simbolismo, de
representatividade, de uma intencionalidade destinados
a impor a ideia de um contedo e de um valor que, em
realidade, elas no tm. Seu significado deformado pela
aparncia (Santos, 2012: 58-59).
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Se a finalidade da revista apenas uma identificao imediata, a publicao da foto de paisagem pode se justificar. No entanto,
o fotojornalismo deveria buscar mais contedo e mais expresso.
Giovana Emos da Luz (2010) considera que a cultura figurativa
exerce uma funo proeminente na concepo de cidade: a cultura figurativa incentiva o pensamento visual (...) concretiza a identidade entre imagem e imaginrio coletivo/social porque estimula a
ao da imaginao. Representaes de cidades brasileiras algumas ainda em formao comearam a ser fixadas j no sculo
XIX, pelos viajantes europeus, como o francs Debret, os holandeses Albert Eckout e Frans Post e o alemo-austraco Rugendas.
Esse olhar europeu civilizado sobre as novas terras muito possivelmente contribuiu para que a paisagem tivesse tanta fora na configurao desses ncleos habitacionais.
No podemos esquecer-nos de um poderoso instrumento de
expresso e fixao de imagens citadinas, o carto-postal. Lanados na Europa na segunda metade do sculo XIX, os cartes-postais na verdade um novo suporte de correspondncia via correio
disseminavam representaes urbanas e de natureza. Alm da
comunicao verbal entre pessoas, a imagem fotogrfica trazia informaes a respeito do espao em que as pessoas viviam e muitas
vezes da histria que o impregnava. O novo formato podia ser remetido, guardado, colecionado, exposto; houve uma verdadeira
expanso comunicativa da fotografia. A crescente urbanizao ocidental contribuiu para que mais e mais cenas de cidades fossem
tematizadas, num ambiente em que edifcios, avenidas e monumentos eram signos de progresso comercial, industrial e cultural. Os
postais tambm comearam a ser usados como publicidade por
empresas e lojas edifcios, produtos e outros indcios urbanos eram
postos em circulao.
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As imagens emblemticas de paisagem aproximam-se das imagens publicitrias porque, como diz John Berger (1999: 155), a
publicidade , na essncia, desprovida de acontecimento. Ela se
estende at onde nada mais est ocorrendo. Para a publicidade,
todos os acontecimentos verdadeiros so excepcionais e s ocorrem com estranhos. Assim, as fotografias de paisagem, principalmente quando querem apontar para a identificao, no se relacionam a acontecimentos. Melhor dizendo, no envolvem narrativa, no pressupem um antes e depois, no pressupem aes.
Continua Berger (1999: 155): situada num futuro permanentemente diferido, a publicidade exclui o presente e elimina, assim,
todo vir-a-ser, todo desenvolvimento. A experincia impossvel
em seu seio. Tudo que acontece, acontece fora dela.
As imagens emblemticas compartilham caractersticas das
imagens publicitrias. Nesse sentido, quando o Edifcio Copan ou
a Ponte Estaiada representam a cidade de So Paulo, ou o Cristo
Redentor ou o Po de Acar o Rio de Janeiro, podemos dizer que
h uma sntese direcionadora. Na sua obra La imagen compleja,
Josep M. Catal reflete sobre o discurso publicitrio, que considera oposto ao funcionamento da interface, por ele entendida como
modelo mental que se processa atravs da imagem.
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Desde esta perspectiva, a interface e o dispositivo publicitrio se opem, apesar de que ambos provenham de
um mesmo processo comunicacional, posto que enquanto
o dispositivo publicitrio se baseia normalmente na funo mentalizadora da nova disponibilidade, a interface
promove o potencial hermenutico, transformador da
mesma. Do ponto de vista do usurio-observador, a primeira uma funo passiva, enquanto que a segunda
eminentemente ativa (Catal, 2005: 561).
Mais uma vez, trabalhamos com o conceito de imagem complexa como operativo para reflexes sobre fotografia. Assim, a foto de
paisagem poderia ampliar seus significados se no se limitar apenas
ao aspecto natureza, quase sempre nesse vis publicitrio:
De fato, podemos considerar a interface como a imagem
complexa perfeita e neste sentido devemos considerar
que a imagem publicitria e a imagem complexa tambm se contrapem de maneira essencial. A imagem
publicitria busca persuadir manipulativamente, e para
isso deve ocultar, deve simplificar a complexidade por
eliminao, por intensificao de determinados elementos em detrimento de outros etc. A imagem complexa
faz exatamente o contrrio, intenta atuar por meio da
exposio de todos os elementos necessrios (Catal,
2005: 561).
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Cidade concentrao populacional, industrializao, dimenso cosmopolita principalmente metrpoles como Rio de Janeiro e So Paulo. As cidades ajudaram a construir conceitos de pblico, povo, multido, massa, conceitos depois assumidos pelas teorias de comunicao. As visualidades construdas no conseguem,
porm, fugir dos esteretipos. Edificaes e paisagens suscitam esteretipos. Mas esteretipos no devem ser condenados a priori. Para
Baeza (2001: 29), os esteretipos so necessrios como classificaes para impedir o caos cognoscitivo embora sejam empobrecidos
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REFERNCIAS
BAEZA, Pepe. Por una funcin crtica de la fotografa de prensa.
Barcelona: Gustavo Gili, 2001.
BAVCAR, Evgen. Memria do Brasil. So Paulo: Cosac & Naify,
2003.
BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
CATAL, Josep M. La imagen compleja: la fenomenologa de las
imgenes en la era de la cultura visual. Bellaterra: Universitat
Autnoma de Barcelona; Servei de Publicacions, 2005.
FERRARA, Lucrcia DAlessio. As mediaes da paisagem. Revista Lbero, v. 15, n. 29 (junho 2012). So Paulo: Faculdade Csper
Lbero, 2012, p. 43 a 49.
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Introduo
Nos ltimos anos o que mais tem chamado a ateno de pais,
professores e pesquisadores so grupos de jovens em todos os lugares do mundo que leem mang, assistem anims e jogam games.
Praticamente, o dia todo, muitos jovens falam ou teorizam sobre
suas sries preferidas e at andam com roupas baseadas em seus
personagens. Aos olhos dos mais velhos, estes grupos parecem que
no tem mais nada a fazer do que colocar os anims, mangs e
games no centro de suas vidas. Viciados em anim, mang e games?
Parece que sim. Mas o que h de to especial nestes cones da cultura pop japonesa para que a juventude nipnica e a do mundo
todo sinta este fascnio? Sem duvida h muitos fatores como os
personagens, o enredo, o prprio estilo de desenho alm da internet
fator decisivo e crucial que define a gerao de jovens destes ltimos anos e os faz sentirem conectados com esta poderosa mdia.
O grande segredo, no entanto, a imensa identificao entre
personagens e leitores que tem origem em muitos fatores. Um deles a retratao do cenrio das cidades sejam elas do presente,
passado, futuro, do prprio Japo, do Ocidente ou de um planeta
numa galxia distante. Estes cenrios so meticulosamente produzidos para dar realismo e, ao mesmo tempo, oferecer uma possibilidade de fuga por meio da fantasia.
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detalhes brilhando ou brilhantes so usados quando se exprime algo
romntico, ou aqueles compostos por linhas mais escuras podem
representar dor ou tristeza [Figura 1].
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Figura 1. Plano de fundo no mang feminino.
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Nos anims de Hayao Miyazaki h alguns exemplos da esttica akogare no Paris e ele a utiliza para abordar o sentido do carter
e a filosofia japonesa atravs de uma Europa familiar-fantasiosa.
J bem no incio de sua carreira ele produziu e dirigiu o anim O
Castelo de Cagliostro, cuja histria ocorre em algum lugar onrico
da Europa com castelos, nobres, cidades sofisticadas, prados repletos de flores, muito mistrio e principalmente romance.
O importante a ressaltar sobre o akogare no Paris que principalmente atravs dos mangs e anims h uma espcie de projeo
romntica da Frana e de muitas cidades europeias. Isto, de um
lado, favorece a capital francesa, pois a primeira da lista enquanto destino dos turistas japoneses, com cerca de 700.000 visitantes
ao ano. Por outro lado, a maioria dos turistas sofre ali da Sndrome
de Paris, isto , no s h o choque cultural entre pases e costumes,
mas reaes nervosas e muitos so hospitalizados em consequncia
disto. Segundo artigo do jornal francs Libration reportou, em 2004
houve centenas de japoneses hospitalizados e foi criada uma unidade especial no Hospital Sainte-Anne, atendido por um mdico
japons que cunhou o termo Sndrome de Paris. O que ocasiona
isto o confronto brutal entre a fantasia e a realidade da cidade.
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Paris ou outras cidades europeias no conseguem fazer jus
imagem romntica, idealizada nas pginas do mang ou nas cenas
dos anims. Esta sndrome tambm pode refletir as diferenas culturais em estilos de comunicao, algo que exacerbado tambm
pelas barreiras lingusticas. E alm do mais, turistas japoneses tm
frias curtas: a fadiga em conjunto com a desiluso causam estes
transtornos.
3. As cidades destrudas e as cidades hermticas
Outro aspecto de mangs e anims que concerne ao cenrio
das cidades o oposto do romantismo. Existe a recorrncia da
temtica de fico cientfica pelo vis da destruio do planeta e da
humanidade. E, por incrvel que parea, faz com que o leitor japons se identifique. Segundo Luyten:
Isso pode ser explicado, de um lado pela turbulenta
histria poltica do arquiplago. As grandes guerras
civis do sculo XVI, que culminaram com a unificao do Japo, dominado pela famlia Tokugawa e com
a diminuio do poder imperial, so um bom exemplo. Alm disso, ainda est viva na memria dos japoneses a hecatombe nuclea r, com as bombas
lanadas pelos EUA sobre Nagazaki e Hiroshima, terminando abruptamente a guerra do Pacfico e acabando de uma vez a agressividade do exrcito imperial (Luyten, 2012 : 181).
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preciso considerar tambm um elemento traumtico no inconsciente coletivo japons que a constante devastao da natureza as catstrofes naturais como terremotos, tsunamis e tufes
que h sculos varrem o pas quase sempre de surpresa.
O mang mais conhecido sobre os horrores e traumas da guerra
foi Gen, Ps descalos (Hadashi no Gen), de Keiji Nakazawa, publicado em vrias revistas, incluindo a Weekly Shnen Jump, de 1973
a 1985. O que torna este mang diferente seu estilo que pouco
tem a ver com o do mang convencional, usando linhas fortes e
expressivas [Figuras 3 e 4].
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Este mang de fico cientfica/cyberpunk de Katsuhiro (19821990) e a adaptao para anim (1988) representam as angstias
culturais do ps-Segunda Guerra Mundial no Japo, explorando a
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Akira um contraste entre dois modos de repetio do
trauma da bomba atmica: um modo constitutivo e um
modo generativo. A repetio constitutiva associada
com a identidade nacional, o estado de desenvolvimento
e a sociedade industrial, enquanto o trauma generativo
associado com a cidade global e imprio, sociedade da
informao e desastre do capital. Akira no contrasta
meramente essas duas modalidades: imagina uma passagem histrica de um para o outro, em sua estreita associao com modos histricos de produo e de destruio e com as configuraes socio-econmicas da guerra e capital (Lamare, 2008: 131).
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na cidade alta de Tiphares. Tribunais e filmes futuristas
como srie Robotech e Gundam, transferem esta oposio escala do cosmos. Isto ainda mais radical nessas
histrias, as castas dominantes so compostas por militares que pretendem agir para a sobrevivncia de toda a
espcie. As cidades-mundos Apple Seed, de Pat Larbor,
e Ghost in the Shell usam o mesmo esquema em beneficio dos policiais e agentes especiais (Cherdel, 2002).
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1. Fragmentao do tempo e do espao: isso est intimamente relacionado com o processo chamado de
glocalizao. Voc pode imaginar o cotidiano com a MTV
e a Internet que pode lev-lo para cada cantinho do
mundo uma vez, num piscar de olhos. Esta situao pode
transformar sua vida numa fragmentao de tempo e
espao. 2. Estetizao da vida diria: este processo diz
respeito generalizao do estilo de vida urbano. O autor Georg Simmel j se referiu a este processo de
estetizao da vida, mas para ele essa tendncia limitada a um grupo selecionado de classe alta ou mdia que
habita uma rea metropolitana que apresenta uma grande variedade de opes e pode acomodar uma vasta gama
de gosto. 3. Auto descentralizao ou desconstruo do
sujeito: como consequncia da fragmentao do tempo
e do espao. O homem moderno, descrito por D.
Riesman, por exemplo, que tem interiorizado um sistema de valor transcendental, no existe mais. Aqui
transcendental significa um sistema de valor que no
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incorporado em cada contexto concreto, mas transcendente para alm de contextos diferentes. Em vez deste
tipo de homem moderno, temos como dominncia o
outro orientado espalhado por toda a sociedade em
quase todos os pases capitalistas. 4. No diferenciao
de fronteiras entre cultura erudita e popular, entre nao e etnia, entre original e cpia, entre o real e o virtual, entre os gneros, como arte, objetos, artes visuais, romances, jogos etc., todas estas fronteiras tendem a ser
nebulosas ou indistintas (Yui, 2010: 46).
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uma cidade europeia dos anos 1920, adicionando ao filme uma sensao onrica, o que contradiz com o nome da animao em japons que Majo no Takkybin, O servio de entregas domiciliares, em
traduo livre [Figura 10].
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O termo takkybin refere-se a uma empresa de servios de entrega nacional com sede no Japo cujos itens podem ser desde uma
bagagem a partir de uma estao ferroviria para a casa do destinatrio at um simples pacote que uma av envia para seu neto. Desde
o incio em 1976, este tipo de entrega originou-se da Companhia de
Transportes Yamato. No Japo, os caminhes do takkybin circulam por todo o pas tendo como logotipo um gato preto. A introduo deste servio passou a ser parte da vida das pessoas nas cidades
e causou grande impacto na sociedade japonesa [Figura 11].
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Consideraes Finais
Como mencionado no incio deste artigo, nas ltimas dcadas
observou-se notvel crescimento na recepo internacional no consumo de mang e anim. Estas narrativas, caracterizadas por
hibridismo e fluidez, descolaram-se de sua fonte local e conseguiram um alcance global. Os temas, enredos e a intensidade e complexidade dos personagens do mang e anim atraem os leitores
levando-os a se identificar com os heris e heronas. Dois fatores
significantes corroboraram o sucesso global da cultura pop japonesa: o avano da tecnologia e a cultura devotada dos fs. Alm disso,
o mang e anim quebraram as convenes de que quadrinhos e
desenho animado so somente para crianas.
Este artigo analisou mais um elemento chave para a identificao entre os leitores e os personagens: os cenrios reais das cidades
em todas suas modalidades: do presente ao futuro, do urbano ao
galctico meticulosamente produzido para dar realismo e, ao mesmo tempo, oferecer uma possibilidade de fuga por meio da fantasia.
Da idealizao das cidades europeias e, em especial Paris, foi criado
o termo Akogare no Paris para indicar mangs e anims que retratam
de forma fantasiosa o Ocidente. Esta projeo romntica das cidades v-se, principalmente no shojo mang (para adolescentes femininas) cujo cenrio mais artstico, repleto de devaneios grficos e
variedade de detalhes como reflexo do contedo da histria.
Os produtos culturais gerados e distribudos pela mdia eletrnica compartilham do mesmo destino destas duas tendncias
contemporneas: o ps-moderno e a glocalizao. Portanto, o
anim muito mais exposto a isto do que o mang, uma vez que
impresso. Este processo, contudo, tem o outro lado da moeda: os
verdadeiros fs da cultura pop japonesa de todo mundo esto
busca do mang original.
Se o Japo declina atualmente como fora econmica mundial, o gnero de entretenimento como o mang e o anim tem
apelo global, especialmente entre os jovens. E, apesar do mercado
interno estar encolhendo, continua ganhando popularidade alm
de suas fronteiras. O fascnio decorre da identificao a partir da
esttica sutil e detalhada dos cenrios das cidades e locais onde so
inspirados. Hoje h muitos livros com informao sobre lugares
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_______________. Anime from Akira to Princess Mononoke:
Experiencing Contemporary Japanese Animation. New York:
Palgrave Macmillan, 2009.
_______________. The Fantastic in Modern Japanese Literature.
London: Routledge, 1996.
SHANER, Andrew. Defining steampunk through the films of Hayao
Miyazaki. The Pennsylvania State University, 2011.
WOODS, Toni Johnson. Manga, an Anthology of Global and Cultural Perspectives. New York: Continuum International Publishing
Group, 2010
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Material da Internet
A mang about the tsunami. Weird News from all over Asia: News
from Japan, China and Korea. Disponvel em : http://ccgsf.com/
882.html
Artistas de mang so solidrios com crianas afetadas por terremoto e tsunami no Japo. MN - Cultura japonesa e notcias da
sia - 27/01/2013. Disponvel em: http://www.mundo-nipo.com/
variedades/cultura/27/01/2013/artistas-de-manga-sao-solidarioscom-criancas-afetadas-por-terremoto-e-tsunami-no-japao
CHERDEL, Patrick. M, comme manga un abcdaire. Vacarme
21 / Outono 2002. Disponvel em: http://www.vacarme.org/
article1459.html
HUANG, Michael. Akira Come, Sweet Destruction. Disponvel em:
http://metaphilm.com/index.php/detail/akira/. 23/10/2003.
KLEINA, Nilton. O que steampunk. Disponvel em: http://
www.tecmundo.com.br/12074-o-que-e-steampunk-.htm 4/08/ 2011.
KULKARNI, Atul. Should western brands go local or stay global?
Consumer Instinct. Disponvel em: http://www.consumerinstinct.
com/marketing/should-western-brands-go-local-or-stay-global
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PASSEIO PELAS
MENSAGENS DA
CIDADE: CONVVIO
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Carlos Costa
Catal continua citando o trabalho Os Caminhos do Conhecimento, de Hans Robert Jauss: Cada um deve buscar o caminho de
seu prprio compreender e, em consequncia, provar diferentes
tentativas e rodeios, que a certeza de ningum lhe pode otimizar.
A cidade pode ser vista de mltiplos ngulos. E de fato foram
diferentes as abordagens de muitos observadores ao longo do tempo. Basta lembrar como a cidade foi vislumbrada por Charles
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Baudelaire e Walter Benjamin, com o olhar empolgado pelo otimismo da modernidade frente as transformaes por que passava
a Paris do fin de sicle.
As vises do espao urbano so, no entanto, dissonantes. A
cidade vista por Beatriz Sarlo no se conecta com a fantasmagoria
criada pelo estudante russo Andrey Shushkov no curta-metragem
A inveno do amor, seu trabalho de concluso de curso na Universidade de Artes e Cultura de So Petersburgo em 2010.
Beatriz Sarlo abordou a cidade sob os distintos focos do cotidiano de sua Buenos Aires. O aumento da violncia e a convivncia com vizinhos indesejados (Prostitutas, travestis e vizinhos)
so temas de Tiempo presente, de 2001. Mas o foco no consumo
sua viso mais constante. Ela dedica a ele trs ensaios deste livro:
Shoppings e Carrossis, Shopping Abasto e Um mundo de
maquetes. Num trabalho anterior, Cenas da vida ps-moderna, de
2000, o primeiro captulo (Abundncia e Pobreza) discorre sobre
os shoppings e a homogeneizao vivida cem anos depois do deslumbramento de Benjamin. tudo to igual nos shoppings de todo
mundo que, para um recm-chegado de Jpiter, somente o papel
moeda e a lngua dos vendedores permitiria saber onde se est
(Sarlo, 2000: 15).
O tema do consumidor tomando o lugar do cidado foi abordado antes por Sarlo nos ensaios Carteles y Afiches e Cultura
Fast y Lentitud, publicados em Instantneas: mdios, ciudad y
costumbres en el fin de siglo, de 19961. rboles en el Shopping Mall,
do livro Siete ensayos sobre Walter Benjamin, de 2000, tambm passeava por esse tema. Uma dcada depois, com viso mais apurada,
Sarlo voltou a se debruar sobre a cidade como mercado em La
ciudad vista, mercancas y cultura urbana, de 2009.
J o cineasta russo Andrey Shushkov, hoje com 28 anos,
visualizou no TCC apresentado em 2010, A inveno do amor, uma
cidade desumana, densa em poluio e quase desprovida de vida.
At o porquinho que late e surpreende a camponesa, que foi viver
sua trgica histria de amor na cidade, uma construo metlica
Boa parte desse livro foi publicada no Brasil na coletnea Paisagens Imaginrias (editada pela EDUSP em 1997), mas no esses ensaios citados.
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movida a cordas, como a borboleta que bate as asas por meio de
engrenagens. Uma viso em silhueta de um mundo semimorto: at
a flor que dera incio a seu romance morre, como a protagonista.
A viso que se prope neste ensaio a da cidade como um
lugar de convivncia de mdias e de troca de mensagens. No apenas o repositrio de cartazes e psteres incitando ao consumo, como
quer Sarlo, mas espao de troca e comunicao, de celebrao de
vida como as faixas de rua comemorando aniversrios ou festejando o filho que passou no vestibular. Viver na metrpole implica o
reconhecimento desses mltiplos sinais de uma cidade em que a imagem se torna um dos focos da leitura. Como descreve o pesquisador
Jos Geraldo de Oliveira em seu trabalho Grafiticidade e viso travelar,
em que analisa o espao urbano e o grafite:
A imagem se torna o cerne da metrpole e retrato de
suas mltiplas identidades. Um territrio de metforas
que em sua mobilidade e efemeridade rene pontos de
tenses dialticas. Uma paisagem com ritmo, enunciaes
surgidas na interao do observador em movimento (da
a expresso travelar) e que produz uma conjuno de
olhares nos interstcios urbanos, visto que o corpo do
observador tambm est ali e pode querer interagir e se
comunicar (Oliveira, 2012: 25).
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historicidade imagtica sobrepostas no tempo e que se
ampliam para alm dos traos materiais ou de escrita. A
memria perpassa no sob/entre dessas imagens. Essas
marcas podem ser recuperadas como metfora para abordar o passado de uma cidade (Oliveira, 2012: 54).
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uma inveno moderna. O escritrio de Agostinho e seus livros,
fosse de que modo tivessem sido no sculo IV, eram para Carpaccio
e seus contemporneos muito parecidos ao que dispunham no incio daquele sculo XVI: rolos ou cdices, pedaos de pergaminho
ou os belos livros de bolso que o tipgrafo veneziano Aldo Mancio
imprimira poucos anos antes que o pintor comeasse a executar a
encomenda para a corporao de San Giorgio degli Schiavoni.
Eram todas variaes de livros que se alteravam e seguiriam
mudando sem deixar de ser o mesmo livro de sempre. Na viso de
Carpaccio, escreve Manguel,
O estdio de Agostinho era como o meu, um reino do
leitor comum, com fileiras de livros, lembranas, a mesa
repleta, o trabalho interrompido, o leitor esperando que
uma voz a sua prpria, a do autor, a de um esprito
respondesse s perguntas colocadas na pgina aberta que
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Quando se l uma pgina na tela do computador, essa leitura
silenciosa, desencadeando uma srie de processos complexos em
zonas especficas do crebro do leitor decifrando o que seus olhos
captam, tornando compreensvel o contedo dos sinais sem que a
boca pronuncie as palavras para recreao dos ouvidos. Mas o hbito da leitura silenciosa, e Manguel ainda que ensina, no algo
to antigo como se pode pensar. Agostinho seguramente no entenderia nossa atividade silenciosa de hoje, pois em seu tempo o
comum era ler em voz alta, e esse hbito vinha dos antigos gregos,
como explica Manguel em outros livros, como A biblioteca noite e
Uma histria da leitura.
Ler em voz alta era uma maneira de engajar-se inteiramente
no texto, dando vida e significado ao escrito, como se apropriando
dele. Alm disso, como no havia pontuao (sinais de vrgula ou
de ponto para indicar o final de uma sentena), a entonao servia
tambm para reconstruir o fluxo narrativo. Mas j a partir do segundo milnio, com a introduo da pontuao nos textos e a maior difuso de manuscritos (o papel comea a ser produzido na Europa por volta de 1260, quando se instala a primeira fbrica na
cidade de Fabbriano, Itlia), a leitura em voz alto cedeu lugar
atividade silenciosa, exigindo a privacidade. Soaria estranha, nos
tempos de Agostinho, a regra atual que exige silncio nas bibliotecas. Esse novo padro de leitura, pontua Manguel, d em
contrapartida lugar a um tipo de intimidade amorosa com o texto.
Cinco sculos depois de Carpaccio, ler em silncio no surpreende. Mas continuamos em busca de novidades, como a da criao dos audiotextos ou dos videotextos. Assim, a leitura escapa
dos livros e cdices para se apoderar de outros espaos e suportes,
dos tablets aos smartphones.
Panormica da evoluo da escrita e da leitura
Nos incios da longa histria da leitura, os relatos eram transmitidos por via oral, exigindo o exerccio da cultura mnemnica
capacidade de memorizar relatos, genealogias, a saga da tribo ou os
mitos fundadores de um povo. Essas narrativas eram contadas durante horas pelo ancio da tribo, o dono da memria. Esses relatos orais eram os livros, passados de pai para filho. A Bblia foi um
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relato oral transferido para o suporte escrito a partir do sculo VIII
antes de Cristo, perodo da construo do Templo de Salomo. A
exigncia do controle contbil das toras de cedro compradas para
levantar o templo determinou esse tipo de anotao escrita.
A etapa seguinte da comunicao humana foi a escrita. O homem j desenhara nas paredes das cavernas. Ainda hoje no se
sabe ao certo se a funo desses registros era esttica ou mgicoreligiosa. Acredita-se que o homem pintava na caverna a imagem
do animal que ansiava abater quando terminasse o inverno e sasse
caa. Depois, a escrita foi realizada em blocos de pedras, as
estelas, ou em placas de argila que, cozidas, se transformavam
em uma espcie de placa para guardar [Figura 1]. Esse processo
garantia o controle das contas e as dvidas de um cliente.
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O cdigo de Hamurabi uma estela que permanece at hoje:
um bloco de rocha de diorito, com 46 colunas em escrita cuneiforme,
contendo 282 leis em 3.600 linhas, esculpidas por volta do ano 1700
a.C. A pedra mede 2,25 metros de altura, 1,50 metro de circunferncia no alto, engrossando para 1,90 na base. Um dos tesouros do
Museu do Louvre, foi encontrado por uma expedio francesa em
1901, em Susa, cidade hoje localizada no Ir.
Outro documento, descoberto pelo botnico francs Andr
Michaux na mesma regio da antiga Babilnia, a estela que leva
seu nome. Andr correu mundo, explorando variedades de plantas
na Inglaterra, Frana e norte da Espanha, depois no Oriente e Estados Unidos, terminando sua peregrinao em Madagascar. Em
sua primeira expedio, acompanhou o cnsul francs Jean-Franois
Rousseau, primo do filsofo, enviado em 1782 pelo governo francs para a Prsia. Michaux descobriu nos arredores de Bagd esse
primeiro documento contendo escrita cuneiforme trazido para a
Europa. Essa estela est hoje no Gabinete de Medalhas da Biblioteca Nacional da Frana [Figura 2].
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A escrita passa na etapa seguinte a ser realizada sobre o suporte dos papiros e dos pergaminhos. Papiros eram folhas de palmeiras tratadas; pergaminhos eram suportes de pele de carneiro
ou de cabrito curtida, e que serviam como uma espcie de pgina
para escrever. O papiro apresentava o problema da conservao,
esfarelando-se com o uso e os pergaminhos eram muito caros. Da
o costume de raspar o escrito para reutilizar o suporte os
palimpsestos so pergaminhos sob cujo texto atual se descobre uma
escrita anterior. Ao contrrio do que um leitor de fico e de notcias possa imaginar, a finalidade primeira desses suportes da escrita foi comercial: controlar recebimento e entrega de mercadorias.
Inventado na China cerca de 150 anos antes da era crist, o
papel levou nove sculos para chegar at a ndia, propagando-se
rapidamente pela intensa atividade dos sbios do Isl.
Foi pela atividade intensa de traduo dos sbios sarracenos
que os textos clssicos gregos foram recuperados e glosados, como
conta Alberto Manguel em seu livro Ilada e Odissia de Homero
(uma biografia). Aristteles e Plato foram reintroduzidos na Europa Medieval juntamente com o suporte do papel (sculo XI). O
Convento de So Domingos de Silos, em Burgos, Espanha, conserva um manuscrito de 157 folhas, do sculo XI, considerado o mais
antigo documento ocidental escrito em papel. Com a popularizao
da inveno chinesa e a introduo dos copistas (monges que reproduziam cpias de livros), multiplicaram-se as possibilidades da
leitura. E assim a cultura mnemnica deu lugar leitura e s anotaes sobre papel. No era mais necessria o memria, pois se
podia recorrer ao impresso, sempre anotado e comentado.
O elogio do virtual x hiprboles
Na poca de Carpaccio, a capacidade de memorizar textos ainda era importante como ferramenta de argumentao. A retrica,
o falar bem, supunha citar autores de improviso e contrapor pontos de vista de diferentes pensadores e autoridades. Mas o uso da
citao de cor (saber de corao, pois o texto amorosamente
guardado flui sem esforo), como se disse, cedeu lugar cultura
livresca e necessidade de levar consigo o anexo para localizar a
citao a fazer.
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Essa recuperao histrica pode soar hoje como uma arenga
fora do tempo. O elogio agora se faz ao virtual, ao multiacesso a
diferentes possibilidades de leitura. Nunca houve tanta oferta como
as que h hoje. Vivemos a era de excessos, em que o super deu
lugar ao hiper. Hiper do grego hyp, superior; a mais; acima do
normal ou do regular; em excesso ou demasia, segundo o dicionrio Caudas Aulete. Da hipermercado, hiperinflao, hipertenso,
hiperlink.
Essa viso hiperblica se encontra disseminada tanto em textos sobre leitura como em ensaios sobre a comunicao. Enxurrada de informaes, turbilho de imagens, turbulento mar de
transformaes so amostras desse exagero laudatrio dirigido ao
impacto da informatizao. Pierre Lvy escreve que
O virtual, rigorosamente definido, tem somente uma
pequena afinidade com o falso, o ilusrio ou o imaginrio. Trata-se, ao contrrio, de um modo de ser fecundo e
poderoso, que pe em jogo processos de criao, abre
futuros, perfura poos de sentido sob a platitude da presena fsica imediata (Lvy, 1966: 12).
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Overdose da imagem x olhar atento
Se at o sculo XIX havia carncia de imagens2, hoje h excesso. E sabemos: excesso de informao desinformao. Sabemos de tudo e, ao mesmo tempo, no sabemos o que precisamos
saber (Beatriz Sarlo). No caso das imagens, mesmo as tendo em
excesso, somos cada vez menos leitores atentos. Como escreve
Richard S. Wurman,
Uma edio do The New York Times em um dia da semana contm mais informao do que o comum dos mortais poderia receber durante toda a vida na Inglaterra do
sculo XVII. [...] Quando eu era criana, em Filadlfia,
meu pai me disse que eu no precisava decorar a Enciclopdia Britnica; s precisava saber como encontrar o
que ela contm (Wurman, 1991: 36 e 58).
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CONVVIO DE MDIAS
ta [...] A mudana no modo de ver pode ter origem em
dois momentos: a inveno da fotografia e as transformaes da paisagem urbana que criaram um novo ritmo nas
cidades do sculo XIX. O flneur se tornou a figura de
resistncia nesta nova espacialidade urbana. (Oliveira,
2012: 25 e 50).
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Na convivncia no h buscas, mas encontros. Ela, a convivncia, propicia espao para a fruio do vagar, do andar sem pressa, sem a necessidade do GPS para no se perder, pois ela um
convite para o encontro. A percepo atenta da cidade, na convivncia das mdias, exige exatamente no supor um ponto de chegada, para dispor da oportunidade de se perder. Pois no perder-se
que se descobre a fruio das mensagens inscritas na cidade. Ela se
mostra, mas poucos esto dispostos ao olhar atento.
Uma placa numa esquina de Perdizes, bairro da zona oeste de
So Paulo, avisava que a rua Bocaina, de apenas um quarteiro, altura do n 700 da Cardoso de Almeida, era uma via sem continuao. A placa RUA SEM SADA foi alterada para VIDA SEM SADA. Somente aps meio ano a placa foi corrigida para sua verso
original, com a retirada do adesivo com a palavra VIDA [Figura 3].
Poucos moradores ou transeuntes perceberam essa interveno, durante o tempo em que esteve em exibio, pois perdemos muito do
contato com o real, sem olhar as propostas que nos so oferecidas.
Na nsia de fruir a velocidade das imagens, no reparamos em detalhes ou em mensagens [Figuras 4 e 5]. que se espalham no espao
urbano.
Figura 3. esquerda, placa de trnsito que avisa que a rua sem sada
sofre a interveno: rua sem sada passa a ser vida sem sada.
Figuras 4. No centro, uma placa de sentido de direo,
na cidade de Roma, sofreu rotao para o alto e a flecha ganha
uma coroa, imitando um anjo.
Figura 5. O sinal de trnsito avisando que a rua contramo, tem
acrscimo de uma silhueta de operrio que parece carregar a sinalizao.
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A varredura e a leitura atenta
Qual tempo que levamos para realizar uma leitura rpida,
chamada pelos especialistas de varredura, e quanto demanda uma
anlise ou percepo em profundidade, a leitura atenta? Vamos
realizar um exerccio da leitura atenta de uma capa de revista ilustrada brasileira, do sculo XIX. Em quanto tempo se l (percebe e
analisa) essa imagem? Escolho a capa da revista Semana Illustrada,
a primeira semanal satrica criada no Brasil pelo alemo Henrique
Fleiuss em dezembro de 1860. Ele estabeleceu um modelo seguido, quase at o final do sculo XIX, por quase todas as publicaes
semanais ilustradas do pas. Sucesso ao longo de toda a dcada de
1860, a revista fechou em 1876, aps uma trajetria de 16 anos
um recorde para a poca (Costa, 2012). A capa escolhida a de
nmero 237, sexto ano da revista, em meados de 1865 [Figura 6].
Vamos a ela, com a pergunta: em quanto tempo se l esta capa?
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A CIDADE E A IMAGEM
Quanto tempo demanda a leitura dessa imagem? Provavelmente os poucos segundos que dedicamos anlise visual rpida
ou varredura resumida imediata, como conceituam os especialistas em design grfico. No mais do que 2,5 segundos, de acordo
com o designer John White:
A varredura resumida imediata dura 2,5 segundos, e o
exame detalhado pode levar at 5 minutos. [...] A varredura rpida, errtica, vertical requer elementos
que se destaquem. A leitura lenta, estvel, horizontal requer um fluxo claro, suave, estvel (White, 2005:
235-236).
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CONVVIO DE MDIAS
Acima, ocupando a tera parte superior da capa, o desenho
do logotipo rico em detalhes e se tornou a marca de identidade
da revista, acompanhando-a ao longo de dezesseis anos. No alto,
um Sol de formas humanas (com a lua e uma estrela cadente), ladeado esquerda pela palavra Semana e direita Illustrada.
Nas cantoneiras, h dois personagens de cada lado, com um fole e
uma seringa, como se estivessem a jogar gua de cheiro num entrudo carnavalesco. No centro, a figura de um homem, meio bruxo,
chapu com penachos, a cruz de malta ao peito: mantm o olho
direito fechado e o esquerdo bem aberto, como se olhasse o leitor,
num sorriso enigmtico. Tem na mo direita um exemplar da Semana Illustrada, enquanto a esquerda ajuda os dois bobos da corte
a passar a tira de imagens no animatgrafo ou lanterna mgica.
Na base do desenho, esquerda um casal, deitado como num
piquenique; direita, um grupo onde se destaca uma bailarina e
um padre, aparentemente bolinando a garota. Um clima pndego,
como se diria tempos atrs. Na objetiva da lanterna mgica, o lema
da revista Ridendo castigat mores. Ou seja, a comdia castiga ou
corrige os costumes, por meio do riso.
H nesse frontispcio uma caixa, espcie de cinematgrafo,
com a inscrio Laterna Mgica. Esse erro ortogrfico foi cometido no primeiro nmero, mas o alemo Henrique Fleiuss jamais
considerou a hiptese de refazer a logomarca, corrigindo o erro:
Laterna mgica, com o erro, passou a ser uma das identidades
visuais da revista, como escreve Joaquim Ferreira de Andrade.
O olhar desatento da varredura no prestaria ateno a todos
esses detalhes. E essa anlise deteve-se apenas parte superior da
capa: esse um bom exerccio para a coleo de avisos, placas,
filipetas ou flyers com que cruzamos [Figuras 8 a 10] todos os dias
na caminhada desatenta pela cidade.
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As imagens da cidade: as mensagens coladas nos muros.
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Figura 8. O recrutamento de cozinheira: anncio escrito a mo, azul sobre folha branca, afixado em um muro em Curitiba (imagem captada em
maro de 2011).
Figura 9. o protesto contra o brbaro crime no trnsito ocorrido em Porto Alegre na noite de 25 de fevereiro de 2011, quando um motorista, o
bancrio Ricardo Jos Neis, de 47 anos, arremeteu seu Golf preto contra
um grupo de 200 ciclistas que dificultava sua passagem pela avenida, sem
lhes dar a menor chance de defesa ou fuga, sem se preocupar com as
consequncias. Houve 17 vtimas, nenhuma delas fatal. O cartaz tem no
centro a montagem de uma pistola e um carro da marca VW (preto sobre
fundo vermelho), e destaca em letras garrafais: No foi acidente!! e Assassino (texto branco e vermelho sobre fundo preto, as trs cores bsicas
do design grfico, segundo o especialista Roger Black). O pster est
colado ao estilo de um palimpsesto sobre outro cartaz (Foto tirada em
Porto Alegre, em novembro de 2011).
Figura 10. A faixa retangular quadrada, em material plstico, afixada nas
grades da Igreja de Santa Ceclia, no centro de So Paulo. Ela registra o
agradecimento de um devoto, S. Coelho, a seu santo de devoo, o popular
So Expedito, pelo acerto de contas com o CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) graas interveno do santo (Foto
tirada em Santa Ceclia, SP, em outubro de 2012).
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Na cidade de So Paulo, uma agncia de detetives investiga todo
ms mais de 70 casos de adultrio pela internet. A maioria confirmada. (Fonte: Giovana Telex, Jornal Hoje, 14/06/2011). Nos Estados
Unidos, uma pesquisa realizada por advogados matrimoniais mostra que 20% dos processos de divrcio citam o facebook como causa
da crise. Uma outra pesquisa conduzida por advogados responsveis
pelo ingls Divorce Online afirma que o Facebook o responsvel
por 28 milhes de divrcios em todo o mundo. Segundo a Academia
de Direito matrimonial adverte, na maior parte das vezes o cnjuge
infiel iniciou um relacionamento com um usurio do Facebook de
quem se aproximou sem segundas intenes.
Mesmo assim, a busca por sexo nos sites de relacionamento
no eliminou os santinhos, que podem ainda ser encontrados em
estaes de metr e banheiros de todo o mundo. Os exemplos aqui
mostrados [Figuras 11 a 13] so de adesivos colocados nos orelhes (sim, h ainda quem os use, embora cada vez mais raros) da
cidade de Curitiba, em maro de 2011.
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pode buscar pelo site dessas prestadoras das pompas fnebres e
ter boas surpresas sobre as prestaes oferecidas por elas. A Honras Fnebres Ifa Passerini tem na lista de produtos a preparao
do corpo e tanatoesttica. E explica: A composio e preparao
do corpo requer a interveno de equipe altamente qualificada,
capaz de usar ferramentas e produtos profissionais. Por esta razo,
bom no improvisar na limpeza do cadver e confiar em nossa
equipe. Em alguns casos, como mortes resultantes de acidentes ou
doenas de longa durao, a tanatoesttica, aplicada no tempo certo, tornar o corpo do defunto o mais apresentvel possvel aos
olhos de seus entes queridos. Os funcionrios da IFA encarregados
dessas tarefas so especialistas e assistem de modo contnuo e regular a cursos de reciclagem ministrados por professores internacionais. Seguem-se mais de 3 mil caracteres discorrendo sobre transporte, enterro e cremao.
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So mais modestas as condies da Agncia Funerria Paraso Lda, com sede na Rua Nogueira Frades 1, em Covilh, quase
no alto da Serra da Estrela, em Portugal [Figuras 16 e 17]. O diferencial dos cartazes afixados por ela em alguns trechos das ruas
sempre ngremes da Covilh so a presena de fotos dos defuntos
em todos eles embora em tamanho menor . Tambm o site da
Funerria Paraso mais sbrio do que as similares italianas, com
textos menos retricos. Mesmo assim, oferecem quase as mesmas
prestaes: Para alm de um leque variado de oferta de servios,
que vo desde a Tanatopraxia e Tanatoesttica, florista, cantaria, a
uma frota moderna de carros funerrios. A Funerria Paraso tem
uma larga experincia em questes de repatriamento, constando
no seu currculo vrios servios de e para o estrangeiro. Dispomos
de servios fnebres catlicos e no catlicos.
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Em sua misso, a empresa esclarece: Sendo a plena satisfao dos clientes o nosso principal objectivo, dispomos de servios
em permanente actualizao e modernizao. A nossa sede dispe
de gabinetes de atendimento personalizado e sala de exposio de
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urnas e artigos religiosos, oferecendo toda a dignidade e conforto,
e colaboradores experientes para auxiliarem e acompanharem as
famlias durante todo o processo doloroso de enlutamento.
Os efeitos da lei cidade limpa
A chamada Lei Cidade Limpa uma normativa contra a poluio visual no municpio de So Paulo, em vigor desde o dia 1 de
janeiro de 2007, proposta e sancionada pelo ento prefeito Gilberto Kassab. Com 57 artigos, distribudos em 4 sees, a lei deixa
clara sua misso de combate poluio visual, e de proteo, preservao e recuperao do patrimnio cultural, histrico, artstico
da cidade. Seu artigo 18 determina: Fica proibida, no mbito do
Municpio de So Paulo, a colocao de anncio publicitrio nos
imveis pblicos e privados, edificados ou no. A lei especifica o
tamanho de logomarcas (detalhando centmetros). O fato que
aboliu quase completamente a tradio de colocar cartazes e faixas
na cidade de So Paulo. Os totens do McDonalds, que dominavam a paisagem em entroncamentos como o da Avenida Henrique
Schaumann e Rebouas, com cerca de 30 metros de altura; ou os
das agncias do extinto Unibanco 30 horas desapareceram da paisagem. Um dos setores mais afetados foi o do mercado imobilirio,
que se utilizava at de cheerleaders (chefes de torcida) para atrair
a ateno de possveis compradores prtica adotada num segundo momento por revendedores de automveis.
Hoje, o paulistano que visita outras cidades como Belo Horizonte ou a vizinha Guarulhos percebe, com certa surpresa, a poluio visual dessas localidades. J nos acostumamos com o estilo despojado da capital paulista. A indstria imobiliria se adaptou a essa
situao, utilizando-se de jovens com cartazes indicativos [Figuras
18 e 19], numa ao que j discutida pela municipalidade.
Na esquina da rua Traipu com a rua Cndido Espinheira, no
bairro das Perdizes, na capital paulista, o apartamento com quatro
sutes, de 255 m agora anunciado no por faixas, mas por rapazes e moas contratados para exibir pequenos cartazes. So setas
que indicam a direo do trfego para chegar aos locais em que se
constroem edifcios de mais de 20 andares, substitutos das simpticas casas assobradadas que davam o tom caracterstico do bairro
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vinte anos atrs. Poucas sobreviveram especulao imobiliria. A
devastao foi descendo o bairro. Aps a destruio das casas da rua
Homem de Melo, agora chegou a vez das ruas Itapecuru, Turiassu
ou Paraguassu. Em vias onde antes trafegavam algumas centenas de
carros, hoje so milhares brotando de estacionamentos subterrneos com capacidade para quatro vagas por apartamento.
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Figuras 18 e 19. Rapazes e moas exibem pequenos cartazes anunciando empreendimentos imobilirios. Fotos realizadas em julho de 2013.
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o jardim, conclumos com a proposta desta reflexo: preciso
cultivar a leitura atenta das mensagens que a cidade nos oferece
em abundncia.
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REFERNCIAS
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WURMAN, Richard Saul. Ansiedade da informao. Como transformar informao em compreenso. So Paulo: Cultura Editores
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FOTOGRAFIA, MEDIAO E
ESPAO URBANO EM BELM DO
PAR: IMAGENS EVENEMENCIAIS
COMO RECONFIGURAO DA
EXPERINCIA
Jos Augusto Mendes Lobato
Introduo
Descontinuidades, fragmentaes, rupturas. Remisses, passagens, deslizamentos de sentido. Tais noes so apropriadas para
designar efeitos tanto da observao quanto da produo de imagens que focam o que pertence, original, mas no exclusivamente,
experincia concreta. Examinar de que modo se relacionam tais
processos o conhecer pelo olhar, por um lado, e o vivenciar pela
captura, por outro uma oportunidade para lanar luzes sobre os
modos com que o registro miditico capaz de orientar o conhecimento do mundo, configurando-se mdia e gerando mediaes
perceptivas que determinam, em certa medida, o ato de percorrlo com os sentidos.
Tal debate, certo, tornou-se h muito campo privilegiado da
comunicao social. So vrios os suportes disponveis para anlise: vdeo, udio, redes interconectadas, hipertexto, imagem pictrica... Cada qual dotado de sistemas de significao prprios que,
como j afirmado por autores como McLuhan (1971), atuam como
legtimas extenses dos sentidos humanos. Este texto, porm, possui inteno mais modesta que examin-los todos. Restringimo-nos
a um objeto especfico a fotografia para entender de que modo
o registro imagtico pode permitir reconfiguraes da experincia
urbana contempornea.
O ponto de vista a ser adotado aqui o de que, por meio de
elementos de complexidade narrativa e de recursos prprios da lin-
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A narrativa [] (...) uma forma artesanal de comunicao. Ela no est interessada em transmitir o puro em
si da coisa narrada como uma informao ou um relatrio. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em
seguida retir-la dele. Assim que imprime na narrativa a
marca do narrador, como a mo do oleiro na argila do
vaso (Benjamin, 1996: 205).
As perspectivas apresentadas podem nos auxiliar no cruzamento entre narrativas e imagens, essencial para entender o trabalho de representao perpetrado no dispositivo fotogrfico. Em
suma, estas compartilham as funes de transmisso de experincias, formao identitria e orientao cognitiva diante dos fenmenos do mundo. Diferem, substancialmente, no suporte de expresso a palavra ou texto versus o campo visual e/ou o imaginrio , mas isso de modo algum invalida a facilidade de combinao
de seus elementos conceituais.
Por isso, propomos, de antemo, que um estudo detalhado
acerca da linguagem fotogrfica deve considerar no apenas sua
relao com a expresso visual humana, mas tambm suas
potencialidades relativas documentao, (re)criao simblica e
demarcao do mundo. Ver o ato fotogrfico como produo nar-
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rativa implica, enfim, a superao das antigas oposies visual/verbal, imagtico/textual, que por vezes marcam a anlise dos discursos engendrados na imagem. Deve-se, agora, compreender as
especificidades desse formato e revisar algumas reflexes recentes
sobre a prtica da fotografia.
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Ao discutir o trabalho de registro imagtico do mundo no campo do jornalismo, Buitoni desenvolve um raciocnio fecundo ao
propsito aqui lanado: o conceito de embrio narrativo. Ancorada
nas discusses sobre o carter indicial e documental/informativo
do trabalho fotogrfico, a autora discute de que modo uma imagem capaz de enunciar com maior efetividade a natureza de uma
forma, objeto, cena e/ou ao que submetida captura da cmera.
Para alm do flagrante, ou seja, da imobilizao de um quadro
de uma sequncia que evidencia o congelamento temporal, o embrio
narrativo seria capaz de nos dar pistas de uma ao a ser continuada,
ou que pelo menos nos sugira a existncia de aes antes ou depois
da cena registrada (Buitoni, 2010: 12), semelhante noo de punctum
trabalhada por Barthes. Explica a autora:
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O conceito de embrio narrativo envolve uma idia de
sequncia, de sucessividade: a modificao temporal est
implcita em sua percepo. Assim, embrio narrativo
toda forma ou gesto congelado no tempo que permita
imaginar o passado ou o futuro imediato daquela ao.
(...) A narratividade que pode estar presente numa foto
isolada a mesma potencialidade narrativa de um fragmento de ao (Buitoni, 2010: 12, grifos nossos).
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O autor tentar traar, em suas reflexes, algumas caractersticas bsicas das imagens pertencentes a esse paradigma de com-
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como seu objeto. Essa linearidade entre causa e efeito
faz com que a imagem seja o alicerce e o instrumento de
uma operao de centralismo miditico que determina
um modo de ver, usar e valorizar a cidade e faz com que
a indiscutvel base icnica da imagem migre para uma
interpretao que transforma o cone em emblema e
empreste midialogia da cidade uma representao simblica. A imagem , portanto, a primeira forma de comunicao entre a cidade e o usurio atravs dos seus
cones / simblicos que, justapostos ou no, so a primeira forma inteligvel da arquitetura como cdigo cultural (Ferrara, 2008: 46).
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A perspectiva, portanto, de que a fruio da imagem da cidade consistiria em um apagamento da experincia: estar-se-ia diante de um controle dos modos de ver programado pelos meios de
comunicao. Pedaos selecionados de uma cidade valem pelo todo,
sendo mais retrica visual do que paisagem propriamente dita
(Ferrara, 2008: 47). A cidade midiatizada disciplinar, recorrendo
terminologia de Foucault (1996): expe aquilo que deve ser visto,
aquilo que determinado discursivamente na teia das relaes de
poder. o carto-postal, a publicidade ou o mapa da agncia de
turismo em sua mais pura expresso.
A sada para tal lgica estaria no grau zero da mdia: ou
seja, em encarar a cidade como espao de experincia concreta e
sociabilidade. Superar o carter miditico da cidade demanda usla como mediao experimentando-a como processo, como um
espao em permanente movimento. Para Ferrara, a diferena fundamental est em a cidade permitir, como mediao, a extenso
dos sentidos possveis para seus fenmenos; para alm do que
repassado na representao, h um significado latente na urbanidade a ser desvendado pelo intrprete, que se desenvolve como
usurio e a reconfigura como sistema.
Ao contrrio da imagem da cidade que constitui representao icnica de desejos imaginrios de identidade,
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Ora, justamente no interstcio da mdia e da mediao discutidas pela autora que acreditamos que se configura a imagem
evenemencial. A captura que ao mesmo tempo experincia, o
registro do mundo que capaz de reelabor-lo e determinar seu
(re)conhecimento, representa um grau zero que se apoia no prprio dispositivo miditico responsvel pela eternizao do quadro, do instante, da narratividade que se constitui nos espaos e
paisagens da cidade contemplada. Para alm de um olhar puramente instrumental, especular ou espetacular do mundo encarnado em imagens, acreditamos ser possvel desvendar e fazer surgir
sentidos sobre ele dentro do registro visual resgatando a essncia
de transmisso de experincias, atribuda por Benjamin ao relato
verbal, para aplic-la ao campo fotogrfico. Mais que lgica da
publicidade, do jornalismo, da arte ou de outros gneros, portanto,
a representao imagtica do espao urbano serviria a ele prprio
e aos que nele vivem: configurao da urbanidade como modo de
vida e repositrio da cultura humana.
5. Fisionomia Belm: olhares sobre a urbanidade
Realizado por professores e discentes da Universidade da Amaznia (Unama), com colaboradores de instituies como Universidade Federal do Par (UFPA) e Universidade de So Paulo (USP),
o projeto Comunicao, antropologia e filosofia: esttica e experincia na comunicao visual urbana da contemporaneidade de Belm
do Par prope um estudo sobre as formas de comunicao visual
da metrpole de 1,4 milho de habitantes, considerando suportes
como fachadas de casas, estabelecimentos comerciais, prdios, igrejas e monumentos, anncios publicitrios, praas e avenidas.
As imagens componentes da srie Fisionomia Belm, resultante do projeto de pesquisa, foram produzidas com cmeras digitais amadoras ou semiprofissionais pelos prprios pesquisadores do
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Um dos pontos mais significativos na observao de tais imagens sua instabilidade. Boa parte dos registros, sobretudo os realizados noite, exibe construes, personagens e avenidas fora de
foco, nem sempre bem posicionados. O ponto de vista, tanto em
relao ao enquadramento quanto no que concerne posio de
captura (altura, ngulo etc.), assemelha-se ao da cmera subjetiva,
muito comum no cinema e na televiso: busca-se dar a sensao de
que a imagem foi capturada pelo olho humano. A ideia a de que
h um passante, anlogo ao flneur de que nos fala Benjamin
(1991), que percorre a cidade, no intuito de observar seus fenmenos, de modo desapressado, livre e contemplativo, experimentando-a como quem a conhece pela primeira vez. A contemplao da
alteridade marca sua forma de se relacionar com o exterior, visto
que no se sente preso s razes do espao urbano; no o encara
com um olhar de familiaridade. O olhar do alegrico a perpassar
a cidade o olhar do estranhamento. o olhar do flneur, cuja
forma de vida envolve com um halo reconciliador a desconsolada
forma de vida vindoura do homem da cidade grande (Benjamin,
1991: 39).
A multiplicidade tambm se destaca, tanto em relao a aspectos tcnicos (resoluo, equipamento utilizado etc.) como na
documentao de diversos lugares da cidade embora algumas
categorias, notadamente Ruas e Edificaes, Passantes, Passageiros e Trajetos e Comrcio, se concentrem no centro expandido.
Outro elemento a conectividade/inter-relao dos registros: por
meio da articulao em temas especficos, possvel analisar os
ngulos oferecidos sobre a cidade de modo segmentado. Na categoria Vidro, destacam-se os edifcios de bairros como Umarizal e
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Batista Campos; em Comrcio, fachadas destrudas ou degradadas
de prdios histricos interagem com equipamentos modernos,
outdoors, painis multicoloridos e casares revitalizados, muitas
vezes com cores e elementos que destoam dos estilos art nouveau e
colonial, comuns em bairros histricos como a Cidade Velha (ver
imagens abaixo).
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V-se, portanto, que a srie rene elementos de complexidade visual, nos termos de Catal (2005); investe-se na serializao
de fotografias que permitem uma observao pormenorizada de
determinadas regies da capital do Par, com materiais que podem ser lidos de diferentes maneiras. Na realidade, os locais
registrados no so creditados: tampouco h referncias visuais claras como placas ou pontos tursticos que os demarquem. A imagem atua, sobretudo, como trao do corpo social, de uma urbanidade reapresentada visualmente. Est, portanto, nos termos do
autor, dentro de
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mas de demarcao simblica da urbanidade que apontam para o
potencial do ato fotogrfico de construir mundos possveis; considera-se essencial, porm, estudar a viabilidade de aplicao da hiptese da imagem evenemencial em outros suportes, contextos e
linguagens, como a audiovisual e a perpetrada nas redes
interconectadas. Nossa hiptese de que tal forma de produo
parece ser uma espcie de caminho natural, sem volta, para as imagens que medeiam o dilogo entre nossos olhos e o mundo a ser
visto e vivido na contemporaneidade.
REFERNCIAS
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialtica do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
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Milano: Mondadori, 2001. Disponvel em:<http://www.cisc.org.br/
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MAFFESOLI, Michel. A Contemplao do Mundo. Porto Alegre:
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MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicao como extenses
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MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente. So Paulo:
Summus, 2003.
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Introduo
Olhar uma cidade e decifrar suas imagens pode ser uma experincia de contrastar referncias perdidas na memria com o primeiro contato curioso de desvendamento de novos espaos, cheiros e gostos. No obstante os juzos de valor que impregnam de
subjetividade e as avaliaes estticas do que se vivencia em novos
ambientes, h uma marca inaugural que toda paisagem urbana oferece a um observador mais atento, algo que emana de sua essncia.
Para quem chega a Palmas, capital do Estado do Tocantins,
pelo acesso da rodovia Belm-Braslia (BR 153), aps quilmetros
de paisagens do cerrado, com rvores retorcidas e solo rido, a
viso que se descortina deslumbrante. A partir da ponte que liga
a cidade de Paraso de Palmas, banhada pela imensido do lago
formado pela Usina Hidreltrica de Lajeado, surge um osis verde
que avana em direo linha do horizonte onde se avista um lindo palcio, como que demarcando o ponto final da viagem. Experincia semelhante pode ter quem chega por via area durante o
dia e toma contato com uma emoo que mistura medo e admirao com o sobrevoo da aeronave sobre o lago, antes do pouso no
aeroporto. Seguindo-se por via terrestre, em direo ao centro da
cidade, possvel visualizar uma longa estrada (Avenida Teotnio
Segurado) cujo ponto final culmina tambm no palcio.
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H quem veja em Palmas uma capital que se projeta em direo ao futuro, com promessas de sucesso e desenvolvimento. H
quem perceba a falta de planejamento urbano, o pouco uso coletivo dos espaos, o trnsito que privilegia o transporte por automvel, embora a cidade seja plana e possa favorecer o uso de meios
menos poluentes. H quem veja a beleza. H quem veja os vazios.
No entanto, h um lugar capaz de sintetizar todas as contradies
que envolvem a cidade e seus moradores. A Praa dos Girassis,
onde se localiza a sede administrativa do governo do estado, reunindo os monumentos criados para simbolizar a histria que se
deseja reproduzir sobre o estado, o objeto de estudo deste artigo.
O ponto central da investigao discorrer sobre os elementos que
compem a narrativa imagtica e os discursos inerentes ao processo de construo simblica das imagens presentes nos monumentos dessa praa.
Esta perspectiva, a partir do referencial terico que envolve
de um lado os conceitos de lugar e as narrativas histricas sobre a
origem do Estado do Tocantins e da cidade de Palmas, e, de outro,
as teorias da imagem e do discurso, pretende-se colocar em debate
as construes textuais em torno do imaginrio da cidade. Dos procedimentos metodolgicos da pesquisa fazem parte a reviso de
literatura e a pesquisa bibliogrfica; a documentao dos objetos
analisados por meio do registro fotogrfico e a discusso dos resultados a partir das inferncias obtidas pelo uso das tcnicas de Anlise da Imagem.
Tempo e espao so elementos constitutivos de qualquer narrativa. No caso especfico de Palmas, o encontro do contemporneo e do passado histrico se oferece ao olhar na perspectiva das
construes simblicas dos monumentos, de sua esttica e discursos que podem ser vistos num espao pblico. Espera-se com este
trabalho evidenciar que tais caractersticas podem tambm oferecer outras leituras e desdobramentos anlise que seja despertada
pela pesquisa e observao.
1. Palmas, Tocantins: um pouco da histria
A reivindicao de Tocantins como unidade emancipada remonta a sculos. Permanece ainda hoje o cultivo da memria das
lutas de Joaquim Teotnio Segurado, militar que, no incio do s-
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Palmas, para os seus idealizadores, um barco onrico navegando no tempo do desejo. Sintetiza a luta de emancipao do Estado do Tocantins, cobrindo o passado recente de sombras, reduz s cinzas a lembrana do atraso, da
solido, da pobreza, da secura sertaneja de galhos retorcidos em meio ao vento e a poeira cobre-dourada que varria as suas extenses. Paisagens rapidamente soterradas
pela projeo dos seus monumentos, traados, cores, avenidas (Silva, 2008: 41).
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Catal cita ainda, que Benjamin fomentou o que chamou de arqueologia do presente ao preocupar-se em analisar no passado as origens das transformaes futuras e que essa anlise levou-o a descobrir imagens que representavam os sonhos ocultos do presente.
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Benjamin examinava a sociedade parisiense do final do
sculo XIX, considerando que Paris era a capital da
modernidade e ali se produzia o jogo dialtico entre um
presente triunfante, mas sem conscincia, e o germe de
uma subverso desse presente. Essa polmica dava lugar a imagens em que as tenses eram representadas.
[...] Por meio dessas imagens, o presente sonhava com
seu porvir e precisamente por isso elas s eram decifrveis corretamente a partir desse porvir, ou seja, quando
se produzisse o despertar desse sonho (Catal, 2011: 114).
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A partir dos trs paradigmas da imagem, a imagem pr-fotogrfica, a fotogrfica, e a ps-fotogrfica, Santaella e Nth (2001)
estabelecem uma relao com os estudos de Lacan e de Charles
Peirce. Assim, o paradigma pr-fotogrfico se relaciona com a
primeiridade de Peirce e instncia do imaginrio de Lacan. O
paradigma fotogrfico corresponderia secundidade de Peirce e
instncia do Real de Lacan e o paradigma ps-fotogrfico seria
anlogo terceiridade de Peirce e categoria simblica proposta
por Lacan. O registro do imaginrio o que mais se aproxima dos
problemas da imagem. Lacan, ao falar do estdio do espelho,
afirmava que este o momento em que o eu do indivduo comea a ser construdo. A criana aos seis meses de idade j consegue
identificar-se na imagem do espelho ao ver a imagem da me nele
projetada. Ao ver a prpria me com um beb ao colo, a criana
sabe que o beb ela mesma e se reconhece como ser independente da me, como indivduo. Essa primeira imagem de si uma imagem especular, onde o eu projeta suas subjetividades na imagem
em que se espelha, o imaginrio do corpo, da mente, das relaes
sociais. A relao da imagem pr-fotogrfica com a subjetividade
do autor e seu imaginrio constante, tanto na concepo artesanal
do artista que a comps, no gesto, no olhar, como na subjetividade
de quem a v. Entre o espelho e a miragem, ela sempre fruto de
um olhar transfigurador, capaz de projetar uma imagem do mundo: algo disperso que se configura numa unidade ideal, numa totalidade unificada (Santaella e Nth, 2001: 190).
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visitante a partir do momento em que, contrariando o projeto inicial, o Palcio foi cercado por grades que afastam o passante de sua
fachada. A mitificao dos fundamentos do estado redunda ainda
em dois grandes paineis cermicos expostos nas paredes no hall de
entrada do palcio. Um dedicado ao perodo colonial e mostra
Teotnio Segurado como personagem principal. O outro, da histria
republicana, tem a figura de Siqueira Campos retratada 14 vezes
(Reis, 2011: 144), incluindo a citada greve de fome [Figuras 7 e 8].
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Figura 10. Esculturas Os 18 do Forte. Ao fundo, Memorial Coluna
Prestes.
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al. Portanto, a homenagem a Prestes, referncia da esquerda brasileira, tem fundamento pouco plausvel, mesmo diante da justificativa oficial de que o Norte de Gois fez parte do trajeto da Coluna Prestes, marcha contra a Repblica Velha comandada pelo militar na primeira metade do sculo XX.
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Consideraes finais
H muitas singularidades no Tocantins, Estado mais novo da
federao brasileira, e em Palmas, sua capital. Talvez a principal
delas faa referncia s narrativas histricas de sua origem e sua
fundao, que revelam o paradoxo de trazer lado a lado o tempo
do novo, o contemporneo que se instaura em 1989 com a aprovao da separao do norte do Estado de Gois formando uma
nova unidade federativa e o tempo do passado histrico que
enaltece as lutas polticas pela emancipao da regio e os pioneiros que desbravaram o interior do pas em busca de suas riquezas.
Uma cidade pode ser vivenciada de diversas formas, bem como
seus smbolos e monumentos. Parece ser de senso comum que a
histria de uma cidade seja compartilhada por seus moradores e
que tenha valores como tradio e cultura como vetores principais
de legitimidade e reconhecimento. possvel que em algum momento o que hoje conhecemos como histria tenha sido narrativa
oral transmitida entre membros da mesma comunidade que se tornou perene, chegando at nossos dias.
No caso da cidade de Palmas, que completa 25 anos em 2014,
todos os atores sociais que mobilizaram as aes esto atuantes na
sociedade e as construes simblicas criadas em torno da histria
oficial do Estado e da cidade esto em circulao, so palpveis e
visveis em vrios pontos da cidade.
A proposta deste artigo foi trazer luz a um dos aspectos deste
cenrio, colocando em evidncia as representaes imagticas presentes na Praa dos Girassis. O que fica latente na pesquisa que
em Palmas h um tempo ausente. O passado ligado ao norte goiano
no foi eleito como memria e tradio. Em vez disso, escolheu-se
remontar s origens histricas pouco precisas da regio elegendo
um passado de lutas para a separao como vetor de identidade.
Ocorre que o Estado e a cidade nasceram a partir da separao,
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REFERNCIAS
CARVALHO, Luiz de. Vozes da consolidao a comunicao
social no Tocantins. Palmas: Ed. do autor, 2000.
____________. Testemunho da Histria de Vila Boa (Goyaz) a Palmas (Tocantins). Palmas: Ed. do autor, 2002.
CASTELLO, Lineu. A percepo de lugar: repensando o conceito
de lugar em arquitetura urbanismo. Porto Alegre: PROPARUFRGS, 2007.
CATAL, Josep M. A forma do real: introduo aos estudos visuais. So Paulo: Summus, 2011.
FERRARA, Lucrcia DAlssio. Leitura sem palavras. So Paulo:
tica, 2001.
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GRAFITECIDADE E
VISO TRAVELAR
Jos Geraldo de Oliveira
1. Introduo
Pierre Francastel (1967) diz que muito difcil julgar as coisas
prximas, ou tentar responder pergunta: vivemos na sociedade
da palavra ou da imagem? Josep Catal (2013) adequando a expresso de Umberto Eco, apocalpticos e integrados, diz que os
primeiros afirmam que a entrada na era da imagem pode ser a
bancarrota intelectual e at mesmo mental. Esse pensamento revela a ideia da imagem irracional ou louca da casa. Para os integrados, grupo em que ele se situa, a imagem uma forma de transporte de cultura e abre a possibilidade de pensar com as imagens.
o que Deleuze proteoriza na forma de conceitualizao visual ao falar das imagens em movimento, imagem tempo e, remetendo a Henri Bergson, na busca de criar conceitos por meio das
imagens, o que tambm ocorre aos cineastas e os filmes ensaios.
Catal continua afirmando que uma peculiaridade da
contemporaneidade o fato de existir uma srie de tecnologias
que esto levando imagem, decantada na imaginao; portanto
de alguma maneira a atividade de nossa mente articula essas novas
tecnologias de forma imaginativa.
At o sculo XVIII, falar em imagem era equivalente a falar
de arte, mas j a partir de meados do sculo seguinte e incios do
XX surgiu uma intensa produo artstica rompendo com as ideias
anteriores: o realismo se dissolveu quando a imagem foi descons-
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truda, revelando as alteraes que ocorriam na sociedade, juntamente com o aparecimento das imagens tcnicas: a fotografia e o
cinema. A primeira, para substituir a memria (a arte da memria), melhorando a arte de representao da realidade; com a segunda, o cinema, a imagem adquiriu a possibilidade de reproduzir
fielmente o movimento, incorporando-o em sua estrutura (Catal,
1993: 50).
O termo grafitecidade, aqui, um espao de ao, coletiva ou
no, que se apropria esteticamente da cidade e a transforma em uma
plataforma produtora de imagens. A imagem se torna o cerne da
metrpole e retrato de suas mltiplas identidades. Um territrio de
metforas que, em sua mobilidade e efemeridade, rene pontos de
tenses dialticas. Uma paisagem com ritmo, enunciaes surgidas
na interao do observador em movimento, produzindo uma conjuno de olhares nos interstcios urbanos, visto que o corpo do
observador tambm est ali e pode querer interagir e se comunicar.
Ou seja, uma operao extremamente complexa, j que o observador no um mero receptor passivo, ele interage, codifica e decodifica
e devolve a essa cacofonia de elementos sua (re)significao.
As representaes visuais nessa plataforma devem ser tratadas sob o critrio da complexidade, onde o discurso visual expansivo, pois no est focado em apenas uma forma ou uma temtica e
sim numa constelao de significados em que as gramticas visuais, fabricadas coletivamente, esto inseridas.
Nesse contexto a grafitecidade passa a ser apreendida como
uma montagem cinematogrfica, compreendida a partir da juno
de vrios signos e smbolos que remetem percepo de uma anlise tambm fragmentada, ou seja, montagem como fragmentao
e reunio de blocos de um material visual que modifica sua estrutura e configura a percepo do caminhante (Bolle: 1994). Assim,
os elementos comunicacionais se confundem em meio multido,
tornando a grafitecidade um conjunto esttico-sensorial que emerge da transitoriedade e do efmero.
Esse fenmeno nas metrpoles so impostos por meio de inscries urbanas e passam a constituir um sistema de comunicao,
que cria um novo tipo de espao: o espao hipntico (Catal,
1993) em que as mensagens transmitidas so percebidas de forma
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A montagem constri cenas a partir dos pedaos separados [...]. A sequncia desses pedaos no deve ser aleatria e sim correspondente transferncia natural do
observador imaginrio (que, no final, representado pelo
observador) (Pudovkin, 1983: 60).
De forma clssica, um filme constitudo de sequncias, unidades menores dentro dele, marcadas por sua funo dramtica ou
narrativa. As sequncias, por sua vez, so constitudas de cenas,
dotadas de unidades espao-temporal. Na era informacional, com
o surgimento da hipertextualidade, o leitor/espectador/usurio passa
a ser co-autor da obra, como define Manovich (2005), pois ele reconstri a mensagem no momento da leitura, na escolha de novos
caminhos e na obteno de uma nova experincia. J o pensador
catalo utiliza esse conceito pensando no cdex, que marcou o nascimento do livro em seu formato moderno, pela sua capacidade de
manuseabilidade.
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Na grafitecidade, o observador recolhe fragmentos visuais e
tenta criar sequncias lgicas, conferindo significado a uma narrativa subjetiva. Ele assume a cmera e o papel de montador, e realiza isso para narrar uma histria ou rearranjar um roteiro visual, ou
simplesmente organizando a informao que lhe oferecida de
forma fragmentada, dividida e interligada [Imagem 2].
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A viso travelar e a montagem subjetiva se concretizam na
grafitecidade na combinao de diferentes suportes de comunicao: texto, vdeo, fotografia e som, como um padro comunicativo
novo em que ocorre o processo de circulao de significados que
transitam por todos eles, expondo em todos os momentos uma parte
desse fluxo [Imagem 9].
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Osartistas da arte bastarda da rua de m fama desenvolveram novas tcnicas de codificao da informao, enquanto os ouvintes, os leitores e os telespectadores desenvolveram suas prprias tcnicas cognitivas de extrair essa informao e de dar a ela significados, j que so tambm parte da histria das interfaces dessas novas informaes desenvolvidas pelos primeiros, e seus comportamentos novas informaes desenvolvidas pelos usurios e
fruidores de suas obras.
Uma postura aberta a um novo olhar parte essencial para a
formao da identidade individual, composta de tticas adotadas
por um indivduo ou um grupo para sobreviver na sociedade da
imagem.
REFERNCIAS
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lrico no auge do
capitalismo. Obras escolhidas III. So Paulo: Brasiliense, 1989.
__________. Rua de mo nica. In: Magia e tcnica, arte e poltica. Obras escolhidas II. So Paulo: Brasiliense, 1987.
___________. O flneur. In: Obras escolhidas III. So Paulo:
Brasiliense, 1989.
___________. Passagens. Belo Horizonte/So Paulo: Editora
UFMG; Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2009.
BOLLE, Willi. A fisiognomia da metrpole moderna: representao da histria em Walter Benjamin. So Paulo: Edusp, 2000.
CATAL, Josep M. La violacin de la mirada. FUNDESCO,
Madrid, 1993.
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_______________. La imagen compleja: la fenomenologa de las
imgenes en la era de la cultura visual. Bellaterra: Universitat
Autnoma de Barcelona; Servei de Publicacions, 2005.
_______________. La imagen interfaz. Representacin audiovisual
y conocimiento en la era de la complejidad. Bilbao: Universidad
del Pas Vasco/Euskal Unibertsitea, 2010.
_______________. A forma do real. Introduo aos estudos visuais.
So Paulo: Summus, 2011.
_______________. Entrevista concedida ao autor deste trabalho em
janeiro de 2013, em Bella Terra, Catalunha, Espanha.
FERRARA, Lucrcia. O olhar perifrico. So Paulo: Edusp, 1999.(
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SO PAULO: LUZ
SOBRE A NOVA LUZ
UM OLHAR BENJAMINIANO PARA AS IMAGENS DIALTICAS
NO PROCESSO DE IMPLEMENTAO DO PROJETO NOVA LUZ
NO CENTRO HISTRICO DE SO PAULO
Eric de Carvalho
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Apesar disso, alguns resqucios de tal empreendimento ainda
podem ser observados, especialmente os efeitos da expulso dos
usurios de crack das ruas do bairro sem uma poltica de assistncia social, o que promoveu um xodo dessas pessoas para bairros
vizinhos Luz. Assim, surgiram novos circuitos de trfico e consumo de drogas na cidade. Essa reapropriao das ruas dos bairros
do centro de So Paulo promoveu cenas de tenso social, envolvendo os usurios de droga que migraram para essa regio e seus
frequentadores habituais.
Esse artigo prope iluminar essas tenses por meio da anlise
de imagens que registram os momentos de encontro entre diferentes grupos sociais, assim como mudanas arquitetnicas e
demogrficas decorrentes desse processo. No se trata de uma anlise sociolgica ou poltica, mas de uma interpretao de cenas urbanas por meio de uma tica influenciada na obra de Walter Benjamin.
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regio uma referncia para o lazer jovem em So Paulo. Posteriormente, este pedao se mudou para a regio da Rua Henrique
Schaumman, em Pinheiros, e agora, para a regio da Vila Olmpia,
onde os jovens continuam a frequentar casas noturnas com o perfil
semelhante ao das danceterias dos anos 90. o pedao de entretenimento, itinerante como seu pblico frequentador.
Aplicando essas categorias ao universo dos usurios de crack
em So Paulo, seria possvel imaginar uma mancha de consumidores
da droga na regio chamada de Cracolndia, por se tratar de uma
rea de conhecimento pblico, localizada no Centro Velho de So
Paulo, entre a Avenida So Joo e a Estao da Luz. Ali se encontravam traficantes e usurios para a comercializao e compra da droga, e para seu consumo luz do dia. A ao policial de expulso dos
usurios da regio no ocasionou o surgimento de um novo pedao,
uma nova regio de comercializao e consumo do crack, mas, sim,
provocou a expanso do circuito de consumo da droga.
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Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=218124 de
21/03/12 s 13h10.
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REFERNCIAS DAS IMAGENS
Figura 1: http://i27.photobucket.com/albums/c160/DANIEL
PEREIRADEJESUS/i238098.jpg 7 de agosto de 2013 s 9h.
Figura 2: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/fotos/1061/novaluz-setores.jpg 17 de agosto de 2013 s 10h.
Figura 3: : http://tetomodarock.files.wordpress.com/2011/08/19-052011_visita-cracolandia-029ok.jpg 5 de agosto de 2013 s 8h.
Figura 4: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.
php?id=218129 em 5 de agosto de 2013 s 8h.
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IMAGENS EM REVISTA
NO TEMPO: RIO DE
JANEIRO E SO PAULO
Dulcilia Schroeder Buitoni
Imprensa e cidades catalisadoras de imaginrios sempre caminharam juntas. As grandes cidades ocidentais conjugaram formas de viver e figuraes espaciais que se constituem em traos de
identidade. Urbanismo, vida moderna, espaos interagentes.
Jornais e revistas apresentam visualizaes de cidades, ambientes, edifcios, ruas e praas, pessoas. As imagens ilustram, informam, conformam. As imagens estampadas em publicaes
jornalsticas reforam figuraes do imaginrio sedimentado culturalmente ao longo de sculos. O objetivo deste trabalho examinar representaes visuais principalmente as fotogrficas de
duas cidades brasileiras emblemticas: So Paulo e Rio de Janeiro,
em duas grandes revistas semanais, O Cruzeiro (dcada de 1950) e
Veja (na primeira dcada de 2000). Tambm se quer discutir e experimentar conceitos que possam ser operacionais na anlise de
imagens jornalsticas.
Quais as representaes preferenciais nessas duas dcadas?
Que olhares, que imagens foram valorizadas pelas duas revistas
em diferentes momentos? A urbanizao crescente no mundo inteiro foi acompanhada pela valorizao da imagem: as revistas ilustradas expandiram-se e mais tarde a televiso continuou a difundir
visualidades. Revistas, televiso e cidades configuram-se mutuamente. A indstria cinematogrfica, principalmente a norte-americana, contribuiu para o reforo de cidades mticas, como Nova
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Todas as cidades tm seus lugares emblemticos, mas as metrpoles emblemticas, alm de ter lugares emblemticos, so elas
mesmas lugares emblemticos. Utilizaremos a noo de representao para refletir sobre as imagens de Rio de Janeiro e So Paulo.
Trabalhar com o imaginrio pressupe ter a conscincia de que
estamos olhando desde o momento presente, com olhos que tambm foram se construindo ao longo do tempo:
Cada imagem que tem a capacidade de se inscrever no
imaginrio e, portanto, de passar histria como elemento caracterstico de determinada configurao social, um conglomerado que aglutina constituintes fundamentais da psique desta sociedade. Uma imagem no ,
portanto, um elemento histrico s porque pertence a
determinado perodo e est ancorada nele por sua feitura
e pela prpria biografia se seu(s) autor(es). , ou pode
ser, dependendo de sua intensidade, porque supe a
visualizao do imaginrio naquele momento (Catal,
2011: 255).
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Desde a segunda metade dos anos 1940, O Cruzeiro introduziu novos formatos de reportagem, em que a fotografia ganhava
cada vez mais espao; o texto teve sua predominncia reduzida.
Grandes reportagens redefiniram o papel da fotografia nas revistas brasileiras. Nos anos 1950, vendia 500.000 exemplares num Brasil
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As relaes apontadas por Benjamin ligam lugares e construes, pontos que se destacam na geografia parisiense. A visualidade
aparece, soberana:
Nenhum monumento nesta cidade na qual uma obra prima no tenha se inspirado. Notre Dame pensamos no
romance de Vitor Hugo. Torre Eiffel Os Noivos da Torre Eiffel, de Cocteau; com Orao na Torre Eiffel, de
Giraudoux, j estamos nas vertiginosas alturas da nova
literatura. A pera: com o famoso romance policial de
Leroux, O Fantasma da pera, estamos nos subterrneos dessa construo e da literatura ao mesmo tempo. (...)
Esta cidade se inscreveu to indelevelmente na literatura porque nela mesma atua um esprito aparentado aos
livros (Benjamin, 1987: 195).
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ratura e cidades e nos disse que Willi Bolle caracterizou a tcnica
benjaminiana de montagem, emprestada das vanguardas artsticas,
especialmente do cinema. Willi Bolle escreve que a montagem
um procedimento caracterstico das vanguardas do incio do sculo XX:
sobretudo essa tradio que est presente na obra de
Benjamin: os conceitos de montagem do Dadasmo, do
Surrealismo, do Teatro pico e dos meios de comunicao de massa jornal e cinema. H tambm influncias do
Barroco (a alegoria como precursora do princpio de
montagem), do Romantismo (a esttica do fragmento) e
da Revoluo Industrial (construes-montagem como
a Torre Eiffel) (Bolle, 1994: 89).
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As imagens de cidade no chegam a esse carter de foto oportunista mas pertencem ao mesmo universo semntico:
Outro argumento a favor de chamar a ateno sobre as
fotos oportunistas que tanto as falhas como as bem
sucedidas atuam como metforas, smbolos, ou resumem
argumentos para o debate pblico (Adatto, 2010: 35
traduo nossa).
As referncias so necessrias, mas a insistncia em determinados cones acaba provocando redundncias que no acrescentam informaes. Os mesmo signos persistem. A Cidade Maravilhosa vem desde a primeira metade do sculo XX, assim como a
Cidade do Trabalho. O Rio turstico, das mulheres bonitas, destino
de artistas internacionais. Porm, a violncia se introduziu no cenrio. So Paulo tem violncia, mas talvez o problema mais aparente seja o trnsito. O que surge de novo? Pontes estaiadas?
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A CIDADE E A IMAGEM
Ao tratar da identidade latino-americana, Nestor Canclini
aponta a necessidade de perseguir figuras identificatrias:
supe-se que a identidade apresenta seu rosto na cultura visual. Uma profusa literatura tem perseguido a figura do latino-americano colecionando imagens. A fora
de interrogar de que maneiras nos representam artistas
e artesos, arquitetos e cineastas, chegaramos a saber
quem somos (Canclini, 1988: 49).
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginrio da cidade: vises literrias do urbano. Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.
SOUSA, Jorge Pedro. Uma histria crtica do fotojornalismo ocidental. Florianpolis: Letras Contemporneas, 2004.
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NUREMBERG, A
CIDADE PALCO DO
PODER NAZISTA
A SIMBOLOGIA NAZISTA NO CLSSICO O TRIUNFO DA
VONTADE, DE LENI RIEFENSTAH
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latrado por todos sua volta. O arquiteto Albert Speer cria as reas de desfile, transformando Nuremberg no sambdromo da Alemanha, por onde gente fantasiada, como os camponeses que entregam a colheita a Hitler, e a profuso de estandartes celebram o
nico lder, o guia espiritual da nao, o Fhrer. O documentrio,
carregado de mitos pagos e cristos, torna a prpria Nuremberg
um mito do nazismo. Mito que ser retrabalhado com a derrota e a
consequente transformao da cidade em tribunal de crimes de
guerra, de 1945 a 1949.
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Neste congresso, Adolf Hitler precisa provar aos alemes e ao mundo que o
lder inconteste do Partido Nazista apenas dois meses aps o expurgo que
levou ao assassinato de 85 pessoas, quase todos nazistas ligados s foras
paramilitares as SA (Sturmabteilung), com trs milhes de milicianos.
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Hitler sada os seguidores em Nuremberg
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pagos so incorporados agora pelo bermensch, o super-homem
nietzschiano.
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Aquele, que no incio do documentrio, chega dos cus trazendo esperana, recebe as oferendas de seus fiis.
00:24:38 A guia, smbolo do partido aparece iluminada com
um nico facho, num ambiente escuro, que a legenda nos diz ser o
salo onde acontece o congresso do Partido Nacional Socialista
dos Trabalhadores Alemes. A guia de asas abertas est pousada
sobre o outro smbolo do partido, a sustica. A segunda apoteose
do documentrio acontece nesse palcio, onde esto presentes os
diplomatas dos pases aliados da Alemanha, os representantes do
partido, das foras armadas e das principais igrejas alems, menos
a judaica, por motivos bvios.
O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens)
A encenao espetacular deveria causar a mesma sensao da
monumentalidade do Nazismo aos presentes e a quem, em seguida, visse os documentrios e, em especial, o documento oficial de
divulgao do partido, o documentrio que Hitler encomendou
prpria Leni Riefenstahl.
O plano mtico do documentrio fica claro desde o incio com
a leitura do ttulo: O Triunfo da Vontade.
A que vontade ele se refere: a do dividido povo alemo que
deu a vitria a Hitler nas urnas? vontade dos seguidores de Hitler,
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Hitler dividindo as guas
Em seguida, as informaes sobre o prprio congresso, que acontece 20 anos aps o incio da Primeira Guerra Mundial, 16 anos aps
o incio do sofrimento, representado pela humilhante derrota, e 19
meses aps o incio do renascimento, ou seja, da vitria de Adolf
Hitler, tornando-se chanceler (primeiro-ministro) da Alemanha.
O renascimento representado por aquele que a unio de
dois mitos, o do messias e do heri. O Messias, o que vem do cu
como uma sombra sobre Nuremberg, na forma de guia ou de cruz,
aparece na narrativa audiovisual de Leni Riefenstahl como o divisor
de guas da Alemanha, tal qual Moiss abrindo o mar Vermelho.
J o heri aquele que com determinao supera os percalos do
passado e as humilhaes que enfrentou, numa reproduo do que
foi vivido por todo o pas aps a derrota na Primeira Guerra, para
apresentar ao povo a esperana de um futuro melhor. A teatralidade
presente nos discursos e na encenao em torno da apario do
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http://www.dicionariodesimbolos.com.br/searchController.do?hidArtigo=
BBD28665570EF7A776DC6F873D41FA0D
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lder refora a personalidade carismtica e messinica. Ele e somente ele era um indivduo em meio s massas de operrios,
milicianos, do povo. Ele era o Fhrer, que deveria ser admirado de
forma obedientemente cega.
Obedincia que Leni levou ao p da letra, ao retrat-lo como
um Deus, o guia espiritual da Alemanha. Dessa forma, Leni, aclamada como um dos mais importantes cineastas da histria, mas
que no escapou do julgamento da prpria histria, recebendo pelo
resto da longa vida a pecha de cineasta de Hitler ou de deusa imperfeita, cumpriu com absoluto rigor tcnico o objetivo de retratar
a grandiosidade do regime nazista e de enaltecer a figura de Hitler,
usando e abusando de ngulos, movimentos e enquadramentos que
desnudam a grandiosidade da cidade-sede do congresso, a milenar
Nuremberg.
Defendendo-se dos muitos acusadores ao longo da segunda
metade do sculo 20, Leni afirmou que sua obra era to somente
um documento daquilo que toda gente foi testemunha ou ouviu
falar, numa tentativa de explicao que viria, em nossos dias, ao
encontro do documentarista Bill Nichols de que o documentrio
(gnero audiovisual) reapresenta o mundo histrico, fazendo um
registro indexado dele; ele representa o mundo histrico, moldando seu registro de uma perspectiva ou de um ponto de vista distinto. A evidncia da reapresentao sustenta o argumento ou a perspectiva da representao.12
Para Josep Catal: a imagem converte-se na representao
mais genuna da realidade social, da realidade tal como imaginada e, por isso, tal como vivida e utilizada.13
Vistos sem preconceitos ideolgicos, os documentrios de
Riefenstahl so obviamente exerccios de estilo, pesquisas de tcnicas, iluminao e ngulos afirma Hugo Estenssoro.14 Trata-se
de uma narrativa audiovisual trabalhada com rigor esttico que
reverte no embelezamento plstico do congresso.
Questes ideolgicas que sempre definiram a anlise da obra
dessa grande cineasta deixam, pouco a pouco, de influenciar nossa
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ROTHER, Rainer. A simbologia da culpa. In: Revista Bravo! N.
44. So Paulo: 2001, pgs. 35-37.
ROVAI, M. L. Imagem, Tempo e Movimento. So Paulo: Associao Editorial Humanitas e FAPESP, 2005.
SOUSA, Mauro Araujo. Alma em Nietsche: a concepo de esprito para o filsofo alemo. So Paulo: Leya, 2013.
WILKINSON, Philip e PHILIP, Neil. Guia Ilustrado Zahar de Mitologia. So Paulo: Zahar, 2009.
FILMOGRAFIA:
RIEFENSTAHL, Leni. O Triunfo da Vontade. Alemanha, 1936.
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O OLHAR
COSMOPOLITA DE
WOODY ALLEN
Fabola Tarapanoff
Introduo
Desde a abertura monumental, percebe-se que Nova York
uma cidade em preto e branco. Mas, aos poucos, nota-se os tons
verdes do Central Park na primavera ou nos tons rosados e
alaranjados que iluminam a Ponte de Nova York e do Brooklyn. Se
chegar mais perto, pode at ver o vermelho na face dos enamorados que se beijam e se encantam pela cidade ao anoitecer. Assim
Manhattan, a cidade retratada por Woody Allen no filme homnimo. E na dureza do dia-a-dia se v poesia. Nos arranha-cus. Nos
trabalhadores no metr. Nas pessoas que andam freneticamente
pela cidade lutando por suas vidas e um lugar ao sol. Em relacionamentos que terminam e outros que surgem com toda sua magia.
Na cidade que nunca pra preciso ter os olhos abertos. E o corao desperto para ouvir a rapsdia azul de Gershwin. Afinal, como
diz a jovem Tracy (Mariel Hemingway) a Isaac, personagem de
Woody Allen, nem todo mundo se corrompe. preciso ter um pouco
de f nas pessoas.
Nessa verdadeira ode (ou sinfonia?) Big Apple, the city that
never sleeps, Woody Allen faz uma declarao de amor a Nova York,
a cidade de diversos filmes seus. Cineasta prolfico e conhecido pelos seus roteiros repletos de dilogos interessantes, Allen nos ltimos anos tem sado de seu territrio mais familiar e vem chamando
a ateno do pblico com filmes que fazem verdadeiras homenagens
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verbalmente) tampouco metafrica (o alfabeto como uma
maneira de descrever a estrutura da imagem), mas como
a enunciao da condio hbrida do conhecimento e das
condies cognitivas que comporta. Alfabetizao visual
significa, portanto, aprender a conhecer os fenmenos visuais, ou seja, aprender a expressar verbalmente o que se
produz visualmente. Mas para isso necessrio saber o
que se produz visualmente no mbito intrnseco da imagem: s assim poderemos dizer algo de fato til e novo
sobre ela (Catal, 2011: 17).
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investigao: a estroboscopia, a fotografia e a projeo. Estroboscopia est baseada na persistncia da imagem na retina, fenmeno
fsico natural. Quando
uma imagem luminosa alApesar de ser herdeiro
cana olho, a impresso
dessa imagem vai permada fotografia, o cinema
necer at um dcimo de
apresenta uma dinmica
segundo aps o seu desaparecimento. Pois justada realidade do visvel
mente nessa anomalia do
que a prpria fotografia
olho humano que est a
base do cinema. A iluso
no possui
de ptica de uma luz contnua se produz quando o
intervalo entre os diversos flashes de luz inferior ao tempo de
persistncia na retina. A iluso de movimento ocorre porque o olho
tem uma tendncia de preencher os espaos entre objetos visuais
adjacentes:
a montagem que cria a realidade flmica. Ela no se
reduz justaposio mecnica de pedaos de pelcula,
mas se constitui na configurao especfica que o filme
apresenta dos fatos narrados. No obstante o filme criar
a iluso de uma narrao contnua, na realidade ele
feito de cortes e saltos descontnuos que fazem parte integrante de sua linguagem. Em uma cena, por exemplo,
o personagem caminha pelas ruas. Essa cena cortada
e, na prxima, a personagem j est dentro de casa. O
espectador preenche os vazios sem dificuldade graas
sua familiaridade com a lgica interna da montagem
(Santaella, 2007: 364).
A imagem flmica ento formada a partir de fotogramas separados, que dispostos em sequncia e com velocidade, produzem
a sensao de movimento (persistncia retiniana). Essa analogia
com o espao real que o cinema produz, segundo Jacques Aumont,
poderosa o suficiente para que as pessoas esqueam do achata-
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mento da imagem e que em um filme preto-e-branco e mudo no
h caractersticas como cores e som. Dessa forma, apesar do
enquadramento muitas vezes ser limitado, percebe-se o campo como
includo em um espao mais vasto, no qual aparece apenas uma
parte na tela do cinema, mas que nem por isso deixa de existir o
que existe fora do campo de viso. Por isso Bazin o qualifica como
janela aberta para o mundo, que revela apenas um fragmento
desse mundo e que no se deve deter apenas s bordas:
De fato, as fronteiras da narratividade, assim como as da
representatividade, muitas vezes so difceis de traar.
Da mesma maneira que uma caricatura ou um quadro
cubista podem representar (ou pelo menos evocar) um
espao tridimensional, existem filmes onde, para ser mais
esquematizada ou mais abstrata, nem por isso a representao deixa de ser mais presente e eficaz (Aumont,
1995:26).
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tentarmos, por um esforo de ateno voluntria, perceber as rupturas impostas pela cmera ao desenrolar contnuo do acontecimento representado e compreender bem
por que eles nos so naturalmente insensveis, vemos que
toleramos porque deixam de subsistir em ns, de algum
modo, a impresso de uma realidade contnua e homognea (Bazin, 1972: 66-67).
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2. Formao do imaginrio
O cinema, com sua fora, contribui tambm para a formao
de representaes que temos sobre o mundo, moldando nosso imaginrio. Um dos autores que se aprofunda nessa questo Gilbert
Durand, ao conceituar o imaginrio como um conjunto de imagens e relaes de imagens que constitui o capital pensado do homo
sapiens e como a faculdade da simbolizao de onde todos os
medos, todas as esperanas e seus frutos culturais jorram continuamente desde os cerca de 1,5 milho de anos que o homo erectus
ficou em p na face da Terra (Durand, 1998:17).
Outro autor que confirma a noo de que a sociedade tem
papel importante na formao do imaginrio Cornelius
Castoriadis. Para ele, o homem s existe na e pela sociedade, que
histrica e possui uma forma particular e singular. E o que mantm
essa sociedade coesa so suas normas, valores e a forma como um
tipo particular deve se comportar ou o que dele esperado nessa
sociedade. Por isso ele afirma que:
Somos todos, em primeiro lugar, fragmentos ambulantes da instituio de nossa sociedade fragmentos
complementares, suas partes totais, como diria um matemtico.
A instituio produz indivduos conforme suas normas
e esses indivduos, dada sua construo, no apenas
so capazes de, mas obrigados a reproduzir a instituio. A lei produz os elementos de tal modo que o
prprio funcionamento desses elementos incorpora
e reproduz perpetua a lei (Castoriadis, 1987: 230).
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Essa experincia contraditria era to atrativa nesses filmes quanto sua representao do turismo estrangeiro
(Gunning, 2004: 34-35).
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A vida de Gil comea a mudar quando um dia, vagando solitrio pelas ruas da cidade, fica pensando em sua vida e passa um
automvel antigo e o relgio da Catedral de Notre-Dame marca
meia-noite. As pessoas o convidam para uma festa e ele se v transportado para a Paris dos anos 1920 e conhece personalidades artsticas como Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), Salvador Dal
(Adrien Brody), Luis Buuel (Adrien de Van), Ernest Hemingway
(Corey Stoll), Josephine Baker (Sonia Rolland), F. Scott Fitzgerald
(Tom Hiddleston) e Zelda Fitzgerald (Alison Pill). Conhece a editora Gertrude Stein (Kathy Bates), que promete ler seu romance, e
fica encantado pela jovem Adriana (Marion Cottilard) e pelo seu
amor vida. Adriana uma aspirante a artista e tem um relacionamento com Picasso e j teve um romance com Modigliani e Braque.
Estar em Paris faz com que Gil volte a se questionar sobre os rumos de sua vida.
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4. Concluses
Analisando esses filmes, pode-se perceber que os rodados em
Nova York, como Manhattan, cenrio mais conhecido pelo diretor,
trazem elementos curiosos da cidade e novos, pois ele conhece como
ningum a Big Apple. H o glamour, mas aspectos culturais de forma bem real so retratados.
J nos filmes rodados em outras capitais, apesar de boas histrias, os aspectos culturais muitas vezes so mostrados de forma
estereotipada. Principalmente em Para Roma, com amor, que traz
Roberto Begnini como o italiano mdio: fala gesticulando muito, trata de seus problemas na rua, gosta de comer spaghetti e tem
tambm uma viso estereotipada de outros grupos sociais, como
os dos chineses (Eles vo invadir o mundo). Outros personagens
estereotipados so o noivo da filha de Allen como o comunista intransigente, que no deixa ningum falar mal dos sindicatos e se
recusa a qualquer tipo de mercantilizao. Ou ainda Penlope Cruz
na figura da amante, da outra de homens de negcios italianos, para quem s importa a questo da aparncia.
Como explica Walter Lippmann na obra Opinio pblica:
Na maior parte dos casos ns no vemos em primeiro
lugar, para ento definir; ns definimos primeiro e ento vemos (...) Na confuso brilhante, ruidosa do mundo
exterior, pegamos o que nossa cultura j definiu para ns
e tendemos a perceber aquilo que captamos na forma
estereotipada para ns por nossa cultura (Lippmann,
2008: 85).
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REFERNCIAS
AUMONT, Jacques et al. A esttica do filme. Campinas, SP:
Papirus, 1995. 3 edio.
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1993. 9 edio.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. So Paulo: Palas Athenas,
2007.
CATAL, Josep M. A forma do real: introduo aos estudos visuais. So Paulo: Summus, 2011.
CHARNEY, Leo. & SCHWARTZ, Vanessa. O cinema e a inveno da vida moderna. So Paulo: Cosac & Naify, 2004.
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AS CIDADES DO
BIG PICTURE
Anna Letcia Pereira de Carvalho
1. Introduo
Na histria da comunicao, a fotografia se apresenta como
um dos elementos principais da produo jornalstica. Na era digital, percebe-se que a fotografia vem passando por transformaes
que se referem esttica e linguagem, j que a imagem de imprensa no mais pertence somente linearidade do papel, mas tambm aos novos suportes digitais onde presenciamos possibilidades
de interao e observao.
A fotografia utilizada nos meios digitais como suporte de informao imagtica o objeto deste artigo, pois percebemos que a
produo fotojornalstica na web, apesar de partir de padres tradicionais, vem tentando construir uma nova maneira de
disponibilizar contedo visual no ambiente ilimitado da internet.
Buscamos neste trabalho entender as dinmicas envolvidas no processo jornalstico visual online de modo a compreender como as
narrativas se aplicam fotografia que pretende ser de imprensa.
Consideramos o fotojornalismo como um produto que pode gerar
conhecimento, provocar sensibilizao, contextualizar e incitar um
olhar demorado. No pretendemos construir uma frmula de
veiculao de imagens jornalsticas, mas desenvolver uma reflexo
acerca de como a fotografia jornalstica vem arquitetando o seu
espao no mundo digital para que a sua dimenso informativa seja
percebida e observada.
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Http://www.boston.com/bigpicture
Jornal estadounidense de Boston, Massachusetts e pertencente ao The New
York Times Company desde 1993. Foi lanado na internet em 1995 e est no
ranking dos 10 webjornais com maior prestgio na Amrica. Est sediado no
endereo www.boston.com.
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http://www.theatlantic.com/infocus/
Fotoblog um derivado do weblog. O weblog como um dirio de anotaes ou memrias online. O fotoblog tem a mesma definio, porm,
composto apenas de fotos e legendas. Uma caracterstica importante do
fotoblog a interatividade: outras pessoas podem inserir comentrios sobre a
imagem que foi enviada (Fonte: http://fotoblog.uol.com.br/stc/
faq_geral.html#1).
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narrativa que induz a uma leitura espacial e temporal, acrescentando uma inteno mensagem visual.
O Big Picture um objeto de estudo apropriado para analisar
como o fotojornalismo passou por transformaes de suporte e conceito, utilizando os padres tradicionais. Antes, o registro nico de
foto flagrante era considerado a essncia do fotojornalismo, mas a
possibilidade de contar histrias, usar e refletir fotograficamente para
termos imagens mais trabalhadas, que passem a ideia do que foi encomendado, corresponde a uma nova alternativa para o
fotojornalismo. A inteno de nosso objeto de estudo criar novos
caminhos para a fotografia jornalstica, incorporando, adaptando e
ressignificando o modo de fazer fotojornalismo, desde da produo
de pautas at a divulgao da reportagem no meio digital.
Entre as tendncias atuais de propagar informao, a proposta do Big Picture torna-se interessante por mostrar um olhar sobre
um mesmo tema apresentando fotografias de diversas agncias, do
pblico ou mesmo de um nico fotgrafo. No entanto, para apreender a capacidade de comunicao do fotoblog necessrio o
amadurecimento do olhar de quem o acessa. O Big Picture , portanto, um objeto para novas reflexes sobre o impacto das fotografias na mdia online, que corresponde a um campo novo, em pleno
desenvolvimento mas que, todavia, um objeto expressivo e capaz
de gerar fortes impactos na sociedade.
3. A Fotografia na Cultura Visual
A fotografia nasceu com a sociedade industrial e seu desenvolvimento se deve tambm necessidade de representao da classe burguesa. Na tcnica fotogrfica, a burguesia encontrou a relao entre o ritmo da vida vigente e os modos de organizao social
e poltica. A produo de fotografias, assim, se tornou to industrial quanto o prprio regime econmico o que, de certo modo,
visvel at hoje.
Andr Rouill, professor na Universit de Paris VIII, escreve
que a fotografia s foi imagem de poder enquanto pde ficar em
sintonia com o sistema, os valores e os mais emblemticos fenmenos da sociedade industrial: a mquina, as grandes cidades e esta
extraordinria rede que as interliga, a estrada de ferro (Rouill,
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Com base nisso, o dispositivo fotogrfico funciona como modelo de comunicao e transmisso que se d no apenas pelas
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confirmar que nenhuma imagem isenta de ideologias e contradies. Nele, o processo jornalstico aparece por meio de fotografias
que significam olhares que nos fazem desconfiar de uma possvel
encenao e que possuem milhares de simbologias a respeito de
como a foto foi tirada, a posio do fotgrafo, o tipo de lente utilizada, o sentimento que se quis passar. Tudo passvel de dvida,
mas a representao muitas vezes alcana uma atmosfera singular
para compor o que podemos chamar de imagens fotojornalsticas
contemporneas.
A capacidade de mutao das imagens hoje faz pensar numa
complexidade imagtica, uma vez que seu fluxo de produo envolve mutaes em diversas ordens: fotografias, montagens, narrativas, interaes etc.; processos que tornam as reflexes de Catal
(2005) fundamentais para o entendimento da representao na
cultura atual. Para o pensador catalo, o cenrio de produo de
imagens equivale a uma cultura visual, pois as imagens se manifestam na forma de uma ecologia do visvel.
O pesquisador procura distanciar o conceito de imagem do
conceito de texto, dado que o fluxo temporal expressado pelas imagens compreende algo alm da informao puramente verbal. Para
Catal (2005), a imagem tambm produto da imaginao e os
fenmenos da cultura visual vm para unir o conceito de imagens
ao conceito de texto, de modo a redefinilo:
O texto, evidentemente, qualifica e raciocina de forma
mais poderosa e incisiva que quaisquer imagens, mas
estas, em contrapartida, permitem uma imediata
visualizao das complexidades que os textos contm,
e o faz de uma maneira que a disposio dura e linear
da lngua escrita se v impossibilitada de administrar
(exceto nos novos hipertextos, que, ao fim e depois, so
em muitos sentidos um expoente a mais do exerccio de
conversao do texto em imagem que promove o computador). (Catal, 2005:. 69).
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porte cognitivo que reconhece as transformaes dos espaos envolvendo a percepo do indivduo e como o indivduo nela retratado. Desse modo, podemos discutir a nova experincia de percepo das cidades e de seus comportamentos atravs da imagem
fotogrfica no site Big Picture.
Algumas publicaes do fotoblog, como as que sero apresentadas a seguir, so unidas para formar o que chamamos de ensaio fotogrfico. Chamamos de ensaio modelos de publicaes que constituem painis, pois no formam efetivamente uma notcia, ou seja, uma
publicao que formada a partir de diversas fotografias que no
coincidem com uma notcia ou com o dia do registro e temtica. Em
alguns casos cada fotografia se refere a uma notcia, em outros, como
o Scenes from Rio de Janeiro, analisado nesse artigo, percebe-se o
desenvolvimento de um retrato, de representaes, ou seja, de um
painel sobre determinado local. Os ensaios so tentativas de representaes mais diversificadas que no atendem s grandes notcias
veiculadas nos outros meios de comunicao. Alm disso, trazem,
em alguns casos, a diversificao de olhares, pois cada fotografia pode
pertencer a um diferente autor. O papel do editor fundamental
para a reunio dessas fotografias sob um nico guarda-chuva e, portanto, ele tambm atua como criador, como o fotgrafo.
No fotojornalismo do Big Picture a fotografia est constantemente revestida de valores, principalmente por causa da edio,
mas existem os valores simblicos que nos fazem perceber como se
d a representao das cidades e das pessoas nesse ambiente. Nas
fotografias do Big Picture possvel perceber como se d o
fotojornalismo que tem como temtica as cidades: o anonimato
nas metrpoles, a fotografia entendida como espelho do outro e
tambm, dialeticamente, imagens que demonstram certa fascinao pelo ser humano em detrimento do entorno (retratos).
Mas o essencial est alm; a fotografia s v na cidade o
cenrio do poder: os monumentos que o fixam no passado, e as grandes obras urbanas que o projetam no futuro. Mas os homens, os operrios, os contramestres, os
transeuntes, os flanadores etc., mesmo parados, esto
ausentes, ou quase, das fotografias. A cidade um palco
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Figura 1: Ensaio World Population, where its thick and where its thin.
Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2011/11/
world_population_where_its_thi.html
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Figuras 6 e 7: Printscreen Scenes from Rio de Janeiro publicado no dia
27 de agosto de 2008.
Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2008/08/
scenes_from_rio_de_janeiro.html
A cidade o local do cotidiano, do agrupamento de diferentes tipos e grupos sociais. palco para os mais diversos eventos
que vo desde uma importante partida de futebol, passando pela
sada do trabalho, por uma festa popular, um desfile de moda, uma
operao policial na favela e pela beleza turstica da cidade tpica
de um carto postal.
Esse ensaio diferente por reunir diversas cenas ou pequenas
notcias ou notas, representadas pelas fotografias e suas legendas,
numa abordagem maior, com a inteno de resumir diversos acontecimentos e informaes (mesmo tursticas) num nico espao visual. A saturao ocorre, portanto, em diversos nveis, uma vez que
somos bombardeados por diversas informaes a respeito do Rio
de Janeiro e do Brasil. Porm, essas informaes so rasas e podem nos impelir ou no a pesquisar mais sobre algum evento que
nos atraiu.
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editores acharam necessrio inserir o futebol no contexto da cidade do Rio de Janeiro, de modo a mostrar que o esporte faz parte
do cotidiano do carioca e, por extenso, do brasileiro.
A fotografia 7 ilustra a notcia relacionada com a grandeza da
Petrobrs em nmeros. Os trabalhadores devidamente uniformizados se movem na gigantesca plataforma, que segundo a legenda
custou 850 milhes de dlares. Os funcionrios andam todos praticamente na mesma direo e nos remete ao histrico filme dos
irmos Lumire retratando a sada dos trabalhadores de uma fbrica. Existe movimento nessa fotografia, todos esto trajados de
forma similar e nenhum indivduo destacado. Isso porque, a notcia quer se referir ao grandioso empreendimento da Petrobrs (que
ocupa grande parte da imagem) e os funcionrios s esto ali para,
de um lado humanizar a obra e, de outro, servirem como referncia ao tamanho da estrutura.
A imagem fotogrfica de nmero 8, a mais antiga do ensaio
(17 de maio de 2008), a nica relacionada com festas populares.
Na legenda h uma breve descrio da festa chamada Jongo Festival, que se refere ao legado deixados pelos escravos africanos. Apesar de ser um retrato, o indivduo por trs da mscara um mistrio, seu rosto no importa e sim sua atuao no ritual. Esse festival
mais um exemplo da miscigenao brasileira e se torna uma interessante representao porque pouco conhecido no Brasil e no
exterior. A escolha dos editores foi primorosa pois deu voz a um
ritual tipicamente brasileiro e pouco conhecido. Talvez tivesse sido
mais fcil colocar uma imagem do carnaval do Rio de Janeiro, mas
os editores optaram por enxergar as diferentes expresses populares do local.
As figuras 9 e 10 so outro exemplo dessa fotografia do cotidiano que no tem a inteno de explorar o exotismo de um pas
como o Brasil. Fotografias de modelos numa passarela de moda
durante o Fashion Rio Spring Summer de 2009 mostram o lado
glamuroso do Rio de Janeiro, ao contrrio da leitura da foto anterior, que remete favela, pobreza. A modelo, cuja nacionalidade
no sabemos, pode ser tambm uma brasileira. Apesar de no representar um esteretipo da mulher local desfila para uma estilista
brasileira, Nana Carana. O retrato (fotografia 10) coloca a modelo
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Apesar da fotografia no incio de sua utilizao ignorar a cidade e as pessoas nela presentes, percebe-se que as agitaes urbanas se tornaram alvo da representao. A cidade prev multides e
agrupamentos de pessoas, caractersticas to perceptveis nas representaes modernas. Antes, a fotografia no registrava pessoas
por causa da lentido tecnolgica, hoje possvel perceber a cidade como local da presena constante de indivduos convivendo com
monumentos e estruturas que tornam a urbanidade to caracterstica das fotografias modernas.
Igualmente, fotografar uma cidade no se limita em reproduzir os prdios, os pedestres ou cenas de rua. A cidade existe materialmente, pode-se percorrer seu espao, estudar o plano, admirar os edifcios. Mas essa cidade material s acessvel ao olhar, ou fotografia, atravs de pontos e ngulos de tomada que so imateriais.
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REFERNCIAS
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Editora Papirus, 2004.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na poca de suas tcnicas de
reproduo. In: BENJAMIN, W. et al. Textos Escolhidos. So Paulo: Abril Cultural, 1975. (Coleo Os Pensadores).
BIG PICTURE. Disponvel em <http://www.boston.com/
bigpicture>. Acesso em 2011 e 2012.
BUITONI, Dulclia H. S. Imagens semoventes: fotografia e
multimdia no webjornalismo. Animus: revista interamericana de
comunicao miditica. Universidade Federal de Santa Maria, v.
VI, n 1, p. 9-23, jan./jun. 2007.
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Janara Dantas da Silva Frana
1. Introduo
A ideia deste texto surgiu depois de um contato inicial com a
mdia social Instagram, aplicativo desenvolvido em 2010 pelo brasileiro Mike Hrieger e pelo americano Kevin Systom. Aproveitando a tendncia dos celulares com cmeras embutidas, seus
idealizadores pensaram em um aplicativo fcil que ajudasse as
pessoas a compartilhar suas experincias cotidianas sem a necessidade de uma mquina fotogrfica para registrar imagens e um computador para public-las na Internet.
A proposta da mdia social permitir que seus usurios publiquem imagens registradas por seus celulares, diretamente em seu
perfil no Instagram no formato 4:3, mesmo padro usado pela
Kodak Instamatic e Polaroide1, diferentemente do formato 3:2,
padro de imagens que so capturadas pelas mquinas fotogrficas inseridas nos atuais celulares.
Falando especificamente sobre a esttica da fotografia,
Santaella (2007) afirma que a esttica precedente no desaparece quando surgem novas tecnologias, elas vo somando, complementando-se e interconectando-se. Na viso de Manovich (2006),
a fotografia se tornou um cdigo representativo incrivelmente resistente que vem sobrevivendo a todas as ondas tecnolgicas. E
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Modelos de cmeras fotogrficas que possuem foco fixo e eram usadas por
amadores.
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para Berger (1999), cada vez que olhamos para uma fotografia,
criamos a conscincia de que o fotgrafo selecionou aquela cena
entre tantas outras possibilidades. Atualmente, continuamos utilizando a fotografia para construir nossa viso de mundo e usamos
as tecnologias a que temos acesso para tal atividade.
Inicialmente o aplicativo Instagram estava disponvel apenas
para usurios de smartphones do sistema Apple iOS; posteriormente, em abril de 2012, o servio tambm se tornou disponvel
para usurios do sistema Android, totalizando na poca 30 milhes
de usurios. Neste mesmo perodo, o Facebook anunciou a compra
do aplicativo por 1 bilho de dlares.
O servio de compartilhamento de fotos tem apenas dois anos
de existncia e j encarado por especialistas como um ambiente
digital que mescla compartilhamento de fotos, construo de redes
de contatos e transaes comerciais. Uma evoluo um tanto rpida, para um aplicativo que partia apenas da premissa de permitir
que usurios registrassem visualmente suas atividades e as publicassem. Estima-se que 90 milhes de pessoas estejam cadastradas
no site, de acordo com portal de contedo Olhar Digital2; que 40
milhes de fotos sejam publicadas por dia; e a cada segundo, 8.500
curtis so dados nas imagens; 1000 comentrios publicados; e 34
novas contas so criadas, dados divulgados pelo Tecmundo3.
A dinmica de participao da mdia social simples e no
requer convite prvio, como era exigido inicialmente pelo Orkut,
Facebook e Pinterest. Mesmo assim, estes sites de redes sociais
baniram este requisito de acesso aos novos usurios. necessrio
apenas preencher o cadastramento inicial: como o Instagram conversa com as demais mdias, ao criar um perfil no site, o usurio
poder usar uma conta que j dispunha anteriormente no Facebook,
Twitter ou Google+. Com isso, vrias etapas de preenchimento do
cadastro so eliminadas e o usurio tem sua conta de acesso criada
em alguns segundos.
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comum que algumas contas possuam alta visibilidade pelas imagens publicadas ou pela histria pessoal fora da mdia social: o cantor Justin Bieber e a cantora Lady Gaga lideram o ranking
dos perfis mais seguidos dentro do Instagram, de acordo com o
portal de notcias G14.
percebido neste cenrio que articula cibercultura,
ciberespao, sites de redes sociais e mdias sociais, que personalidades e celebridades que possuem perfis de destaque em outras
mdias, como Twitter e Facebook, tenham suas contas entre as mais
populares em uma nova mdia, como no Instagram, havendo uma
migrao de fs entre as mdias, sendo ento replicadas s redes de
contato.
Para reforar sua presena no ambiente digital, o aplicativo
migrou como pgina para um endereo de web5, lanando assim
uma interface para navegadores como Internet Explorer e Google
Chrome em fevereiro deste ano. Porm, o site apenas para
visualizao [Figura 2], os recursos destinados publicao de fotos continuam disponveis apenas para acesso via smartphones e
tablets, conforme podemos visualizar:
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A #hashtag um recurso tecnolgico e tambm um cdigo de
linguagem do hipertexto que surgiu inicialmente no Twitter e o
Instagram adaptou para sua mdia social. Alm de etiquetar contedo, seja ele textual ou imagtico, usado para dar visibilidade e projeo s publicaes. As possibilidades de uma foto com
#hashtag receber comentrios e likes maior do que uma imagem sem uso desse recurso. A importncia da #hashtag para organizar contedos dentro das mdias scias to valorizada que at o
Facebook estuda a possibilidade de inclu-la em sua plataforma.
At a preparao deste artigo, a plataforma de comunicao online ainda no a havia implementado. A figura 3, a seguir, mostra
uma busca realizada com as seguintes #hashtags: #saopaulo (15.143
fotos encontradas); #sampa (202.383 fotos encontradas) e
#sampacity (4.948 fotos encontradas).
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Aps essa breve apresentao sobre o Instagram e seus recursos tecnolgicos para publicao e compartilhamento de imagens,
desenvolveremos uma anlise sobre os diversos bancos de imagens
disponveis na plataforma on-line, alimentados diariamente pelos
prprios usurios.
Dentre tantos bancos de imagens, os relacionados a paisagens
urbanas ganham ateno especial nesta pesquisa, visto que em um
ambiente onde fronteiras geogrficas so eliminadas pelas novas
prticas comunicacionais permitidas pelas tecnolgicas mveis, seria curioso encontrar espaos digitais dedicados a delimitar
visualmente espaos urbanos, pelo constante registro de paisagens realizado por seus frequentadores tanto moradores, como
visitantes.
E nestes espaos digitais, o ensaio reflexivo se inicia e no h
a pretenso de encerrar o tema que envolve mdias digitais, participao de seus usurios e imagens digitais, pois h apenas a premissa de comear algumas reflexes percebidas ao navegar pelo universo de imagens do Instagram, relacionando com os temas que
envolvem a comunicao digital. A jornada comeou com a
#hashtag #InstamYourCity, no apenas como espao digital de
imagens urbanas, mas como fenmeno social de compartilhamento
e cooperao entre usurios da mdia social.
2. #InstamYourCity: paisagens urbanas e cultura de participao
Clay Shirky, professor do Programa de Telecomunicaes
Interativas da Universidade de Nova York e autor do livro A cultura da participao: criatividade e generosidade no mundo conectado,
um pensadores que dividem de forma otimista a contribuio
positiva da internet e das novas tecnologias no processo
comunicacional da atual sociedade. Junto com Pierre Lvy e Henry
Jenkins, acredita que o avano da cultura digital transferiu para as
pessoas comuns o poder informacional antes dominado pelos grandes grupos de comunicao. Somos todos agentes de comunicao.
Transitamos entre produtores e consumidores de contedo digital:
textual, hipertextual, audiovisual e/ou imagtico.
Shirky (2011) chama a ateno para pesquisadores e entusiastas das novas tecnologias para o fato de que o enfoque excessivo nas
ferramentas pode limitar nossa viso sobre o potencial das pessoas
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ao se apropriarem as novas formas de mdia. Estamos nos esquecendo dos usos sociais e dos desejos humanos que motivam essa
efetiva participao nas mdias digitais. O pensamento do professor
americano partilhado por Charlene Li, pensadora contempornea
das mdias sociais, e Josh Bernoff, pesquisador da Forrester Research.
Ambos escreveram o livro Grounsdswell: fenmenos sociais nos negcios, que traz reflexes sobre os impactos das novas tecnologias
conectadas nas relaes humanas e empresariais.
So as pessoas. E as pessoas com poder outorgado pela
tecnologia nem sempre seguem juntas. A mdia no est
organizada em pequenos retngulos chamados jornais,
revistas e aparelhos de televiso. As pessoas se
conectam com as outras e recebem poder delas (Li &
Bernoff, 2012: 5).
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mdias tradicionais: rdio, televiso, jornais. Com o desenvolvimento
das novas mdias comunicacionais, emergiu uma nova forma de visibilidade, a midiatizada, segundo Thompson (2008). Para ele, que
tambm adota uma viso otimista, essa visibilidade midiatizada
moldada pelas propriedades distintivas das novas mdias, alm dos
aspectos sociais e tcnicos, e pelas novas formas de interao.
O nascimento da Internet e de outras tecnologias digitais
amplificou a importncia das novas formas de visibilidade
criadas pela mdia, e, ao mesmo tempo, tornou-as mais complexas. Elas aumentaram o fluxo de contedo nas redes de
comunicao e permitiram que um nmero maior de indivduos criasse e disseminasse esse tipo de contedo
(Thompson, 2008: 23).
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Para a autora, h dois termos importantes que devem ser considerados quando tentamos entender a complexidade que envolve
o contexto da comunicao e interao on-line: a ubiquidade e a
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Figura 5: Mapstangram.
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Dentre as imagens finalistas, perceptvel que seus autores
quiseram mostrar um espao urbano com todas as suas mincias:
cores, formas, texturas, intervenes humanas. A beleza est na
variedade de vises de uma imagem que migra do espao fsico
para o espao digital, tornando-se um espao hbrido da cidade
representada. A proposta no discutir se o uso do filtro e a forma
de captura da imagem realmente representam a cidade. a realidade que foi registrada na viso do usurio. Manovich (2006), ao
analisar as imagens contemporneas, afirma que a atual paisagem
visual no constituda por fotografias puras, so mutaes que
passaram por vrios filtros e ajustes manuais ou tcnicos at adquirirem um look estilizado, formando o que o pesquisador das novas
mdias chama de hibridao visual.
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REFERNCIAS
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www.agenciars.com.br/blog/as-faces-do-instagram/# >. Acesso em
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BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1999.
G1. Entenda a curta histria do Instagram, comprado pelo
Facebook. Disponvel em: < http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/04/entenda-curta-historia-do-instagram-comprado-pelofacebook.html >. Acesso em maro de 2013.
LI, Charlene & BERNOFF, Josh. Groundswell: fenmenos sociais
nos negcios. Rio de Janeiro: Campus Elsevier: 2012.
MANOVICH, Lev. The shape of information. Disponvel em: <
https://www.manovich.net >. Acesso em janeiro de 2010.
OLHAR DIGITAL. O que os filtros do Instagram dizem sobre a
fotografia digital? Disponvel em: http://olhardigital.uol.com.br/
produtos/mobilidade/noticias/o-que-os-filtros-do-instagram-dizemsobre-a-fotografia-digital >. Acesso em maro de 2013.
SANTAELLA, Lucia. A ecologia pluralista da comunicao:
conectividade, mobilidade e ubiquidade. So Paulo: Paulus, 2010.
_________________. Linguagens lquidas na era da mobilidade.
So Paulo: Paulus, 2007.
SHIRKY, Clay. Cultura da participao: Criatividade de generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2011.
SOUZA e SILVA, Adriana. Do ciber ao hbrido: tecnologias mveis como interfaces dos espaos hbridos. In: ARAJO, Denize
Correa de (Ed.) Imagem e realidade. Comunicao e cibermdia.
Porto Alegre: Sulina, 2006, pgs. 21-51.
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Storify. Origem do Instagram. Disponvel em: < http://storify.com/
nataliaberaldi5/fotografia >. Acesso em abril de 2013.
THOMPSON. John B. A nova visibilidade. Revista Matrizes.
Nmero 2, pginas 15-38, 2 de abril de 2008.
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AS BIOGRAFIAS
DOS AUTORES
Anna Letcia Pereira de Carvalho
Professora dos cursos de Produo
Audiovisual e Sistemas para Internet no
Grupo IBMEC Educacional-Metrocamp,
onde leciona as disciplinas Criao e Produo Digital, Edio de TV, Vdeo e
Multimdia, Projeto Interdisciplinar e
Comunicao Visual para Web. Aluna
Especial da disciplina Tecnoimagtica:
produo e circulao da imagem na comunicao contempornea, no Programa de Ps-Graduao da Escola de Comunicao e
Artes da Universidade Estadual de So Paulo. Mestre em Comunicao na linha de pesquisa Produtos Miditicos: Jornalismo e Entretenimento pela Faculdade Csper Lbero, cuja dissertao O
Fotojornalismo do Big Picture: notcias contadas por fotografias,
teve apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So
Paulo (FAPESP). Especialista em Fotografia pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL( e graduada em Comunicao Social
com habilitao em Midialogia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com bolsa de iniciao cientfica PIBIC/CNPq.
integrante desde 2011 do Grupo de Pesquisa Comunicao e
Cultura Visual da Faculdade Csper Lbero.
Currculo lattes: http://lattes.cnpq.br/5235534677157969.
annaleticia@gmail.com
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Eric de Carvalho
Doutorando na Escola de Comunicao
e Artes da Universidade de So Paulo, na
rea de Estudo dos Meios e da Produo
Meditica, seguindo a linha de pesquisa
de Consumo e Usos Miditicos nas Prticas Sociais. Possui graduao em Comunicao Social pela Escola Superior de
Propaganda e Marketing (1997) e
mestrado em Comunicao pela Faculdade Csper Lbero (2010).
Atuou como supervisor regional de trade marketing nas Havaianas
(So Paulo Alpargatas - 2008-2010), supervisor de marketing da
YKK Brasil (2006-2008), coordenador de marketing da Matte Leo
(Leo Jr - 2002-2006), analista de marketing da Budweiser Brasil
(Cervejaria Antarctica 1996-1997) e foi scio-proprietrio da agncia de comunicao Set Brain Comunicao (1998-2002). Atualmente professor do curso de ps-graduao de Marketing e Comunicao Publicitria da Faculdade Csper Lbero e de Marketing
da Universidade de Tocantins e leciona tambm nos cursos de publicidade e propaganda das faculdades Csper Lbero e Belas Artes e Centro Universitrio FECAP, atuando principalmente nos
seguintes temas: consumo, cultura, comunicao, identidade, imagem e publicidade.
Currculo lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/
visualizacv.do?id=K4425529E1
ericdecarvalho@ig.com.br
Fabola Tarapanoff
Professora dos cursos de Comunicao
Social do FIAM-FAAM Centro Universitrio, em que leciona as disciplinas Informao e Formao de Opinio, Teoria da
Opinio Pblica, Linguagens e Estruturas
do Discurso e Cultura, Comunicao e
Mdia. Doutoranda do Programa de PsGraduao Stricto Sensu - rea de Concentrao: Processos Comunicacionais - Linha de Pesquisa: Comunicao Miditica nas Interaes Sociais na Universidade Metodista
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FAAM e FMU. Leciona as disciplinas Teorias da Comunicao e
Comunicao e Mdia.
Currculo lattes: http://lattes.cnpq.br/5339133866531303
Contato: zooliveira@uol.com.br
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ESPM (Documentrio), e do curso de ps-graduao em comunicao da FMU (Produo Executiva e Gesto de Televiso). Integrante do grupo de pesquisa Comunicao e Cultura Visual
(Csper). tambm consultor em media training e o jornalista responsvel pelo boletim informativo da ONG VivaPacaembu por So
Paulo. Foi editor chefe do telejornal Jornal da Gazeta (TV Gazeta/
SP), editor chefe do telejornal Jornal da CBS, em Miami (TV CBS/
EUA), editor executivo do Bom Dia Brasil (TV Globo), editor dos
telejornais Hoje, SPTV e Jornal da Globo (TV Globo), editor do
Jornal da Band (TV Bandeirantes), do Jornal da Record (TV
Record), editor executivo e editor de internacional do Telejornalismo
da TV Cultura, SP.
Cv:http://lattes.cnpq.br/6189660393475038#sthash. FJJ4Y
whh.dpuf
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