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A Cidade e A Imagem

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A CIDADE

E A IMAGEM
ORGANIZADORES

CARLOS COSTA
DULCILIA SCHROEDER BUITONI

SO PAULO, 2013

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25/09/2014, 12:30

Este trabalho foi licenciado com uma Licena Creative


Commons 3.0 Brasil. Voc pode copiar, distribuir, transmitir ou remixar este livro, ou parte dele, desde que cite a fonte e distribua seu
remix sob esta mesma licena.
O texto aqui reproduzido uma obra de autoria
e responsabilidade de seus autores e no representa,
necessariamente, a opinio da Editora.

Jundia, SP, novembro de 2013.

Editor responsvel: Mrcio Martelli


Projeto Grfico: Mrcio Martelli e Lucas Pezzato
Projeto de Capa: Rafael Costa
Organizador da Coleo: Carlos Costa e Dulcilia Schroeder Buitoni
Reviso gramatical: Camilla do Vale, Carlos Roberto da Costa e Karolina Bergamo
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
C568

A cidade e a imagem / Organizado por Carlos Costa e


Dulcilia Schroeder Buitoni - Jundia, SP:
Editora In House, 2013.
364p.
ISBN 978-85-7899-276-7
1. Comunicao Visual - Aspectos sociais
2. Cultura Visual 3. Imagens miditicas - Estudo
4. Cultura e Sociedade 5. Comunicao e cultura
I. Costa, Carlos II. Buitoni, Dulcilia Schroeder III. Ttulo
CDD 20.ed.-302.2
Michele Bueno CRB-8/8355
ndices para catlogo sistemtico:
1. Comunicao 302.2

Editora In House
www.editorainhouse.com.br | inhouse@terra.com.br
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Fones: (11) 4607-8747 / 99903-7599
Visite nossa loja virtual: inhousestore.com.br

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SUMRIO
Prefcio
Orvalho leve na noite negra: So Paulo,
imagens lricas de luto e luta
Nicolau Sevcenko .................................................................. 7
Apresentao
Dulcilia Schroeder Buitoni ................................................. 25
Uma coleo de preciosidades
Carlos Costa ........................................................................ 29
O espao pblico como meio comunicativo
Lucrcia DAlessio Ferrara ................................................. 35
Enquanto a cidade dorme
Josep M. Catal ................................................................... 51
Cidade, paisagem, fotografia, emblemas
Dulcilia S. Buitoni ............................................................. 111

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As cidades reais como cenrio para a produo da fantasia nos


mangs e anims: glocalizao e a Paris de nossos sonhos
Sonia M. Bibe Luyten ....................................................... 131
Passeio pelas mensagens da cidade: convvio de mdias
Carlos Costa ...................................................................... 153
Fotografia, mediao e espao urbano em Belm do Par:
imagens evenemenciais como reconfigurao da experincia
Jos Augusto Mendes Lobato .......................................... 181
Uma praa e seus girassis: as narrativas
imagticas da histria de Palmas
Edna de Mello Silva, Liana Vidigal Rocha
e Srgio Ricardo Soares .................................................... 207
Grafitecidade e viso travelar
Jos Geraldo de Oliveira .................................................. 227
So Paulo: luz sobre a nova Luz
Eric de Carvalho ............................................................... 241
Imagens em revista no tempo: Rio de Janeiro e So Paulo
Dulcilia S. Buitoni ............................................................. 255
Nuremberg, a cidade palco do poder nazista
Silvio Henrique V. Barbosa ............................................... 273
O olhar cosmopolita de Woody Allen
Fabola Tarapanoff ............................................................ 291

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As cidades do Big Picture


Anna Letcia Pereira de Carvalho .................................... 309
#InstamYourCity paisagens digitais
Janara Dantas da Silva Frana ........................................ 335

Biografias dos autores ...................................................... 355

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ORVALHO LEVE
NA NOITE NEGRA:
SO PAULO,
IMAGENS LRICAS
DE LUTO E LUTA
Nicolau Sevcenko
How do I know what Order brings
Me into being?
I only know, if you do certain things,
I must become your Hearing and your Seeing;
Also your Strength, to make great wheels go round,
And save your sons from toil, while I am bound!
What do I care how you dispose
The Powers that move me?
I only know that I am one with those
True Powers which rend the firmament above me,
And, harrying earth, would save me at the last
But that your coward foresight holds me fast!
Como saber a Ordem que me faz vir a ser?
Apenas sei que, em certos atos vossos,
hei de ser o vosso Ouvido e vossa Vista;
e a Fora vossa, a mover grandes rodas,
poupando vossos filhos da exausto,
enquanto eu me mantenho em submisso!
A mim, que importa o uso que
ireis fazer das energias minhas?

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Apenas sei que sou Um com as Foras
tremendas que sustentam bem no alto o Firmamento
e, varejando a Terra, s em ltimo lugar me salvaro
mas, covardes, de mim no abris mo!
(Rudyard Kipling, Song of the Dynamo, escrito em 1927
vista da UsinaHidreltrica de Cubato,
construda para fornecer energia cidade de So Paulo)

Na madrugada paulista de 26 de julho de 1968, um grupo terrorista de extrema-direita perpetrou um atentado horrendo contra
o poeta Federico Garca Lorca. No contra a sua pessoa, pela segunda vez, mas contra o monumento concebido em sua homenagem pelo arquiteto e artista plstico Flvio de Carvalho. Protegida
pelo escuro da noite, uma horda armada arremeteu contra o
memorial e, com a ajuda de marretas de ferro e serras eltricas,
atacou ferozmente a obra de arte, at v-la reduzida a uma massa
sucatada disforme e pedaos de metal retorcido, espalhados pelo
jardim e saudados ao fim pelos agressores com saraivadas de
disparos de pistolas e rajadas de metralhadoras. O monumento havia
sido instalado na Praa das Guianas, em meio a uma pacfica rea
residencial, prximo a uma escola de crianas e uma igreja, numa
rea bem central de So Paulo, onde se cruzam os eixos diametrais
representados pelas avenidas Nove de Julho e Brasil, na direo do
popular Parque Ibirapuera. Esse trgico episdio, ocorrido em pleno
corao da cidade, significativo em vrios sentidos e revela como
poucos o campo de tenses em que So Paulo se transformou ao
longo do sculo XX.
O monumento em si mesmo era extremamente sugestivo. Ele
se compunha de uma base de concreto, a partir da qual vicejavam,
como numa eflorescncia, um intrincado conjunto de tubos retilneos em desconcertantes angulaes geomtricas, parcialmente
envoltos por chapas de ferro moldadas em curvas sinuosas, destacando trs apliques amebides em metal pintado de vermelho vivo,
dois nas extremidades superiores e outro maior suspenso ao meio
da composio. Sobre a superfcie exterior dessa pea maior, Flvio de Carvalho pintou, em letras negras, versos em espanhol tira-

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PREFCIO
dos do belssimo poema Los lamos de plata, do Libro de poemas, de 1921, de Garca Lorca:
Hay que abrirse del todo
frente a la noche negra,
para que nos llenemos del roco inmortal!

Em sua estrutura bsica, o monumento evocava fortemente o


memorial que Pablo Picasso havia criado para homenagear seu
amigo poeta Gillaume Apollinaire, morto em 1918 (o poema citado de Lorca de 1919), em consequncia de grave ferimento recebido no front de combate da Primeira Guerra Mundial. Picasso havia
desejado que o memorial fosse colocado sobre o tmulo do amigo
artista, porm as autoridades o proibiram de coloc-lo no s no
cemitrio de Pre Lachaise, mas em qualquer outra parte de Paris.
Os destaques em ferro vermelho, por sua vez, sugerem as amorfosidades amebides desenvolvidas pelas imagens em cores puras e
espaos etreos de Mir. O equilbrio instvel em que se mantinham suspensas essas peas, sua virtual flutuao, apontavam para
as experincias de Calder, com seus mbiles e estbiles em estruturas metlicas pintadas.
O conjunto do monumento de Flvio de Carvalho constitua
portanto no apenas uma homenagem a Garca Lorca, mas uma
espcie de manifesto artstico de louvor ao projeto modernista e
de solidariedade com a corrente cosmopolita de artistas e intelectuais envolvidos no processo de transformao cultural e social do
mundo forjado pela Primeira Guerra. A iniciativa da construo
do memorial artstico, ligando Lorca cidade de So Paulo, partira
do Centro Democrtico Espanhol, com o apoio de um grupo de
notveis artistas e intelectuais paulistas. Eles receberam o entusiasmo internacional fraterno de colegas clebres como Picasso,
Buuel e Arrabal, dentre outros. A inaugurao do memorial foi
encabeada pelo poeta chileno Pablo Neruda e contou com a presena do irmo de Lorca, Paco Garca. No primeiro esboo que fez
para a obra, Flvio de Carvalho registrou a seguinte justificativa
para o projeto:

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Este monumento encarna em ao a tmpera
de Federico Garca Lorca, simboliza seu
esprito dinmico que explode num teatro
autenticamente telrico e numa poesia viva,
universal.
Seus tubos so flechas lanadas ao espao,
na procura da liberdade que dignifica o ser
humano.
No seu conjunto, a prpria vida do poeta,
que trava a definitiva batalha contra a
tirania e a opresso.

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Curiosamente, todo o grupo dos artistas em cujo trabalho Flvio de Carvalho parecia se inspirar na sua execuo do memorial,
Picasso, Apollinaire, Mir, Calder, eram muito amigos entre si e
amigos todos tambm do poeta franco-suo Blaise Cendrars, que
junto com Apollinaire foi um dos inventores da chamada poesia
cubista, em 1913. Com a morte de Apollinaire, Cendrars acabou se
tornando uma espcie de vrtice da cena artstica do ps-guerra
em Paris, incentivando tanto o neo-plasticismo de Le Corbusier e
Lger, quanto o surrealismo de Picabia, Cocteau e Masson. Foi
nessa condio, de articulador das iniciativas radicais de renovao esttica, que Cendrars foi abordado por Paulo Prado em Paris
e trazido para So Paulo em 1923, para uma longa permanncia e
vrios retornos durante o restante da dcada de 20. Nesse mesmo
ano de 1923, Flvio de Carvalho, voltando de um perodo de onze
anos de permanncia na Frana e Inglaterra, onde se formara na
Universidade de Durham em engenharia e arquitetura, convertendo-se num arauto da arte moderna, encontra-se em So Paulo com
ele, Cendrars, ento o mais celebrado interlocutor do movimento.
Quanto cidade propriamente, na senda da industrializao,
no s manteve quanto intensificou enormemente seu acelerado
processo de crescimento. Desde o incio dos anos 20, porm, quando Washington Lus assumiu a Prefeitura da cidade, a nfase administrativa se deslocou do projeto urbanizador inspirado no II Imprio francs, seguindo uma nfase tecnicista voltada para a prioridade ao automvel em prejuzo dos pedestres. O ponto de inflexo
nessa tendncia naturalmente coincidiu com o golpe de 1930 e a
adoo do primeiro projeto tcnico integrado para a cidade, o chamado Plano Avenidas, baseado na idia de amplos corredores de
circulao rpida, as vias expressas, ao longo das margens dos rios.
Jardins e espaos pblicos seriam, desde ento, sistematicamente
sacrificados para a circulao e o estacionamento de veculos.
Do ponto de vista arquitetnico, segundo a lgica especulativa
predominante no mercado imobilirio, prevaleceriam as construes verticais elevadas em detrimento da ocupao horizontal e da
escala humana. essa cidade rida, rude, esmagadora, em que
palpitam as milhes de esperanas solitrias, construda num curto
espao de tempo, onde latejam mltiplas expresses de uma sensi-

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Detalhe de propaganda do automvel Hudson, 1941
(100 Anos de Propaganda. Abril Cultural, SP, 1980).

bilidade tolhida e to evidente nas festas animadas dos bairros populares e do futebol das vrzeas perifricas, que Mrio de Andrade
canta no seu Meditao sobre o Tiet, de 1945. Incorporando a
imagem sinuosa do rio, que serpenteia silencioso pelos bairros pobres, luz distante dos edifcios e do plano retilneo das vias expressas, ele chora o destino frustrado de um sonho de emancipao que no se cumpriu:
[...] Por que os homens no me escutam!
Por que os governadores
No me escutam? Por que no me escutam
Os plutocratas e todos os que so chefes e so fezes?
Todos os donos da vida?
Eu lhes daria o impossvel e lhes daria o segredo,
Eu lhes dava tudo aquilo que fica pra c do grito
Metlico dos nmeros, e tudo

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O que est alm da insinuao cruenta da posse. [...]
Por que os donos da vida no me escutam?
Eu s sei que eu no sei por mim! sabem por mim as fontes
Da gua, e eu bailo de ignorncias inventivas.
Meu baile solto como a dor que range, meu
Baile to vrio que possui mil sambas insonhados!
Eu converteria o humano crime num baile mais denso
Que estas ondas negras de gua pesada e oliosa,
Porque os meus gestos e os meus ritmos nascem
Do incndio puro do amor... [...]
Eu me acho to cansado em meu furor.
As guas apenas murmuram hostis,
gua vil mas turrona paulista
Que sobe e se espraia, levando as auroras represadas
Para o peito dos sofrimentos dos homens.
... e tudo noite. Sob o arco admirvel
Da Ponte das Bandeiras, morta, dissoluta, fraca,
Uma lgrima apenas, uma lgrima,
Eu sigo alga escusa nas guas do meu Tiet.

O clima do imediato ps-guerra, hostil aos regimes fascistas


derrotados, possibilitou s foras de oposio no Brasil unir suas
energias para derrubar o regime de Vargas, em 1945. Esse perodo
ps-ditatorial seria chamado de redemocratizao e seria marcado pelo tema poltico da arrancada para o desenvolvimento autosustentado, cujo smbolo por excelncia seria a construo da cidade modernista de Braslia, em 1960, projetada para ser a alavanca
propulsora da redeno econmica nacional. Mas se Braslia seria
o smbolo, a realidade era So Paulo. A cidade que contava com
cerca de 239.820 habitantes em 1900, saltou meio sculo depois
para 2.662.786, tornando-se na maior metrpole brasileira e ao
mesmo tempo no maior centro industrial latino-americano, gerando sozinha mais de 50% de toda a produo industrial do pas.
Substituindo-se cafeicultura, a industrializao constituiria agora
o fundamento da prosperidade paulista, com a sua sede na capital,
j em adiantado processo de conurbao com os municpios
limtrofes, num complexo processo expansivo multidirecional que

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originou a chamada grande So Paulo. Em paralelo, uma nova


camada social emergente viria a compor a elite local, basicamente
formada por empresrios industriais ligados a famlias de imigrao mais ou menos recente.
Desse novo contexto emergiria a figura que se tornou o
mecenas do que pode ser chamado o ressurgimento paulista nesse perodo. Tratava-se de Francisco Matarazzo Sobrinho, mais conhecido pelo apelido familiar de Ciccillo. Ele pertencia a uma
famlia que controlava um dos maiores patrimnios industriais em
So Paulo, construdo a partir do seu patrono, o empresrio
Francesco Matarazzo, nascido em Castellabate, Provncia de
Salerno, e chegado ao Brasil em 1882. Ciccillo recebeu seus estudos elementares em So Paulo, os secundrios na Itlia e os superiores na Blgica, formando-se em engenharia na Universidade de
Lige. Retornando ao Brasil, assumiu a direo de um dos negcios mais prsperos da famlia, a Metalrgica Matarazzo. parte ser
empresrio bem-sucedido, ele se tornou desde ento o vrtice da
vida cultural paulista, interagindo de forma significativa ou decisiva em praticamente todas as iniciativas que viriam restaurar a energia criativa sufocada pela ditadura.
Articulado com intelectuais egressos das agitaes modernistas dos anos 1920, ele assume o empenho da criao de um museu
de arte moderna. Busca orientao para isso com o muselogo
Nierendorf, ento diretor do Museu Guggenheim de Nova York,
inaugurando o Museu de Arte Moderna de So Paulo em 1949,
com uma grande exposio de arte abstrata, movimento que em virtude da ditadura permanecera praticamente desconhecido no Brasil.
Em paralelo ao MAM e como um desdobramento de seu papel de
ncleo de convergncia do debate artstico internacional, organiza a
Bienal de Artes Plsticas em 1951, a qual seria acompanhada da Bienal
de Arquitetura e a Bienal de Teatro. Para a I Bienal, contou com o
apoio decisivo de instituies internacionais como o Museum of
Modern Art de Nova York e a Kokusai Bunka Shinkokai de Tquio.
O prestgio de Ciccillo no circuito cultural internacional era tal que,
para a Bienal seguinte, em 1953, ele conseguiu trazer para So Paulo
nada menos que a Guernica, num excepcional emprstimo, dentre mais
de 80 outras obras para uma grande retrospectiva de Picasso.

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Afora essa construo de acervos fixos e peridicos, envolvendo os maiores nomes da arte contempornea brasileira, latinoamericana e mundial, ele ainda encabeou a criao do Teatro Brasileiro de Comdia, principal ncleo da renovao do teatro brasileiro e da Companhia Cinematogrfica Vera Cruz, com estdios e
equipamentos de primeira qualidade, para a qual convocou uma
equipe de tcnicos europeus que concentrariam o know how bsico do cinema nacional no ps-guerra. Outras iniciativas na mesma
linha de atualizao cultural da cidade foram o Festival Internacional de Cinema (1951), o Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de So Paulo (1964) e a Bienal Internacional do Livro (1969). Mas nem s em instituies se envolvia Ciccillo. Quando em 1956 o artista Flvio de Carvalho criou uma moda masculina adaptada s condies climticas locais, que consistia em saiote
e blusa bufante em tecido brilhante e decidiu apresent-la num
desfile pblico atravs da cidade, arrastando multides escandalizadas atrs de si, Ciccillo fez questo de acompanh-lo durante
todo o percurso.
Mas o auge da sua atividade est associado sua atuao na
Presidncia da Comisso Organizadora dos festejos do IV Centenrio da cidade de So Paulo, em 1954. Numa relao bastante
conflituosa com a Prefeitura, ele props um projeto de recuperao de uma ampla rea pantanosa nas vrzeas do Rio Pinheiros, ao
sul da cidade, a fim de transform-la num jardim pblico, rea de
lazer e centro cultural da cidade de So Paulo. O projeto resultou
na realizao do Parque Ibirapuera, com cerca de 18 km quadrados de rea ajardinada, ponteada por um conjunto de prdios pblicos projetados por Oscar Niemeyer, o futuro arquiteto de Braslia.
Dentre as vrias atividades culturais dos festejos destacou-se a criao do Bal do IV Centenrio, primeiro grande impulso ao desenvolvimento da arte coreogrfica no Brasil, cuja direo foi entregue ao clebre coregrafo hngaro Aurel Milloss, ex-diretor dos
Bals de Paris, Berlim, Viena e do La Scala de Milo. As apresentaes foram abertas ao grande pblico e vieram para reger a Orquestra Sinfnica de So Paulo os maestros Paul Hindemith, da
Alemanha, Pierre Dervaux, da Frana, e Nino Stinco, da Itlia, num
repertrio de compositores brasileiros, com destaque para Villa-

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Lobos e com cenrios e figurinos de artistas nacionais, com destaque para Flvio de Carvalho.
No total, mais de cem eventos artsticos foram apresentados
populao no contexto do IV Centenrio, envolvendo cerca de 350
artistas brasileiros. Os quais, em retribuio, resolveram dar a
Ciccilo uma tela de De Chirico que, ato contnuo, ele repassou para
o acervo permanente do MAM. O fato comporta uma curiosa coincidncia. Um de seus primeiros colaboradores, fora o jornalista e
magnata das comunicaes Assis Chateaubriand, ex-combatente
da tentativa de secesso paulista de 1932. Mas Chateaubriand tinha seus prprios planos de mecenato e em 1947 se associou com o
crtico de artes italiano Pietro Maria Bardi e sua mulher, a arquiteta Lina Bo Bardi, para criar o mais sofisticado acervo de arte da
cidade, o Museu de Arte de So Paulo, reunindo obras de grandes
mestres desde o Renascimento at a atualidade. Ocorre que o pai
de Lina, Enrico Bo, foi pintor surrealista e amigo dileto de De
Chirico, tanto que a famlia Bo era sua vizinha na Via Ges, em
Milo. Lina foi pois fortemente influenciada pelo mestre da pintura metafsica e, sob o patrocnio de Chateaubriand, projetaria o
prdio do MASP (1968), na parte mais central e visvel do espigo
central da cidade, em plena Avenida Paulista, segundo uma concepo arquitetnica e museolgica extremamente original, inspirada na esttica do deslocamento onrico do mestre italiano. Seu
impacto, intensificado por outras obras de Lina Bo Bardi, acabaria
dando um tom peculiar produo arquitetnica paulista.
Assentados esse padres bsicos de referncia e a atmosfera
geral desse ressurgimento paulista, a cena cultural adquiriu um
dinamismo de fora radical a partir dos anos 60. Ao redor da
Cinemateca Brasileira, surgida em 1956 a partir da Filmoteca do
MAM e da atividade crtica de Paulo Emlio Salles Gomes, se organiza em 1960 a I Conveno da Crtica Cinematogrfica Brasileira, desencadeando as reflexes e o debate esttico que desembocariam no Cinema Novo. No teatro, Gian Francesco Guarnieri
dirige operrios na montagem de Eles no usam black tie, lanando
o Teatro de Arena e radicalizando a cena teatral. O III Festival da
Msica Popular Brasileira da TV Record (1967), lana o Tropicalismo de Caetano Veloso, com Alegria alegria, e Gilberto Gil, com

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Domingo no parque, fundindo as inovaes da Bossa Nova com as


distores eletrnicas e os cones visuais da pop art internacional.
No mesmo ano Jos Celso Martinez apresenta a sua anrquica
montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, criando comoo no Teatro Oficina. Rogrio Sganzerla filma seu O Bandido da
Luz Vermelha no ano seguinte, propondo uma imagem trgica de
marginalidade e transgresso cultural.
O pano de fundo desse paroxismo crtico e criativo adotara

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cores sombrias desde o golpe militar de 1964, sequela da lgica


redutiva e intolerante que regia as estratgias da guerra-fria para
as reas perifricas do globo. O regime militar assumiu plenas feies ditatoriais com o Ato Institucional 5, em fins de 1967, que
simplesmente revogou a Constituio, a autonomia do Congresso
e quaisquer garantias individuais. O que deixou as foras obscurantistas vontade para invadir o palco do Teatro Ruth Escobar,
onde estava sendo encenada a pea Roda Viva de Chico Buarque
de Holanda, espancando pblico e atores. Esses mesmos personagens sinistros atacariam poucos dias depois o corao da cidade,
destruindo o sonho de Garca Lorca, que era tambm o de Flvio
de Carvalho e de quantos mais nesta cidade se inspiravam nele. O
grande laboratrio cultural paulista era mais uma vez interditado
no auge da sua ebulio imprevisvel.
Significativamente, numa sequncia cronomtrica como a desses testes que avaliam os limites da asfixia, a aconchegante alameda de jacarands da Avenida So Lus, que se estendia ao largo da
Biblioteca Municipal, idealizada por Mrio de Andrade, recobrindo
com suas sombras suaves os quiosques de livros usados e os inmeros leitores annimos que se espalhavam pelos bancos da Praa
Dom Jos Gaspar, ltimos remanescentes do projeto das grandes
reas verdes de Antnio Prado, eram eles prprios arrancados a
golpes de machado e serra eltrica, para dar lugar a um novo programa de vias expressas.
O pesadelo tecnocrtico se abatia sobre So Paulo para ocupar o vcuo aberto pela represso poltica. Viadutos paralelos, cruzados, sobrepostos; praas de quatro andares para o maior conforto dos carros; corredores superexpressos de circulao; hipermercados; verticalizao desenfreada; desapropriaes, demolies,
ocupao dos espaos pblicos; condomnios privados, centros
empresariais, grades de proteo, selva cerrada de antenas de captao, ponteada de altssimas torres de radiotransmisso. A paisagem pitoresca, eleita pelos jesutas, do macio de colinas entrecortado pelos rios, lagos e vales verdes amplssimos, por onde serpenteava o Tiet prateado at sumir sob a nuvem azulada da neblina fina, foi rapidamente substituda por um novo cenrio de asfalto, concreto armado, ao, alumnio e cristal.

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S em meados dos anos 1980, com a superao gradual dos
mltiplos entraves legados pelo regime ditatorial, que comeou a
se esboar o retorno s experincias sinrgicas desse laboratrio
sem centro e sem fronteiras. Tendo entrado no sculo XXI como a
terceira maior rea de conurbao do globo, So Paulo vai se tornando outra vez o palco de um sincretismo cultural entre extremos

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Jacarands da Avenida So Lus, dcada de 30 (Revista do Arquivo


Municipal, Secretaria Municipal de Cultura de S.Paulo, DPH, 1984).

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de riqueza e misria, especulao e segregao, prodgio tcnico e
fragilidade humana, cultura globalizada e tradies populares,
massificao e isolamento, cupidez e solidariedade, privao de direitos e aspirao democrtica. Predominantemente composta de
todas as formas de desenraizados e migrantes, nela o nico solo
comum compartilhado pelas mentes e est em algum lugar no
futuro, imerso na nvoa sutil que envolve persistente a cidade. Por
isso nos comove o eco daqueles versos sobre os lamos de Plata,
lidos um dia no ao enferrujado sob as plantas do jardim, por um
dos maiores poetas brasileiros, Paulo Mendes Campos, o qual escreveu essa Ode a Federico Garca Lorca:

20

[...] H uma orfandade enorme.


Sei que conheces todos os caminhos como se foras um
menino, mas, ao meio de todas as vozes que te cercaram, colaste teus ouvidos aos pulmes enfermos da cidade e no ficaste indiferente aos arquejos que captaste,
um pedao de voz entrecortado, um coro sem msica,
sem tranqilidade nenhuma, que irrompia de gargantas humanas submersas. [...]
Seria agora intil e pattico, Garca Lorca, suspender minha
voz no cu irresponsvel e indagar onde ests.
Ests sombra das oliveiras, talvez, nos olhos sem tempo
dos bois, no teu tmulo, talvez,
beira dos riachos, beira dos pensamentos de misericrdia,
nos versos melhores que fazemos,
acompanhando a lua na visita s cidades destrudas,
no soluo definitivo dos moribundos fuzilados, no ar,
no vento, na chuva, ests por toda parte, porque a
palavra amor no desmorona nunca.

* Esta uma verso abreviada do ensaio publicado originalmente como So Paulo, um laboratrio cultural sin fronteras, na
Revista de Occidente, n.174, em novembro de 1995, pelo Instituto
Ortega y Gasset, Madri. Uma verso ampliada e ilustrada foi
publicada em Pindorama Revisitada, cultura e sociedade em tempos
de virada. So Paulo: Editora Peirpolis, 2000.

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Nicolau Sevcenko, historiador, professor na Universidade
Harvard. Publicou entre outros A revolta da vacina (1983, com
reedio em 2010 pela Cosac&Naify), Orfeu exttico na metrpole:
So Paulo nos frementes anos 20 (1992), A corrida para o sc. 21: no
loop da montanha-russa (2001) e Literatura como misso: tenses
sociais e criao cultural na Primeira Repblica (2003), alm de ter
organizado o volume Histria da vida privada no Brasil: da belle
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A CIDADE E A IMAGEM
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PREFCIO
1930-50, texto apresentado ao International Seminar on Ways of
Working in Latin American Cultural Studies, no University College,
University of London, em Abril de 1995, promovido pelo Center
of Latin American Cultural Studies, Kings College, London.
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da cultura modernista no Brasil. IN Estudos histricos, Rio de
Janeiro, Revista da Fundao Getlio Vargas, vol. VI, no. 11, 1993.
. Orfeu exttico na metrpole, So Paulo
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.Rio de Janeiro y San Pablo: desarollo social y cultural comparativo, 1900-1930" IN J.E.HARDOY y
R.MORSE (edts.) Nuevas perspectivas en los estudios sobre histria urbana. Buenos Aires, G.E.L., 1989.
.So Paulo: The quintessential, uninhibited
megalopolis as seen by Blaise Cendrars in the 1920s in BARKER,T.
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APRESENTAO
Dulcilia Schroeder Buitoni
Como a imagem da cidade foi se tornando tema central para o
Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual? Dos primeiros
mapas conceituais sobre o fenmeno da visualidade, chegamos s
cidades concretas e imaginrias. Talvez a histria seja um pouco
longa, mas gostaramos de registrar os passos deste grupo de pesquisadores que vm empreendendo uma caminhada investigativa
que une imagem e comunicao.
A potica do espao/cidade foi nos conquistando. Trabalhamos inicialmente com buscas tericas: uma fenomenologia das imagens que permitisse refletir e tambm criar. Chegamos a formular
pr-projetos em torno de alguns assuntos como as representaes
da criana na mdia que resultou em algumas produes acadmicas. E ento, desde 2011, fomos nos concentrando em torno da
cidade. Agora, reunimos um conjunto de textos que bem representam o estgio atual.
Por isso, este livro marca uma etapa de vida do Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual, do CNPq. Tambm marca a
relao do grupo com o Programa de Ps Graduao Stricto Sensu
em Comunicao da Faculdade Csper Lbero. Assim que o Programa Comunicao na Contemporaneidade se iniciou, no segundo semestre de 2006, houve a proposta de criao de um grupo de
pesquisa que tivesse como objeto a imagem em suas diferentes formas. A onipresena da imagem em todas as atividades humanas,

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sociais ou pessoais, principalmente na esfera da comunicao, exige que as visualidades sejam tema fundante na pesquisa de psgraduao.
A proposta que congregou alguns pesquisadores de outras
universidades, professores da Csper Lbero e estudantes de
mestrado e de graduao, visava o estudo de imagens miditicas
fixas e em movimento, impressas, videogrficas, cinematogrficas,
digitais. O entusiasmo era grande, mas havia que conviver com a
escassez de tempo. Alm das inmeras atribuies de cada um, no
caso dos mestrandos, o problema se agrava com a imposio do
tempo compacto: apenas dois anos para fazer um mestrado de cincias humanas, prazo bastante curto para refletir, analisar e produzir, especialmente para os alunos com compromissos profissionais. Para esses mestrandos, participar de um grupo de pesquisa
representa um grande esforo.
A vinculao com a fotografia levou-nos a participar como
membro do GP Fotografia da Intercom, primeiro com apresentao de pesquisas e depois como coordenadora do GP, de 2009 a
2012, sendo responsvel pela seleo e organizao das sesses do
Congresso nacional dessa associao. Em todos os anos, membros
do GP Comunicao e Cultura Visual apresentaram trabalhos nos
congressos da Intercom.
Relaes com professores de outros programas de ps em comunicao tambm foram se estreitando: docentes como Lucia
Santaella, Jos Luiz Aidar e Lucia Leo, da PUC-SP; Elisabeth
Saad e Maria Dora Mouro, da ECA-USP; Fernando de Tacca, da
Unicamp, e Paulo Boni, da Universidade Estadual de Londrina,
entre outros.
Desde seu incio, o grupo procurou manter contatos internacionais. Professores da Faculdad de Ciencias de la Comunicacin
da Universidad Autnoma de Barcelona foram os primeiros a estreitar relaes, em virtude de antigos laos de pesquisa originados
quando esta signatria era professora da ECA-USP. Assim, Teresa
Velzquez, professora do Departamento de Periodismo y Teoras
de la Comunicacin participou do seminrio Imagem e Sociedade do Conhecimento, realizado pelo GP Comunicao e Cultura
Visual em 2010. No mesmo ano, tambm promovemos o seminrio

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APRESENTAO
Imagem e informao, com o professor francs Dominique
Wolton, diretor do CNRS (Centre National de la Recherche
Scientifique).
Essa primeira visita da professora Teresa Velzquez impulsionou a ideia de um convnio entre as duas instituies, Faculdade
Csper Lbero e Universidad Autnoma de Barcelona (UAB), finalmente formalizado neste incio de 2014, com as assinaturas do
reitor da UAB e da diretora da Csper. Enquanto os trmites do
convnio eram processados, muitas atividades conjuntas foram realizadas. Em 2011, a coordenadora do GP Comunicao e Cultura
Visual assinou um acordo com o Observatrio Mediterrneo de
Comunicao, rede que rene pesquisadores da Europa, frica e
Amrica Latina.
O professor da UAB Josep M. Catal, com formao em Histria, Cinema e Comunicao, um dos mais importantes pesquisadores das produes visuais contemporneas, vem contribuindo com
o GP Comunicao e Cultura Visual desde 2006. Seu livro Imagen
compleja: la fenomenologa de las imgenes en la era de la cultura
visual, publicado em 2005, j se tornou um clssico dos estudos de
imagem. Em outubro de 2011, o GP promoveu sua vinda; ele ministrou o seminrio Imagem complexa: representao visual e
conhecimento. As atividades de Catal estenderam-se em palestras na ps em Tecnologias da Inteligncia e Design Digital, na
PUC-SP, em articulao com a professora Lucia Santaella; e na
ECA-USP, em conjunto com o Departamento de Audiovisual, atravs de Dora Mouro. Tambm houve um encontro de Catal com
o professor Norval Baitello, da PUC-SP, e seus alunos. Nessa ocasio, foi lanado ainda o primeiro livro de Catal traduzido no Brasil, A forma do real: introduo aos estudos visuais, cuja edio foi
por ns indicada Editora Summus.
Nessa primeira visita do Prof. Catal, tivemos a ajuda imprescindvel da mestranda Ana Paula Kwitko, presente em todas as atividades programadas.Terminado o mestrado, Ana Paula foi aceita para o doutorado em Comunicao da UAB um dos resultados
do convnio UAB/Csper, antes mesmo de seroficializado.
J completamente integrado s pesquisas do GP Comunicao e Cultura Visual, e com apoio parcial da Fapesp, Josep M. Catal

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veio novamente em junho de 2012, quando proferiu palestra sobre


O inconsciente urbano: cidade e imagem, no IV Seminrio de
Comunicao e Cultura Visual. E participou de sesso de anlise
das pesquisas individuais dos membros do grupo. Novamente proferiu palestras na ECA-USP aos membros do grupo de pesquisa
coordenado pela professora Elisabeth Saad e na PUC-SP, com a
coordenao do professor Eugnio Trivinho.
Em junho de 2013, a pesquisa sobre imagem e cidade teve a
participao decisiva da professora Lucrcia Ferrara, do PPGCOM
da PUC-SP, que apresentou palestra sobre o tema e realizou uma
sesso de discusso metodolgica.
hora ento de agradecer a atuao inspiradora de Josep M.
Catal e Lucrcia Ferrara, junto ao projeto Imagem e Cidade do
Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual. Agradecer tambm aos membros que nos acompanham desde a formao inicial,
os professores Snia Luyten, Carlos Costa, Vera Simonetti, Edna
de Mello; e a Simonetta Persichetti e Silvio Barbosa, que se integraram ao grupo em 2010. Saliento tambm toda uma nova gerao de mestres da Csper que participaram ativamente de nossas
pesquisas representados aqui pelos que esto publicando textos:
Janara Frana, Jos Geraldo Oliveira, Eric de Carvalho, Fabola
Tarapanoff, Anna Letcia de Carvalho, Jos Augusto Lobato.
Meus agradecimentos ao coordenador do PPGCOM da Faculdade Csper Lbero, professor Dimas Knsch, que sempre
apoiou as atividades do grupo, bem como a diretora Tereza Vitali e
o vice-diretor Wellington Andrade. Agradeo aos colegas do
PPGCOM pelo estmulo e companheirismo.
Quero registrar minha gratido a Carlos Costa, que colaborou decisivamente para a feitura desta edio. Jornalista experiente, Carlos foi descobrir-se acadmico: mestre e doutor pela ECASP, professor, coordenador de curso, apaixonado pela docncia e
pela pesquisa. Gracias a la vida, que fez com que nos encontrssemos na ECA-USP. E que os espaos-cidade tenham imagens mais
poeticamente humanas.

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Gabinete de Curiosidades ou Quarto das Maravilhas

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UMA COLEO DE PRECIOSIDADES


Carlos Costa
O que temos de bom neste livro? Ao escrever o sumrio, lembrei daquele trecho da parbola bblica: Todo escriba instrudo
acerca do reino dos Cus semelhante a um pai de famlia que tira
do seu tesouro coisas novas e velhas (Mateus, 13: 52). Outra ideia
que veio mente foi a dos Gabinetes de Curiosidades ou Quartos
das Maravilhas aqueles embries do que viriam a ser os museus a
partir do sculo XIX: salas em que se guardavam colees de preciosidades, miniaturas, peas raras. H um pouco de tudo isso reunido aqui nesse livro que voc comea agora a desbravar.
A comear pelo prlogo, escrito pelo historiador Nicolau
Sevcenko, professor da USP lecionando atualmente histria e cultura brasileira em Harvard. Foi de l que Sevcenko remodelou uma
de suas maravilhas para servir de prefcio a este livro. Homem de
encarar muitas frentes de trabalho, Nicolau tem em seu currculo

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desde uma delicada traduo de Alice no pas das maravilhas ou o


terceiro volume da Histria da vida privada no Brasil, ao vibrante A
corrida para o Sculo XXI No loop da montanha russa ou o clssico Literatura como misso. Mas foi seu Orfeu exttico na metrpole
So Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20 que nos levou a convid-lo para prefaciar essa coleo de artigos sobre imagem e cidade.
Abrindo o livro, o texto de Lucrcia DAlessio Ferrara O espao pblico como meio comunicativo estuda os processos
interativos que tm como cenrio o espao pblico e, como ator,
as distintas caractersticas culturais e comunicativas que sofrem
impactos sociais e tecnolgicos e ultrapassam as dimenses fsicas
e territoriais daquele espao. Nesse percurso, analisa a professora,
o espao pblico teatro e cenografia da cidade cosmopolita, desloca-se com a mdia eletrnica e virtualiza-se com a mdia digital.
O segundo texto, Enquanto a cidade dorme, outra preciosidade, sugerida pelo prprio professor Josep M. Catal. Trata-se
do captulo 7 de um de seus primeiros livros, La violacin de la
mirada, ganhador do Premio Fundesco, Fundao para o Desenvolvimento da Funo Social das Comunicaes. Hoje esgotada, a
obra pode ser encontrada em algumas bibliotecas virtuais, como a
quadernsdigitals1. Catal comeou a escritura desse livro em San
Francisco, em 1989, como dissertao do mestrado em Teoria Cinematogrfica, que ento conclua na San Francisco State
University. Foi retrabalhar e terminar o trabalho, literalmente duplicando seu tamanho, em Barcelona, 1991. Agora, ao revisar a
redao final do captulo Enquanto a cidade dorme, enviada pelo
tradutor Jos Geraldo de Oliveira, para aprovao, Catal lhe escreveu: Voltar a ler esse texto, tantos anos depois, foi uma experincia e tanto. Agradeo o esforo e a proposta de traduzir todo o
livro. Seria magnfico, ainda que me d a impresso de estar tentando ressuscitar um morto. Sem dvida uma impresso errada,
pois certo que os escritos nunca morrem, se algum ainda se interessa por eles. Considerado pelo prprio Catal um texto atrevido para aqueles anos 1990, Enquanto a cidade dorme um dos
pontos altos desse livro.
1

http://www.quadernsdigitals.net/datos_web/biblioteca/l_762/enLinea/0.html

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UMA COLEO DE PRECIOSIDADES


A paisagem como emblema da cidade: interfaces fotogrficas, culturas e cognitivas o primeiro dos dois textos com que a
coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual, prof. Dulcilia S. Buitoni, nos brinda (artigo 3). O outro o
artigo Imagens em revista no tempo: Rio de Janeiro e So Paulo
(texto 10). Se no primeiro a professora aborda como o fenmeno
fotogrfico teve imediata identificao com as cidades, no segundo
ela se detm numa anlise comparativa sobre as representaes
das cidades de So Paulo e do Rio de Janeiro nas duas revistas
semanais mais importantes da histria da imprensa brasileira: O
Cruzeiro na dcada de 1950 e a Veja nos anos de 2000.
A pesquisadora Sonia M. Bibe Luyten, pioneira no estudo de
histrias em quadrinhos e mangs, nos enviou seu trabalho As cidades reais como cenrio para a produo da fantasia nos mangs
e anims: glocalizao e a Paris de nossos sonhos. quarto texto do
livro. Essa interessante investigao no mundo da cultura pop japonesa seguida pelo trabalho apresentado por mim, sobre a convivncia das velhas e novas mdias no espao urbano: Passeio pelas
mensagens da cidade: convvio de mdias o ttulo do trabalho 5.
O sexto texto apresenta o artigo Fotografia, mediao e espao urbano em Belm do Par, em que o mestre Jos Augusto
Mendes Lobato analisa o levantamento de imagens realizado por
professores e alunos da Universidade da Amaznia (Unama) no
projeto Comunicao, antropologia e filosofia: esttica e experincia na comunicao visual urbana da contemporaneidade de
Belm do Par. So fotos de distintos ngulos e momentos mostrando aspectos visuais da capital paraense. Num dilogo e em
contraponto com esse estudo, os professores Edna de Mello Silva,
Liana Vidigal Rocha e Srgio Ricardo Soares, do curso de Comunicao Social da Universidade Federal do Tocantins, escrevem
sobre Uma praa e seus girassis; as narrativas imagticas da
histria de Palmas (texto 7), desmontando o processo de como se
forja um passado pico que no existiu, num espao urbano que
nem oferece os girassis que lhe do o nome.
No oitavo trabalho que compe este livro, Grafiticidade e
Viso Travelar, do mestre Jos Geraldo de Oliveira, uma anlise do grafite como a criao e interveno de uma tribo que se

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comunica no espao urbano. Apropriando-se de uma expresso do


fotgrafo hngaro Gyula Halsz, o Brassa, escreve Oliveira na concluso de seu trabalho: Osartistas da arte bastarda da rua de m
fama desenvolveram novas tcnicas de codificao da informao,
enquanto os ouvintes, os leitores e os telespectadores desenvolveram suas prprias tcnicas cognitivas para extrair essa informao
e dar a ela significados, j que so tambm parte da histria das
interfaces dessas novas informaes desenvolvidas pelos primeiros, e seus comportamentos novas informaes desenvolvidas pelos usurios e fruidores de suas obras.
O trabalho seguinte, o 9 do livro, o professor Eric de Carvalho lana um olhar benjaminiano para as imagens dialticas no processo de implementao do Projeto Nova Luz, uma tentativa talvez infrutfera de recuperar o centro histrico da cidade de So
Paulo, degradado h dcadas. So Paulo: luz sobre a nova luz
resultado da pesquisa realizada por Carvalho. O texto que segue,
da coordenadora do grupo, j foi acima mencionado. Depois, vem
o trabalho em que o professor Silvio Barbosa emprega os conhecimentos acumulados em sua larga experincia com produtos
audiovisuais para realizar uma anlise de um filme paradigmtico.
Em seu artigo Nuremberg, a cidade palco do poder nazista, Barbosa analisa a simbologia presente no clssico O triunfo da vontade, filme da diretora Leni Riefenstahl. A interpretao do pesquisador valiosa: O arquiteto Albert Speer criou as reas de desfile,
transformando Nuremberg no sambdromo da Alemanha, por onde
gente fantasiada, como os camponeses que entregam a colheita a
Hitler, e a profuso de estandartes celebram o nico lder, o guia
espiritual da nao, o Fhrer. O documentrio, carregado de mitos
pagos e cristos, torna a prpria Nuremberg um mito do nazismo.
Mito que ser retrabalhado com a derrota e a consequente transformao da cidade em tribunal de crimes de guerra, de 1945 a 1949,
esclarece Slvio Barbosa na introduo de seu belo trabalho.
A pesquisadora Fabola Tarapanoff se utiliza de filmes de
Woody Allen para analisar o modo com que as narrativas cinematogrficas apresentam cidades como Nova York, Paris, Roma ou
Barcelona, objetos de desejo de tantos turistas, como mencionou
Catal em seu ensaio. Esse artigo da professora Tarapanoff o 12
texto dessa coletnea: O olhar cosmopolita de Woody Allen.

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Os dois ltimos trabalhos reunidos no livro deixam para trs o
cinema e as dcadas passadas para mergulhar no lado mais fremente do presente, para empregar a palavra utilizada por Sevcenko
ao falar da So Paulo dos anos 1920.
Anna Letcia Pereira de Carvalho baseou sua pesquisa no site
fotojornalstico Big Picture, do jornal The Boston Globe, criado em
2008. Um exemplo, segundo ela, de como os dispositivos imagticos
procuram produzir uma nova experincia sensitiva para o espectador. Seu artigo As cidades do Big Picture, o 13 dessa obra coletiva, tem como objeto a foto digital como suporte de informao e
fonte de narrativas jornalsticas. O texto que encerra essa seleo
de trabalhos do Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual,
leva a assinatura da estudiosa Janara Dantas da Silva Frana, e
tem seu foco nas imagens instantneas do Instagram, aplicativo
criado em 2010. Janara trabalha especificamente com a competio e evento mundial itinerante, o Social Media Week, realizado
de 24 a 28 de setembro de 2012, em quatorze cidades So Paulo
includa. Em seu trabalho #InstamYourCity, paisagens digitais,
a pesquisadora nos leva pela mo a esse novo mundo do compartilhamento das experincias visuais cotidianas do espao das cidades.
Boas leituras!

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O ESPAO PBLICO
COMO MEIO
COMUNICATIVO
Lucrcia DAlessio Ferrara
1. O megamundo
Toda superfcie uma interface entre dois meios onde
ocorre uma atividade constante sob forma de troca entre as duas substncias postas em contato (VIRILIO,
1993: 12).

Globalizao e mundializao so neologismos que designam


um mundo novo. Na globalizao, o mundo uma imensa cidade
produzida pela colagem de outras cidades pequenas e grandes, reconhecidas e desconhecidas, diferentes e parecidas: esta cidade fantstica o mega mundo tecnolgico das metrpoles mediadas e
produzidas pela relao complexa de mltiplas caractersticas econmicas, sociais e culturais.
O megamundo feito de cidades dentro de cidades trocou o
territrio pela conurbao real e virtual e o lugar logocntrico pela
agitao policromtica, polivisual, polifnica e, sobretudo, cintica
e em constante mudana.
Nunca como no megamundo se utilizou tanto a analogia com
a Torre de Babel para concretizar a confuso da cidade global onde
todos os opostos se congregam em disputa acirrada e inexorvel.
Mundializao e tecnologia caracterizam o tempo presente e, contaminadas, no permitem raciocnios apocalpticos que caracteri-

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zaram a interpretao do pensamento intelectual do ps-segunda


guerra mundial, temente de uma ao capaz de dizimar a humanidade submissa mquina e comunicao manipuladoras. Ao contrrio dessa posio, necessrio analisar as novas formas de ao
desenvolvidas pelos meios de comunicao no mundo social e, sobretudo, as relaes comunicativas que transformam as aes coletivas e o domnio individual. Porm, essa anlise depende de suficiente compreenso da mudana introduzida pelos novos meios e o
caminho mais concreto se concentra na comparao entre os desenhos do tempo e do espao de ontem e de hoje e, como exemplo,
estuda-se a notvel transformao da funcionalidade do espao
pblico, entendido como manifestao cultural cujos signos se identificam nas suas caractersticas de uso.
Para tanto, no possvel analisar a comunicao globalizada
exclusivamente no contexto tcnico da sua produo, circulao e
recepo, mas necessrio comparar os alicerces da mudana, ou
seja, necessrio entender a dimenso histrica da nova comunicao mediada que se caracteriza como processo em curso sem
metas prefixadas e onde, no atual momento, o megamundo se divide proporcionalmente entre o tempo que se encolhe e o espao
que se perde. A globalizao da economia, mas, sobretudo, a desterritorializao da cultura graas s novas tecnologias da comunicao estabelecem uma sensvel mudana no uso e na percepo
das cidades. O espao pblico urbano constitui elemento vital para
caracterizar essa mudana, pois ela o leva a atingir outra etapa,
inscrevendo-o como espao pblico mediado. Agora, o espao pblico e seu uso constituem uma curiosa varivel onde se percebem
ganhos e perdas que a simples constatao descritiva das caractersticas tecnolgicas dos meios comunicativos no logra perceber.
Analisando o uso do espao pblico, o presente trabalho se
orienta metodologicamente pela discriminao das caractersticas
comunicativas do espao de ontem para compar-lo com as dimenses do espao pblico atual.
Em 1974, Richard Sennett publicou uma obra fundamental
denominada O declnio do homem pblico. Atualmente, as descries e, sobretudo, as argumentaes daquela obra parecem estranhas e sem sentido. Porm, passar em revista os meandros daque-

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O ESPAO PBLICO COMO MEIO COMUNICATIVO


les argumentos nos permitir entender o antdoto da cidade cosmopolita e criar um dispositivo heurstico capaz de produzir uma
estrutura analtica mais rigorosa que nos poder levar a entender o
inverso do espao pblico do sculo 19 e incio do 20, ou talvez, seu
anverso contraditrio: a cidade virtual. Da cidade cosmopolita
virtual, o eixo de contaminao, comparao e transformao est
nas caractersticas de um espao pblico que vai da praa infovia.
2. O declnio do homem pblico
O ttulo da obra de Sennett era paradoxalmente complementado por um subttulo As Tiranias da Intimidade, que nos induz a
entender imediatamente que o pblico s era passvel de compreenso atravs do privado, porque a ele se opunha. Porm, essa a
caracterstica do espao pblico do sculo 19.
O mundo greco-romano procurava construir, entre o pblico
e o privado, um equilbrio poltico que desconsiderava a oposio
entre ambos, para descobri-los como naturalmente separados, porque funcionalmente distintos (Sennett, 1988: 15). O mundo medieval at o incio do renascimento, ao contrrio, via, na praa pblica a sntese de um mundo extra-oficial e anti-hierrquico onde as
expresses orais se combinavam aos gestos grotescos e, paradoxalmente, permitiam a emergncia pblica das reservas do espao privado. Como consequncia, a praa era reconhecida como espao onde
se permitia superar proscries: liberdade, franqueza e carnaval eram
a outra face que, ao se oporem s normas, legitimavam a etiqueta, a
hierarquia e o comportamento palacianos (Bakhtin,1974: 139). Ou
seja, at o final do Renascimento, o pblico e o privado eram entendidos como instncias distintas, mas equilibradas e mtuo-corretivas.
A cultura do espao pblico obra do sculo XVIII, seu apogeu est marcado pela emergncia da cidade cosmopolita do sculo XIX e pela fruio da vida pblica dos bulevares, cafs e passagens at a ecloso da definitiva incorporao das transformaes
culturais introduzidas pela Revoluo Industrial mecnica que agrupou, de um lado, produo e consumo e, de outro lado, reprodutibilidade tcnica e percepo sem compromissos estticos e mticos.
(Benjamin, 1975: 15-16). A diviso entre o eu e o ns, entre o privado e o coletivo, entre o particular e o comum caracteriza os p-

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los em oposio na cidade cosmopolita. Porm, a questo se torna
mais complexa quando essa relao se define pelo carter comunicativo de dois parmetros culturais e sociais em confronto em um
mesmo local: surge a clara noo do espao pblico.
A arqueologia do espao pblico deve ser procurada na gnese da cidade cosmopolita do sculo XVIII e nas construes que
identificaram e consideraram aquele espao como matriz da cultura moderna:
Em sociedades de grande pobreza, de hierarquias rgidas ou
de paixes religiosas muito fortes, a gratificao psquica s
pode ter pouco sentido enquanto um fim em si mesmo. Este
clamor peculiar da natureza contra a cultura comeou a tomar forma no sculo XVIII, especialmente na Inglaterra, na
Frana, no norte da Itlia e no nordeste dos Estados Unidos.
Como todo desenvolvimento histrico complexo, ele no nasce de um s golpe. Nossos antepassados lutaram para encontrar imagens e experincias que pudessem de algum modo
exprimir essa oposio, de maneira a atribuir uma forma social concreta busca da felicidade. Um dos caminhos que
utilizaram para exprimi-lo foi por meio da distino entre o
pblico e o privado. A geografia das capitais servia aos cidados como meio para pensarem sobre natureza e cultura, iden-

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tificando o natural com o privado e a cultura com o pblico


(Sennett, 1988: 118).

A citao deixa claro que a cultura de domnio pblico e sua


relao comunicativa se desenvolve naquele espao. Resta saber
como se constroem e se fazem comunicativas.
3. A cultura do espao pblico
Descrever as caractersticas e interpretar as dimenses culturais da modernidade tem atrado a ateno de muitos filsofos no
decorrer do sculo 20. A construo da arqueologia da modernidade tem sugerido, como ponto de partida, o estudo da situao
do espao pblico como teatro daquela cultura.

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Do flneur e das passagens de Benjamim at a Teoria da
Esfera Pblica e da Ao Comunicativa de Habermas nos defrontamos com interpretaes do espao pblico como territrio localizado da cultura. A emergncia dos meios de comunicao de massa
nos meados do sculo XX e a crescente globalizao econmica do
planeta sustentada pela tecnologia eletrnica e digital da informao e da comunicao impem outra dimenso interpretativa daquele espao e passamos da sua localizao territorial para o deslocamento miditico e virtual.
Dentre os vrios estudiosos dessa caracterstica da relao
pblica, John Thompson (1998) salienta como plo de distino
entre aqueles espaos suas caractersticas interativas e aponta trs
padres interativos: a interao face a face como relao comunicativa de troca e proximidade; a interao mediada como espao
de relao distncia; e a interao quase mediada como forma de
relao tecnolgica e banalizadora da distncia fsica.
Nessa classificao, o eixo interpretativo apia-se, de um lado,
no estudo da relao comunicativa, mas no considera suas caractersticas espaciais e pblicas como conseqncia e
Do flneur e das
origem de uma percepo
e relao comunicativas passagens de Benjamin s
distintas. De outro lado,
teorias de Habermas, nos
apreende-se os alicerces
defrontamos com
interativos como estanques e de manifestao
interpretaes do espao
discreta, ou seja, no conpblico como territrio
sidera as consequncias
do confronto e da compalocalizado da cultura
rao entre eles como fatores estimulantes da ao
pblica. Confront-los e compar-los nos leva a entender um processo de interao que se subdivide em tpico, tpico e atpico
(Virilio, 1993: 13), na medida em que, em cada uma das suas modalidades, prescreve comportamentos interativos, proscreve o encontro e a troca e, virtualmente, se disponibiliza, sem expor-se ou
obrigar. A proposta desse trabalho estudar o espao pblico como

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manifestao cultural que encontra, nos processos de relao comunicativa que estimula, as caractersticas que o identificam no
apenas enquanto espao caracterstico do movimento moderno, mas
da modernidade enquanto fantstica operao de identidade cultural que, ps-segunda guerra mundial, passou a assumir caractersticas que vo do desencanto marxista ao ps-moderno que inaugura as premissas do mundo contemporneo. Para tanto, necessrio no apenas descrever a relao comunicativa, mas identificar
as caractersticas semiticas que deixam seus ndices nos desenhos
do espao pblico. Estuda-se, portanto, a relao comunicativa localizada semioticamente no espao territorial ou virtual, isto , prope-se sair de uma anlise fenomenolgica da relao entre os indivduos, para estudar o espao pblico como elemento arqueolgico
da cultura atravs dos discursos que ostenta e daqueles que oprime.

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3.1. O espao pblico como cultura do espetculo


O espetculo caracteriza o espao pblico localizado fisicamente no territrio e encontra sua definio enquanto se ope ao
espao privado. Essa oposio implica em dimenses distintas de
comportamento. Desse modo, se o espao privado caracteriza a
intimidade que agasalha comportamentos emotivos do indivduo
recluso em si mesmo como amar, sofrer, chorar ou pensar; o espao pblico alicera comportamentos que exigem o coletivo como
expressar, representar, jogar, trapacear, mostrar ou dividir. Se o
espao privado sugere a atmosfera confessional da solido, o espao da vida pblica, ao contrrio, supe a troca e a comunicao. Se
o espao da vida privada est confinado recluso dos aposentos
particulares ou aos sales vedados aos estranhos e aos no convidados; o espao da vida pblica est nos cafs, nos bulevares, jardins, parques, praas e avenidas nos tempos de lazer, mostrar e
mostrar-se: uma atividade pblica definida no espao e no tempo.
Essa oposio gera as duas grandes caractersticas do espao pblico localizado: a representao e o dilogo que permitem a
Thompson identificar a interao face a face.
Representao e dilogo, por sua vez, do origem s estruturas semiticas daquele espao: o logocentrismo e a expressividade
do corpo e do gesto no espetculo e na representao: corpo em

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exposio relacionado palavra que o expressa e, ambos, capazes
de sintetizar, em comunho, uma retrica dominada pela metonmia
que constitui a sntese da sua informao. Cada caf, parque, praa
ou avenida representa o mundo uniforme, porm dividido entre o
coletivo e a intimidade.
O gesto e o corpo fazem do espao pblico localizado um espetculo onde se representa a auto-imagem: o figurino, a moda, o
lazer, o sentar-se, o caminhar so ndices tpicos do espao onde se
representa essa publicidade do indivduo totalmente distinto da vida
privada; esse espetculo expresso pela palavra oral que consolida
a tradio do povo em um territrio e constri a narrativa atravs
das suas lembranas. o espao pblico dominado pelos valores e
crenas que constituem o sistema de ordem de aes e de comportamentos aceitos coletivamente. A doxa e a hierarquia consolidam
o dilogo e sustentam a troca comunicativa e informativa do tempo passado no espao pblico localizado. Para decodificar essa tradio e sua cifrada linguagem necessrio partilhar o espao e entender os ndices de uma maneira de ser para ser visto. Essa participao permite a autoidentidade onde o sujeito se espelha e se
reconhece no coletivo. Mais do que localizado, esse espetculo
contextualizado pela dinmica cultural de cada territrio.
Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe, nos
lugares em que ela funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manuteno da segurana e da liberdade. uma ordem complexa. Sua essncia a complexidade do uso das caladas, que traz consigo uma sucesso permanente de olhos. Essa ordem compe-se de movimento e
mudana e, embora se trate de vida, no de arte, podemos
cham-la, na fantasia, de forma artstica da cidade e comparla dana no a uma dana mecnica, com os figurantes
erguendo a perna ao mesmo tempo, rodopiando em sincronia,
curvando-se juntos, mas a um bal complexo, em que cada
indivduo e os grupos tm todos papis distintos, que por milagre se reforam mutuamente e compem um todo ordenado. O bal da boa calada urbana nunca se repete em outro

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lugar, e em qualquer lugar est sempre repleto de novas improvisaes (Jacobs, 2000: 52).

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3.2. O espao pblico deslocado


Os meios eletrnicos de informao geram um espao pblico
deslocado, no s da sua conexo fsica territorial, mas sobretudo
cada vez mais distante da opinio, da doxa como cdigo de comunicao oral da tradio. Deslocado, o espao pblico tem sua anterior semitica logocntrica e gestual transformada em imagem.
A tatilidade substituda pelo olhar que, porm, no est livre e
vontade, mas programado distncia, dirigido, conduzido por
poderosos vetores especializados em produzir persuaso. Esta imagem monitorada invade, sem cerimnia, o espao privado dos nossos dias e inaugura o espao do entretenimento de massa que se
destina a todos porque a ningum identifica.
Essa programao encontra no espao pblico seu apoio, mas
ele no se localiza nos valores do tempo, ao contrrio ele deslocado porque um espao sem tempo, sem histria, sem narrativa
porque sem valores prprios sua publicidade. Isso deve ser suficiente para imaginar que esse espao fictcio, um espao possvel,
mas no real: esse o espao que ao ser programado visualmente,
faz da publicidade um emblema e se desloca, se multiplica em espaos momentneos e sem histria que surgem to rapidamente
como podem desaparecer, constroem-se e destroem-se ao sabor
dos interesses comerciais e das estratgias publicitrias que os tornam performticos. So os shoppings centers que substituem
definitivamente os lugares de encontro e de troca afetiva do passado e que, no seu apelo de imagem, expandem e espelham a fico
televisiva. o espao feito para ser consumido pelo hbito e pelo
cio sem compromissos com a necessidade de responder ou de reagir, mas culturalmente impositivo de um comportamento. E no
disfarce dessa imposio est sua tpica relacional. Trata-se de uma
estranha interao que se processa distncia e, sobretudo, sem
ao. Contenta-se com a fruio de um possvel apenas montado
pelos recursos ficcionais que sugerem supostas relaes mediativas
com personagens que se tornam to ntimas quanto distantes e
apontam para um dilogo/monolgico de uma s voz onde o

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telespectador , ao mesmo tempo e pelo imaginrio, emissor e receptor, enquanto povoa seu cotidiano com figuras tecnolgicas.
Porm, a dinmica desse faz-de-conta implacvel e, cada vez
menos, ilude o expectador: enquanto simples voyeur, ele parece
ser presa fcil da distrao e do cansao, mas o zapping ou o
silncio so suas respostas expressas, numericamente, pelos ndices de audincia.
Essa pseudocomunicao gera uma exacerbao da imagem
que precisa ser insistente e reiterativa e, nessa dimenso, esto suas
duas principais caractersticas. De um lado, essa insistncia
autofgica, porque, ao contrrio do espao pblico marcado pela
frequentao e pelo hbito, esse espao eletrnico precisa ser constantemente maquiado como se novo e distinto fosse a fim de conseguir prender persuasivamente a ateno errante do espectador
omisso e ocioso. De outro lado, essa imagem autofgica elege alguns espaos em detrimento de outros: so os
espaos de uso comercial, A dinmica desse faz de
empresarial, econmico
conta implacvel e,
ou tcnico e, sem dvida,
cada vez menos,
espaos de uma cultura
tatuada em imagem e deilude o espectador:
senhada pela luz e pela
simples voyeur, ele
cor. So os espaos pblicos que, programados,
parece presa fcil da
impedem o livre exerccio
distrao e do cansao
da gerao de sentidos
enquanto o espetculo pblico se torna espao administrado.
Na realidade, nas duas dimenses do espao temos espetacularizao, porm com tnicas opostas. No primeiro caso, o espao
pblico faz da visualidade seu espetculo, no espao pblico deslocado, o receptor apenas espectador, isto , se submete ao espao
alienante da mdia que administra seu lazer enquanto o espetculo
de cor, luzes e movimento da televiso invade todas as fronteiras,
conquista todos os domnios e organiza a passividade, como apon-

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ta Guy Debord (1997). Nos dois casos, temos espetculos, porm


no se superpem, ao contrrio, distinguem-se: no caso do espao
pblico do encontro e da troca tem-se o espetculo onde o ator o
prprio habitante da cidade, no segundo caso, a televiso inaugura
um espao que se publiciza distncia e atravs de um espetculo
cuja cena est distante do espectador e sobre a qual ele no pode
decidir. No primeiro caso, o espetculo essencialmente dado
visualidade e diretamente preso etimologia latina da palavra
(spectaculum), no segundo caso, a espetacularidade performtica
e gera um ambiente aparentemente natural, porque as estratgias
da sua produo esto invisveis e seus objetivos esto voltados para
persuadir a vontade e levar docilidade do consumo de produtos,
valores e comportamentos inconsequentes. Nessa subverso da
imagem feita para persuadir e convencer est a contradio bsica
daquele espao pblico eletroeletrnico.
Ante sua auto-suficincia visual, a realidade se apaga ou se
mascara ou no se deixa reconhecer, porque surge saneada das diferenas vividas que narravam o espetculo do espao pblico ao
qual o sujeito pertencia e com o qual se identificava. Nessa programao de um espao pblico apenas possvel, reside a alienao
social apontada como a grande ameaa da modernidade.
3.3. O espao pblico invisvel
Prolongando e desenvolvendo o eletrnico, a mdia digital tambm se apia na estrutura da imagem, mas sua visualidade distinta, pois ela patrocina uma segregao do espao fsico ao produzir
um tempo simultneo. Comprimidos, tempo e espao no so fsicos, no tm paisagens ou referncias reais ou fictcias; ao contrrio, so imaginrios e virtualmente abertos informao e comunicao. Trata-se de uma visualidade sem imagem, porque desnutrida de qualquer apoio fsico, programado e comercialmente oferecido ao usurio. Mais do que deslocado, o espao digital virtual, ou seja, nem pblico e nem privado, antitradicional e sem fala,
sem identidade ou emblemas, mas claramente atemporal, sem passado, sem memria que caracterizam a identidade e o pertencer.
Altera-se a compreenso do domnio pblico pela omisso de seu
espao que, agora, no se desloca, porque virtual, mas simples-

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mente acena como informao a ser processada. o espao pblico do megamundo digital e planetrio.
Sua nica possibilidade concreta est contida num estranho
espao pblico sem lugar fsico, mas situado na memria coletiva
errante que se intitula rede ou banco de dados voltado para a rpida mudana da informao que no se soma no tempo, mas se
multiplica relacionalmente. Logo, a nica possibilidade de reteno dessa informao para o domnio pblico est no espao daquela memria coletiva e, mais do que nunca, necessrio salvar e
nomear a informao que, apressada, est fadada a perder-se ante
qualquer impulso de um dgito distrado.
Saber acessar, navegar na rede, conectar so as defesas virtuais que substituem as muralhas e portas da cidade antiga ou a recluso que distinguia o domnio privado do pblico. Essa competncia conectiva to eficiente quanto prescritiva e indispensvel
para ter acesso informao, interao e troca virtual, mas
atpica porque no oferece caminhos a percorrer ou premissas a
desenvolver. Tudo rpido, original, virtual. Agora, a visualidade
expositiva do espetculo, o envolvimento do entretenimento e do
cio so substitudos por um contacto secreto entre pessoas que
podem no se conhecer, mas convivem num dilogo annimo e
sem a espessura do contato.
Porm e mais do que nunca, o espao pblico valoriza a mediao que vai muito alm dos programas, siglas e cdigos dos sistemas eletrnicos e, at mesmo, da simples informao disponvel na
rede, pois exige a operao relacional da informao para produzir
conhecimento. Ou seja, o que se movimenta no espao virtual no
a comunicao, mas a conexo entre informaes.
Sem fala e sem imagens, o espao virtual da rede pblica dos
sistemas de informao no se faz atravs do dilogo ou do monlogo que caracterizavam os dois casos anteriores, mas ele est disponvel para todos, no de ningum e sua apropriao est sujeita rpida transformao e substituio dos dados colocados em
rede, logo, sua percepo no garante identidade, originalidade ou
segurana. Ao contrrio, relacional como convm aos processos
de informao que sero tanto mais eficazes ou relevantes quanto
mais pblicos forem seus processos: nessa publicidade, o lugar es-

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vazia-se de sentido porque se concentra no instante da prpria relao estabelecida e cria outra dimenso do coletivo. Atualiza-se
no instante fugaz do tempo simultneo em que algum se apropria
de informaes produzidas por outros para construir relaes e
respostas geradoras de outros conhecimentos: essa mtua modelagem cognitiva cria coeso pblica entre indivduos espalhados em
vrios pontos privados do planeta. Saber operar com quantidade
de informaes, comparar, selecionar e relacionar so as operaes que desenham o espao pblico virtual e se opem ao cultivo
dos hbitos, hierarquias, gestos, falas e narrativas que nortearam a
doxa do espao pblico espetacular. No espao pblico virtual o
lema sair do casulo, ou seja, redimem-se as tiranias da intimidade, ao mesmo tempo em que se supera a exponibilidade do ver
para ser visto.
No virtual, a esfera pblica um espao que no est, mas se
processa em desafios reflexivos onde o que importa estar informado; paradoxalmente, esse hiperdomnio pblico jamais alcanado pelo espao fsico ou mediado pela imagem eletrnica, parece
produzir uma desconstruo das duas modalidades anteriores.
Como observa Pierre Levy (1996: 16) o espao fictcio exatamente como o real, s lhe falta a existncia, ao contrrio, o espao
virtual se ope no ao real, mas ao atual porque sua alternativa
disponvel para a ao capaz de superar a distncia que os separa.
O virtual a ante-sala da ao que concretiza a passagem do real
ao atual, do privado ao pblico, do individual ao coletivo, da
subjetivao da interioridade objetivao da exterioridade. Entre estes plos que permaneciam estanques no espao cosmopolita, no pblico virtual as fronteiras ntidas do lugar a uma
fractalizao das reparties (Levy, 1996: 25).
O espao pblico do lugar tradicional tem na doxa, transmitida e mantida pela oralidade, o princpio tico da sua semiosfera. O
espao mediado pela imagem autofgica e comercial claramente
submisso a um interesse programado e sua tica est contida na
prpria eficincia tcnica ficcional. A rede pblica de informao
do espao virtual, ao contrrio, dominada pela acessibilidade,
transmisso e armazenamento da informao inerente ao veculo
digital. Abre-se um novo debate entre o pblico e o privado, entre

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o lugar e o mundo, entre a cidade desconhecida e a cidade planetria porque, mais cedo ou mais tarde, se descobre que os eventos, os
espaos e as criaes so acessveis a todos. Reinventa-se o espao banal (Santos, 1996: 258) como novo espao possvel para o
desenho do mundo. Se a quantidade de informao condio indispensvel para selecionar, avaliar e escolher entre alternativas e
dar qualidade crtica ao, a tecnologia que caracteriza o espao
pblico virtual oferece a condio que garante crescentes relaes
comunicativas entre cidados do mundo num espao pblico complexo, mas ainda possvel de dilogo. Concretizar esse espao o
desafio do sculo XXI.
3.4. A reinveno do espao pblico
A multido nas ruas consequncia das conexes das redes
digitais, embora no sejam por elas determinadas. Ao contrrio, o
espao redescoberto
como pblico e auto-assuMais que nunca, a
mido, no como cenrio
de exigncias mais ou memultido a rede
nos banais, conforme o
no apenas digital,
estopim que lhes deu origem como ocorreu com o mas interativa, de homens
movimento passe livre
nas cidades brasileiras. Ao em ao. No sculo XXI,
contrrio, o espao pblio espao pblico
co ator que se expande
no corpo e atravs do cor- reencontra sua identidade
po quente, vibrante, mido da multido.
Mais do que nunca, a multido a rede no apenas digital,
mas interativa de homens em ao. Chegamos ao sculo XXI e o
espao pblico reencontra sua identidade, na medida em que se
desfuncionaliza de programas de poder ou de normas que o devem
instituir e normatizar seu uso. Chegamos ao sculo XXI e o espao
pblico no mais uma possibilidade virtual, mas tem sua imagem
transformada em virtude real que faz com que ele no se situe, pois
est em todos os lugares, em todas as praas, em todos os espaos

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vagos, em todas as avenidas que tm suas horizontalidades transformadas em circularidades convergentes de vozes, gestos, palavras onde tudo pode acontecer da revoluo ao vandalismo, da cidadania ao roubo, da participao desordem. Ante essa evidncia, no sobra espaos para ingenuidades ufanistas, ao contrrio e
mais do que nunca, o espao pblico aquele disponvel para a
ao que vai da cidadania ao descontrole emotivo, tico e oportunista. Justamente nesse quadro e submetendo-se s circunstncias
polticas e ideolgicas das quais no se pode livrar, o espao pbico
, atualmente, a expresso mais genuinamente comunicativa da cidade.
Sem tica a monitor-lo, esse novssimo espao pbico ocupado pela multido que, sem programas e sem classes, parece surgir espontaneamente de todos os lugares, casas, becos, favelas.
Chegamos ao sculo XXI e agora cabe a cada um de ns multiplicar a singularidade de cada corpo ou gesto em multido com voz e
com fora para construir seu prprio espao pblico interativo e
movente de identidades partilhadas. Afinal:
Cada vez mais, as pessoas esto organizadas no simplesmente
em redes sociais, mas em redes sociais mediadas por computador. Assim, no a internet que cria um padro de individualismo em rede, mas seu desenvolvimento que fornece um
suporte material apropriado para a difuso do individualismo em rede como a forma dominante de sociabilidade. O
individualismo em rede um padro social, no um acmulo
de indivduos isolados (Castells, 2003: 109).

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REFERNCIAS
BAKHTIN, Mijail. La Cultura Popular em La Edad Media y
Renacimiento. Barcelona: Barral, 1974.
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na poca das Suas Tcnicas
de Reproduo. So Paulo. Pensadores/Abril Cultural, 1975.
CASTELLS, Manuel. A Galaxia da Internet Reflexes sobre a
Internet, os Negcios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetculo. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. No Contar Mais em Histria e
Narrao em Walter Benjamin. So Paulo: Perspectiva/Fapesp, 1994.
JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades. So Paulo:
Martins Fontes, 2000.
LVY, Pierre. O que o Virtual. So Paulo: Ed. 34, 1996.
SENNETT, Richard. O Declnio do Homem Pblico. So Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
THOMPSON, John. A Mdia e a Modernidade- Uma Teoria Social da Mdia. Petrpolis: Vozes. 2002.
VIRILIO, Paul. O Espao Crtico. So Paulo: Ed. 34, 1993.

Em verso inicial e com o nome Comunicao e Cultura: publicar e


deslocar, este trabalho foi apresentado na XII Comps (Recife,
Junho de 2003, Grupo de Trabalho Comunicao e Cultura).

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ENQUANTO
A CIDADE DORME1
Por Josep M. Catal Domnech
Traduo: Jos Geraldo de Oliveira

Esta casa no es lo que era,


compasivamente, en la noche,
Sigue acunndonos.
Jos Hierro
1. Hiper-realidade
A cidade a grande imagem moderna, a imagem hiperreal.
Foi-se a imagem metafsica do Estado, a imagem grfica da nao.
Uma se reconhece nas leis, a outra nos mapas. Mas ningum consegue reconciliar-se com elas, a no ser em comemoraes, quando ganha uma guerra ou um torneio. No resto do ano s fica a
cidade. A cidade est se convertendo em um lugar inspito. Isso se
pode verificar em alguns pases industrializados e na maioria dos
ps- industrializados, mas se concretiza no que o espelho do mundo: a Amrica do Norte. A Memphis aonde chegam os dois japoneses de Mistery Train [1] o smbolo de uma cidade feroz, que
lentamente se transformou num grande vazio, habitado por dois
tipos de marginalizados [2] ; um que carece de moradia num sistema que nega exatamente essa necessidade [3], e outro o marginalizado da imaginao, ou seja, aqueles que no tm mais remdio a
1

Extrado do livro La violacin de la mirada. La imagem entre el ojo y el espejo.


Madrid: Fundesco, 1993.

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no ser transitar pela velha carcaa em que a cidade superdesenvolvida se tornou. Essas duas espcies entopem o centro das cidades, uns jogados nas caladas, exibindo desavergonhadamente as
pegadas de um outro mundo distante, os outros escorregando sobre seus sonhos cristalinos, de viagem entre a imunidade sepulcral
de dois edifcios.
A cidade hoje [4] decrpita como a Esttua da Liberdade
que aparece no final do filme Planeta dos Macacos [5], uma derrotada alegoria que emerge por entre os verdes entramado de uma
paisagem exuberante e fora de controle. Mas o centro da alegoria
no tanto a esttua como essa natureza atrevida que parece querer vingar, com sua fria verde, antigas afrontas. Pretendem ser
dois pontos de referncia muito claros: a cidade como forma e
artificialidade; a natureza como espontaneidade e liberdade. Formam decididamente um conjunto de coordenadas, mas sua clareza, como veremos, mais do que questionvel.
Em algumas cidades mediterrneas (e, claro, na maioria das
chamadas de Terceiro Mundo e agora englobadas na da categoria
de Sul [6]), as ruas ainda esto vivas. O espao urbano, nelas, no
perdeu ainda sua qualidade dramtica, sua condio de cena. Em
1931, King Vidor realizou um filme sobre Nova York e deu o ttulo
de Street Scene (No Turbilho da Metrpole), pois era nas ruas onde
a cidade existia e onde os habitantes adquiriam a condio de cidados. Nas ruas ainda podia-se viver. Longe o dia em que o asfalto
se converteria em selvas e mais distante ainda o momento em que
a selva se esvaneceria no hiperespao pos-moderno, um hiperespao
capaz de conectar sem trauma os diferentes nveis de existncia
que no mundo industrializado se dividem entre os compartimentos
fixos da casa, do trabalho e da loja.
Na maioria das cidades que ainda esto vivas, a vida comea
na porta da casa, ao contrrio das cidades ps-modernas, nas quais
o que comea na porta da casa a morte. A casa nas cidadesvida no mais um lugar de referncia, um lugar a que se regressa
em busca de repouso e comida, o porto onde repousa o marinheiro
depois de cada travessia. A casa, o lar, ainda que parea um
paradxico, no nestes lugares pre-industrializados ou simplesmente industrializados, mas nunca ps-industrializados o local

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ENQUANTO A CIDADE DORME


mais adequado para viver [7]. Aqueles que, por causa de alguma
enfermidade, ou qualquer outra razo, so forados a permanecer
em casa falam que esto enterrados em vida, ou seja, praticamente
mortos. E a verdade que somente os doentes, os velhos e... as
mulheres ficam em casa, ou seja, trs categorias a que tradicionalmente a sociedade patriarcal nega o direito a uma vida plena de
significados. As mulheres para conquistar esse direito tiveram que
sair de casa, como qualquer jovem heri e no como uma herona
seja da literatura ou dos filmes que teve a inteno de realizar
alguma faanha ou simplesmente viver a vida.
Uma vez que no mundo ps-moderno a vida imaginria, no
preciso deixar a casa para viver plenamente. Na ps-modernidade,
deixar a casa se no for para ir a outra casa, a outro edifcio, tem
cada vez menos sentido [8]. A existncia acontece literalmente nos
edifcios: seja por estar no seu interior, enquanto a viagem de um a
outro se experimenta como aventura, como anteriormente, mas se
trata de uma aventura desprovida do valor ontolgico. No qualquer um que se sente realizado saindo de casa, mas, pelo contrrio,
s em seu interior adquirem algum sentido as experincias que de
algum modo tiveram fora. O espao existente entre os edifcios,
entre a casa, o lugar de trabalho e do cio [9] uma paisagem
incontrolvel, um territrio que escapa, ou parece escapar do controle que a imagem exerce em outros mbitos [10]. A casa, o lugar
de trabalho e o de cio so os pontos limite de um jogo de coordenadas cuja confluncia determina a posio do imaginrio, um imaginrio cuja localizao coincide com a cidade.
A cidade, o espao urbano, era tradicionalmente considerado
aquele que no era a casa ou parte de um edifcio. A cidade costumava estar fora, ser literalmente o exterior. Mas o exterior no
mais o fora, agora est dentro. A televiso colocou o mundo ao
contrrio. Podemos dar razo a Moles quando ele afirma que para
o habitante, o mundo se estabelece a partir da sua casa e no sua
casa a partir do mundo [11], se entendermos como mundo, no a
realidade fsica nem a exterioridade espacial, mas como a projeo
do Eu atravs do inconsciente. Para experimentar a realidade no
preciso sair s ruas: basta ficar em casa assistindo televiso.
Uma pessoa pode andar pelas ruas durante 24 horas seguidas sem

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que nada especialmente significativo acontea, mas em meia hora


zapeando os canais de televiso, estes fornecem emoes suficientes para um ms. Assim as janelas das casas agora do para o interior, uma vez que o antigo interior converteu-se atualmente no novo
exterior. Essas janelas do para um lugar vazio e oco, um lugar to
carente de significado como pode ser o nosso inconsciente se tentamos imagin-lo visualmente, isto , se tentarmos v-lo. A fonte
da imaginao, ou seja, o inconsciente, no pode ser alcanado por
meio da mesma imaginao, no pode ser visto diretamente; A
imaginao s pode ser produzida, mas no experimentada: como
um msico surdo, por mais msica que componha, nunca conseguir realmente ouvi-la. Pelo contrrio, localizao do imaginrio moderno, ou seja, cidade, a esse exterior-interior, no h outra forma de abordar, a no ser mediante a imaginao mesma, ou
seja, entre ns, a televiso e a imagem [12].
Na segunda dcada do sculo XX, a aventura, o desenvolvimento do sentir-se vivo, foi deslocado do seu lugar notrio para
lugares exticos da cidade. Os dramas ou melodramas urbanos de
Balzac, Flaubert, Zola, Dostoivski e os de Dickens haviam sido
entendidos, meio sculo antes, como o exato oposto dos romaneces
de aventura de Alexandre Dumas ou Jlio Verne. Naquele momento, a aventura no se transferia para a cidade, mas dela se afastava, cada vez mais longe, at o Amazonas ou o centro da terra, ou
mesmo ao passado, Frana de Luis XV. Na cidade se instalava,
pelo contrrio, a realidade. Os dramas eram citadinos, as aventuras exticas, talvez porque o crescimento dos espaos urbanos era
percebido como um distanciamento de uma natureza que se constitua por excelncia o local da aventura. Mas essa aventura jogada
para fora da porta a golpes de um projeto urbanstico logo comeou a se infiltrar sigilosamente pela janela. Nos folhetins de Eugne
Sue e de Louis Feulliade, a cidade se torna uma selva onde no
faltam aranhas e serpentes. E se por um lado, o Ulisses de Joyce
uma estrita intertextualizao de uma antiga saga de aventura a
epopeia de Odisseu sobre a moderna paisagem de Dublin, o romance de aventuras de fico cientfica de H. G. Wells especificamente urbano: seus heris viajam a cidades de um futuro distante
enquanto as cidades do presente esto sob ataques de inimigos ex-

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traterrestres. Mas a cidade, a cidade industrial, de todas as formas o centro do mundo [13].
Do mesmo modo, Kafka um escritor que no pode ser entendido em outro ambiente que no o da cidade moderna: os pesadelos burocrticos de Joseph K so tipicamente urbanos. Os livros
de Kafka so, de toda forma, algo mais que isto, e Orson Welles
entendeu isso perfeio quando adaptou O Processo para a tela:
ele localizou a maioria das cenas no interior, numa espcie de labirintos interminveis de corredores e de habitaes sombrias. Por
outro lado, numa das obras mais alegricas desse escritor essencialmente alegrico, O Castelo, o protagonista tenta durante todo o
texto entrar em um castelo, mas a abertura das portas sempre
negada. A narrativa de Kafka urbana, mas localizada nos limites
da paisagem urbana, uma paisagem no contgua com o campo,
mas com a porta da casa [14]. Estas portas do lar, a que finalmente
retorna o filho prdigo,
no poderia ser outra que
A narrativa de Kafka
o perfeito reverso daquelas portas que, segundo o urbana, mas localizada
ditado espanhol, no se
nos limites da paisagem
pode colocar no campo. A
urbana, uma paisagem
literatura foi cronista dessas peregrinaes: desde
que no contgua
Don Quixote, lutando concom o campo,
tra sonhos pelos campos
de Castela, at K tentan- mas com a porta da casa
do entrar no castelo para
fugir dos pesadelos urbanos. Mas, uma vez dentro da casa, no terminam os problemas.
Malpertius, o romance fanststico de Jean Ray, acontece inteiramente no interior de uma enigmtica manso onde os deuses do
Olimpo convertidos em sombras fantasmagricas, atormentam
imperturbveis. O protagonista de I am legend (Eu sou a lenda), de
Richard Matheson, deve se proteger (como os sitiados de The night
of living dead, de George Romero) no interior da casa para defender-se de uma humanidade transformada em vampiros. S no final
ele se d conta de que, pelos imperativos da lgica, o monstro, a

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lenda, ele mesmo, e no a maioria (os vampiros) que se tornaram


a normalidade. Se o romance gtico povoou de fantasmas as manses e castelos, a modernidade os expulsa para fora e torna a casa
um santurio. interessante descobrir que o pobre Samsa de A
metamorfose se liberta da sua recm-adquirida condio de barata
voando atravs de uma janela aberta. Ou seja, no se liberta do
novo aspecto, mas da casa onde sua nova condio monstruosa era
intolervel. Tendo Samsa se transformado em parte do imaginrio,
a casa no pode mais acolh-lo. Portanto no de estranhar que
sua famlia o ignore: se j existisse a televiso, ningum haveria
reparado em sua mutao at que uma notcia no telejornal informasse da horrvel transformao. A casa o ltimo reduto da antiga realidade, nela sobrevivem os ltimos suspiros de um senso comum que antigamente foi patrimnio dos mais apegados terra,
os agricultores. E com o real, refugia-se na casa a natureza, infiltrada
por meio dos produtos alimentcios arroz integral, ovos orgnicos, verdura sem agrotxicos e no vesturio de roupas de algodo, l virgem ou seda natural. atravs de mecanismos como estes que o interior torna-se exterior e o imaginrio se sedimenta no
exterior. Jean Cocteau dizia que as verdadeiras aventuras so internas, e a esse interior, a esse inconsciente que se abrem as
janelas das casas, enquanto a televiso vem suprir a antiga misso
de olhar para o exterior. Se o espao da casa a sede do real (da
velha realidade slida e estvel) e pelas janelas se olha para dentro, para os medos e as fobias, a janela da televiso nos d a imagem de uma exterioridade que falta, mas que coincide, ao contrrio, com a interioridade que vemos fora da casa. E o que vemos na
televiso, nos anncios e telefilmes, em festivais e jornais dirios,
confirma que a paisagem interna que anunciam nossas janelas e
que se prolonga por meio da cidade at o resto do mundo convertido cada vez mais em hipottico [15]: uma articulao onrica que
s pode corresponder ao territrio de nosso inconsciente.
J mencionei a extraordinria capacidade que a obra de Philip
K. Dick possui para alegorizar, atravs de suas fantasias paranides,
a realidade mais estritamente contempornea, ou seja, uma realidade que pertence mais a ns que ao prprio escritor, que soube
como ningum ser profeta em sua prpria terra. Morreu em 1982,

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o que, como vo as coisas, quase a pr-histria, e a fenomenologia
que destila dos seus textos no nem mais nem menos que um
pressentimento. No seu ltimo romance, A invaso divina, publicado no ano de sua morte, o protagonista Sam Asher, apesar de
estar morto e em suspenso crnica, tinha alguns problemas. Durante essa morte em suspenso, Asher sonha que continua vivo e
que est instalado em um habitculo semisfrico, enterrado no solo
marciano. Nesta espcie de cpsula, passa horas escutando msica
da sua cantora favorita de rock, uma certa Linda Fox, que esconde,
segundo quem conviveu com o escritor, a verdadeira Linda
Ronstadt. Asher tem horror de sair de sua casa que est selada,
literalmente uma tumba. E todo o contato com o exterior feito
atravs da multifacetada parafernlia eletrnica que povoa a casa.
Esse Sigfried futurista ignora em seu sonho mortal que parte da
informao que recebe graas aos virtuosos aparelhos no mais
que emisses residuais de seu enclausurado inconsciente, e que
outra quantidade de sinais, que chegam especialmente por uma
forma insidiosa da reproduo da msica do Violinista no telhado,
se deve a interferncias de uma certa emissora real, situada perto
do local em que seu corpo se encontra hibernado.
O futuro de Dick nosso presente ou pelo menos, a alegoria
do nosso presente. Deu-se um passo a mais na acentuao do fenmeno antes especificado: uma vez que as pessoas esto enfiadas
em suas casas (lembremos de passagem da moda do cocooning), o
problema como saem delas, quem as tira e com que pretexto.
Talvez devssemos recorrer Proust para encontrar uma resposta.
Na sua longa obra, por meio da qual o escritor vai em busca do
tempo (e espao) perdido, Proust, sentado na cama entre o sonho e a viglia plenos, talvez imerso na hiper-realidade da pura
hipnagogia (sono induzido) , mistura memria e imaginao para
reconstruir o mais requintado ambiente urbano que se pode encontrar na literatura. Neste sentido, Proust nosso contemporneo, inclusive um contemporneo desse improvvel futuro (porque ele j se fez presente) de Philip K. Dick. Ambos concordam
que a nica sada possvel por meio da imaginao. Vale lembrar
que imaginao, stricto sensu, significa colocar em imagens. Pode
ser lugar comum conciliar esse aprisionamento na casa como um

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retorno ao tero materno, por mais que todos os indcios estejam a


favor desta interpretao. Se repassarmos a iconografia de Dick,
as vs tentativas do personagem de Kafka em entrar no interior do
castelo, a mesma recluso de Proust a partir do qual imagina um
exterior delirante, tudo nos leva de volta s origens. Um regresso
que deixa para trs no a realidade, mas a imagem desta realidade.
O cinema e a televiso parece terem sido os meios que mais
acertadamente expressaram o fenmeno do espao urbano como
local de aventura, fenmeno este, como j disse, que originou posteriormente a transferncia da cidade para a energia do imaginrio. E foram esses meios os encarregados de express-lo e produzilo, at por tratar-se de meios audiovisuais, entre cujas misses a de
centrar a imaginao mais livre da novela no foi a de importncia
menor.
Deixando de lado o gesto nostlgico do Western (que de certo
modo pode ser considerado como uma crnica, mais ou menos fantstica, da urbanizao dos Estados Unidos) ou os rudos neoecolgicos de Tarzan (que como o seu precursor Robinson Crusoe, canta mais as vantagens da civilizao do que as virtudes da natureza)
e outras aventuras selvaticas para os amantes de safris organizados, a verdade que o cinema (e por acrscimo a televiso) so,
em termo de narrativa, dois meios urbanos por excelncia. A aventura urbana alcana o seu pice nos filmes de gngster e no chamado cinema noir [16], enquanto que o melodrama e sua posterior
seguidora, a soap opera (a conhecida novela), apontam, sem deixar
de ser urbanos, a posterior recluso da realidade na casa. A cidade
violenta e primitiva dos gngsteres torna-se romntica nos anos 40
com o cinema noir, o verdadeiro auge da aventura urbana. Nela, a
geometria das ruas torna-se onrica, adquire em definitivo sua aurola imaginria; so ruas que refletem mais nossos sonhos do que
a realidade fsica, que gradualmente desaparece no mesmo ritmo
em que as famlias abandonam o downtown (o centro da cidade)
para espalhar-se pelo lnguido e idlico subrbio. Na cidade ficam
as sombras e as esquinas, uma rua molhada pela chuva invisvel e
um cigarro na obscuridade.
Uma vez que essa transferncia fsica e psicolgica se complete, a cidade, ausente de classe mdia, regressar repentinamente a

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sua primitiva violncia, mas desta vez no sero os gngsters, esses
ingnuos selvagens, seus portadores, nem sero os detetives particulares, to distantes da
lei como do sucesso, os
A partir de meados dos
que protagonizaro a
anos 1960, a aventura
aventura, mas sim os policiais. A partir dos meados
urbana se burocratiza e
dos anos 1960, a aventura
passa do setor privado
urbana se burocratiza,
passa do setor privado ao
para o estatal: uma
estatal, uma aventura
aventuracontrolada,
controlada, de uniforme.
A polcia se converteu em
de uniforme
paradigma da individualidade, e ser tudo, da pela
frente: aventureiro, fora da lei, gngster, romntico, louco, apaixonado, assassino... Um desejo de acumulao que s se explica se h
por trs um projeto monopolizador de certa tica da liberdade [17].
A aventura, no por causa desse monoplio, ficar sem contedo,
mas sim impossvel por ter deixado de ser civil. E como foi
institucionalizada, com o fato de colocar um uniforme nos aventureiros e entregar-lhes um regulamento, no de estranhar que essa
aventura se afaste ainda mais da realidade e se embrenhe nas zonas mais profundas do imaginrio. Antes, a aventura, embora imaginria, conservava certo vnculo com a realidade, pois no era completamente irracional contemplar a possibilidade de tornar vlidas
as prprias fantasias ou as que outros colocaram venda; ainda era
possvel acreditar que um dia se desceria o Amazonas num tronco
ou que se roubaria um banco com uma metralhadora em punho.
Mas no momento que se cria um ministrio da aventura no momento em que se glamouriza a direo geral da segurana correspondente , as andanas deixam de ser fonte de identificao direta e se convertem em uma tarefa abandonada s mos do Estado.
Neste momento, a personalidade do espectador deixa de ser ativa
e se torna receptiva: as aventuras definitivamente de outros os
modelam em sua passividade, em lugar de ser a sua atividade a que
seja motivada por elas, como antes.

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Pouco a pouco o espao urbano ir recuperando o onrico do


cinema noir dos anos 40, atravs de filmes como Blade Runner ou
as duas sequncias de Alien [18], mas sem abandonar por nenhum
momento a gide dos uniformes: um velho policial em um caso, os
fuzileiros navais do futuro, nos outros dois, sero os heris das novas aventuras pelo inconsciente.
O protagonismo da cidade nas telas tinha uma conexo lgica
com a proliferao de cmera de cinema e televiso pelas ruas. As
cmeras de cinema no faziam mais que continuar no seu antigo
ofcio de processador da realidade para convert-la em imagens, mas
com a chegada da televiso e, sobretudo, das cmeras portteis de
vdeo, essa funo se institucionaliza. Em meados dos anos 1970, a
presena do olho da cmera patrulhando as ruas converteu-se em
um elemento a mais do urbanismo imaginrio. A cmera j no se
dedica apenas a absorver os componentes urbanos enquanto elementos imparciais de uma paisagem (os filmes de Pasolini), mas seus
olhos patrulham a cidade em busca de acontecimentos, do pr-filme
entendido como uma realidade comprometida.
Essa velha e utpica aspirao de Andr Bazin, tampouco chega a cumprir-se agora, quando as cmeras de televiso, graas
sua onipresena, parecem estar preparadas para captar sem limites
a prpria realidade, no mais puro momento de sua gnese. Esta j
perdeu todo o seu realismo que desapareceu sob a invaso do imaginrio: as atuaes policiais, os distrbios de rua, os incndios,
tudo tem o aspecto de um filme ou, melhor dizendo, o tenso contrado elementarismo de um telefilme. A partir desse momento, a
realidade essa realidade imaginria, vinda da antiga realidade
fsica no ser outra coisa que um produto das cmeras. Sabem
disso tantos os chamados terroristas como os agentes do Estado:
tudo o que se realiza por meio da televiso. Fazem vdeos de
refns ou prisioneiros de guerra, programam discursos para o horrio nobre e, finalmente, executam inclusive uma guerra segundo
os cnones televisivos. Na Guerra do Golfo, inclusive, tentaram
controlar o fluxo de imagem no a prpria realidade primria,
mas a substituio da sua aparncia mediante a superposio de
outro fluxo esteticamente mais elaborado e de carter claramente
fetichista: as armas e as tecnologias. Fica em evidncia no s a

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centralidade da imagem na articulao do mundo contemporneo,
mas tambm a facilidade de sua manipulao atravs de camadas
sucessivas de imaginao. O pseudo-acontecimento descrito por
Daniel Boorstin nos anos 60 [19] se tornou no apenas uma regra,
mas na prpria realidade por excelncia. A falsificao no mundo
dos falsrios adquire o valor de um original.
A pseudo-realidade mais genuna se produz nas cidades. Mas
exibindo sua condio mais falsa, nem sequer acontece nas ruas,
mudou o seu teatro de operaes para usar um termo militar da
moda a tela da televiso. O acontecimento pode ocorrer segundo o antigo significado do verbo , na rua, mas como esse momento carece de importncia, no se pode considerar ainda a sua existncia; um projeto de notcia que no alcanar toda a sua plenitude at que aparea na tela da televiso de todos e em cada um
dos lares. Est exatamente a melhor prova de que a realidade se
esfumaa, perde valor, diante da imagem. O acontecer no se
percebe de imediato, seno quando est mediado, elaborado: o
acontecimento deixou de ser um fenmeno temporal e tornou-se,
desta maneira, em espacial. O que ocorre no exterior convertido
em interior o pseudo-acontecimento que atravs da tela se realiza e alcana a categoria de acontecimento pleno. Isto significa que
o real alcanado precisamente por meio do irre- A pseudo-realidade mais
al, do imaginrio. Percegenuna se produz na
be-se como verdade exatamente aquilo que mais
cidade, exibindo sua
cara tem de falso [20], e
nesse paradoxo que resi- condio mais falsa: no
de um dos fundamentos acontece na rua, mudou
da quebra da moral conseu teatro de operaes
tempornea, quebra produzida atravs, e por caupara a tela da TV
sa, da imagem.
2. O turista acidental
Entre a metade dos anos 60 at metade dos anos 70, as cidades, especialmente as americanas e tantas outras ao redor do mun-

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do, deixaram de ser o locus da existncia, da vida cotidiana: suas


ruas, nesse contexto, viram-se povoadas por turistas. Por excelncia, os turistas so os viajantes do imaginrio, pois no buscam a
cidade para viver ou trabalhar nelas, nem realizar negcios como
os comerciantes, ou como anteriormente fizeram os camponeses.
Os turistas buscam a cidade para entrar em contato com a imagem.
O ponto culminante da histria, no momento de transferncia da
imagem, produziu os viajantes do tempo, romnticos perseguidores de uma realidade fsica perdida no passado ou em busca obsessiva de sua confirmao no futuro. Mas a poca em que a essncia
do real se assenta definitivamente na imagem produz um outro tipo
de viajante: o turista. Os turistas s conhecem os lugares que iro
visitar mediante as imagens oferecidas a eles, imagens feitas pelas
agncias estatais ou privadas ou por turistas anteriores que deixaram registros de suas viagens atravs de postais, filmes e gravao de vdeo [21]. E o que estas imagens contam no se refere somente cidade, mas tambm ao sentido de aventura que as cidades mais prximas ao turista, por exemplo, sua prpria cidade
parecem haver perdido.
Os turistas vagam pelas cidades do mundo em busca, como os
antigos viajantes do tempo, de uma realidade perdida. Mas nesse
caso, no uma realidade histrica, mas imaginria, uma realidade
que supem escondida atrs das imagens que contemplaram, mas
que na verdade no existem, pois, como indica Baudrillard, agora
o mapa quem gera o territrio [22]. O mapa confeccionado
pelas imagens cria ao mesmo tempo os parmetros de um territrio imaginrio e o sentimento de nostalgia com relao ao mesmo.
Mas a meta dos turistas no parece ser a de viver uma aventura na
realidade uma aventura real , mas a de film-la, fotograf-la ou
gravar a imagem real do lugar que visitam, aquele que at este
momento foi vista apenas por meio de imagens secundrias: cartazes publicitrios, folhetos, cinema, televiso etc. Se estabelece
assim uma dicotomia entre a imagem da cidade que os turistas de
um tour organizado, os chamados de prazer [23], veem desfilar
3diante de seus olhos, uma imagem cuja pretexta realidade fsica
suas cmera se apressam em registrar, e as outras imagens que anteriormente eles viram na televiso ou nas revistas.

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De certa forma, esta oposio s aparente, uma sensao
induzida pela indstria do turismo, pois o que o turista v, ou pelo
menos aquele que capaz de reconhecer, no mais do que a repetio daquelas imagens secundrias (que agora se convertem em primrias) contempladas anteriormente, como testemunham as fotos e
vdeos obtidos durante essas viagens, os quais acostumam captar
repetir os lugares tpicos e tpicos, sob uma esttica e uns pontos
de vista que instintivamente procuram aproximar daqueles a partir
dos quais as imagens geradoras foram em seu momento construdas.
Desta forma, o mundo inteiro acaba se transformando em uma monumental disneylndia onde as coisas os monumentos, os edifcios,
as cidades, as paisagens se convertem em sua prpria atrao com
o valor agregado de um aparente realismo.
Em qualquer caso, o turista experimenta realmente esta diversificao da realidade, sua diviso em vrios nveis. Mas esta
sensao no percebida apenas pelo novo viajante que vai a lugares distantes, mas tambm por aqueles que todas as noites assistem
na televiso, como se fosse pela primeira vez, a imagem dos lugares que durante o dia percorreram fisicamente sem dar-se conta.
Quando o telespectador contempla de novo o centro da cidade pela
televiso e o descobre alterado talvez pela presena dos carros de
polcia com suas luzes piscando numa atividade nervosa, possivelmente por causa de algum roubo ou acidente, de imediato se manifesta a sensao de que aquela a cidade real. como contemplar
um sonho, um sonho pessoal, pela televiso [24]. Pela manh, quando os cidados vo s ruas para ir s compras, ao banco ou ao trabalho, nunca tm essa mesma sensao. A realidade fsica carece
de atrativo. O que acontece, ento, se cada noite, diante da televiso, se tem a mesma sensao de que se perdeu alguma coisa importante, de que a realidade se manifestou de novo quando no se
estava presente, e quando corre pela manh para busc-la, encontra uma verso descolorida das vibrantes imagens noturnas? Frustrao, isto o que ocorre. Acumula-se frustrao que logo se transforma na necessidade de consumir realidade.
Na manh seguinte, como turistas em sua prpria cidade, os
telespectadores, agora convertidos em cidados ativos, buscaro
recuperar o sentido de realidade experimentado na noite anterior

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quando assistia televiso, mas, repito, ser em vo; a aura ter


desaparecido. Inclusive se algo acontecer enquanto estiverem ali,
algo que, ao ser contemplado na televiso, adquiriria a plenitude
da imagem e tornaria real aquele pedao de irrealidade que o
espao urbano fsico, a primeira coisa de que esses espectadores
sentiro falta ser de uma cmera, uma cmera prpria com que
possam captar o momento. Sentiro a urgncia no de ver o que
ocontece e sim de gravar, de reter em uma imagem, pois somente
atravs da imagem do acontecimento que sero capazes de conectlo com a experincia. Deixamos para a mquina a funo de ver,
pois precisamos re-ver. Ver atravs de outro olhar.
A funo de ver est agora dividida em duas partes: uma mecnica e, portanto, inconsciente objetiva , que corresponde
mquina e constitui o equivalente da funo mecnica da vista; e
outra, intimamente ligada conscincia, mas no desligada completamente da mquina que, neste nvel, passa a ser produtora de
imagem, e que se recebe como recordao: trata-se do re-ver. A
realidade, ou a sensao de realidade, atravs das imagens, experimentada como recordao. Para que a mquina seja realmente
capaz de ver, preciso que recordemos atravs dela. Neste momento, nossos olhos e os olhos eletrnicos da mquina se fundem
em um olhar cyborg (a confluncia da conscincia num sentido
amplo do Eu, que inclui tambm o inconsciente e a tcnica que
constitui a imagem) no qual confluem, por um lado uma possvel
realidade e, por outro, os elementos de nossa memria enraizados
no inconsciente.
impossvel captar diretamente essa sensao de realidade
que o vdeo oferece, essa presena imaginria. Nem sequer quando se busca a imagem da cidade mediante o turismo ou inclusive
quando se pretende escapar por um momento da imagem, acreditando ingenuamente que fora dela ainda exista algo. A cidade no
s tem um lugar no imaginrio, como o imaginrio. E durante o
processo que vai desde a converso do mundo em imagens organizao destas imagens em complicadas estruturas cujos mecanismos originam e limitam o espao do real, nossa memria sofre um
processo de clonagem. Esse processo rasga nossa memria: uma
parte permanente ainda em nossa mente, enquanto a outra se mo-

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vimenta para fora dela, materializada pelas imagens. Ao mesmo
tempo, uma parte de nosso inconsciente, ligada a estas imagens, se
rene com aquele setor de nossa memria que se exteriorizou [25].
Uma frao da mente (ou, melhor dizendo, a imagem de sua totalidade resultado da clonagem mencionada) se converte, pois, em
parte de uma natureza que j faz tempo est submetida a processos
de engenharia fsica nuclear, gentica, cirrgica etc. Nossas duas
mentes, a externa e a interna, so como dois espelhos situados um
em frente ao outro. Em tal estado, nossa conscincia passa a ser
susceptvel de uma relativamente fcil manipulao [26].
3. O mundo do silncio
A clonagem da mente, sua diviso em duas faces idnticas e em
desacordo, das quais a externa, naturalizada, constitui o fantasma da
interna ou mental, serve de antessala a um conjunto de fenmenos
que circulam ao seu redor. Entre eles no o menos interessante
aquele que d conta do gradual processo de artificializao que vem
sofrendo a natureza, ao mesmo tempo em que a cidade, seu contrrio, percebe-se cada vez mais como o meio natural por excelncia. O
controle da natureza, que chegou a limites inconcebveis, foi alcanado por meio de uma crescente fragmentao da mesma.
A natureza, reduzida
a pedaos cada vez menoNossas duas mentes
res genes, partculas
(externa e interna),
subatmicas etc. , perde
substancialidade e comeso dois espelhos,
a a ser percebida como
um em frente ao outro.
artificial ou, melhor dizendo, como uma seo a Nossa conscincia passa
mais da tecnologia, pora ser susceptvel de uma
que precisamente a tcnica, o artificial, aquilo
fcil manipulao
que se experimenta como
natural. Trata-se de um
processo regido, como vemos, por uma recproca retroalimentao
que d lugar a um crculo (circuito) fechado: a tcnica, prepotente
e globalizadora, ocupa na nossa imaginao o lugar da antiga natu-

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reza e esta vem sendo relegada posio que antes nela ocupava o
conceito de artificialidade. Quanto mais natural se percebe, por
exemplo, a artificialidade do espao urbano, menos natural se experimenta o que de no artificial resta natureza, que aquela
parte virgem da mesma (cada vez mais minguada, diga-se, devido
presso das cidades). Um exemplo concreto, j mencionado: o natural se converteu hoje num produto de consumo, preferencialmente
nos ncleos urbanos. Os yuppies so os mais naturalistas, no os
camponeses.
Devido s caractersticas do moderno ciclo de produo massiva
de alimentos, os produtos chamados naturais, destinados ao consumo de certas elites citadinas, devem, para adquirir sua dose extra de
naturalismo, sofrer uma assistncia tcnica muito mais intensa do
que os demais produtos destinados ao consumo do resto da populao. Quando se deixa crescer os cultivos de forma mais ou menos
aleatria natural , preciso proteg-los das pragas com o uso de
pesticidas [27], mas essa prtica acontece de forma generalizada e
nada cientfica: a natureza resiste a este banho, como pode chegar a
resistir a geadas ou a furaces; uma prova de sua fora. Caso se
pretenda cultivar produtos puros [28], necessrio um cuidado extremo, aplicando, de forma quase individualizada, todos os conhecimentos da horticultura, caso contrrio, morrem ou se tornam
invendveis: preciso isol-los da natureza, em sntese. Encontramonos, assim, com o paradoxo de que nas grandes cidades possvel
conseguir produtos mais naturais do que no campo.
Essa naturalidade, esta pureza, foi alcanada, sem dvida,
devido a procedimentos altamente tcnicos [29]. No meio rural,
entretanto, embora parte dos produtos que os agricultores consomem venham de produo prpria, a maioria deles obtida nas
lojas ou supermercados. Esses alimentos foram processados como
os vendidos nos mercados de elite das grandes cidades, mas com
tcnicas distintas das utilizadas em produtos ditos naturais; nada
que os novos telogos do naturalismo considerem naturais. Constituem, de fato, um resduo da artificialidade que foi expulsa das
cidades [30] e que ainda tem aceitao na mentalidade rural. De
fato, trinta ou quarenta anos atrs, o artificial ainda conservava no
ocidente um alto prestgio, que agora s se mantm em zonas ru-

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rais mais atrasadas ou no terceiro mundo. Nos vilarejos, no entanto, se pensa na cidade quando se faz referncia a produtos verdadeiramente naturais: sabem que essa pureza um progresso que
eles ainda no alcanaram. Na cidade, ao contrrio, se considera
que uma idlica e inexistente natureza a provedora de uns produtos que, se existem, graas a que parte da indstria se preocupou
em manufaturar, de lhes conferir a pureza natural suficiente para
serem aceitos. O jogo semntico, com relao aos conceitos de natural e artificial, , como se v, altamente complexo, uma complexidade que caracteriza o universo relativista da imagem.
A velha natureza, agora artificial, j no percebida como
selvagem (ou inimiga, do modo como foi no paradigma burgus),
mas sim como um lugar limpo e assptico que se deve manter a
qualquer custo nessas condies [31]. Na cidade, pelo contrrio, se
acumula o lixo. O problema da limpeza das cidades se encontra
num nvel diferente do da eliminao desses resduos: um de natureza cotidiana, o outro alcana nveis csmicos. Na maioria dos
Estados Unidos, a coleta do lixo acontece uma vez por semana,
mas isso no provoca nenhuma polmica, ao contrrio do que acontece com a poluio dos rios ou o depsito de lixo no campo [32]. A
cidade, convertida, por meio da imaginao, em depsito de uma
velha e decrpita realidade, tornou-se o jazigo do cadver da natureza arcaica. Alm disso, no momento em que a natureza quer ser
to natural tem de recorrer ao artificial para atingir a meta. O que
mais natural do que a acumulao casual dos detritos urbanos?
Os parques chamados de naturais so aqueles em que as brigadas
de limpeza e vigilncia cumprem o seu trabalho de forma mais estrita e contundente que em qualquer cidade. Harlem ou Manhattan
so mais naturais do que Yellowstone ou o Parque das Sequoias.
A ecologia tornou-se a verdadeira cincia posmoderna, a partir do momento em que a relao entre a existncia e o ambiente se
estabelece atravs de imagens. J no se pode seguir falando da
natureza, mas de uma imagem da natureza, uma imagem em que o
tempo se deteve e em que no existe mais e nem deve existir
mudanas [33]. A poluio, equivalente ao termo mdio da teoria
da comunicao, o elemento que pode introduzir o caos dentro
do sistema natural, e as imagens odeiam o caos com o mesmo furor

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com que a antiga natureza tinha horror ao vazio. As imagens defendem-se do caos mediante o permetro ou moldura que as encerra, da mesma forma que uma clula est isolada do seu entorno
por uma membrana. De fato, a membrana que define a clula,
impedindo-a de se confundir com o catico entorno; da mesma
forma, a imagem vem definida por sua moldura (que pode ser real
ou virtual), sem a qual os seus elementos se fundiriam em um magma
sem significado.
O fato de que a ecologia comeasse a enraizar na imaginao
coletiva a partir do momento em que a imagem de nosso planeta
pde ser vista na tela da televiso no deixa de ser sugestivo [34].
Tratava-se do definitivo processo de sutura [35]: a impresso que
produziu na sociedade ocidental o conceito da humanidade contemplando-se, pela primeira vez, a si mesma como entidade objetiva o contraplano absoluto e definitivo depois de tantos planos ,
vista em uma s direo, deu o golpe de misericrdia na realidade.
At aquele momento, havamos estado imersos na natureza, lutando para encontrar uma sada de sua terrvel priso [36], mas incapazes ainda de poder imaginar a liberao. No momento em que as
telas de nossos televisores nos mostraram as imagens desse planeta
azul suspenso no espao e nos identificaram com o nosso planeta,
no momento em que todas as representaes geogrficas e
cosmolgicas se resumiram pela primeira vez na objetividade desse globo azulado, distante e indiferente, nesse momento a humanidade se sentiu liberada, deixou de ser prisioneira de conceitos
metafsicos e atravessou o espelho da imagem para instalar-se definitivamente do outro lado.
Essa mudana foi como um processo de purificao, uma anulao do pecado original. Por outro lado, que poderamos esperar
do Jardim do den em seu estado original, antes que a rvore da
cincia sofresse a profanao da nossa nsia de conhecimento? Foi
um retorno s mticas origens que no fazamos na condio de
precrios inquilinos de um jardim alugado, que regressavam a seu
domiclio sob alguma ordem judicial, mas pelo contrrio, voltvamos triunfantes, agora convertidos em guardies definitivos de um
jardim herdado. Regressvamos literalmente como jardineiros [37].
A humanidade, expulsa do paraso terrestre pela fria divina,
regressaria convertida no mesmssimo olho de Deus [38]. Agora

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somos ns que podemos observar, do exterior, esse Paraso, a que
devemos, portanto, manter livre de pecado, ou seja, do pecado industrial da poluio. Enfrentamos um novo puritanismo laico que
converte os pecados anteriores contra a alma nos atuais pecados
contra o corpo. Por ter deixado a alma do outro lado do espelho,
preciso agora procurar a salvao do corpo. E, assim, a pureza que
antes era premiada com a
vida eterna, no cu, reEnfrentamos um novo
compensada agora com a
puritanismo laico
promessa de uma vida
praticamente eterna, ou
que converte os
pelo menos, mais longa,
pecados anteriores
na terra. E aquela ameaa do castigo a ser cumpricontra a alma
do no inferno hoje se
nos atuais pecados
transformou no perigo da
morte terrena por causa
contra o corpo
de algumas das doenas
modernas como o cncer
ou a AIDS. Produz-se assim uma secularizao definitiva do mundo j que o Cu desceu Terra, no a terra fsica que nos revela dia
a dia suas chagas, mas a terra azul e sem poluio que nos oferecem as imagens processadas pelos computadores. Uma terra que,
como digo, no a nossa, mas o reflexo dela, um reflexo que permanece, como o antigo cu, suspenso num espao imaculado:
uma imagem da terra ideal, uma terra prometida, convertida na
alegoria de uma Natureza triunfante no a nossas custas, e mas a
nosso favor, uma Natureza que nos estende os braos de seus circuitos eletrnicos para integrarmos docilmente no seu peito. Enquanto isso, o inferno se incorpora outra terra sofrida e esgotada
que se encontra embaixo, como deve ser.
Mas enquanto esta terra torturada (evidentemente pela depredao do capitalismo) se nos apresenta como um caos e nos
recorda os antigos atributos selvagens da natureza, as belas imagens eletrnicas que nos permitem contemplar a terra ideal, aquela que agora encapsula a imagem da nova Natureza, no nos parece to naturais como tcnicas; insinuam de fato o prazer da tcni-

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ca, nos induzem ao fetichismo da tcnica, e tudo sob a roupagem
da natureza, enquanto a antiga natureza se consome visivelmente
afligida pelo excesso de tecnificao. Acossados, pois, por imagens
contraditrias, vemos construir sobre a terra uma escatologia celeste, uma escatalogia que reproduz, alegoricamente, os traos de
anteriores projetos tecnolgicos e, portanto, no menos opressora
do que eles.

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4. A nova escatologia
A catedral gtica era um espao que pretendia invocar a presena do mundo escatolgico. Era experimentada como uma mistura de cu e terra, uma plataforma conectada com os dois mundos. A estudada combinao de luzes e sombras, a matizao e
cromatizao dos raios do sol ao atravessar os vitrais, a elevao
dos muros e colunas que culminam numa exploso de arcos e tetos
abobadados, incluindo o som da msica e dos cnticos, tudo era
pensado para dar aos fiis a impressionante sensao de que, ao
entrar na catedral, se penetrava em um espao novo, distinto, um
espao sulcado em toda a sua geometria pela presena divina. Evidentemente trata-se de um espao propagandstico, pois se utilizava de uma determinada retrica arquitetnica no apenas para
convencer os fiis da realidade de certos argumentos religiosos,
mas para simplesmente atra-los para as cerimnias. O espao da
catedral era tambm a expresso arquitetnica de uma determinada forma de entender o mundo. Para um habitante da Idade Mdia
tardia, a presena da catedral em sua cidade era no apenas uma
prova fidedigna da existncia do mais alm, que se expressava em
toda sua grandeza dentro dos muros da baslica, mas tambm constitua uma promessa de poder participar, penetrando nesse espao,
de uma das mais excitantes experincias possveis daquele tempo:
o contato com o outro mundo.
Este tipo de retrica arquitetnica, uma vez despojada de seu
componente sacralizado, ou seja, dessa outra dimenso, tambm
espacial embora no fsica, que o espao fsico criava na mente dos
fiis e que correspondia literalmente ao paraso, sobreviveu durante sculos em determinados palcios ou edifcios pblicos, mas j
como uma carcaa vazia e simplesmente de efeito. Curiosamente,

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vemos reviver esse projeto, quase em todo o seu esplendor e sua
eficcia, em muitos das monumentais salas de cinema construdas,
tanto nos Estados Unidos como em algumas cidades europeias,
entre 1920 e 1940 [39]. aqui onde se repete de maneira mais
evidente a inteno de provocar de novo aquela antiga sensao de
maravilha que produzia o espao da catedral, e curiosamente esta
inteno se repete novamente no prtico de um mundo to imaginrio como o celestial, embora mais prximo: o mundo dos filmes.
O impulso humanista do Renascimento selou a manifestao
escatolgica produzida nas catedrais. Os artistas, j no interessados
na representao desse tipo de espao, direcionaram o seu olhar para
a realidade fsica e buscaram uma forma para reproduzi-la. Embora
nesse momento tenha prevalecido a utilizao de superfcies planas
para situar as representaes do espao real, no se abandonou de
todo a utilizao de volumes, por mais que estes tendessem a se organizar de acordo com as leis da representao bidimensional, o que
d conta a importncia concedida fachada dos edifcios. Esta nova
utilizao do espao j no tinha nada que ver com a invocao de
um espao metafsico, mas a sua utilizao representava a duplicao ou prolongamento do fsico. Como as catedrais haviam tentado
materializar um espao imaterial, enquanto o artista do Renascimento
projetava a realidade fsica no terreno imaterial da iluso de tica.
Os quadros pintados segundo as leis da perspectiva eram como janelas atravs das quais se deslizava o olhar do pintor e do observador
em direo a um horizonte virtual.
Se durante o perodo Gtico procurou-se espiritualizar a realidade, no Renascimento tentou-se organizar a imaginao segundo os cnones dessa realidade. Mas o sistema encontrado para construir as imagens sob um suposto e estrito realismo, essa cunha da
perspectiva com cuja penetrao pretendia secar os pntanos de
qualquer transrealidade, no era tanto uma forma de reproduzir
uma suposta realidade absoluta, como uma maneira de cri-la. O
sistema dava lugar hegemonia de um novo espao em que a organizao vertical era substituda pela horizontal, em que o ritmo
harmnico dos diferentes nveis de realidade que envolviam o espectador medieval, considerado mais como pertencente a um grupo do que como individualidade, se transformava em um espao

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homogneo e infinito e num ponto de vista unvoco. A perspectiva


convertia-se assim em um emblema da nova ideologia humanista,
uma forma to simblica como as anteriores.
interessante notar que no momento em que a Terra deixava
de ser o centro fsico do universo, um momento que coincidia com
uma inteno de desantropomorfizao do reino celestial, todo o
universo se converteu em antropomrfico. O homem se tornava a
medida de todas as coisas como demonstram no apenas os quadros de Arcimboldo [Imagens 1 e 2] em que todas as paisagens so
figuras humanas, ou em alguns projetos urbansticos [Imagem 3]
em que a mesma cidade foi organizada em torno da figura do homem [40] (no esqueamos que o humanismo a filosofia estritamente do homem, no precisamente da mulher, o que deve influenciar necessariamente a concepo espacial), mas tambm com o
mesmo projeto da magia renascentista atravs da magia ancestral
ganha nesse tempo um rigor inusitado; um projeto por meio do
qual busca-se relacionar o universo inteiro com o ser humano [41],
como acontece concretamente com a astrologia, uma antiga crena que regula obsessivamente a relao dos corpos celestes com o
indivduo e que nesta poca ressurge poderosa, por meio sobretudo de uma rigorosa exposio das leis que a regem.

Imagens 1 e 2 . A natureza convertida em homem. Operao inversa ao


regresso da natureza na ecologia atual. Arcimboldo, O Vero, 1573 (
esquerda), e gua, 1566 ( direita).

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Imagem 3. Da cidade medida do homem cidade


como smbolo do homem. Ilustrao da obra
La citta come forma simblica, de Paolo Marconi.

No perodo que comea no Renascimento e vai at o Barroco,


encontramo-nos no apenas com um projeto de grande envergadura de compreenso visual da realidade, mas tambm com uma
extraordinria polifagia, pois, uma vez que o homem renunciou a
considerar a terra como o centro do universo, ele devora todo o
universo e se converte literalmente nos limites do real. No de
estranhar, ento, que os artistas do Renascimento se apressassem
a abrir janelas e a construir pontos de fuga que projetassem diante
deles a extenso ilusria de uma realidade fsica de cuja origem
eram eles, teoricamente, os artfices. Nesse espao que se projeta
fora do espectador como uma cunha poder-se-ia buscar, desde um
estrito e um tanto ingnuo freudianismo, no poucos simbolismos
flicos, mas talvez seja mais interessante entender a representao
perspectivista de uma forma mais imediata. Pode-se encontrar um
significado que rena ao mesmo simbolismo, mas de uma forma
menos absoluta e mais metafrica sem que por isso tenha de perder a fora expressiva de um determinado estilo ideolgico. Quer
dizer que poderamos considerar esse tipo de representao formal como uma masculinizao do espao, executada mediante a
tcnica, a perspectiva, que pode equiparar-se ao gesto igualmente
expansivo das grandes viagens e dos descobrimentos que tm lugar
paralelamente [42].

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Os resultados sociais e polticos da Reforma e da Contra-Reforma criaram uma nova viso do espao. No estranho que isso
acontecesse, pois tantos as bases fixadas pelo Conclio de Trento
como as do movimento protestante, supunham de forma bem direta uma autntica remodelao cosmognica surgida dos avanos
do humanismo renascentista. Os dois movimentos pretendiam restaurar a ideia de Deus, j no mais sobre a primazia do homem,
que impregnara explcita ou implicitamente todo o pensamento do
Renascimento, mas inclusive contra a humanizao do cu, do crescente culto virgens e aos santos que foi ao mesmo tempo a causa
e consequncia [43]. De maneira geral, podemos afirmar que, uma
vez desenvolvidos esses movimentos, o reino celestial voltou a ocupar seu antigo lugar, abandonado no final da Idade Mdia.
O cosmo infinito de Giordano Bruno [44] voltava a se fechar
graas a esse horizonte escatolgico. Era o momento de erguer novas catedrais, o que foi feito, dando lugar a uma exploso de reluzentes igrejas erigidas segundo esse novo estilo chamado (de maneira
desdenhosa) de Barroco. Se as catedrais gticas queriam apelar aos
cus para descer at suas naves iridescentes, as igrejas barrocas constituam uma autntica representao teatral do cu sobre a terra.
Dos reluzentes plpitos que proporcionavam com os falsos brilhos a
importncia da palavra divina [45] at a iluminao interna extremamente cenogrfica das naves, entregue aos inmeros conjuntos de
velas. O contraste do claro/escuro gtico pretendia filtrar a presena
do real do cu na igreja, passando pela exploso vermelha e amarela
da luz barroca. A catedral levantava os braos ao cu para exigir a
presena divina, enquanto que a igreja barroca se enche e agita para
afetar a realidade dessa presena cuja realidade intrnseca passou a
um segundo plano. A nfase j no se enraizava na comunho, como
na Idade Mdia, mas sim na propaganda.
Tambm nas catedrais, como foi dito, se tentava promover uma
ideia, mas essa ideia e, sobretudo, sua factualidade eram os fatores
preponderantes. Pode-se dizer que nas catedrais se tentava vender
o produto mediante uma exibio mais ou menos forjada, de suas
manifestaes mais genunas, enquanto na igreja barroca o produto est simplesmente guardado no depsito e se apela, pelo contrrio, a todo tipo de mtodos substitutivos para conseguir sua aceita-

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o. evidente que num caldo de cultura como esse, a imagem
deveria ocupar um lugar predominante. Sobretudo a imagem na
forma moderna do conceito, ou seja, como uma substituio da
realidade (neste caso, uma suposta realidade escatolgica). exatamente no momento em que a imagem j no utilizada somente
para representar uma nova forma ou ordem perspectiva, como ocorreu no Renascimento, mas que se constri seguindo os traos de
uma metafsica que tenta criar sinais de realidade, de materialidade
(o que havia podido acontecer com a imaginria simbolista da
Idade Mdia), forando retoricamente os seus componentes para
convencer de determinados argumentos (algo que no aconteceu
na Idade Mdia [46]). Nesse momento, a imagem deixa de ser uma
representao passiva e torna-se um mecanismo ativo, um papel
que nunca seria abandonado totalmente, mas que tambm no alcanou a sua perfeio tcnica at o incio do sculo XX.
Querendo ou no, a histria parece caminhar num ritmo
pendular que pode responder mais nada ao fato de que qualquer
mudana se efetua sempre com respeito a e em contra algum ponto de referncia. No avanamos em linha reta nem em crculos,
mas dando guinadas em diferentes cenrios. E desta forma, nos
encontramos como, no perodo do Iluminismo, o homem recupera
a sua posio central no universo, que havia perdido durante a
Reforma e a Contra-Reforma. Mas, nesse caso, o homem (ainda o
homem e no a mulher) no est representado por seu corpo, como
no Renascimento, mas por uma parte muito concreta deste, ou ainda
mais, por aquela funo que se supe que caracteriza essa parte,
estou me referindo razo. Desta forma, essa razo, graas
sindoque cartesiana do cogito ergo sum, converte-se no centro do
centro. Volta a cobrar vigor o conceito de relao entre cosmos e
microcosmos, mas agora as partes do universo j no se relacionam com as diferentes partes do corpo, mas que seu ordenamento
apenas obtm eco nesse lugar privilegiado em que se converteu a
mente racional. Alm disso, assim como a magia renascentista fazia do corpo humano o receptor das influncias do firmamento
como atesta a astrologia , o racionalismo o que faz projetar o
homem, atravs da sua mente, em direo ao universo para
organiz-lo.

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Os sistemas de representao apelam, pois, para as leis da geometria clssica para executar uma tentativa de objetivao daqueles conceitos abstratos de que o novo cosmos quer estar formado.
Um projeto que, de alguma forma, resume em si mesmo o que
constitui basicamente a tarefa da geometria clssica a
materializao de essncias , tarefa que desse modo se converte,
como anteriormente ocorreu com as tcnicas da perspectiva, numa
emblemtica situao ideolgica, ao mesmo tempo em que cumpre tambm as funes de mecanismo expressivo desta ideologia.
E o campo de batalha onde acontece o desembarque das foras
racionais basicamente a cidade, que passa a cumprir agora o mesmo papel que antes havia sido das catedrais e das igrejas.
O espao urbano, geometrizado e monumentalizado, parece
por um momento converter-se na prpria imagem da mente humana, como regressaram as prepotentes tentativas materializadoras e
substitutivas do Barroco, mas no se trata tanto de uma tentativa
de objetivar determinada estrutura mental como de um processo
inverso, pois no tardar o cidado comear a exercer o seu raciocnio da mesma forma que se move pelas bem traadas ruas e avenidas, e a deter-se diante das ideias e das recordaes como faz o
caminhante diante de um edifcio ou monumento. Ou pelo menos,
esse seria o projeto ideal da filosofia das luzes. E se na cidade racionalizada refletem as estruturas de uma filosofia iluminista, to
perfeita que sua imagem capaz de imprimir rapidamente os meandros de uma mente que acredita ser o centro do universo, no
deixa de ser lcito considerar que seja a cidade que acaba adquirindo a qualidade de centro do cosmos, centro desde o qual a mente
ordena e classifica.
O furor enciclopdico alcana tambm a imagem que se torna
clara e precisa. No mais cheia de intenes retricas, no mais
um mecanismo destinado a convencer visualmente a existncia de
um mundo cuja principal caracterstica no pertencer ao universo sensvel, mas se encarrega de constatar a verdade, a solidez do
que visto. Recupera para isso a tradio realista da perspectiva,
mas se afasta da inteno ilusionista. A imagem deixa de ser a contnua plasmao do mais difcil para tornar-se um agradvel escrivo do real. A razo, com suas delimitaes, traa os limites da
realidade e dentro dela, de cada um dos elementos que a compem,

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despejando assim as trevas do insensvel, do inqualificvel. Basta
observar as gravuras da Enciclopdia para perceber que a imagem
a constatao de uma realidade considerada definitiva, fechada;
uma realidade que, uma vez terminado o seu inventrio, uma vez
reproduzida totalmente nas difanas linhas da gravura, se diluir
no mar da naturalidade mais imperceptvel. Se compararmos qualquer gravura da Enciclopdia de Diderot e Dalambert [Imagem 4]
com outra pertencente a um paradigma completamente diferente
como o da emblemtica barroca, por exemplo, um emblema do
livro de Juan de Solorzano [Imagem 5] para nos dar conta do salto
conceitual enorme que em pouco tempo aconteceu [47].

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Imagem 4. O espao racional promulgado pela ilustrao.


Gravura da Enciclopedia 1751-1772.

Imagem 5. O emblema e o moderno anncio publicitrio tem em


comum a utilizao do espao alegrico que combinam com uma
funo visual do texto. Emblema de Juan de Solorzano 1651.

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O que na gravura da enciclopdia uma construo absolutamente racional de um espao organizado eminentemente por e para
a viso, em que todos os elementos formam um conglomerado orgnico e indivisvel, adquire no emblema um tom completamente
distinto. O espao no visual, mas mental, conceitual. Cada elemento regido por suas caractersticas prprias, tanto fsicas como
ideolgicas. Entre todas as partes forma-se um conjunto, mas ele
no reconhecvel em nenhuma realidade fsica, mas tenta ser, por
um lado, expresso visual de uma realidade transcendente e, por
outro, uma prova da preponderncia dessa realidade metafsica
sobre o mundo material. Para o emblemista, a gravura da enciclopdia seria uma mera aparncia, atrs da qual se esconderia a complexidade de seus emblemas. Para o enciclopedista, pelo contrrio,
no h outra realidade do que as mostradas em suas linhas e volumes: sua gravura se abre diante de ns como uma janela, mas no
como a janela renascentista que, como disse, pretendia nos impressionar, mas simplesmente com o gesto satisfeito do burgus que
nos mostra os seus pertences.
No final do sculo XIX, a ltima onda de arquitetos
racionalistas, com Haussmann frente, transforma a cidade na representao espacial de uma utopia. Os traados remodeladores
de Paris, sobre os auspcios de Napoleo III, no tentava abrir caminhos entre os pntanos da metafsica, mas, soprado na orelha
pelo chefe de polcia, pretendia tirar da revolta popular um espao
em que fosse possvel acontecer a rebelio. A cidade que nasce
deste projeto no uma cidade racionalista, mas a cidade da razo
de Estado, uma cidade utpica o resto de uma utopia burguesa
que se constri sobre os restos de outra utopia as revoltas populares de 1848 , e que ajuda a derrotar as prximas ondas utpicas,
como a Comuna de Paris, que foi controlada graas aos espaos
abertos pela urbanizao de Haussmann [48].
A maioria dos projetos urbansticos dessa poca, desde a cidade linear de Arturo Soria y Mata, em Madri, e a Barcelona de
Ildefons Cerd, para citar dois urbanizadores espanhis, se v
impulsionada por um furor utpico de um signo ou outro. O arquiteto deixa de ser o catalisador de um estilo de uma poca, e se
torna um engenheiro social. J no trabalha mais com o rosto vol-

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tado ao passado, mas com o olhar no futuro, lanando as garras de
um projeto supostamente inesgotvel.
Este trabalho de engenharia social, mais que outro projeto
urbanstico anterior, modelar de forma drstica as vidas dos habitantes da cidade. No se limitar a resolver os problemas do presente, mas mover as suas peas com uma viso de futuro, como
um general preparando uma batalha. A razo, aps conquistar o
espao visvel, se lana no domnio do tempo. A cidade, que durante o racionalismo havia se tornado o centro do cosmo, embarca
agora numa viagem temporal, destinada a congelar a eternidade
em um instante interminvel. As transformaes, que pretendem a
acelerao suicida da histria, so contundentes. Em Paris evacuam a ilha de La Cit transformando-a num campo de manobras
policiais, enquanto a nova cidade construda com materiais nobres que deslumbram Napoleo III, e os construtores parisienses
aproveitam os materiais de demolio para levantar, nos subrbios, habitaes precrias que acomodariam a classe trabalhadora
expulsa do centro [49].
Essa a utopia que a civilizao urbana do sculo XX viveu.
Mas nossas cidades no se limitaram a exercer o controle sobre a
vida de seus cidados, constituindo-se na objetivao dos interesses de uma economia baseada no beneficio, mas tambm se tornaram um playground da imaginao. A volta para casa dos habitantes, ocorrida a partir do ltimo quarto do sculo XX, deixar a rua
livre para que nela se instale o inconsciente. A esse inconsciente
jogado nas caladas no se poder chegar atravs das tpicas janelas, mas ser preciso um balco mais sofisticado: a abertura eletrnica da tela da televiso. Desta forma, o espao urbano do final do
sculo XX recuperar o projeto do espao gtico para secularizlo. O espao resultante permanecer tambm em conexo com o
outro mundo, um mundo que seguir sendo imaginrio, mas no
escatolgico.
O gtico para regressar s cidades teria de passar pelo crivo
do racionalismo individualista e do qual no poderia sair mais do
que subjetivizado. Mas esse empreendimento no se levar a cabo
mediante a racionalizao do espao urbano como ocorreu durante o Iluminismo, mas atravs do conceito barroco da imagem. Seja
como a imagem detenha o tempo, a histria, o que agora experi-

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mentamos, uma mistura dos espaos do passado, convenientemente reorganizados para cumprir as necessidades do paradigma
que rege o presente. A ordem escatolgica ainda est em vigor,
mas como ocorreu durante o Renascimento, o lugar est agora situado neste mundo. A resposta que Paul luard, s portas do
surrealismo, d ao slogan cristo meu reino no desse mundo,
difana: h outros mundos, mas estamos neste. E luard, recordemos, falava justamente quando a moderna fico cientfica
nascia para futuras glrias. Mas nosso reino celestial no somente
deste mundo, mas de fato constitui o nosso mundo.
O reino celestial, esse conceito utilizado at a exausto pela
imaginao histrica [50], mudou de domiclio. De seu cmodo
assentamento em lugar nenhum, caiu nesse espao mtico que nosso mundo ocupa desde que a humanidade pde contempl-lo pela
primeira vez atravs do ponto de vista de Deus. O cu, o paraso
celestial da posmodernidade, no hoje outra coisa seno a natureza sofrendo enclausurada no flutuante globo azul, que em seu
momento nos foi mostrada pelas exultantes telas da televiso. E
com essa mudana, vimos tambm a necessria instituio de uma
nova teologia, de cuja difuso se encarregaram principalmente os
plpitos cada vez mais populares das previses do tempo. Nos boletins meteorolgicos podemos assistir, diariamente, a essa viso
divina da natureza celestial. Cada dia, o novo sacerdote que o
homem do tempo nos explica, como em um sermo dominical,
as vicissitudes deste mundo suspenso no ter, vicissitudes centradas
nas mudanas meteorolgicas que, numa realidade dominada e
congelada pela imagem, so as nicas possveis.
um sermo visual que nos fazemos a ns mesmos, constitudos em deuses atravs do fenmeno dos satlites meteorolgicos.
As nuvens so anjos e as depresses e os anticiclones representam
a eterna luta entre o bem e o mal, da qual somos, muitas vezes,
participantes e espectadores. O satlite meteorolgico, ao mostrar
que nosso olho, cujo olhar delegamos, no pode seno ver a si prprio, nos recorda a cada dia a realidade de nosso confinamento.
o momento de regressar a essa to recorrente afirmao de Nicolau
de Cusa, referente esfera divina, cujo centro, segundo indica, est
em todas as partes, enquanto que sua circunferncia no achada
em nenhuma delas.

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O que Nicolau de Cusa pde afirmar enigmaticamente, no sculo XV, recuperamos e concretizamos no sculo XX. Tambm colocamos Deus em uma esfera que no est em nenhuma parte, mas
a reconhecemos em uma imagem, enquanto a esfera fsica est sob
nossos ps e por isso no podemos observ-la. E seu centro, seguindo cegamente as instrues de Nicolau de Cusa, se encontra tambm em todas as partes, pois cada um de ns, cada um de nossos
olhares particulares, o centro. Nicolau de Cusa colocava o universo s portas de um infinito que s poderia ser limitado pela natureza
divina [51], enquanto nossa civilizao inverteu essa estrutura e situou o cosmo no umbral de um infinito interior, imaginrio, s limitado por uma natureza divinizada e representada na imagem.
Essa natureza imaginria nosso Cu; e a Ecologia as sagradas escrituras de uma estrutura neo-religiosa de que as mquinas
constituem, nesse espao re-sacralizado, os sacramentos que nos
conectam com o mundo
escatolgico. A mquina
A ecologia a sagrada
ou, melhor dizendo, a ltima e eletrnica verso
escritura de uma neoda mesma, no aquela
religio em que as
produtora de poluio
que foi a mquina indus- mquinas constituem os
trial a organizadora do
sacramentos que nos
intercmbio entre o Cu e
a Terra. H uma grande
conectam com o
quantidade de mquinas
mundo escatolgico
que se enquadram nessa
nova categoria, desde os
reluzentes e articulados aparelhos destinados aos novos exerccios
espirituais [52] o body building at os precisos e hermticos instrumentos imaginativos manipuladores de imagens: fotocopiadoras, vdeos, cmeras, computadores, scanners, fax etc., cuja misso poderia ser considerada igual que realizavam as antigas imagens de virgens e santos que preenchiam as velhas igrejas.
Como aquelas imagens, essas mquinas se encarregaram de
representar uma realidade imaginria, so o Cu materializado.
Cada cpia, como a hstia consagrada, a incorporao da divin-

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dade. A misso das mquinas destinada ao body building , por sua


parte, ajudar o corpo humano a estar mais perto de Deus, quer
dizer, natureza deificada. Desta maneira cumpre uma misso
muito parecida com a dos instrumentos de tortura da Inquisio
com que, por outra parte, guardam intrigantes relaes formais. O
inquisidor tambm considerava que a passagem pela mesa de tortura aproximava o heterodoxo da verdade divina. Suas torturas pretendiam promover uma ginstica da alma que agora se aplica exclusivamente ao corpo. Mas como esses novos instrumentos so
individuais, se parecem mais aos cilcios e outros instrumentos com
que o mstico se autoflagelava. Assim, como para se aproximar do
deus medieval, situado num cu metafsico, havia que arrancar do
corpo sua preponderncia mediante castigos corporais, para chegar altura do deus posmoderno, situado numa natureza que no
por ser imaginria menos real, preciso agora glorificar esse corpo por meio de uma dor sublimada num prazer imaginrio. Os
inquisidores tambm gostavam de supor que o condenado, enquanto retorcia-se na mesa de tortura, sentia um prazer cada vez maior,
originado, sem dvida, pela crescente perfeio de sua alma e uma
no menos elevada proximidade com Deus.
E quanto ao mstico, sabemos que seu masoquismo lhe proporcionava prazeres nem sempre confessveis. Como hoje em dia,
aqueles que praticam assiduamente os exerccios de ginsticas espirituais no deixam nunca de constatar que, em ltima anlise, a
dor do exerccio fsico se transforma em um exuberante prazer. A
insistncia na dor nos aproxima da natureza, afirma um dos personagens do Eplogo, de Gonzalo Surez. Mas a nova localizao
do Cu no poderia culminar sem a correta localizao de seu complemento, o Inferno. O Inferno sempre foi considerado um lugar
sublunar, um lugar a que temos de descer, j dizia Dante, quem
no duvidou em buscar como guia a um poeta, j que so eles os
melhores especialistas do imaginrio, os encanadores do inconsciente. Nossa moderna escatologia tambm situa o inferno no lugar
mais baixo possvel, que corresponde cidade. E inclusive desta
desce at ao seu deteriorado centro.
Mas cuidado, nossa imaginao, do ponto de vista predominante, no confunde a cidade real, fsica, com a cidade imaginria
em que a realidade acontece, mas se ope uma com a outra. O cen-

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tro urbano fsico, entendido como inferno, o lugar onde moram os
ltimos resduos do real, onde habitam os que, por haver pecado
contra o corpo, no puderam alcanar a graa da imagem. Encontramos nesse espao a prostituta, o travesti, os drogados, os bbados, os
desempregados, os expulsos, um crculo de proscritos e prias a que
ultimamente, por causa da Aids, at os doentes foram includos. Eis
aqui os modernos pecadores que penam no inferno do real, expulsos
do novo e imaginrio Jardim do den. Esse inferno moderno e
urbanizado constitui, como seu antecedente medieval, o reverso da
vida terrena. Essa dantesca alegoria corresponde aqui a uma misria
de passagem. La bufera infernal, che mai non resta (a tempestade
infernal que nunca descansa), de que fala Dante no Canto V do Inferno, substituda pela simples intemprie que se abate sobre os
modernos desventurados. Os castigos no simbolizam o pecado, mas
se somam a ele. A cidade como inferno no tanto a contraparte de
uma cidade real que s existe fora dos folhetos tursticos, como da
cidade onde se produz o imaginrio.
Protegidos em seus automveis, extenso em rodas da sala de
estar, as pessoas se deslocam para o inferno para assuntos de negcio que, geralmente, se fecham nos altos arranha-cus, onde a proximidade com o paraso fica mais evidente: quanto mais acima nos
encontramos, mais prximos estamos de poder contemplar a forma redonda da terra, a qual, contudo, como a proximidade absoluta dos antigos deuses, s se alcana atravs da imaginao nesse
caso, das imagens fornecidas pelos satlites correspondentes. Ou
vo ao centro da cidade para fazer compras (lojas que, como j
dito, so interiores). Mas, em qualquer caso, fingiro no estar ali.
Encontram-se, como Dante, apenas de visita e, como ele, atravessam o Inferno com o propsito de alcanar posteriormente o Cu.
No de entranhar, pois, que um dos mais apreciados exerccios
esprito-corporais, o jogging, se realize nas ruas do inferno. O jogging
se converte tanto como um passaporte para o cu como um salvoconduto para atravessar o inferno. Somente com fones de ouvidos
e olhos fixos no infinito da natureza celestial, se pode descer ao
inferno e sair mais fresco do que uma rosa.

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5. A capital da dor
Se os crculos mais profundos desse inferno citadino no podem ser alcanados sem dor, a menos que se atravesse treinando e
correndo , os crculos da outra cidade, a cidade imaginria, somente so acessveis por meio da televiso ou passando nervosamente as pginas de uma revista. por meio da rpida articulao
de imagens e subimagens que se consegue conectar com o espao
hipntico.
Vivemos em um espao hiper-real, um espao hipntico, que
se cria mediante as sucessivas articulaes de imagens, e das imagens que formam parte de outras imagens. Se tivssemos de situar
esse espao em alguma parte, diramos que est entre a imagem de
nosso corpo e a imagem de uma ecologia global. A fluida articulao de imagens, que ocorre nos aparelhos de televiso e se sucede
nos cinemas aonde vamos para sonhar nossos imaginrios sonhos,
cria uma textura, a textura do novo espao. Esse espao, como o
renascentista, o gtico ou o barroco, um espao imaginrio, mas,
igual queles, acaba por adquirir forma, por incrustar-se nos murros de nossas casas, de nossos objetos, nas linhas de nossas pinturas, sem abandonar por isso sua qualidade de imaginrio. O espao
gtico estava representado na catedral; o renascentista, na perspectiva; enquanto o espao barroco se corporificava na alegoria. J
o espao modernista, herdeiro do positivismo do sculo XIX, era
um espao horizontal, representado principalmente pelo planejamento urbano.
A cidade foi arrancada da evoluo temporal, da histria, pelo
frio gesto do urbanista, que pretendendo eliminar a expanso catica, substituiu o passado por um futuro materializado pelo cimento. Na Europa, a cidade nasceu ao redor das catedrais e mercados,
e se desenvolveu nas estreitas ruas circulares que rodeavam o centro onde o comrcio celestial e terreno davam-se as mos. Esse
crescimento por camadas, quase to orgnico como o de uma cebola ou dos anis de um tronco de uma arvore indicando sua idade,
era o smbolo da temporalidade da cidade, sua conexo com a histria. Mas, no final do sculo XIX, esta temporalidade foi cortada.
A cidade, extrada desse fluxo temporal, se v obrigada a viver, a
partir desse momento, na imaginao de seu arquiteto. Ele quem

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decidiu, num mandato disposto a durar cem anos, como os habitantes iriam viver, mover-se e se comunicar... Esse foi o primeiro
passo at o total desmembramento da cidade, a primeira etapa para
torn-la um lugar totalmente imaginrio, um local no qual o espao hipntico criado pela articulao de imagens se produz. E essa
a representao do espao posmodernista: um espao hipnaggico,
de sonolncia, uma alucinao que se nega a si mesma, pois no
oferece alternativas.
6. A realizao do espao imaginrio
Toda intuio espacial acaba sempre por materializar-se.
difcil, a essa altura, falar de um espao fsico real e absoluto que
existiria indiferente s mudanas da percepo humana; um espao que, igual ideologia, constituiria uma falsa conscincia destinada a desaparecer no momento em que os homens vencessem seu
estado de alienao. Talvez esse seja um dos pontos fracos do marxismo (que, relido luz da mais estrita atualidade, no tem tanto
como nos fizeram acreditar): a crena em um estado natural de
liberao ao alcance das mos. A f na possibilidade e inclusive
na rentabilidade da utopia. Vtimas de grandes decepes, devemos aceitar que tampouco existe a utopia fsica: a suposta falsa
percepo do espao, nem falsa e nem est distorcida (no sentido
de que existiria uma contrapartida ideal e livre de mcula sobre a
que afetaria a distoro),
mas no por isso (me
A representao do
apresso a acrescentar),
deixa de estar condicionaespao posmodernista
da poltica e socialmente.
um espao hipnaggico,
Trata-se sem dvida de
uma percepo ideolgide sonolncia, uma
ca, mas por trs dela no
alucinao que se nega a
guarda uma utpica percepo livre, mas outra
si mesma, pois no
falsa conscincia, outra
oferece alternativas
percepo forosamente
ideolgica.
Em ltimo caso, poderamos falar de percepes espaciais favorveis ou desfavorveis, progressistas ou reacionrias; inclusive,

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repetindo uma expresso odiosa que ganhou fama em certos ambientes universitrios da Amrica do Norte, podemos falar de uma
percepo politically correct (politicamente correta), mas nunca de
uma percepo, de uma conscincia que no seja midiatizada. No
existe, fora do pensamento metafsico, uma percepo absoluta, e o
grande desafio da crtica social contempornea consiste em aprender a viver com essa ideia. A crtica social deve passar por uma revoluo bruniana [refere-se a Giordano Bruno], precisa ir do mundo
fechado ao universo infinito e restabelecer o velho conceito de luta
contnua. Uma luta contra a incessante e inevitvel alienao que
busca compensar mediante a conscincia lcida de sua inevitabilidade.
Diante de ns se abre um horizonte infinito de penalidades.
Todos os tipos de espao, como j disse, encontram seu caminho at a fisicalidade, visto que depois de uma incessante percepo do mundo sob determinada organizao, esta acaba sempre se
filtrando sobre a prpria matria para mold-la a sua imagem e
semelhana [53]. Outro tanto teria de acontecer, portanto, com o
espao hipntico que foi se formando, como percepo, ao longo
dos ltimos cinquenta anos. Assim, ultimamente, tcnicos e artistas do vdeo tm revelado nos festivais internacionais da imagem o
resultado de suas pesquisas para configurar diversos espaos eletrnicos que sem dvida supem a materializao do espao hipntico. Desses projetos, o mais conhecido o denominado Virtual
Reality (RV: realidade virtual) (54).
Durante a Art Futura 1990, em Barcelona, Scott Fisher, do
Centro de Pesquisa Ames da NASA, e Eric Gullichsen, representante da empresa privada que pretendia comercializar o projeto,
descreveram a realidade virtual como a criao de um espao
tridimensional atravs de um computador, por meio da computao grfica, mas com imagens ainda pouco desenvolvidas. O certo
que se tratava de uma inovao desenvolvendo e inclusive superando as possibilidades infogrficas, realizada quando esta acabava de alcanar sua total operacionalidade. Assim rapidamente acontecem as coisas no universo da imagem eletrnica.
Uma das caractersticas da RV consiste, precisamente, em que
por meio da incorporao de um visor (culos), qualquer pessoa
pode penetrar em um espao computacional. O visor, pequenos

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monitores acoplados diante dos olhos como culos de mergulho,
faz com que se perceba o espao virtual gerado por um computador como se fosse um espao real. O usurio se v imerso nesse
novo espao que elimina qualquer outro ponto de referncia visual
que no o que est dentro das suas coordenadas. Produz, portanto,
uma transferncia de realidade. Somente o tato poderia denunciar
uma defasagem entre as imagens e os volumes, mas mesmo se isso
no fosse resolvido, o viajante da RV teria srias dvidas sobre sua
situao real.
As imagens do espao virtual, geradas constantemente pelo
computador, mudam de acordo com os movimentos da cabea do
usurio. Os culos transmitem os movimentos ao computador e
esse acomoda imediatamente a imagem. No estamos, pois, diante
de uma imagem fechada como a que conhecamos at agora [55],
mas sim diante de uma imagem aberta e teoricamente infinita. A
RV, como o espao material, e diferentemente de outras imagens
computadorizadas, vai sendo gerada continuamente em ntima relao com os movimentos do espectador. este que de fato cria o
espao com os seus movimentos.
Um complemento importante do projeto, que vem a solucionar o problema ttil da nova realidade, uma luva eletrnica
(dataglove) que o usurio deve calar. Sua utilizao supe um nvel a mais de interao com o espao virtual. A luva, cuja imagem
aparece em forma de mo no campo de viso do usurio dos culos, permite manipular o entorno da RV. Sem as luvas, o usurio
tem acesso a uma viso terica de 360o e pode avanar no espao
de forma ilimitada (nesses momentos o limite est na capacidade
do programa do computador, mas isso apenas um problema tcnico que tem soluo), mas incapaz de operaes to simples
como abrir uma porta. Caso o espao virtual onde o usurio est
seja, por exemplo, uma casa, ele ficar inevitavelmente preso dentro dela. A luva resolve esse inconveniente. Com ela, o usurio pode
abrir portas e janelas, armrios e gavetas; pode pegar livros de uma
estante e operar interruptores. Os movimentos das mos vestidas
na luva so transmitidos para o computador, que se encarrega de
gerar continuamente novos elementos espaciais, em consonncia
tanto com os movimentos do usurio como com a lgica da RV em

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que o usurio se encontra imerso. Este um dado a levar em conta:


uma vez que abandonada a realidade fsica, no h limites para as
possveis realidades em que se pode mergulhar [56]. Atualmente,
pesquisa-se a possibilidade de fabricar trajes com o qual o usurio,
uma vez vestido, poderia incorpora-se totalmente ao espao da realidade virtual.
A origem dessas tecnologias est nos simuladores de vos desenhados pela indstria aeronutica para o treinamento dos pilotos. No me refiro a uma origem conceitual, mas a uma origem
prtica: foi o interesse industrial e militar (o treinamento de pilotos de combate um elemento primordial) que conseguiu fundos
necessrios para empreender e levar a cabo as investigaes. Por
outro lado, a NASA tambm est interessada na RV, pois o seu
desenvolvimento permitir a pesquisa de outros planetas sem a necessidade de enviar os astronautas at l. Um rob seria encarregado de fornecer dados e imagens e os astronautas, a partir de sua
base e vestidos com os trajes eletrnicos, passeariam por esses
mundos distantes. Trata-se do pice da aventura assptica: viajar
sem sair de casa. Nesse sentido, evidente que a ideia de turismo
tambm sofrer uma revoluo.
No desprezvel o fato de que as pesquisas em torno da RV
estejam relacionadas com a NASA, com o exrcito americano ou
at com o projeto Strategic Defense Iniciative (conhecido como
Guerra das Galxias). Isso supe, entre outras coisas, que pela primeira vez nos encontramos diante da apario de um tipo de arte
(no que diz repeito vertente artstica dos projetos) diretamente
relacionada com o complexo industrial militar dos EUA (de cujo
conglomerado a NASA faz parte). No uma questo que afeta
somente a RV, mas que atinge tambm uma srie de projetos em
torno dos novos espaos visuais que a acompanham ou que a precederam. No melhor dos casos, os projetos paralelos ou nasceram
em alguma agncia governamental ou seus atuais promotores esto associados com alguma delas, em uma ou outra fase da pesquisa. E na pior das hipteses, a evoluo e o futuro destes projetos
dependem diretamente da aprovao dos oramentos de defesa do
governo dos Estados Unidos [57].
Essa circunstncia no insignificante, mas, pelo contrrio,
revela perfeitamente qual a situao atual tanto da arte quanto

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dos meios de comunicao. Um paradigma iniciado com a formao das grandes companhias multinacionais no sculo passado e a
consequente construo de uma viso de mundo (um sistema
perceptual) intimamente relacionado com as necessidades e caractersticas destas corporaes descomunais, deveria alcanar forosamente um nvel em que essas mesmas companhias, ou outras relacionadas com seus interesses (como as agncias governamentais),
produziram direta e inclusive materialmente, as expresses artsticas, fruto da viso do mundo por elas largamente patrocinada.
Esse fenmeno, sem dvida, no totalmente novo; talvez
mais escandaloso. evidente que tanto a televiso como a publicidade [58] so filhas legtimas das grandes corporaes. Se bem que
a televiso tem alguma qualidade redentora trata-se, no em estado puro, de um meio capaz de veicular qualquer
evidente que tanto a
tipo de mensagem, mesmo as adversas sua esteleviso como a
trutura retrica (embora
publicidade so filhas
isso no tenha acontecido) , na publicidade isso
legtimas das grandes
se torna mais difcil de
encontrar. A publicidade corporaes. Se bem que
se baseia na persuaso ira TV tem algumas
racional e, portanto, qualqualidades redentoras
quer mensagem que veicule inclusive se for progressista, racional contaminada por essa retrica de base, como
comprova a utilizao das tcnicas de propaganda poltica. No
exagero adicionar o design a esta lista de artes vinculadas indstria de maneira direta e praticamente inevitvel [59]. O design, um
elemento que acrescenta um carter fetichista mercadoria do sistema capitalista, tambm serve de maquiagem para seus produtos
menos apresentveis [60], alm de compartilhar com a publicidade
a caracterstica nada desprezvel de ser uma tcnica bem promovida que adquiriu o status de arte, perdendo assim parte da perigosa
imagem utilitria que poderia ser relacionada com os interesses
industriais e, mais concretamente, com a necessidade de manipulao da indstria capitalista.

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Mas essas consideraes em torno dos meios nascidos do desenvolvimento capitalista admitem certa matizao. Evidentemente a publicidade visual uma tcnica nascida do e para o capitalismo, uma tcnica que tambm constitui um fator necessrio para a
criao, como j se mencionou, do espao hipntico. Mas ainda
assim, tanto ela como a televiso, o cinema e o design possuem
antecedentes que de certa forma os desligam de uma total filiao
corporativista. possvel, por exemplo, traar uma histria do design
anterior Revoluo Industrial [61] e no podemos negar que tanto a televiso como o cinema nasceram a partir da evoluo dos
meios anteriores, o que converte a sua gnese em algo praticamente inevitvel, ainda que ligada aos nveis de determinado desenvolvimento. Poucos foram os pases industrializados em que, no final
do sculo XIX, no ofereceram as condies necessrias para a
inveno do cinematgrafo e seu posterior desenvolvimento. Quanto publicidade, pode-se dizer, num sentido geral, que se trata de
um aperfeioamento de tcnicas que remontam antiga oratria e
que tem antecedentes to precisos como os sermes medievais ou,
em sua vertente visual, os emblemas e as alegorias renascentistas e
barrocas. Em qualquer desses casos, o que o capitalismo fez foi
transformar um meio mais antigo e mold-lo s suas necessidades
especficas [62].
Talvez, de todos esses meios-linguagens, a televiso seja a que
est mais ligada evoluo das corporaes, no sentido de que,
nascida como meio de comunicao neutro, se v paulatinamente
ligada linguagem da corporao at tornar-se parte integrante
desta linguagem, como a prpria publicidade. Recordemos que a
inveno da televiso no foi consequncia de pesquisas realizadas
por uma grande corporao, mas, como todas as outras invenes
do sculo XIX, resultou do trabalho individual, nesse caso com a
particularidade de estar dividido entre vrios pesquisadores, de cuja
soma de trabalhos isolados veio a se concretizar a televiso. Quanto tempo teve de passar desde as primeiras experincias de May ou
de Nipkow at que fosse possvel realizar as primeiras transmisses da British Broadcasting Corporation? Aquele meio sculo de
pesquisas individuais e dispersas poderia ter sido menor se o trabalho houvesse sido realizado em conjunto e patrocinado por uma
grande corporao. Essa foi uma lio que no caiu no vazio [63].

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As novas artes e tcnicas da imagem eletrnica tambm poderiam ser consideradas at certo ponto provenientes de meios anteriores. Por exemplo, no descabido afirmar que a imagem
computadorizada constitui uma evoluo, por meios eletrnicos,
da pintura e do desenho. Quanto RV, j indiquei que todo
paradigma acaba tornando material o espao que a princpio era
somente abrigado conceitualmente e, portanto, necessrio admitir que esse tipo de materializao j se produziu antes, em outros
paradigmas [64]. Contudo, nunca antes nenhum meio artstico havia constitudo, de forma to exclusiva, um epifenmeno a partir
de uma tcnica ou produto industrial, e muito menos militar. As
pinturas de Velzquez, mesmo patrocinadas pela famlia real espanhola, no devem nada fabricao de lanas ou de outro aparato
militar, por mais que sua poca fosse atormentada pelas batalhas.
O cinema, por seu lado, ainda que inventado parcialmente por um
visionrio to negociante como Edison, no princpio no foi um
bom negcio, mas uma curiosidade tcnica igual a tantas outras.
Mas a RV algo muito diferente: fruto direto das pesquisas
de uma cincia militarizada, tendo como principal caracterstica a
manipulao da realidade por meio da criao de um novo espao.
Como tentei demonstrar at agora, essas so exatamente as peculiaridades mais importantes do paradigma do capitalismo
multinacional em sua relao com a imagem: a tendncia de reduzir s suas coordenadas espaciais o que antes era um contnuo espao-temporal e o dilogo da realidade material em um elemento
manipulvel.
Vamos revisar as caractersticas principais da realidade virtual. So os conceitos chave:
1. A RV equipara de forma definitiva a realidade com a
tecnologia. Seus criadores afirmam [65] que a nica dificuldade para
alcanar uma realidade virtual perfeitamente desenvolvida e, portando, plenamente equiparada realidade real o estado atual da
tcnica. Quando se alcanar os objetivos desejados, no haver aparente diferena entre as imagens interiores e as exteriores. Do que
se pode deduzir que, a partir de agora, a verdade ser uma questo
de excelncia tcnica, ou seja, o cmulo do pragmatismo [66];
2. A RV rompe a barreira que se supe existir entre o usurio
e o computador. Ao colocar os culos, afirmam os especialistas,

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nos encontramos no interior do computador, rodeado por ele. Esta


proposta pressupe j uma escala de valores, segundo a qual prefervel estar dentro do computador que fora dele. A tela do computador atual, que agora se utiliza, percebe-se, pois, como uma
barreira a abrir. De certa forma, nos encontramos diante de uma
das mais evidentes manifestaes da ideologia do progresso, que
desempenhou papel to importante no impedimento de uma viso
crtica da tcnica, de cujas possibilidades de desenvolvimento somente se leva em conta um obsessivo avano a todo custo. Progresso que percebido como o nico movimento possvel, e que se
considera sempre como positivo e eticamente excludente. Desta
forma, a RV concebida de incio como um processo necessrio e
benfico, um processo que, ao romper a barreira do monitor, no
pode deixar de ser considerado absolutamente necessrio. Em nome
do progresso (graficamente representado pelo rompimento de determinada barreira), qualquer crtica ser tachada de reacionria,
inclusive antiquada;
3. Insinua a possibilidade de que no futuro, seguindo a linha
marcada pelos acessrios desenvolvidos em torno da RV, seja eliminada a necessidade da linguagem para acessar o computador. Com
as luvas, haver uma interao direta com o novo espao, de modo
que o computador ter reaes no atravs de ordens lgicas, mas
de impulsos tteis. Seria o ltimo passo na contnua aproximao do
computador que vai do teclado inicial at o desenvolvimento do
dataglove, depois de passar pelo joystick e o mouse, cada um dos quais
representou um importante avano at a eliminao completa da
linguagem [67]. Esta eliminao da linguagem lgica, atravs de senhas que permitem a interao com o computador, assume implicitamente a eliminao da necessidade de qualquer linguagem para
organizar e expressar as ideias, que deixariam de ser produzidas pela
articulao de palavras para se constituir numa simples elaborao
visual: a articulao de algumas imagens cujo conjunto constituiria,
segundo os pressupostos da RV, uma realidade absoluta. Assim, eliminar-se-ia a ltima barreira, a barreira conceitual. No existindo
outra linguagem a utilizar alm daquela que normalmente nosso
corpo emprega para se relacionar com a realidade, tambm no haveria nenhuma diferena entre a ao e o pensamento. Chegaramos
ao sonhado silncio do pensamento [68].

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4. Fala-se tambm em relacionar a imagem e a palavra. Com o
desenvolvimento do chamado painting helmet (capacete de pintar),
poder-se-ia interagir com o computador usando a voz e, por exemplo, pintar a palavra. You can speack the colors, disse Eric
Gullichsen da forma contundente que s a lngua inglesa permite:
as cores podem falar. Aqui, a linguagem ainda existe, mas uma
linguagem mgica, a que se confere um poder gerador. , pois,
uma linguagem ativa que no precisa de elaboraes tericas, pois
s sua emisso fnica consegue os resultados desejados. With a
computer you dont need the words, com um computador no se
precisa de palavras, acrescentou Gullichsen, afirmando a ideia de
que a linguagem supe uma barreira que impede a direta comunicao com a realidade.
5. Sugere a ideia do Virtual Environments (ambientes virtuais), que seriam um passo inicial para o ansiado Total Environment
(Ambiente Total). Examinando todo o projeto, podemos ver que
esses ambientes virtuais
so a consequncia lgica
A comunicao entre as
de todo o assunto. Com a
pessoas acontecer
possibilidade de criar ambientes virtuais absolutos,
mediante os culos
seria possvel escolher o
(helmet), algum poderia
tipo de realidade em que
se quer viver: uma realidaescolher sua prpria
de que estaria sendo geraaparncia para
da continuamente por um
computador. Seria uma
se mostrar aos outros
realidade da que j no
seria mais preciso sair.
Todo o projeto parece se encaminhar na busca de um substituto
limpo das drogas psicodlicas. Uma sociedade que se orgulha em
encabear uma luta contra a dependncia qumica (e que possui ao
mesmo tempo o mais alto grau de consumo) prope por outro lado
uma srie de parasos artificiais (nunca melhor aplicado o adjetivo), que colocaria a maioria de seus habitantes sob a possibilidade
de uma manipulao absoluta. Philip K. Dick explorou esta possibilidade em algumas de seus romances mais extremos. Por exem-

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plo, em The Three Stigmatas of Palmer Endrich (1965), os colonos


estabelecidos em Marte podem viver, mediante a ingesto de uma
droga, num mundo de fico (uma realidade virtual) de um exacerbado realismo. Dick utiliza ainda a noo de qumica para produzir esse mundo ilusrio, mas os resultados assemelham-se mais aos
produzidos pela droga tcnica.
6. Fala-se tambm da chamada Interactive Fantasy, em que o
usurio poderia entrar no mundo ficcional dos filmes, como o que
faz, por exemplo, a personagem de A Rosa Prpura do Cairo, de
Woody Allen. Tratar-se-ia da identificao hollywoodiana levada a
um extremo arrepiante.
7. Chose how to look, poders escolher a tua aparncia, outra proposta triunfalista dos promotores da nova inveno. Assim,
a comunicao entre as pessoas acontecer mediante os culos
(helmet), algum poderia ento escolher sua prpria aparncia para
se mostrar aos outros. E poderia, tambm, eleger a aparncia dos
demais. Tratar-se-ia, portanto, de fabricar uma realidade prt-porter, dentro da chamada realidade virtual compartilhada, um projeto de socializao tcnica que parece querer ir ao encontro das
possveis crticas que o radical solipsismo da RV pode gerar.
Encontramo-nos diante de uma nova abordagem do fenmeno comunicativo, que favorece a mediao. So os computadores interligados os que se comunicam, enquanto as pessoas tero de faz-lo
mediante eles (o advrbio mediante significaria tanto ponte e filtro, como mediao para aproximar, mas tambm, e acima de tudo,
para afastar). Aparece aqui sem mscara o medo realidade da
que se evita ver a face nua.
Deveramos perguntar que tipo de comunicao, tal como a
entendemos, se poderia estabelecer entre duas pessoas ou mais, a
partir do momento em que essa comunicao estaria censurada
por cada uma das vontades individuais, que se levantariam diante
da pessoa como autntica muralha que poderia separ-las do resto
das mensagens. A comunicao seria compreendida, pois, como
uma luta entre as diferentes vontades (ou diferentes fobias). Os
computadores interligados iniciariam um ferrenho combate entre
si para estabelecer as realidades aparentes que cada um de seus
donos buscaria e seria capaz de suportar. O grau de sofisticao

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tcnica das mquinas e, portanto, o poder econmico do seu dono
acabaria impondo sua lei [69]. Assistimos preparao de uma
nova herldica em que as divisas e os brases estariam inscritos na
prpria realidade: a pessoa como escudo de si mesma. Um fenmeno que, do ponto de vista psicolgico, poderia ser considerado
tambm como a objetivao da couraa caracteriolgica com a que
se envolve a personalidade neurtica e que Wilhelm Reich dedicou um de seus mais conhecidos estudos [70].
Mas essa couraa era considerada at ento sintoma de uma
determinada patologia, uma aberrao que poderia ser curada por
um especialista. Era possvel, portanto, vencer a barreira que o indivduo colocava entre ele e os demais: um psiquiatra ou qualquer
interlocutor esclarecido poderia faz-lo, transpondo o muro e penetrando na fortaleza caracteriolgica. A proposta da RV pretende, pelo contrrio, converter essa couraa em algo fsico visto
que fsica a interveno meditica do computador, da eletrnica
, em algo externo mente e, portanto, irrecupervel a partir do
momento em que ela se tornou parte da realidade fsica [71]. As
patologias de ontem se transformaram na natureza do futuro.
Com a Realidade Virtual chegamos s ltimas consequncias
da evoluo das imagens. Durante um tempo podia-se apostar que
essa culminao seria alcanada por meio dos famosos hologramas
(realidade projetada e, portanto, externa). Mas o holograma no
alcana a perfeio que a interao entre a mente e a eletrnica
permite na RV. O holograma no deixa de ser um acrscimo a essa
realidade externa ou fsica, quer dizer, um elemento decorativo. A
proposta da RV muito mais drstica e, por isso, deve ser levada
muito mais a srio. O holograma se revela simplesmente como um
sonho inocente de certa fico cientfica integrada; a realidade virtual, por outro lado, parece to inevitvel que produz calafrios.
proveniente tambm da fico-cientfica, mas de um ramo mais
apocalptico e crtico da mesma. No seria uma tarefa intil traar
a histria da RV atravs da evoluo desse gnero literrio, o que,
literalmente, suporia criar uma histria do futuro. Muitos dos tcnicos e cientistas de hoje foram, em seu momento, entusiastas da
fico cientfica (como tambm foi, sua maneira, Ronald Reagan,
que aprovou e tratou de impulsionar com entusiasmo infantil o
SDI). A ideia se encontra nas obras de Dick, entre outros, mas

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tambm em autores claramente reacionrios como Paul Anderson


ou Robert Heinlen. Esses dois ltimos ajudaram a torn-la uma
ideia positiva, ao situ-la na deslumbrante ideologia do progresso
desenfreado. Mas nem tudo tem de ser negativo com o projeto de
RV. Sua possvel aplicao na cirurgia e na explorao espacial pode
trazer um inestimvel progresso, de alto valor social.
Em qualquer desses casos, entretanto, no se busca tanto a
substituio de uma realidade por outra, mas a possibilidade de
alcanar o espao real de difcil acesso. A RV seria equivalente
construo de modelos cientficos ou arquitetnicos, cuja funo
eminentemente prtica e cognitiva. De todo modo, a tendncia
social para uma substituio da realidade fsica por outra virtual,
quer dizer, pela realidade das imagens, no comea, como vimos,
com a RV, mas essa, ao contrrio, representa um longo processo
cuja trajetria procurei traar. Com ela se faz patente mais uma
vez a ideia de que a realidade perigosa e mostra a tendncia de
buscar refugio na assepsia da tcnica, entendida como uma nova
natureza.
Com a RV, tambm a ideia de deslocamento sofrer mudanas drsticas: j no ser necessrio ir a Marte se um computador
pode reproduzir um ambiente marciano na sala de jantar ( um
modo de dizer, pois, em realidade, Marte substituiria a sala de estar terrestre). Tambm vemos aqui uma manifestao da tendncia
geral, j expressada, de se fechar em casa, e ainda mais, no prprio
corpo: a retirada da pessoa para dentro de si mesma, para o inconsciente, como a ltima realidade. A RV oferece-nos ir mais longe com um mnimo de deslocamento [72]. Aqui j no mais apenas o tempo que se comprime, que se transforma em espao, mas o
mesmo espao que desaparece no seu aspecto fsico para terminar
reduzido no espacialidade da imagem.
NOTAS
1. Jim Jaramush, 1989.
2. Em ingls, o termo homeless tem uma conotao mais precisa: trata-se de um
adjetivo substantivado por uma prtica social muito determinada. Nos EUA, os
homeless (sem teto) so marginais tpicos, que saram do sistema, mas no por
vontade prpria, como os beatniks ou os hippies de outrora, mas o que se considera sem as qualidades necessrias para conviver com o resto da sociedade. O
homeless, atravs de sucessivas degradaes, chegou muito prximo ao limite do

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sistema at que finalmente ultrapassou sua fronteira ao perder sua casa. Nos
Estados Unidos, sem uma residncia, nem sequer possvel a pfia assistncia
social que o Estado regateia at o limite. Curiosamente, h mais homeless brancos do que negros. Isso ocorre porque os negros fazem parte de uma pobreza
endmica que institucionalizou seus meios de subexistncia. o branco que realiza a descida ao inferno, o que se degrada at terminar como um sem teto.
3. O termo casa (home) engloba desde o domiclio, o local em que recebe o
correio, at o sagrado lar que supe de fato o lugar onde se reproduz o sistema.
Podemos dizer que a casa no tanto a morada de seus habitantes como tambm a residncia do sistema. Sem a casa, sem o lar, o sistema no teria para
onde ir. A degradao que pode sofrer uma casa ou o lar, at o mais simples
domiclio, considerada como uma descida at as portas do inferno, isso , para
a rua, de onde no h retorno possvel. Uma casa no um lar dizia o ttulo de
um filme.
4. Existem recuperaes nesse sentido, como a Barcelona olmpica, ou a Paris
do bicentenrio: so cidades que apostam no festival posmodernista, mas nas
quais ainda ficam os focos da cidade moderna, de Nova York e Los Angeles, que
todas as cidades levam dentro de si como um cncer incurvel.
5. Refiro-me ao filme de Franklin J. Schaffner (1968).
6. Passou-se, curiosamente, de um conceito linear (ordinal), em que subsistia
uma evidente temporalidade, a outro espacial, geogrfico. O conceito de Terceiro Mundo supunha a existncia de nveis e, portanto, permitia a noo de passagem de um nvel para o outro de progresso por meio do famoso desenvolvimento , enquanto que a diviso entre Norte e Sul eminentemente esttica
trata-se de posies geogrficas e no polticas por isso incapaz de revelar a
possibilidade de alguma mudana.
7. Como indica Michel Ragon no livro Historia mundial de la arquitectura y el
urbanismo modernos (Barcelona: Editorial Destino, 1979), no final do sculo
XIX aconteceu em Paris um novo fenmeno no urbanismo, promovido por
Haussmann, a rua que domina a cidade, e no a habitao, que parece secundria (pg. 80). Pouco mais de um sculo depois, esse movimento iria se reverter.
8. Talvez o anterior pudesse ser uma resposta adequada pergunta que fazia
recentemente John K. Galbraith: No acabo de entender por que pensamos
que nosso espao interno de vida, incluindo nossos objetos de arte, deve refletir
um bom design, um bom gosto e uma boa expresso artstica, enquanto nosso
espao externo caiu na maior falta de ateno possvel. John Kenneth Galbraith.
El medio ambiente, El Pas, 8/3/91, pg. 15).
9. J.G. Ballard, no romance High-Rise, inclui os trs lugares no mesmo edifcio.
10. Os gigantescos outdoors que colocados nestes vazios uma tentativa de recuperar o controle perdido.
11. A. Moles e E. Rohmer, Psicologa del espacio, Barcelona: Crculo de Lectores,
1990 (pg. 27).
12. A distino entre fonte de uma conscincia que se converteu em imaginrio
(o inconsciente) e lugar do imaginrio nesse caso, a cidade como representante de um espao antes exterior, mas que agora conecta, por seu parentesco com
o inconsciente, com o interior no de todo suprflua. No h praticamente
nenhuma dvida em considerar a mente como a origem da imaginao humana
e por outro lado, sabemos que essa imaginao, atravs da arte e da literatura, se
projeta de alguma forma sobre a realidade. A nica variao que proponho refe-

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re-se que, na atualidade, os meios de comunicao processaram a realidade at


convert-la em imaginrio. E que essa realidade imaginria construda para
ns por meio da linguagem do inconsciente, com o qual se procedeu a uma
objetivao deste inconsciente; em um inconsciente que, dessa forma, se
exteriorizou. Seria como se a realidade se tivesse transformado num espelho do
nosso inconsciente; e assim seria se falssemos de um processo natural. Mas,
como os meios de comunicao funcionam a partir de certa manipulao, o
nosso inconsciente que se converte em espelho dessa realidade manipulada que
superficialmente parecer refletir.
13. Durante aquele perodo, ainda se escrevem e se leem livros de aventuras
exticas e de cowboys, como os de Karl May. E est prestes para que o faroeste
cinematogrfico alcance sua poca de ouro. Mas esse fato no constitui se no a
afirmao de outra aventura, a realista, a urbana, visto que os romances de aventura, no sentido estrito, abordam aventuras romnticas localizadas num imaginrio que ainda se encontra perfeitamente separado da realidade. O gnero da
fico cientfica, tanto no cinema como na literatura, precisa uma meno a parte, pois no coincide nem com a aventura romntica nem com a realista, ainda
que possua elementos de ambas. No sendo este o momento de analisar o fenmeno da fico cientfica, limitar-me-ei a sinalizar que, quando a aventura realista se mesclou com a romntica, devido a um deslocamento do real para o
imaginrio, ela se transformou num novo realismo. Pensemos em todos os efeitos especiais como um esforo realista.
14. Recordemos tambm na cena do comeo de O Processo, de Orson Wells, que
narra a fbula de um homem que envelheceu aguardando em vo s portas da
lei, esperando poder entrar. interessante notar que as portas se fechavam antes da sua inteno de entrar, no de sair.
15. Um mundo a que os meios de comunicao tornam cada vez mais extenso
tende a aceitar mais como dogma de f do que como realidade imediata.
16. A glorificao da cidade em filmes como A sinfonia de uma grande cidade, de
Walter Ruttman, Um homem com uma cmera, de Dziga Vertov, parte de um
mesmo fenmeno, do qual tambm no escapam os filmes antagonistas da grande cidade, como Amanhecer, de Friedrich Wilhelm Murnau.
17. Projeto cuja suposta concretizao coincide curiosamente com a concluso
do perodo de limpeza, que em Hollywood promoveram os mais ferrenhos partidrios do McCarthismo.
18. No caso de Alien, poderamos falar tambm do espao interno-externo da
casa, que se v assediada pelos perigos do exterior-interior (os aliengenas como
criaturas de outro espao das ruas, verses modernizadas, ou ps-modernizadas, dos monstros materializados pela mquina do professor louco de O planeta
proibido, de Fred M. Wilcox). Mas a verdade que tanto a enorme e labirntica
astronave da primeira verso como a complicada colnia extraterrestre da segunda no deixam de apontar acertadamente para uma emblematizao da cidade moderna com todas as suas perverses.
19. Daniel J. Boorstin, The image. Nova York: Atheneum, 1962. Um pseudoacontecimento, segundo Boorstin, aquele que no ocorre de forma autnoma,
mas que produzido, no como um engano especfico, mas simplesmente mediante a promoo da suposta notoriedade de algo que em si no a tem. Um exemplo claro seriam os boletins meteorolgicos, que ao longo dos anos acabaram se
transformando em notcia, se no de primeira magnitude, ao menos de uma
frequncia inquestionvel. Um furaco ou uma nevasca imprevista seria uma

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notcia genuna; o relatrio dirio das temperaturas, no. Mas se hoje se eliminassem os homens do tempo uma ideia a considerar , garantido que a maioria dos telespectadores sentiria falta e choveriam cartas de reclamao nas redaes dos telejornais, por considerarem como privao de um direito inalienvel
de conhecer o paradeiro cotidiano dos ciclones.
20. Uma das caractersticas mais destacadas da esttica contempornea precisamente esta confuso entre verdade e mentira, entre realidade e fico, entre
realidade fsica e pseudo-realidades. natural que diante deste panorama os
antigos conceitos de falso e verdadeiro entrem em crise. Entretanto, no que se
refere tica, e a menos que se aceite com todas as consequncias uma mudana
de paradigma, necessrio referir-se ainda plena significao desses conceitos, o que significa uma contradio com a assimilao da nova epistemologia
at aqui expressada, mas nesta contradio reside um ansiado esprito de resistncia. Uma coisa aceitar como fato consumado uma mudana de viso do
mundo e outra, muito distinta, admitir, como faz a ideologia ps-moderna, as
consequncias de uma mudana moral.
21. No h como menosprezar, nem muito menos, a funo desenvolvida pela
narrativa visual dos filmes e telefilmes nesse fenmeno. Neste sentido, necessrio assimilar, ainda que seja de passagem, a utilizao perversa que fez
Hitchcock de lugares tursticos para as cenas culminantes de alguns de seus filmes. Citando de memria: Mont Rushmore em Intriga internacional; a Esttua
da Liberdade, em Agente Secreto; San Francisco, em Um corpo que cai; Marrocos, em O homem que sabia demais etc. E, finalmente, no posso passar por alto
um tipo de conhecimento peculiar, desenvolvido especialmente nos EUA, onde
a populao vive numa perptua ignorncia da geografia universal e s conhece
a existncia de outros pases e lugares atravs das lies oferecidas pelas intervenes militares e polticas de seu governo no exterior. O que fica de Bagd
depois dos insensatos bombardeios da Guerra do Golfo ser seguramente muito
popular, como visitado e apreciado foram os restos de Dresden aps os no
menos insensatos bombardeiros realizados no final da Segunda Guerra Mundial. No demasiado acrescentar que a presena dos nomes de Hiroshima e
Nagasaki na memria coletiva mundial mas, sobretudo, na dos americanos se
devem s duas nicas bombas atmicas lanadas sobre populaes civis. Seria
este o reverso do turismo, da mesma forma que o turismo , de fato, o contrrio,
ou forma civilizada, do imperialismo.
22. Jean Baudrillard, Simulations. Nova York: Semiotext(e), 1983.
23. O turista, por definio, parte numa viagem organizada, por ele mesmo (com
as bvias limitaes que a organizao social contempornea impe nesta aparente liberdade individual) ou por alguma agncia especializada. Em qualquer
caso, ele vai em busca de algo predeterminado. A era dos descobridores ficou h
muito para trs. Lembremos do lema do American Express, que se converte no
emblema do novo viajante, de todo turista que se preze: Dont live home without
it no saia de casa sem ele. Dessa forma, o carto de crdito se converte num
amuleto, em uma proteo contra os males do exterior-interior. Um elemento a
mais adicionado lista que demonstra nossa recuperao do pensamento mgico.
24. Um dos vdeos mais onricos que se pode ver o realizado por um morador
de Los Angeles. Ele gravou clandestinamente como a polcia da cidade espancava um negro que acabava de ser detido. Evidentemente, a sensao onrica quem
tem o espectador, no o pobre homem que est recebendo a surra: as imagens
suplantaram a realidade, mas no a esse ponto... De todas as maneiras, outra

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prova de que a imagem est incorporando doses extras de realismo prpria


realidade, ou seja, que as imagens so mais reais do que a prria realidade fsica
e que por isso se conectam com essa realidade atravs do inconsciente encontramos no estranho filme Henry, retrato de um assassino (John McNaughton, 1989),
em que uma das cenas mais horripilantes a do assassinato que vemos atravs
de uma cmera de vdeo. A cena to horrvel precisamente porque a vemos
pela cmera de vdeo, e isso adiciona um realismo que o filme como suporte
fotogrfico no tem ou no o tem no mesmo grau. A imagem de vdeo, situada
entre dois nveis cinematogrficos: a cena dramtica o assassinato em si, que
ocorre diante de ambas as cmeras e o nvel global que inclui o visor da cmera
de vdeo mostrando a mesma cena, funciona como um catalisador da realidade,
mas , no esqueamos, pura imagem. Se no fosse o visor indiscreto da cmera
de vdeo, a imagem teria sido complemente neutra, no teria se dividido nestes
dois nveis e, portanto, no teramos a oportunidade de provar essa realidade
supra-real que nos mostra o vdeo.
25. No h dvida de que a sensao de que o mundo inverteu as suas coordenadas dentro, fora tem suas razes nessa externalizao de nosso inconsciente.
26. Como indica Blanca Muoz na excelente Introduo s teorias da comunicao, durante os ltimos quarenta anos, as pesquisas nos EUA esto primordialmente voltadas ao estudo da manipulao da conscincia. Blanca Muoz, Cultura y Comunicacin. Barcelona: Barcanova, 1989 (pgs. 23-64).
27. No estou tentando endossar nenhuma prtica determinada, mas somente
descrever um procedimento que justifica as razes de uma explorao capitalista da agricultura. Presumo que o uso de pesticidas pode ser evitado, mas com a
adoo de um cuidado especial nos plantios, cujo cultivo deixaria ento de ser,
por razes bvias, natural. Percebe-se, neste paradoxo, a possibilidade nada remota de que o capitalismo passe a ser considerado cada vez mais natural, enquanto suas alternativas sejam consideradas artificialidades.
28. Esse conceito de pureza extremamente interessante, pois implica no somente uma ausncia de pesticidas, mas tambm uma subsequente falta de germes e insetos. Ningum compraria tomates orgnicos a redundncia do adjetivo j nos fala de sua qualidade imaginria se estivessem livres de produtos
qumicos, mas cheios de parasitas. Da mesma forma, o tomate deve estar livre
de outras pragas, como as mudanas bruscas de temperatura ou as deficincias
do solo. Quer dizer, para conseguir a pureza os produtos devem estar livres no
somente de agentes artificiais quo artificial um nitrato? , mas tambm
naturais insetos, clima.
29. At agora me limitei a buscar exemplos entre os produtos mais diretamente
ligados com a natureza, como os vegetais, mas no devemos esquecer que as
lojas naturalistas esto repletas de outros produtos altamente industrializados
que levam a etiqueta de naturais e que vendem precisamente por isso. Existe,
como sabemos, uma crescente indstria de produtos naturais com benefcios
nada desprezveis.
30. O fenmeno tem implicaes mais amplas: o terceiro mundo est recebendo
produtos que foram rejeitados faz tempo pelos padres ocidentais.
31. evidente que nesta imagem confluem as ideias de artificialidade e naturalismo de que cuja dialtica acabo de falar. Considere a respeito o caminho que
distancia o jardim romntico das praas de cimento e concreto de Barcelona,
cujo design foi premiado em Oxford. O jardim (sempre a imagem de um determinado conceito de natureza) neste caso adquire tons de artificialidade o ci-

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mento para refletir o desejo de limpeza e durabilidade exigida pela antiga
natureza, uma recordao nostlgica: uma imagem.
32. Nos Estados Unidos, a coleta de lixo privada: se pagar, recolhe-se o lixo
diariamente, caso contrrio, o servio bsico, tambm pago, feito uma vez por
semana. As ruas dos bairros ricos no esto mais sujas por isso, pois as pessoas
possuem trituradores nos sistema de esgoto ou sofisticadas prensas de lixo. J
nos bairros mais pobres, a sujeira mais visvel. De toda forma, a esse nvel,
como se v, ainda se pode falar em termos sociolgicos e, finalmente, tudo se
resume a uma questo de classes sociais e de administrao pblica. Se entrarmos na questo da degradao da natureza, tudo assume outra dimenso. A
viso se globaliza, e j no se fala mais de poluidores e poludos, mas de
ecossistemas, de troca de fluidos etc. etc.
33. Lendo a reportagem Tal como es (El Pas, revista semanal, 24/2/91, pg. 55),
ficamos sabendo que o artista californiano Tom Van Sant completou, com a ajuda
de um computador e milhares de fotografias, o que se pode chamar de a primeira
imagem do planeta terra sem nuvens. Mas certamente essa Terra vista assim, sem
nuvens, o contrrio: como ela no . Aqui confluem vrios aspectos que j
mencionei: primeiro, a limpeza natural, nesse caso a limpeza das nuvens que, segundo o projeto, poluiriam a viso; em seguida, a necessidade da mediao de
uma mquina, o computador, que permite ver pela primeira vez a terra como ela
ou como deveria ser ; e, por ltimo, a imobilidade que se v exatamente pela
ausncia das nuvens, que constituiriam, se presentes na foto, um sinal da mudana, do movimento. O desaparecimento, tecnicamente obtido, das nuvens, a assepsia
da viso, envolve um consequente congelamento do tempo: essa Terra no a que
gira, que muda, uma Terra imvel, perfeitamente imvel em toda a sua pureza,
de fato a essncia da Terra.
34. No me refiro concretamente a nenhum momento especfico, mas quele
ponto na evoluo das viagens espaciais em que a cativante imagem do nosso
planeta, captada pelas cmeras localizadas nas cpsulas espaciais, comeou a
aparecer na televiso com certa assiduidade. Certamente uma imagem inusitada, tanto do ponto de vista visual como conceitual.
35. O conceito originrio de mile Benveniste, mais popularizado por sua aplicao anlise flmica, originalmente feita por Jean Jacques Miller, so os processos mediante os quais os textos flmicos conferem subjetividade aos espectadores. Kaja Silverman, The subject of semiotics. Nova York: Oxford University
Press, 1983.
36. Um extenso momento que coincide com a valorizao do artificial. Quando
as enfermidades eram consideradas naturais produto da natureza em seu estado mais daninho , deveriam ser combatidas com a cincia e a tcnica. Vale
lembrar que, agora, as enfermidades so consideradas um produto da tcnica
da indstria e suas poluies e busca-se combat-las recorrendo natureza.
Essa mudana deve ser analisada levando em conta a crescente confuso, j
mencionada, entre os conceitos do artificial e a natureza. Sob essa nova luz, nos
daramos conta de que na realidade no se renuncia tcnica quando se apela
para a nova natureza, mas que se transcende. A nova natureza um estado que
nasce da tcnica, falando de outra forma, a tcnica em determinado momento
da sua evoluo acaba por se converter em natural.
37. Assistimos ao nascimento de um mito que d lugar a cultos bem concretos,
sobretudo em lugares to desenvolvidos como a Califrnia (pensamos na New
Age e outros movimentos de tipo mstico-ecologista), mas que responde a uma
sensao geral que impregna, sobretudo, a maneira como a sociedade do capita-

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lismo tardio se enfrenta com a natureza. Aclaro, no obstante, que o fato de


enfocar o nascimento do fenmeno ecologista com esse particular ponto de vista, no quer dizer que minha postura diante as suas reivindicaes seja negativa
ou impertinente. Penso que se trata de duas coisas distintas, e que a pilhagem do
planeta pelos mecanismos predadores do capitalismo absolutamente real; e
mais, me atreveria a adicionar que esta nascente mitologia, como todas as outras, o que faz mascarar precisamente o fenmeno de base, que nem mais
nem menos a destruio da natureza em benefcio das multinacionais.
38. O mito, uma vez definido, pode alcanar diferentes nveis de radicalidade e,
portanto, pode-se considerar que a viso objetiva e distante de nosso planeta
equivale a uma separao ente a me natureza e seus filhos. Uma separao
associada entrada da humanidade no seu perodo de maturidade. Quero salientar que esse pensamento pode ser alegrico, no sentido de que se articula
dentro de uma estrutura fechada, mediante a utilizao de imagens de segunda
mo. Tambm interessante assinalar que esse nvel de mito poderia ser, sem
dvida, aproveitado pela teoria analtica lacaniana, para tirar saborosas concluses, pois nele que encontramos os elementos necessrios da me e do filho
(ou filha) e o espelho. Gostaria de aproveitar a ocasio para distanciar-me de
anlises desse tipo, em que os conceitos deixam de ter o valor de representaes
mentais dos sujeitos, ou seja, mecanismos simblicos que orientam a ao, para
passar a entender como fenmenos estritamente naturais que, no caso de Lacan,
como tambm de Freud, mais idealista, extrapolam muitas vezes alm do indivduo. Quero deixar claro ento a distino que fao entre fenmenos interpretados como naturais, mitologizados, e a materializao dos mitos, convertidos em
mecanismos fsicos. Uma coisa afirmar que a relao da pessoa com as imagens suscita determinadas estruturas de interpretao do mundo; e outra muito
distinta propor a existncia destas estruturas ou de outras similares como um
fato absoluto, que no mais que simplesmente um passo natural da evoluo
do Eu como seria o caso do estdio do espelho lacaniano , mas tambm
antropoformizando o social atravs de atribuies de categorias que em todo
caso so individuais. Quando afirmo, por exemplo, que nosso inconsciente se
exteriorizou e, portanto, se materializou, estou falando de um mecanismo histrico provocado pela evoluo das imagens que no tem outro significado que a
sua relao com a pessoa e que foi aproveitado consequentemente por determinada indstria cultural em processos cada vez mais conhecidos de engenharia
da conscincia. No estou fazendo nem uma interpretao absoluta da evoluo
social nem da formao da personalidade.
39. Siegfried Kracauer, The Cult of distraction: on Berlins Pictures Palaces, in
New German Critique 40 (inverno de 1987).
40. Paolo Marconi, La citt come forma simbolica (studi sulla teoria dellarchitettura
nel rinascimento). Roma: Bulzoni Editore, 1973.
41. Recordemos o paradigma criado em torno do tema da relao entre o homem e o cosmo atravs dos conceitos de microcosmos e macrocosmos que, embora mais antigos, adquirem a partir do Renascimento e por meio do
neoplatonismo a sua mxima expresso.
42. O possvel entendimento da perspectiva como uma viso, uma construo,
masculina, do espao, no quer dizer que tenha que ser a nica construo masculina possvel, nem tampouco que esgote completamente as possibilidades expressivas da poca; tampouco tem por que esgotar, esta interpretao, no sentido da tcnica da perspectiva.
43. Jean Delumeau, La reforma. Barcelona: Editorial Labor, 1967. Delumeau

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no o responsvel por esta interpretao, mas s de alguns pressupostos factuais
distintos dos meus.
44. Alexandre Koyr, Del mundo cerrado al universo infinito. Mxico: Siglo XXI
Editores, 1979.
45. Delumeau, op. cit. pg. 270.
46. Durante esse perodo, essas tarefas eram da responsabilidade dos pregadores. As imagens do romnico e do gtico eram apenas ilustraes das referncias tericas dos pregadores, sem conter em si uma retrica como mecanismo
prprio.
47. Emblemas regio polticos, de Juan de Solorzano, edicin a cargo de Jess
Mara Gonzlez de Zrate. Madrid: Ediciones de Tuero, 1987 (pg. 189).
48. Michel Ragon. Historia mundial de la arquitectura y el urbanismo modernos.
Barcelona: Editorial Destino, 1979, pg. 80.
49. Ragon, op. cit., pg. 82.
50. Nesse sentido interessante a obra de Colleen McDannell y Bernhard Lang,
Heaven. New Haven: Yale University Press, 1988. Mas o filme de Diane Keaton,
Heaven (1988) no est isento de interesses, para se aproximar de uma radiografia da imaginao contempornea.
51. Alexander Koyr. Del mundo cerrado al universo infinito. Mxico: Siglo XXi
Editores, 1979, pg. 9.
52. Ser possvel fazer uma comparao entre os regulamentos de Ignacio de
Loyola e a forma e utilizao destas mquinas? Fica pendente a resposta at
uma reviso, nesta nova luz, do livro de Roland Barthes Sade, Fourier, Loyola.
53. Alguns podem crer que essa afirmao colocar Marx de cabea para baixo e
deixar Hegel como estava. Aconselho a no se precipitar. A relao entre estruturas e superestruturas complicou-se enormemente nos ltimos 50 anos e, se bem
que a afirmao de que os meios materiais de subsistncia condicionam a conscincia da realidade segue sendo vlida, j no to fcil acreditar que esses meios
materiais estejam limpos de p e da palha da conscincia, especialmente quando
est cientificamente manipulada. Ao longo desse estudo, procurei fazer uma distino entre o mundo material (do qual nossa civilizao foi afastada pouco a
pouco) e a percepo deste mundo, que pode ser mltipla e mutante. Os novos
meios de produo que durante o Renascimento atingiram o auge frente ao antigo
regime feudal, contriburam para desenvolver uma nova viso do mundo, de que a
perspectiva visual dava conta. Mas tambm verdade que as tcnicas da perspectiva por si s criavam uma nova organizao conceitual do espao que ficou somente na conscincia at o momento em que sua presso conseguiu materializarse em uma forma que ia mais alm de uma simples viso em perspectiva, criando
uma verdadeira perspectiva fsica, uma acomodao dos volumes segundo esse
tipo de organizao.
54. Note-se que a materializao de um determinado espao, na nossa era das
imagens, supe de fato uma desmaterializao do espao material. Ou seja, que
a concretizao do espao hipntico na realidade virtual marca o incio da dissoluo eletrnica e definitiva da realidade fsica.
55. As imagens, desde a fotografia at a computao grfica, passando pelo cinema e vdeo, cada vez mais vem ganhando autonomia. Desde as primitivas fotos que precisavam de um tempo grande de revelao at a instantaneidade do
vdeo h um longo caminho. A computao grfica no est totalmente desenvolvida e, portanto, no se pode decidir que oferea nenhuma vantagem com

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relao ao vdeo na questo de instantaneidade, mas sim no que se refere


plasticidade. A computao grfica um vdeo ativo que no precisa de uma
realidade de base como ponto de partida, pois ela cria a sua prpria. A RV constitui, pois, o passo seguinte: a criao de uma realidade com a instantaneidade
que o vdeo utiliza para reproduzir a realidade fsica.
56. Novamente temos que nos referir a Philip K. Dick. Em um dos seus primeiros romances, Eye in the Sky (1957), o protagonista penetra em quatro realidades diferentes pertencentes a distintas personalidades psicticas. Cada um dos
episdios regido pela lgica da personalidade correspondente (materializada
em um determinado mundo). o mais parecido que se pode encontrar ao que
fornecido pela RV.
57. Karin Ohlenschlager, Entre sueos digitales y mundos virtuales, Cinevideo
20, no. 68, oct. 1990 (pgs. 30-35).
58. Sou consciente de que estou misturando nveis conceituais distintos: a televiso um meio e a publicidade uma linguagem muito especfica. Mas no acho
que seja demasiado arriscado tratar, ainda que de forma provisria, a televiso
como linguagem e a publicidade como meio, e ambas como instituies.
59. O fenmeno se ampliaria no momento em comessemos a estudar o papel
das fundaes no desenvolvimento da arte contempornea, e a vinculao de
muitas destas fundaes com a indstria.
60. Pensamos nos avies F-18 cujo design ultramoderno criou tanta fascinao
entre o pblico, e no somente o americano, nos fazendo esquecer de sua capacidade mortfera.
61. Enric Satue, El diseo grfico. Madrid: Alianza Editorial, 1989.
62. Para a tese aparentemente oposta, ver os trabalhos j clssicos de Jean-Louis
Comolli (Technique and ideology: Camera, perspective, depth) e Jean-Louis Braudy
(Ideological effects of the basic cinematograpluc Apparatus), Philip Rosen, Narrative,
apparatus, ideology. Nova York: Columbia University Press, 1986 que tentam
provar que o aparato cinematogrfico reflete em sua constituio estrutural a
ideologia do capitalismo. Eu mesmo, nos primeiros captulos do livro La Violacin
de la Mirada, deixei registrado que o meio cinematogrfico, a estrutura desse
meio era consequncia direta da reorganizao da sociedade mundial que se
origina com a internacionalizao do capitalismo atravs das companhias
multinacionais. Mas continuo acreditando que uma coisa que certo descobrimento revela na sua estrutura as caractersticas de uma viso de mundo que
esto em suas razes, e outra, muito distinta, de que o descobrimento feito
como consequncia de programas, necessidades e interesses diretamente ligados a uma corporao. Lembremos que foram as grandes produtoras cinematogrficas que se formaram ao sabor do vento do desenvolvimento do meio cinematogrfico e no o contrrio. O exemplo mais concreto se pode encontrar sem
dvida, na RV, a qual, ao contrrio do cinema, surge de uma concreta necessidade industrial.
63. A fotografia e o cinema na sua forma definitiva tambm resultaram do desenvolvimento de vrias pesquisas individuais e isoladas, mas a verdade que
nenhum dos dois precisou da incluso no meio coorporativo para poder desenvolver sua linguagem prpria. As cmaras fotogrficas de hoje, apesar dos vrios aperfeioamentos, so basicamente iguais s primitivas e com elas no se
pode conseguir nada que no est predefinido nelas. No caso do cinema, ainda
que seu desenvolvimento esteja comprometido com a grande indstria, privada
ou estatal, todas as suas possibilidades estavam contidas no trabalho dos pioneiros, como o caso de Mlis, entre outros que comprovam. Que no foi assim

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com a televiso, que nasceu como possibilidade aberta, como plataforma, que as
grandes corporaes foram moldando ao seu gosto.
64. O espao barroco, o espao neoclssico, entre outros, eram a seu modo uma
realidade induzida. A diferena com a RV que agora nos ocupa no est no fato
de que esta realidade seja virtual, enquanto as outras alcanam a plena
fisicalidade, j que a virtualidade da realidade eletrnica um componente
estilstico da mesma e no uma deficincia.
65. A maioria das informaes referentes RV foi copilada a partir de minhas
anotaes durante as conferncias realizadas no Instituto Americano de Barcelona, durante a Art Futura 1990, assim como do programa do festival editado
pela Prefeitura da cidade. A informao a respeito dos outros tipos de espaos e
questes relacionados provm das apresentaes realizadas no Centre dArt Santa
Monica de Barcelona, durante el Art Futura 1991.
66. No esqueamos que, durante a Guerra do Golfo, os norte-americanos fizeram valer sua superioridade tica e tcnica. De fato, o prprio presidente Bush
fez essa comparao quando, durante o discurso sobre o Estado da Unio em janeiro de 1991, disse que seu pas o nico em todo o mundo que tem uma estrutura moral e os meios adequados para dirigir as foras de paz. Logo se viu
que o envio das foras tcnico-militares tambm se pretendia e de fato se conseguiu capturar a imaginao de milhares de cidados de todo o mundo que,
nostlgicos dos videojogos e outros gadgets, no puderam evitar cair na armadilha.
67. A fora area americana est desenvolvendo o projeto de uma cabine de
avio em que o piloto poder dispensar da viso direta do exterior. Esta viso
ser substituda por imagens do espao real, processadas por computador. Espera-se que o piloto possa chegar a apontar a arma apenas olhando o alvo (a imagem do mesmo no monitor). Sebastin Serrano, Nuevas tecnologas permiten
vivir en irreales mundos de ordenador, El Pas, 17/1/90, Suplemento Futuro (pg.
3). Recordemos do ditado onde ponho o olho, ponho a bala.
68. O psiquiatra Lpez-Ibor manifestou em uma entrevista pelo rdio de uma
emissora sintonizada ao acaso, e que, portanto, no consegui identificar, que se
a sade do corpo se manifesta mediante um silncio do mesmo, quer dizer, a
ausncia de qualquer manifestao corporal que faa notar a existncia desse
corpo, a sade mental requer tambm um silncio equivalente. Este silncio no
parece ser outra coisa seno a ausncia do pensamento, e isso seria comparvel
a uma patologia. Uma pessoa s seria, seguindo esta lgica, a que no pensasse,
aquela que se expressasse somente atravs da ao. Vale lembrar que este um
dos mais queridos pressupostos do pragmatismo filosfico americano e da sua
sequela psicolgica, o behaviorismo. No de estranhar que a RV surja e se
desenvolva nos Estados Unidos, que, como vimos, no a consequncia de um
desenvolvimento natural da tcnica, mas a materializao de elementos ideolgicos que esto na base dessa sociedade.
69. No final das contas, o mesmo ocorre hoje com as revistas de fofocas. No
estou fazendo piada: isso significa que o projeto vem satisfazer de forma absoluta uma necessidade j estabelecida.
70. Wilhelm Reich, Anlisis del carcter. Buenos Aires: Ed. Paids, 1965.
71. A cirurgia plstica poderia ser considerada um antecedente da RV ou progresso dela. Sem dvida, existem diferenas fundamentais entre as duas tcnicas; entre elas o que separa uma questo de grau. A cirurgia plstica como a
arquitetura ou o design atua sobre uma parte da realidade e permite, portanto,
um controle sobre a mudana. A RV significa, pelo contrrio, a substituio ab-

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soluta de uma realidade por outra. No seria como ver um amigo com o rosto
mudado por uma operao esttica, mas como entrar na mente de quem procurou essa mudana.
72. Lembremos da viagem a Marte de Schwarzenegger em O Vingador do Futuro, filme baseado num conto muito mais interessante do inevitvel Philp K. Dick,
We can remember all for you. O resto do ano, s fica a cidade. A cidade que est
se convertendo em um lugar inspito. Uma declarao que concreta em alguns
pases industrializados e na maioria dos ps-industrializados, em especial naquele que o espelho do mundo: A Amrica do Norte.

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CIDADE, PAISAGEM,
FOTOGRAFIA,
EMBLEMAS
Dulcilia Helena Schroeder Buitoni

Dentro do grande tema imagem e cidade, a proposta discutir conceitos espaciais de cidade e paisagem para serem aplicados reflexo sobre a fotografia jornalstica. Em forma de ensaio, articularemos conceitos de geografia e arquitetura com reflexes de estudos
visuais, procurando aproximar a pesquisa de imagem a outras reas
de saber. Autores como Milton Santos e Lucrcia DAlessio Ferrara
entram em dilogo com textos de Pepe Baeza e Josep Catal, entre
outros, na procura de elementos terico-metodolgicos. A
contraposio construes urbanas/paisagem permitiu analisar representaes emblemticas recorrentes do Rio de Janeiro e So Paulo
na revista Veja; a questo do esteretipo tambm foi abordada.
Fotografia, espao e cidade
Assim que a fotografia comeou a se disseminar no mundo
ocidental, as cidades se tornaram imediatamente objeto dos fotgrafos. Afinal, construes, ruas, jardins e monumentos eram o
entorno em que fotgrafo e cmera se situavam. Pessoas tambm
eram registradas, mas fotografia primeiramente espacial. Representadas em desenhos e gravuras, as cidades j vinham sendo acompanhadas de todo um imaginrio figurativo. Quando a fotografia
surgiu, muitas cidades tinham consolidado determinadas imagens
que sintetizavam sua identidade visual.

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Pretendemos apontar razes da escolha de certos recortes


emblemticos de uma cidade, por parte da imprensa. Por que a
primeira imagem de Paris a Torre Eiffel? Por que Londres o Big
Ben, Nova York o Empire State ou a Esttua da Liberdade? Por
que So Paulo o Copan e o Rio o Po de Acar ou o Cristo
Redentor? Por que o Rio mais paisagem e So Paulo arranhacu ou a Avenida Paulista? No faremos uma arqueologia da construo simblica de imagens identificatrias, mas buscaremos articulaes em pocas mais contemporneas. Tampouco trabalharemos com as noes de clich todos os exemplos anteriores so
clichs. Sero discutidos alguns conceitos que auxiliem a compreenso da fotografia jornalstica que tem como propsito identificar
uma cidade por meio de certas configuraes facilmente reconhecveis. De incio, a perspectiva escolhida observar na imagem
publicada se h predomnio de natureza ou de edificao urbana.
Para analisar fotografia jornalstica e a cidade, importante distinguir os elementos que so selecionados para o recorte que visa uma
identificao imediata. Nesse sentido, diferenciar componentes do
urbano pode ser um caminho de reflexo na relao fotografia/
cidade. Nos jornais e revistas, por que algumas cidades so fundamentalmente paisagem e outras so edifcios, igrejas, monumentos? Quais so os focos preferenciais do fotojornalismo que busca
representar cidades?
At um fotgrafo cego tem inscritas em sua memria determinadas imagens de cidade. Evgen Bavcar, cego desde os 11 anos,
fotografa pessoas, paisagens, monumentos, cenas. Ele diz:
Percebi o Rio e seu grande Cristo chegada, como vi
certa vez num livro amarelado. Essa imagem quase esquecida veio tona quando R. indicou-me a direo do
grande Redentor. (...) Em So Paulo, quis visitar uma
plantao de caf dissimulada junto aos prdios recmconstrudos que aambarcam os campos verdes de outrora (Bavcar, 2003: 79).

Este trabalho faz parte de uma ampla pesquisa sobre imagem


e cidade, que vem sendo desenvolvida nos ltimos anos. As imagens do Rio de Janeiro e de So Paulo publicadas em revistas nas

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CIDADE, PAISAGEM, FOTOGRAFIA, EMBLEMAS


dcadas de 1950 e 2000 constituem o objeto principal e j foram
analisadas em artigos anteriores. No entanto, inquietaes que
talvez deveriam ter sido preparatrias foram aparecendo no decorrer da pesquisa, durante a anlise de uma amostragem j bastante numerosa. Como o urbano tratado pelo fotojornalismo?
Como a paisagem mostrada? Mais distines se fazem necessrias, entre a paisagem relacionada natureza e a imagem urbana,
que retrata os equipamentos construdos pelo homem. Do mesmo
modo que Margarita Ledo (1998: 66), acreditamos que a fotografia de imprensa e a foto documental no podem se separar da construo do olhar atravs da mimese e do efeito-realidade.
Jornais e revistas operam com recortes seletivos de fragmentos de espaos da cidade. No caso de fatos jornalsticos especficos,
so fragmentos que servem de cenrio ao. Porm, quando a
matria pede uma imagem mais emblemtica, esses recortes tendem a fixar determinadas imagens que trazem forte carga simblica construda ao longo de dcadas ou mesmo sculos.
Charles Monteiro (2006: 12) aponta que os primeiros trabalhos sobre histria, fotografia e cidade no Brasil remontam aos anos
de 1970; entre eles est o mestrado de Boris Kossoy em 1978, sobre
a documentao fotogrfica de So Paulo feita por Milito Augusto
de Azevedo. Monteiro
tambm cita pesquisas de
Jornais e revistas
Ana Maria de S. A.
operam com recortes
Mauad (1990), Miriam
Moreira Leite (1993),
seletivos de fragmentos
Annateresa Fabris (1997)
de espaos da cidade,
e Rubens Fernandes Jr.
(2002), entre outros. imagens com forte carga
Quase todos os autores
simblica constituda ao
que defendem critrios
de classificao das imalongo dos anos
gens sugerem que devam
ser constantemente revisados, apesar de que, segundo Baeza (2001: 28-29), a crescente
complexidade da comunicao de massas e o desdobramento em
novos usos e aplicaes da imagem oferea interseces complexas

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e categorias difceis de situar. Para ele, ensaiar formas de classificar as imagens contemporneas uma maneira de preservar a funo crtica frente proeminncia de seus usos persuasivos. Essa
tarefa no uma mera formalizao pois:
(...) estabelecer classificaes a melhor maneira de sublinhar a singularidade de cada tipo de imagem e,
consequentemente, de opor-se uniformizao do gosto que , em definitivo, o mais sutil e depurado mecanismo de controle de mercado. Essa uniformizao se estabelece assim sobre o empobrecimento que provocam
essas frmulas rgidas que chamamos esteretipos e que,
como indica Adorno, definem o modelo de comportamento do espectador, por cima do questionamento dos
contedos especficos (Baeza, 2001: 29).

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No basta, portanto, mapear os elementos espaciais de uma


fotografia; precisamos indagar sobre a construo de visualidades
urbanas e sobre conceitos definidores de espao. Milton Santos
aponta caminhos:
Para interpretar corretamente o espao preciso descobrir
e afastar todos os smbolos destinados a fazer sombra nossa
capacidade de apreenso da realidade. Isto quer dizer
que no suficiente tentar interpretar diretamente a paisagem nos seus movimentos, nem trabalhar exclusivamente
levando em conta os elementos que a compem (Santos,
2012: 59).

Caractersticas fsicas plasmadas com simbolismos sempre esto nas fotografias que captam cidades e, mais ainda, nas que buscam claramente acentuar uma identidade urbana.
Espaos: construo e paisagem
Para trabalharmos sobre a escolha de imagens que representem uma determinada cidade, a diferena entre espao e lugar for-

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nece pistas metodolgicas. Lucrcia DAlessio Ferrara (2007) recorre distino feita por Milton Santos, que aponta razes para
que um determinado espao se transforme em lugar. O meio ecolgico, instituies, infra-estruturas e a utilizao feita pelos homens so variveis que permitem a concretizao do lugar. Nesse
sentido, Lucrcia utiliza os termos espao e lugar:
(...) para expressar a transformao de um determinado
ambiente urbano que, sob o impacto perceptivo do usurio ateno, observao e comparao , abandona a
homogeneidade que o faz ilegvel e se transforma em
lugar, ambiente de percepo e leitura, fonte de informao urbana (Ferrara, 2007: 38).

muito importante, ento, o papel do observador. A autora


distingue ainda o espectador e o usurio urbano:

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(...) de um para outro, h menos uma questo de desenho da cidade ou de sua comunicao visual do que uma
questo de imagem perceptiva, de um juzo valorativo
sobre a cidade; em outras palavras, esse juzo supe a
leitura e a interpretao daquele fragmento urbano selecionado a partir da dominante estrutural escolhida
para nortear a leitura (Ferrara, 2007: 39).

Queremos aqui reforar as diferenas entre o espectador o


no habitante da cidade, que pode ser o leitor que vive em outras
localidades e o usurio que vive naquele espao urbano. As duas
percepes acabam interagindo quando transpostas para um meio
impresso ou digital: o leitor de outra cidade identifica caractersticas que j reconhece de publicaes passadas; por sua vez, o usurio tambm se contagia por antigas representaes j consolidadas, ao mesmo tempo em que contribui para transformaes de
interpretao.
Num artigo sobre fotografia e histria, Ana Maria Mauad
(2004), distingue cinco categorias espaciais: o espao fotogrfico, o

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espao geogrfico, o espao do objeto, o espao da figurao e o


espao da vivncia. Interessa-nos aqui a distino entre o espao
fotogrfico recorte espacial processado pela fotografia , que inclui a natureza do espao, como est organizado pelo olhar do fotgrafo; e o espao geogrfico, que compreende o espao fsico
representado pela fotografia: locais retratados, oposies cidade e
campo, espao interno e externo. Os atributos da paisagem esto
contidos no espao geogrfico. Enquanto o espao fotogrfico
corresponde ao plano da expresso, o espao geogrfico corresponde ao plano do contedo.
O dilogo com Milton Santos e Lucrcia Ferrara avana no
sentido de considerarmos a paisagem como pertencente tanto ao
plano da expresso quanto ao plano de contedo. Os elementos
fsicos do espao plano do contedo so continuamente modificados pela ao humana, fator que j envolve o plano da expresso. Porm, o plano da expresso manifesta-se principalmente pela
ao do fotgrafo e pela edio praticada pelos editores de imagem, dentro do contexto da proposta editorial daquele veculo
miditico. Milton Santos mostra a interao entre os objetos naturais e os objetos sociais. Um centro urbano de negcios, uma periferia urbana, uma regio produtora de caf, tudo isto so paisagens, formas mais ou menos durveis, no dizer de Milton Santos
(2012: 53). Para ele, a paisagem compreende dois elementos: os
objetos naturais, que no so obra do homem; e os objetos sociais,
testemunhas do trabalho humano no passado e no presente. Assim, a paisagem nada tem de fixo ou de imvel:
Cada vez que a sociedade passa por um processo de
mudana, a economia, as relaes sociais e polticas tambm mudam, em ritmos e intensidades variados. A mesma coisa acontece em relao ao espao e paisagem
que se transformam para se adaptar s novas necessidades da sociedade (Santos, 2012: 54).

Mesmo que habitemos cidades em constantes transformaes,


com desconstrues e construes, h uma tendncia da mdia em
fixar imagens emblemticas. Todavia, importante considerar a paisagem em termos da mudana de seus objetos sociais. Ainda que uma

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imagem seja selecionada para indicar determinada cidade, precisamos pensar nas camadas de tempo que configuraram esse espao:
Considerada em um ponto determinado no tempo, uma
paisagem representa diferentes momentos do desenvolvimento de uma sociedade. A paisagem o resultado de
uma acumulao de tempos. Para cada lugar, cada poro do espao, essa acumulao diferente: os objetos
no mudam no mesmo lapso de tempo, na mesma velocidade ou na mesma direo (Santos, 2012: 54).

A definio de paisagem sempre apresentou dificuldades aos estudiosos de geografia, filosofia, histria e arquitetura, entre outras.
Muitos autores consideraram a paisagem principalmente pela matriz
da natureza. Lucrcia Ferrara (2012: 44) nos diz que indispensvel
operar/produzir a evidncia dos elementos que a distinguem da natureza. Assim, a construo cultural que configura e atualiza a natureza como paisagem precisa ser evidenciada, ainda mais se trabalhamos com representaes miditicas. Se a imagem publicada de uma
cidade privilegia aspectos da natureza ou do urbano, reflexes sobre
comunicao e representao se tornam imprescindveis.
A paisagem corresponde a uma forma visual da
materialidade urbana, mas construda pelo imaginrio
que se amplia em mltiplos contornos. Nessa expanso,
atinge a complexidade de um espao qualificado como
ambiente, onde toda a informao se organiza atravs
de tcnicas, tecnologias, produes, trocas, sentimentos
e vida que, sem distino, se misturam e permitem pensar em uma ecologia da cidade atravs das mdias que a
registram (Ferrara, 2012: 47).

Quando selecionam apenas alguns aspectos da cidade para


torn-los signos identitrios, as revistas contribuem para reforar e
validar apenas algumas configuraes de uma ecologia que muito mais complexa.

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Paisagem enquanto forma, a imagem corresponde a uma
seleo perceptiva esttica que, de modo espetacular,
produz manifestaes autoidentitrias da cidade, at
transform-las em seus registros emblemticos. Nesse
sentido, a paisagem transformada em imagem da cidade
constitui elemento visual que nutre a cultura urbana e a
torna inconfundvel (Ferrara, 2012: 47).

A autora prope uma semitica da paisagem, em que esta surge como uma configurao da natureza, entendida como representao e signo da natureza:
(...) a paisagem no se confunde com espao, territrio,
meio ou acidentes geogrficos naturais e, muito menos,
com marcas histricas, por mais proeminentes que sejam como sinalizadores do fazer transformador do homem; (...) no se pode confundir natureza, espao, territrio, campo ou cidade como sinnimos de paisagem
(Ferrara, 2012: 45).

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Revistas e jornais tendem a considerar paisagem principalmente pelo aspecto natureza. Esse tipo de paisagem incide principalmente nas construes imagticas sobre a cidade do Rio de Janeiro. Embora a autora trabalhe com conceito de paisagem como forma da materialidade da natureza (Ferrara, 2012: 45), mas modificada pelo homem, h uma relao com a apreenso fugaz:
Na sua densidade visual, a paisagem s pode ser apreendida na fugacidade de um instante; portanto e enquanto
espacialidade que a comunica, a paisagem no tem tempo ou seu tempo falso porque est sempre presente
(Ferrara, 2012: 46).

No caso de paisagens, a no percepo do tempo se sobressai.


As fotos de turismo buscam a intemporalidade; predominantemente
descritivas, exploram paisagens naturais e culturais sem incluir ao

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humana especfica: quase sempre os seres humanos so meros figurantes, no protagonistas. A presena humana em fotografias
pode implicar em narrativa as imagens vencedoras do World Press
Photo sempre tm personagens, sempre pressupem narrativas.
O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim aponta a no naturalidade da cidade:
Pois as cidades no constituem fenmeno natural e
sim atos de cultura, lato sensu. A cidade transforma
o sitio natural. Essa transformao revela um vnculo entre espao e cultura, a meu ver ainda insuficientemente estudado por aqueles que se debruam
sobre a histria das cidades brasileiras (Wilheim,
2011: 21).

As cidades so atos de cultura e a representao fotogrfica


das cidades tambm um ato de cultura. As relaes entre paisagem e seus habitantes so viscerais. Wilheim descreve essa interao:
Na cidade, as atividades das pessoas e da sociedade
como um todo movimentam e animam a paisagem urbana. So, ao mesmo tempo, fruidores da paisagem e
protagonistas de sua criao e transformao. A relao entre pessoas e paisagem inescapvel: ela penetra na sensibilidade e no subconsciente, quando no na
prpria conscincia. Para o bem ou para o mal (Wilheim,
2011: 58).

Paisagem descrio. O texto de um calendrio de 2013, com


paisagens da Toscana clicadas pelo fotgrafo italiano Andrea
Rontini, mostra a busca por essa relao temporal esttica: o tempo se transforma em espao e o espao em beleza absoluta. Obviamente, o que sobressai em suas fotos a esttica. Beleza outro
atributo de paisagens naturais. A no ser em desastres ecolgicos, a paisagem tem que ser bonita; mesmo cobrindo fatos jornalsticos, a mdia se inclina pelo belo.
Todavia, o dispositivo fotogrfico jornalstico pode ir alm.
Lucrcia Ferrara (2012: 46) diz que a ateno semitica exige o
registro que torna evidentes as configuraes visuais mas, alm dis-

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so, capaz de super-lo, a fim de ser possvel perceber a paisagem
como acontecimento comunicativo. As revistas promovem este registro: mas ser que constroem um acontecimento comunicativo? A
fotografia jornalstica e a respectiva edio operam fragmentaes:
Entretanto, sem essas fragmentaes, no h paisagem,
pois ela no se d a conhecer seno nas suas partes e
nas dimenses que a registram. Se de um lado, a paisagem manifestao da atualidade de um cotidiano que,
enquanto tempo vivido, utiliza os dispositivos tcnicos
do registro para se tornar memorvel; de outro, as
tecnologias contemporneas que se concretizam em
fotografias, cinema, vdeo, televiso ou digitalizao lhe
permitem apresentar-se como espacialidade tecnolgica
que lhe concede um tempo de permanncia (Ferrara,
2012: 46).

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No mbito deste artigo, focalizaremos cidades identificadas


com a paisagem, em especial a cidade do Rio de Janeiro. So Paulo
identificada com prdios, geralmente prdios altos, como o Banco do Estado, o Edifcio Itlia e o Edifcio Copan, este com grande
predominncia, inclusive em aberturas de telejornais. O Copan
remete a uma modernidade arquitetnica, a uma noo de poderio
de uma grande metrpole. A Avenida Paulista tambm um cone
da vitalidade industrial e financeira. No esqueamos que a
verticalidade est ligada a poder. Apesar de So Paulo ainda ser
uma cidade de predominncia territorial de casas, a imagem recorrente de uma cidade plena de grandes edifcios.
O ltimo cone de So Paulo a Ponte Estaiada sobre o Rio
Pinheiros, que representa um vigor cientfico e tecnolgico So
Paulo uma cidade desenvolvida, construda sobre uma paisagem
natural, desvalorizada e pouco percebida como natureza. Essa imagem vem sendo fixada principalmente pela TV Globo, que tem instalaes prximas a ponte o cenrio de fundo de telejornais locais, transmitidos de uma torre envidraada. A Ponte Estaiada foi
adotada pela revista Veja [figura 1], que publica a imagem no sumrio, para indicar a matria especial sobre a metrpole paulistana.

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Figura 1. Revista Veja, 28/05/2008, pg. 8.

Cidades-paisagem
Se Milton Santos (2012) nos diz que a paisagem resultado
de uma acumulao de tempos, a utilizao pela mdia de uma paisagem que h muito est no imaginrio brasileiro e ocidental talvez seja ndice de estagnao. As mudanas das relaes sociais e
polticas, as mudanas do meio ambiente que se refletem na configurao do espao e que deveriam ser registradas por uma foto
jornalstica permanecem ocultas, como se aquela paisagem tivesse uma permanncia acima dos fatos. Assim, o Rio de Janeiro, identificado com a Baa de Guanabara, aparece numa foto de sumrio
na revista Veja [figura 2], quase como uma cena intemporal.
Essa identificao cidade-paisagem um recurso discursivo
facilitador, porque permite o reconhecimento imediato. Nesse sentido, mais aceitvel ser escolhida para indicar uma determinada
cidade no sumrio, que necessita velocidade de navegao. Mas
essas mesmas fotos esto presentes no corpo da matria. Alm disso, outras imagens perseguem o elemento paisagem como
identificador do Rio de Janeiro.

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Figura 2. Revista Veja, 20/04/2005, pg. 8.

to grande a fora paisagstica que recortes fotogrficos do


Rio de Janeiro quase sempre buscam tal configurao. Em matrias que tratam do crescimento de favelas, a paisagem surge como
elemento de comparao e contraste [figuras 3 e 4]. Na edio da
Veja de 10/01/2007, uma grande reportagem sobre o Rio mostra a
paisagem emblemtica numa pgina sobre Crime a foto da favela da Rocinha tem o ttulo Trfico com vista para o mar.
Em termos jornalsticos, as duas imagens apontam para a interveno humana, no se limitando a usar a paisagem apenas como
fator identificatrio. Desse ponto de vista, essas fotos apresentam
um ganho de informao.
Imagens preferenciais, imagens reflexivas, interfaces cognitivas
Ao analisarmos as formas de expresso e as formas de contedo das imagens de cidade em mdias impressas, devemos refletir a
respeito de escolhas e direcionamentos. As cidades no so simples
cenrios; Milton Santos chama a ateno para o carter simblico:

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Figura 3. Revista Veja, 20/04/2005, pg. 99.

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Figura 4. Revista Veja, 10/01/2007, pg. 52.

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As formas em si mesmas, isto , os objetos geogrficos,
deixavam de ter um papel exclusivamente funcional. As
coisas j nascem prenhes de simbolismo, de
representatividade, de uma intencionalidade destinados
a impor a ideia de um contedo e de um valor que, em
realidade, elas no tm. Seu significado deformado pela
aparncia (Santos, 2012: 58-59).

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Se a finalidade da revista apenas uma identificao imediata, a publicao da foto de paisagem pode se justificar. No entanto,
o fotojornalismo deveria buscar mais contedo e mais expresso.
Giovana Emos da Luz (2010) considera que a cultura figurativa
exerce uma funo proeminente na concepo de cidade: a cultura figurativa incentiva o pensamento visual (...) concretiza a identidade entre imagem e imaginrio coletivo/social porque estimula a
ao da imaginao. Representaes de cidades brasileiras algumas ainda em formao comearam a ser fixadas j no sculo
XIX, pelos viajantes europeus, como o francs Debret, os holandeses Albert Eckout e Frans Post e o alemo-austraco Rugendas.
Esse olhar europeu civilizado sobre as novas terras muito possivelmente contribuiu para que a paisagem tivesse tanta fora na configurao desses ncleos habitacionais.
No podemos esquecer-nos de um poderoso instrumento de
expresso e fixao de imagens citadinas, o carto-postal. Lanados na Europa na segunda metade do sculo XIX, os cartes-postais na verdade um novo suporte de correspondncia via correio
disseminavam representaes urbanas e de natureza. Alm da
comunicao verbal entre pessoas, a imagem fotogrfica trazia informaes a respeito do espao em que as pessoas viviam e muitas
vezes da histria que o impregnava. O novo formato podia ser remetido, guardado, colecionado, exposto; houve uma verdadeira
expanso comunicativa da fotografia. A crescente urbanizao ocidental contribuiu para que mais e mais cenas de cidades fossem
tematizadas, num ambiente em que edifcios, avenidas e monumentos eram signos de progresso comercial, industrial e cultural. Os
postais tambm comearam a ser usados como publicidade por
empresas e lojas edifcios, produtos e outros indcios urbanos eram
postos em circulao.

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Os cartes-postais tiveram intensa divulgao nas primeiras dcadas do sculo XX. Suas cenas emblemticas influenciaram a representao que aparecia nas revistas ilustradas; os avanos tcnicos permitiam que mais e mais imagens fotogrficas fossem publicadas em
cada edio. At hoje, cartes-postais, calendrios e edies comemorativas reproduzem imagens citadinas que continuam a frequentar as
pginas da mdia, no circuito incessante do consumo:
Porm, essa paisagem sempre registro de imagem vendida como mercadorias e fetiches que se apresentam
como esteretipos do todo do qual fazem parte: tal o
caso da paisagem urbana que, na dimenso
fenomenolgica das cidades mundiais, reconhecida
como metonmia turstica nas distintas dimenses que
vo dos preparativos da viagem aos registros das paisagens visitadas (Ferrara, 2012: 46).

As imagens emblemticas de paisagem aproximam-se das imagens publicitrias porque, como diz John Berger (1999: 155), a
publicidade , na essncia, desprovida de acontecimento. Ela se
estende at onde nada mais est ocorrendo. Para a publicidade,
todos os acontecimentos verdadeiros so excepcionais e s ocorrem com estranhos. Assim, as fotografias de paisagem, principalmente quando querem apontar para a identificao, no se relacionam a acontecimentos. Melhor dizendo, no envolvem narrativa, no pressupem um antes e depois, no pressupem aes.
Continua Berger (1999: 155): situada num futuro permanentemente diferido, a publicidade exclui o presente e elimina, assim,
todo vir-a-ser, todo desenvolvimento. A experincia impossvel
em seu seio. Tudo que acontece, acontece fora dela.
As imagens emblemticas compartilham caractersticas das
imagens publicitrias. Nesse sentido, quando o Edifcio Copan ou
a Ponte Estaiada representam a cidade de So Paulo, ou o Cristo
Redentor ou o Po de Acar o Rio de Janeiro, podemos dizer que
h uma sntese direcionadora. Na sua obra La imagen compleja,
Josep M. Catal reflete sobre o discurso publicitrio, que considera oposto ao funcionamento da interface, por ele entendida como
modelo mental que se processa atravs da imagem.

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Desde esta perspectiva, a interface e o dispositivo publicitrio se opem, apesar de que ambos provenham de
um mesmo processo comunicacional, posto que enquanto
o dispositivo publicitrio se baseia normalmente na funo mentalizadora da nova disponibilidade, a interface
promove o potencial hermenutico, transformador da
mesma. Do ponto de vista do usurio-observador, a primeira uma funo passiva, enquanto que a segunda
eminentemente ativa (Catal, 2005: 561).

Mais uma vez, trabalhamos com o conceito de imagem complexa como operativo para reflexes sobre fotografia. Assim, a foto de
paisagem poderia ampliar seus significados se no se limitar apenas
ao aspecto natureza, quase sempre nesse vis publicitrio:
De fato, podemos considerar a interface como a imagem
complexa perfeita e neste sentido devemos considerar
que a imagem publicitria e a imagem complexa tambm se contrapem de maneira essencial. A imagem
publicitria busca persuadir manipulativamente, e para
isso deve ocultar, deve simplificar a complexidade por
eliminao, por intensificao de determinados elementos em detrimento de outros etc. A imagem complexa
faz exatamente o contrrio, intenta atuar por meio da
exposio de todos os elementos necessrios (Catal,
2005: 561).

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Cidade concentrao populacional, industrializao, dimenso cosmopolita principalmente metrpoles como Rio de Janeiro e So Paulo. As cidades ajudaram a construir conceitos de pblico, povo, multido, massa, conceitos depois assumidos pelas teorias de comunicao. As visualidades construdas no conseguem,
porm, fugir dos esteretipos. Edificaes e paisagens suscitam esteretipos. Mas esteretipos no devem ser condenados a priori. Para
Baeza (2001: 29), os esteretipos so necessrios como classificaes para impedir o caos cognoscitivo embora sejam empobrecidos

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pela explorao miditica a partir de frmulas que querem, precisamente, impedir uma atitude desperta e crtica (...). Nesse sentido:
Os esteretipos, to negativizados, podem ser um valioso instrumento de economia da percepo das mensagens, sempre que venham acompanhadas de reflexo
sobre o contedo real dessas mensagens e sempre, tambm, que estejam prontos para serem esquecidos ou substitudos. Os esteretipos, assim entendidos, so inclusive um complemento s classificaes (...), contanto que
no sirvam para predeterminar de forma invarivel e rgida o significado que, em funo das circunstncias em
que se produz, difunde e recebe, tem uma mensagem
concreta (Baeza, 2001: 29).

O problema a fixidez, a predeterminao do significado. A


imprensa, por uma questo de economia imagtica, tende a imobilizar determinada construo cultural. Um esteretipo pode ser a
porta de entrada para um pensamento complexo, para a reflexo.
Segundo Catal (2005), a interface o dispositivo que nos estimula
a uma pluralidade de significados diante de uma situao
comunicacional dada:
O que a interface procura fazer-nos conscientes da
multiplicidade de significados, e no s nos permite tomar conscincia dos mesmos mas tambm nos comunica
emocionalmente com eles: pode ajudar-nos a calibrar a
importncia dos significados atravs de uma simbolizao
emocional (Catal, 2005: 584).

A foto jornalstica de cidade no deveria ser nem turstica,


nem publicitria. A cidade como organismo vivo, com seus fluxos
de vida, precisa aparecer. Se puder mostrar algumas das camadas
de significado que a compem, e fazer perceber os olhares do fotgrafo e do processo de edio, permitir o conhecimento, a crtica,
a imaginao.

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REFERNCIAS
BAEZA, Pepe. Por una funcin crtica de la fotografa de prensa.
Barcelona: Gustavo Gili, 2001.
BAVCAR, Evgen. Memria do Brasil. So Paulo: Cosac & Naify,
2003.
BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
CATAL, Josep M. La imagen compleja: la fenomenologa de las
imgenes en la era de la cultura visual. Bellaterra: Universitat
Autnoma de Barcelona; Servei de Publicacions, 2005.
FERRARA, Lucrcia DAlessio. As mediaes da paisagem. Revista Lbero, v. 15, n. 29 (junho 2012). So Paulo: Faculdade Csper
Lbero, 2012, p. 43 a 49.

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FERRARA, Lucrcia DAlessio. Leitura sem palavras. So Paulo:


tica, 2007.
LEDO, Margarita. Documentalismo fotogrfico. Madrid: Ctedra,
1998.
LUZ, Giovana Emos da. A relao entre forma e a funo do espao urbano na composio da imagem das cidades. I Congresso Internacional do Curso de Histria da UFG GO. 28/09/2010 a 01/
10/2010. Acesso ao site http://www.congressohistoriajatai.org/
anais2010/doc%20(26).pdf no dia 16/05/2013.
MAUAD, Ana Maria de S. A. Fotografia e histria: possibilidades de anlise. In: CIAVATTA, M.; ALVES, Nilda (Org.). A leitura de imagens na pesquisa social: histria, comunicao e educao. So Paulo: Cortez, 2004, pgs. 19-36.
MONTEIRO, Charles. Histria, fotografia e cidade: reflexes terico-metodolgicas sobre o campo de pesquisa. Revista Mtis:
histria & cultura v. 5, n. 9, jan./jun. 2006, pgs. 11-23.

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SANTOS, Milton. Pensando o espao do homem. So Paulo: Edusp,
2012.
WILHEIM, Jorge. So Paulo: uma interpretao. So Paulo: Editora Senac, 2011.

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AS CIDADES REAIS COMO


CENRIO PARA A PRODUO
DA FANTASIA NOS MANGS E
ANIMS: GLOCALIZAO E A
PARIS DE NOSSOS SONHOS
Sonia M. Bibe Luyten

Introduo
Nos ltimos anos o que mais tem chamado a ateno de pais,
professores e pesquisadores so grupos de jovens em todos os lugares do mundo que leem mang, assistem anims e jogam games.
Praticamente, o dia todo, muitos jovens falam ou teorizam sobre
suas sries preferidas e at andam com roupas baseadas em seus
personagens. Aos olhos dos mais velhos, estes grupos parecem que
no tem mais nada a fazer do que colocar os anims, mangs e
games no centro de suas vidas. Viciados em anim, mang e games?
Parece que sim. Mas o que h de to especial nestes cones da cultura pop japonesa para que a juventude nipnica e a do mundo
todo sinta este fascnio? Sem duvida h muitos fatores como os
personagens, o enredo, o prprio estilo de desenho alm da internet
fator decisivo e crucial que define a gerao de jovens destes ltimos anos e os faz sentirem conectados com esta poderosa mdia.
O grande segredo, no entanto, a imensa identificao entre
personagens e leitores que tem origem em muitos fatores. Um deles a retratao do cenrio das cidades sejam elas do presente,
passado, futuro, do prprio Japo, do Ocidente ou de um planeta
numa galxia distante. Estes cenrios so meticulosamente produzidos para dar realismo e, ao mesmo tempo, oferecer uma possibilidade de fuga por meio da fantasia.

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1. Cenrios reais para a produo de fantasia


O enredo das histrias de mang ao longo de sua trajetria
passou por uma transformao radical: optou-se por temas diferentes dos ocidentais com mais nfase ao cotidiano japons. A retratao deste cotidiano em imagens teve um efeito poderoso. O
consumo de mang no Japo tem uma de suas bases na estreita e
ntima ligao entre o leitor e os personagens. A identificao entre eles intensa justamente porque os heris e heronas partem
da vivncia direta do leitor, para, em seguida, fantasiar. Os mangs
do nfase ao crescimento da personagem e seu desenvolvimento
no cotidiano. So mostradas suas virtudes, qualidades e as fraquezas para super-las. As histrias glorificam gente normal fazendo
coisas normais com cenrios nas quais se identificam: a escola, a
rua, o bairro ou o interior de suas casas.
O controle do cotidiano no Japo implacvel e chega a ser um
caminho que leva o indivduo a praticar a virtude pelo prprio fato
de estar sendo observado. Se, de um lado os mangs endossam o
controle social, por outro do ao leitor-indivduo uma possibilidade
de fuga por meio da fantasia. Vivenciando na fantasia aquilo que
no pode concretamente realizar na realidade, o leitor encontra no
mang e no anim com as histrias extremamente bem elaboradas
com as quais se identifica um meio comportado de canalizar e extravasar suas emoes. Os heris e heronas representam uma miniatura da vida dos leitores e agem por eles, compensando a falta de
satisfao na vida diria, seja sexual ou empregatcia. A maneira de
agir dos heris e heronas do mang revela tambm traos comuns
do povo japons. Conformismo e auto-sacrifcio so atitudes frequentes no desenrolar das histrias e no cotidiano real. A rigidez moral e
autodisciplina emergem de caractersticas enraizadas como uma herana medieval. que se denomina de yamato damashii, ou seja, o
esprito japons. Ainda hoje, contudo, este esprito pode ser encontrado na multido de homens uniformemente vestidos nos metrs e
trens abarrotados em cada comeo e final do dia de trabalho. Ou nas
pginas dos mangs.
Quanto aos cenrios, os mangs atualmente assemelham-se a
um storyboard cinematogrfico. Isto , as imagens grficas so organizadas como uma srie de ilustraes ou imagens arranjadas

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em sequncia com o propsito de pr-visualizar um filme, animao ou grfico animado. Existem mais linhas de movimento, linhas
faciais simples, mas expressivas.
Portanto, qualquer ponto de partida de uma anlise ou observao de cenrios de anims preciso primeiro falar sobre mang.
A passagem dos quadrinhos para a animao no Japo ocorreu de
forma mais harmnica, em contraste com as adaptaes aproximativas e tardias dos quadrinhos americanos e europeus.
2. Akogare no Paris a idealizao de cidades europeias
A arte de fundo acrescenta uma dimenso de realismo ao
mang. Os desenhistas fazem um estudo de fotografias de paisagens, cidades e construo de interiores. Fazem esboos de vrias
verses, simplificando edifcios e prestando ateno para as sombras e realces. No livro Mang, o poder dos quadrinhos japoneses,
Luyten aponta sobre o local de ao das histrias: podem ser caracterizadas, de um lado, por lugares comuns como escolas, grandes cidades e, de outro, a fuga para um local romntico, quase sempre ocidental. Os cenrios que so compostos para essa fuga so
semelhantes s descries dos contos de fada: palcios maravilhosos, jardins imensos, sales de festa ricamente decorados ou ento
ruas parisienses que s pode existir na imaginao das adolescentes (Luyten, 2012: 42).
Estes cenrios descritos que retratam de forma fantasiosa o
Ocidente aparecem principalmente nos mangs femininos (shojo
mang) e em muitos anims e pode-se traduzir no ideal japons de
ambientao denominado akogare no Paris a Paris dos nossos
sonhos. A imaginao narrativa do mang apropria-se, sem nenhum constrangimento, de todas as fontes da literatura mundial,
alm da mitologia japonesa ou chinesa.
O gnero shojo mang o carro-chefe de vendas no Japo
por muitos anos desenvolve-se num clima romntico baseado no
cotidiano da sociedade japonesa. O layout do shojo mang tambm diferente. Muitas vezes, os planos de fundo em um determinado painel dentro do mang so preenchidos com formas abstratas e desenhos, usados para acentuar as emoes da cena. Por exemplo, planos de fundo imitando flores criam uma atmosfera de luz;

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detalhes brilhando ou brilhantes so usados quando se exprime algo
romntico, ou aqueles compostos por linhas mais escuras podem
representar dor ou tristeza [Figura 1].

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Figura 1. Plano de fundo no mang feminino.

O foco principal do shojo mang so, sobretudo, as relaes


interpessoais naturalmente desenvolvidas, mantidas ou arruinadas
principalmente atravs de conversas. Quanto temtica possvel
encontrar uma gama variada de temas que vo desde a fico cientfica, dramas em perodos histricos, fantasias, at alegorias ao
terror. Enquanto em outros pases as histrias femininas so desenhadas por homens, no Japo da mulher-desenhista para a
mulher-consumidora, geralmente adolescentes (Luyten, 1985: 56).
O gnero shojo mang comeou a estourar em 1972, com o
enorme sucesso de A Rosa de Versalhes, de Riyoko Ikeda, que apresenta uma mulher, Oscar, criada para comportar-se e vestir-se como
um homem. Uma adaptao musical deste mang foi feita para o
teatro feminino de Takarazuka e continua a ser o favorito das mulheres, tendo inspirado Tezuka Ossamu na construo de suas personagens. Este teatro, misto de variedades, shows musicais, Kabuki
ou N, foi fundado em 1914 na cidade de Takarazuka e tem como
principal caracterstica a presena exclusiva de mulheres interpretando papis masculinos ou femininos [Figura 2].

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Figura 2. A Rosa de Versailles no Teatro Takarazuka, baseado no


mang do mesmo nome.

Nos anims de Hayao Miyazaki h alguns exemplos da esttica akogare no Paris e ele a utiliza para abordar o sentido do carter
e a filosofia japonesa atravs de uma Europa familiar-fantasiosa.
J bem no incio de sua carreira ele produziu e dirigiu o anim O
Castelo de Cagliostro, cuja histria ocorre em algum lugar onrico
da Europa com castelos, nobres, cidades sofisticadas, prados repletos de flores, muito mistrio e principalmente romance.
O importante a ressaltar sobre o akogare no Paris que principalmente atravs dos mangs e anims h uma espcie de projeo
romntica da Frana e de muitas cidades europeias. Isto, de um
lado, favorece a capital francesa, pois a primeira da lista enquanto destino dos turistas japoneses, com cerca de 700.000 visitantes
ao ano. Por outro lado, a maioria dos turistas sofre ali da Sndrome
de Paris, isto , no s h o choque cultural entre pases e costumes,
mas reaes nervosas e muitos so hospitalizados em consequncia
disto. Segundo artigo do jornal francs Libration reportou, em 2004
houve centenas de japoneses hospitalizados e foi criada uma unidade especial no Hospital Sainte-Anne, atendido por um mdico
japons que cunhou o termo Sndrome de Paris. O que ocasiona
isto o confronto brutal entre a fantasia e a realidade da cidade.

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Paris ou outras cidades europeias no conseguem fazer jus
imagem romntica, idealizada nas pginas do mang ou nas cenas
dos anims. Esta sndrome tambm pode refletir as diferenas culturais em estilos de comunicao, algo que exacerbado tambm
pelas barreiras lingusticas. E alm do mais, turistas japoneses tm
frias curtas: a fadiga em conjunto com a desiluso causam estes
transtornos.
3. As cidades destrudas e as cidades hermticas
Outro aspecto de mangs e anims que concerne ao cenrio
das cidades o oposto do romantismo. Existe a recorrncia da
temtica de fico cientfica pelo vis da destruio do planeta e da
humanidade. E, por incrvel que parea, faz com que o leitor japons se identifique. Segundo Luyten:
Isso pode ser explicado, de um lado pela turbulenta
histria poltica do arquiplago. As grandes guerras
civis do sculo XVI, que culminaram com a unificao do Japo, dominado pela famlia Tokugawa e com
a diminuio do poder imperial, so um bom exemplo. Alm disso, ainda est viva na memria dos japoneses a hecatombe nuclea r, com as bombas
lanadas pelos EUA sobre Nagazaki e Hiroshima, terminando abruptamente a guerra do Pacfico e acabando de uma vez a agressividade do exrcito imperial (Luyten, 2012 : 181).

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preciso considerar tambm um elemento traumtico no inconsciente coletivo japons que a constante devastao da natureza as catstrofes naturais como terremotos, tsunamis e tufes
que h sculos varrem o pas quase sempre de surpresa.
O mang mais conhecido sobre os horrores e traumas da guerra
foi Gen, Ps descalos (Hadashi no Gen), de Keiji Nakazawa, publicado em vrias revistas, incluindo a Weekly Shnen Jump, de 1973
a 1985. O que torna este mang diferente seu estilo que pouco
tem a ver com o do mang convencional, usando linhas fortes e
expressivas [Figuras 3 e 4].

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Figuras 3 e 4. A destruio das cidades de Nagazaki e Hiroshima pela


bomba atmica retratadas no mang Gen, ps descalos.

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A associao da morte com arquitetura (casas, ruas, templos)


vai ainda mais fundo: aparecem as imagens recorrentes das faces
do pai do Gen, a irm e o irmo mais novo preso entre as vigas de
sua casa destruda. As imagens so realistas e chocantes: o autor
dispe na pgina os seres humanos como se estivessem caminhando para nossa direo, derretidos pelo calor e exploso da
bomba. Este compromisso de plasticidade se desdobra em uma srie
de contrastes e tenses composicionais. E este mang nos convida
especialmente a um olhar para os efeitos da bomba atmica em um
quadro diferente do trauma e a soberania nacional.
Outro exemplo expressivo Akira, mang de fico cientfica
ps-apocalptico de Otomo Katsuhiro, lanado em 1980 (2000 pginas em 6 volumes) e depois em anim: a podemos encontrar
possibilidades para um compromisso historicamente aterrado com
este trauma. Como diz Michael Huang, Talvez no haja nenhum
anim que tenha destrudo Tquio to artisticamente como este
onde capta o horror e o apelo do apocalipse. Segundo o autor:
Tornou-se um clich para Tquio ser destruda em diversos anims embora poucos o fizeram to artisticamente bem como Akira. A sombra e a influncia de
Stanley Kubrick 2001: uma Odisseia no espao paira sobre as sequncias finais, dando para notar, talvez, de onde
vm alguns do apelo de Akira. (...) Ambos oferecem
catarse violenta, conduzindo ao renascimento csmico,
embora o caos sangrento em Akira muito mais grfico
do que o dos macacos batendo uns aos outros com ossos
ou um astronauta desligando um computador. E ambos
os filmes expressam a ansiedade na sociedade moderna
de que algo grande e terrvel vai acontecer em breve,
algo bonito talvez, mas tambm terrvel: em suma, um
apocalipse (Huang, 2003).

Este mang de fico cientfica/cyberpunk de Katsuhiro (19821990) e a adaptao para anim (1988) representam as angstias
culturais do ps-Segunda Guerra Mundial no Japo, explorando a

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luta para encontrar a normalidade entre o social e o colapso
arquitetnico da Neo-Tquio [Figuras 5 e 6] e aprender que no
pode haver nenhum retorno para o pr-apocalipse. Segundo
Thomas Lamarre.

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Figuras 5 e 6. Cenas de Akira, de Otomo Katsuhiro: a destruio da


cidade.
No mang Akira de Otomo Katsuhiro e as verso em
anim posso encontrar possibilidades para um compromisso historicamente aterrado com este trauma. H no

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Akira um contraste entre dois modos de repetio do
trauma da bomba atmica: um modo constitutivo e um
modo generativo. A repetio constitutiva associada
com a identidade nacional, o estado de desenvolvimento
e a sociedade industrial, enquanto o trauma generativo
associado com a cidade global e imprio, sociedade da
informao e desastre do capital. Akira no contrasta
meramente essas duas modalidades: imagina uma passagem histrica de um para o outro, em sua estreita associao com modos histricos de produo e de destruio e com as configuraes socio-econmicas da guerra e capital (Lamare, 2008: 131).

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Assim como Akira, h outros exemplos desta criao de uma


sociedade aterrorizante com cidades degradadas fazendo parte da
distopia ficcional. A distopia, como oposto da utopia explora a sociedade sob o vis da misria, opresso ou sofrimento. Nas palavras de Susan Napier, Em muitas distopias japonesas a natureza
quase totalmente ausente, um fenmeno particularmente perceptvel quando se considera a importncia da natureza como refgio
utpico em grande parte da literatura japonesa do sculo XX
(Napier, 1996: 184).
No ltimo tsunami ocorrido em 11 de maro de 2011 foram
publicados tambm vrios cartuns e mangs sobre o desastre. Os
relatos mais impressionantes foram feitos a partir das pequenas
cidades onde o horror os alcanou de surpresa. Um exemplo ocorrido foi na Prefeitura de Iwate onde havia uma pequena companhia ferroviria na rea rural do Japo. A onda gigante alcanou
esta ferrovia com tal fora que as estaes e plataformas foram
totalmente destrudas. O destino da companhia ferroviria levou o
desenhista Koji Sakamoto a fazer um mang sobre a rea afetada,
realizando entrevistas com as pessoas diretamente envolvidas na
catstrofe [Figura 7].
Ainda no ano de 2013 famosos mangakas (desenhistas de mang) colaboraram com o apoio de outros artistas na realizao de um
evento de caridade para ajudar as crianas afetadas pelo terremoto e
tsunami de 2011. A iniciativa foi destinada aos esforos de recons-

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truo e os lucros para ajudar as reas atingidas. Intitulado de Manga-ka Tamashii! (O esprito do artista de mang!) Lenda do Heri:
episdio 1. Desenhistas como Gosho Aoyama (Detective Conan), Kei
Kusunoki (Ogre Slayer) e o aclamado ilustrador Yoshitaka Amano
(Final Fantasy) doaram suas ilustraes para este evento.

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Figura 7. Bhudda, de Tezuka Ossamu: povos da elite versus submundo.

Por outro lado, alguns pesquisadores analisam as sociedades


dentro do cenrio das cidades como hermticas. Isto por que em
muitos mangs e anims existe a dicotomia dos povos que vivem
em classes sociais estruturalmente fechadas em si mesmas. o povo
da elite versus aqueles que vivem no submundo. Como exemplifica
Patrick Cherdel:
Mais uma vez, mestre Tezuka que lana este topos de
crtica, com as cidades da saga de Phoenix, o pssaro de
fogo, a ndia das castas em Bhudda, ou mesmo a Alemanha nazista de Adolf. Desde ento esta tradio continuou. Com Battle Angel Alita, o mangaka Yukito Kishiro
ope a situao das pessoas que vivem na cidade baixa
de Kuzutetsu e os ricos e os governantes que prosperam

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na cidade alta de Tiphares. Tribunais e filmes futuristas
como srie Robotech e Gundam, transferem esta oposio escala do cosmos. Isto ainda mais radical nessas
histrias, as castas dominantes so compostas por militares que pretendem agir para a sobrevivncia de toda a
espcie. As cidades-mundos Apple Seed, de Pat Larbor,
e Ghost in the Shell usam o mesmo esquema em beneficio dos policiais e agentes especiais (Cherdel, 2002).

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Sob este ponto de vista, o anim Metropolis (2001), baseado


no mang de Tezuka de 1949, fecha o ciclo desta tradio crtica:
no corao da cidade utpica encontra-se o templo em honra das
elites, enquanto no poro sobrevive a multido. Vale dizer que
Tezuka Ossamu inspirou-se no filme mudo alemo de 1927. Embora ambos no compartilhem dos mesmos elementos da trama, o
anim de Tezuka extrai alguns aspectos de sua histria. Metropolis
uma cidade retrofuturista onde coexistem os seres humanos e
robs. Os robs so discriminados e segregados para os nveis mais
baixos da cidade. A maioria da populao humana de Metropolis
composta por pessoas desempregadas e desfavorecidas e os humanos culpam os robs para tomarem seus lugares [Figura 8]. Isto,
contudo, no desmerece Metropolis, pois ao retratar a cidade tambm olha para a natureza da vida e amor, o papel dos trabalhadores, das mquinas e robs (apesar de segregados).

Figura 8. Metropolis, mang de Tezuka Osamu transformado em anim.

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4. Glocalizao nos cenrios de mang e anim
Glocalizao um termo que combina elementos globais e locais para formar uma nova definio. Refere-se presena da dimenso local na produo de uma cultura global. No Ocidente, o
primeiro autor a explicitar a ideia de glocal foi o socilogo Roland
Robertson na dcada de 1980: a capacidade de haver um ambiente
global com elementos locais. H certas maneiras de glocalizar algo
remodelando-o para torn-lo capaz de ser usado em outro pas. Em
vez de viver a nossa prpria cultura, h um ponto que se pode adaptar do estrangeiro como algo complementar. Muitas vezes ampla
ou virtualmente utilizado para enfatizar a qualidade [Figura 9].

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Figura 9. Comemorao dos gauleses representados por Asterix no


MacDonald: introduo da multinacional na Frana ou adaptao dos
franceses ao mundo global?

Este termo, muito usado na dcada de 1980, adquire hoje um


sentido mais amplo ao analisarmos o mang e, especialmente, o
anim. Todos os produtos culturais gerados e distribudos atravs
de meios eletrnicos tm o mesmo destino de estarem interligadas
por estas duas tendncias contemporneas: ps-modernidade e
glocalizao.
Segundo Kiyomitsu Yui da Universidade de Kobe, a popularidade e disponibilidade para aceitar o anim (e, em seguida, o mang), especialmente pela nova gerao, indicador de uma maior
predisposio para a condio ps-moderna. Ele descreve as caractersticas do anim/mang em conexo com as seguintes tendncias ps-modernas e afirma que estas condies so fundamentais para a noo do ps-moderno:

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1. Fragmentao do tempo e do espao: isso est intimamente relacionado com o processo chamado de
glocalizao. Voc pode imaginar o cotidiano com a MTV
e a Internet que pode lev-lo para cada cantinho do
mundo uma vez, num piscar de olhos. Esta situao pode
transformar sua vida numa fragmentao de tempo e
espao. 2. Estetizao da vida diria: este processo diz
respeito generalizao do estilo de vida urbano. O autor Georg Simmel j se referiu a este processo de
estetizao da vida, mas para ele essa tendncia limitada a um grupo selecionado de classe alta ou mdia que
habita uma rea metropolitana que apresenta uma grande variedade de opes e pode acomodar uma vasta gama
de gosto. 3. Auto descentralizao ou desconstruo do
sujeito: como consequncia da fragmentao do tempo
e do espao. O homem moderno, descrito por D.
Riesman, por exemplo, que tem interiorizado um sistema de valor transcendental, no existe mais. Aqui
transcendental significa um sistema de valor que no

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incorporado em cada contexto concreto, mas transcendente para alm de contextos diferentes. Em vez deste
tipo de homem moderno, temos como dominncia o
outro orientado espalhado por toda a sociedade em
quase todos os pases capitalistas. 4. No diferenciao
de fronteiras entre cultura erudita e popular, entre nao e etnia, entre original e cpia, entre o real e o virtual, entre os gneros, como arte, objetos, artes visuais, romances, jogos etc., todas estas fronteiras tendem a ser
nebulosas ou indistintas (Yui, 2010: 46).

Ainda segundo o autor, como parte desta tendncia, temos a


inclinao de considerar o fenmeno como uma expanso da
subcultura homognea derivada da cultura japonesa. Ele coloca
em questo a verdade disto porque, segundo ele, parece que o
que est realmente acontecendo no mundo pode ser um desenvol-

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vimento multicamadas da cultura popular em cada regio, o fenmeno designado como glocalizao.
Segundo Toni Johnson Woods, o mang tornou-se um produto hbrido com as influncias recebidas do exterior:
O mang que vemos hoje no Japo um produto hbrido
de esttica japonesa e americana. influenciado pela TV,
filmes e quadrinhos. No Ocidente, o mang tem evoludo
rapidamente; tornou-se um hbrido dentro do hbrido.
Novos estilos europeus influenciaro uma nova raa de
mang global que criado fora do Japo. Com cada
novo trabalho do mang vem o potencial de uma nova
base de fs para desenhistas no japoneses de mang e
essa base de fs ter sua prpria expectativa para seus artistas. E com isto eu proponho: apenas o comeo para
um mang global (Woods, 2010: 273).

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H alguns exemplos de glocalizao nos anims de Hayao


Miyazaki. Um bem evidente O servio de entregas de Kiki (Majo
no Takkybin) produzido em 1988. Foi o primeiro filme que o Studio
Ghibli lanou em parceria com a Disney. Miyazaki s comea a
ficar bem conhecido no Ocidente a partir de seu longa metragem A
viagem de Chihiro, vencedor do Oscar como melhor longa animado
em 2002. Iniciou, contudo sua carreira em 1963 na Toei como
intervalador, isto , animar com as guias enviadas pelos animadores Em 1982, enquanto trabalhava em seus filmes, Miyazaki escreveu e desenhou o mang Kaze no tani no Naushika, mais conhecido
internacionalmente como Nausica do Vale do Vento e o passou para
anim em 1984. O sucesso foi to grande que Miyazaki abriu seu
prprio estdio de animao juntamente com Isao Takahata: o
Estdio Ghibli.
A histria de O servio de entregas de Kiki sobre uma menina
de 13 anos igual a todas as outras exceto por um detalhe: ela uma
bruxinha. E, de acordo com a tradio, cada bruxa deve deixar sua
casa ao completar 13 anos e viajar para outra cidade para completar sua formao. O cenrio do anim uma rplica perfeita de

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uma cidade europeia dos anos 1920, adicionando ao filme uma sensao onrica, o que contradiz com o nome da animao em japons que Majo no Takkybin, O servio de entregas domiciliares, em
traduo livre [Figura 10].

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Figura 10. Majo no Takkybin O servio de entregas da Kiki

O termo takkybin refere-se a uma empresa de servios de entrega nacional com sede no Japo cujos itens podem ser desde uma
bagagem a partir de uma estao ferroviria para a casa do destinatrio at um simples pacote que uma av envia para seu neto. Desde
o incio em 1976, este tipo de entrega originou-se da Companhia de
Transportes Yamato. No Japo, os caminhes do takkybin circulam por todo o pas tendo como logotipo um gato preto. A introduo deste servio passou a ser parte da vida das pessoas nas cidades
e causou grande impacto na sociedade japonesa [Figura 11].

Figura 11. Empresa de servios de entrega no Japo, Takkybin,


cujo logotipo um gato preto.

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No anim de Miyazaki, a protagonista Kiki voa com sua vassoura de bruxa e faz entregas com seu melhor amigo, um gato preto, Jiji, que o mesmo smbolo da empresa Yamato, o takkybin.
Desta forma, esta mescla do cenrio de uma cidade europeia com
um servio tpico japons d o sentido de glocalizao. Miyazaki
usou uma maneira de glocalizar remodelando um item nacional
para torn-lo capaz de usar em outro pas [Figura 12].
Neste mesmo anim h a presena de uma torre de relgio na
cidade. Esta torre o centro das aes de Kiki no incio de sua
jornada de autodescoberta. A histria tem o desfecho dentro da
viso desta mesma estrutura. Isto sugere que o relgio e a maravilha tecnolgica num ambiente urbano podem ser convidativos,
amigveis e at mesmo ideais na trama. Segundo Andrew Shaner,
Miyazaki sintetiza com xito uma animao distintamente japonesa em uma cidade estocolmense: a mesma ideia de akogare no
Paris, providenciando assim, uma Estocolmo dos seus sonhos. So
influncias estrangeiras para uma reembalagem para o mercado
global (Shaner, 2011: 26).

Figura 12. Glocalizao: Kiki, a bruxinha e seu gato preto (smbolo da


empresa japonesa Takkybin) fazendo entregas em um cenrio de
cidade europeia.

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Consideraes Finais
Como mencionado no incio deste artigo, nas ltimas dcadas
observou-se notvel crescimento na recepo internacional no consumo de mang e anim. Estas narrativas, caracterizadas por
hibridismo e fluidez, descolaram-se de sua fonte local e conseguiram um alcance global. Os temas, enredos e a intensidade e complexidade dos personagens do mang e anim atraem os leitores
levando-os a se identificar com os heris e heronas. Dois fatores
significantes corroboraram o sucesso global da cultura pop japonesa: o avano da tecnologia e a cultura devotada dos fs. Alm disso,
o mang e anim quebraram as convenes de que quadrinhos e
desenho animado so somente para crianas.
Este artigo analisou mais um elemento chave para a identificao entre os leitores e os personagens: os cenrios reais das cidades
em todas suas modalidades: do presente ao futuro, do urbano ao
galctico meticulosamente produzido para dar realismo e, ao mesmo tempo, oferecer uma possibilidade de fuga por meio da fantasia.
Da idealizao das cidades europeias e, em especial Paris, foi criado
o termo Akogare no Paris para indicar mangs e anims que retratam
de forma fantasiosa o Ocidente. Esta projeo romntica das cidades v-se, principalmente no shojo mang (para adolescentes femininas) cujo cenrio mais artstico, repleto de devaneios grficos e
variedade de detalhes como reflexo do contedo da histria.
Os produtos culturais gerados e distribudos pela mdia eletrnica compartilham do mesmo destino destas duas tendncias
contemporneas: o ps-moderno e a glocalizao. Portanto, o
anim muito mais exposto a isto do que o mang, uma vez que
impresso. Este processo, contudo, tem o outro lado da moeda: os
verdadeiros fs da cultura pop japonesa de todo mundo esto
busca do mang original.
Se o Japo declina atualmente como fora econmica mundial, o gnero de entretenimento como o mang e o anim tem
apelo global, especialmente entre os jovens. E, apesar do mercado
interno estar encolhendo, continua ganhando popularidade alm
de suas fronteiras. O fascnio decorre da identificao a partir da
esttica sutil e detalhada dos cenrios das cidades e locais onde so
inspirados. Hoje h muitos livros com informao sobre lugares

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em todo Japo que serviram de inspirao para os mangs e anims.
E os fs vo visitar os cenrios reais das cidades que ofereceram
imagens para a produo da fantasia.
REFERNCIAS
Livros e artigos
CAVALLARO, Dani. Anime and memory: aesthetic, cultural and
thematic perspectives. Jefferson, N.C: McFarland & Co., 2009.
_______________. Anime Intersections: Tradition and Innovation
in Theme and Technique. Jefferson, N.C: McFarland, 2007.
CATAL, Josep M. La Imagen Compleja. Barcelona: UAB, 2005.
LAMARRE, Thomas. Born of Trauma: Akira and Capitalist Modes
of Destruction. East Asia cultures critique. Volume 16, Number 1,
spring 2008. P. 131-156.
LIOI, Anthony. The City Ascends: Laputa: Castle in the Sky as
Critical Ecotopia. Disponvel em: Imagetext Interdisciplinary
Comics Studies. English Department at the University of Florida.
Volume 15. (No.2) 2010. Web journal.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. Mang o poder dos quadrinhos japoneses. So Paulo: Hedra (3. Edio), 2012.
_______________. Cultura Pop Japonesa: mang e anim. Hedra:
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_______________. As heronas japonesas num pas machista.
Quadrix, maro, 1985.
MIYAZAKI, Hayao. Starting Point 1979-1996. San Francisco: VIZ
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NAPIER, Susan. Confronting master narratives: History as vision
in Miyazaki Hayaos. New York: Palgrave Macmillan, 2005.

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_______________. Anime from Akira to Princess Mononoke:
Experiencing Contemporary Japanese Animation. New York:
Palgrave Macmillan, 2009.
_______________. The Fantastic in Modern Japanese Literature.
London: Routledge, 1996.
SHANER, Andrew. Defining steampunk through the films of Hayao
Miyazaki. The Pennsylvania State University, 2011.
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Material da Internet
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882.html
Artistas de mang so solidrios com crianas afetadas por terremoto e tsunami no Japo. MN - Cultura japonesa e notcias da
sia - 27/01/2013. Disponvel em: http://www.mundo-nipo.com/
variedades/cultura/27/01/2013/artistas-de-manga-sao-solidarioscom-criancas-afetadas-por-terremoto-e-tsunami-no-japao
CHERDEL, Patrick. M, comme manga un abcdaire. Vacarme
21 / Outono 2002. Disponvel em: http://www.vacarme.org/
article1459.html
HUANG, Michael. Akira Come, Sweet Destruction. Disponvel em:
http://metaphilm.com/index.php/detail/akira/. 23/10/2003.
KLEINA, Nilton. O que steampunk. Disponvel em: http://
www.tecmundo.com.br/12074-o-que-e-steampunk-.htm 4/08/ 2011.
KULKARNI, Atul. Should western brands go local or stay global?
Consumer Instinct. Disponvel em: http://www.consumerinstinct.
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anime_and_manga.
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livejournal.com/480242.html. 14/08/2009.
YUI, Kiyomitsu. Japanese Animation and Glocalization of
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Sociology.pdf .

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PASSEIO PELAS
MENSAGENS DA
CIDADE: CONVVIO
DE MDIAS
Carlos Costa

Este trabalho pretende atender proposta do professor Josep


M. Catal de enveredar pelos caminhos do ensaio, abandonando a
rigidez formal dos trabalhos acadmicos tradicionais. No prlogo
de um de seus ltimos trabalhos impresso, El murmullo de las
imgenes. Imaginacin, documento y silencio (2012), o professor
escreve na primeira frase do prlogo:
Escrever um ensaio uma tarefa parecida a levantar um edifcio sem recorrer ao projeto de um arquiteto. Pode considerar-se um milagre que a construo final se mantenha em p. Mas quando isso
acontece, o resultado pode chegar a ser muito mais
interessante do que a construo terminada seguindo as regras e refugiando-se nos clculos estabelecidos (Catal, 2012: 11).

Catal continua citando o trabalho Os Caminhos do Conhecimento, de Hans Robert Jauss: Cada um deve buscar o caminho de
seu prprio compreender e, em consequncia, provar diferentes
tentativas e rodeios, que a certeza de ningum lhe pode otimizar.
A cidade pode ser vista de mltiplos ngulos. E de fato foram
diferentes as abordagens de muitos observadores ao longo do tempo. Basta lembrar como a cidade foi vislumbrada por Charles

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Baudelaire e Walter Benjamin, com o olhar empolgado pelo otimismo da modernidade frente as transformaes por que passava
a Paris do fin de sicle.
As vises do espao urbano so, no entanto, dissonantes. A
cidade vista por Beatriz Sarlo no se conecta com a fantasmagoria
criada pelo estudante russo Andrey Shushkov no curta-metragem
A inveno do amor, seu trabalho de concluso de curso na Universidade de Artes e Cultura de So Petersburgo em 2010.
Beatriz Sarlo abordou a cidade sob os distintos focos do cotidiano de sua Buenos Aires. O aumento da violncia e a convivncia com vizinhos indesejados (Prostitutas, travestis e vizinhos)
so temas de Tiempo presente, de 2001. Mas o foco no consumo
sua viso mais constante. Ela dedica a ele trs ensaios deste livro:
Shoppings e Carrossis, Shopping Abasto e Um mundo de
maquetes. Num trabalho anterior, Cenas da vida ps-moderna, de
2000, o primeiro captulo (Abundncia e Pobreza) discorre sobre
os shoppings e a homogeneizao vivida cem anos depois do deslumbramento de Benjamin. tudo to igual nos shoppings de todo
mundo que, para um recm-chegado de Jpiter, somente o papel
moeda e a lngua dos vendedores permitiria saber onde se est
(Sarlo, 2000: 15).
O tema do consumidor tomando o lugar do cidado foi abordado antes por Sarlo nos ensaios Carteles y Afiches e Cultura
Fast y Lentitud, publicados em Instantneas: mdios, ciudad y
costumbres en el fin de siglo, de 19961. rboles en el Shopping Mall,
do livro Siete ensayos sobre Walter Benjamin, de 2000, tambm passeava por esse tema. Uma dcada depois, com viso mais apurada,
Sarlo voltou a se debruar sobre a cidade como mercado em La
ciudad vista, mercancas y cultura urbana, de 2009.
J o cineasta russo Andrey Shushkov, hoje com 28 anos,
visualizou no TCC apresentado em 2010, A inveno do amor, uma
cidade desumana, densa em poluio e quase desprovida de vida.
At o porquinho que late e surpreende a camponesa, que foi viver
sua trgica histria de amor na cidade, uma construo metlica

Boa parte desse livro foi publicada no Brasil na coletnea Paisagens Imaginrias (editada pela EDUSP em 1997), mas no esses ensaios citados.

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CONVVIO DE MDIAS
movida a cordas, como a borboleta que bate as asas por meio de
engrenagens. Uma viso em silhueta de um mundo semimorto: at
a flor que dera incio a seu romance morre, como a protagonista.
A viso que se prope neste ensaio a da cidade como um
lugar de convivncia de mdias e de troca de mensagens. No apenas o repositrio de cartazes e psteres incitando ao consumo, como
quer Sarlo, mas espao de troca e comunicao, de celebrao de
vida como as faixas de rua comemorando aniversrios ou festejando o filho que passou no vestibular. Viver na metrpole implica o
reconhecimento desses mltiplos sinais de uma cidade em que a imagem se torna um dos focos da leitura. Como descreve o pesquisador
Jos Geraldo de Oliveira em seu trabalho Grafiticidade e viso travelar,
em que analisa o espao urbano e o grafite:
A imagem se torna o cerne da metrpole e retrato de
suas mltiplas identidades. Um territrio de metforas
que em sua mobilidade e efemeridade rene pontos de
tenses dialticas. Uma paisagem com ritmo, enunciaes
surgidas na interao do observador em movimento (da
a expresso travelar) e que produz uma conjuno de
olhares nos interstcios urbanos, visto que o corpo do
observador tambm est ali e pode querer interagir e se
comunicar (Oliveira, 2012: 25).

Esse reconhecimento de sinais e de mensagens muitas vezes


codificadas obtido pelo exerccio de um olhar atento e fecundo
(Ferrara, 1999), gerador de um saber que se constri. no cenrio
urbano que se agua esse meticuloso reconhecimento, exercitado
por Benjamin e Baudelaire nos tempos de vagar do flneur. Em sua
dissertao, Oliveira escreve:
Na cidade contempornea possvel encontrar camadas
palimpsestas de imagens que se oferecem como verdadeiros enigmas a serem decifrados, pois suas camadas
funcionam como a acumulao de marcas de

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historicidade imagtica sobrepostas no tempo e que se
ampliam para alm dos traos materiais ou de escrita. A
memria perpassa no sob/entre dessas imagens. Essas
marcas podem ser recuperadas como metfora para abordar o passado de uma cidade (Oliveira, 2012: 54).

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E neste mbito que presenciamos, um sculo aps a epifania


de Baudelaire e Benjamin, o embotamento e a perda da capacidade de exercitar um olhar contemplativo, uma mirada que exige a
atividade de leitura que o passante no mais se interessa em realizar. Como se pergunta Luciano Arajo, no trabalho Vises da Cidade (2003): quem hoje percebe a metrpole com um olhar de descobrimento? Seu morador no sabe mais explorar o sentido do
olhar sobre ela, pois para ele o espao urbano se transformou em
um lugar sem definio exclusiva, a no ser pelo cotidiano movimento por caminhos j mais que conhecidos (Arajo, 2003: 40).
Mas mesmo em um tempo de facebook, smartphones, de mensagens em 140 caracteres e longas conversas distncia, a comunicao tradicional e antiga persiste, em avisos colocados em postes,
em filipetas adesivas em orelhes de telefone, em faixas penduradas em rvores de cidade, nas celebraes j comentadas. At placas de sinalizao de trnsito servem como suporte para mensagens que costumam passar sem a leitura de caminhantes distrados
e desatentos.
Ler para encontrar perguntas
Ao escrever o ensaio Notas para uma definio do leitor ideal, que abre o livro mesa com o chapeleiro maluco, Alberto
Manguel se detm na anlise do ato de ler. Menciona que as representaes de So Jernimo mostram-no debruado sobre sua traduo da Bblia, ouvindo a palavra de Deus. O leitor deve aprender a ouvir, deduz (Manguel, 2009: 33). E a partir da traa uma
espcie de ode ao leitor. Dessa ode destaco uma prola: Robinson
Cruso no um leitor ideal. L a Bblia para encontrar respostas.
Um leitor ideal l para encontrar perguntas.
O escritor fecha outro livro, No bosque do espelho, com o ensaio O Computador de Santo Agostinho, em que retoma um tema

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CONVVIOS DAS MDIAS


que lhe caro, o das representaes. Manguel conta que nos primeiros anos do sculo XVI os ancies da corporao de San Giorgio
degli Schiavoni, na cidade de Veneza, encomendaram ao pintor
Vittore Carpaccio (1465-1526) uma srie de cenas ilustrando a vida
de So Jernimo, o grande leitor e estudioso do sculo IV.
A ltima tela, prossegue Manguel, colocada hoje no alto direita de quem entra na pequena e escura sala da corporao, no
um retrato de Jernimo, personagem tema das pinturas encomendadas a Carpaccio, mas de um contemporneo do tradutor da Bblia, Santo Agostinho, bispo de Hipona. H uma ligao entre os
dois grandes nomes da antiguidade crist.
Uma histria popular desde a Idade Mdia conta que Agostinho havia sentado mesa para escrever uma carta a Jernimo pedindo sua opinio sobre a beatitude eterna. Foi quando a sala se
encheu de luz e uma voz disse a Agostinho que o esprito de
Jernimo havia subido aos cus. A cena pintada por Carpaccio
mostra Agostinho, mas evoca Jernimo.
A habitao em que Agostinho aparece nesta tela de Carpaccio
um estdio veneziano da poca em que o pintor realizava a encomenda, um ambiente to digno do autor das Confisses como do
esprito de Jernimo, que traduziu a Bblia para o latim e o padroeiro dos tradutores.
Na cena composta pelo pintor, vemos finos volumes numa estante elevada, tendo abaixo delicadas bugigangas, uma cadeira de
couro com rebites de bronze e uma pequena escrivaninha (Manguel,
2001: 273). A descrio realizada no ensaio O Computador de
Santo Agostinho segue com a enumerao de detalhes do quadro, que no mostrado por Manguel em seu livro: a mesa com um
suporte giratrio; o local de trabalho atulhado de livros abertos e
todos esses objetos e lembranas que os anos despejam sobre a
escrivaninha de todo homem de letras: uma concha, um sininho,
uma caixa de prata.
Esse lugar representa tanto o passado como o presente de um
leitor. Para Carpaccio, o anacronismo das peas reunidas na tela
em desacordo com o que seria o usual no perodo histrico vivido
por Agostinho no significava nada, pois a pesquisa de elementos
como mveis e vesturio de poca em busca da fidelidade histrica

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A CIDADE E A IMAGEM
uma inveno moderna. O escritrio de Agostinho e seus livros,
fosse de que modo tivessem sido no sculo IV, eram para Carpaccio
e seus contemporneos muito parecidos ao que dispunham no incio daquele sculo XVI: rolos ou cdices, pedaos de pergaminho
ou os belos livros de bolso que o tipgrafo veneziano Aldo Mancio
imprimira poucos anos antes que o pintor comeasse a executar a
encomenda para a corporao de San Giorgio degli Schiavoni.
Eram todas variaes de livros que se alteravam e seguiriam
mudando sem deixar de ser o mesmo livro de sempre. Na viso de
Carpaccio, escreve Manguel,
O estdio de Agostinho era como o meu, um reino do
leitor comum, com fileiras de livros, lembranas, a mesa
repleta, o trabalho interrompido, o leitor esperando que
uma voz a sua prpria, a do autor, a de um esprito
respondesse s perguntas colocadas na pgina aberta que

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tem diante de si (Manguel, 2001: 274).

Manguel constroi, a partir da, uma comparao entre ele, o


leitor Agostinho e o pintor Carpaccio, para se perguntar: Transformou-se a nossa leitura a de Agostinho, a de Carpaccio e a
minha, com o decorrer dos sculos? E se ela se transformou, como
se deu essa mudana?

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CONVVIO DE MDIAS
Quando se l uma pgina na tela do computador, essa leitura
silenciosa, desencadeando uma srie de processos complexos em
zonas especficas do crebro do leitor decifrando o que seus olhos
captam, tornando compreensvel o contedo dos sinais sem que a
boca pronuncie as palavras para recreao dos ouvidos. Mas o hbito da leitura silenciosa, e Manguel ainda que ensina, no algo
to antigo como se pode pensar. Agostinho seguramente no entenderia nossa atividade silenciosa de hoje, pois em seu tempo o
comum era ler em voz alta, e esse hbito vinha dos antigos gregos,
como explica Manguel em outros livros, como A biblioteca noite e
Uma histria da leitura.
Ler em voz alta era uma maneira de engajar-se inteiramente
no texto, dando vida e significado ao escrito, como se apropriando
dele. Alm disso, como no havia pontuao (sinais de vrgula ou
de ponto para indicar o final de uma sentena), a entonao servia
tambm para reconstruir o fluxo narrativo. Mas j a partir do segundo milnio, com a introduo da pontuao nos textos e a maior difuso de manuscritos (o papel comea a ser produzido na Europa por volta de 1260, quando se instala a primeira fbrica na
cidade de Fabbriano, Itlia), a leitura em voz alto cedeu lugar
atividade silenciosa, exigindo a privacidade. Soaria estranha, nos
tempos de Agostinho, a regra atual que exige silncio nas bibliotecas. Esse novo padro de leitura, pontua Manguel, d em
contrapartida lugar a um tipo de intimidade amorosa com o texto.
Cinco sculos depois de Carpaccio, ler em silncio no surpreende. Mas continuamos em busca de novidades, como a da criao dos audiotextos ou dos videotextos. Assim, a leitura escapa
dos livros e cdices para se apoderar de outros espaos e suportes,
dos tablets aos smartphones.
Panormica da evoluo da escrita e da leitura
Nos incios da longa histria da leitura, os relatos eram transmitidos por via oral, exigindo o exerccio da cultura mnemnica
capacidade de memorizar relatos, genealogias, a saga da tribo ou os
mitos fundadores de um povo. Essas narrativas eram contadas durante horas pelo ancio da tribo, o dono da memria. Esses relatos orais eram os livros, passados de pai para filho. A Bblia foi um

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relato oral transferido para o suporte escrito a partir do sculo VIII
antes de Cristo, perodo da construo do Templo de Salomo. A
exigncia do controle contbil das toras de cedro compradas para
levantar o templo determinou esse tipo de anotao escrita.
A etapa seguinte da comunicao humana foi a escrita. O homem j desenhara nas paredes das cavernas. Ainda hoje no se
sabe ao certo se a funo desses registros era esttica ou mgicoreligiosa. Acredita-se que o homem pintava na caverna a imagem
do animal que ansiava abater quando terminasse o inverno e sasse
caa. Depois, a escrita foi realizada em blocos de pedras, as
estelas, ou em placas de argila que, cozidas, se transformavam
em uma espcie de placa para guardar [Figura 1]. Esse processo
garantia o controle das contas e as dvidas de um cliente.

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Figura 1. Uma tabuleta de argila registra o controle de gros e de ervas,


produtos da atividade da agricultura (so citados o cominho, o coentro e
o aafro). A tabuleta traz ainda a relao de todos os trabalhadores envolvidos na produo. O uso do barro brando, cozido no forno aps realizado o registro escrito, facilita a tarefa da escrita e o registro contbil
das atividades da poca. Pea de nmero 7703 do Museu Nacional de
Arqueologia, em Atenas.

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O cdigo de Hamurabi uma estela que permanece at hoje:
um bloco de rocha de diorito, com 46 colunas em escrita cuneiforme,
contendo 282 leis em 3.600 linhas, esculpidas por volta do ano 1700
a.C. A pedra mede 2,25 metros de altura, 1,50 metro de circunferncia no alto, engrossando para 1,90 na base. Um dos tesouros do
Museu do Louvre, foi encontrado por uma expedio francesa em
1901, em Susa, cidade hoje localizada no Ir.
Outro documento, descoberto pelo botnico francs Andr
Michaux na mesma regio da antiga Babilnia, a estela que leva
seu nome. Andr correu mundo, explorando variedades de plantas
na Inglaterra, Frana e norte da Espanha, depois no Oriente e Estados Unidos, terminando sua peregrinao em Madagascar. Em
sua primeira expedio, acompanhou o cnsul francs Jean-Franois
Rousseau, primo do filsofo, enviado em 1782 pelo governo francs para a Prsia. Michaux descobriu nos arredores de Bagd esse
primeiro documento contendo escrita cuneiforme trazido para a
Europa. Essa estela est hoje no Gabinete de Medalhas da Biblioteca Nacional da Frana [Figura 2].

Figura 2. O Cdigo de Hamurabi e a Estela de Michaux: documentos


da poca em que a escrita era registrada em pedra. Museu do Louvre e
Biblioteca Nacional da Frana.

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A escrita passa na etapa seguinte a ser realizada sobre o suporte dos papiros e dos pergaminhos. Papiros eram folhas de palmeiras tratadas; pergaminhos eram suportes de pele de carneiro
ou de cabrito curtida, e que serviam como uma espcie de pgina
para escrever. O papiro apresentava o problema da conservao,
esfarelando-se com o uso e os pergaminhos eram muito caros. Da
o costume de raspar o escrito para reutilizar o suporte os
palimpsestos so pergaminhos sob cujo texto atual se descobre uma
escrita anterior. Ao contrrio do que um leitor de fico e de notcias possa imaginar, a finalidade primeira desses suportes da escrita foi comercial: controlar recebimento e entrega de mercadorias.
Inventado na China cerca de 150 anos antes da era crist, o
papel levou nove sculos para chegar at a ndia, propagando-se
rapidamente pela intensa atividade dos sbios do Isl.
Foi pela atividade intensa de traduo dos sbios sarracenos
que os textos clssicos gregos foram recuperados e glosados, como
conta Alberto Manguel em seu livro Ilada e Odissia de Homero
(uma biografia). Aristteles e Plato foram reintroduzidos na Europa Medieval juntamente com o suporte do papel (sculo XI). O
Convento de So Domingos de Silos, em Burgos, Espanha, conserva um manuscrito de 157 folhas, do sculo XI, considerado o mais
antigo documento ocidental escrito em papel. Com a popularizao
da inveno chinesa e a introduo dos copistas (monges que reproduziam cpias de livros), multiplicaram-se as possibilidades da
leitura. E assim a cultura mnemnica deu lugar leitura e s anotaes sobre papel. No era mais necessria o memria, pois se
podia recorrer ao impresso, sempre anotado e comentado.
O elogio do virtual x hiprboles
Na poca de Carpaccio, a capacidade de memorizar textos ainda era importante como ferramenta de argumentao. A retrica,
o falar bem, supunha citar autores de improviso e contrapor pontos de vista de diferentes pensadores e autoridades. Mas o uso da
citao de cor (saber de corao, pois o texto amorosamente
guardado flui sem esforo), como se disse, cedeu lugar cultura
livresca e necessidade de levar consigo o anexo para localizar a
citao a fazer.

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Essa recuperao histrica pode soar hoje como uma arenga
fora do tempo. O elogio agora se faz ao virtual, ao multiacesso a
diferentes possibilidades de leitura. Nunca houve tanta oferta como
as que h hoje. Vivemos a era de excessos, em que o super deu
lugar ao hiper. Hiper do grego hyp, superior; a mais; acima do
normal ou do regular; em excesso ou demasia, segundo o dicionrio Caudas Aulete. Da hipermercado, hiperinflao, hipertenso,
hiperlink.
Essa viso hiperblica se encontra disseminada tanto em textos sobre leitura como em ensaios sobre a comunicao. Enxurrada de informaes, turbilho de imagens, turbulento mar de
transformaes so amostras desse exagero laudatrio dirigido ao
impacto da informatizao. Pierre Lvy escreve que
O virtual, rigorosamente definido, tem somente uma
pequena afinidade com o falso, o ilusrio ou o imaginrio. Trata-se, ao contrrio, de um modo de ser fecundo e
poderoso, que pe em jogo processos de criao, abre
futuros, perfura poos de sentido sob a platitude da presena fsica imediata (Lvy, 1966: 12).

Mas o prprio autor, em outro momento desse mesmo ensaio


O que o Virtual?, contrape:
Gosto do que frgil, evanescente, nico e carnal. Aprecio os seres e os lugares singulares, insubsti-tuveis, as
atmosferas ligadas para sempre a situaes e a momentos. Estou convencido de que parte essencial da moral
consiste simplesmente em aceitar existir no mundo, em
no fugir, em estar presente para os outros e para si (Lvy,
1966: 147).

Ou seja, parte essencial da moral, para Lvy, consiste em


no ser virtual. essa proposta que penso apropriada para abordar hoje a leitura das imagens e das mensagens no espao urbano.

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Overdose da imagem x olhar atento
Se at o sculo XIX havia carncia de imagens2, hoje h excesso. E sabemos: excesso de informao desinformao. Sabemos de tudo e, ao mesmo tempo, no sabemos o que precisamos
saber (Beatriz Sarlo). No caso das imagens, mesmo as tendo em
excesso, somos cada vez menos leitores atentos. Como escreve
Richard S. Wurman,
Uma edio do The New York Times em um dia da semana contm mais informao do que o comum dos mortais poderia receber durante toda a vida na Inglaterra do
sculo XVII. [...] Quando eu era criana, em Filadlfia,
meu pai me disse que eu no precisava decorar a Enciclopdia Britnica; s precisava saber como encontrar o
que ela contm (Wurman, 1991: 36 e 58).

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Fala-se muito em convergncia das mdias, apresentada por


Henry Jenkins como palavra que define as mudanas tecnolgicas,
industriais, culturais e sociais no modo como as mdias circulam
em nossa cultura (Jenkins, 2009: 332). A virtualizao, ainda fala
Lvy, reinventa uma cultura nmade, no por uma volta ao
paleoltico nem s antigas civilizaes de pastores, mas fazendo
surgir um meio de interaes sociais onde as relaes se
reconfiguram com um mnimo de inrcia (Lvy, 1966: 20). Mas
justamente a inrcia que permite o olhar presente e atento, que ele
disse preferir. Recorro novamente reflexo de Oliveira:
Nessa nova plataforma de imagem, o campo visual convertido em uma superfcie de inscries e espao de
aglutinao de perspectivas e linguagens. Pensar na
grafitecidade , portanto, propor uma nova forma de
visualidade, em que o olhar muda da situao de planar
para deslocar-se lateralmente, multiplicando pontos de vis2

O exemplo que costumo dar em aula o da escultura do Profeta Daniel, obra


do Aleijadinho (Antnio Francisco Lisboa) no trio do Santurio do Bom
Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, MG. O leo a seus ps a
imitao de um macaco, pois o Aleijadinho jamais vira a imagem do rei dos
animais.

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ta [...] A mudana no modo de ver pode ter origem em
dois momentos: a inveno da fotografia e as transformaes da paisagem urbana que criaram um novo ritmo nas
cidades do sculo XIX. O flneur se tornou a figura de
resistncia nesta nova espacialidade urbana. (Oliveira,
2012: 25 e 50).

Beatriz Sarlo conta, no ensaio Culturas populares velhas e


novas, de seu Cenas da Vida Ps-Moderna, a histria do matuto
do interior de Crdoba que desistira de encontrar o cavalo perdido, mas, ao assistir a uma emisso local da TV a cabo, v em meio
a uma festa de casamento o seu zaino. E sai em sua busca. O cavalo
como meio de transporte e a TV a cabo convivem ainda em harmonia nas paragens montanhosas daquela regio da Argentina.
Em outro exemplo, o padre que oficia a missa em um canal
catlico de TV emite conceitos conservadores que conflitam com a
fala ousada do proco da periferia da grande cidade, criando algumas vezes tenso na cabea do fiel: quem est com a razo? Ele
percebe a falta de sincronia entre o discurso conservador do sacerdote eletrnico e as prticas engajadas do lder religioso de sua
comunidade carente. O velho convive com o novo, algumas vezes
criando discrdia.
A convergncia de
Na convivncia no h
mdias entendida como fluxo de contedos por meio
buscas, mas encontros.
de suportes midi-ticos;
Ela propicia espao
cooperao entre mltiplas
indstrias mi-diticas; buspara o vagar, do andar
ca de novas estruturas de fisem pressa,
nanciamento das mdias
que recaiam sobre os insem necessidade do
terstcios entre as antigas e
GPS para no se perder
as novas mdias; e o comportamento migratrio da
audincia, que vai a qualquer lugar em busca de experincias do entretenimento (Jenkins,
2009: 333) deixa de considerar esse fato, o da convivncia.

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Na convivncia no h buscas, mas encontros. Ela, a convivncia, propicia espao para a fruio do vagar, do andar sem pressa, sem a necessidade do GPS para no se perder, pois ela um
convite para o encontro. A percepo atenta da cidade, na convivncia das mdias, exige exatamente no supor um ponto de chegada, para dispor da oportunidade de se perder. Pois no perder-se
que se descobre a fruio das mensagens inscritas na cidade. Ela se
mostra, mas poucos esto dispostos ao olhar atento.
Uma placa numa esquina de Perdizes, bairro da zona oeste de
So Paulo, avisava que a rua Bocaina, de apenas um quarteiro, altura do n 700 da Cardoso de Almeida, era uma via sem continuao. A placa RUA SEM SADA foi alterada para VIDA SEM SADA. Somente aps meio ano a placa foi corrigida para sua verso
original, com a retirada do adesivo com a palavra VIDA [Figura 3].
Poucos moradores ou transeuntes perceberam essa interveno, durante o tempo em que esteve em exibio, pois perdemos muito do
contato com o real, sem olhar as propostas que nos so oferecidas.
Na nsia de fruir a velocidade das imagens, no reparamos em detalhes ou em mensagens [Figuras 4 e 5]. que se espalham no espao
urbano.

Figura 3. esquerda, placa de trnsito que avisa que a rua sem sada
sofre a interveno: rua sem sada passa a ser vida sem sada.
Figuras 4. No centro, uma placa de sentido de direo,
na cidade de Roma, sofreu rotao para o alto e a flecha ganha
uma coroa, imitando um anjo.
Figura 5. O sinal de trnsito avisando que a rua contramo, tem
acrscimo de uma silhueta de operrio que parece carregar a sinalizao.

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A varredura e a leitura atenta
Qual tempo que levamos para realizar uma leitura rpida,
chamada pelos especialistas de varredura, e quanto demanda uma
anlise ou percepo em profundidade, a leitura atenta? Vamos
realizar um exerccio da leitura atenta de uma capa de revista ilustrada brasileira, do sculo XIX. Em quanto tempo se l (percebe e
analisa) essa imagem? Escolho a capa da revista Semana Illustrada,
a primeira semanal satrica criada no Brasil pelo alemo Henrique
Fleiuss em dezembro de 1860. Ele estabeleceu um modelo seguido, quase at o final do sculo XIX, por quase todas as publicaes
semanais ilustradas do pas. Sucesso ao longo de toda a dcada de
1860, a revista fechou em 1876, aps uma trajetria de 16 anos
um recorde para a poca (Costa, 2012). A capa escolhida a de
nmero 237, sexto ano da revista, em meados de 1865 [Figura 6].
Vamos a ela, com a pergunta: em quanto tempo se l esta capa?

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Figura 6. Capa da Semana Illustrada, nmero 237, meados de 1865.

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A CIDADE E A IMAGEM
Quanto tempo demanda a leitura dessa imagem? Provavelmente os poucos segundos que dedicamos anlise visual rpida
ou varredura resumida imediata, como conceituam os especialistas em design grfico. No mais do que 2,5 segundos, de acordo
com o designer John White:
A varredura resumida imediata dura 2,5 segundos, e o
exame detalhado pode levar at 5 minutos. [...] A varredura rpida, errtica, vertical requer elementos
que se destaquem. A leitura lenta, estvel, horizontal requer um fluxo claro, suave, estvel (White, 2005:
235-236).

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No entanto, essa uma imagem complexa, como se observa


em sua decupagem (feita a seguir). Uma anlise ou interpretao
dessa capa exige muito mais do que 2,5 segundos para uma apropriao desse conjunto de imagens que compe essa capa do nmero 237 da revista semanal ilustrada criada por Henrique Fleiuss
em dezembro de 1860 e por essa publicao que que o mestre
alemo considerado, por historiadores como Herman Lima (1963)
e Joaquim Ferreira de Andrade (2004), como o verdadeiro criador
da imprensa humorstica ilustrada no Brasil.
Fiquemos na anlise apenas da parte superior da capa [Figura
7], espcie de logomarca repetida ao longo dos 16 anos em que a
revista circulou semanalmente.

Figura 7. Detalhes da parte superior da capa da Semana Illustrada,


nmero 237.

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CONVVIO DE MDIAS
Acima, ocupando a tera parte superior da capa, o desenho
do logotipo rico em detalhes e se tornou a marca de identidade
da revista, acompanhando-a ao longo de dezesseis anos. No alto,
um Sol de formas humanas (com a lua e uma estrela cadente), ladeado esquerda pela palavra Semana e direita Illustrada.
Nas cantoneiras, h dois personagens de cada lado, com um fole e
uma seringa, como se estivessem a jogar gua de cheiro num entrudo carnavalesco. No centro, a figura de um homem, meio bruxo,
chapu com penachos, a cruz de malta ao peito: mantm o olho
direito fechado e o esquerdo bem aberto, como se olhasse o leitor,
num sorriso enigmtico. Tem na mo direita um exemplar da Semana Illustrada, enquanto a esquerda ajuda os dois bobos da corte
a passar a tira de imagens no animatgrafo ou lanterna mgica.
Na base do desenho, esquerda um casal, deitado como num
piquenique; direita, um grupo onde se destaca uma bailarina e
um padre, aparentemente bolinando a garota. Um clima pndego,
como se diria tempos atrs. Na objetiva da lanterna mgica, o lema
da revista Ridendo castigat mores. Ou seja, a comdia castiga ou
corrige os costumes, por meio do riso.
H nesse frontispcio uma caixa, espcie de cinematgrafo,
com a inscrio Laterna Mgica. Esse erro ortogrfico foi cometido no primeiro nmero, mas o alemo Henrique Fleiuss jamais
considerou a hiptese de refazer a logomarca, corrigindo o erro:
Laterna mgica, com o erro, passou a ser uma das identidades
visuais da revista, como escreve Joaquim Ferreira de Andrade.
O olhar desatento da varredura no prestaria ateno a todos
esses detalhes. E essa anlise deteve-se apenas parte superior da
capa: esse um bom exerccio para a coleo de avisos, placas,
filipetas ou flyers com que cruzamos [Figuras 8 a 10] todos os dias
na caminhada desatenta pela cidade.

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A CIDADE E A IMAGEM
As imagens da cidade: as mensagens coladas nos muros.

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Figura 8. O recrutamento de cozinheira: anncio escrito a mo, azul sobre folha branca, afixado em um muro em Curitiba (imagem captada em
maro de 2011).
Figura 9. o protesto contra o brbaro crime no trnsito ocorrido em Porto Alegre na noite de 25 de fevereiro de 2011, quando um motorista, o
bancrio Ricardo Jos Neis, de 47 anos, arremeteu seu Golf preto contra
um grupo de 200 ciclistas que dificultava sua passagem pela avenida, sem
lhes dar a menor chance de defesa ou fuga, sem se preocupar com as
consequncias. Houve 17 vtimas, nenhuma delas fatal. O cartaz tem no
centro a montagem de uma pistola e um carro da marca VW (preto sobre
fundo vermelho), e destaca em letras garrafais: No foi acidente!! e Assassino (texto branco e vermelho sobre fundo preto, as trs cores bsicas
do design grfico, segundo o especialista Roger Black). O pster est
colado ao estilo de um palimpsesto sobre outro cartaz (Foto tirada em
Porto Alegre, em novembro de 2011).
Figura 10. A faixa retangular quadrada, em material plstico, afixada nas
grades da Igreja de Santa Ceclia, no centro de So Paulo. Ela registra o
agradecimento de um devoto, S. Coelho, a seu santo de devoo, o popular
So Expedito, pelo acerto de contas com o CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) graas interveno do santo (Foto
tirada em Santa Ceclia, SP, em outubro de 2012).

Outra leitura: os adesivos afixados em orelhes


A presena e popularidade dos sites de relacionamento na
internet, um dos mais procurados meios de conexo interpessoal,
em que adeptos do sexo fast costumam agendar encontros e contratar acompanhantes e escort girls deixou alguns antigos recursos
fora de circulao. Mas ainda se encontram muitos folhetos e adesivos em diversos locais do Brasil.

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CONVVIO DE MDIAS
Na cidade de So Paulo, uma agncia de detetives investiga todo
ms mais de 70 casos de adultrio pela internet. A maioria confirmada. (Fonte: Giovana Telex, Jornal Hoje, 14/06/2011). Nos Estados
Unidos, uma pesquisa realizada por advogados matrimoniais mostra que 20% dos processos de divrcio citam o facebook como causa
da crise. Uma outra pesquisa conduzida por advogados responsveis
pelo ingls Divorce Online afirma que o Facebook o responsvel
por 28 milhes de divrcios em todo o mundo. Segundo a Academia
de Direito matrimonial adverte, na maior parte das vezes o cnjuge
infiel iniciou um relacionamento com um usurio do Facebook de
quem se aproximou sem segundas intenes.
Mesmo assim, a busca por sexo nos sites de relacionamento
no eliminou os santinhos, que podem ainda ser encontrados em
estaes de metr e banheiros de todo o mundo. Os exemplos aqui
mostrados [Figuras 11 a 13] so de adesivos colocados nos orelhes (sim, h ainda quem os use, embora cada vez mais raros) da
cidade de Curitiba, em maro de 2011.

Figuras 11 a 13. Ao longo da Rua das Flores, no centro de Curitiba,


os poucos aparelhos pblicos de telefone so forrados por cartes
de oferta de sexo, em que profissionais de nome Karo,
Amanda, Eduarda, Gessica ou Jaqueline anunciam o telefone
e servios, sem exaltar suas virtudes.

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Os anncios fnebres nos muros da Itlia e de Portugal


Os muros de algumas ruas de Perugia esto cobertos de avisos
fnebres. E o mesmo acontece na pequena Covilh, cidade da Beira Interior, quase no alto da Serra da Estrela, em Portugal. Sobretudo em ruelas nas imediaes de igrejas. Em Perugia, alguns desses anncios so de aviso de missa de stimo dia (ringraziamento:
ao de graas), outros de aniversrio de falecimento ou desaparecimento na traduo literal. Alguns exemplos, destacado das
imagens a seguir [Figura 14]:
A famlia Ferranti-Bazurli, na impossibilidade de faz-lo pessoalmente, agradece a todos os que participaram de sua dor pela
perda da querida GRAZIELLA. Casa do Diabo, 7 de janeiro de
2012. Parece estranho, mas vale esclarecer que Casa do Diabo
uma pequena aldeia nos arredores de Perugia, com 1.030 habitantes. H algumas explicaes para o nome. Poderia ser pelo fato de
o local no passado ter abrigado bandidos e refugiados; ou uma lembrana da destruio provocada pelas tropas cartaginesas lideradas por Anbal; ou, finalmente, a descoberta de urnas funerrias
medievais, contendo ossadas de crianas natimortas, portanto no
batizadas.
Aniversrio. No dcimo aniversrio da passagem do Prof.
Pietro Lorenzo Negri, sua mulher Tina, o filho Paolo com Sara,
Laura com Guido, os netos e parentes, o recordam com infinito
afeto. Segunda-feira, 9 de janeiro de 2012 s 18 horas ser celebrada missa na Igreja Paroquial de S. Biagio e Savino. Perugia, 7 de
janeiro de 2012.
Aniversrio. 5 de janeiro de 2011. 5 de janeiro de 2012. No
primeiro aniversrio de seu desaparecimento, a famlia Marcerelli
recorda com amor a Dante [Figura 15]. Um missa em sufrgio ser
celebrada quinta-feira, 5 de janeiro, s 18:30 na igreja de So Rafael,
na Via Madonna Alta. A famlia agradece a todos os que quiserem
se unir orao. Perugia, 3 de janeiro de 2012.
Todos os cartazes tm na base alguns indicativos. Onoranze
Funebri Ifa Passeri, Leggerini srl Pompe Funebri, Arof
Prosperi ou Moretti. So as casas funerrias mais atuantes da
cidade de Perugia, algumas com duas ou trs filiais, em cidades
vizinhas como Assis. Na convivncia com as mdias, o pesquisador

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pode buscar pelo site dessas prestadoras das pompas fnebres e
ter boas surpresas sobre as prestaes oferecidas por elas. A Honras Fnebres Ifa Passerini tem na lista de produtos a preparao
do corpo e tanatoesttica. E explica: A composio e preparao
do corpo requer a interveno de equipe altamente qualificada,
capaz de usar ferramentas e produtos profissionais. Por esta razo,
bom no improvisar na limpeza do cadver e confiar em nossa
equipe. Em alguns casos, como mortes resultantes de acidentes ou
doenas de longa durao, a tanatoesttica, aplicada no tempo certo, tornar o corpo do defunto o mais apresentvel possvel aos
olhos de seus entes queridos. Os funcionrios da IFA encarregados
dessas tarefas so especialistas e assistem de modo contnuo e regular a cursos de reciclagem ministrados por professores internacionais. Seguem-se mais de 3 mil caracteres discorrendo sobre transporte, enterro e cremao.

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Figuras 14 e 15. Cartazes-convite para celebraes litrgicas


em memria de falecidos, afixados nos muros da cidade de Pergia,
na Itlia. Fotos realizadas em janeiro de 2012.

Em outra das agncias, a Leggerini srl Pompe Funebri, o que


chama a ateno o catlogo de automveis e vans para realizar o
ltimo transporte ou fretro. Nada mal para uma empresa tradicional, com um histrico de prestao de servios desde 1887.

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So mais modestas as condies da Agncia Funerria Paraso Lda, com sede na Rua Nogueira Frades 1, em Covilh, quase
no alto da Serra da Estrela, em Portugal [Figuras 16 e 17]. O diferencial dos cartazes afixados por ela em alguns trechos das ruas
sempre ngremes da Covilh so a presena de fotos dos defuntos
em todos eles embora em tamanho menor . Tambm o site da
Funerria Paraso mais sbrio do que as similares italianas, com
textos menos retricos. Mesmo assim, oferecem quase as mesmas
prestaes: Para alm de um leque variado de oferta de servios,
que vo desde a Tanatopraxia e Tanatoesttica, florista, cantaria, a
uma frota moderna de carros funerrios. A Funerria Paraso tem
uma larga experincia em questes de repatriamento, constando
no seu currculo vrios servios de e para o estrangeiro. Dispomos
de servios fnebres catlicos e no catlicos.

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Figuras 16 e 17. A agncia funerria Paraso, da cidade de Covilh, em


Portugal, noticia falecimentos e missas de aniversrio da morte de seus
clientes. A diferena que os anncios da serrana Covilh trazem fotos
de todos os mortos o que acontece apenas em trs dos anncios da
cidade italiana. Fotos realizadas em janeiro de 2012.

Em sua misso, a empresa esclarece: Sendo a plena satisfao dos clientes o nosso principal objectivo, dispomos de servios
em permanente actualizao e modernizao. A nossa sede dispe
de gabinetes de atendimento personalizado e sala de exposio de

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urnas e artigos religiosos, oferecendo toda a dignidade e conforto,
e colaboradores experientes para auxiliarem e acompanharem as
famlias durante todo o processo doloroso de enlutamento.
Os efeitos da lei cidade limpa
A chamada Lei Cidade Limpa uma normativa contra a poluio visual no municpio de So Paulo, em vigor desde o dia 1 de
janeiro de 2007, proposta e sancionada pelo ento prefeito Gilberto Kassab. Com 57 artigos, distribudos em 4 sees, a lei deixa
clara sua misso de combate poluio visual, e de proteo, preservao e recuperao do patrimnio cultural, histrico, artstico
da cidade. Seu artigo 18 determina: Fica proibida, no mbito do
Municpio de So Paulo, a colocao de anncio publicitrio nos
imveis pblicos e privados, edificados ou no. A lei especifica o
tamanho de logomarcas (detalhando centmetros). O fato que
aboliu quase completamente a tradio de colocar cartazes e faixas
na cidade de So Paulo. Os totens do McDonalds, que dominavam a paisagem em entroncamentos como o da Avenida Henrique
Schaumann e Rebouas, com cerca de 30 metros de altura; ou os
das agncias do extinto Unibanco 30 horas desapareceram da paisagem. Um dos setores mais afetados foi o do mercado imobilirio,
que se utilizava at de cheerleaders (chefes de torcida) para atrair
a ateno de possveis compradores prtica adotada num segundo momento por revendedores de automveis.
Hoje, o paulistano que visita outras cidades como Belo Horizonte ou a vizinha Guarulhos percebe, com certa surpresa, a poluio visual dessas localidades. J nos acostumamos com o estilo despojado da capital paulista. A indstria imobiliria se adaptou a essa
situao, utilizando-se de jovens com cartazes indicativos [Figuras
18 e 19], numa ao que j discutida pela municipalidade.
Na esquina da rua Traipu com a rua Cndido Espinheira, no
bairro das Perdizes, na capital paulista, o apartamento com quatro
sutes, de 255 m agora anunciado no por faixas, mas por rapazes e moas contratados para exibir pequenos cartazes. So setas
que indicam a direo do trfego para chegar aos locais em que se
constroem edifcios de mais de 20 andares, substitutos das simpticas casas assobradadas que davam o tom caracterstico do bairro

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vinte anos atrs. Poucas sobreviveram especulao imobiliria. A
devastao foi descendo o bairro. Aps a destruio das casas da rua
Homem de Melo, agora chegou a vez das ruas Itapecuru, Turiassu
ou Paraguassu. Em vias onde antes trafegavam algumas centenas de
carros, hoje so milhares brotando de estacionamentos subterrneos com capacidade para quatro vagas por apartamento.

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Figuras 18 e 19. Rapazes e moas exibem pequenos cartazes anunciando empreendimentos imobilirios. Fotos realizadas em julho de 2013.

Concluso: convivncia do painel eletrnico e quiosque de novidades


O painel eletrnico mostrado a seguir [Figura 20] d bem a
dimenso da convivncia das mdias, em que o antigo pega carona
no atual e no moderno. A concluso simples e direta que se faz
desse ensaio um tanto errtico e livre, na proposta j mencionada
de Josep Catal que, mesmo bombardeado por imagens e mensagens, como quer a linguagem hiperblica de nosso tempo, h
ainda um longo percurso no desenvolvimento e educao de um
olhar atento. Do mesmo modo que levamos anos de aprendizado
no domnio da escrita e da leitura e interpretao de textos, h um
dficit de estudo e anlise de imagens. Parafraseando Voltaire, que
terminou seu livro Cndido com a clebre frase preciso cultivar

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o jardim, conclumos com a proposta desta reflexo: preciso
cultivar a leitura atenta das mensagens que a cidade nos oferece
em abundncia.

Figura 20. Na Avenida Callao, quase esquina com a Rivadavia, onde se


encontra o imponente prdio dos Dois Congressos, em Buenos Aires, uma
placa luminosa anuncia o Samsung Galaxy e seu QR Code d abrigo a um
panfleto que divulga o El Hostal del Conde, na Calle Mxico, 2327. Serve
ainda de suporte a uma srie de filipetas, afixados em sua base. A tecnologia
de um suporte eletrnico convive e compartilha o espao com as mdias de
antigamente em uma harmonia que desmente o conflito do novo e o
antigo. Fotos realizadas em maio de 2012. direita, imagem de um quiosque de novidades, local de fixao de anncios na Paris do sculo XIX: as
mesmas funes e proposta da placa eletrnica em uso nos tempos atuais
na capital portenha.

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DI FELICE. Massimo. Paisagens ps-urbanas. So Paulo:
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FERRARA. Lucrecia, DAlessio. Olhar Perifrico. So Paulo:
Edusp, 1999.
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Jos Olympio, 1963 (quatro volumes).
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2012. (mimeo)
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___________ Cenas da vida ps-moderna. Intelectuais, arte e
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___________ Siete ensayos sobre Walter Benjamin. Buenos Aires:
Fondo de Cultura Econmica, 2000.
___________ Tiempo presente. Notas sobre el cambio de una cultura. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2001.
___________ La ciudad vista. Mercancas y cultura urbana. Buenos
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watch?v=PTdzCAGH3lU acessado em 8 de maro de 2014.
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FOTOGRAFIA, MEDIAO E
ESPAO URBANO EM BELM DO
PAR: IMAGENS EVENEMENCIAIS
COMO RECONFIGURAO DA
EXPERINCIA
Jos Augusto Mendes Lobato

Introduo
Descontinuidades, fragmentaes, rupturas. Remisses, passagens, deslizamentos de sentido. Tais noes so apropriadas para
designar efeitos tanto da observao quanto da produo de imagens que focam o que pertence, original, mas no exclusivamente,
experincia concreta. Examinar de que modo se relacionam tais
processos o conhecer pelo olhar, por um lado, e o vivenciar pela
captura, por outro uma oportunidade para lanar luzes sobre os
modos com que o registro miditico capaz de orientar o conhecimento do mundo, configurando-se mdia e gerando mediaes
perceptivas que determinam, em certa medida, o ato de percorrlo com os sentidos.
Tal debate, certo, tornou-se h muito campo privilegiado da
comunicao social. So vrios os suportes disponveis para anlise: vdeo, udio, redes interconectadas, hipertexto, imagem pictrica... Cada qual dotado de sistemas de significao prprios que,
como j afirmado por autores como McLuhan (1971), atuam como
legtimas extenses dos sentidos humanos. Este texto, porm, possui inteno mais modesta que examin-los todos. Restringimo-nos
a um objeto especfico a fotografia para entender de que modo
o registro imagtico pode permitir reconfiguraes da experincia
urbana contempornea.
O ponto de vista a ser adotado aqui o de que, por meio de
elementos de complexidade narrativa e de recursos prprios da lin-

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guagem fotogrfica, torna-se vivel apreender, em determinadas


imagens produzidas sobre as cidades, efeitos de sentido ou embries diversos acontecimentos, objetos, edificaes, elementos
arquitetnicos, personagens a partir dos quais a vivncia mediada de seus espaos se torna possvel. E mais que isso: a partir dos
quais a observao e a produo fotogrficas se convertem em
reconfiguraes de sentido sobre a prpria urbanidade.
O percurso a ser elaborado tem o objetivo de emoldurar o que
denominamos, aqui, imagem evenemencial: uma categoria de registro que a um s tempo a experincia capturada e seu ponto de
partida, sujeito e objeto da mediao social cotidiana. Para isso, sero lanados olhares sobre a linguagem da fotografia, os processos
de produo de imagens tcnicas e suas relaes com a cidade aqui
entendida como um complexo sistema comunicativo, que combina
meio, mdia e mediao, a ser vivido e compreendido no trnsito por
seus espaos (Ferrara, 2008). Tambm sero discutidos aspectos
concernentes aos processos de narrao e representao social, bem
como as noes de complexidade visual, elaborada por Josep Catal
(2005), e embrio narrativo, de Buitoni (2010), que auxiliam na demarcao de um tipo especfico de produo fotogrfica.
Para fins de aplicao prtica de tais conceitos, percorreremos o acervo de imagens do projeto de pesquisa Comunicao,
antropologia e filosofia: esttica e experincia na comunicao visual urbana da contemporaneidade de Belm do Par, que rene
imagens produzidas ao longo de 2013 no intuito de estudar a comunicao visual urbana contempornea da capital paraense. Observaremos o material, dividido em 11 categorias temticas que aludem a espaos, mdulos arquitetnicos e cenrios especficos, com
vistas compreenso das potencialidades narrativas e dos sentidos
ali produzidos ou aventados.
1. Cruzar narrativas e imagens: a demarcao de mundos e de si
Antes de alcanar a anlise aqui proposta, somos instados a
resgatar algumas reflexes que apontam o papel e a presena do
discurso visual nas sociedades ao longo da histria. A perspectiva a
ser trabalhada demanda um entendimento do dilogo permanente
entre a produo tcnica ou orgnica de imagens, a constitui-

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o de narrativas e a demarcao simblica dos espaos mundanos. O que tambm envolver, mais adiante, as diferentes perspectivas com que a fotografia, como tcnica de reproduo do visual e
ampliao do olhar, analisada ao longo das ltimas dcadas.
Seja no mbito da psicologia social, da sociologia ou da antropologia, tornou-se consensual considerar que toda produo simblica humana perpassa, em maior ou menor medida, a produo
de imagens. Muito antes da ascenso de dispositivos tcnicos, capazes de abstrair em suportes fsicos e digitais fragmentos da vida
concreta, o homem encontrou na linguagem visual uma forma de
expressar anseios, percepes e entender o mundo sua volta, com
efeitos diretos no campo da cultura. No toa, Vilm Flusser afirma que no possvel se orientar no mundo sem que se faa antes
uma imagem dele (Flusser, 2007: 167).
Essa funo cognitiva concernente linguagem visual se manifesta desde a Antiguidade, por meio da pintura rupestre e das
artes visuais, e alcana a contemporaneidade por meio de dispositivos como a cmera fotogrfica e o audiovisual. por meio das
imagens que o indivduo constri sobre o mundo que se torna possvel elaborar representaes visuais de sua histria (Buitoni,
2010: 2) o que, em muitos momentos, se relaciona com as funes ldica e criativa, naturais a todo trabalho de representao.
Adicionalmente, tambm cabe observar de que modo a apropriao que o homem faz do mundo exterior por meio das imagens
mentais influi sobre a conscincia de si, com efeitos diretos na demarcao identitria. Autores, como Dietmar Kamper, chegam a
atribuir a essa relao homem-imagem-realidade um papel preponderante, to essencial quanto o da prpria expresso lingustica:
Os homens hoje vivem no mundo. No vivem nem na
linguagem. Vivem na verdade nas imagens do mundo,
de si prprios e dos outros homens que foram feitos, nas
imagens do mundo, deles prprios e dos outros homens
que foram feitos para eles (Kamper, 2001: 7).

Portanto, v-se que a imagem , a um s tempo, mediao


entre a vida concreta e o simblico, locus de acesso ao mundo e

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espao de sedimentao de olhares sobre ele. E, tambm, forma de


perpetuar o vivido, o presenciado a experincia. No toa,
Kamper afirma que sua natureza a de ser presena, representao e simulao de uma coisa ausente (Kamper, 2001: 12); indo
alm, nos termos de Baitello (2005: 22), pode-se concluir que toda
imagem representa a presena de uma ausncia e a ausncia de
uma presena, com atribuies documentais que antecedem sua
prpria materialidade em suportes especficos.
No difcil encontrar associaes entre tal lgica e a da produo de narrativas que, como diz Sodr (2009: 180), constituem
uma base comunicativa que forma primordial de transmisso de
tradies e modos de ser. O correto entendimento dos processos
de narrao nos permite compreender de que modo a imagem,
quando alada ao dispositivo fotogrfico, constitui uma nova forma de enunciao no verbal do mundo, marcada por suas funcionalidades identitria e cognitiva.
Diversos autores, como Hall (2001), Moscovici (2003) e
Bhabha (1998), discutem os procedimentos a partir dos quais a produo de relatos e textos atua na consolidao de identidades, na
formao da conscincia de si e na prpria construo do corpo
social; para o primeiro, por exemplo, noes como a de narrativa
da nao permitem entender de que modo agrupamentos humanos delimitam suas fronteiras culturais, para conectar seu presente com seu passado e imagens que dela so construdas (Hall, 2001:
87), por meio de uma certa escrita da tradio.
Medina (2003: 47) diz ainda que sem a narrativa o homem
no se expressa, no se afirma perante a desorganizao e a
inviabilidade da vida. J Moscovici (2003: 51), no mbito da psicologia social, associa a produo de discursos construo de representaes sociais capazes de gerar ns de estabilidade e
recorrncia, uma base comum de significncia entre seus praticantes, e fixar simbolicamente laos de familiaridade com o mundo.
A principal atribuio da narrativa, porm, discutida por Walter
Benjamin e est no cerne dos relatos verbais: a transmisso de experincias. Ao analisar o papel do narrador no compartilhamento de
conhecimentos das sociedades, o autor desenvolve, em um ensaio
clebre, uma crtica s formas contemporneas romance, relato

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de informao etc. de enunciao e contrape, a elas, as histrias
contadas e recontadas por annimos, que seriam ainda capazes de
sustentar a dimenso criativa e constitutiva do humano concernente
s verdadeiras formas de enunciao (1996: 198).
A perspectiva de Benjamin bastante clara: os gneros textuais em ascenso ao incio do sculo XX, notadamente os viabilizados
pelos tipos mveis, favorecem leituras autoexplicativas e instrumentais da vida e de seus fenmenos; narrao legtima, despreocupada com valores como a novidade de um acontecimento, estaria reservada a verdadeira transmisso de experincias. A narrativa deve, enfim, ser renovada a cada instncia de enunciao no
pode se esgotar na emisso e recepo bruta de informaes (Benjamin, 1996: 204). Diz o autor:

A narrativa [] (...) uma forma artesanal de comunicao. Ela no est interessada em transmitir o puro em
si da coisa narrada como uma informao ou um relatrio. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em
seguida retir-la dele. Assim que imprime na narrativa a
marca do narrador, como a mo do oleiro na argila do
vaso (Benjamin, 1996: 205).

As perspectivas apresentadas podem nos auxiliar no cruzamento entre narrativas e imagens, essencial para entender o trabalho de representao perpetrado no dispositivo fotogrfico. Em
suma, estas compartilham as funes de transmisso de experincias, formao identitria e orientao cognitiva diante dos fenmenos do mundo. Diferem, substancialmente, no suporte de expresso a palavra ou texto versus o campo visual e/ou o imaginrio , mas isso de modo algum invalida a facilidade de combinao
de seus elementos conceituais.
Por isso, propomos, de antemo, que um estudo detalhado
acerca da linguagem fotogrfica deve considerar no apenas sua
relao com a expresso visual humana, mas tambm suas
potencialidades relativas documentao, (re)criao simblica e
demarcao do mundo. Ver o ato fotogrfico como produo nar-

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rativa implica, enfim, a superao das antigas oposies visual/verbal, imagtico/textual, que por vezes marcam a anlise dos discursos engendrados na imagem. Deve-se, agora, compreender as
especificidades desse formato e revisar algumas reflexes recentes
sobre a prtica da fotografia.

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2. Imagens tcnicas e o embrio narrativo: olhares sobre o ato fotogrfico


Desde seu surgimento, a fotografia objeto de estudo segundo orientaes as mais diversas. Isso porque, a despeito das evolues tecnolgicas que a seguiram, essa tcnica de registro e
enquadramento do mundo cotidiano permanece at hoje como um
dos mais importantes meios de expresso humana, com desdobramentos relevantes nos campos das artes visuais, da documentao,
do jornalismo, da publicidade e da fico em srie.
Sua inveno, relacionada s consequncias da revoluo industrial e valorizao da pesquisa e da cincia no sculo XIX,
contribuiu para a construo da linguagem de diversas outras formas de comunicao do sculo seguinte, com influncia direta nos
processos cinematogrficos, televisivos e mesmo na signagem das
redes digitais. Entend-la, como processo, tcnica, linguagem e
sobretudo como mediao, imperativo para apreender os significados da cultura visual contempornea.
Espelho ou subverso do mundo, trao ou recorte de seus
cenrios e fenmenos, o ato fotogrfico , hoje, importante meio
de acesso e, por que no diz-lo, experincia de contato com a realidade. Flusser (2007) discute o surgimento das imagens tcnicas
categoria com que designa tanto a fotografia quanto outros modos
de produo visual base de dispositivos como consequncia
natural de nossos processos de abstrao; para o autor, estes esto
ligados ao mundo de imagens criado pelo homem, ao qual cabe
realizar a mediao entre ele e o mundo dos fatos, com os quais
estava perdendo contato medida que retrocedia para observlos (2007: 121).
Ao propor uma histria humana centrada nos processos de
fabricao da tecnologia visual, Flusser identifica dois modos de
pensamento: conceitual e imagtico. O primeiro, mais claro, de-

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manda um trabalho profundo de abstrao est ligado, por exemplo, mdia textual e aos processos psquicos decorrentes de sua
leitura. J a linguagem das imagens, ao apresentar maior riqueza
de detalhes para visualizao imediata, oferece um olhar de fora
(Flusser, 2007: 109), predeterminado e a princpio livre de abstrao; porm, de sua leitura decorrem processos igualmente relevantes de fruio crtica. Em suma, precisamos seguir o texto se quisermos captar sua mensagem, enquanto que, na pintura e em outros suportes, podemos apreender a mensagem primeiro e depois
tentar decomp-la (2007: 105).
Tambm nessa esteira pode ser enquadrado o pensamento de
Benjamin (1996: 104) sobre o enfraquecimento da aura gerado
pela tcnica: para ele, os mtodos de reproduo mecnica constituem uma tcnica de
miniaturizao e ajudam o
Entender a fotografia
homem a assegurar sobre
as obras um grau de docomo processo, tcnica,
mnio sem o qual elas no
linguagem e sobretudo
mais poderiam ser utilizadas. Ao que Flusser comcomo mediao
plementa, afirmando que
imperativo para
esse trabalho torna o homem no mais sujeito, apreender os significados
mas sim objeto da tcnida cultura visual
ca: afinal, ao permitir experincias mediadas, o
aparelho s faz aquilo que o homem quiser, mas o homem s pode
querer aquilo de que o aparelho capaz (2007: 40).
As reflexes de Flusser, que recaem em uma discusso crtica
sobre os modos de associar o pensamento conceitual ao imagtico,
para que as imagens no aprisionem o humano (2007: 143), lanam luz sobre um sistema narrativo prprio que, desde seu
surgimento, despertou desconfianas e subservincias, preconceitos e deslumbramentos diversos, muito relacionados sua capacidade quase mgica de captar e expandir, primeira vista ilimitadamente, o trabalho do olho humano.
O jornalismo, a fico seriada, o campo artstico e outros gneros se nutriram do discurso fotogrfico para ampliar suas

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potencialidades narrativas ao longo do sculo XX. O que fez com


que alguns de seus pressupostos como a verossimilhana, a documentao do real e seu potencial transformador passassem a ser
utilizados como objeto de anlises e julgamentos sobre os limites
naturais do trabalho de captao do mundo pelas lentes das
cmeras.
Seguindo os raciocnios de Dubois (1994), o ato fotogrfico
veio sendo analisado em ao menos trs direes de um extremo,
no qual a representao visual tida como reflexo ou espelho do
mundo, at outro, no qual ela consiste em um trao ou recorte dele.
O primeiro discurso facilmente associado ao da linguagem
jornalstica de fins do sculo XIX: cabe fotografia refletir, servil e
plenamente, o mundo que se oferece diante de suas lentes, como
um instrumento de documentao. O segundo, mais afeito aos pressupostos da arte, via-a como instrumento de transformao e
desconstruo do real.
A terceira perspectiva, que a que defende e aprofunda o
autor, decorre da superao das anteriores: entende que todo trabalho de representao resultado de uma seleo arbitrria por
parte de quem o realiza, que prioriza aspectos a ser retratados e
determina que outros permaneam sombra, fora do
enquadramento fotogrfico construo simblica, enfim.
Essa viso est ligada, de modo notvel, da semiologia e
da filosofia da linguagem, entre outros campos do saber: estabelece que a cmara escura no um dispositivo neutro, que toda imagem carrega, consigo, subjetividade. E, consequentemente, que
compreender a mensagem fotogrfica demanda um olhar atento,
que considera no apenas o produto material (a imagem), mas tambm seu processo de captao, suas dinmicas de leitura e apropriao e o contexto que envolve o ato fotogrfico:
A fotografia oferece ao mundo uma imagem determinada ao mesmo tempo pelo ngulo de viso escolhido, por
sua distncia do objeto e pelo enquadra-mento; em seguida, reduz, por um lado, a tridimensio-nalidade do objeto
a uma imagem bidimensional e, por outro, todo o campo
das variaes cromticas a um contraste branco e preto;

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finalmente, isola um ponto preciso do espao-tempo e
puramente visual (Dubois, 1994: 38).

Assim, o autor indica que o modo mais adequado de entender a


linguagem da fotografia demarca sua natureza indicial: ela , sobretudo, um trao do real, um processo a partir do qual um excerto dele
representado, preservando sua materialidade fsica. O ndice ,
sobretudo, confirmao da existncia do objeto, paisagem ou cena
fotografado; deixa o rastro (fsico ou digital) que assegura sua permanncia, mesmo que como virtualidade. A foto nos conduz, tal qual
testemunho, existncia e no ao sentido de uma realidade ali
apresentada/representada (Dubois, 1994: 52). Diz Buitoni:
A fotografia recorta, circunscreve. Um clique separa a cena
do resto do mundo. No entanto, o resto do mundo conserva uma presena virtual. O espao fora de campo
(ou espao off, espao extraquadro) est ausente da representao, mas ao mesmo tempo sabemos e imaginamos sua presena. A imagem fotogrfica, sendo sempre
parcial, pressupe a presena de uma exterioridade em
seu entorno (Buitoni, 2010: 4-5).

Ao discutir o trabalho de registro imagtico do mundo no campo do jornalismo, Buitoni desenvolve um raciocnio fecundo ao
propsito aqui lanado: o conceito de embrio narrativo. Ancorada
nas discusses sobre o carter indicial e documental/informativo
do trabalho fotogrfico, a autora discute de que modo uma imagem capaz de enunciar com maior efetividade a natureza de uma
forma, objeto, cena e/ou ao que submetida captura da cmera.
Para alm do flagrante, ou seja, da imobilizao de um quadro
de uma sequncia que evidencia o congelamento temporal, o embrio
narrativo seria capaz de nos dar pistas de uma ao a ser continuada,
ou que pelo menos nos sugira a existncia de aes antes ou depois
da cena registrada (Buitoni, 2010: 12), semelhante noo de punctum
trabalhada por Barthes. Explica a autora:

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O conceito de embrio narrativo envolve uma idia de
sequncia, de sucessividade: a modificao temporal est
implcita em sua percepo. Assim, embrio narrativo
toda forma ou gesto congelado no tempo que permita
imaginar o passado ou o futuro imediato daquela ao.
(...) A narratividade que pode estar presente numa foto
isolada a mesma potencialidade narrativa de um fragmento de ao (Buitoni, 2010: 12, grifos nossos).

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Partindo dos pressupostos da imagem tcnica como mediao


e documento indicial, capaz de produzir sentidos a partir dos
excertos de real que captura e das experincias que a envolvem,
bem como da existncia de um embrio narrativo nas imagens, capaz de captar e sugerir caminhos enunciativos diversos, podemos
apreender a relevncia de entend-la como produo evenemencial:
ou seja, como uma demarcao do mundo que , a um s tempo,
registro de sua existncia e produo que orienta suas formas de
apropriao e percepo por parte dos olhos que leem as imagens.
3. Da complexidade visual imagem evenemencial
De certo, a despeito da multiplicidade de suportes possveis,
as imagens de que dispomos hoje para observar os fenmenos
mundanos nem sempre nos oferecem as conexes necessrias para
o entendimento pleno daquilo que representam. Para alm da discusso sobre os efeitos de sua leitura e dos repertrios necessrios
para faz-lo, porm, h uma questo que est na origem nos prprios processos de produo da linguagem visual. Processos que
Josep Mara Catal, professor da Universidade Autnoma de Barcelona, veio examinando nos ltimos anos, na elaborao de seu
longo tratado sobre a imagem complexa.
O direcionamento das reflexes de Catal claro: com a ascenso de diversas tecnologias que permitem a multiplicao das
imagens no mundo, com apoio de plataformas igualmente variadas
impresso, online, audiovisual etc. , preciso repensar o estatuto
das representaes visuais na vida contempornea. No centro de
tudo est a necessidade de enxergar a imagem como um produto

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multifacetado: ou melhor, como diz o autor, preciso compreender que la imagen ya no existe, existen em todo caso las imgenes,
siempre en plural (Catal, 2005: 43).
Referencialidades, conexes e interaes diversas entre as
imagens que recebemos e percebemos sobre o mundo fazem com
que um novo nexo narrativo se estabelea no campo da cultura
visual que vem em substituio cultura da imagem, isolada, hermeticamente fechada em processos que determinam sentidos. Nesse
contexto, o autor denomina complexas as imagens que pertencem
a essa nova lgica, que considera e recorre multiplicidade para
propor construes simblicas que permitam uma leitura mais
ampla menos epidrmica do real.
Na cultura visual, imagem e outras produes textuais no
interagem mais como peas complementares ou conflitantes, mas
como elementos em permanente intertextualidade e dilogo. A construo de sentido est na simbiose entre imagem e demais linguagens.
Em vez da estrutura pictrica como emblema, como comunicao ou mensagem pronta, diz Catal (2005: 43), deve-se pensar
nas imagens em permanente dilogo e interao com elas mesmas e
com os outros suportes textuais. a morte da imagem isolada e
sua substituio pela imagem em movimento (ou em fluxo):
Las imgenes contemporneas dificilmente se perciben
de manera aislada, ya sea porque ellas mismas se presentan
conjuntamente, aunque pertenezcan a territorios diversos, organizando constelaciones visuales como ocurre en
la televisin, o porque nuestra mirada, que ha entrado en
un rgimen perceptivo peculiar, se encarga de agrupar
unas imgenes con otras, como puede suceder cuando nos
paseamos por una ciudad. Ya no existen imgenes aisladas,
ni siquiera estn aisladas aquellas que fueron pensadas
aisladamente, aquellas que pertenecen a la poca de la
imagen cerrada (Catal, 2005: 46-47).

O autor tentar traar, em suas reflexes, algumas caractersticas bsicas das imagens pertencentes a esse paradigma de com-

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plexidade. Ater-nos-emos a elas, para compreender sua relao com


as noes at aqui trabalhadas. A primeira a multiplicidade ou
seja, a necessidade de construir representaes que sejam capazes
de dar cuenta de la red de elementos que componen el fenmeno
(Catal, 2005: 61), considerando no apenas mltiplos olhares sobre ele como, tambm, mltiplas plataformas para captur-lo e
apresent-lo. Em segundo lugar, h a entre-captura, ou capacidade
de as imagens estabelecerem uma relao com o conjunto e, tambm, de este relacionar-se com as representaes individuais. Assim, diz Catal, a multiplicidade de um fenmeno visual capaz de
transformar continuamente os elementos, ao mesmo tempo em que
estes o transformam. Por fim, elenca-se a estrutura dissipativa, que
permite s imagens complexas em fluxo vivenciar um permanente
desequilbrio combinado auto-organizao e pulso criativa;
tal noo est intimamente ligada ideia de gerir la relacin fundamental entre cambio y estabilidad (Catal, 2005: 61).
Embora direcionadas, sobretudo, s diversas mdias eletrnicas surgidas ao longo do sculo XX e s possibilidades nelas contidas para ampliar a experincia visual, as reflexes de Catal so
apropriadas para repensar o papel da fotografia como instrumento
de demarcao simblica. Ao apontar caractersticas capazes de
compor uma genealogia da complexidade, o autor ajuda a enriquecer a reflexo que viemos traando a respeito das potencialidades enunciativas da imagem fotogrfica como canal de acesso
experincia.
nesse campo que se inscreve o que pretendemos denominar
imagem evenemencial: categoria e ao mesmo tempo lgica de construo de representaes visuais que, ao indiciar elementos, objetos e fenmenos do real, permite a visualizao de suas facetas
possveis, gestadas por meio dos embries narrativos presentes
hora da captura. Em linha com a ideia de complexidade visual, entende-se que tal designao deve aludir quelas imagens que permitam ao homem conhecer, vivenciar experimentar os ambientes sob representao por meio de permanente multiplicidade e
referencialidade, ou seja, do dilogo entre diferentes imagens
interconectadas que apresentam diversidade de ngulos, e de conexes capazes de sugerir a lgica do sentido (simblica), a

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materialidade (indicial) e a visualidade (icnica) do instante que
registrado.
por meio da imagem evenemencial, tambm, que podemos
pensar em um processo a partir do qual seja possvel, a um s tempo, conhecer pelo olhar (experincia mediada de contato com o mundo) e vivenciar pela captura ou seja, o prprio evento de registro
imagtico consistindo em
instncia de contato com
Imagens evenemenciais
o real, permitindo, porso capazes de indiciar,
tanto, a conexo entre
pensamentos con-ceitual
produzir e orientar a
e imagtico, nos termos de
experincia humana,
Flusser (2007). Em suma,
so estas as imagens que
gerando mediaes
podemos considerar capaconstitutivas das
zes de indiciar, produzir e
orientar a experincia hutramas relacionais
mana, gerando mediaes
constitutivas das sociabilidades, das culturas, das tramas relacionais. Vida nas e por meio das
imagens com todas as complexidades, possibilidades e riscos da
decorrentes.
Esse exerccio de reflexo sobre a natureza das imagens e da
linguagem fotogrfica nos permite um olhar mais atento para as
representaes visuais realizadas no mbito do projeto Comunicao, antropologia e filosofia: esttica e experincia na comunicao visual urbana da contemporaneidade de Belm do Par. Antes, porm, cabe compreender de que modo os espaos urbanos se
relacionam com suas prprias representaes e com os debates do
campo da comunicao social.
4. Imagem e experincia: a cidade como meio, mdia e mediao
O novo homem no quer ter ou fazer, ele quer vivenciar. Ele
deseja experimentar, conhecer e, sobretudo, desfrutar
(FLUSSER, 2007: 58).

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Poucos espaos so capazes de evidenciar a complexa teia de


relaes e sistemas das sociedades contemporneas de modo to
apropriado quanto a cidade. Estrutura-smbolo da modernidade,
campo de circulao de significados que exprime, com preciso
exemplar, as formas comunicativas propiciadas pelas tecnologias
de mdia, o espao urbano , em certa medida, produto e razo de
ser do planejamento das sociedades industriais criao dos Estados e dos sistemas econmicos destinada regulao dos fluxos,
padronizao dos modos de vida e ao ordenamento poltico e cultural. Sobrevivente do sculo XX, a cidade , e tende a ser por
longos sculos, clula global que organiza a dinmica da vida. No
difcil notar suas relaes com as mdias e, em especial, com a
cultura visual que cerca o indivduo na ps-modernidade.
Nos campos da comunicao e da filosofia, os estudos j realizados sobre a urbanidade tendem a centrar-se nos processos que
implicam na socializao dos indivduos, na sua subjetivao dentro dos espaos citadinos e, tambm, nos vnculos permanentes entre
os locais de convivncia social e a produo de identidades coletivas; em suma, nos seus modos de vida, de relaes sociais, de exerccio poltico e de sobrevivncia diria (Ramos, 2005: 1). A cidade, enfim, vista como um organismo vivo, como diz o gegrafo
Milton Santos, e entender seu funcionamento debruar-se sobre
a vida coletiva social, poltica e cultural, aprofundar-se em seus
deslocamentos, inflexes e instabilidades e compreender seus movimentos.
Outro importante eixo de preocupao que nos interessa de
modo especial compreender as articulaes entre os processos
da comunicao de massa e a construo do espao urbano, tanto
em sua materialidade estrutural quanto no que concerne sua imagem; assim, entendemos a cidade, mais que como lugar de vida ou
de identidade, como um complexo sistema onde se confrontam
suportes materiais, imagens que a formam e deformam e mediaes, geradas por e geradoras das sociabilidades que nela ocorrem.
Nesse sentido, Ferrara (2008) oferece importantes insumos
em um trabalho que discute de que modo a cidade se constitui como
meio (espao ou estrutura de circulao), como mdia eficiente
que enuncia a si mesma e tem suas paisagens convertidas em re-

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presentao visual e como mediao. Como resume a autora,
enquanto construo, a cidade meio, enquanto imagem e plano,
a cidade mdia, enquanto mediao, a cidade urbanidade (Ferrara, 2008: 43, grifos nossos).
Recorrendo ao pensamento de Aldo Rossi, importante intelectual da arquitetura, a autora mapeia de que modo a construo
da cidade, em especial aps a revoluo industrial, capaz de aliar
a funcionalidade (necessria ao planejamento das sociedades capitalistas) trama de relaes comunicativas nela possvel. Por meio
de tcnicas e formas construtivas, a arquitetura atribui a funo, o
uso e o valor do espao e, nesse sentido, constitui o suporte atravs
do qual a cidade se constri como meio comunicativo, que possibilita sociabilidades e interaes em constantes transformaes
(Ferrara, 2008: 41). Delineia-se, portanto, um importante objeto
de anlise para o campo da comunicao: a cidade e sua dupla face,
ao mesmo tempo objeto comunicativo (suporte miditico) e espao/sujeito das interaes que nela ocorrem.
A noo da cidade como meio remete pele das construes, nos termos da autora; so os suportes fsicos que permitem
(ou impedem) as sociabilidades, constituindo tambm, por meio
dos traos arquitetnicos, a identidade simblica do espao. No
entanto, na cidade como mdia e como mediao que centramos
atenes nessas duas atribuies que se pode enquadrar a funo da imagem fotogrfica como meio de acesso urbanidade.
Ferrara apresenta uma perspectiva em relao cidade-mdia: por
estar intimamente vinculada s imagens produzidas por ela, para
ela, consiste em um mecanismo que simplifica e arredonda os
contornos de complexidade da vida urbana. As fotos tursticas, as
skylines que denotam a grandeza dos arranha-cus, as perspectivas
das grandes avenidas reforariam o que a autora chama de
centralismo miditico, que determinaria (negativamente) os
modos de se ver ou admirar as cidades.
A imagem a mdia da cidade sob a gide do visual que
distorce a realidade para se tornar palatvel percepo rpida e inconsequente. Uma cidade prt--porter
como se fosse miniatura de um brinquedo ou caricatura
favorvel ao jogo comercial e empresarial que a utiliza

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como seu objeto. Essa linearidade entre causa e efeito
faz com que a imagem seja o alicerce e o instrumento de
uma operao de centralismo miditico que determina
um modo de ver, usar e valorizar a cidade e faz com que
a indiscutvel base icnica da imagem migre para uma
interpretao que transforma o cone em emblema e
empreste midialogia da cidade uma representao simblica. A imagem , portanto, a primeira forma de comunicao entre a cidade e o usurio atravs dos seus
cones / simblicos que, justapostos ou no, so a primeira forma inteligvel da arquitetura como cdigo cultural (Ferrara, 2008: 46).

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A perspectiva, portanto, de que a fruio da imagem da cidade consistiria em um apagamento da experincia: estar-se-ia diante de um controle dos modos de ver programado pelos meios de
comunicao. Pedaos selecionados de uma cidade valem pelo todo,
sendo mais retrica visual do que paisagem propriamente dita
(Ferrara, 2008: 47). A cidade midiatizada disciplinar, recorrendo
terminologia de Foucault (1996): expe aquilo que deve ser visto,
aquilo que determinado discursivamente na teia das relaes de
poder. o carto-postal, a publicidade ou o mapa da agncia de
turismo em sua mais pura expresso.
A sada para tal lgica estaria no grau zero da mdia: ou
seja, em encarar a cidade como espao de experincia concreta e
sociabilidade. Superar o carter miditico da cidade demanda usla como mediao experimentando-a como processo, como um
espao em permanente movimento. Para Ferrara, a diferena fundamental est em a cidade permitir, como mediao, a extenso
dos sentidos possveis para seus fenmenos; para alm do que
repassado na representao, h um significado latente na urbanidade a ser desvendado pelo intrprete, que se desenvolve como
usurio e a reconfigura como sistema.
Ao contrrio da imagem da cidade que constitui representao icnica de desejos imaginrios de identidade,

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individual e coletiva, do usurio atravs da cidade, a
mediao supe uma auto-organizao e transformao
do usurio medida que ele interfere na cidade e contribui para a prpria organizao do cotidiano que a caracteriza (Ferrara, 2008: 49).

Ora, justamente no interstcio da mdia e da mediao discutidas pela autora que acreditamos que se configura a imagem
evenemencial. A captura que ao mesmo tempo experincia, o
registro do mundo que capaz de reelabor-lo e determinar seu
(re)conhecimento, representa um grau zero que se apoia no prprio dispositivo miditico responsvel pela eternizao do quadro, do instante, da narratividade que se constitui nos espaos e
paisagens da cidade contemplada. Para alm de um olhar puramente instrumental, especular ou espetacular do mundo encarnado em imagens, acreditamos ser possvel desvendar e fazer surgir
sentidos sobre ele dentro do registro visual resgatando a essncia
de transmisso de experincias, atribuda por Benjamin ao relato
verbal, para aplic-la ao campo fotogrfico. Mais que lgica da
publicidade, do jornalismo, da arte ou de outros gneros, portanto,
a representao imagtica do espao urbano serviria a ele prprio
e aos que nele vivem: configurao da urbanidade como modo de
vida e repositrio da cultura humana.
5. Fisionomia Belm: olhares sobre a urbanidade
Realizado por professores e discentes da Universidade da Amaznia (Unama), com colaboradores de instituies como Universidade Federal do Par (UFPA) e Universidade de So Paulo (USP),
o projeto Comunicao, antropologia e filosofia: esttica e experincia na comunicao visual urbana da contemporaneidade de Belm
do Par prope um estudo sobre as formas de comunicao visual
da metrpole de 1,4 milho de habitantes, considerando suportes
como fachadas de casas, estabelecimentos comerciais, prdios, igrejas e monumentos, anncios publicitrios, praas e avenidas.
As imagens componentes da srie Fisionomia Belm, resultante do projeto de pesquisa, foram produzidas com cmeras digitais amadoras ou semiprofissionais pelos prprios pesquisadores do

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grupo so, portanto, registros informais, realizados nos diversos


horrios e dias da semana, ao longo do ano de 2013, sem orientao
especfica. O material foi recolhido, editado e distribudo em 11 categorias, que concernem natureza dos espaos sob representao
ou ao mbito urbano focalizado: Comrcio; Praas; Publi-Cidade;
Passantes, Passageiros e Trajetos; Intervenes Urbanas; Ruas e
Edificaes; Vidro; Maquinismo; Limiares; Conjunto; e Templo.
Compilado em uma pgina na internet1 e tambm reunido em
uma exposio, o resultado da investigao sinaliza a aplicabilidade
de nossa hiptese da imagem evenemencial, ao reunir imagens que
ressignificam a experincia urbana ao mesmo tempo em que a elegem como objeto de ateno. Tomam a cmera fotogrfica como
ponto de partida para, a partir dela, investigar e produzir novas formas de vivenciar e contemplar a cidade, com todas as suas nuances,
possibilidades e narratividades. A pesquisa , em si, uma nova vivncia
sobre o espao, e seu resultado alimenta novas formas de presentificlo. As sries fotogrficas, enfim, so capazes de pr em prtica os
propsitos centrais do projeto, descritos no seguinte texto:
As imagens so locus-signu que possam exibir a condio contempornea citadina. Essas imagens procuram
um certo registro dessa existncia. Diz-se um certo registro porque sabe-se da conhecida condio inerente
fotografia que diz respeito interveno da cmera na
realidade, o que j daria imagem no mais a sua condio de mera reproduo da realidade, mas de uma certa
representao, uma certa construo do real. Pretendese, nessas imagens, certa densidade para exibir; certa
exibio para cindir. (...) Neste site no existem imagens
banais e, espera-se que no exista, de quem as v, vulgaridade. O que pode parecer uma imagem comum procura ser exibida como um signo que se relaciona com a
existncia contempornea de uma cidade opaca e cintilante; de runas e andaimes; rpida e esttica; mltipla e

Disponvel em: http://projetofisionomiabelem.blogspot.com.br. Acesso em 30


set. 2013.

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nica; distinguvel e inseparvel; vazia e repleta de gente. (...) O desafio gigantesco. Impossvel captar a cidade em sua completude; procura-se exibi-la em seus signos. para reconhecer esses signos que essas imagens
so realizadas.2

Um dos pontos mais significativos na observao de tais imagens sua instabilidade. Boa parte dos registros, sobretudo os realizados noite, exibe construes, personagens e avenidas fora de
foco, nem sempre bem posicionados. O ponto de vista, tanto em
relao ao enquadramento quanto no que concerne posio de
captura (altura, ngulo etc.), assemelha-se ao da cmera subjetiva,
muito comum no cinema e na televiso: busca-se dar a sensao de
que a imagem foi capturada pelo olho humano. A ideia a de que
h um passante, anlogo ao flneur de que nos fala Benjamin
(1991), que percorre a cidade, no intuito de observar seus fenmenos, de modo desapressado, livre e contemplativo, experimentando-a como quem a conhece pela primeira vez. A contemplao da
alteridade marca sua forma de se relacionar com o exterior, visto
que no se sente preso s razes do espao urbano; no o encara
com um olhar de familiaridade. O olhar do alegrico a perpassar
a cidade o olhar do estranhamento. o olhar do flneur, cuja
forma de vida envolve com um halo reconciliador a desconsolada
forma de vida vindoura do homem da cidade grande (Benjamin,
1991: 39).
A multiplicidade tambm se destaca, tanto em relao a aspectos tcnicos (resoluo, equipamento utilizado etc.) como na
documentao de diversos lugares da cidade embora algumas
categorias, notadamente Ruas e Edificaes, Passantes, Passageiros e Trajetos e Comrcio, se concentrem no centro expandido.
Outro elemento a conectividade/inter-relao dos registros: por
meio da articulao em temas especficos, possvel analisar os
ngulos oferecidos sobre a cidade de modo segmentado. Na categoria Vidro, destacam-se os edifcios de bairros como Umarizal e
2

Disponvel em: http://projetofisionomiabelem.blogspot.com.br/p/blogpage_22.html. Acesso em 30 set. 2013.

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Batista Campos; em Comrcio, fachadas destrudas ou degradadas
de prdios histricos interagem com equipamentos modernos,
outdoors, painis multicoloridos e casares revitalizados, muitas
vezes com cores e elementos que destoam dos estilos art nouveau e
colonial, comuns em bairros histricos como a Cidade Velha (ver
imagens abaixo).

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V-se, portanto, que a srie rene elementos de complexidade visual, nos termos de Catal (2005); investe-se na serializao
de fotografias que permitem uma observao pormenorizada de
determinadas regies da capital do Par, com materiais que podem ser lidos de diferentes maneiras. Na realidade, os locais
registrados no so creditados: tampouco h referncias visuais claras como placas ou pontos tursticos que os demarquem. A imagem atua, sobretudo, como trao do corpo social, de uma urbanidade reapresentada visualmente. Est, portanto, nos termos do
autor, dentro de

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(...) un conjunto movimiento conceptual, a travs del que
nos ofrece distintas facetas de un mismo fenmeno, distintas posibilidades, cada una de las cuales modifica las
relaciones de los elementos que la componen (Catal,
2005: 546).

Outro aspecto que salta aos olhos o foco na representao


dos hibridismos que configuram o espao urbano. Sobretudo nas
categorias Templo que rene imagens de edificaes religiosas
crists e PubliCidade cujas fotos mostram interaes entre logos
publicitrias, edifcios e tecnologias como o neon , usa-se o meio,
ou seja, o suporte fsico, nos termos de Ferrara, para assinalar as
distintas peles culturais da cidade (2008: 44), que mesclam
temporalidades diversas e muito dizem sobre as interaes entre
tradio e modernidade nas metrpoles brasileiras.
Embora sem personagens ou sem apresentar cenrios amplos,
essas imagens atestam, em um procedimento notadamente indicial,
mas tambm simblico, a existncia de determinados signos que
configuram um elemento marcante da paisagem urbana: seu carter mltiplo, catico, para muitos ps-moderno, que se evidencia
na mistura de estilos, na quebra ou dessacralizao de referenciais
histricos e na reapropriao do clssico e do tradicional. Global e
local se mesclam em construes como a agncia bancria instalada em um casaro do sculo XIX, o arranha-cu erguido ao lado
de escombros de uma antiga residncia e o cone publicitrio que
alude colonizao portuguesa local por meio de uma logomarca
em neon, moldada sobre uma Cruz de Malta estilizada (ver imagens na prxima pgina).
Em relao narratividade, as imagens atuam de modo sutil,
principalmente por meio de veculos ou pessoas em movimento nos
locais fotografados. Aqui se encaixa a noo de embrio narrativo:
fotografias de alguns temas, como Comrcio, Passantes, Passageiros
e Trajetos e Limiares, so capazes de apresentar diversas sugestes
concernentes ao passado e ao futuro do momento que foi congelado
no instante da captura. A foto mais do que o momento fotografo;
expande-se para fora daquilo que a lente demarcou.

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Diz-nos Buitoni, ao discutir a presena do embrio narrativo


no fotojornalismo, que uma foto que apresenta uma narratividade
latente estar mais apta a fazer interface com o texto ou ser a pea
informativa principal (Buitoni, 2010: 12). Entendemos que, ao se
propor como pea de registro de uma cidade, a srie Fisionomia
Belm busca apresentar elementos que permitam a apropriao
de sua urbanidade exclusivamente pelas imagens. O foco nos espaos pblicos, no olhar de fora ou, mesmo quando de dentro,
focado naquilo que exterior, como na imagem que registra uma
mulher caminhando ao lado de um nibus (ver imagens na prxima
pgina) , representa o objetivo de enunciar cenrios urbanos que
permaneam em referencialidade com o instante vivido, em uma
relao que vai alm do aqui-e-agora fotografado.
A contemplao de alguns excertos do trabalho do grupo de
pesquisa nos permite, portanto, identificar as potencialidades das

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imagens evenemenciais que ressignificam espaos urbanos: produtos e documentos de uma realidade mediada por dispositivos
tecnolgicos, ao mesmo tempo submetidas s condies de captura do instante e s mltiplas leituras possveis de seus signos, constituem-se como uma ferramenta efetiva de entendimento dos processos a partir dos quais a urbanidade representada nas imagens
e, por elas, transformada. A partir dos quais, em suma, o que um
dia foi mdia se torna mediao constitutiva.

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6. Vendo e vivendo a cidade pela imagem


Neste artigo, propusemos o discurso fotogrfico como caminho para compreender de que modo representaes visuais, experincias de contato com o mundo e espao urbano poderiam ser
interligados, produzindo imagens capazes de articular significados
em permanente deslizamento no ambiente das cidades.
Por meio da observao da srie fotogrfica Fisionomia
Belm, vislumbramos narratividades, produes de sentido e for-

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mas de demarcao simblica da urbanidade que apontam para o
potencial do ato fotogrfico de construir mundos possveis; considera-se essencial, porm, estudar a viabilidade de aplicao da hiptese da imagem evenemencial em outros suportes, contextos e
linguagens, como a audiovisual e a perpetrada nas redes
interconectadas. Nossa hiptese de que tal forma de produo
parece ser uma espcie de caminho natural, sem volta, para as imagens que medeiam o dilogo entre nossos olhos e o mundo a ser
visto e vivido na contemporaneidade.
REFERNCIAS
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UMA PRAA E SEUS


GIRASSIS: AS NARRATIVAS
IMAGTICAS DA HISTRIA DE
PALMAS
Edna de Mello Silva (UFT),
Liana Vidigal Rocha (UFT)
e Srgio Ricardo Soares (UFT)

Introduo
Olhar uma cidade e decifrar suas imagens pode ser uma experincia de contrastar referncias perdidas na memria com o primeiro contato curioso de desvendamento de novos espaos, cheiros e gostos. No obstante os juzos de valor que impregnam de
subjetividade e as avaliaes estticas do que se vivencia em novos
ambientes, h uma marca inaugural que toda paisagem urbana oferece a um observador mais atento, algo que emana de sua essncia.
Para quem chega a Palmas, capital do Estado do Tocantins,
pelo acesso da rodovia Belm-Braslia (BR 153), aps quilmetros
de paisagens do cerrado, com rvores retorcidas e solo rido, a
viso que se descortina deslumbrante. A partir da ponte que liga
a cidade de Paraso de Palmas, banhada pela imensido do lago
formado pela Usina Hidreltrica de Lajeado, surge um osis verde
que avana em direo linha do horizonte onde se avista um lindo palcio, como que demarcando o ponto final da viagem. Experincia semelhante pode ter quem chega por via area durante o
dia e toma contato com uma emoo que mistura medo e admirao com o sobrevoo da aeronave sobre o lago, antes do pouso no
aeroporto. Seguindo-se por via terrestre, em direo ao centro da
cidade, possvel visualizar uma longa estrada (Avenida Teotnio
Segurado) cujo ponto final culmina tambm no palcio.

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H quem veja em Palmas uma capital que se projeta em direo ao futuro, com promessas de sucesso e desenvolvimento. H
quem perceba a falta de planejamento urbano, o pouco uso coletivo dos espaos, o trnsito que privilegia o transporte por automvel, embora a cidade seja plana e possa favorecer o uso de meios
menos poluentes. H quem veja a beleza. H quem veja os vazios.
No entanto, h um lugar capaz de sintetizar todas as contradies
que envolvem a cidade e seus moradores. A Praa dos Girassis,
onde se localiza a sede administrativa do governo do estado, reunindo os monumentos criados para simbolizar a histria que se
deseja reproduzir sobre o estado, o objeto de estudo deste artigo.
O ponto central da investigao discorrer sobre os elementos que
compem a narrativa imagtica e os discursos inerentes ao processo de construo simblica das imagens presentes nos monumentos dessa praa.
Esta perspectiva, a partir do referencial terico que envolve
de um lado os conceitos de lugar e as narrativas histricas sobre a
origem do Estado do Tocantins e da cidade de Palmas, e, de outro,
as teorias da imagem e do discurso, pretende-se colocar em debate
as construes textuais em torno do imaginrio da cidade. Dos procedimentos metodolgicos da pesquisa fazem parte a reviso de
literatura e a pesquisa bibliogrfica; a documentao dos objetos
analisados por meio do registro fotogrfico e a discusso dos resultados a partir das inferncias obtidas pelo uso das tcnicas de Anlise da Imagem.
Tempo e espao so elementos constitutivos de qualquer narrativa. No caso especfico de Palmas, o encontro do contemporneo e do passado histrico se oferece ao olhar na perspectiva das
construes simblicas dos monumentos, de sua esttica e discursos que podem ser vistos num espao pblico. Espera-se com este
trabalho evidenciar que tais caractersticas podem tambm oferecer outras leituras e desdobramentos anlise que seja despertada
pela pesquisa e observao.
1. Palmas, Tocantins: um pouco da histria
A reivindicao de Tocantins como unidade emancipada remonta a sculos. Permanece ainda hoje o cultivo da memria das
lutas de Joaquim Teotnio Segurado, militar que, no incio do s-

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culo XIX, liderou uma primeira revolta separatista do norte de
Gois contra a administrao desta capitania. J naquela poca, a
motivao centrava-se nas ms condies econmicas e sociais da
regio, distante e isolada do centro administrativo goiano, ao sul.
Para Parente (2007), a regio das Minas dos Goyazes, ou Norte de Gois, viveu dois momentos distintos referentes explorao
do ouro e ao esgotamento do minrio na rea. No incio do povoamento, a preocupao era com a cobrana de impostos e o perigo
do contrabando, uma vez que a regio era grande produtora de
ouro. Mais tarde, com o declnio da explorao, a regio passou a
sofrer um quadro de pobreza e esquecimento.
A respeito do bandeirismo responsvel pela busca de metais e
pedras preciosas, h indcios de que Bartolomeu Bueno da Silva
(filho do primeiro Anhanguera), e mais alguns scios, em 1722,
tenham obtido autorizao da Coroa Portuguesa para organizar
uma expedio para explorar o interior do pas, indo em direo ao
Norte. Em 21 de outubro de 1725, Bartolomeu Bueno retorna dessa expedio com a notcia da descoberta das minas de ouro nos
sertes dos Goyazes.
A regio, hoje conhecida como Tocantins, viveu uma fase urea no sc. XVIII com a extrao do ouro. Os exploradores em
quinze anos abriram caminhos e estradas, vasculharam rios e montanhas, desviaram correntes, desmataram regies inteiras,
rechaaram os ndios, exploraram, habitaram e povoaram uma rea
imensa (Palacin e Moraes, 1989: 30). Parente (2007) avalia que o
declnio dessa fase foi rpido:
O ouro goiano teve vida efmera e vrios foram os fatores atribudos a esse rpido declnio. Dentre eles, as tcnicas rudimentares com as quais se exploravam as jazidas. Como os depsitos aurferos predominantes em
Gois eram do tipo aluvional, o minrio acumulava-se
no fundo e nas margens dos rios. Assim, o escravo no
precisava de uma tcnica mais sofisticada para extra-lo:
bastava arrancar o cascalho e peneir-lo para que o ouro,
mais pesado que a areia, ficasse depositado no fundo da
bateia (Parente, 2007: 54).

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O norte goiano, geograficamente mais afastado da sede da


capitania, sofreu mais contundentemente com a crise advinda do
declnio da minerao. A sada foi investir na economia de subsistncia e criao de gado, o que na poca no era suficiente para
manter em boas condies de vida os habitantes da regio. Toda a
capitania entrou num processo de estagnao econmica. No norte, o quadro de abandono, despovoamento, pobreza e misria foi
descrito por muitos viajantes que passaram pela regio nas primeiras dcadas do sculo XIX (Palacim e Moraes, 1989: 46).
Em 1806, Joaquim Theotnio Segurado, desembargador e posteriormente ouvidor da Comarca do Norte, relatou a situao de
misria. Ciente do caso, a Coroa Portuguesa decidiu investir na navegao pelos rios Tocantins e Araguaia com o intuito de que esta
prtica auxiliasse no desenvolvimento do comrcio local com o litoral (diga-se Par). Vale lembrar que a navegao havia sido proibida
pelo governo portugus a fim de evitar o contrabando do ouro.
Trs anos mais tarde criada oficialmente a Comarca do Norte, que compreendia os julgados de Porto Real, Arraias, So Flix,
Conceio, Cavalcante, Flores, Traras e Natividade, sendo essa
ltima a sede da ouvidoria enquanto a vila de So Joo das Duas
Barras no era construda. Apesar do empenho de Theotnio Segurado, a vila nunca foi erguida.
O movimento que exigia a recolonizao do Brasil, iniciado
no Porto em 1820, deu incio ao processo de emancipao do pas.
O ento ouvidor Theotnio Segurado esteve frente do movimento separatista, declarando inclusive a independncia da Comarca
do Norte do governo da Comarca do Sul. Porm, com a reticncia
de Segurado em se desvincular de Portugal, a causa separatista
perdeu fora e apoio. Em janeiro de 1822, ele enviado para Lisboa como deputado representante de Gois.
Durante os anos que se seguiram, o projeto de criao do
Tocantins, na forma de Estado ou mesmo de territrio, continuou
vivo. Visconde de Taunay (1863) e Fausto de Souza (1889) tambm
propuseram a separao do norte goiano e a criao da regio do
Tocantins. Infelizmente, as sugestes no se concretizaram e passaram a constar apenas nas pginas da imprensa regional (Folha do
Norte e Norte de Gois).

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Muitos anos mais tarde, a partir da dcada de 1960, o nome
de Jos Wilson Siqueira Campos passa a despontar capitaneando
novamente a campanha da sonhada separao. Em 1985, como
deputado federal, ele consegue do Ministrio do Interior a instituio de um comit para estudar o projeto. O objetivo central alcanado com a Constituio de 1988, que determi- Mas nenhuma ao para
na a diviso de Gois, gafirmar a presena do
rantindo a Siqueira Campos o posto de primeiro
Tocantins no mapa
governador do Tocantins
brasileiro foi to
(Carvalho, 2002).
Mas nenhuma ao
contundente quanto a
para firmar a presena do
deciso de construir
Tocantins no mapa brasileiro foi to contundente
a cidade de Palmas
quanto a deciso de construir Palmas. altura da
emancipao, o Estado contava com outras cidades de mdio porte
capacitadas para acolher a capital, como Porto Nacional, Gurupi ou
Araguana. Porm, a opo recaiu sobre o surgimento de uma nova
cidade, localizada no exato centro do Estado, instrumento de desenvolvimento de uma regio pouco assistida pelo poder pblico.
Lcia Moraes (2006) se contrape, no entanto, a essa narrativa
oficial, identificando em Palmas a culminncia de um processo denominado marcha para o Oeste, uma estratgia para o avano sobre o
interior profundo do pas por meio da implantao de capitais planejadas, modernas em sua aparncia urbanstica, porm imbudas de
polticas conservadoras e excludentes de ocupao do solo. O fenmeno se iniciaria na dcada de 1930 com Goinia e ganharia propores nacionais com Braslia, nos anos 1960. Trs dcadas mais tarde,
Palmas prolongava a marcha para a fronteira com a Amaznia.
Concebida dentro de preceitos que uniam algo do modernismo de Braslia ao conceito de cidade-jardim integrada ao meio
ambiente, Palmas, logo nos primeiros anos, foi povoada por massas de migrantes das mais diversas partes do Brasil, instalados numa
infraestrutura urbana precria que permanece em formao e crescimento at hoje.

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Palmas, para os seus idealizadores, um barco onrico navegando no tempo do desejo. Sintetiza a luta de emancipao do Estado do Tocantins, cobrindo o passado recente de sombras, reduz s cinzas a lembrana do atraso, da
solido, da pobreza, da secura sertaneja de galhos retorcidos em meio ao vento e a poeira cobre-dourada que varria as suas extenses. Paisagens rapidamente soterradas
pela projeo dos seus monumentos, traados, cores, avenidas (Silva, 2008: 41).

A populao, j tendo ultrapassado 240 mil habitantes em 2012


(segundo dados do IBGE), espalha-se irregularmente num municpio com mais de 2000 km, fazendo com que muitas das suas
superquadras (com 700 metros de lado) permaneam ainda vazias,
embora convivam com uma arraigada especulao fundiria.

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2. O lugar como referncia da imagem


O estabelecimento de uma nova unidade da Federao um
novo lugar requisita, para alm das justificativas factuais polticas e econmicas, a construo de um imaginrio que gere um sentimento de pertencimento s populaes outrora goianas e agora
tocantinenses. Poderamos aplicar num mbito estadual o que Stuart
Hall fala sobre as culturas nacionais, compostas no apenas de instituies culturais, mas tambm de smbolos e representaes. Uma
cultura nacional um discurso [grifo do autor] um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas aes quanto
a concepo que temos de ns mesmos. (...) Esses sentidos esto
contidos nas estrias que so contadas sobre a nao, memrias
que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela
so construdas (Hall, 2001: 50-51).
Segundo Castello (2007), lugar um espao qualificado que
se torna percebido pelas pessoas a partir de suas experincias motivadas por estmulos ambientais. Esses estmulos so diversificados e podem ser representados por narrativas, fama, dons culturais, associao a prdios histricos e a atos polticos ou a tradies
locais, pela construo de uma emoo, fantasia ou pela oferta de
fruio sensorial.

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Como j adiantado, interessa-nos por ora a imagem do lugar
no sentido proposto por Lucrcia D Alssio Ferrara (2011: 38) em
suas pesquisas sobre os ambientes urbanos: quando o espao est
sob impacto perceptivo do usurio ateno, observao e comparao [...] se transforma em lugar, ambiente de percepo e
leitura, fonte de informao urbana. Para a autora, a cidade oferece textos que possibilitam leituras de seus observadores por meio
de marcos referenciais percebidos nas ruas, avenidas, luzes ou cores dispersas no espao, compondo os signos da cidade.
Enquanto texto no-verbal, a cidade deixa de ser vista
como espao abstrato das especulaes projetivas, sociolgicas ou econmicas para ser apreendida como espetculo, como imagem. Nesse sentido, a apreenso da cidade como texto no-verbal no s a preenche, como
lhe garante um trnsito informacional com seus usurios. Da os ndices referenciais capazes de situar,
contextualmente, os lugares, os pedaos urbanos (Ferrara, 2011: 20).

O professor Catal Domnech (2011) avalia que as imagens


que uma sociedade produz revelam sintomas que se expressam por
meio de sua estrutura visual. Para ele:
As imagens, alm de serem expresses que se transformam, pela forma representativa ou formativa, em vises
emocionais que despertam o olhar do espectador, tm
com base em um aspecto dessa funo autnoma que destaquei a capacidade de ser sintoma dos aspectos da cultura que as criou ou das pulses de seu criador (seja este
um indivduo ou uma empresa), assim como da condio
dos espectadores (Catal, 2011: 43).

Catal cita ainda, que Benjamin fomentou o que chamou de arqueologia do presente ao preocupar-se em analisar no passado as origens das transformaes futuras e que essa anlise levou-o a descobrir imagens que representavam os sonhos ocultos do presente.

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Benjamin examinava a sociedade parisiense do final do
sculo XIX, considerando que Paris era a capital da
modernidade e ali se produzia o jogo dialtico entre um
presente triunfante, mas sem conscincia, e o germe de
uma subverso desse presente. Essa polmica dava lugar a imagens em que as tenses eram representadas.
[...] Por meio dessas imagens, o presente sonhava com
seu porvir e precisamente por isso elas s eram decifrveis corretamente a partir desse porvir, ou seja, quando
se produzisse o despertar desse sonho (Catal, 2011: 114).

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A partir dos trs paradigmas da imagem, a imagem pr-fotogrfica, a fotogrfica, e a ps-fotogrfica, Santaella e Nth (2001)
estabelecem uma relao com os estudos de Lacan e de Charles
Peirce. Assim, o paradigma pr-fotogrfico se relaciona com a
primeiridade de Peirce e instncia do imaginrio de Lacan. O
paradigma fotogrfico corresponderia secundidade de Peirce e
instncia do Real de Lacan e o paradigma ps-fotogrfico seria
anlogo terceiridade de Peirce e categoria simblica proposta
por Lacan. O registro do imaginrio o que mais se aproxima dos
problemas da imagem. Lacan, ao falar do estdio do espelho,
afirmava que este o momento em que o eu do indivduo comea a ser construdo. A criana aos seis meses de idade j consegue
identificar-se na imagem do espelho ao ver a imagem da me nele
projetada. Ao ver a prpria me com um beb ao colo, a criana
sabe que o beb ela mesma e se reconhece como ser independente da me, como indivduo. Essa primeira imagem de si uma imagem especular, onde o eu projeta suas subjetividades na imagem
em que se espelha, o imaginrio do corpo, da mente, das relaes
sociais. A relao da imagem pr-fotogrfica com a subjetividade
do autor e seu imaginrio constante, tanto na concepo artesanal
do artista que a comps, no gesto, no olhar, como na subjetividade
de quem a v. Entre o espelho e a miragem, ela sempre fruto de
um olhar transfigurador, capaz de projetar uma imagem do mundo: algo disperso que se configura numa unidade ideal, numa totalidade unificada (Santaella e Nth, 2001: 190).

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O estudo do imaginrio apoiado na teoria da imagem integra
um referencial terico interessante para a anlise das representaes da cidade, principalmente porque ajudam a entender as
especificidades e as subjetividades do autor, da instncia do simblico do objeto representado e da compreenso que a comunidade
compartilha sobre o fenmeno decorrente desse movimento. Estes
so os pressupostos tericos das anlises que colocamos em debate, a seguir. Para facilitar a compreenso, optamos por descrever
as inferncias obtidas pela anlise e apresentar imagens fotogrficas dos objetos.
3. As narrativas imagticas da Praa dos Girassis
A primeira pergunta que o visitante comum poderia fazer ao
chegar praa seria: onde esto os girassis? No sendo o girassol
uma planta nativa do cerrado, o nome dado praa central da cidade seria uma referncia aos girassis da Rssia comunista (Silva,
2008). Plantados constantemente na praa, nunca conseguem resistir muito tempo ao clima, numa inadequao no s esttica,
mas biolgica e paisagstica. Permanecem firmes apenas na sua
verso metlica dourada na decorao do gradeado em torno do
Palcio Araguaia, inspirada no Palcio de Versalhes [Figura 1].
O permetro da Praa dos Girassis ultrapassa os trs quilmetros, servindo de mote para que publicaes oficiais e tursticas
a situem nunca com preciso entre as duas ou trs maiores praas do mundo (e seguramente a maior do Brasil). Some-se a isso o
fato de ela se localizar no corao da cidade, no encontro dos eixos
perpendiculares que consistem nas duas principais avenidas
palmenses, a Teotnio Segurado (NorteSul) e a Juscelino
Kubitschek (LesteOeste).
A vasta extenso da praa preenchida ainda por uma srie
de elementos, estilemas do governador-fundador, com potencial
de se converterem em atrativos tursticos: fonte luminosa, jardins
com dezenas de espcies vegetais tpicas do cerrado, relgio de sol,
monumentos reverenciando os mais diversos motivos. A muitas
dessas construes voltaremos em seguida para uma averiguao
mais detalhada.

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Figura 1. Detalhe dos Girassis nas grades.

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3.1. Aspectos narrativos das frisas do Palcio


Ainda que superlativa, a Praa dos Girassis, como se disse,
tem no Palcio Araguaia um elemento dominante. O prdio, com
traos modernistas, foi projetado pelos arquitetos Ernani Vilela e
Maria Luci da Costa e construdo logo no primeiro ano de Palmas.
Uma srie de detalhes do Palcio refora as pontes com o passado
distante. Um dos mais surpreendentes so as chamadas frisas, faixa com 100 metros de fibra de vidro em alto relevo que circunda
toda a parte superior externa do prdio. Encomendada ao artista
plstico Maurcio Bentes, ela formada por 68 quadros que retratam vrias etapas da luta pelo Tocantins, encerrando justamente
na sua emancipao poltica e econmica.
O acmulo de informaes sobrepostas, fazendo referncia a
tempos distintos reorganizados num mesmo espao, gera uma espcie de narrativa imagtica particular e imprecisa, que brota j
nos primeiros quadros da obra: o primeiro deles, que seria o marco
zero da histria local, traz uma inesperada cena selvagem, maneira de Albert Eckhout, com dinossauros e pterossauros, no que
parece ser uma meno aos stios arqueolgicos presentes na Serra
do Carmo, prximo cidade de Palmas. O segundo quadro, captulo contguo nessa HQ seleta, mostra bandeirantes da poca colonial desbravando um cenrio que destaca elementos da fauna e da

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flora locais acompanhados de indgenas dceis e coadjuvantes em
uma canoa ao fundo. [Figura 2 e 3]O terceiro quadro retrata a convivncia pacfica entre os bandeirantes e os indgenas, no que parecer ser um casal com um filho, fruto da miscigenao entre os dois
povos.

Figuras 2 e 3. Dinossauros, bandeirantes e unio interracial.

Vrios captulos da histria oficial da origem do Estado e da


fundao da cidade, destacando os personagens centrais e as aes
a eles atribudas figuram distribudas ao longo das frisas. O personagem Siqueira Campos, primeiro governador do Estado, uma
das figuras centrais da narrativa do momento de fundao dessa
unidade federativa. Os detalhes de suas aes como uma greve de
fome que teria sido feita para pressionar o governo federal para a
causa da separao do norte goiano [Figura 4], o momento em que
foi escolhida a rea onde Palmas seria construda [Figura 5], a sinalizao do incio das obras com um trator1 so alguns dos elementos representados nas frisas, cujo ponto culminante a imagem da celebrao da primeira missa de inaugurao da capital
[Figura 6].
As frisas rodeiam todo o Palcio do Araguaia revelando captulos da histria que se deseja eternizados por meio das representaes figurativas. Boa parte delas de difcil visibilidade para o
1

A fotografia do governador Siqueira Campos dirigindo um trator foi


divulgada em muitos jornais e revistas da poca, marcando o incio das obras
da cidade de Palmas. Ver edio 1097, pg. 114, da Revista Veja de 20 set.
1989. Disponvel em: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx .

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visitante a partir do momento em que, contrariando o projeto inicial, o Palcio foi cercado por grades que afastam o passante de sua
fachada. A mitificao dos fundamentos do estado redunda ainda
em dois grandes paineis cermicos expostos nas paredes no hall de
entrada do palcio. Um dedicado ao perodo colonial e mostra
Teotnio Segurado como personagem principal. O outro, da histria
republicana, tem a figura de Siqueira Campos retratada 14 vezes
(Reis, 2011: 144), incluindo a citada greve de fome [Figuras 7 e 8].

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Figura 4. Greve de fome de Siqueira Campos.

Figura 5. Escolha do local de construo.

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Figura 6. Missa de inaugurao da cidade de Palmas.

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Figura 7. Painel retrata lutas pela emancipao


Figura 8. Painel retrata perodo colonial.

3.2. A escultura A splica dos pioneiros


Outra questo de representao e identidade gira em torno
de outra obra de Maurcio Bentes colocada na praa. Trata-se do
monumento Splica dos Pioneiros, um conjunto de esculturas em

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cor dourada que mostra uma famlia de migrantes em gestos de


comoo religiosa. Depoimentos colhidos por Valria Silva (2008)
com arquitetos e outros moradores de Palmas representam bem a
opinio corrente de que, alm da inadequao visual do conjunto,
tambm ali h um subtexto poltico, a partir do momento em que
as figuras significantes trazem compleio fsica semelhante a
Siqueira Campos, ele prprio um cearense que foi para o Norte de
Gois na juventude para vencer na vida. O primognito de
Siqueira Campos, Jos Wilson Siqueira Campos Jnior, em 2006,
fez uma denncia contra seu pai ao Ministrio Pblico Federal acusando-o de enriquecimento ilcito e na ocasio, em entrevista ao
jornal O Globo, fez referncia s esculturas: Hoje ele dono de
metade do Estado. Se acendem a luz ou do descarga ele ganha
dinheiro. O hino do Tocantins tem o seu nome e eu e todos os filhos temos esttuas banhadas a p de ouro italiano na praa de
Palmas. Indcios claros de que a obra foi inspirada na tentativa de
uma auto-representao, reforo de identidade e legitimao do
poltico Siqueira Campos.

Figura 9. Auto-representao no monumento A splica dos pioneiros.

3.3. Memorial Coluna Prestes e Monumento Os 18 do Forte


As maiores contradies do catlogo de esttica poltica da
Praa dos Girassis ficam reservadas para o Memorial Coluna Prestes e o monumento Os 18 do Forte. O Memorial um projeto de

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Oscar Niemeyer, originalmente planejado para o Rio de Janeiro e
s depois redirecionado para Palmas (Reis, 2011: 132). Realizado
em 2001, engloba auditrio e salo de exposio sobre o Movimento Tenentista de 1930 e a vida de Luis Carlos Prestes.

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Figura 10. Esculturas Os 18 do Forte. Ao fundo, Memorial Coluna
Prestes.

J o monumento Os 18 do Forte traz uma srie de esculturas


dos militares que participaram da revolta de 1922 em Copacabana.
Em tamanho natural, as personagens representam de forma muito
expressiva posies de batalha e carregam uma bandeira brasileira
(nico elemento colorido) destroada. A concatenao de todos
esses elementos em busca de entender qual a razo de eles habitarem a praa principal de Palmas um desafio. Em primeiro lugar,
embora os dados biogrficos de Siqueira Campos incluam sua antiga colaborao e duradoura admirao por Prestes, definitivamente no foi o iderio comunista deste que guiou a atuao poltica
daquele. Quando da emancipao do Tocantins, Siqueira era filiado
ao PDS, partido derivado da Arena, agremiao que sustentou o
regime militar a partir de 1965. Por muito tempo, foi membro do
PFL e elegeu-se para o quarto mandato pelo PSDB, todos partidos
distantes da extrema esquerda. Explicitamente, o lema do Tocantins
emancipado (e slogan reeditado a partir de 2011) uma sntese do
pensamento liberal: o Estado da livre iniciativa e da justia soci-

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al. Portanto, a homenagem a Prestes, referncia da esquerda brasileira, tem fundamento pouco plausvel, mesmo diante da justificativa oficial de que o Norte de Gois fez parte do trajeto da Coluna Prestes, marcha contra a Repblica Velha comandada pelo militar na primeira metade do sculo XX.

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Consideraes finais
H muitas singularidades no Tocantins, Estado mais novo da
federao brasileira, e em Palmas, sua capital. Talvez a principal
delas faa referncia s narrativas histricas de sua origem e sua
fundao, que revelam o paradoxo de trazer lado a lado o tempo
do novo, o contemporneo que se instaura em 1989 com a aprovao da separao do norte do Estado de Gois formando uma
nova unidade federativa e o tempo do passado histrico que
enaltece as lutas polticas pela emancipao da regio e os pioneiros que desbravaram o interior do pas em busca de suas riquezas.
Uma cidade pode ser vivenciada de diversas formas, bem como
seus smbolos e monumentos. Parece ser de senso comum que a
histria de uma cidade seja compartilhada por seus moradores e
que tenha valores como tradio e cultura como vetores principais
de legitimidade e reconhecimento. possvel que em algum momento o que hoje conhecemos como histria tenha sido narrativa
oral transmitida entre membros da mesma comunidade que se tornou perene, chegando at nossos dias.
No caso da cidade de Palmas, que completa 25 anos em 2014,
todos os atores sociais que mobilizaram as aes esto atuantes na
sociedade e as construes simblicas criadas em torno da histria
oficial do Estado e da cidade esto em circulao, so palpveis e
visveis em vrios pontos da cidade.
A proposta deste artigo foi trazer luz a um dos aspectos deste
cenrio, colocando em evidncia as representaes imagticas presentes na Praa dos Girassis. O que fica latente na pesquisa que
em Palmas h um tempo ausente. O passado ligado ao norte goiano
no foi eleito como memria e tradio. Em vez disso, escolheu-se
remontar s origens histricas pouco precisas da regio elegendo
um passado de lutas para a separao como vetor de identidade.
Ocorre que o Estado e a cidade nasceram a partir da separao,

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sua histria seria um porvir. Por que ento celebrar a ruptura, romper os laos em vez de celebrar os novos laos que estavam sendo
criados? Por que apagar a memria das sete etnias indgenas que
vivem na regio? Por que no mencionar os quilombolas? J so
vinte e cinco comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas pela Fundao Palmares no Estado e no h nenhuma meno a elas na Praa dos Girassis.
A histria a ser reconfigurada como memria, a histria a ser
ensinada nas escolas, uma narrativa selecionada, hierarquizada,
imageticamente criada e reproduzida sem questionamentos. Uma
histria para ser obedecida. Talvez tenha sido esse o processo histrico de todas as regies do pas. A vantagem de Palmas que os
atores sociais convivem no mesmo espao, os agentes da tradio
que foram relegados ao esquecimento como os povos indgenas,
os quilombolas e as comunidades tradicionais da regio esto
atuantes, embora no possuam fora poltica para exigir seu lugar
na histria oficial. H tambm a falta de uma lgica plausvel para
um monumento aos 18 do Forte, por exemplo, maior at do que o
de Copacabana, local original dos conflitos. E a figura de Siqueira
Campos (primeiro e atual governador do Estado) que se faz representar, mesmo estando em presena, confirmando a atuao de si
mesmo. Se as ausncias provocam desconforto, os elementos eleitos para compor a narrativa histrica oficial provocam, no mnimo,
surpresa e incompreenso.
Sem dvida, os monumentos da cidade, seus smbolos e signos de representao dizem respeito construo da imagem que
faz de um espao se transfigurar em lugar. A Praa dos Girassis
um lugar para onde convergem as duas principais avenidas da cidade e a sede do poder pblico estadual. Centenas de moradores
transitam diariamente pela praa a trabalho ou de passagem. Somente noite, durante as caminhadas ou em eventos especiais como
shows ou feiras, a praa utilizada como espao de convivncia.
No entanto, as esculturas, os monumentos, as estruturas simblicas esto presentes e movimentando-se como personagens vivas,
dividindo o mesmo cenrio com os atores locais. Silenciosamente,
significam e falam da cidade a quem estiver disposto a ouvi-las.

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227f. Tese (Doutorado em Histria) Instituto de Filosofia e Cin-

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REVISTA VEJA.Nasce um estado. Edio 1097. 20 de setembro
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com.br/acervodigital/home.aspx > Acesso em 01 set 2013.

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Jos Geraldo de Oliveira

1. Introduo
Pierre Francastel (1967) diz que muito difcil julgar as coisas
prximas, ou tentar responder pergunta: vivemos na sociedade
da palavra ou da imagem? Josep Catal (2013) adequando a expresso de Umberto Eco, apocalpticos e integrados, diz que os
primeiros afirmam que a entrada na era da imagem pode ser a
bancarrota intelectual e at mesmo mental. Esse pensamento revela a ideia da imagem irracional ou louca da casa. Para os integrados, grupo em que ele se situa, a imagem uma forma de transporte de cultura e abre a possibilidade de pensar com as imagens.
o que Deleuze proteoriza na forma de conceitualizao visual ao falar das imagens em movimento, imagem tempo e, remetendo a Henri Bergson, na busca de criar conceitos por meio das
imagens, o que tambm ocorre aos cineastas e os filmes ensaios.
Catal continua afirmando que uma peculiaridade da
contemporaneidade o fato de existir uma srie de tecnologias
que esto levando imagem, decantada na imaginao; portanto
de alguma maneira a atividade de nossa mente articula essas novas
tecnologias de forma imaginativa.
At o sculo XVIII, falar em imagem era equivalente a falar
de arte, mas j a partir de meados do sculo seguinte e incios do
XX surgiu uma intensa produo artstica rompendo com as ideias
anteriores: o realismo se dissolveu quando a imagem foi descons-

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truda, revelando as alteraes que ocorriam na sociedade, juntamente com o aparecimento das imagens tcnicas: a fotografia e o
cinema. A primeira, para substituir a memria (a arte da memria), melhorando a arte de representao da realidade; com a segunda, o cinema, a imagem adquiriu a possibilidade de reproduzir
fielmente o movimento, incorporando-o em sua estrutura (Catal,
1993: 50).
O termo grafitecidade, aqui, um espao de ao, coletiva ou
no, que se apropria esteticamente da cidade e a transforma em uma
plataforma produtora de imagens. A imagem se torna o cerne da
metrpole e retrato de suas mltiplas identidades. Um territrio de
metforas que, em sua mobilidade e efemeridade, rene pontos de
tenses dialticas. Uma paisagem com ritmo, enunciaes surgidas
na interao do observador em movimento, produzindo uma conjuno de olhares nos interstcios urbanos, visto que o corpo do
observador tambm est ali e pode querer interagir e se comunicar.
Ou seja, uma operao extremamente complexa, j que o observador no um mero receptor passivo, ele interage, codifica e decodifica
e devolve a essa cacofonia de elementos sua (re)significao.
As representaes visuais nessa plataforma devem ser tratadas sob o critrio da complexidade, onde o discurso visual expansivo, pois no est focado em apenas uma forma ou uma temtica e
sim numa constelao de significados em que as gramticas visuais, fabricadas coletivamente, esto inseridas.
Nesse contexto a grafitecidade passa a ser apreendida como
uma montagem cinematogrfica, compreendida a partir da juno
de vrios signos e smbolos que remetem percepo de uma anlise tambm fragmentada, ou seja, montagem como fragmentao
e reunio de blocos de um material visual que modifica sua estrutura e configura a percepo do caminhante (Bolle: 1994). Assim,
os elementos comunicacionais se confundem em meio multido,
tornando a grafitecidade um conjunto esttico-sensorial que emerge da transitoriedade e do efmero.
Esse fenmeno nas metrpoles so impostos por meio de inscries urbanas e passam a constituir um sistema de comunicao,
que cria um novo tipo de espao: o espao hipntico (Catal,
1993) em que as mensagens transmitidas so percebidas de forma

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acelerada. A plataforma expande e se torna irreal por causa do
deslocalizao e do deslocamento acelerado, pois o espao urbano
mistura os ritmos, a instabilidade, a movimentao e a durao. Da
mesma maneira ela tem uma funcionalidade prpria: a natureza
informacional em que a comunicao ganha contornos prprios, j
que a exploso de signos esgotam e levam destruio de sentidos.
O visual no apenas a imagem e sim um fenmeno complexo
que circula em diferentes plataformas e nveis de significado, todos
inscritos na visualidade (Catal, 2011: 19).
2. O que uma cidade?
A cidade tema constante na obra do pensador Walter Benjamin: j em 1923 ele traduz para o alemo os Tableaux Parisiens, de
Baudelaire. Surgem na sequncia Rua de mo nica, Dirio de
Moscou e a srie radiofnica sobre Berlim, Crnica berlinense e
Infncia em Berlim por volta de 1900, at se dedicar, entre os anos
de 1927 a 1940, a seu projeto inacabado Passagens (Sales, 2010).
A metrpole benjaminiana apresentada como algo novo,
imagem mental e morada do coletivo: territrios mltiplos de conflito social e de transformao urbanstica. Ela est situada numa
poca de grandes transformaes: o perodo entre guerras e as reforma urbanstica promovida em Paris pelo Baro Georges Eugne
Haussmann. Paris torna-se uma cidade habitada por homens que
se perdem em labirintos e espaos sensoriais multido de imagens, onde ningum para o outro nem totalmente ntido, nem
totalmente opaco (Benjamin, 1989: 46).
Estar diante desse caleidoscpio impe ao observador uma
ao que movimenta novas constelaes de formas, e a percepo implica em interpretar no apenas os signos explcitos, mas
ater-se aos dejetos, ao efmero, ao desprezado por meio da montagem. Prtica apropriada por Benjamin dos surrealistas, em que
montagem consistia em reunir imagens de maneira inaudita, com
o intuito de desconsertar o mundo exterior e desalojar as imagens
do mundo exterior do lugar que elas tinham tomado o hbito de
ocupar e recolocar as imagens no pensamento.
O flneur, na literatura de Charles Baudelaire, est intimamente ligado construo moderna. Uma entidade que caminha

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pela urbe, elege um ponto de vista, a fim de apreend-la. tomado


por ela, mas se mantm afastado ao sair. Uma posio de viajante
do imaginrio que se torna prximo e distante e por isso tem a
capacidade de perceber sua fugacidade, o que Benjamin definiu
como dialtica do flnerie. Penetrar na multido com o objetivo
de estar no outro e perceber a realidade, abandonando a ideia do
pathos da distncia e do modelo perspectivo renascentista.
Charles Baudelaire descreve a metaforicamente metrpole
como uma experincia embriagadora de tomar um banho de multido, um observador com a paixo e a profisso de desposar a multido, um caminhante do grande deserto de homens. Instaura-se,
assim, o culto do frenesi urbano, da apologia multido e da embriaguez religiosa das grandes cidades (Benjamin, 2009: 335).
A mudana no modo de ver pode ter origem em dois momentos: a inveno da fotografia e as transformaes da paisagem urbana que criam um novo ritmo nas cidades do sculo XIX, sendo o
flneur a imagem da resistncia na nova espacialidade urbana, onde
a formao de sucessivas cadeias de montagens de produo e de
trabalho por turnos configura uma nova forma de ver. Baudelaire
cria uma representao da vida tumultuada considerando dois conceitos vigorosos de sua poca: centro e periferia. Algo que a
grafitecidade dilui e as fronteiras se rompem na existncia de vrios centros, as distintas periferias que se renovam cotidianamente e
modificam a forma de circulao.
Como pensar essa experincia de modernidade em um desenho comunicativo da grafitecidade? As novas formas comunicativas
se reconfiguram no espao da vivncia do efmero e do transitrio, e
estamos beira de incorrer no erro de que ver comparado a compreender, j que apenas por t-la visto para ns a prova mxima
de sua existncia, da mesma forma que consideramos que basta
t-la visto para compreender o significado (Catal, 2011: 252).
Nesse espao hipntico, como identificar elementos comunicativos, pois tudo pode ser informao e nem tudo pode comunicar? Fontcurberta (2010) sinaliza que estamos vivendo num mundo de imagens e que no procuramos a viso, mas o dj-vu. Da
mesma forma Catal (2011) afirma que o fragmento uma caracterstica da esttica da modernidade dita fluida. Nesse mbito, o

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espectador que absorve uma informao fragmentada se abre para
o pensamento de uma arquitetura do imaginrio como portas ou
janelas para uma viso calcada em hipertextos, uma instncia importante dessa tendncia visualizao da cultura contempornea,
pois a ruptura do texto linear que comporta constitui uma maneira de transform-lo em imagem.
Embrenhando-se no universo da grafitecidade e se apropriando do rizoma urbano, o grafiteiro/pichador atua em um espao/
tempo, deslocando-se na tentativa de efetivar o pertencimento a
uma qualidade nova: informao e comunicao. Visto que o lugar
sempre mutvel e ao mesmo tempo o mesmo lugar na memria, o mesmo de sempre e ao mesmo tempo outro.
3. Campo visual e grafitecidade
Na grafitecidade, alm de espao e tempo, preciso considerar o ritmo, ou melhor, a velocidade da mirada. A percepo das
imagens e das mensagens acontece atravs de montagens subjetivas no travelamento, isso
, no deslocamento do
A percepo das imagens
corpo do observador no
acontece por montagens
espao de um percurso
urbano [Imagem 1].
subjetivas
O campo visual pasno travelamento, no
sa a ser organizado de maneira determinada e esse deslocamento do corpo do
campo convertido em
observador no espao
uma superfcie de inscries e espao de aglutido percurso urbano
nao de perspectivas e
linguagens, tornando-se,
portanto, uma nova visualidade, em que o nosso olhar se altera da
situao de planar para a de deslocar-se lateralmente, multiplicando os pontos de vista.
Desaparece o movimento e os objetos se estruturam segundo a
distncia, no segundo a impresso que temos deles, surgindo a ideia
de profundidade, que transforma as avaliaes sensitivas e emocionais em avaliao espaciais e geomtricas (Catal, 2011: 121).

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Imagem 1: Avenida Francisco Matarazzo e Rua Pedro Machado, em


So Paulo: a viso de um movimento travelar. A obteno dessa imagem s possvel por meio de uma montagem fotogrfica panormica.

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Ao deslocar-se pela grafitecidade, e sob o efeito da viso


travelar, nosso olhar se funde com ela e as imagens so rebaixadas
ao nvel da simplicidade. No travelamento a percepo em profundidade dessas imagens no se efetiva, j que o nosso olhar no
tem tempo ao perceber a totalidade (que elimina o detalhe) no
consegue perceber os detalhes. A imagem, na totalidade ou no recorte, se torna simplista e destituda de informao.
A grafitecidade um campo informacional visual por constituir um espao de circulao de informaes. E percepo informao na mesma medida em que informao gera informao. A
percepo espacial seria uma operao em que os usos e os hbitos so signos do lugar informado que s se revelam na medida em
que so submetidos operao que expe a lgica da sua linguagem (Ferrara, 1999: 153).
4. Interfaces e Grafitecidade: a cidade como montagem cinematogrfica
A interao na grafitecidade segue uma organizao hierrquica que depende de interfaces com propriedades fsicas especficas que atuam como um cdigo. Este cdigo transporta mensagens
culturais em diversas mdias, determinando, em grande parte, como
o observador as pensa e com elas se relaciona Para Lev Manovich
(2006), diferentemente das narraes literrias, no teatro e na pintura, em que bastam apenas as tcnicas colocadas em cena, na escultura ou na arquitetura, o espectador tem de mover todo o seu
corpo para experimentar a estrutura espacial.
A grafitecidade um sistema visual fragmentado e dialtico, e
possvel pens-la como uma obra aberta, e entender assim a
sua complexidade. Ela parte do pressuposto de que a imagem, a

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simultaneidade de acontecimentos, a preferncia do espacial sobre
o temporal inerente: a imagem, incluindo a imagem em movimento, capaz de apresentar vrias camadas de acontecimentos
muitas vezes sem realmente t-las proposto (Catal, 2005: 46).
A interface proposta por Josep Catal no deve ser considerada apenas na combinao de um determinado dispositivo que relaciona o usurio com a mquina. Sua fenomenologia deve ter um
enfoque mais amplo, pois nela confluem todas as tenses entre a
tcnica, o social e o individual. A interatividade na grafitecidade supe processos de apropriao e de uso desse material. Nesse sentido, Manovich dialoga com Catal, embora o primeiro use termos de
raiz tcnica. Para ele, a interao se torna categoria do materialismo digital, conceito que Manovich adaptou da tenso dialtica existente na Rssia Sovitica, de Dziga Vertov e da obra O Homem da
Cmara de Filmar (1929)1. Retomando a reflexo sobre a percepo
da cidade como montagem cinematogrfica, Vsevolod Pudovkin ressalta a importncia da montagem no processo cinematogrfico:

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A montagem constri cenas a partir dos pedaos separados [...]. A sequncia desses pedaos no deve ser aleatria e sim correspondente transferncia natural do
observador imaginrio (que, no final, representado pelo
observador) (Pudovkin, 1983: 60).

De forma clssica, um filme constitudo de sequncias, unidades menores dentro dele, marcadas por sua funo dramtica ou
narrativa. As sequncias, por sua vez, so constitudas de cenas,
dotadas de unidades espao-temporal. Na era informacional, com
o surgimento da hipertextualidade, o leitor/espectador/usurio passa
a ser co-autor da obra, como define Manovich (2005), pois ele reconstri a mensagem no momento da leitura, na escolha de novos
caminhos e na obteno de uma nova experincia. J o pensador
catalo utiliza esse conceito pensando no cdex, que marcou o nascimento do livro em seu formato moderno, pela sua capacidade de
manuseabilidade.
1

Vertov, criador do Cine Olho (KinoGlas), defendia a integrao do homem


com a mquina, a fim de criar uma espcie de sinfonia visual em que ele
mostra um dia da metrpole.

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Na grafitecidade, o observador recolhe fragmentos visuais e
tenta criar sequncias lgicas, conferindo significado a uma narrativa subjetiva. Ele assume a cmera e o papel de montador, e realiza isso para narrar uma histria ou rearranjar um roteiro visual, ou
simplesmente organizando a informao que lhe oferecida de
forma fragmentada, dividida e interligada [Imagem 2].

Imagem 2: Avenida Francisco Matarazzo e Rua Pedro Machado,


em So Paulo. O observador travelar se apropria de partes menores,
com o intuito de compor um todo maior, uma operao potencializada
pelo processo que leu Manovich chama de interface.

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Esse novo modelo de ordenamento visual, diferentemente de


uma montagem clssica, cria um novo paradigma do olhar e novos
sistemas de representaes. Manovich (2005:75) define a
modularidade destes ambientes como uma estrutura fractal dos
novos meios, ou seja, da mesma forma que uma estrutura fractal
possui sempre uma mesma estrutura em diferentes escalas, os produtos dos novos meios apresentam sempre a mesma estrutura modular [Imagem 3].

Imagem 3. Modulariedade em um espao de ocupao do grafite.

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5. Fenomenologia da comunicao transgressora e rebelde
Da forma de representao imagtica que o grafite ao modo
de representao imagtico tcnico que o cinema, o que h em
comum a que a funo da imagem consiste em representar algo.
Seguindo as pistas fornecidas por Catal (2011), as imagens podem ser muitas coisas ao mesmo tempo, e a possvel fragmentao
visual da paisagem imagtica possibilita descobrir elementos antes
escondidos ou perdidos. Nesse processo de compreenso e assimilao visual das imagens importante pensar nas funes da imagem: informativa, comunicativa, reflexiva e emocional. Afinal, diz
ele, uma nica imagem pode conter todas.
Na funo informativa, a imagem constata uma presena,
reproduz algo de cuja existncia algum quer nos informar; na comunicativa se estabelece uma relao direta com o espectador ou
usurio, pois significa algo mais que simplesmente reproduzir; na
reflexiva h a proposta de um pensamento por meio de uma estrutura que deve ter como objetivo maior uma reflexo; e na emocional onde se coloca o carter emocional de toda a visualidade
em primeiro plano, e utilizada como motor para estimular determinados estados mentais e provocar, concretamente, uma ao, ou
seja, criar uma emoo.
O grafiteiro/pichador usa o seu trabalho com o objetivo de
conseguir um impacto visual e comunicacional, visto que a cidade
composta de representaes da realidade visual e da experincia
humana, ou seja, so imagens narrativas que tm como base um
texto ou um produto visual. Chegar at um elemento especfico da
montagem subjetiva da grafitecidade [Imagem 4] requer um exerccio crtico benjaminiano dos fragmentos apreendidos e sua
montagem revela um sentido altamente sofisticado, j que as imagens devem ser compreendidas apenas nos simples contextos,
pois ficam condicionadas ao trajeto de nosso olhar.

Imagem 4. Elevado Costa e Silva, So Paulo. Sequncia fotogrfica e


montagem cinematogrfica.

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A viso na grafitecidade assimila todas as tentativas de sntese


do movimento da cultura cinematogrfica. E o que foi suprimido no
sculo XX, com as infindveis discusses sobre montagem e realismo, est em processo de recuperao e releitura no sculo XXI. A
montagem, no cinema, uma conjuno de mundos que cria um
sentido; j na grafitecidade, essesentidoa adio, a soma que
cria, em vez de continuidade, um paralelismo visual.
No movimento travelar, as imagens so autnomas, como em
um zapping, e chegam a ns de forma descontextualizada. No sabemos o contexto de onde surgem e as interpretamos como construes independentes. A reflexo e a (re)significao tambm no encontram espao visual no mbito contemporneo fragmentado, acabando por criar mais uma camada de complexidade, adicionando
mais uma camada multifacetada. Stan Brakhage (1983) reflete que
ver fixar... contemplar e que um olho reflete a perda da inocncia, pois desde cedo aprende a classificar percepes.
A anlise de imagens produzidas na grafitecidade s possvelatravsdoolhar atento de Ferrara, ou na mirada de Catal,
em que as prticas culturais podem ser mais bem compreendidas
como resposta s novas prioridades da sociedade contempornea
[Imagens 5 e 6]. Dar sentido informao, trabalhar a partir dela e
produzir conhecimento. Mesmo sabendo que uma imagem no pode
ser durvel, como apregoa Epstein (1983), j que cientificamente,
a imagem, envelhecendo, torna-se lugar comum e desse lugar comum pode renascer uma imagem, desde que ela seja esquecida.

Imagens 5 e 6. A organizao de fragmentos, base de dados para


Manovich, umprocesso criativo e complementar.

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GRAFITICIDADE E VISO TRAVELAR


Se considerarmos que a viso ficou condicionada visualidade
cinematogrfica, e que no existem imagens puras,
conceitualmente pensamos que o observador, na montagem subjetiva, reorganiza temporal, espacial e mentalmente as imagens, transformando-as em reflexes visuais, j que elas esto abertas s
sobreposies e s combinaes arbitrrias que materializam a
imagem numa nova arquitetura do imaginrio [Imagens 7 e 8].
H uma srie de padres preconcebidos que delimitam, filtram e
adjetivam o que vemos e estruturam a maneira de representar o
que vemos e que controi o nosso imaginrio.
O imaginrio pessoal relativo nossa cultura visual particular. So aquelas imagens que conhecemos e que nos
afetam pessoalmente. [...] O imaginrio social corresponde visualidade relativa sociedade em que estamos
imersos. Existem em diferentes graus, que podem ir desde o entorno social imediato [...] a uma classe social. O
imaginrio cultural refere-se visualidade cultural. [...]
onde cada sociedade dita o que pode ver, mas tambm
como se pode ver. O imaginrio antropolgico se relaciona com as estruturas mais profundas que do lugar
formao de imagens (Catal, 2011: 252-253).

Imagens 7 e 8. Registros das ocupaes dos grafiteiros/pichadores


em So Paulo, 2011.

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A viso travelar e a montagem subjetiva se concretizam na
grafitecidade na combinao de diferentes suportes de comunicao: texto, vdeo, fotografia e som, como um padro comunicativo
novo em que ocorre o processo de circulao de significados que
transitam por todos eles, expondo em todos os momentos uma parte
desse fluxo [Imagem 9].

Imagem 9. Muro da Estao do Metr Barra Funda, em So Paulo, em


2011. Registros de ocupaes dos grafiteiros, numa montagem com a
construo de uma viso travelar.

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Se quisermos entender essa percepo visual, no basta saber


como suaestrutura composta, mas tambm saber que elementos e materiais que a compem no esto diretamente ligados a
seu mecanismo representativo, sua funcionalidade que
mestiagens e hibridaes, desejos e pulses ela manifesta ou desperta. ir alm do superficial e rastrear os fios que ligam uma
imagem com a outra. Essa a trilha que o pesquisador catalo sinaliza para penetrar na percepo e fruio da imagem: ir alm
da superfcie e encontrar o substrato inconsciente que a desliga do
contexto imediato a que parece pertencer.
6. Reflexes finais
Quando Sergei Eisenstein desenvolveu novas formas de organizar a informao no espao e tempo, seus espectadores tambm
tiveram de desenvolver formas adequadas de navegar nessas novas
estruturas de informao visual. Hoje cada ato de percepo visual
pode ser entendido em termos de processamento de informao.
A cultura visual impe novos tipos hbitos de viso que envolvem
a busca, a extrao e o processamento de informao, releitura e
(re)resignificao.
Fora da imagem, o espectador (ou ator, nos processos
de interatividade contemporneos) situa-se diante dela

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GRAFITICIDADE E VISO TRAVELAR


de um modo que determina a percepo que dela tem,
ao mesmo tempo em que a prpria imagem, ou fenmeno visual, o coloca em uma posio social que articula
sua identidade dentro desse marco. Perceber, ser receptor ou usurio de uma imagem, significa em primeiro
lugar iniciar um jogo entre a identidade social e a identidade individual (Catal, 2011: 19).

Osartistas da arte bastarda da rua de m fama desenvolveram novas tcnicas de codificao da informao, enquanto os ouvintes, os leitores e os telespectadores desenvolveram suas prprias tcnicas cognitivas de extrair essa informao e de dar a ela significados, j que so tambm parte da histria das interfaces dessas novas informaes desenvolvidas pelos primeiros, e seus comportamentos novas informaes desenvolvidas pelos usurios e
fruidores de suas obras.
Uma postura aberta a um novo olhar parte essencial para a
formao da identidade individual, composta de tticas adotadas
por um indivduo ou um grupo para sobreviver na sociedade da
imagem.
REFERNCIAS
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lrico no auge do
capitalismo. Obras escolhidas III. So Paulo: Brasiliense, 1989.
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CATAL, Josep M. La violacin de la mirada. FUNDESCO,
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A CIDADE E A IMAGEM
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SO PAULO: LUZ
SOBRE A NOVA LUZ
UM OLHAR BENJAMINIANO PARA AS IMAGENS DIALTICAS
NO PROCESSO DE IMPLEMENTAO DO PROJETO NOVA LUZ
NO CENTRO HISTRICO DE SO PAULO

Eric de Carvalho

Este artigo uma daquelas ideias que surgem incompletas,


iluminaes que se materializam lentamente. Primeiro, o
firmamento, onde o mote se estabelecer; depois colunas, que sustentaro a hiptese, mais tarde as paredes, que reforaro os argumentos. Construda moda antiga, de forma quase artesanal,
uma obra em construo, ainda sem teto e janelas, o que a deixa
exposta a chuvas e intempries de crticas trovejantes, mas tambm sem porta, ausncia que se traduz em um convite silencioso a
adentr-la. Senhoras e senhores, transeuntes e flaneurs, esto convidados a conhecer esse canteiro de obras.
O Projeto Nova Luz
Em 2005, o projeto Nova Luz foi criado pelo ento prefeito
Gilberto Kassab com a finalidade de reurbanizar uma regio central da cidade de So Paulo considerada deteriorada. Propunha que
alguns quarteires do Bairro da Luz dessem lugar a um polo comercial e de servios, aparelhado com espaos culturais que atendessem populao. Para isso, seria necessria a desapropriao
das casas do bairro para a posterior demolio. To complexa quanto a desapropriao dos imveis locais seria o processo de
higienizao urbana, que consistia na expulso de usurios de
drogas da regio, tambm conhecida como Cracolndia. Em 2013,
o prefeito Fernando Haddad cancelou o projeto.

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Apesar disso, alguns resqucios de tal empreendimento ainda
podem ser observados, especialmente os efeitos da expulso dos
usurios de crack das ruas do bairro sem uma poltica de assistncia social, o que promoveu um xodo dessas pessoas para bairros
vizinhos Luz. Assim, surgiram novos circuitos de trfico e consumo de drogas na cidade. Essa reapropriao das ruas dos bairros
do centro de So Paulo promoveu cenas de tenso social, envolvendo os usurios de droga que migraram para essa regio e seus
frequentadores habituais.
Esse artigo prope iluminar essas tenses por meio da anlise
de imagens que registram os momentos de encontro entre diferentes grupos sociais, assim como mudanas arquitetnicas e
demogrficas decorrentes desse processo. No se trata de uma anlise sociolgica ou poltica, mas de uma interpretao de cenas urbanas por meio de uma tica influenciada na obra de Walter Benjamin.

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Figura 1. Layout do Projeto Nova Luz.

Circuitos de consumo do crack


O tradicional Bairro da Luz, em So Paulo, integra a mancha
chamada de Cracolndia, devido notria concentrao de usurios da droga conhecida como crack, cujo consumo provoca em seu
usurio um estado de letargia. O ato do consumo pode ser traduzido na imagem de uma pessoa vagando a esmo de um lado para
outro, enquanto dura o efeito da droga. Um passeio pela regio da
Luz permite a observao de vrios grupos de pessoas balbuciantes e errantes pelas sujas ruas do bairro.

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LUZ SOBRE A NOVA LUZ


O projeto Nova Luz prometia uma reurbanizao da regio
por meio da construo de boulevares e escritrios comerciais que
incentivariam a sua ocupao e utilizao por cidados que encontrariam um bairro prspero e agradvel. O projeto apresentava uma
misso que se pretendia socialmente inclusiva, mas que no atingiu sua proposta por desconsiderar os impactos socioculturais causados pela ineficincia de uma poltica social de acolhimento do
morador de rua que circulava pela Cracolndia e que estava sendo
banido do local do qual se apropriara.
Para atingir tal patamar, o primeiro passo do projeto se deu
por meio de medidas saneadoras e higienizantes, com o objetivo
de retirar os moribundos de circulao da rea. Essas medidas deveriam ter sido orientadas por assistentes sociais, porm, sua execuo passou pelo uso de ao policial coerciva que apenas deslocou os usurios de drogas dessa regio para a ocupao de bairros
vizinhos, expandindo o circuito de comercializao e consumo de
crack. Para melhor ilustrar esses novos usos do espao urbano, fazse necessrio explicar os conceitos de pedao, mancha e circuito.
Segundo o antroplogo Jos Guilherme Magnani, professor
do programa de ps-graduao da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, as categorias
metodolgicas de pedao e mancha so relacionadas a um espao
fsico delimitado. Enquanto a mancha estvel, visvel na paisagem (devido aos equipamentos pblicos que a compem) e reconhecida por um nmero amplo de usurios, o pedao mais transitrio, pois pode mudar-se de um ponto para outro sem se dissolver, j que seu outro ponto constitutivo o simblico, que permite
a criao de laos em razo do manejo de determinado cdigo por
parte dos integrantes (Magnani, 1999: 68).
A partir destes conceitos, um exemplo de mancha formado
pela regio da Galeria do Rock, no centro de So Paulo, e sua vizinhana, composta de galerias e lojas de CDs e discos voltados para
esse gnero musical. significada por esses equipamentos urbanos. O pedao, por sua vez, pode ser itinerante, composto pelos
atores sociais que significam uma regio e seus equipamentos urbanos. Como exemplo, tivemos o pedao da Rua Franz Schubert,
no Itaim Bibi, que reunia, nos anos 90, danceterias que tornaram a

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regio uma referncia para o lazer jovem em So Paulo. Posteriormente, este pedao se mudou para a regio da Rua Henrique
Schaumman, em Pinheiros, e agora, para a regio da Vila Olmpia,
onde os jovens continuam a frequentar casas noturnas com o perfil
semelhante ao das danceterias dos anos 90. o pedao de entretenimento, itinerante como seu pblico frequentador.
Aplicando essas categorias ao universo dos usurios de crack
em So Paulo, seria possvel imaginar uma mancha de consumidores
da droga na regio chamada de Cracolndia, por se tratar de uma
rea de conhecimento pblico, localizada no Centro Velho de So
Paulo, entre a Avenida So Joo e a Estao da Luz. Ali se encontravam traficantes e usurios para a comercializao e compra da droga, e para seu consumo luz do dia. A ao policial de expulso dos
usurios da regio no ocasionou o surgimento de um novo pedao,
uma nova regio de comercializao e consumo do crack, mas, sim,
provocou a expanso do circuito de consumo da droga.

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Figura 2. Mancha da Cracolndia, base do Projeto Nova Luz.


Diferentemente dos conceitos de mancha e pedao, o
circuito uma categoria surgida a partir da observao
de outras formas de uso do espao urbano que permite
identificar um conjunto de estabelecimentos caracterizados pelo exerccio de determinada prtica ou oferta

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de algum servio, porm, no contguos na paisagem urbana, sendo reconhecidos, contudo, em sua totalidade,
pelos usurios habituais (Magnani, 1999: 67-68).

Assim, o circuito permite o exerccio da sociabilidade pelos


atores sociais que o significam, de uma forma pouco restrita em
relao a uma localizao geogrfica. um espao passvel de reconhecimento pelos habitus, por comporem uma paisagem cultural significada por um grupo, mediante os usos de equipamentos
urbanos. Desta forma, a partir da ao policial na regio da Nova
Luz, os usurios de crack no migraram para uma nova mancha,
mas expandiram seu circuito de comercializao e consumo da droga
para regies adjacentes ao Bairro da Luz, como a Barra Funda, o
Bom Retiro, Santa Ceclia e mesmo Higienpolis. Em comum, todas essas regies so equipadas com condies favorveis s prticas da comercializao e consumo da droga: ruas mal iluminadas,
ermas e com pouco policiamento, que permitem ao traficante vender e ao usurio se drogar sem serem incomodados por ningum.
Os fenmenos culturais decorrentes desse processo so passveis de serem observados por um olhar atento: a parte inferior do
Elevando Costa e Silva, conhecido como Minhoco, uma extensa
via suspensa que cruza parte do centro da cidade, est superpovoada. Aos indigentes que l habitavam se uniram consumidores de
crack que circulavam pela Cracolndia. Estimulados a deixar a regio, eles buscaram as imediaes, encontrando condies ideais
de consumo da droga, alm de abrigo contra o frio e a chuva.
O encontro desses atores sociais pela ocupao e uso desses
equipamentos acaba por gerar tenses que desencadeiam conflitos
pela apropriao cultural do espao urbano. Como exemplo, esse
povoamento do espao da Avenida So Joo, embaixo do Elevado
Costa e Silva, envolve grupos de indigentes que habitavam a regio, usurios de crack que buscam um local tranquilo para o uso
da droga e moradores dos bairros vizinhos, como Barra Funda,
Santa Ceclia e Higienpolis, que temem por falta de segurana e
pela desvalorizao de seus imveis.

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Os conflitos causados pelo deslocamento desses grupos sociais


e, consequentemente, pela reapropriao desses locais pblicos como
circuito de consumo de drogas podem ser observados a olho nu. Para
aqueles que circulam ali apenas como passagem, possvel a anlise dessas mudanas sociais por meio da anlise de imagens dialticas,
conceito explorado por Walter Benjamin em sua obra.
Benjamin observou a imagem dialtica na cidade moderna em
construo, pois essa imagem revela as passagens, os choques culturais, os discursos que se embatero a partir das mudanas sociais. Seu
olhar registrou uma Paris tornada canteiro de obras, cujas brechas,
entre seus tapumes, iluminavam o encontro do modo de vida rural
com o cosmopolita, assim como a emergncia da prpria Modernidade.
Ao deslocar esse olhar para o momento da gestao da Nova
Luz, podem ser observados os processos de desalojamento dos habitantes da regio, de derrubada de moradias e a higienizao
que expulsa os usurios do crack da mancha da Cracolndia. A
remoo desses atores sociais foi realizada sem a devida assistncia social, promovendo a expanso do circuito de consumo da droga e de habitao de vias pblicas por desabrigados moribundos.
Higienizados, os usurios esto tomando as ruas de Higienpolis.
O projeto de construo de uma Nova Luz est produzindo novas
Luz(es) em vrios bairros da cidade.
Portanto, um projeto que se propunha socialmente inclusivo,
somando propostas de desenvolvimento urbano e social, gerou conflitos sociais que colocam em risco o prprio sentido de urbanizao
e o uso desses espaos pelo cidado paulistano. A falta de ateno
alteridade e aos usos culturais desses espaos acabou por torn-los
espaos de conflito, promovendo o surgimento de novas manchas de
consumo de drogas e uma expanso do circuito de trfico e consumo
do crack em So Paulo. A seguir, esses fenmenos culturais sero
analisados com a perspectiva da imagem dialtica benjaminiana.
Imagens dialticas
A inspirao uma aura que envolve objetos e cenas quando
neles percebemos algo alm do que nos revelam nossos olhos.
Emana de imagens permeadas de uma complexidade que o olhar
cotidiano, viciado em processos rotineiros, no consegue captar.

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Imagens dialticas o conceito benjaminiano para imagens compostas por paradoxos que iluminam tenses, registrando a passagem do tempo, o surgimento de tendncias, discursos divergentes
coexistentes em um momentum, passveis de uma fruio reveladora
quando registradas por uma anlise distanciada.
A cidade tem como seu espectador privilegiado o flneur, personagem arquetpico da Modernidade. Em seu vagar ocioso, ele
exercita uma mirada contemplativa, mantendo o distanciamento
exigido para a anlise da imagem dialtica. A cidade contempornea no estimula essa observao lenta e distanciada. Seus fluxos
so intensos. Pedestres e veculos correm em um constante estado
de ansiedade que dificulta a distino das imagens cotidianas das
imagens dialticas que se revelariam apenas ao observador atento.
Ainda assim, a fotografia permite o registro dessas imagens que
iluminam o encontro entre o ontem, o hoje e o amanh, permitindo a anlise distanciada da dialtica em imagens, iluminando momentos de transio e tenso social na histria das cidades.
Esse olhar pode ser aplicado ao projeto Nova Luz. Como dito
anteriormente, o incio de suas obras envolveu a desapropriao
de casas e ruas da regio para a demolio dos antigos imveis e
futura construo da arquitetura do projeto. As imagens registradas
no momento posterior demolio dos imveis, e anterior construo do projeto (que ainda no ocorreu) revelam uma cidade em
estado de canteiro de obras, parafraseando Benjamin. Seus escombros e tapumes escondem restos de obras que abrigam usurios de crack no consumo da droga.

Figura 3. Rua da Cracolndia: um canteiro de obras.

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Esse circuito de trfico e consumo do crack permeado por


encontros entre atores sociais de interesses diversos e diferentes apropriaes dos equipamentos do espao urbano. Na Rua Aurora, usurios de crack e prostitutas disputam espao na calada com advogados e profissionais liberais, frequentadores habitus do tradicional
Bar do Lo, tornando sua esquina um espao de disputa entre atores
sociais promotores da ordem e prticas ilegais de lazer.
No bairro de Santa Ceclia, os consumidores de crack, imigrantes da Cracolndia, disputam espao sob o Minhoco com os
sem-teto durante a noite, mas durante o dia competem pelo uso
das praas adjacentes como local de uso da droga com judeus, tradicionais moradores do bairro, que levam suas famlias sinagoga
da Rua das Palmeiras. Aos domingos, o Minhoco fechado ao
uso de automveis e aberto ao pblico para entretenimento dos
moradores da vizinhana. Pedestres, ciclistas, skatistas, crianas,
usurios de droga, grupos de sem-teto e famlias judias se esbarram na apropriao cultural do espao do elevado.
As imagens dialticas ora citadas iluminam as tenses sociais
de uma metrpole crescente e plural, habitada por diversos atores
sociais, cidados ou marginalizados, que se esbarram pelos espaos pblicos e buscam se apropriar de seus equipamentos. O papel
do governo ao realizar um planejamento urbano considerar os
usos desses locais pela populao de uma cidade, de forma a promover sua incluso social pelo exerccio da cidadania por meio da
ressignificao do espao pblico.
Algumas obras, porm, parecem planejadas para usufruto de
apenas alguns setores da sociedade e se tornam pontos de conflito
ao serem apropriadas por grupos sociais para os quais no foram
planejados. Um exemplo emblemtico dessa condio o projeto
do Complexo Cultural Luz, o retrato da imagem dialtica que contrape misria e modernidade.
Entreolhares para a Caixa de Pandora: olhares de dentro, olhares
de fora
Projeto emblemtico da Nova Luz, o Complexo Cultural Luz
o retrato da imagem dialtica que contrape misria e modernidade. Como dito, o projeto Nova Luz previa a construo de apa-

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relhos culturais para usufruto da populao. Dentre eles, est em
processo de construo uma grande obra: o prdio do Complexo
Cultural Luz, cujas paredes de vidro transparente permitiro ao
transeunte observar o interior da mesma, ainda que sem adentrla, transmitindo a sensao de democratizao da fruio de um
equipamento cultural.
Segundo o Portal do Governo do Estado de So Paulo1, o complexo seria pea-chave da proposta de requalificao da regio da
Nova Luz, estimulando a ocupao residencial e de comrcio. Esse
projeto, idealizado pelo escritrio suo Herzog & de Meuron, responsvel por destacados projetos de empreendimentos culturais do
mundo, como o Tate Modern (Londres) e os Museus de Arte Moderna de Miami (EUA), Guadalajara (Mxico) e Kolkata (ndia),
tem como proposta misturar e combinar vrias atividades culturais. Projetado para ocupar o centro da Cracolndia, o complexo
teria como misso promover a integrao cultural entre os cidados
promovendo a integrao ambiental com o entorno do prdio.

Figura 4. Maquete digital do Complexo Cultural Luz.

O antroplogo Clifford Geertz props, em sua obra, um olhar


crtico e analtico para a cultura, promovendo a ideia de uma antropologia interpretativa que analisasse a cultura como um texto. Se1

Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=218124 de
21/03/12 s 13h10.

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gundo sua metodologia, a realizao de uma leitura herme-nutica,


portanto, interpretativa, de um texto cultural permitiria a interpretao de elementos balizadores de uma sociedade. Utilizando desse
olhar para a interpretao das imagens dialticas j citadas, possvel iluminar trechos desse texto cultural que revelam camadas dos
elementos que compem a cultura da cidade de So Paulo.
O Complexo Cultural Luz era considerado uma pea-chave
na revitalizao da regio da Luz, que abriga a Cracolndia. Seus
espaos projetados para abrigar diversas formas de arte se pretendia socialmente inclusivo, trazendo em suas paredes de vidro a promessa de incluso social e cultural do transeunte que assiste produo cultural in loco. Trata-se de um projeto concebido sobre os
valores da transparncia para a incluso e de espaos abertos para
permitir o trnsito e fruio por parte do cidado que ter acesso a
produes artsticas de qualidade. Este era o discurso oficial do
governo que idealizou o projeto.
Buscando o distanciamento de um julgamento tico, um olhar
esttico para a cena contempla a imagem dialtica de uma obra
bilionria se erigindo na regio miservel da Cracolndia. Um espao idealizado para a incluso cultural e promoo da cidadania
construdo em uma mancha de trfico e consumo de crack, povoada (ou apropriada) por pessoas socialmente marginalizadas que,
em vez de receberem ateno de polticas de servio social, so
contempladas com polticas de segurana pblica que os afasta provisoriamente de sua mancha de apropriao cultural por ao policial coerciva, se afastando das obras de grandes projetos arquitetnicos socialmente excludentes e aumentando seu circuito de consumo de droga e excluso social. O governo discursava pela incluso social, mas sua principal poltica foi a da higienizao social,
afastando os viciados da regio das obras ditas inclusivas.
Uma vez que a Cracolndia ainda integra o circuito de consumo do crack, se caracterizando, ainda, como a principal mancha
desse circuito, seus atores sociais voltam a ocup-la, se encontrando com a obra em construo. Esses encontros se traduzem em
imagens dialticas de casas velhas e ruas apertadas tomadas por
pessoas errantes balbuciantes no local que sediar um templo
arte contempornea com artistas de todo o mundo que sero ob-

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servados atravs de suas paredes de vidro pelos estressados transeuntes da cidade que no para.
Errantes balbuciantes, mortos-vivos contemporneos, olhando para dentro da Caixa de Pandora, a fruir de uma arte erudita
e global, iluminando uma situao de excluso social, pois a fruio
cultural no possvel entre atores sociais desprovidos de ateno
por parte de uma poltica de sade pblica e assistncia social.
E os artistas do complexo? Como fruiriam da viso de seus
anfitries e seus olhares famintos e fugidios, ora se tocando, sempre se evitando, entreolhares?
Iluminaes: uma luz sobre a Nova Luz
Esses encontros entre atores sociais e as consequentes disputas
pela apropriao cultural desses equipamentos urbanos revelam o
estranhamento entre esses atores e seus valores, acarretando no estmulo de uma tenso social que pode ser revelada
A fruio cultural
por meio de imagens diano possvel entre
lticas, indiciais de uma
transformao social em atores sociais desprovidos
construo. Sob outra tide ateno por parte
ca, porm, essas tenses
podem ser percebidas code uma poltica
mo oportunidades para a
de sade pblica e
prtica da alteridade, do
reconhecimento de e
assistncia social
no Outro, iluminando
as diferenas entre esses
atores e seus valores culturais, possibilitando uma apropriao
mltipla do espao urbano para exerccio da cidadania e de uma
insero social pelo uso do espao pblico. As imagens que revelam essas tenses podem servir de termmetro para a anlise do
momento social vindouro, promovendo a iluminao de instantes
potenciais que podem tender para o conflito cultural ou para a insero social desses novos atores urbanos.
A imagem dialtica do Complexo Cultural Luz rodeado por
usurios de crack permitiria uma descrio densa, da regio da

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Cracolndia, no conceito criado por Clifford Geertz para a anlise


hermenutica de prticas sociais (Geertz, 2011). Os atores sociais,
governo, artistas, empresrios, empreiteiros, moradores, traficantes e usurios possuem interesses diferentes de apropriao cultural de um espao pblico. Sua convivncia, conflituosa ou negociada, depende de um olhar para a alteridade e reconhecimento no
Outro, um olhar sensvel e distanciado, capaz de identificar essas
imagens dialticas que iluminam as tenses sociais, mesmo sem
um aparato tcnico (como a fotografia), mas provido de uma sensibilidade etnogrfica aos valores do Outro. O que permite a leitura
hermenutica de um texto cultural complexo, por ser uma obra
aberta, escrita e reescrita por diversos atores sociais na construo
da cidadania.
O Projeto Nova Luz foi interrompido, mas a mancha do consumo de crack segue, agora ampliada em um circuito maior. Seguem tambm as obras que podem nos servir, inacabadas, como a
imagem dialtica que traduz o embate entre a cidadania e a excluso social.

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LUZ SOBRE A NOVA LUZ


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REFERNCIAS DAS IMAGENS
Figura 1: http://i27.photobucket.com/albums/c160/DANIEL
PEREIRADEJESUS/i238098.jpg 7 de agosto de 2013 s 9h.
Figura 2: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/fotos/1061/novaluz-setores.jpg 17 de agosto de 2013 s 10h.
Figura 3: : http://tetomodarock.files.wordpress.com/2011/08/19-052011_visita-cracolandia-029ok.jpg 5 de agosto de 2013 s 8h.
Figura 4: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.
php?id=218129 em 5 de agosto de 2013 s 8h.

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IMAGENS EM REVISTA
NO TEMPO: RIO DE
JANEIRO E SO PAULO
Dulcilia Schroeder Buitoni

Imprensa e cidades catalisadoras de imaginrios sempre caminharam juntas. As grandes cidades ocidentais conjugaram formas de viver e figuraes espaciais que se constituem em traos de
identidade. Urbanismo, vida moderna, espaos interagentes.
Jornais e revistas apresentam visualizaes de cidades, ambientes, edifcios, ruas e praas, pessoas. As imagens ilustram, informam, conformam. As imagens estampadas em publicaes
jornalsticas reforam figuraes do imaginrio sedimentado culturalmente ao longo de sculos. O objetivo deste trabalho examinar representaes visuais principalmente as fotogrficas de
duas cidades brasileiras emblemticas: So Paulo e Rio de Janeiro,
em duas grandes revistas semanais, O Cruzeiro (dcada de 1950) e
Veja (na primeira dcada de 2000). Tambm se quer discutir e experimentar conceitos que possam ser operacionais na anlise de
imagens jornalsticas.
Quais as representaes preferenciais nessas duas dcadas?
Que olhares, que imagens foram valorizadas pelas duas revistas
em diferentes momentos? A urbanizao crescente no mundo inteiro foi acompanhada pela valorizao da imagem: as revistas ilustradas expandiram-se e mais tarde a televiso continuou a difundir
visualidades. Revistas, televiso e cidades configuram-se mutuamente. A indstria cinematogrfica, principalmente a norte-americana, contribuiu para o reforo de cidades mticas, como Nova

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York e Paris. O cinema brasileiro tambm reforou imagens de So


Paulo e Rio de Janeiro.
Dirios e revistas ajudaram a construir imagens das cidades,
principalmente das metrpoles. H metrpoles que foram altamente
simbolizadas em processos que vm desde a Idade Mdia: talvez
Paris seja o principal exemplo de construo, inclusive por meio da
literatura. A reforma urbana da cidade do Rio de Janeiro no incio
do sculo XX se inspirou em Paris, cone da modernidade naqueles tempos. No entanto, os processos mais intensos de simbolizao
urbana j estavam ocorrendo a partir do sculo XIX, conforme
apontado em estudos de autores como Walter Benjamin.
As publicaes jornalsticas que surgiram ao longo do sculo
XIX na Europa estavam intimamente ligadas ao processo de urbanizao. Os jornais colocavam as pessoas em contato com o espao
pblico que se construa no cotidiano da vida das cidades. Dirios
ou semanais, eles traziam a poltica para os habitantes dos ncleos
que iam crescendo com a Revoluo Industrial e o incremento do
capitalismo. No entanto, talvez as revistas nascentes traduzissem
ainda com mais fora o ambiente citadino. Afinal, muitas revistas
apresentavam universos de cultura, bem como imagens das cidades, principalmente das metrpoles. Inicialmente, apareceram gravuras que estampavam lugares significativos como sedes de governo, monumentos, praas importantes etc. Depois, comearam a ser
publicadas fotografias. J havia uma relao estreita entre cidade e
revista, relao que foi acentuada no sculo XX.
De um modo geral, as revistas ilustradas caracterizavam-se
por uma tendncia de valorizar a vida urbana como um signo de
modernidade e civilizao. Para representar visualmente as feies
de uma cidade, so usados pontos de referncia quase sempre
espaciais facilitadores da identificao. A pesquisadora Sandra J.
Pesavento, que trabalhou com o imaginrio literrio de Paris, Rio
de Janeiro e Porto Alegre, aponta elementos que ajudam a configurar identidades urbanas:
Ora, a identidade de uma urbe tende a apoiar-se em
marcos de referncia precisos, visuais e sensveis que, se
por um lado compem a unicidade do padro identitrio,

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IMAGENS EM REVISTA NO TEMPO


permitindo reconhecimento da cidade, por outro, estabelecem a diferena em face de outros centros urbanos.
Via de regra, estes elementos individualizantes monumentos, traado urbano, tipo de construo arquitetnica, paisagem, costumes e procederes so observveis
no centro da cidade, locus da origem da urbe e, quase
sempre, ncleo histrico, religioso e poltico (Pesavento,
1999: 163).

Neste texto, buscamos imagens de duas cidades que costumam


ser identificadas como representativas do Brasil: Rio de Janeiro e
So Paulo. As duas metrpoles tm importncia como cones urbanos, tanto para o pblico nacional como para os pblicos internacionais. Escolhemos duas revistas semanais, O Cruzeiro (19501959) e Veja (no perodo 2000-2009), cada uma em um distinto momento. A dcada de 1950 foi um perodo de modernizao e industrializao, de retomada da democracia e de movimento migratrio do campo para a cidade e das regies mais pobres do norte e
nordeste para o sudeste. Nos anos 1950, tambm se processou uma
modernizao da arquitetura. O sculo XXI, ps-revoluo
informtica, com o crescimento das duas metrpoles, com os problemas de transporte, educao, moradia, violncia, produziu outras imagens urbanas.
Ao relacionarmos uma dcada da metade do sculo XX com a
primeira dcada de sculo XXI, podemos acompanhar as representaes mais freqentes dessa interao entre modernidade e cidade:
A cultura da modernidade eminentemente urbana e
comporta a conjugao de duas dimenses indissociveis:
por um lado, a cidade o lugar da ao social renovadora, da transformao capitalista do mundo e da consolidao de uma nova ordem e, por outro, a cidade se torna, ela mesma, o tema e o sujeito de manifestaes culturais e artsticas (Pesavento, 1999: 158).

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Todas as cidades tm seus lugares emblemticos, mas as metrpoles emblemticas, alm de ter lugares emblemticos, so elas
mesmas lugares emblemticos. Utilizaremos a noo de representao para refletir sobre as imagens de Rio de Janeiro e So Paulo.
Trabalhar com o imaginrio pressupe ter a conscincia de que
estamos olhando desde o momento presente, com olhos que tambm foram se construindo ao longo do tempo:
Cada imagem que tem a capacidade de se inscrever no
imaginrio e, portanto, de passar histria como elemento caracterstico de determinada configurao social, um conglomerado que aglutina constituintes fundamentais da psique desta sociedade. Uma imagem no ,
portanto, um elemento histrico s porque pertence a
determinado perodo e est ancorada nele por sua feitura
e pela prpria biografia se seu(s) autor(es). , ou pode
ser, dependendo de sua intensidade, porque supe a
visualizao do imaginrio naquele momento (Catal,
2011: 255).

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A revista O Cruzeiro era a principal construtora do imaginrio


visual brasileiro desde a dcada de 1930. Do mesmo modo, mas em
concorrncia com os meios audiovisuais, a revista Veja vem construindo imaginrios dessas e de outras cidades. O Cruzeiro comeou a circular em dezembro de 1928, j se posicionando como uma
publicao moderna. Logo foi comprada por Assis
Chateaubriand, proprietrio dos Dirios Associados, grande cadeia de jornais em distintas cidades brasileiras. Publicava noticirio internacional e nacional com muitas fotografias, reportagens
sobre lugares distantes, com fotos de indgenas, da flora e da fauna
do Brasil, artigos e colunas de escritores conhecidos. Tambm foi
uma eficiente divulgadora do movimento do campo em direo s
cidades: a cidade tinha uma aura de progresso e civilizao.
J em seu primeiro nmero, Cruzeiro trazia matrias em que
projetava a grandeza imaginria do Rio de Janeiro e de So Paulo.
A matria O Rio de Janeiro de 1950 mostrava previses de como
seria a capital do Brasil 22 anos depois. Progresso, desenvolvimen-

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to, conscincia social do povo, alma brasileira, mais populosa nao latina, ruas, avenidas, tneis, praas e edifcios monumentais,
eram palavras que se dirigiam ao objetivo de ser a mais linda metrpole do mundo. So Paulo tambm era glorificada em seu potencial construtivo. Em texto/crnica A cr de So Paulo, Guilherme de Almeida critica os que chamam a cidade de cinzenta:
Poetas estrbicos um olho em Londres, outro em So
Paulo tm cantado esta cidade em toda a gamma do
cinzento. Vem cinza neste co de redoma que guarda a
fuligem dos bairros trabalhadores, cinza nesta gara
bohemia, cinza nestes asphaltos e nestas pedras, cinza
nestes telhados de ardosia, cinza nestes cerebros tristes
(O Cruzeiro, 10 de novembro de 1928).

Guilherme de Almeida convida a ver So Paulo de avio de


uma altura sufficientemente moderna: ento, a cidade vermelha. E j ressalta as qualidades: a cidade que constre uma casa de
duas em duas horas, a cidade que se estende e se avoluma e sbe,
num record assombroso. So Paulo vermelha, da cor do tijolo:
Brique cr de construco. Cr dos cubos de terra
cosida que se apinham, das telhas acolhedoras que se
imbricam, dos verges que o progresso abre nas glbas
uteis, da poeira que erguem na estrada as modernas bandeiras de tractores e caminhes... Cr activa do trabalho, cr alegre de construco. Cr com que o sol edifica
o dia e fabrica a noite. Tijlo cr de So Paulo... (O
Cruzeiro, 10 de novembro de 1928).

Desde a segunda metade dos anos 1940, O Cruzeiro introduziu novos formatos de reportagem, em que a fotografia ganhava
cada vez mais espao; o texto teve sua predominncia reduzida.
Grandes reportagens redefiniram o papel da fotografia nas revistas brasileiras. Nos anos 1950, vendia 500.000 exemplares num Brasil

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de 50 milhes de habitantes (o nmero de suicdio do presidente


Getlio Vargas, em 1954, alcanou 720.000 exemplares). O Cruzeiro criou o sistema de duplas reprter/fotgrafo, inspirado na francesa Paris-Match, e essas duplas fizeram grandes reportagens.
O Cruzeiro elaborou representaes para as mudanas polticas e sociais vividos pela sociedade brasileira a partir de 1945. Para
a revista, o pas estava se transformando em uma nao moderna e
democrtica. As imagens das duas cidades, So Paulo e Rio de Janeiro, eram apresentadas, em geral, como smbolos de modernidade
e cultura. So Paulo era a cidade da indstria e do trabalho. Nas
pginas da publicidade, aparecia a modernidade das maneiras de
habitar: os eletrodomsticos, liquidificadores, televises. As transmisses televisivas no Brasil comearam em 1950, mas o grande
meio de massa era o rdio. Algumas narrativas da cidade se pareciam, em O Cruzeiro, com as novelas do rdio: crimes misteriosos
eram contados durante diversas semanas. Rio de Janeiro compartilhava a funo de capital da Repblica com sua vocao turstica,
que a tornava um cone e um smbolo para o pblico estrangeiro.
Mais contempornea, a revista Veja, iniciada em 11 de setembro de 1968, j partiu de uma realidade em que as duas grandes
capitais estavam consolidadas. A Veja da primeira dcada do sculo XXI a mais importante revista semanal do Brasil e da Amrica
Latina, com tiragem mdia de mais de um milho de exemplares.
Nos seus primeiros tempos, dedicava mais espao fotografia. Nos
ltimos anos, a utilizao mais convencional; as reportagens fotogrficas so mais raras. Revistas norte-americanas similares como
Time e Newsweek costumam explorar mais o fotojornalismo, publicando ensaios, reportagens e fotos que ocupam a pgina inteira.

Montagem: justaposio, oposio


A observao, classificao e anlise de imagens jornalsticas pedem a pesquisa de conceitos em diferentes campos de conhecimento.
Autores clssicos podem nos fornecer elementos aplicveis tanto aos
anos 1950 quanto ao sculo XXI. Walter Benjamin e Willi Bolle, que
estudou a sua obra, podem nos apontar caminhos de investigao.
Walter Benjamin retratou a modernidade de cidades como
Paris, com uma escritura bastante prpria de histria cultural, re-

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colhendo fragmentos da vida urbana. No volume Rua de mo nica, foram reunidos textos sobre vivncias de cidade: a infncia em
Berlim, passagens por Npoles, Moscou, Weimar, Marseille, Ibiza,
Paris. Textos curtos, quase crnicas, frases soltas com opinies e
aforismas (por exemplo: O olhar o fundo do copo do ser humano, Benjamin, 1987: 49), pargrafos em ritmo de poema vo mostrando seu percurso por paisagens j icnicas naquela poca e outras menos conhecidas. O pequeno ensaio Paris, a cidade no espelho bastante representativo da abordagem de Benjamin:
De todas as cidades, no h nenhuma que se ligue mais
intimamente ao livro que Paris. Se Giraudoux tem razo
e se a maior sensao de liberdade humana flanar ao
longo do curso de um rio, ento aqui a mais completa
ociosidade, e portanto a mais prazerosa liberdade, ainda
conduz livro e livro adentro (Benjamin, 1987: 195).

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As relaes apontadas por Benjamin ligam lugares e construes, pontos que se destacam na geografia parisiense. A visualidade
aparece, soberana:
Nenhum monumento nesta cidade na qual uma obra prima no tenha se inspirado. Notre Dame pensamos no
romance de Vitor Hugo. Torre Eiffel Os Noivos da Torre Eiffel, de Cocteau; com Orao na Torre Eiffel, de
Giraudoux, j estamos nas vertiginosas alturas da nova
literatura. A pera: com o famoso romance policial de
Leroux, O Fantasma da pera, estamos nos subterrneos dessa construo e da literatura ao mesmo tempo. (...)
Esta cidade se inscreveu to indelevelmente na literatura porque nela mesma atua um esprito aparentado aos
livros (Benjamin, 1987: 195).

Willi Bolle, estudioso de Benjamin, apontou seus mtodos de


pesquisa. Sandra Pesavento (1999: 19) analisou relaes entre lite-

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ratura e cidades e nos disse que Willi Bolle caracterizou a tcnica
benjaminiana de montagem, emprestada das vanguardas artsticas,
especialmente do cinema. Willi Bolle escreve que a montagem
um procedimento caracterstico das vanguardas do incio do sculo XX:
sobretudo essa tradio que est presente na obra de
Benjamin: os conceitos de montagem do Dadasmo, do
Surrealismo, do Teatro pico e dos meios de comunicao de massa jornal e cinema. H tambm influncias do
Barroco (a alegoria como precursora do princpio de
montagem), do Romantismo (a esttica do fragmento) e
da Revoluo Industrial (construes-montagem como
a Torre Eiffel) (Bolle, 1994: 89).

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Benjamin considerava que a configurao dos jornais era mais


importante que a literatura: a leitura espacial, no linear, a disposio multidimensional da escrita desafiavam a cultura tradicional
do livro. Estas ideias podem ser aplicadas tambm ao periodismo
na web. Willi Bolle escreveu uma leitura da grande metrpole contempornea, ps-Revoluo industrial, pinando e articulando elementos das obras de Walter Benjamin, A origem do drama barroco
alemo e Paris, capital do sculo XIX. Para Bolle, a montagem um
procedimento que caracteriza as vanguardas do incio do sculo
XX. Nessa linha, ele observa alguns princpios construtivos de Benjamin: o conceito dadasta de montagem e fotomontagem, o conceito surrealista de montagem, o conceito de montagem do teatro
pico de Brecht, o conceito jornalstico de montagem e o conceito
cinematogrfico de montagem. Ao tratar do lay-out do jornal, Benjamin destaca seu carter espacial, no linear. Quanto ao cinema,
impera a fragmentao: os elementos isolados no significam nada;
a significao nasce de uma combinatria.
Algumas tcnicas especficas foram elaboradas por Benjamin
e apontadas por Bolle: colecionar materiais para fazer montagens,
montagem como desmontagem, montagem como arte combinatria, montagem em forma de choque e montagem como

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superposio. Walter Benjamin utiliza como construo de sua anlise a tcnica de destruio e desmontagem de imagens do passado, desejando uma nova construo. A montagem funciona por
contraste, comparando ideias antitticas. Uma cidade tem representaes contraditrias de seu espao e das relaes sociais que a
se realizam (Bolle, 1994: 98).
Contemporaneamente, por causa das novas tecnologias
miditicas, autores como Priscila Arantes (2010) esto relacionando a cidade a uma esttica do fluxo. Priscila tambm recorre a Benjamin e a Baudelaire para mostrar a trajetria de uma perspectiva
racional e sistemtica do espao a um perambular pela cidade. Hoje
o perambular acompanhado dos dispositivos mveis tornou-se uma
condio que interfere na escrita da cidade. Segundo Priscila,
O conceito de fluxo como possibilidade para se pensar
a esttica contempornea surge, portanto, como contraponto aos discursos estticos da tradio, que pregam a forma fixa e perene: ndices da beleza, da objetividade e do princpio de verossimilhana (Arantes,
2010: 76).

No chegaremos a essa esttica do fluxo, pois trabalhamos com


imagens que, apesar de se transformarem, tendem a uma permanncia. Esta pesquisa utilizou tcnicas de busca segundo possibilidades de contraste e oposio; e de superposio e de justaposio
de imagens publicadas nas revistas O Cruzeiro e Veja. Como elementos de contraste, buscamos oposies entre progresso e tradio, natureza e cultura, urbano e rural, centro e periferia, nacional
e regional, real e ideal.
O Cruzeiro operou muitas vezes a oposio natureza x cultura.
Rio e So Paulo, cidades grandes, faziam contraponto s cidades
pequenas, s localidades do interior, s regies do norte e nordeste. Natureza e cultura se opunham visualmente em mini-narrativas
especialmente montadas, quando indgenas eram trazidos ao Rio
de Janeiro e apresentados ao mar e a Copacabana. O romance
da ndia Diacu com um tenente em misso de contato com tribos
foi transformado pela revista em uma novela em captulos, com

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direito a casamento na Candelria. Infelizmente, no houve final


feliz, pois a jovem morreu no parto da primeira filha. Os morros
cariocas tinham um tom romntico e buclico, apesar de uma ou
outra reportagem apontar pobreza, falta de qualidade de vida. A
violncia ainda era mascarada como malandragem carioca. A
faceta turstica e glamourosa do Rio de Janeiro aparecia em quase
todas as edies.
So Paulo sempre est relacionada a trabalho e plo financeiro. O centro, com seus prdios, a imagem mais recorrente na
revista. Nos anos 1950, apareceram com destaque greves; em 1953,
houve a Greve dos 300 mil. Indstrias, novas fbricas, arquitetura
moderna caracterizavam a capital paulista.
J a cidade do Rio de Janeiro na revista Veja identificada
quase sempre pela praia, pelo Corcovado o Rio do carto postal. Encontramos algumas reportagens em que a oposio passado/presente o princpio de organizao visual. Assim, as imagens
publicadas seguem uma organizao norteada por opostos, principalmente em reportagens que remetem ao Rio de outros tempos.
Esses opostos surgem de quando em quando justapostos na mesma pgina ou em pginas duplas. H um uso at certo ponto convencional em que o Rio antigo aparece em preto e branco ou spia
e o Rio dos dias de hoje em fotos coloridas. Houve a introduo da
violncia, simbolizada por armas nas mos da polcia ou de moradores das favelas. O contraste favela/paisagem privilegiada ou favela/moradias ricas aparece com freqncia.
O Cruzeiro e a Veja utilizam fragmentaes e montagens, embora ultimamente a revista Veja no pratique paginaes elaboradas; suas montagens e fotomontagens ocorrem com predominncia na capa. A revista O Cruzeiro trabalhava sequncias em forma
de fotorreportagem, bem como arriscava paginaes inusitadas.

Tempos: futuro, presente, passado


So Paulo e Rio de Janeiro aparecem em O Cruzeiro e em Veja
principalmente como cidades imaginrias. Cidades que encarnam
um esprito de personalidade social e ajudam a compor uma concepo de nacionalidade e regionalidade; tendem a ser representa-

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das pelas suas identificaes mais correntes. O Rio era e o Po de
Acar, So Paulo era o edifcio Martinelli e hoje o edifcio Copan.
So imagens que se repetem, o repertrio no se modifica.
Kiku Adatto, pesquisadora americana, trabalha com a confeco icnica praticada na poltica, no cinema, na vida cotidiana,
na televiso, na cultura popular e na mdia impressa. Ela formulou
o conceito de foto oportunista, que engloba as imagens preparadas ou previamente provocadas; a possibilidade do documental
sucumbe ao imaginrio j configurado:
Assim, aqui temos um paradoxo prprio da fotografia
desde o incio. Apesar de sua promessa de encarnar o
documento definitivo, de uma imagem mais realista do
que aquela que a arte possa alcanar, a cmera tambm
pode ser um instrumento de artifcio e pose, inclusive de
falsidade e mentira. A inveno que permitia que ns
escrevssemos com o sol apagaria a diferena entre aparncia e realidade, entre imagem e feito (Adatto, 2010:
68 traduo nossa).

As imagens de cidade no chegam a esse carter de foto oportunista mas pertencem ao mesmo universo semntico:
Outro argumento a favor de chamar a ateno sobre as
fotos oportunistas que tanto as falhas como as bem
sucedidas atuam como metforas, smbolos, ou resumem
argumentos para o debate pblico (Adatto, 2010: 35
traduo nossa).

As referncias so necessrias, mas a insistncia em determinados cones acaba provocando redundncias que no acrescentam informaes. Os mesmo signos persistem. A Cidade Maravilhosa vem desde a primeira metade do sculo XX, assim como a
Cidade do Trabalho. O Rio turstico, das mulheres bonitas, destino
de artistas internacionais. Porm, a violncia se introduziu no cenrio. So Paulo tem violncia, mas talvez o problema mais aparente seja o trnsito. O que surge de novo? Pontes estaiadas?

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Ao tratar da identidade latino-americana, Nestor Canclini
aponta a necessidade de perseguir figuras identificatrias:
supe-se que a identidade apresenta seu rosto na cultura visual. Uma profusa literatura tem perseguido a figura do latino-americano colecionando imagens. A fora
de interrogar de que maneiras nos representam artistas
e artesos, arquitetos e cineastas, chegaramos a saber
quem somos (Canclini, 1988: 49).

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Acrescentaramos: tambm perseguimos essas identidades na


mdia impressa. As cidades e suas representaes miditicas sofrem, ao longo do tempo, migraes semnticas. Mas h tambm
uma permanncia. As fotografias, por seu congelamento do instante, tendem a uma fixidez figurativa. O jornalismo, preso necessidade de identificao por parte do leitor, tende repetio e
ao reforo de certas imagens. Jornais e revistas esto em busca de
uma identidade construda pela cultura visual. Note-se que no
utilizamos o termo cultura da imagem por estar carregado de um
tom crtico, de imagem como espetculo. No negamos a
espetacularizao, mas aqui se trata de buscar na memria de uma
cultura visual.
Nos exemplos apontados, podemos perceber que h uma
idealizao semitica de um espao. A operao, principalmente
em imagens emblemticas que tendem abstrao e no narrativa , de idealizao semitica. Progresso, beleza natural, edifcios, violncia: identificao, idealizao?

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Figura 1: O Cruzeiro, 10 de novembro de 1928.


Matria O Rio de Janeiro de 1950, atravs da concepo do
Professor Agache.

Figura. 2: O Cruzeiro, 10 de novembro de 1928


Texto A Cor de So Paulo, de Guilherme de Almeida.

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Figura 3. O Cruzeiro, 17 de outubro de 1959.


Texto: 1 morto a cada 3 horas Texto de Dino Amrico Aguiar e Fotos
de Carlos Ney e Dirio da Noite.

Figura 4. O Cruzeiro, julho de 1975.


Texto Luizas pedem que todos se lembrem dos que envelhecem a ss.

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IMAGENS EM REVISTA NO TEMPO

Figura 5. Veja, 20 de abril de 2005, p. 8


Matria especial: A longa noite do Rio... e seu passado ensolarado,
foto do sumrio.

Figura 6. Veja, 20 de abril de 2005, p. 90-91


Matria especial: A longa noite do Rio... e seu passado ensolarado.

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Figura 7. Veja, 20 de abril de 2005, p. 98


Matria: O Rio tem soluo.

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Figura 8. Veja, 20 de abril de 2005, p. 99


Matria: O Rio tem soluo.

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IMAGENS EM REVISTA NO TEMPO


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PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginrio da cidade: vises literrias do urbano. Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.
SOUSA, Jorge Pedro. Uma histria crtica do fotojornalismo ocidental. Florianpolis: Letras Contemporneas, 2004.

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NUREMBERG, A
CIDADE PALCO DO
PODER NAZISTA
A SIMBOLOGIA NAZISTA NO CLSSICO O TRIUNFO DA
VONTADE, DE LENI RIEFENSTAH

Slvio Henrique V. Barbosa

... meu filme apenas um documento.


Mostrei aquilo que toda gente foi testemunha ou ouviu falar.
E todos ficaram impressionados.
Eu fui aquela que fixou essa impresso, quem a registrou em pelcula.
(Leni Riefenstahl)1
Introduo
Ao criar esse, que apontado como o mais importante
documentrio audiovisual da histria, a cineasta alem Leni
Riefenstahl (Helene Bertha Amalie Riefenstahl 1902/2003), tambm imortalizou uma cidade, Nuremberg, pela primeira vez citada
num documento no ano de 1050. A cidade enriqueceu ao longo da
Idade Mdia e se tornou smbolo de uma passado grandioso, um
modelo pronto para Adolf Hitler e seu discurso de reconstruo de
uma Alemanha derrotada e humilhada aps a Primeira Guerra
Mundial. Escolhida como sede das congressos anuais do Partido
Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemes, o Partido Nazista,
Nuremberg tornou-se o grande palco para a exibio de toda a
teatralidade dos megalomanacos eventos nazistas. Em especial, o
grande congresso de 1934, o maior de todos, preparado para mostrar aos alemes e ao mundo que Hitler era uma unanimidade, ido1

Entrevista de Leni Riefenstahl, em 1965, aos Cahiers du Cinema.

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latrado por todos sua volta. O arquiteto Albert Speer cria as reas de desfile, transformando Nuremberg no sambdromo da Alemanha, por onde gente fantasiada, como os camponeses que entregam a colheita a Hitler, e a profuso de estandartes celebram o
nico lder, o guia espiritual da nao, o Fhrer. O documentrio,
carregado de mitos pagos e cristos, torna a prpria Nuremberg
um mito do nazismo. Mito que ser retrabalhado com a derrota e a
consequente transformao da cidade em tribunal de crimes de
guerra, de 1945 a 1949.

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Uma proposta de minutagem de o Triunfo da Vontade


00:03:04 Cenas de nuvens. No vistas de baixo como estamos
acostumados, mas ali ao nosso lado, como se estivssemos flutuando com elas. Sim, estamos no cu, voando com a imaginao e pelas lentes de Leni Riefenstahl, cineasta preferida de Adolf Hitler,
escolhida por ele para criar a narrativa audiovisual mais importante do nazismo, registrando o mais crucial congresso do Partido
Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemes (Partido Nazista),
de 4 a 10 de Setembro de 1934, na cidade de Nuremberg. 2
Por um minuto e nove segundos, admiramos o cu e podemos
definir entre as nuvens, bem ao nosso lado, um avio. Uma aeronave com as insgnias do poder. O avio do chanceler Adolf Hitler.
00:04:13 Agora, nosso foco visual muda. Deixamos de olhar
para o prprio cu e passamos a ver o que est no solo. L embaixo
surge a velha cidade de Nuremberg, fundada como um castelo no
Sculo 11. A cidade com quase mil anos tem forte simbologia para
o prprio Partido Nazista, criado naquele mesmo estado, a Baviera.
ali que acontecem os congressos do Partido Nacional Socialista
desde sua fase ainda embrionria, em 1927, repetindo-se em 1929
e, depois, j com Hitler no poder, anualmente de 1933 a 1939, quando tem incio a Segunda Guerra Mundial. Nuremberg, a cidade
quase milenar lembra aos alemes a promessa de Adolf Hitler, a

Neste congresso, Adolf Hitler precisa provar aos alemes e ao mundo que o
lder inconteste do Partido Nazista apenas dois meses aps o expurgo que
levou ao assassinato de 85 pessoas, quase todos nazistas ligados s foras
paramilitares as SA (Sturmabteilung), com trs milhes de milicianos.

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de construir um novo Reich, um imprio para durar mil anos sob a
gide de uma doutrina racista. 3
Durante um minuto e 16 segundos, vemos a cidade do alto e,
em determinado momento, o avio lana sua sombra sobre os prdios histricos. A sombra do avio de Hitler sobre os antigos prdios,
por curtos nove segundos, nos traz lembrana importantes mitos.
O formato do avio lembra a sombra de um grande pssaro,
remetendo os alemes imagem da guia, o smbolo do Imprio
Romano, animal que representa em diferentes culturas o Ser Divino porque pode voar junto ao sol, e que agora adotado como
smbolo, ao lado da cruz gamada, a sustica, do Nazismo.

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A guia segura a sustica sobre o ttulo do filme


3

E em tudo isso, o objetivo nico deve ser a conservao da sade do povo,


tanto do ponto de vista fsico como do intelectual. A liberdade individual deve
ceder o lugar conservao da raa. Adolf Hitler, In Minha Luta. So Paulo:
Centauro, 2001 (pg. 167).

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Como explica Rovai (2005:143) A imagem da sombra do avio


parece tornar um s o lder do Reich e o seu smbolo soberano, a
guia. como se Hitler, metamorfoseado, no em barata, como
pensou Franz Kafka, mas nesse belo smbolo ancestral do poder divino, estivesse de asas abertas voando sobre o mundo dos mortais.
Wilkinson e Philip (2009:03) complementam que o mito
elemento essencial de todas as religies. Surge na forma de histrias que abrangem crenas sobre a natureza humana, a do divino e a
aliana entre as duas.
Mas como essa guia, que aparecer em muitos outros momentos do espetculo-documentrio, que um smbolo de poder
de povos to distantes de ns no tempo, pode nos levar a associ-la
com o Divino no mundo contemporneo? Pode porque os mitos
esto presentes e so captados por nosso inconsciente. Os smbolos provm do que Carl Jung chamou de o inconsciente coletivo,
ou seja, a parte da psique que retm e transmite a herana psicolgica comum da humanidade. 4
A guia, smbolo de fora e beleza, que circula entre o cu,
morada dos deuses, e a terra em que vivemos, em algum momento
l atrs, na pr-histria, conquistou do homem primitivo a posio
de porta-voz divino. E a manteve durante reinos e imprios, nas
mais diversas culturas, das pradarias do Oeste americano, s estepes siberianas.5
A imagem da guia, a meu ver encontra-se na definio
junguiana de smbolo natural, o qual podemos decifrar chegando
s origens mais arcaicas, isto , ideias e imagens que vamos encontrar nos mais antigos registros e nas mais primitivas sociedades (Jung, 2008:117).
Carl Jung distingue o smbolo natural do smbolo cultural, empregado para expressar verdades eternas e que ainda so utilizados pelas religies, tendo passado por inmeras transformaes e
processo de elaborao mais ou menos conscientes, tornando-se
assim imagens coletivas aceitas pelas sociedades civilizadas (Jung,
2008:117).

4
5

Carl Jung, 2008.


O Poder do Mito, Joseph Campbell.

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O retorno do Messias
Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o ver, at os mesmos que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentaro sobre ele. Sim. Amm. Apocalipse 1:7

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Hitler sada os seguidores em Nuremberg

Sobrepondo-se imagem divina representada pelo formato


da guia, que surge como um smbolo natural, ainda que tenha
sido resgatado dos livros de histria e trazido para estandartes e
bandeiras nazistas, h a presena ainda mais clara do smbolo cultural, este ainda vivo na memria e nas tradies religiosas dos
alemes. A sombra sobre os prdios histricos de Nuremberg lembra a mais importante referncia da f dominante da Alemanha.
As asas abertas do avio de Hitler lanam sobre Nuremberg a sombra em formato de cruz, smbolo do sofrimento, do martrio, mas
tambm da vitria da vida sobre a morte.
O Messias ressuscitado, diz o livro sagrado dos cristos,
retornar ao mundo dos homens para livr-los das injustias, do
sofrimento, enfim, de todo o Mal.
Conforme Wilkinson e Philip (2005:3), os mitos so ambguos e sutis, contm vrios significados. No so fixos, mas flexveis: adaptam-se a mudanas e a novos conhecimentos.

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Leni Riefenstahl soube trabalhar na narrativa audiovisual esses


mitos, as duas simbologias, a pr-crist, representada pela guia, e a
crist, pela cruz, dando movimento a elas na linguagem audiovisual.
Como a guia dos pagos, a cruz dos cristos tambm fala forte ao
povo alemo. E ambas indicam a mesma coisa: o ser divino, o enviado, o Messias, retorna do cu para acabar com o sofrimento do povo,
com a vergonha da derrota na Primeira Guerra Mundial, com a diviso de partidos fracos e corruptos, com o risco de caos social, com a
crise econmica e o desemprego, com o medo do avano vermelho
sobre a Alemanha. Adolf Hitler, que encarna esse Messias do povo
alemo, merecia ser retratado assim aos olhos da diretora.
E por fim, mas no menos importante, a guia nunca representada sozinha. O pssaro que voa at o sol, smbolo maior da
divindade, segura a seus ps a sustica, a cruz gamada, representao ancestral do mito solar, da fora divina que faz jorrar a vida
sobre o universo.
So apenas nove segundos de sombra sobre a bela cidade e,
ento, perdemos de vista essa imagem divina do Cristo ou da
guia, dependendo de quem a l para vermos, do alto, a movimentao uniforme, perfeita, de homens marchando.
Mais alguns segundos, 33 para ser mais preciso, e trocamos o
cu e o que vemos de l, pelo solo.
00:05:29 - A cmera que filma do cu finalmente nos deixa e
podemos ver o mundo agora com os olhos de quem tm os ps no
cho. So cenas, no aerdromo, de pessoas claramente excitadas com
a aproximao do avio do lder. Faces alegres e bonitas, rostos felizes, homens, mulheres e crianas, muitas crianas. Uma plateia seleta, escolhida a dedo como a claque de um programa de auditrio.
00:05:57 O lder to aguardado ainda no apareceu. Mas h
uma profuso de braos erguidos na nova saudao que o pas inteiro est adotando. Nova saudao? O brao erguido e o grito de
heil nada tem de novo. A saudao vem na verdade de Roma. Os
csares eram saudados assim pela populao quando apareciam
em pblico. O Ave Cesar tem uma conotao nitidamente religiosa. Csar a representao viva dos deuses. Um Deus que deve
ser adorado na forma humana. Portanto, o ave em latim, ganha a
conotao de um salve com tom sagrado.

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Da mesma forma em alemo, o heil tem um claro significado
religioso; o Ave Maria, em alemo vira Heil Maria. Sada-se, portanto, o novo Messias da mesma forma como os catlicos oram em
alemo para a me de Deus, ou como as demais denominaes
crists se referem aos atos divinos.
00:06:03 Finalmente, a primeira apoteose do filme. Aquele
que vem do cu, que atravessa as nuvens, aparece na porta do avio.
Acena, sorri. O Messias, enfim, est entre seu povo. Ele segue, ovacionado, do aerdromo para o centro da cidade, numa longa
carreata, em carro aberto, filmado por todos os ngulos possveis:
pela direita, pela esquerda, pela frente, por cima, e at mesmo por
um cinegrafista invisvel posicionado bem atrs do lder. Invisvel
porque disfarado de oficial nazista, usando uniforme como todos
os demais 44 cinegrafistas e assistentes, de uma equipe tcnica com
170 pessoas, talvez a maior da histria do cinema.6
00:08:02 O sorridente lder, aclamado pela eufrica multido que lota as ruas, surpreendido por uma mulher e uma criana que, desrespeitando os cordes de segurana que impedem as
pessoas de deixaram as caladas, aparecem convenientemente
frente do cortejo. O carro de Hitler para e ele recebe da criana
um buqu de flores.
Me e filha, profundamente agradecidas pelo gesto carinhoso
do homem mais poderoso da Alemanha, sorriem e fazem a saudao nazista enquanto o carro parte mais uma vez. Com essa singela
imagem, Leni Riefenstahl estabelece o padro que pautar todos
os marqueteiros polticos dos anos 30 do sculo passado para c.
Desde que ela imortalizou o gesto afetivo do pai do povo com seus
filhos mais frgeis, as crianas, tornou-se regra associar a imagem
carinhosa do candidato aos pequenos. pensamento dominante
que algum que se preocupa com crianas, preocupa-se com o futuro e a continuidade de nosso nome, nossa famlia, nossa tribo,
cl, estado, pas, imprio, civilizao, espcie... Enfim, esse homem
s pode ser do Bem.
6

In O triunfo da vontade: o cinema a servio da ideologia, Ana Elisabeth Rodrigues


explica que a equipe trabalhou durante uma semana, filmando mais de cinquenta
horas de filme em diversos ngulos, muitos inovadores para a poca(...) A ideia
que guiou Riefenstahl foi de que o filme seria composto por imagens em movimento infindvel. In http://www.oolhodahistoria.org/n11/textos/elizabethfaro.pdf

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O carinho do governante por seu povo, como o do pai pelo


filho, tambm assim representado porque, afinal, Hitler no
casado e no tem filhos. Ele aquele que se sacrifica por seu povo,
numa vida austera, sem espao para as distraes familiares. A nica
exceo aceita a presena da companheira Eva Braun, com quem
casar em maio de 1945, pouco antes de se matarem no bunker em
Berlim. Ela uma comerciria a quem apresentado logo aps o
suicdio de sua sobrinha e ento companheira ainda em 1932, dois
anos antes, portanto dessa grande celebrao. Assim como o
vegetarianismo e os hbitos de no fumar e no beber, a recusa em
se casar projetava uma imagem de elevao acima do humano normal, diz Richard Evans, professor de histria da Universidade de
Cambridge, em entrevista revista Galileu.7
Uma tentativa, talvez, de alcanar a definio de Nietzsche do
Super-Homem, o bermensch, o Alm-do-Homem, aquele que
a autossupresso do homem, pois o superou e pode, assim, prescindir dele... Porque teria as mesmas caractersticas do Deus anterior, agora projetadas nele prprio, com outro homem, como um
super-homem.8
00:08:38 O cortejo segue e o documentrio ganha ares de
um passeio turstico pelo centro medieval de Nuremberg. A cmera
se detm nos palacetes, nas casas, nos monumentos que falam de
um passado de glria, um passado idealizado ainda mais diante da
grave crise econmica que o pas enfrenta desde a derrota na I
Guerra Mundial. So imagens que buscam neutralizar o gosto amargo deixado pelos recentes anos de hiperinflao.
E o desfile chega ao fim com a entrada de Hitler no hotel. Em
meio a novas ovaes, mais rostos alegres, olhares dedicados, o
lder aparece na sacada da janela para saudar seu povo ainda uma
vez antes do repouso.
00:11:15 A noite cai sobre Nuremberg, mas o show precisa
continuar. Formaes nazistas, iluminadas por tochas desfilam ao
som de fanfarras, numa serenata militar para toda a cidade. O fogo
brilhando a noite, mais uma vez, remete simbologia, dessa vez a
7

Revista Galileu Edio 193 - Agosto de 2007. http://revistagalileu.globo.com/


Revista/Galileu/0,,EDG78263-7855-193-3,00-O+MAIOR+SEGREDO+DO
+III+REICH.html
8
Mauro Araujo Sousa, in Alma em Nietzsche. 2013:104.

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germnica, tambm chamada de escandinava ou viking. O fogo com
seu poder destruidor tambm construtor da civilizao. O fogo
representa o poder dos deuses pagos, como Odin e Thor. Para os
gregos, Prometeu o roubou dos deuses e o entregou aos homens,
permitindo o progresso de nossa espcie. O fogo aquece o alimento, ajuda a forjar a arma e o arado, clareia a noite e afasta os predadores e o inimigo.9
00:14:00 Dois minutos e 45 segundos depois, e j temos o
amanhecer de uma cidade ainda sonolenta. As janelas se abrem e
revelam o dia nascendo com as bandeiras nazistas que tremulam
nos prdios medievais. Temos mais uma sequncia que lembra um
passeio turstico, vendo canais e fachadas de belas construes.
00:20:17 As ruas esto novamente lotadas para assistir a mais
uma cerimnia em homenagem a Adolf Hitler. Como num desfile
carnavalesco, camponeses alemes fantasiados com trajes tpicos
de todas as regies rurais do pas, caminham pelo meio da rua ao
som de msicas folclricas. Uma profuso de imagens curtas,
insertes, mostram closes de crianas e de jovens. Em cada grupo,
h aqueles que carregam cestos com alimentos provenientes da
terra. Temos um minuto e 20 segundos de desfiles, com camponeses saudveis, bonitos, arianos, segundo a concepo nazista e,
claro, felizes, com largos sorrisos estampados, principalmente quando se posicionam em frente Hitler para cumprimentarem-no. E
ento, novamente o mito reaproveitado, recontado e inserido
na narrativa audiovisual de Leni Riefenstahl.
00:21:55 Em meio s saudaes com a mo direita erguida,
os camponeses apresentam a Hitler os frutos da colheita. Uma cena
sem sentido? No, na verdade, ela representa a reconstituio das
tradies pagas ligadas aos ciclos do planeta. A Terra oferece o
sustento das populaes na forma do alimento que fertiliza e faz
crescer. Os deuses que cuidam das estaes, da chuva, do sol, da
prpria fertilidade da terra, enfim, merecem um agradecimento. E
as comunidades humanas, desde o Neoltico, oferecem a esses deuses frutos da primeira colheita. A tradio germnica, perdida com
a ascenso do Cristianismo agora retomada. Os muitos deuses
9

O Grande Livro dos Signos e Smbolos, pg. 200.

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pagos so incorporados agora pelo bermensch, o super-homem
nietzschiano.

Hitler recebe as oferendas dos camponeses no centro de Nuremberg

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Aquele, que no incio do documentrio, chega dos cus trazendo esperana, recebe as oferendas de seus fiis.
00:24:38 A guia, smbolo do partido aparece iluminada com
um nico facho, num ambiente escuro, que a legenda nos diz ser o
salo onde acontece o congresso do Partido Nacional Socialista
dos Trabalhadores Alemes. A guia de asas abertas est pousada
sobre o outro smbolo do partido, a sustica. A segunda apoteose
do documentrio acontece nesse palcio, onde esto presentes os
diplomatas dos pases aliados da Alemanha, os representantes do
partido, das foras armadas e das principais igrejas alems, menos
a judaica, por motivos bvios.
O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens)
A encenao espetacular deveria causar a mesma sensao da
monumentalidade do Nazismo aos presentes e a quem, em seguida, visse os documentrios e, em especial, o documento oficial de
divulgao do partido, o documentrio que Hitler encomendou
prpria Leni Riefenstahl.
O plano mtico do documentrio fica claro desde o incio com
a leitura do ttulo: O Triunfo da Vontade.
A que vontade ele se refere: a do dividido povo alemo que
deu a vitria a Hitler nas urnas? vontade dos seguidores de Hitler,

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que de um partido com duas dezenas de homens se tornou a maior
fora poltica da Alemanha? Ou vontade do prprio Adolf Hitler,
que de artista plstico fracassado em sua terra natal, a ustria, onde
foi rejeitado pelas Belas Artes de Viena, tornou-se o lder absoluto
da Alemanha?

Leni Riefenstahl ( direita) dirige o sorridente Hitler na cena do


encontro com os camponeses em Nuremberg

em Nietzsche que busco a resposta, pois o filsofo que criou


a noo de super-homem afirma que o Ubermensch (...) o que
tem vontade forte e que se supera porque tem essa vontade.10
Adolf Hitler conhece o pensamento do filsofo, morto em
1900. Apesar de no t-lo conhecido pessoalmente, Hitler conquista
a adorao de Therese Frster-Nietzsche, nica irm e responsvel pela publicao das obras pstumas do pensador. Ela prpria
defensora dos ideais de supremacia racial, Therese participou de
uma tentativa fracassada de criar uma colnia ariana no Paraguai.
De volta Alemanha, assumiu as publicaes do irmo e, em 1930,
filiou-se ao Partido Nazista, incentivando a reinterpretao do pensamento de Nietzsche ao bel-prazer de Hitler. Em entrevistas, ela
apontava o lder nazista como a encarnao do super-homem.
00:57:27 Noite. O espetculo do congresso agora ganha a dimenso de uma superproduo, de uma coreografia carnavalesca,
10

Mauro Araujo de Sousa, op cit.

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com direito a ttulo: Mares e bandeiras, e assinada pelo arquiteto de


Hitler, Albert Speers. Atuando como coregrafo, ele cria o desfile
de milhares de estandartes nazistas pelo campo Zeppelin, de pouso
de dirigveis. Junto apoteose, uma imensa estrutura vertical, iluminada por holofotes e batizada de Catedral das Luzes. Uma catedral
pag, onde em vez do Cristo na cruz, est a gigantesca guia que de
asas abertas sada os peregrinos pousada sobre a sustica.
No palanque, ou plpito da falsa catedral, a pregao claro,
no feita por um lder religioso, mas pelo prprio guia espiritual
da nao, o Fhrer.
01:04:00 Dia. A gigantesca guia mostrada num movimento horizontal, da cabea aos ps, que seguram a sustica. Uma fuso nos leva do smbolo nazista imagem, vista do alto, de trs
homens atravessando um mar de soldados cuidadosamente
enfileirados. Numa nova referencia aos mitos judaico-cristos, a
cena nos remete imediatamente de Moiss, que ao abrir o Mar
Vermelho, permitiu a passagem de seu povo rumo liberdade e
Terra Prometida.
A cerimnia uma homenagem ao recm-falecido presidente
Hindemburg. Ao som da marcha fnebre, Hitler se aproxima do
panteo ladeado pelos lderes de suas duas foras paramilitares, as
SA e as SS.
Sem prdios prximos para realizar essa imagem do alto, Leni
cria a primeira grua efetiva da histria do cinema, prendendo um
pequeno elevador no mastro do pavilho nazista.

A elevador (grua) pode ser visto exatamente


no meio das duas primeiras susticas

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01:07:26 - O elevador sobe e desce constantemente permitindo imagens perfeitas e amplas, movimentos subindo e descendo,
registrando o mar de bandeiras nazistas que se move, como que
por conta prpria em direo ao palanque onde est o lder mximo. Closes mostram os soldados de negro, das SS, em marcha, em
perfeita sintonia. Um bal cuidadosamente ensaiado.
01:15:42 Fade out a partir das bandeiras nazistas. Fade in. E
amanhece o dia, com as cmeras de Leni novamente mostrando as
bandeiras ao som de tranquila msica. E o vento se encarrega de
mostrar, por trs da bandeira que tremula, Hitler que se aproxima
em carro aberto despedindo-se da populao de Nuremberg.
So milhares de pessoas nas janelas, caladas e arquibancadas
acompanhando os desfiles das novas bandeiras apresentadas por
Hitler s formaes paramilitares. Em closes, Leni mostra e identifica com crdito em legenda um a um os dirigentes nazistas, sempre abaixo de Adolf Hitler, em p no carro aberto, e que acompanha os desfiles com o brao direito levantado.
Trata-se de um grande desfile, como num carnaval, porm sem
demonstraes de alegria, com as diferentes alas marchando, em
tom solene, at a Praa Adolf Hitler, no centro histrico de
Nuremberg. Leni mostra essa festa militarizada de muitos ngulos,
com cmeras posicionadas em prdios por toda parte e tambm
espalhadas ao nvel do solo, junto ao pblico.

Desfile das foras SS pelas ruas de Nuremberg

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Num ngulo especialmente feliz para um diretor, a cmera


consegue captar os soldados da SS, unidade favorita de Hitler,
marchando sob raios de sol que iluminam os homens de negro,
dando-lhes uma aparncia sagrada. A Guarda Negra traz o estandarte pessoal de Adolf Hitler e aclamada euforicamente pela
populao que se espreme na praa.
01:34:40 Hitler e seus comandantes entram agora no cenrio final do espetculo. O palcio onde o Congresso foi aberto,
agora assiste ao discurso de encerramento. A guia at aqui vista
por cima da sustica, muda de posio. Ela decora o palanque de
Hitler, abaixo do lder. E l atrs, na parede, bem acima de todos,
est a sustica. Numa cena indita em todo o documentrio, possvel notar gotas de suor no rosto de Hitler, que exclama a grandeza e superioridade dos alemes: ... que sabe que ele o portador
do melhor sangue e conscientemente usa isto para atingir a liderana e nunca renunciar!
01:44:15 E como que explicando o ttulo do filme, O Triunfo
da Vontade, Hitler diz ser sua essa vontade: minha vontade e
desejo que este Estado e este Reich possam resistir nos milnios
por vir. Podemos ser felizes sabendo que este futuro nos pertence
completamente.
01:48:04 Aps os interminveis aplausos e gritos de Heil!,
Rudolf Hess assume o microfone e diz, resumindo o objetivo do congresso e do prprio documentrio: O Partido Hitler! Mas Hitler
a Alemanha, como a Alemanha Hitler! Sig Heil (Salve a Vitria)
O hino do partido cantado por todos os presentes, enquanto
Leni intercala imagens das pessoas com uma fuso para a sustica
e dela para soldados marchando, como pede a letra da msica. Cena
final... Fade out.
Concluso
O Triunfo da Vontade inicia-se com uma trilha sonora orquestrada, ainda em black, que acompanha legendas explicando o momento histrico em que o congresso se realiza. O primeiro uso da
simbologia pr-crist acontece a. A guia de asas abertas, smbolo
do poder, surge com as garras segurando a sustica, smbolo
estilizado do sol, mas que, em vez de lanar seus raios de criao

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para o lado direito, no sentido horrio, como a sustica solar, padro mais tradicional de sua representao, aparece em ngulo invertido, lanando os raios para o lado esquerdo, a chamada sustica
lunar, apresentada ainda com um agravante: um dos raios est apontado para baixo, o que as sociedades teosficas interpretaram como
sinal de que Adolf Hitler governaria com as foras da involuo. 11

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Hitler dividindo as guas

Em seguida, as informaes sobre o prprio congresso, que acontece 20 anos aps o incio da Primeira Guerra Mundial, 16 anos aps
o incio do sofrimento, representado pela humilhante derrota, e 19
meses aps o incio do renascimento, ou seja, da vitria de Adolf
Hitler, tornando-se chanceler (primeiro-ministro) da Alemanha.
O renascimento representado por aquele que a unio de
dois mitos, o do messias e do heri. O Messias, o que vem do cu
como uma sombra sobre Nuremberg, na forma de guia ou de cruz,
aparece na narrativa audiovisual de Leni Riefenstahl como o divisor
de guas da Alemanha, tal qual Moiss abrindo o mar Vermelho.
J o heri aquele que com determinao supera os percalos do
passado e as humilhaes que enfrentou, numa reproduo do que
foi vivido por todo o pas aps a derrota na Primeira Guerra, para
apresentar ao povo a esperana de um futuro melhor. A teatralidade
presente nos discursos e na encenao em torno da apario do
11

http://www.dicionariodesimbolos.com.br/searchController.do?hidArtigo=
BBD28665570EF7A776DC6F873D41FA0D

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lder refora a personalidade carismtica e messinica. Ele e somente ele era um indivduo em meio s massas de operrios,
milicianos, do povo. Ele era o Fhrer, que deveria ser admirado de
forma obedientemente cega.
Obedincia que Leni levou ao p da letra, ao retrat-lo como
um Deus, o guia espiritual da Alemanha. Dessa forma, Leni, aclamada como um dos mais importantes cineastas da histria, mas
que no escapou do julgamento da prpria histria, recebendo pelo
resto da longa vida a pecha de cineasta de Hitler ou de deusa imperfeita, cumpriu com absoluto rigor tcnico o objetivo de retratar
a grandiosidade do regime nazista e de enaltecer a figura de Hitler,
usando e abusando de ngulos, movimentos e enquadramentos que
desnudam a grandiosidade da cidade-sede do congresso, a milenar
Nuremberg.
Defendendo-se dos muitos acusadores ao longo da segunda
metade do sculo 20, Leni afirmou que sua obra era to somente
um documento daquilo que toda gente foi testemunha ou ouviu
falar, numa tentativa de explicao que viria, em nossos dias, ao
encontro do documentarista Bill Nichols de que o documentrio
(gnero audiovisual) reapresenta o mundo histrico, fazendo um
registro indexado dele; ele representa o mundo histrico, moldando seu registro de uma perspectiva ou de um ponto de vista distinto. A evidncia da reapresentao sustenta o argumento ou a perspectiva da representao.12
Para Josep Catal: a imagem converte-se na representao
mais genuna da realidade social, da realidade tal como imaginada e, por isso, tal como vivida e utilizada.13
Vistos sem preconceitos ideolgicos, os documentrios de
Riefenstahl so obviamente exerccios de estilo, pesquisas de tcnicas, iluminao e ngulos afirma Hugo Estenssoro.14 Trata-se
de uma narrativa audiovisual trabalhada com rigor esttico que
reverte no embelezamento plstico do congresso.
Questes ideolgicas que sempre definiram a anlise da obra
dessa grande cineasta deixam, pouco a pouco, de influenciar nossa
12

Bill Nichols, 2005.


In Problemas de la representacin del espacio y el tempo em la imagem. Portal
Communicacion.com
14
Revista Bravo! n34, 2001. pg 31
13

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NUREMBERG, A CIDADE PALCO DO PODER NAZISTA


viso sobre esse trabalho. Entretanto, do ponto de vista tico, jamais poderemos entender como a busca pela perfeio tcnica pode
ter deixado de lado tantas questes morais to relevantes para a
humanidade.
REFERNCIAS
BACH, Steven. Leni, A vida e Obra de Leni Riefenstahl. So Paulo: Casa das Letras, 2007.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. So Paulo: Palas Athenas,
2007.
CATAL, Josep. Problemas de la representacin del espacio y el
tempo en la imagen. Portalcomunicacin.com.
DIEHL, Paula. Propaganda e persuaso na Alemanha nazista. So
Paulo: Annablume, 1996.
ESTENSSORO, Hugo. A Interpretao de Leni. In: Revista Bravo! N. 44. So Paulo: 2001, pgs. 26-34.
GALISI, Jos. A Simbologia da Culpa. In: Revista Bravo! N. 44.
So Paulo: 2001. Pp 35-37.
HITLER, Adolf. Minha Luta. So Paulo: Centauro, 2001.
JUNG, Carl. O homem e seus smbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
NICHOLS, Bill. Introduo ao Documentrio. So Paulo: Papirus
Editora, 2005.
OCONNELL, Mark e AIREY, Raje. O Grande Livro dos Signos
e Smbolos. So Paulo: Escala, 2010.
RODRIGUES, Ana Elisabeth. O Triunfo da Vontade: o cinema a
servio da ideologia. In O Olho da Histria, n 11, dezembro de
2008. http://www.oolhodahistoria.org/n11/textos/elizabethfaro.pdf

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ROTHER, Rainer. A simbologia da culpa. In: Revista Bravo! N.
44. So Paulo: 2001, pgs. 35-37.
ROVAI, M. L. Imagem, Tempo e Movimento. So Paulo: Associao Editorial Humanitas e FAPESP, 2005.
SOUSA, Mauro Araujo. Alma em Nietsche: a concepo de esprito para o filsofo alemo. So Paulo: Leya, 2013.
WILKINSON, Philip e PHILIP, Neil. Guia Ilustrado Zahar de Mitologia. So Paulo: Zahar, 2009.
FILMOGRAFIA:
RIEFENSTAHL, Leni. O Triunfo da Vontade. Alemanha, 1936.

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O OLHAR
COSMOPOLITA DE
WOODY ALLEN
Fabola Tarapanoff

Introduo
Desde a abertura monumental, percebe-se que Nova York
uma cidade em preto e branco. Mas, aos poucos, nota-se os tons
verdes do Central Park na primavera ou nos tons rosados e
alaranjados que iluminam a Ponte de Nova York e do Brooklyn. Se
chegar mais perto, pode at ver o vermelho na face dos enamorados que se beijam e se encantam pela cidade ao anoitecer. Assim
Manhattan, a cidade retratada por Woody Allen no filme homnimo. E na dureza do dia-a-dia se v poesia. Nos arranha-cus. Nos
trabalhadores no metr. Nas pessoas que andam freneticamente
pela cidade lutando por suas vidas e um lugar ao sol. Em relacionamentos que terminam e outros que surgem com toda sua magia.
Na cidade que nunca pra preciso ter os olhos abertos. E o corao desperto para ouvir a rapsdia azul de Gershwin. Afinal, como
diz a jovem Tracy (Mariel Hemingway) a Isaac, personagem de
Woody Allen, nem todo mundo se corrompe. preciso ter um pouco
de f nas pessoas.
Nessa verdadeira ode (ou sinfonia?) Big Apple, the city that
never sleeps, Woody Allen faz uma declarao de amor a Nova York,
a cidade de diversos filmes seus. Cineasta prolfico e conhecido pelos seus roteiros repletos de dilogos interessantes, Allen nos ltimos anos tem sado de seu territrio mais familiar e vem chamando
a ateno do pblico com filmes que fazem verdadeiras homenagens

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s grandes capitais do mundo. Foi assim com Scoop: o grande furo,


em que Allen e Scarlett Johansson, interpretando uma estudante de
Jornalismo, tentam descobrir um crime nas ruas de Londres, na linha de Sherlock Holmes. Ou Vicky Cristina Barcelona, em que ele
revela, encantado, a bela arquitetura de Antoni Gaud, enquanto
mostra um agitado tringulo amoroso entre Johansson, Javier
Bardem e Penlope Cruz. Na Paris do comeo do sculo XX, repleta
de artistas como Ernest Hemingway, T.S. Eliot, Salvador Dal e Luis
Buuel, ele encontrou inspirao para fazer uma declarao de amor
Cidade-Luz, em Meia noite em Paris. A ltima empreitada uma
saborosa comdia em homenagem no s para Roma, mas ao cinema italiano: Para Roma, com amor.
Mas como a cidade, o espao urbano retratado por Woody
Allen em cada um desses filmes? Com seu olhar estrangeiro, ele
busca ngulos inusitados ou se rende s imagens de cartes postais? Como o espao urbano se apresenta nessas obras que invadem a tela grande em cinemas de todo mundo, contribuindo para a
formao do imaginrio dos espectadores sobre cada uma dessas
grandes urbes: Nova York, Londres, Barcelona, Paris e Roma?
1. Imagem e cidade
Desde as pinturas pr-histricas, as imagens tm sido expresso da cultura humana. Como explicam Lcia Santaella e Winfried
Nth em Imagem: cognio, semitica e mdia, apesar da propagao
da palavra humana alcanar dimenses galcticas j no sculo XV
com a inveno da presa mecnica de Johannes Gutenberg, apenas
no sculo XX a galxia imagtica iria se desenvolver. Hoje da publicidade que vemos na TV no caf da manh at as ltimas notcias
que conferimos na internet noite, nosso dia a dia est povoado de
imagens, de tal forma que alguns apocalpticos da cultura ocidental j preveem o fim da palavra escrita. De certa forma, eles no
esto errados, pois a imprensa perde sua vitalidade diante de novas
tecnologias, que apresentam informaes de forma cada vez mais
rpida, com mensagens curtas e de grande apelo visual.
Devido sua importncia hoje, Santaella e Nth propem a
criao de uma teoria da imagem, realizada de forma
interdisciplinar, considerando fundamentos da Sociologia, da Psi-

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cologia e da Antropologia. Para os autores, o mundo das imagens


se divide em dois domnios. O primeiro o das imagens como representaes visuais, como desenhos, pinturas, gravuras, imagens
cinematogrficas, televisivas, hologrficas e infogrficas. O segundo compreende o domnio imaterial das imagens em nossa mente,
que aparecem como vises, fantasias, esquemas e mapas mentais,
representaes de mundo. Domnios to prximos, to
umbilicalmente ligados que:
No h imagens como representaes visuais que no
tenham surgido de imagens na mente daqueles que as
produziram, do mesmo modo que no tenham surgido
de imagens mentais que no tenham alguma origem no
mundo concreto dos objetos visuais. Os conceitos
unificadores dos dois domnios da imagem so os conceitos de signo e de representao. na definio desses dois conceitos que reencontramos os dois domnios
da imagem, a saber, o seu lado perceptvel e o seu lado
mental, unificados estes em algo terceiro, que o signo
da representao (Santaella & Nth, 1997: 15).

Como explica Josep Catal em A forma do real: introduo


aos estudos visuais, as imagens, inclusive as mais simples e
iconogrficas, so sempre construes que se superpem realidade, sintetizando a sua ambivalncia em uma direo determinada.
Diante de um mundo to repleto de imagens, ele prope o conceito de alfabetizao visual (visual literacy), que no deixa de ser contraditrio, pois atribui imagem formas de atuao semelhantes
de um texto. Considera-se assim a possibilidade de ler imagens
ou esperar que ela nos falem algo.
Catal cita James Elkins (2003: 128): visual literacy significa sermos capazes de ler imagens, de desmembr-las como um escrito, de
l-las em voz alta, de decodific-las e traduzi-las. Dessa forma,
o conceito de alfabetizao visual pode ser recuperado
superando o paradoxo antes mencionado, se o entendermos como uma expresso literal (o visual organizado

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verbalmente) tampouco metafrica (o alfabeto como uma
maneira de descrever a estrutura da imagem), mas como
a enunciao da condio hbrida do conhecimento e das
condies cognitivas que comporta. Alfabetizao visual
significa, portanto, aprender a conhecer os fenmenos visuais, ou seja, aprender a expressar verbalmente o que se
produz visualmente. Mas para isso necessrio saber o
que se produz visualmente no mbito intrnseco da imagem: s assim poderemos dizer algo de fato til e novo
sobre ela (Catal, 2011: 17).

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O autor prope ento as diferentes funes da imagem: 1)


Funo informativa (a imagem constata uma presena); 2) Funo
comunicativa (a imagem estabelece uma relao direta com o espectador ou usurio); 3) Funo reflexiva (a imagem prope ideias);
4) Funo emocional (a imagem cria emoes).
Funes que no s informam as imagens presentes no mundo, mas comunicam algo sobre esse mundo e ajudam a compreendlo e tambm criam emoes e muitas vezes estimulam determinados comportamentos.
Uma arte que possibilita o entendimento dessas funes e que
est muito presente na atualidade o cinema. Como explica Catal,
o surgimento do cinema no fim do sculo XIX demarca duas fronteiras bem claras: a da imagem clssica, como era entendida pelas
suas formas bsicas na pintura, na arquitetura e na escultura; e a
do futuro, com a chegada de novas tecnologias de reproduo de
imagens, como a do prprio cinema e depois a da internet. O cinema representa assim o eixo que articula a passagem de um territrio a outro.
Apesar de ser herdeiro da fotografia, o cinema apresenta uma
dinmica da realidade do visvel que a fotografia no possui. Segundo Lucia Santaella em Linguagens lquidas na era da mobilidade, por isso ele possui uma dinmica prpria e pode ser considerado a arte do movimento, apresentando por meio da projeo luminosa a restituio de movimentos registrados pela fotografia. Para
obter esse efeito, foi necessria a convergncia de trs caminhos de

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investigao: a estroboscopia, a fotografia e a projeo. Estroboscopia est baseada na persistncia da imagem na retina, fenmeno
fsico natural. Quando
uma imagem luminosa alApesar de ser herdeiro
cana olho, a impresso
dessa imagem vai permada fotografia, o cinema
necer at um dcimo de
apresenta uma dinmica
segundo aps o seu desaparecimento. Pois justada realidade do visvel
mente nessa anomalia do
que a prpria fotografia
olho humano que est a
base do cinema. A iluso
no possui
de ptica de uma luz contnua se produz quando o
intervalo entre os diversos flashes de luz inferior ao tempo de
persistncia na retina. A iluso de movimento ocorre porque o olho
tem uma tendncia de preencher os espaos entre objetos visuais
adjacentes:
a montagem que cria a realidade flmica. Ela no se
reduz justaposio mecnica de pedaos de pelcula,
mas se constitui na configurao especfica que o filme
apresenta dos fatos narrados. No obstante o filme criar
a iluso de uma narrao contnua, na realidade ele
feito de cortes e saltos descontnuos que fazem parte integrante de sua linguagem. Em uma cena, por exemplo,
o personagem caminha pelas ruas. Essa cena cortada
e, na prxima, a personagem j est dentro de casa. O
espectador preenche os vazios sem dificuldade graas
sua familiaridade com a lgica interna da montagem
(Santaella, 2007: 364).

A imagem flmica ento formada a partir de fotogramas separados, que dispostos em sequncia e com velocidade, produzem
a sensao de movimento (persistncia retiniana). Essa analogia
com o espao real que o cinema produz, segundo Jacques Aumont,
poderosa o suficiente para que as pessoas esqueam do achata-

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mento da imagem e que em um filme preto-e-branco e mudo no
h caractersticas como cores e som. Dessa forma, apesar do
enquadramento muitas vezes ser limitado, percebe-se o campo como
includo em um espao mais vasto, no qual aparece apenas uma
parte na tela do cinema, mas que nem por isso deixa de existir o
que existe fora do campo de viso. Por isso Bazin o qualifica como
janela aberta para o mundo, que revela apenas um fragmento
desse mundo e que no se deve deter apenas s bordas:
De fato, as fronteiras da narratividade, assim como as da
representatividade, muitas vezes so difceis de traar.
Da mesma maneira que uma caricatura ou um quadro
cubista podem representar (ou pelo menos evocar) um
espao tridimensional, existem filmes onde, para ser mais
esquematizada ou mais abstrata, nem por isso a representao deixa de ser mais presente e eficaz (Aumont,
1995:26).

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A narrativa pode assim ser apresentada de duas formas pelos


diretores, como explica Aumont, citando o texto de Andr Bazin:
os que acreditam na imagem e os que acreditam na realidade.
O cinema dos que acreditam na realidade o que segue o princpio da transparncia. No entanto, como s vezes o real ambguo,
necessria a interveno do diretor, para que uma sequncia torne-se mais clara para o espectador. Isso feito por meio da
decupagem clssica, que busca uma lgica na sequncia e apresenta os efeitos de forma to natural que parece que estamos vendo
algo diretamente apresentado da realidade.
Qualquer que seja o filme, seu objetivo dar-nos a iluso
de assistir a eventos reais que se desenvolvem diante de
ns como na realidade cotidiana. Essa iluso esconde,
porm, uma fraude essencial, pois a realidade existe em
um espao contnuo, e a tela apresenta-nos de fato uma
sucesso de pequenos fragmentos chamados planos, cuja
escolha, cuja ordem e cuja durao constituem precisamente o que se chama de decupagem de um filme. Se

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tentarmos, por um esforo de ateno voluntria, perceber as rupturas impostas pela cmera ao desenrolar contnuo do acontecimento representado e compreender bem
por que eles nos so naturalmente insensveis, vemos que
toleramos porque deixam de subsistir em ns, de algum
modo, a impresso de uma realidade contnua e homognea (Bazin, 1972: 66-67).

Hoje o cinema, com sua popularidade, um dos grandes


disseminadores de imagens. Afinal a obra cinematogrfica revela
como nenhuma outra arte as relaes humanas.
Ela nos conduz pela histria dos continentes, mostrando a singularidade do ser humano e de cada indivduo no tempo e no espao. Como explica Edgar Morin, em O Cinema ou o homem imaginrio:
Reside nesta evidncia o primeiro mistrio do cinema.
O que de espantar que isso no nos espante. uma
evidncia que no sentido literal do termo nos entra
pelos olhos dentro uma evidncia que nos cega. Possa tudo o que considerado habitual inquietar-vos,
disse Brecht. Aqui principia a cincia do homem. Aqui
deve principiar a cincia do cinema. A arte do cinema,
a indstria do filme so somente os dados presentes
nossa conscincia de um fenmeno que necessrio
captar em toda sua plenitude. A parte escondida, porm, essa tal evidncia obscura, confunde-se com a nossa prpria substncia humana tambm evidente e obscura, como o bater dos coraes e as paixes da alma.
Por isso, como diz Jean Epstein, ignoramos tudo quanto ignoramos do cinema. Acrescente-se, ou melhor,
deduza-se: nem sequer sabemos o que dele sabemos.
Uma membrana separa o homo cinematographicus do
homo sapiens. Como separa a nossa vida de nossa conscincia (Morin, 1970:9-10).

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2. Formao do imaginrio
O cinema, com sua fora, contribui tambm para a formao
de representaes que temos sobre o mundo, moldando nosso imaginrio. Um dos autores que se aprofunda nessa questo Gilbert
Durand, ao conceituar o imaginrio como um conjunto de imagens e relaes de imagens que constitui o capital pensado do homo
sapiens e como a faculdade da simbolizao de onde todos os
medos, todas as esperanas e seus frutos culturais jorram continuamente desde os cerca de 1,5 milho de anos que o homo erectus
ficou em p na face da Terra (Durand, 1998:17).
Outro autor que confirma a noo de que a sociedade tem
papel importante na formao do imaginrio Cornelius
Castoriadis. Para ele, o homem s existe na e pela sociedade, que
histrica e possui uma forma particular e singular. E o que mantm
essa sociedade coesa so suas normas, valores e a forma como um
tipo particular deve se comportar ou o que dele esperado nessa
sociedade. Por isso ele afirma que:
Somos todos, em primeiro lugar, fragmentos ambulantes da instituio de nossa sociedade fragmentos
complementares, suas partes totais, como diria um matemtico.
A instituio produz indivduos conforme suas normas
e esses indivduos, dada sua construo, no apenas
so capazes de, mas obrigados a reproduzir a instituio. A lei produz os elementos de tal modo que o
prprio funcionamento desses elementos incorpora
e reproduz perpetua a lei (Castoriadis, 1987: 230).

3. Imaginrio da cidade na obra de Woody Allen


Arguto observador da realidade, Woody Allen imortalizou em
seus filmes a cidade de Nova York, mostrando no s o dia a dia,
como as manias e neuroses de seus habitantes. Na obra Manhattan,
faz uma verdadeira homenagem cidade, smbolo do capitalismo
em sua expresso mxima, de um mundo que deu certo e s ser
abalado com o ataque s Torres Gmeas em 2001. Cidade que re-

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vela como ningum a modernidade, a urbanidade trazida pela Revoluo Industrial.


Como explica Tom Gunning no artigo O retrato do corpo
humano: a fotografia, os detetives e os primrdios do cinema, no
livro O cinema e a inveno da vida moderna, organizado por Leo
Charney e Vanessa Schwartz, a modernidade foi um perodo histrico demarcado pela mudana na experincia e na transformao
da vida diria criada pelo crescimento do capitalismo e pelos avanos tcnicos: o crescimento do trfego urbano, da distribuio de
novas mercadorias produzidas em massa e das novas tecnologias
de transporte e de comunicao.
O cinema insere-se nesse contexto e mostra essa nova
modernidade em que a extenso do poder e da produtividade do
corpo humano trazem novas possibilidades mas tambm novos problemas, stress, violncia e insegurana:
O cinema instala-se nessa rede de circulao como
tecnologia e indstria e tambm como uma nova forma
de experincia. Como uma indstria de entretenimento
produzida em massa, com um sistema nacional de distribuio em 1909, o comrcio cinematogrfico explorou
as redes de estrada de ferro antes percorridas pelos circuitos de vaudeville e trens de circo. Os primeiros gneros do cinema, em especial aquelas formas aparentemente diversas como documentrios de viagens e filmes de
truques, visualizaram uma experincia moderna de alterao rpida, pela apresentao de vises estrangeiras,
de locaes remotas, ou pela criao, por meio da fotografia trucada, de uma sucesso de transformaes que
deslocavam a identidade estvel de objetos e atores. Os
primeiros filmes de atualidade apresentavam com
frequncia um simulacro de viagem no apenas ao apresentar paisagens estrangeiras, mas tambm passeios
fantasmas, que eram filmados da parte dianteira de trens
ou da proa de barcos e que davam aos espectadores, sentados e parados, uma sensao palpvel de movimento.

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Essa experincia contraditria era to atrativa nesses filmes quanto sua representao do turismo estrangeiro
(Gunning, 2004: 34-35).

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No filme Manhattan, percebemos essa modernidade logo na


abertura, apresentando as pessoas indo e vindo apressadas. Mas no
s essa viso est presente. Na fita ele interpreta um escritor de meiaidade divorciado, que se sente em situao constrangedora quando
sua ex-mulher decide viver com uma amiga e publicar um livro, no
qual revela assuntos particulares do relacionamento dos dois. Nesse
perodo o escritor est apaixonado por uma jovem de 17 anos (Mariel
Hemingway), que corresponde a eu amor. No entanto, ele sente-se
atrado por uma pessoa mais madura, a amante do seu melhor
amigo, interpretada por Diane Keaton.
Assim, mesmo mostrando as neuroses e os dramas de quem
vive em uma cidade grande, como a falta de tempo para um relacionamento, ele faz uma homenagem cidade e mostra sua
afetuosidade para quem vem de fora e as pequenas belezas escondidas no cotidiano, como na cena em que Keaton e Allen sentam
em um banco e ficam observando a cidade e seu movimento. Como
explica no livro Conversas com Woody Allen, de Eric Lax:
Notei que, depois que fiz Manhattan, no tinha mais a
necessidade de mostrar a cidade de Nova York de um
jeito pronunciadamente glamouroso. Agora quando
mostro a cidade, mostro de um jeito legal. Mas estritamente em funo da trama (Lax, 2010: 37).

Em Meia-noite em Paris, a Cidade-Luz homenageada em


toda sua glria, com belas sequncias mostrando o Museu do
Louvre, a Torre Eiffel, Montmartre, entre outros locais tursticos.
No s a Paris atual glamourizada, mas tambm a Paris dos anos
1920, objeto de venerao do escritor Gil Pender (Owen Wilson),
alterego de Allen. Apesar de idolatrar os grandes escritores norteamericanos e tentar de forma frustrada ser roteirista em Hollywood,

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somente em Paris ele encontra novamente a inspirao. Ele vai


cidade com sua noiva, Inez (Rachel McAdams) e com os sogros
Helen (Mimi Kennedy) e John (Kurt Fuller). Enquanto Gil tem
uma viso romntica da cidade, sua noiva est mais interessada em
fazer compras e os sogros em comprar mveis e fechar negcios.
Para piorar a situao de Gil, aparece um antigo pretendente de
sua noiva, o pseudo-intelectual Paul Bates (Michael Sheen). Arrogante, ele acha que sabe sobre tudo e no perde uma oportunidade
de mostrar seu vasto conhecimento sobre arte ou vinhos franceses.

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A vida de Gil comea a mudar quando um dia, vagando solitrio pelas ruas da cidade, fica pensando em sua vida e passa um
automvel antigo e o relgio da Catedral de Notre-Dame marca
meia-noite. As pessoas o convidam para uma festa e ele se v transportado para a Paris dos anos 1920 e conhece personalidades artsticas como Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), Salvador Dal
(Adrien Brody), Luis Buuel (Adrien de Van), Ernest Hemingway
(Corey Stoll), Josephine Baker (Sonia Rolland), F. Scott Fitzgerald
(Tom Hiddleston) e Zelda Fitzgerald (Alison Pill). Conhece a editora Gertrude Stein (Kathy Bates), que promete ler seu romance, e
fica encantado pela jovem Adriana (Marion Cottilard) e pelo seu
amor vida. Adriana uma aspirante a artista e tem um relacionamento com Picasso e j teve um romance com Modigliani e Braque.
Estar em Paris faz com que Gil volte a se questionar sobre os rumos de sua vida.

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Nesse filme, Woody Allen utiliza o realismo fantstico para


reverenciar no s a Cidade-Luz, mas pocas da histria em que
a cidade foi um efervescente centro cultural. A Paris dos anos 1920,
da Belle poque, com grandes artistas como Picasso, Dal e Buuel
(que realizam em parceria os filmes O co andaluz e A idade do
ouro), escritores como Hemingway e F. Scott Fitzgerald e msicos
como Cole Porter (Yves Heck). Instigante e potica, a obra apresenta um dilogo do cinema com as outras artes, como a pintura, a
literatura e a msica.
O encontro com as personalidades fictcias representa uma
metfora do dilogo que temos com os artistas quando apreciamos
suas obras, como ler um livro ou observar um belo quadro.
O filme ainda apresenta um tema interessante: a questo da
eterna insatisfao humana. Pender acredita que a Belle poque
era a poca ideal, em que as pessoas respiravam arte e podiam
escrever belas obras. J Adriana, que vive nos anos 1920, aspira
viver no final do sculo XIX, na poca do Impressionismo, com
artistas como Degas, Renoir e Matisse. E para o espanto de Adriana,
quando ela e Pender voltam no tempo at esse perodo, esses artistas desejavam viver na Itlia da poca do Renascimento, com artistas como Leonardo da Vinci e Michelngelo.

interessante notar que Owen Wilson aparece com os


maneirismos de Allen, perceptvel em seus tiques nervosos, na verborragia verbal e nas gagueiras tpicas. Destaque para Corey Stoll como o
passional Hemingway, com seu jeito sedutor e ao mesmo tempo amar-

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gurado e para Adrien Brody como um surpreendente Dal, com seus


dilogos surreais. interessante notar que o filme sugere que Gil deu
a dica para Buel fazer o filme O anjo exterminador (1962).
J em Para Roma, com amor, os esteretipos sobre Roma e
principalmente sobre os italianos esto mais evidentes. um filmecoral, que acompanha personagens pelas ruas da cidade, configurando uma espcie de painel da Roma contempornea. Percebemse as idiossincrasias da cidade catica que se modernizou junto s
runas de uma antiga civilizao. No faltam referncias cultura
local, ao modo exagerado de falar dos italianos e referncias a Fellini
e a obras como La dolce vita, com a famosa cena de Anita Ekberg na
Fontana di Trevi. No faltam os cartes postais obrigatrios, como a
Piazza di Spagna, Coliseu, Piazza Navona e por a vai.
O episdio mais caricato o que apresenta Roberto Benigni,
intrprete de um esteoreotipado italiano de classe mdia, reclamando que a tecnologia provoca desemprego e que os chineses
vo dominar o mundo. Do dia para noite ele vira estrela instantnea, alvo dos paparazzi e de um bizarro interesse da mdia pelo
modo como prepara seu po de manh, faz sua barba ou escolhe
cuecas. uma crtica clara ao mundo das celebridades. J o episdio mais interessante o que brinca com o mundo da pera, marcando a volta de Woody como ator. Com seu personagem neurtico padro, impossvel no perceber sua alegria em voltar a atuar,
apresentando uma piada atrs da outra. Ao lado de Judy Davis, ele
faz um ex-empresrio do mundo operstico que vai a Roma visitar
a filha (Alison Pill) e conhecer seu namorado italiano (Flavio
Parenti), um comunista. No entanto, o pai do rapaz, um agente
funerrio (o tenor Fabio Armiliato), se mostra incrvel cantando
pera no chuveiro e Woody insiste em lev-lo para o showbusiness.

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4. Concluses
Analisando esses filmes, pode-se perceber que os rodados em
Nova York, como Manhattan, cenrio mais conhecido pelo diretor,
trazem elementos curiosos da cidade e novos, pois ele conhece como
ningum a Big Apple. H o glamour, mas aspectos culturais de forma bem real so retratados.
J nos filmes rodados em outras capitais, apesar de boas histrias, os aspectos culturais muitas vezes so mostrados de forma
estereotipada. Principalmente em Para Roma, com amor, que traz
Roberto Begnini como o italiano mdio: fala gesticulando muito, trata de seus problemas na rua, gosta de comer spaghetti e tem
tambm uma viso estereotipada de outros grupos sociais, como
os dos chineses (Eles vo invadir o mundo). Outros personagens
estereotipados so o noivo da filha de Allen como o comunista intransigente, que no deixa ningum falar mal dos sindicatos e se
recusa a qualquer tipo de mercantilizao. Ou ainda Penlope Cruz
na figura da amante, da outra de homens de negcios italianos, para quem s importa a questo da aparncia.
Como explica Walter Lippmann na obra Opinio pblica:
Na maior parte dos casos ns no vemos em primeiro
lugar, para ento definir; ns definimos primeiro e ento vemos (...) Na confuso brilhante, ruidosa do mundo
exterior, pegamos o que nossa cultura j definiu para ns
e tendemos a perceber aquilo que captamos na forma
estereotipada para ns por nossa cultura (Lippmann,
2008: 85).

Dessa forma, o cinema pode ser concebido como o veculo


das representaes que a sociedade d a si mesma, criando mitologias contemporneas. Como explica Roland Barthes em Mitologias, o mito uma fala, mas no se trata de uma fala qualquer:
Esta fala uma mensagem. Pode, portanto, ser oral; pode
ser formada por escritas e representaes: o discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, os espetculos, a publicidade, tudo isto pode servir

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WOODY ALLEN:

OLHAR COSMOPOLITA

de suporte fala mtica. O mito no pode definir-se nem


pelo seu objeto nem pela sua matria, pois qualquer matria pode ser dotada de significao (...) No h dvida que
na ordem da percepo a imagem e a escrita, por exemplo,
no solicitam o mesmo tipo de conscincia e a prpria imagem prope diversos modos de leitura (...) A imagem certamente mais imperativa que a escrita, impe a significao de uma s vez, sem analis-la ou dispers-la. Mas isto
j no uma diferena constitutiva. A imagem transformase numa escrita, a partir do momento em que significativa: como a escrita, ela exige uma lexis (Barthes, 1993: 132).

Com isso, as obras cinematogrficas no apresentam aspectos


novos da cultura aos milhes de espectadores que vo ver os filmes
curiosos em saber mais sobre os demais pases, mas reafirmam antigos esteretipos e crenas. H alguns elementos novos, mas muitas vezes o aspecto caricato se sobressai, em nome da comdia. So
filmes que divertem, com certeza, mas que ajudam a refletir como
o cinema contribui na criao de esteretipos e de mitos contemporneos.

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REFERNCIAS
AUMONT, Jacques et al. A esttica do filme. Campinas, SP:
Papirus, 1995. 3 edio.
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1993. 9 edio.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. So Paulo: Palas Athenas,
2007.
CATAL, Josep M. A forma do real: introduo aos estudos visuais. So Paulo: Summus, 2011.
CHARNEY, Leo. & SCHWARTZ, Vanessa. O cinema e a inveno da vida moderna. So Paulo: Cosac & Naify, 2004.

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LAX, Eric. Conversas com Woody Allen. So Paulo: Cosac&Naify,


2010.
LIPPMANN, Walter. Opinio pblica. Petrpolis (RJ): Vozes, 2008.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginrio: ensaio de antropologia. Lisboa: Moraes Editores, 1970.
NTH, Winfried & SANTAELLA, Lucia. Imagem: cognio,
semitica e mdia. So Paulo: Iluminuras, 1997.
PANOFSKY, Erwin. Estilo e meio no filme. In: LIMA, Luiz
Costa. Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978.
SANTAELLA, Lucia. Linguagens lquidas na era da mobilidade.
So Paulo: Paulus, 2007.
XAVIER, Ismail. A experincia do cinema (Org.). A experincia
do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edies Graal/Embrafilmes,
1983.

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WOODY ALLEN:

OLHAR COSMOPOLITA

Sites e artigos presentes em endereos eletrnicos


Zero Hora - http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/noticia/2012/06/setimo-filme-europeu-de-woody-allenchega-aos-cinemas-nesta-sexta-3804877.html
Adoro Cinema - Woody Allen www.adorocinema.com
IMDB - www.imdb.com

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AS CIDADES DO
BIG PICTURE
Anna Letcia Pereira de Carvalho

1. Introduo
Na histria da comunicao, a fotografia se apresenta como
um dos elementos principais da produo jornalstica. Na era digital, percebe-se que a fotografia vem passando por transformaes
que se referem esttica e linguagem, j que a imagem de imprensa no mais pertence somente linearidade do papel, mas tambm aos novos suportes digitais onde presenciamos possibilidades
de interao e observao.
A fotografia utilizada nos meios digitais como suporte de informao imagtica o objeto deste artigo, pois percebemos que a
produo fotojornalstica na web, apesar de partir de padres tradicionais, vem tentando construir uma nova maneira de
disponibilizar contedo visual no ambiente ilimitado da internet.
Buscamos neste trabalho entender as dinmicas envolvidas no processo jornalstico visual online de modo a compreender como as
narrativas se aplicam fotografia que pretende ser de imprensa.
Consideramos o fotojornalismo como um produto que pode gerar
conhecimento, provocar sensibilizao, contextualizar e incitar um
olhar demorado. No pretendemos construir uma frmula de
veiculao de imagens jornalsticas, mas desenvolver uma reflexo
acerca de como a fotografia jornalstica vem arquitetando o seu
espao no mundo digital para que a sua dimenso informativa seja
percebida e observada.

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Surgido em 2008, o site fotojornalstico Big Picture, do jornal


The Boston Globe, um exemplo de como os dispositivos imagticos
procuram produzir uma nova experincia sensitiva para o espectador. A explorao de mecanismos que contribuem para esse caminho novo faz com que os dilogos com outras mdias ou mesmo com
a bagagem do prprio espectador se multipliquem. A fotografia se
insere neste caso. Ela presena forte na expanso das manifestaes contemporneas, em que, cada vez mais, as imagens se tornam
experincias de interao entre o dispositivo e o observador.
Neste sentido, propomos explorar o fato de que, hoje, existem
inovaes calcadas em tradies como consequncia das transformaes mltiplas que se deram por causa de novos suportes, da
produo contempornea dos fotojornalistas e dos mecanismos de
edio. Logo, a fotografia se torna um processo expressivo e de
revitalizao dos sentidos simblicos, sendo importante para a experincia visual. As imagens do boston.com/bigpicture permitem a
reflexo no somente pela busca de informao, mas tambm por
meio de um olhar apreciativo e consumidor diante de imagens que
podem funcionar como notcia e que, por sua vez, carregam alta
carga ideolgica porque so representaes. Essas formas
imagticas, por sua vez, podem estimular olhares atentos, reflexivos e serem base para a narrao jornalstica.
2. Big Picture
O site Big Picture1 aparece no contexto de inovaes dos suportes das mdias. Criado em 2008, por Alan Taylor, e administrado pelos editores de fotografia do jornal The Boston Globe2, tem
como objetivo publicar fotografias para contar notcias mundiais.
O blog teve em seus primeiros 20 dias mais de 1,5 milho de
visualizaes. Modelo de quebra de paradigma na comunicao
imagtica via internet, traz coberturas fotogrficas de grande formato sob a tica do fotojornalista. O sucesso do blog fez com que

Http://www.boston.com/bigpicture
Jornal estadounidense de Boston, Massachusetts e pertencente ao The New
York Times Company desde 1993. Foi lanado na internet em 1995 e est no
ranking dos 10 webjornais com maior prestgio na Amrica. Est sediado no
endereo www.boston.com.
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Alan Taylor levasse o modelo desse projeto para a revista The
Atlantics, criando o blog In Focus3. Desde ento o Big Picture ficou
a cargo dos editores Lane Turner, Llloyd Young e Paula Nelson.
Dois aspectos chamam a ateno para este fotoblog4: alm de
estar relacionado a um veculo de imprensa (o jornal The Boston
Globe), tambm o pioneiro em publicao de imagens em alta
resoluo. Em tempos de aumento e expanso da banda larga e
com a variedade de meios de se conectar rede, esta convergncia
digital uma alternativa para o uso do fotojornalismo na internet.
O Big Picture rene e organiza fotografias de vrias origens e gera
novas formas de contedo, apresentando fotorreportagens e ensaios, remidiatizando-as para um tema em comum, com o objetivo
de alcanar novos eixos de audincia e visibilidade.
A maioria das imagens so provenientes de agncias de notcias como a Associated Press, Reuters, e Getty Image, outras vm de
fontes oficiais, como a Nasa, e outras de fotgrafos que queiram
dividir suas fotografias com o Big Picture. Qualquer pessoa pode
participar do blog, desde que siga algumas regras: as imagens devem ser muito boas; em alta resoluo; interessantes e relacionadas com notcias; livres para serem usadas, ou seja, no h nenhum
pagamento por elas; e numerosas, mais de quatro ou cinco imagens relacionadas com o mesmo motivo. As reportagens fotogrficas so geralmente postadas s segundas, quartas e sextas-feiras,
sempre acompanhadas com legendas explicativas. Cada publicao, atualmente, tem cerca de 30 imagens de vrias agncias de
notcias reunindo diversos pontos de vista sobre o fato publicado
ou, em alguns casos, somente com um.
As fotografias, na maioria das vezes, so editadas de forma a
transmitir um sentido narrativo, ou seja, alm do ato de comunicao do fotgrafo que cobriu o fato, ocorre tambm a inteno do
editor, que compe vrios olhares de um mesmo fato criando uma
3

http://www.theatlantic.com/infocus/
Fotoblog um derivado do weblog. O weblog como um dirio de anotaes ou memrias online. O fotoblog tem a mesma definio, porm,
composto apenas de fotos e legendas. Uma caracterstica importante do
fotoblog a interatividade: outras pessoas podem inserir comentrios sobre a
imagem que foi enviada (Fonte: http://fotoblog.uol.com.br/stc/
faq_geral.html#1).
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narrativa que induz a uma leitura espacial e temporal, acrescentando uma inteno mensagem visual.
O Big Picture um objeto de estudo apropriado para analisar
como o fotojornalismo passou por transformaes de suporte e conceito, utilizando os padres tradicionais. Antes, o registro nico de
foto flagrante era considerado a essncia do fotojornalismo, mas a
possibilidade de contar histrias, usar e refletir fotograficamente para
termos imagens mais trabalhadas, que passem a ideia do que foi encomendado, corresponde a uma nova alternativa para o
fotojornalismo. A inteno de nosso objeto de estudo criar novos
caminhos para a fotografia jornalstica, incorporando, adaptando e
ressignificando o modo de fazer fotojornalismo, desde da produo
de pautas at a divulgao da reportagem no meio digital.
Entre as tendncias atuais de propagar informao, a proposta do Big Picture torna-se interessante por mostrar um olhar sobre
um mesmo tema apresentando fotografias de diversas agncias, do
pblico ou mesmo de um nico fotgrafo. No entanto, para apreender a capacidade de comunicao do fotoblog necessrio o
amadurecimento do olhar de quem o acessa. O Big Picture , portanto, um objeto para novas reflexes sobre o impacto das fotografias na mdia online, que corresponde a um campo novo, em pleno
desenvolvimento mas que, todavia, um objeto expressivo e capaz
de gerar fortes impactos na sociedade.
3. A Fotografia na Cultura Visual
A fotografia nasceu com a sociedade industrial e seu desenvolvimento se deve tambm necessidade de representao da classe burguesa. Na tcnica fotogrfica, a burguesia encontrou a relao entre o ritmo da vida vigente e os modos de organizao social
e poltica. A produo de fotografias, assim, se tornou to industrial quanto o prprio regime econmico o que, de certo modo,
visvel at hoje.
Andr Rouill, professor na Universit de Paris VIII, escreve
que a fotografia s foi imagem de poder enquanto pde ficar em
sintonia com o sistema, os valores e os mais emblemticos fenmenos da sociedade industrial: a mquina, as grandes cidades e esta
extraordinria rede que as interliga, a estrada de ferro (Rouill,

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2009: 48). O autor observa atentamente o caminho histrico e terico pelo qual a fotografia passou at os dias atuais e critica a
indicialidade, afirmando que a teoria que coloca a fotografia como
trao do real apenas seguiu uma viso de cunho ideolgico e no
leva em considerao a utilizao da fotografia em seus diferentes
contextos. Para o historiador, a fotografia mais do que um efeito
luminoso, ela um processo.
Ele nomeia, ainda, duas grandes funes da fotografia: a fotografia-documento e a fotografia-expresso. Para Rouill (2009), o
status de documento foi originado a partir da crena de que a fotografia funciona como prova, pois contm a relao direta com o
referente. A discusso acerca desse status culminou na abertura do
pensamento e deu origem ao que o autor chama de fotografiaexpresso:
A fotografia-expresso exprime o acontecimento, mas no
o representa. Levaremos em considerao, aqui, a hiptese segundo a qual a passagem do documento-designao para documento-expresso repercute na fotografia
como um fenmeno mais global: a passagem de um mundo de substncias, de coisas e de corpos, para um mundo
de acontecimentos, de incorporais. A passagem de uma
sociedade industrial para uma sociedade da informao.
A sociedade da informao, que se estende ao ritmo das
redes digitais de comunicao, age profundamente sobre
o conjunto das atividades, particularmente sobre as prticas e as imagens fotogrficas, segundo processos muitas
vezes subterrneos e silenciosos, mas que colaboram para
o esgotamento da fotografia-documento (Rouill, 2009:
137).

Nesse trecho, Rouill explica que a fotografia-expresso pode


condensar o acontecimento e que ela no apresenta o real diretamente, mas o ordena visualmente. Neste artigo, a noo de representao surge daquilo que forma o contedo visual proveniente de operaes simblicas, tal como a fotografia-expresso.

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A condio de reprodutibilidade da fotografia e sua rapidez


de produo atuam como condicionantes da mediao, de modo
que os contedos fotogrficos ficam, muitas vezes, perdidos dentre
tantas imagens. A reproduo por si s j retira a imagem fotogrfica de seu contexto original e, dependendo de seu uso, pode ser
encarada de diferentes formas. A fotografia, assim, sendo passvel
de reproduo e edio, ganha o terreno do jornalismo por sua
condio eficiente, substituindo em muitos casos as gravuras e ilustraes outrora utilizadas. O fotojornalismo foi, portanto, o impulso que a fotografia recebeu para se firmar como essencial sociedade industrial.
O fotojornalismo provoca o que Rouill (2009) chama de crise
da verdade5, pois os limites entre a fotografia como documento e a
fotografia como expresso se fundem e se distorcem, fazendo com
que a noo do real representado seja relacionada principalmente
com a designao. Desse modo, a aderncia no direta e, portanto,
considera todas as outras imagens que operam na constituio da
cultura visual seguindo, em sua maioria, regimentos estticos.
Essa crise da verdade vem de fato mostrar uma verdade sobre a fotografia, em particular sobre a fotografiadocumento. Contrariamente ao que se diz, a fotografia-documento no teve como funo principal representar o real, nem mesmo torn-lo crvel, mas de
design-lo e, sobretudo, de ordenar o visual (e no mais
o visvel). A ordem, acima do verdadeiro e do falso
(Rouill, 2009: 157).

Com base nisso, o dispositivo fotogrfico funciona como modelo de comunicao e transmisso que se d no apenas pelas
5

A crise da verdade manifesta-se no interior da fotografia documental,


destruindo seus valores fundamentais e distorcendo seus limites. A imagem
no remete mais de maneira direta e unvoca coisa, mas a uma outra
imagem; ela se inscreve em uma srie, sem origem definida, na cadeia interminvel das cpias. O mundo dissolve-se dentro dessas sries infinitas. Instala-se
a dvida, e confundem-se os limites entre o verdadeiro e o falso (...). Ao
contrrio do que pode ser dito, a fotografia documental no teve como sua
funo principal representar o real, nem de torn-lo verdadeiro ou falso, mas
de design-lo, de ordenar o visual (Horn, 2012: 6).

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fotografias-documentos, mas tambm por qualquer elemento da
ordem visual, inclusive relacionado fotografia-expresso, criando contradies e desmentindo a iluso anteriormente proposta.
Para Rouill, a fotografia-expresso assume um carter indireto. O
site Big Picture, ao misturar imagens que podem ser consideradas
por muitos de ordem direta (notcias instantneas com a esttica
do testemunho) com outras de ordem indireta (ensaios,
fotorreportagens etc.) desmistifica os clichs e prope um novo
mtodo de reconhecimento da representao e parte para jogos
infinitos das interferncias e das distncias (Rouill, 2009: 159).
Sempre entendemos a fotografia como complemento da notcia escrita ou reportagem e a ateno dada ao webfotojornalismo s
se baseava em pequenas imagens no layout dos sites, algumas com
a possibilidade de serem um hiperlink para a mesma imagem em
tamanho maior. A imagem no deixa de ter o seu passado impresso, ela ainda precisa de uma contextualizao, uma regra do
fotojornalismo que no leva em considerao o suporte, como afirma Buitoni (2009):
Ao analisarmos jornais na web, temos a impresso de que
o panorama ps-tecnologia digital ainda no foi suficientemente assumido pelos formatos jornalsticos presentes na rede. Os modos de ver e de ler esto ainda muito
prximos do que acontece no jornalismo impresso convencional (Buitoni, 2009: 223).

O site Big Picture apresenta um diferencial. As imagens


sequenciadas provocam uma narrativa que acontece pela viso da
publicao como um todo ou na juno de apenas algumas imagens. Apresentam notcias, fotorreportagens e ensaios, uma vez que
as fotografias j aparecem na interface do site em tamanho grande
tambm. No temos como ignorar a plasticidade das imagens, que
representa um dos modelos de utilizao de fotografias digitais na
internet e um caminho para as possibilidades do uso de fotografia
nesse novo suporte.
O Big Picture tem a capacidade de mostrar que as imagens
so representativas e que apelam para o prazer esttico de forma a

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confirmar que nenhuma imagem isenta de ideologias e contradies. Nele, o processo jornalstico aparece por meio de fotografias
que significam olhares que nos fazem desconfiar de uma possvel
encenao e que possuem milhares de simbologias a respeito de
como a foto foi tirada, a posio do fotgrafo, o tipo de lente utilizada, o sentimento que se quis passar. Tudo passvel de dvida,
mas a representao muitas vezes alcana uma atmosfera singular
para compor o que podemos chamar de imagens fotojornalsticas
contemporneas.
A capacidade de mutao das imagens hoje faz pensar numa
complexidade imagtica, uma vez que seu fluxo de produo envolve mutaes em diversas ordens: fotografias, montagens, narrativas, interaes etc.; processos que tornam as reflexes de Catal
(2005) fundamentais para o entendimento da representao na
cultura atual. Para o pensador catalo, o cenrio de produo de
imagens equivale a uma cultura visual, pois as imagens se manifestam na forma de uma ecologia do visvel.
O pesquisador procura distanciar o conceito de imagem do
conceito de texto, dado que o fluxo temporal expressado pelas imagens compreende algo alm da informao puramente verbal. Para
Catal (2005), a imagem tambm produto da imaginao e os
fenmenos da cultura visual vm para unir o conceito de imagens
ao conceito de texto, de modo a redefinilo:
O texto, evidentemente, qualifica e raciocina de forma
mais poderosa e incisiva que quaisquer imagens, mas
estas, em contrapartida, permitem uma imediata
visualizao das complexidades que os textos contm,
e o faz de uma maneira que a disposio dura e linear
da lngua escrita se v impossibilitada de administrar
(exceto nos novos hipertextos, que, ao fim e depois, so
em muitos sentidos um expoente a mais do exerccio de
conversao do texto em imagem que promove o computador). (Catal, 2005:. 69).

Desta maneira, ele concebe a noo de imagem complexa como


aquela que privilegia operaes estticas caractersticas da subjeti-

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vidade e da emoo, de modo a atentar para formas que no estejam relacionadas mimese. Na epistemologia da imagem complexa, Catal determina que a imagem tradicional esteja relacionada
com a cincia e com a objetividade. Nestas, a imagem no provoca
reflexo no observador passivo. A imagem tradicional transparente, mimtica, ilustrativa e espectatorial, o que mostra como,
durante a histria da imagem, esta sempre esteve relacionada com
a objetividade e com o realismo. Essa visualidade cientfica na cultura visual, todavia, pode ser desmentida pela imagem complexa
(Catal, 2005).
A imagem complexa se relaciona com a arte e com a subjetividade, uma vez que ela
opaca e exige um olhar
A imagem complexa,
demorado. Alm disso,
diz Josep Catal, se
Catal a entende como
positiva, reflexiva e interarelaciona com a arte e
tiva, pois a imagem comcom a subjetividade,
plexa deve ser exposta e
permitir ampliar a viso uma vez que ela opaca
do observador ativo. A
e exige um olhar
complexidade aparece na
reflexo e ma forma, o que
demorado
o pesquisador chama de
visualidade ps-cientfica.
Diante dessas constataes, pode-se dizer que este autor desenvolve um conceito epistemolgico que tem como fundamento
trazer interrogaes acerca da imagem e como ela pode se tornar
complexa. Partindo disso, h que se levar em considerao tambm a ao do observador e como ele investe o olhar sobre as imagens complexas. Este olhar ativo chamado de mirada, resultado da articulao entre o olhar investido sobre a imagem e a imagem, ou seja, uma mirada complexa.
A complexidade visual pode ser encontrada em diversos produtos imagticos e audiovisuais, especialmente quando o produto
passa por alguma articulao que interfira no espao e no tempo, e
quando permite ao observador interagir com ele. A mistura de pro-

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dutos de origens diferentes (fotografias, vdeos, multimdia etc.)


tambm pode ser um caminho para a complexidade visual, visto
que os produtos ultrapassam os artifcios estticos individuais, o
que, por sua vez, estimula a produo de sentido.
O conceito de imagem complexa desenvolvido por Catal
ajuda a refletir sobre a capacidade do fotojornalismo e o seu processo representativo. Isso porque o autor prope uma noo diferenciada de leitura do mundo por meio de imagens. Ele usa a noo de complexidade de Edgar Morin para mostrar que possvel
investir o olhar sobre as imagens, de modo a perceber que elas
possuem profundidade e so carregadas no s de objetividade,
mas tambm de subjetividade. A simultaneidade com que vemos
as imagens no mundo nos mostra que necessrio um processo de
imerso para, somente assim, conseguirmos entend-las complexamente. Dessa forma, possvel pensar como as imagens esto
presentes na construo de conhecimento.
Catal (2011) abre o caminho pelo qual preciso levar em considerao o conjunto de imagens, como elas se relacionam e transmitem intenes para outras imagens. Nessa ecologia da imagem,
como ele diz, tudo est se inter-relacionando e os modos de percepo esto sendo alterados por causa dessa constelao imagtica. A
era da viso trouxe a diferena entre ver e olhar. O olhar se torna
atento e descobridor dessas vrias camadas e as imagens so fluidas,
modernas e possuem, sem dvida, diversas superfcies.
Considerar a ecologia da imagem pensar principalmente na
fotografia-expresso, pois enquanto a fotografia-documento possui o seu lugar no mundo das coisas, a fotografia-expresso atua
sobre o conjunto de elementos que envolve os fatos jornalsticos,
as redes digitais, as informaes em tempo reais, a originalidade e
criatividade daqueles que a produzem. A fotografia-expresso representa dialeticamente a razo e a emoo e se d tambm pela
possibilidade de articulao de diversas imagens, ou seja, pode se
dar atravs de uma ecologia do visvel. Isso no implica que a fotografia-documento no possa constituir tambm uma ecologia.
O conceito de fotografia-expresso cunhado por Rouill (2009)
est diretamente relacionado com o conceito de imagem complexa
de Catal (2005) pois, para ambos, a fotografia pode carregar ele-

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mentos antes dispensados pela fotografia-documento, tais como a
dimenso potica, a subjetividade do autor e a existncia do Outro
em relao ao dispositivo fotogrfico. A fotografia-expresso e a
imagem complexa contribuem para o processo de representao e
as reflexes originadas a partir desses conceitos buscam o sentido
da imagem e no a coisa a que ela se refere.
Ambos os estudiosos refletem sobre as estratgias visuais que
so encontradas nas imagens atuais, estratgias que envolvem tambm as dimenses espacial e temporal e esto relacionadas com os
processos mentais de reconhecimento e memria. Se aplicarmos
esses conceitos ao fotojornalismo, aqui estudado, poderemos perceber que a utilizao da imagem como forma de expresso e
conotao contribui para a humanizao do jornalismo, que, por
sua vez, apreende a complexidade do fato divulgado.
4. As Cidades do Big Picture
A fotografia introduz, nas imagens, valores anlogos
queles que, por toda parte, esto transformando a vida
e a sensibilidade dos habitantes das grandes cidades industriais. Um conjunto de convergncias, de simultaneidades e de solidariedades silenciosas aproxima a dinmica industrial, o desenvolvimento das cidades, a transformao dos modos de vida e das sensibilidades, os gostos artsticos e a fotografia. A fotografia contribuir para
a adaptao do domnio das imagens aos princpios da
nova sociedade: durante o tempo em que lhe for possvel dar conta desse papel de intercessora, ela vai beneficiar-se do status do documento (Rouill, 2009: 45).

A fotografia um campo de reflexo sobre as cidades que


assimila diferentes domnios do conhecimento e, a um s tempo,
permite perceber, registrar, exibir e guardar o mundo de uma forma diferenciada. A fotografia no somente uma tcnica inovadora, ela possui cdigos associados a valores ideolgicos. Pensamos
aqui a imagem jornalstica dentro da comunicao como um su-

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porte cognitivo que reconhece as transformaes dos espaos envolvendo a percepo do indivduo e como o indivduo nela retratado. Desse modo, podemos discutir a nova experincia de percepo das cidades e de seus comportamentos atravs da imagem
fotogrfica no site Big Picture.
Algumas publicaes do fotoblog, como as que sero apresentadas a seguir, so unidas para formar o que chamamos de ensaio fotogrfico. Chamamos de ensaio modelos de publicaes que constituem painis, pois no formam efetivamente uma notcia, ou seja, uma
publicao que formada a partir de diversas fotografias que no
coincidem com uma notcia ou com o dia do registro e temtica. Em
alguns casos cada fotografia se refere a uma notcia, em outros, como
o Scenes from Rio de Janeiro, analisado nesse artigo, percebe-se o
desenvolvimento de um retrato, de representaes, ou seja, de um
painel sobre determinado local. Os ensaios so tentativas de representaes mais diversificadas que no atendem s grandes notcias
veiculadas nos outros meios de comunicao. Alm disso, trazem,
em alguns casos, a diversificao de olhares, pois cada fotografia pode
pertencer a um diferente autor. O papel do editor fundamental
para a reunio dessas fotografias sob um nico guarda-chuva e, portanto, ele tambm atua como criador, como o fotgrafo.
No fotojornalismo do Big Picture a fotografia est constantemente revestida de valores, principalmente por causa da edio,
mas existem os valores simblicos que nos fazem perceber como se
d a representao das cidades e das pessoas nesse ambiente. Nas
fotografias do Big Picture possvel perceber como se d o
fotojornalismo que tem como temtica as cidades: o anonimato
nas metrpoles, a fotografia entendida como espelho do outro e
tambm, dialeticamente, imagens que demonstram certa fascinao pelo ser humano em detrimento do entorno (retratos).
Mas o essencial est alm; a fotografia s v na cidade o
cenrio do poder: os monumentos que o fixam no passado, e as grandes obras urbanas que o projetam no futuro. Mas os homens, os operrios, os contramestres, os
transeuntes, os flanadores etc., mesmo parados, esto
ausentes, ou quase, das fotografias. A cidade um palco

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sem atores. no momento em que o progresso da industrializao e da urbanizao j haviam transformado profundamente Paris que Eugne Atget se coloca em uma
longa e pattica perambulao, a fim de registrar metodicamente tudo aquilo que vai desaparecer: portas, vitrines, fachadas e escadas e edifcios, pequenas profisses etc. O isolamento, to caracterstico de suas imagens, faz lembrar, como j foi dito, as imagens de uma
cena de crime. Mas, se h assassinato, o do velho
pelo novo (Rouill, 2009: 45-46).

No fotojornalismo a constituio das cidades se d porque ela


o palco dos acontecimentos, que, por sua vez, podem ter pessoas
como protagonistas. Da mesma forma, importante mostrar o desenvolvimento das mesmas considerando sempre a atuao do homem. No Big Picture, as cidades podem ser percebidas como protagonistas e como pano de fundo. Identificamos no site diversos tipos
de ensaios que se repetem ao longo dos anos e que desvendam as
cidades e as pessoas, desde o seu estado mais puro e evidente como
no Earth Hour, em que na maioria das fotografias a presena humana ignorada porque no explcita; a cidade vista em sua imensido
e como aquilo que iluminado pelas luzes artificiais.
Em outros ensaios as pessoas so includas em constataes e
consequncias do agrupamento de gente na cidade. Ou seja, explora-se o fato e as consequncias da enorme quantidade de seres vivendo num espao urbano. As imagens podem parecer mais ilustrativas nesse caso, j que a noticia mais sucinta, mas diz muito
sobre como as pessoas vivem nessas cidades.
Em casos como esse apela-se para uma narrativa menos evidente, mas mesmo assim podemos ver a construo de um personagem e de seu cotidiano na cidade. Alm disso, analisando mais
detidamente, esse tipo de ensaio constitui o que se pode chamar de
a viso do outro, em que a ideia narrar como so outras partes do
mundo. O exotismo, portanto, est presente.
Em ensaios como Scenes from..., a proposta basicamente a
mesma, com a diferena de ter imagens menos cotidianas e mais
representativas do local e das pessoas.

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Figura 1: Ensaio World Population, where its thick and where its thin.
Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2011/11/
world_population_where_its_thi.html

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Figura 2: Ensaio sobre os sem-teto ao redor do mundo.


Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2011/12/
homelessness_around_the_world.html

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Figura 3: Ensaio Scenes from Kashmir.


Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2011/10/
scenes_from_kashmir.html

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Percebemos o quanto as fotografias desses ensaios diferem da


concepo mais simples acerca do fotojornalismo, o de ser instantneo e imediato. Esses ensaios privilegiam a potica e a linguagem das imagens e, portanto, so constitudas de complexidade e
expresso.
Por isso, a adequao de discutir o ensaio Scenes from Rio de
Janeiro, publicado no dia 27 de agosto de 2008. Ele se relaciona
com uma temtica comum do fotoblog, como j foi dito. Existe a
tentativa de mostrar como o cotidiano em diferentes partes do
mundo, com a inteno de dar visibilidade a esses lugares sem que
eles estejam, necessariamente, relacionados com algum acontecimento. O fotojornalismo aqui age com algo maior do que as fotografias instantneas; e a edio opera na construo de uma mensagem visual alm daquelas programadas pelos grandes jornais.
Atualmente, podemos observar essas edies em outros fotoblogs
ou grandes portais de notcias sob os ttulos Cotidiano, Imagens do dia etc. Porm, no Big Picture, as fotografias no so necessariamente de um mesmo dia, como ocorre nos ensaios chamados Daily Life....

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Vejamos o printscreen do ensaio Scenes from Rio de Janeiro.
A recent large-scale project by the photographer named
JR has focused attention on women relatives of victims
of violence by displaying their large portraits in one of
Rio de Janeiros hardest hit neighborhoods. Though Rio
is blessed with natural beauty and climate, it still struggles
with large disparities between rich and poor, and many of
the six million residents reside in hillside slums called favelas. Here are some views of Rio de Janeiro over the past
few months.

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Figuras 4 e 5: Printscreen Scenes from Rio de Janeiro publicado no dia


27 de agosto de 2008.
Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2008/08/
scenes_from_rio_de_janeiro.html

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Figuras 6 e 7: Printscreen Scenes from Rio de Janeiro publicado no dia
27 de agosto de 2008.
Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2008/08/
scenes_from_rio_de_janeiro.html

A cidade o local do cotidiano, do agrupamento de diferentes tipos e grupos sociais. palco para os mais diversos eventos
que vo desde uma importante partida de futebol, passando pela
sada do trabalho, por uma festa popular, um desfile de moda, uma
operao policial na favela e pela beleza turstica da cidade tpica
de um carto postal.
Esse ensaio diferente por reunir diversas cenas ou pequenas
notcias ou notas, representadas pelas fotografias e suas legendas,
numa abordagem maior, com a inteno de resumir diversos acontecimentos e informaes (mesmo tursticas) num nico espao visual. A saturao ocorre, portanto, em diversos nveis, uma vez que
somos bombardeados por diversas informaes a respeito do Rio
de Janeiro e do Brasil. Porm, essas informaes so rasas e podem nos impelir ou no a pesquisar mais sobre algum evento que
nos atraiu.

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Num primeiro momento, as primeiras imagens parecem trazer mais uma representao estereotipada do Rio de Janeiro, com
a presena principal da favela. Essa ideia vlida se no pensarmos nas imagens estampadas, na interveno artstica nos muros e
nas casas, mostrando que o Brasil tambm o destino dos artistas
de rua. A instalao registrada na fotografia pertence ao fotgrafo
francs JR e sugere que o artista, ao colar imagens nas casas, se
refere cultura do local, pois a representaes so de pessoas que
poderiam facilmente ser moradoras do local. A interveno artstica produz na populao local uma identificao representativa de
modo a formar uma relao identitria.

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Figura 8 e 9: Printscreen Scenes from Rio de Janeiro publicado no dia 27


de agosto de 2008.
Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2008/08/
scenes_from_rio_de_janeiro.html

O futebol tambm uma abordagem clich do Brasil, uma


vez que a nossa paixo nacional. Apesar de a fotografia ser de
dois meses anteriores publicao do ensaio, acreditamos que os

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editores acharam necessrio inserir o futebol no contexto da cidade do Rio de Janeiro, de modo a mostrar que o esporte faz parte
do cotidiano do carioca e, por extenso, do brasileiro.
A fotografia 7 ilustra a notcia relacionada com a grandeza da
Petrobrs em nmeros. Os trabalhadores devidamente uniformizados se movem na gigantesca plataforma, que segundo a legenda
custou 850 milhes de dlares. Os funcionrios andam todos praticamente na mesma direo e nos remete ao histrico filme dos
irmos Lumire retratando a sada dos trabalhadores de uma fbrica. Existe movimento nessa fotografia, todos esto trajados de
forma similar e nenhum indivduo destacado. Isso porque, a notcia quer se referir ao grandioso empreendimento da Petrobrs (que
ocupa grande parte da imagem) e os funcionrios s esto ali para,
de um lado humanizar a obra e, de outro, servirem como referncia ao tamanho da estrutura.
A imagem fotogrfica de nmero 8, a mais antiga do ensaio
(17 de maio de 2008), a nica relacionada com festas populares.
Na legenda h uma breve descrio da festa chamada Jongo Festival, que se refere ao legado deixados pelos escravos africanos. Apesar de ser um retrato, o indivduo por trs da mscara um mistrio, seu rosto no importa e sim sua atuao no ritual. Esse festival
mais um exemplo da miscigenao brasileira e se torna uma interessante representao porque pouco conhecido no Brasil e no
exterior. A escolha dos editores foi primorosa pois deu voz a um
ritual tipicamente brasileiro e pouco conhecido. Talvez tivesse sido
mais fcil colocar uma imagem do carnaval do Rio de Janeiro, mas
os editores optaram por enxergar as diferentes expresses populares do local.
As figuras 9 e 10 so outro exemplo dessa fotografia do cotidiano que no tem a inteno de explorar o exotismo de um pas
como o Brasil. Fotografias de modelos numa passarela de moda
durante o Fashion Rio Spring Summer de 2009 mostram o lado
glamuroso do Rio de Janeiro, ao contrrio da leitura da foto anterior, que remete favela, pobreza. A modelo, cuja nacionalidade
no sabemos, pode ser tambm uma brasileira. Apesar de no representar um esteretipo da mulher local desfila para uma estilista
brasileira, Nana Carana. O retrato (fotografia 10) coloca a modelo

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na quase centralidade da imagem e, por causa da pouca profundidade de campo, o primeiro e nico plano da imagem.
Voltamos para as favelas, dessa vez vistas de outro modo. No
mais como palco de expresso artstica, mas como um local onde a
violncia est latente. Porm, um espao em que a vigilncia policial est presente traz a noo de segurana para aqueles que vem
a imagem. A legenda da fotografia 11, no entanto, mostra em nmeros a quantidade de mortos nos conflitos entre o crime organizado e a polcia. Existe um tom de crtica, pois os policiais que
mataram no sero punidos por tais atos.
O ensaio termina com imagens que poderiam ser de cartespostais. A beleza promovida por elas distorcida pelas informaes na legenda da foto 14 que afirma ser o Rio de Janeiro uma das
cidades mais caras do mundo. A imagem final de tirar o flego ao
mostrar o cone mundialmente famoso do Cristo Redentor.
As imagens do ensaio Scenes from Rio de Janeiro demonstram
a tentativa de retratar o cotidiano do Rio atravs de fotografias
eclticas que representam
tanto as classes mais baiO tom crtico de certas
xas quanto as mais altas,
legendas mostra a
provando a miscigenao
e a mistura que existe no
multiplicidade de uma
pas, tanto em termos socidade como o Rio:
ciais quanto culturais. As
formas simblicas aqui revisualmente bela, tem as
sultam da seleo feita
pelos editores do site de contradies de qualquer
forma a provar uma paugrande cidade
ta que no se refere diretamente a uma notcia,
mas que tem a inteno de ser leve, de ser um retrato da cidade. A
mistura das imagens de imprensa (fait divers, natureza, turismo etc.)
se baseia nessa tentativa, a de construir um painel representativo
sobre o Rio de Janeiro.
O tom crtico de algumas legendas mostra a multiplicidade
existente numa cidade imensa como o Rio de Janeiro, provando
que ela pode ser visualmente bonita, mas que existem contradies
como em qualquer grande cidade.

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Apesar da fotografia no incio de sua utilizao ignorar a cidade e as pessoas nela presentes, percebe-se que as agitaes urbanas se tornaram alvo da representao. A cidade prev multides e
agrupamentos de pessoas, caractersticas to perceptveis nas representaes modernas. Antes, a fotografia no registrava pessoas
por causa da lentido tecnolgica, hoje possvel perceber a cidade como local da presena constante de indivduos convivendo com
monumentos e estruturas que tornam a urbanidade to caracterstica das fotografias modernas.
Igualmente, fotografar uma cidade no se limita em reproduzir os prdios, os pedestres ou cenas de rua. A cidade existe materialmente, pode-se percorrer seu espao, estudar o plano, admirar os edifcios. Mas essa cidade material s acessvel ao olhar, ou fotografia, atravs de pontos e ngulos de tomada que so imateriais.

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Cada percurso na cidade desenvolve uma infinidade de


visadas efmeras, que se desfazem com o movimento,
que mudam com as perspectivas, que variam com os pontos de vista. Imateriais, tais visadas no so coisas, no
pertencem cidade, mas ligam-se a ela para desacelerla, para coloc-la em variaes infinitas. Uma mesma cidade (material) contm tantas cidades (virtuais) quantos
forem os pontos de vista, as visadas, as perspectivas, os
percursos. Os clichs fotogrficos no so a reproduo
de fragmentos da cidade material, mas atualizaes
(finitas) dessas cidades virtuais (infinitas). Menos registros do que desaceleraes (Rouill, 2009: 201).

A utilizao de diferentes fotografias de diversos momentos


espaciais e temporais, como neste painel Scenes from Rio de Janeiro, funda uma espcie de ecologia da imagem, em que as estruturas
visuais se do pela fora da representao diversificada de um local. A cidade um espao em constante construo e suas caractersticas urbanas se tornam to mutveis quanto as pessoas que por

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al transitam. Resgatar os monumentos, os locais privilegiados pela
preservao, na tentativa de compor uma histria que seja reconhecida importante, mas a representao da efemeridade de cenas cotidianas pode ser um espao de apreciao imagtica, pois se
relaciona intimamente com a memria e com a imaginao.
5. Consideraes Finais
A insero dos meios de comunicao na internet provocou
mudanas no processo de criao jornalstica. Alm disso, em tempo de banda larga, podemos perceber que a publicao de imagens
no precisa ficar atrelada interface fixa de um jornal impresso. A
participao na produo fotojornalstica comea a se desenvolver
em diversos caminhos que vo desde a terceirizao das fontes de
notcias at a participao efetiva do pblico observador.
As notcias do Big Picture se aproximam de ensaios, pois estas
formas intencionais de compor imagens, pela seleo e organizao das fotografias, mostram que os editores do fotoblog buscam
passar um sentido para seus leitores. A forma como so dispostas
as imagens no aleatria. Para alm do carter informativo, as
imagens constroem um olhar subjetivo, uma viso narrativa dos
fatos. No somente a inteno de noticiar que norteia o
fotojornalismo, mas sim a busca de um equilbrio entre elementos
dessa linguagem, o esttico, o informativo e o ideolgico.
O ato de fotografar aliado ao processo editorial determinante
para a transmisso da mensagem visual. As etapas desta produo
ressignificam o uso da imagem fotogrfica para um s caminho: o
de comunicar. O imediato e o instantneo no precisam mais ser
privilegiados, pois pode-se abrir uma porta para a experimentao;
a compreenso fotogrfica alcana o nvel da sensibilidade e da
narrativizao, fazendo com que todos os elementos da construo
fotojornalstica se tornem importantes. O meio, os recursos utilizados, o contedo formal, a esttica fotogrfica e a observao formam, portanto, a base para a inteno primordial do fotojornalismo:
contar histrias. E as cidades, certamente so palco e protagonistas dessas histrias.

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REFERNCIAS
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Editora Papirus, 2004.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na poca de suas tcnicas de
reproduo. In: BENJAMIN, W. et al. Textos Escolhidos. So Paulo: Abril Cultural, 1975. (Coleo Os Pensadores).
BIG PICTURE. Disponvel em <http://www.boston.com/
bigpicture>. Acesso em 2011 e 2012.
BUITONI, Dulclia H. S. Imagens semoventes: fotografia e
multimdia no webjornalismo. Animus: revista interamericana de
comunicao miditica. Universidade Federal de Santa Maria, v.
VI, n 1, p. 9-23, jan./jun. 2007.

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____________________. Hipermdia, hiperlinguagem e imagem


complexa no webjornalismo. In: MARQUES, ngela; COSTA,
Caio Tlio, COSTA, Carlos; et al. Esfera Pblica, Redes e Jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009.
____________________. Fotografia e Jornalismo: a informao pela
imagem. So Paulo: Editora Saraiva, 2011.
____________________. Imagens Contemporneas: complexidades
e interfaces. Revista Lbero. So Paulo, v. 15, n. 29, p. 71-80, jun. de
2012.
____________________. Em busca de complexidades imagticas.
Trabalho apresentado no GP Fotografia do XII Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicao, evento componente do XXXV
Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.
CATAL, Josep M. La Imagen Compleja. Barcelona: UAB, 2005.
_______________. A Forma do Real: introduo aos estudos visuais. So Paulo: Editora Summus, 2011.

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HORN, Evelyse Lins. Fotografia-Expresso: a fotografia entre o
documental e a arte contempornea. Disponvel em <http://
www.poscom.ufc.br/arquivos/fotografia_express%E3o.pdf>. Acesso em novembro de 2012.
KOBR, Kenneth. Fotojornalismo: uma abordagem profissional.
Rio de Janeiro: Elsevier Editora LTDA, 2011.
ROUILL, Andr. A Fotografia: entre documento e arte contempornea. So Paulo: Editora Senac, 2009.

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PAISAGENS DIGITAIS
Janara Dantas da Silva Frana

1. Introduo
A ideia deste texto surgiu depois de um contato inicial com a
mdia social Instagram, aplicativo desenvolvido em 2010 pelo brasileiro Mike Hrieger e pelo americano Kevin Systom. Aproveitando a tendncia dos celulares com cmeras embutidas, seus
idealizadores pensaram em um aplicativo fcil que ajudasse as
pessoas a compartilhar suas experincias cotidianas sem a necessidade de uma mquina fotogrfica para registrar imagens e um computador para public-las na Internet.
A proposta da mdia social permitir que seus usurios publiquem imagens registradas por seus celulares, diretamente em seu
perfil no Instagram no formato 4:3, mesmo padro usado pela
Kodak Instamatic e Polaroide1, diferentemente do formato 3:2,
padro de imagens que so capturadas pelas mquinas fotogrficas inseridas nos atuais celulares.
Falando especificamente sobre a esttica da fotografia,
Santaella (2007) afirma que a esttica precedente no desaparece quando surgem novas tecnologias, elas vo somando, complementando-se e interconectando-se. Na viso de Manovich (2006),
a fotografia se tornou um cdigo representativo incrivelmente resistente que vem sobrevivendo a todas as ondas tecnolgicas. E
1

Modelos de cmeras fotogrficas que possuem foco fixo e eram usadas por
amadores.

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A CIDADE E A IMAGEM

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para Berger (1999), cada vez que olhamos para uma fotografia,
criamos a conscincia de que o fotgrafo selecionou aquela cena
entre tantas outras possibilidades. Atualmente, continuamos utilizando a fotografia para construir nossa viso de mundo e usamos
as tecnologias a que temos acesso para tal atividade.
Inicialmente o aplicativo Instagram estava disponvel apenas
para usurios de smartphones do sistema Apple iOS; posteriormente, em abril de 2012, o servio tambm se tornou disponvel
para usurios do sistema Android, totalizando na poca 30 milhes
de usurios. Neste mesmo perodo, o Facebook anunciou a compra
do aplicativo por 1 bilho de dlares.
O servio de compartilhamento de fotos tem apenas dois anos
de existncia e j encarado por especialistas como um ambiente
digital que mescla compartilhamento de fotos, construo de redes
de contatos e transaes comerciais. Uma evoluo um tanto rpida, para um aplicativo que partia apenas da premissa de permitir
que usurios registrassem visualmente suas atividades e as publicassem. Estima-se que 90 milhes de pessoas estejam cadastradas
no site, de acordo com portal de contedo Olhar Digital2; que 40
milhes de fotos sejam publicadas por dia; e a cada segundo, 8.500
curtis so dados nas imagens; 1000 comentrios publicados; e 34
novas contas so criadas, dados divulgados pelo Tecmundo3.
A dinmica de participao da mdia social simples e no
requer convite prvio, como era exigido inicialmente pelo Orkut,
Facebook e Pinterest. Mesmo assim, estes sites de redes sociais
baniram este requisito de acesso aos novos usurios. necessrio
apenas preencher o cadastramento inicial: como o Instagram conversa com as demais mdias, ao criar um perfil no site, o usurio
poder usar uma conta que j dispunha anteriormente no Facebook,
Twitter ou Google+. Com isso, vrias etapas de preenchimento do
cadastro so eliminadas e o usurio tem sua conta de acesso criada
em alguns segundos.
2

Disponvel em: http://olhardigital.uol.com.br/jovem/redes_sociais/noticias/


instagram-nega-queda-no-numero-de-usuarios.
3
Disponvel em: http://www.tecmundo.com.br/imagens//2012/4/infograficos/
22095/infografico-tecmundo-220950.jpg?v=23 e em: http://
www.tecmundo.com.br/instagram/37951-o-que-os-filtros-do-instagram-dizemsobre-voce-.htm.

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#INSTAMYOURCITY

PAISAGENS DIGITAIS

A interface inicial do Instagram permite que o usurio crie


uma pgina pessoal, cujos itens personalizados incluem: nome
do usurio, uma pequena descrio pessoal com a incluso de
#hashtags e urls de sites pessoais ou institucionais e o mapa de
fotos, recurso que possibilita que a imagem publicada seja vinculada a uma localizao fsica. Alm da publicao de fotos, cada usurio pode seguir outros perfis e tambm, ser seguido por pessoas com quem tenham contato direto ou no. Na imagem a seguir
[Figura 1] possvel perceber que a interface inicial do Instagram
simples, considerando outras mdias j existentes e sua configurao visual adequada a smartphones com tecnologia touch screen.

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Figura 1: Interface da usuria do Instagram.

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A CIDADE E A IMAGEM

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comum que algumas contas possuam alta visibilidade pelas imagens publicadas ou pela histria pessoal fora da mdia social: o cantor Justin Bieber e a cantora Lady Gaga lideram o ranking
dos perfis mais seguidos dentro do Instagram, de acordo com o
portal de notcias G14.
percebido neste cenrio que articula cibercultura,
ciberespao, sites de redes sociais e mdias sociais, que personalidades e celebridades que possuem perfis de destaque em outras
mdias, como Twitter e Facebook, tenham suas contas entre as mais
populares em uma nova mdia, como no Instagram, havendo uma
migrao de fs entre as mdias, sendo ento replicadas s redes de
contato.
Para reforar sua presena no ambiente digital, o aplicativo
migrou como pgina para um endereo de web5, lanando assim
uma interface para navegadores como Internet Explorer e Google
Chrome em fevereiro deste ano. Porm, o site apenas para
visualizao [Figura 2], os recursos destinados publicao de fotos continuam disponveis apenas para acesso via smartphones e
tablets, conforme podemos visualizar:

Figura 2: Perfil Instagram Web.


4

Disponvel em: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/01/justin-biebersupera-lady-gaga-e-se-torna-idolo-mais-seguido-no-twitter.html.


5
Disponvel em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/instagramlanca-versao-para-web-mas-so-para-visualizar-fotos.html

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#INSTAMYOURCITY

PAISAGENS DIGITAIS

possvel observar que a interface web mantm as mesmas


caractersticas que a interface do aplicativo para celulares. Havendo apenas uma rea maior de visualizao das imagens publicadas.
A pgina da mdia social na web apenas para apresentar a galeria
do usurio.
Sobre a publicao de imagens, h algumas caractersticas especficas que o Instagram possui. Cada imagem pode ser capturada diretamente pelo aplicativo, respeitando sempre o formato 4:3,
j comentando antes ou pode ser migrada da galeria particular
de imagens do celular do usurio, neste caso, todas as fotos so
adequadas automaticamente ao formato 4:3. Antes de publicar a
imagem, o usurio pode usar como recurso alguns dos filtros disponveis no aplicativo.
Esses filtros so usados para personalizar ou dar destaque
imagem. So recursos de ajuste que transformam rapidamente cores, luzes e sombras das fotos. Alguns fotgrafos so contra essa
prtica e usam a #hashtag #nofilter para indicar que suas imagens
no foram manipuladas, outros so otimistas em relao ao uso,
conforme opinio de Taylor Davidson, fotgrafo e vice-presidente
do fundo de investimento americano, KBS+, em reportagem
publicada no Olhar Digital (2013): Gostemos ou no da elevada
utilizao de filtros, fato que eles so populares porque so fceis
de usar e sentimos que deixam nossas fotos melhores.
Relembrando Berger (1999), toda imagem uma cena que foi recriada ou reproduzida pelo olho de quem a escolheu, incorporando a forma de ver dessa pessoa. Os filtros so, neste caso, apenas
novas formas de ver ou marcas para recriar uma imagem j capturada pelo aparato tecnolgico.
O uso de filtros to acentuado que o prprio Instagram desenvolveu uma anlise sem rigor cientfico sobre os perfis de seus
usurios e os filtros utilizados por eles nas imagens publicadas. O
estudo, realizado como forma de conhecimento emprico, foi
intitulado What your Instagram Filter Says About You e apresente os 10 filtros mais utilizados pelos fotgrafos da mdia social. Alm do uso dos filtros personalizados para a publicao da
imagem, o Instagram possibilita que o usurio crie ou use #hashtags
existentes para etiquetar suas imagens. Portanto, uma imagem pode
receber vrias #hashtags e aparecer em algumas buscas.

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A #hashtag um recurso tecnolgico e tambm um cdigo de
linguagem do hipertexto que surgiu inicialmente no Twitter e o
Instagram adaptou para sua mdia social. Alm de etiquetar contedo, seja ele textual ou imagtico, usado para dar visibilidade e projeo s publicaes. As possibilidades de uma foto com
#hashtag receber comentrios e likes maior do que uma imagem sem uso desse recurso. A importncia da #hashtag para organizar contedos dentro das mdias scias to valorizada que at o
Facebook estuda a possibilidade de inclu-la em sua plataforma.
At a preparao deste artigo, a plataforma de comunicao online ainda no a havia implementado. A figura 3, a seguir, mostra
uma busca realizada com as seguintes #hashtags: #saopaulo (15.143
fotos encontradas); #sampa (202.383 fotos encontradas) e
#sampacity (4.948 fotos encontradas).

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Figura 3: Filtros de usurios e perfis de usurios.

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#INSTAMYOURCITY

PAISAGENS DIGITAIS

Aps essa breve apresentao sobre o Instagram e seus recursos tecnolgicos para publicao e compartilhamento de imagens,
desenvolveremos uma anlise sobre os diversos bancos de imagens
disponveis na plataforma on-line, alimentados diariamente pelos
prprios usurios.
Dentre tantos bancos de imagens, os relacionados a paisagens
urbanas ganham ateno especial nesta pesquisa, visto que em um
ambiente onde fronteiras geogrficas so eliminadas pelas novas
prticas comunicacionais permitidas pelas tecnolgicas mveis, seria curioso encontrar espaos digitais dedicados a delimitar
visualmente espaos urbanos, pelo constante registro de paisagens realizado por seus frequentadores tanto moradores, como
visitantes.
E nestes espaos digitais, o ensaio reflexivo se inicia e no h
a pretenso de encerrar o tema que envolve mdias digitais, participao de seus usurios e imagens digitais, pois h apenas a premissa de comear algumas reflexes percebidas ao navegar pelo universo de imagens do Instagram, relacionando com os temas que
envolvem a comunicao digital. A jornada comeou com a
#hashtag #InstamYourCity, no apenas como espao digital de
imagens urbanas, mas como fenmeno social de compartilhamento
e cooperao entre usurios da mdia social.
2. #InstamYourCity: paisagens urbanas e cultura de participao
Clay Shirky, professor do Programa de Telecomunicaes
Interativas da Universidade de Nova York e autor do livro A cultura da participao: criatividade e generosidade no mundo conectado,
um pensadores que dividem de forma otimista a contribuio
positiva da internet e das novas tecnologias no processo
comunicacional da atual sociedade. Junto com Pierre Lvy e Henry
Jenkins, acredita que o avano da cultura digital transferiu para as
pessoas comuns o poder informacional antes dominado pelos grandes grupos de comunicao. Somos todos agentes de comunicao.
Transitamos entre produtores e consumidores de contedo digital:
textual, hipertextual, audiovisual e/ou imagtico.
Shirky (2011) chama a ateno para pesquisadores e entusiastas das novas tecnologias para o fato de que o enfoque excessivo nas
ferramentas pode limitar nossa viso sobre o potencial das pessoas

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ao se apropriarem as novas formas de mdia. Estamos nos esquecendo dos usos sociais e dos desejos humanos que motivam essa
efetiva participao nas mdias digitais. O pensamento do professor
americano partilhado por Charlene Li, pensadora contempornea
das mdias sociais, e Josh Bernoff, pesquisador da Forrester Research.
Ambos escreveram o livro Grounsdswell: fenmenos sociais nos negcios, que traz reflexes sobre os impactos das novas tecnologias
conectadas nas relaes humanas e empresariais.
So as pessoas. E as pessoas com poder outorgado pela
tecnologia nem sempre seguem juntas. A mdia no est
organizada em pequenos retngulos chamados jornais,
revistas e aparelhos de televiso. As pessoas se
conectam com as outras e recebem poder delas (Li &
Bernoff, 2012: 5).

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Com um pouco mais de 40 anos de existncia, a internet


vista pela autora como um ambiente comunicacional construdo e
reconfigurado conforme as formas de apropriao que as pessoas
fazem. E a base dessa dinmica, movida pelas novas prticas
comunicacionais, o compartilhamento.
A cultura do compartilhamento to antiga quanto os eventos sociais; compartilhvamos nossas histrias e tradies em encontros informais. De acordo com Shirky (2011), o atual
compartilhamento de contedo digital apenas um eco de nossa
cultura anterior, com os novos suportes miditicos; e quanto mais
baratos e acessveis forem, mais motivados a compartilhar ficaremos. Um exemplo positivo disso a prpria Wikipdia: embora
seja questionada pela sua validade acadmica, no h referncia
mais fcil de localizar uma informao sobre qualquer assunto. E
tambm no h espao mais democrtico para que autores amadores e pesquisadores renomados dividam o mesmo espao para a
construo de contedo.
O uso de uma tecnologia social formatado pelos seus recursos, mas a forma como nos apropriamos dela que determina sua
validade; e um dos objetivos acessarmos uns aos outros. certo
que o compartilhamento de contedo nem sempre produtivo, sites,

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comunidades e diversas mdias sociais divulgam material que pode


ser classificado como lixo digital. Mesmo assim, a potencialidade
do compartilhamento no pode ser desprezada por seus exemplos
ruins. A dicotomia entre qualidade do contedo publicado e liberdade digital ser ainda alvo de discusso por muitos anos. O prprio Edgar Alan Poe j criticava a tipografia em 1845: em sua opinio, a imprensa iria encher as pessoas com livros irrelevantes.
Um discurso to hegemnico quanto a atual opinio de muitos crticos de mdias sociais.
O compartilhamento uma forma de autoexpresso, que antes se apresentava pelas artes: pintura, desenho, poemas, msica e
posteriormente a fotografia, o vdeo, o udio. Hoje, a autoexpresso
acontece em ambientes digitais. Sites de redes sociais, blogs, fruns
e demais pginas da web so atrativas para seus usurios caso possibilitem a publicao de narrativas pessoais. Tudo est exposto,
desde o nascimento de um beb at um velrio. Novamente levantam-se questes sobre as fronteiras aceitveis do que pblico e
do que deveria permanecer na esfera do privado, e claro, uma nova
discusso se pe mais adiante.
A prpria dinmica da Internet como espao comunicacional
no algo coordenado, acontece em movimentos sociais cuja fora
motriz so as pessoas. So elas que alimentam individualmente seus
interesses e conexes e, a partir de suas interaes, decidem compartilhar. O que motiva o compartilhamento nas mdias sociais?
Muitas so as variveis que podem ser levantadas; optou-se neste
texto, considerando o objeto de anlise, as motivaes mapeadas
por Shirky (2011): a) motivaes intrnsecas que envolvem o desejo de autonomia (o usurio decide o que fazer e como fazer) e o
desejo de competncia (se considerar bom no que faz); e b) motivaes sociais ou extrnsecas, que giram em torno de dois grandes
grupos conexo e participao; e compartilhamento e generosidade. Resumindo, o que Shirky prope que a motivao por compartilhar determinante para o amador, que vem do latim amare,
aquele usurio que faz alguma coisa por amor e no por recompensa direta. A tecnologia apenas facilita esse processo.
Na era das velhas mdias, as motivaes sociais eram menos
relevantes, pelos os altos custos de visibilidade. Uma pessoa comum no tinha acesso para publicar contedo em nenhuma das

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mdias tradicionais: rdio, televiso, jornais. Com o desenvolvimento
das novas mdias comunicacionais, emergiu uma nova forma de visibilidade, a midiatizada, segundo Thompson (2008). Para ele, que
tambm adota uma viso otimista, essa visibilidade midiatizada
moldada pelas propriedades distintivas das novas mdias, alm dos
aspectos sociais e tcnicos, e pelas novas formas de interao.
O nascimento da Internet e de outras tecnologias digitais
amplificou a importncia das novas formas de visibilidade
criadas pela mdia, e, ao mesmo tempo, tornou-as mais complexas. Elas aumentaram o fluxo de contedo nas redes de
comunicao e permitiram que um nmero maior de indivduos criasse e disseminasse esse tipo de contedo
(Thompson, 2008: 23).

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Essa nova visibilidade est livre das propriedades espaciais e


temporais do aqui e agora: o contedo publicado pelos usurios das mdias sociais pode ser acessado por qualquer pessoa em
qualquer tempo e em qualquer lugar do mundo conectado. As pessoas no precisam estar presentes no mesmo ambiente espao-temporal para acompanhar outro usurio ou para acompanhar um acontecimento ou evento. Em 2013 tivemos a renncia do Papa Bento
XVI e a eleio do novo Papa Francisco. O Vaticano anunciou trmino do conclave usando a conta no Twitter @pontifex declarando: Habemus papam Franciscum. Essa mensagem chegou a 4
milhes de seguidores de acordo com dados divulgados pelo G16.
A divulgao da notcia sobre o novo papa no ficou restrita
aos grandes meios e ao Vaticano, as milhares de pessoas que acompanham o evento na Praa So Pedro, munidas de seus aparatos
conectados Internet, tambm participaram deste momento histrico, produzindo contedo prprio sobre o mesmo fato. E esse
contedo textual e imagtico foi multiplicado para suas redes de
contatos dentro e fora dos sites de redes sociais. Impressionante
perceber isso na imagem7 a seguir:
6

Disponvel em: http://g1.globo.com/mundo/novo-papa-francisco/noticia/2013/


03/conta-do-papa-no-twitter-se-aproxima-de-4-milhoes-de-seguidores.html.
7
Disponvel em: http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/03/14/
imagens-mostram-evolucao-tecnologica-da-morte-de-joao-paulo-2-a-escolhado-papa-francisco.htm

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Uma imagem pode ultrapassar aquilo a que inicialmente se


propunha a representar, construindo uma concepo histrica de
um fato ou acontecimento e nos permite compartilhar da experincia do artista que fez o registro e da sua viso sobre o visvel
(Berger, 1999). impossvel no se sentir impactado ou at mesmo espacialmente deslocado com a imagem anterior [Figura 4].

Figura 4: Usurios de mdias sociais no Vaticano.

Seja por motivaes intrnsecas de autonomia ou competncia,


seja por motivaes sociais que envolvem conexo e participao ou
compartilhamento e generosidade, a verdade que usamos as mdias
sociais para compartilhar, para produzir e multiplicar contedo com
a nossa cara e a nossa experincia. A interao possibilitada pelas
novas plataformas de comunicao online cria um tipo de situao
social em que os indivduos realizam trocas simblicas (Thompson,
2008: 19). Santaella apresenta uma viso interessante sobre as novas
prticas comunicacionais da atualidade; para a pesquisadora, estamos
lidando com espaos ubquos, descritos como:
Espaos hiperconectados, espaos de hiperlugares, mltiplos espaos em um mesmo espao, que desafiam os
sentidos de localizao, permanncia e durao. So espaos povoados por mentes multico-nectadas e, por
consequncia, coletivas, compondo inteligncias fluidas
(Santaella, 2010: 18).

Para a autora, h dois termos importantes que devem ser considerados quando tentamos entender a complexidade que envolve
o contexto da comunicao e interao on-line: a ubiquidade e a

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onipresena. A ubiquidade envolve a relao entre comunicao e


deslocamento, ou seja, o usurio comunica-se durante seu deslocamento fsico. J a onipresena permite que o usurio realize suas
atividades cotidianas como trabalhar, responder e-mails, acessar
sites de redes sociais e produzir contedo para ser compartilhado
mesmo estando em outros lugares (Santaella, 2010).
No difcil visualizar os conceitos de ubiquidade e
onipresena na estrutura de mdia social analisada aqui: o Instagram
um aplicativo para smartphones. A proposta que o usurio registre visualmente suas atividades e as publique, em qualquer lugar
e em qualquer perodo de tempo. As ofertas gratuitas de conexo
wifi por muitos estabelecimentos e instituies e os pacotes de dados ofertados pelas operadoras de telefonia celular facilitam a
mobilidade do usurio. No estamos mais presos ao nosso desktop
e nem a nossa mesa de trabalho. Levamos tudo conosco, em dispositivos cada vez menores, e tablets e celulares assumem funes de
computadores pessoais e, muitas vezes, com o mesmo poder de
processamento de informao.
Os espaos hbridos combinam o fsico e o digital em um
ambiente social, criado pela ubiquidade e onipresena dos usurios de Internet e de sites de redes sociais. Eles ocorrem quando o
usurio no precisa sair de seu espao fsico para entrar em contato com ambientes digitais. Souza e Silva (2006) afirmam que a
emergncia da portabilidade permitiu que o usurios fiquem constantemente conectados a espaos hbridos e literalmente carreguem
a Internet com eles.
O site MapStagram8 dedicado a registrar alguns desses espaos hbridos: os usurios do Instagram se conectam ao site usando a mesma conta para que o software on-line mapeie as fotos
que foram publicadas nos perfis que autorizaram a sincronizao
de dados. As fotos so publicadas em tempo real, conforme informaes do site, apenas se o usurio do Instagram informa a localizao da imagem, conforme descrito na primeira parte deste texto.
Podemos observar a representao visual dos espaos hbridos na
imagem a seguir, no momento do registro visual, apenas imagens
publicadas nas cidades de San Francisco, Houston, Nova York e
Toronto foram captadas.
8

Disponvel em: http://www.mapstagram.com/.

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Figura 5: Mapstangram.

Passamos, a partir dessas reflexes, anlise das paisagens


urbanas digitais publicadas como imagens pelos usurios do
Instagram. Na viso de Berger (1999), quando vemos uma paisagem, nos situamos nela. As fotografias publicadas pelos usurios
chamaram a ateno dos organizadores do evento mundial
itinerante chamado de Social Media Week9 , que segundo seus
organizadores tem como objetivo central explorar o impacto social, cultural e econmico das mdias sociais no contexto empresarial. Em celebrao ao sexto ano de existncia dessa organizao
sem fins lucrativos, os idealizadores resolveram criar um concurso10 fotogrfico em setembro de 2012.
Os usurios das plataformas de publicao de imagem como
Instagram, Nokia Creative Studio, Lightbox, Hipster and
StreamZoo foram estimulados a participar, enviando publicando
as imagens sob a #hashtag #InstanYourCity #nome da cidade no
Twitter, o que possvel, pois todos esses sites de redes sociais se
conectam entre si.
As cidades participantes eram as mesmas que receberiam a
edio simultnea do evento Social Media Week, num total de 14:
Londres, Glasgow, Turim, Barcelona, Berlim, Doha, Jeddah, Hong
Kong, Seul, So Paulo, Bogot, Chicago, Los Angeles e Vancouver. As regras11 eram muito simples: 1) a foto deveria ser capturada
por qualquer smartphone, apresentando, na viso do fotgrafo, a
singularidade de cada cidade; 2) adicionar um filtro que desse des9

Disponvel em: http://socialmediaweek.org/.


Disponvel em: http://socialmediaweek.org/blog/2012/05/instagram-your-cityfor-social-media-week-and-win-a-trip-across-the-world/#.UWx9YXa5fIV.
11
As regras completas podem ser consultadas aqui: http://
socialmediaweek.org/instagram-your-city/.
10

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taque imagem, dentro os disponveis na plataforma; e 3) etiquetar


a foto e compartilhar via Twitter, conforme os requisitos j citados.
No havia limite de publicao por usurio e o prazo limite para a
publicao da imagem foi 29 de junho de 2012.
As melhores imagens urbanas seriam selecionadas por uma
equipe de jurados e o vencedor poderia viajar para qualquer cidade em que o evento estivesse acontecendo no perodo de 24 a 28 de
setembro de 2012. Para Toby Daniel, fundador e diretor executivo
do Social Media Week, o concurso fotogrfico era uma celebrao
das belezas urbanas e tambm uma forma de ultrapassar as fronteiras geogrficas e culturais pelas narrativas visuais construdas
pelas prprias pessoas que residem ou que estavam presentes nas
cidades escolhidas para serem representadas. No havia prmio
em dinheiro e no foram divulgados nmeros sobre a quantidade
de fotos recebidas, mas estima-se que os jurados tenham trabalhado com milhes de imagens. E usurios do Instagram e de outras
plataformas de publicao de imagens oficializaram reclamaes
no site do evento por sua cidade no participar do concurso.
Para apresentar as primeiras imagens escolhidas para participar da seleo final, os organizadores criaram galerias que foram
intituladas de Honorable Mentions. Dessas. Chegou-se aos
finalistas de cada cidade. Figura 6: Cidades finalistas.
A seguir, as paisagens urbanas que apresentaram maior potencial icnico e artstico, na viso dos jurados, que foram finalistas
do concurso:

Figura 6: Cidades finalistas.

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Figura 7: Cidades finalistas.

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Dentre as imagens finalistas, perceptvel que seus autores
quiseram mostrar um espao urbano com todas as suas mincias:
cores, formas, texturas, intervenes humanas. A beleza est na
variedade de vises de uma imagem que migra do espao fsico
para o espao digital, tornando-se um espao hbrido da cidade
representada. A proposta no discutir se o uso do filtro e a forma
de captura da imagem realmente representam a cidade. a realidade que foi registrada na viso do usurio. Manovich (2006), ao
analisar as imagens contemporneas, afirma que a atual paisagem
visual no constituda por fotografias puras, so mutaes que
passaram por vrios filtros e ajustes manuais ou tcnicos at adquirirem um look estilizado, formando o que o pesquisador das novas
mdias chama de hibridao visual.

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Figura 8: A imagem vencedora: Berlin from Bjrn Kcher (@bjoekoe).

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A paisagem urbana vencedora tem uma poderosa mensagem


de que o movimento global em direo a uma comunicao aberta
e transparente tem razes em acontecimentos histricos do passado. Ela foi tirada por Bjrn Kocher, e as palavras O mundo
pequeno demais para paredes so escritas em um pedao remanescente do Muro de Berlim. Erguido em 1961 para separar o comunista controlado de Berlim Oriental da Berlim Ocidental, O
Muro de Berlim simbolizou a separao e diviso, uma noo que
nos serve como poderoso lembrete de quo longe viemos e importncia da tecnologia e mdias sociais para ajudar a combater a opresso e injustia.
As paisagens digitais criadas e recriadas e aqui representadas
so possveis no apenas pelos novos aparatos tecnolgicos, mas
tambm pela inteno de compartilhamento proporcionado pelos
ambientes digitais, as mdias sociais. Antigamente, o que se via
dependia de onde se estava e do quando: medidas de tempo e espao eram determinantes para a vivncia de um fato. Hoje, a arte
imagtica a fotografia digital est em poder de qualquer usurio da Internet. Estudiosos de imagens nos alertam que vivemos
num contexto de linguagens visuais envoltas em novas prticas
comunicacionais dos ambientes digitais.
Consideraes finais
Ver antecede as palavras e estabelece nosso lugar no mundo, conforme descrito por Berger (1999). Tentamos explicar o mundo, os fenmenos sociais e as imagens com palavras, foi exatamente isso o que
se fez neste ensaio. Transitando sobre temas diferentes tentou-se tecer um texto que significasse tantos elementos, as imagens, as paisagens urbanas, as mdias sociais e a cultura de participao.
Qualquer um desses elementos demanda mais discusses e
reflexes para pesquisas e trabalhos, mas a proposta foi surfar
entre eles e relacion-los ao olhar para o objeto em questo: as
paisagens urbanas digitais. E quanto mais se analisavam as imagens e teorias, mais a autora percebia que este texto pode ser separado em partes e explorado individualmente. As consideraes preliminares, porm, neste momento, so satisfatrias para apresentar uma viso inicial sobre o tema.

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Com o advento da fotografia, ampliamos nossa forma de ver


e no dependamos mais de artistas do desenho e da pintura para
registrar fatos, acontecimentos, pessoas ou paisagens. A
popularizao da mquina fotogrfica e sua incorporao como
recurso tecnolgico nos aparelhos celulares s faz sentido para os
usurios de Internet por termos uma cultura visual que precede a
atual cultura digital. O registro imagtico de pessoas, lugares e acontecimentos j faziam parte de nossa rotina.
Os usos sociais das mdias digitais e as novas formas de construo autnoma e individual de contedo para a web s consolidaram o desejo humano de compartilhar seus interesses na grande
rede, a Internet. Os ambientes digitais so espaos atemporais e
sem fronteiras para a troca e o compartilhamento simblico e
imagtico. Cada usurio de mdias digitais escolhe com total liberdade o que deseja compartilhar e multiplicar entre seus contatos.
So artistas e fotgrafos amadores de acontecimentos cotidianos e
histricos, de paisagens de lugares que habitam ou visitam, numa
dinmica social em que seus agentes partilham do mesmo cdigo
de linguagem e das mesmas formas cognio.
As paisagens urbanas digitais so registros de espaos fsicos
que perdem suas fronteiras nos ambientes digitais e tornam-se espaos de interao e troca simblica. As imagens criadas e recriadas so frutos de uma forma muito particular de ver de seus autores. Elas tentam situar o leitor deste tipo de contedo imagtico
em um espao hbrido, onde fsico e virtual se fundem para promover uma experincia.
Essa dinmica social de compartilhamento algo que pode
ser motivada pela cultura de participao, resultante das conexes
e interaes que as novas prticas comunicacionais permitem, cujos
elementos da ubiquidade e onipresena se tornam importantes. No
estamos mais presos a um espao ou aparato tecnolgico imvel,
estamos transitando nos ambientes hbridos e partilhando de nossos interesses e de nossas cidades digitais.

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REFERNCIAS
Agncia RS. As faces do Instagram. Disponvel em: < http://
www.agenciars.com.br/blog/as-faces-do-instagram/# >. Acesso em
maro de 2013.
BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1999.
G1. Entenda a curta histria do Instagram, comprado pelo
Facebook. Disponvel em: < http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/04/entenda-curta-historia-do-instagram-comprado-pelofacebook.html >. Acesso em maro de 2013.
LI, Charlene & BERNOFF, Josh. Groundswell: fenmenos sociais
nos negcios. Rio de Janeiro: Campus Elsevier: 2012.
MANOVICH, Lev. The shape of information. Disponvel em: <
https://www.manovich.net >. Acesso em janeiro de 2010.
OLHAR DIGITAL. O que os filtros do Instagram dizem sobre a
fotografia digital? Disponvel em: http://olhardigital.uol.com.br/
produtos/mobilidade/noticias/o-que-os-filtros-do-instagram-dizemsobre-a-fotografia-digital >. Acesso em maro de 2013.
SANTAELLA, Lucia. A ecologia pluralista da comunicao:
conectividade, mobilidade e ubiquidade. So Paulo: Paulus, 2010.
_________________. Linguagens lquidas na era da mobilidade.
So Paulo: Paulus, 2007.
SHIRKY, Clay. Cultura da participao: Criatividade de generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2011.
SOUZA e SILVA, Adriana. Do ciber ao hbrido: tecnologias mveis como interfaces dos espaos hbridos. In: ARAJO, Denize
Correa de (Ed.) Imagem e realidade. Comunicao e cibermdia.
Porto Alegre: Sulina, 2006, pgs. 21-51.

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Storify. Origem do Instagram. Disponvel em: < http://storify.com/
nataliaberaldi5/fotografia >. Acesso em abril de 2013.
THOMPSON. John B. A nova visibilidade. Revista Matrizes.
Nmero 2, pginas 15-38, 2 de abril de 2008.

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AS BIOGRAFIAS
DOS AUTORES
Anna Letcia Pereira de Carvalho
Professora dos cursos de Produo
Audiovisual e Sistemas para Internet no
Grupo IBMEC Educacional-Metrocamp,
onde leciona as disciplinas Criao e Produo Digital, Edio de TV, Vdeo e
Multimdia, Projeto Interdisciplinar e
Comunicao Visual para Web. Aluna
Especial da disciplina Tecnoimagtica:
produo e circulao da imagem na comunicao contempornea, no Programa de Ps-Graduao da Escola de Comunicao e
Artes da Universidade Estadual de So Paulo. Mestre em Comunicao na linha de pesquisa Produtos Miditicos: Jornalismo e Entretenimento pela Faculdade Csper Lbero, cuja dissertao O
Fotojornalismo do Big Picture: notcias contadas por fotografias,
teve apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So
Paulo (FAPESP). Especialista em Fotografia pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL( e graduada em Comunicao Social
com habilitao em Midialogia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com bolsa de iniciao cientfica PIBIC/CNPq.
integrante desde 2011 do Grupo de Pesquisa Comunicao e
Cultura Visual da Faculdade Csper Lbero.
Currculo lattes: http://lattes.cnpq.br/5235534677157969.
annaleticia@gmail.com

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Carlos Roberto da Costa


Licenciado em filosofia e bacharel em teologia, jornalista formado pela Csper
Lbero. Paranaense de Londrina, 64 anos,
mestre e doutor em Cincias da Comunicao pela Escola de Comunicaes e
Artes da Universidade de So Paulo. Dirigiu as revistas Playboy, Elle e Quatro Rodas, da Editora Abril. Editou a revista Ensino Superior e criou as revistas Negcios da Comunicao (Editora
Segmento), Getlio (para o GVlaw, da FGV) e Dilogos&Debates,
da Escola Paulista da Magistratura, do Tribunal de Justia de So
Paulo. professor de Histria da Comunicao e coordenador do
Curso de Jornalismo da Faculdade Csper Lbero, compondo tambm o corpo docente do programa de ps-graduao lato sensu. Na
Csper Lbero, editou as revistas Libero, Esquinas e Csper. Publicou o livro A revista no Brasil do sculo XIX: a histria da formao
das publicaes, do leitor e da identidade do brasileiro, tema de seu
doutorado (Editora Alameda, So Paulo, 2012, 456 pginas). Faz
atualmente ps-doutorado em Letras (FFLCH-USP), com superviso do prof. Dr. Joo Roberto Faria: uma pesquisa sobre a obra do
pioneiro Manuel de Arajo Porto Alegre (1806-1879), introdutor do
romantismo e da caricatura no Brasil.
Currculo lattes:http://lattes.cnpq.br/2319495281449898
ccosta@casperlibero.edu.br
Dulcilia Helena Schroeder Buitoni
Doutora em Letras pela Universidade de
So Paulo (1980), formada em Direito
e em Jornalismo pela USP. mestre em
Letras e livre-docente e titular em Jornalismo tambm pela USP. Lidera o Grupo
de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual, do CNPq (2006), sendo responsvel
pelos Projetos de Pesquisa Estudos Visuais em Jornalismo: Cidade e Imagem na Mdia; Comunicao e
cultura visual: passados visuais e audiovisuais, fotografia e

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BIOGRAFIAS DOS AUTORES


documentrio; e Cidades em Revista: Imagens Urbanas, Imagens
Brasileiras Elementos para Anlise de Visualidades Jornalsticas,
do Programa de Mestrado em Comunicao da Faculdade Csper
Lbero. Foi professora da ECA-USP de 1972 a 2005 e professora
visitante na Universidad Autnoma de Barcelona. Tem experincia na rea de Comunicao, com nfase em Jornalismo e
Editorao, atuando nos seguintes temas: narrativa jornalstica,
jornalismo audiovisual, jornalismo digital, imagem jornalstica, fotografia, documentrio, cultura visual, jornalismo de revista, jornalismo cultural, jornalismo e relaes sociais de gnero, jornalismo e discurso pedaggico. autora de livros, captulos de livros e
artigos cientficos na rea. Entre as principais obras encontram-se,
Imprensa feminina (So Paulo: tica, 1986), Mulher de papel: a representao da mulher pela imprensa feminina brasileira (So Paulo: Summus, 2009) e Fotografia e jornalismo: a informao pela imagem (So Paulo: Saraiva, 2011).
Currculo lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/
visualizacv.do?id=K4783337T6
Edna de Mello Silva
jornalista diplomada e licenciada em Letras pela Universidade So Judas Tadeu (1993), com mestrado (2002) e doutorado
(2007) em Cincias da Comunicao pela ECA-USP. professoraadjunta da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e membro
do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Multimdia (CNPq/UFT). Integrou o Conselho Administrativo da SBPJor (gesto 2012-2013) e
coordenadora de sua Rede de Pesquisadores em Telejornalismo.
vice-coordenadora do GP de Telejornalismo da Intercom. Liana
Vidigal Rocha graduada em Comunicao Social-Jornalismo pela
Universidade Federal do Esprito Santo (1996), com mestrado
(2001) e doutorado (2006) em Cincias da Cincias da Comunicao pela ECA-USP. professora-adjunta na UFT e lidera o Grupo
de Pesquisa em Jornalismo e Multimdia (CNPq/UFT). Srgio
Ricardo Soares Farias Silva, graduado em Jornalismo (1991)
Mestre em Letras, rea de concentrao Teoria da (1998), pela
Universidade Federal de Pernambuco. professor assistente do
curso de Jornalismo da UFT.

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Eric de Carvalho
Doutorando na Escola de Comunicao
e Artes da Universidade de So Paulo, na
rea de Estudo dos Meios e da Produo
Meditica, seguindo a linha de pesquisa
de Consumo e Usos Miditicos nas Prticas Sociais. Possui graduao em Comunicao Social pela Escola Superior de
Propaganda e Marketing (1997) e
mestrado em Comunicao pela Faculdade Csper Lbero (2010).
Atuou como supervisor regional de trade marketing nas Havaianas
(So Paulo Alpargatas - 2008-2010), supervisor de marketing da
YKK Brasil (2006-2008), coordenador de marketing da Matte Leo
(Leo Jr - 2002-2006), analista de marketing da Budweiser Brasil
(Cervejaria Antarctica 1996-1997) e foi scio-proprietrio da agncia de comunicao Set Brain Comunicao (1998-2002). Atualmente professor do curso de ps-graduao de Marketing e Comunicao Publicitria da Faculdade Csper Lbero e de Marketing
da Universidade de Tocantins e leciona tambm nos cursos de publicidade e propaganda das faculdades Csper Lbero e Belas Artes e Centro Universitrio FECAP, atuando principalmente nos
seguintes temas: consumo, cultura, comunicao, identidade, imagem e publicidade.
Currculo lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/
visualizacv.do?id=K4425529E1
ericdecarvalho@ig.com.br
Fabola Tarapanoff
Professora dos cursos de Comunicao
Social do FIAM-FAAM Centro Universitrio, em que leciona as disciplinas Informao e Formao de Opinio, Teoria da
Opinio Pblica, Linguagens e Estruturas
do Discurso e Cultura, Comunicao e
Mdia. Doutoranda do Programa de PsGraduao Stricto Sensu - rea de Concentrao: Processos Comunicacionais - Linha de Pesquisa: Comunicao Miditica nas Interaes Sociais na Universidade Metodista

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BIOGRAFIAS DOS AUTORES


de So Paulo (UMESP). Sua tese aborda sobre a questo das representaes dos jornalistas no cinema e suas apropriaes pelos que se
iniciam na carreira. Foi pesquisadora visitante na University of
California, Los Angeles (UCLA) e bolsista do Programa Doutorado-Sanduche no Exterior (PDSE) pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) em 2013. Mestre em
Comunicao Social (Produtos Miditicos Linha de Pesquisa: Jornalismo e Entretenimento) e especialista em Comunicao
Jornalstica pela Faculdade Csper Lbero (FCL), integrante desde 2010 do Grupo de Pesquisa Comunicao e Cultura Visual da
mesma instituio.
Currculo lattes:http://lattes.cnpq.br/011086358803492
Janara Dantas S. Frana
Mestre em Comunicao pela Faculdade
Csper Lbero (SP), foi aluna especial no
Doutorado em Comunicao na Universidade de So Paulo (SP) na disciplina:
Comunicao e redes na era digital. Psgraduada em Gesto de Marketing pelo
ICPG (SC) e Bacharel em Administrao
de Empresas pela Uniasselvi (SC).
Atualmente Coordenadora do curso de ps-graduao em Gesto da Comunicao em Mdias Digitais no SENAC em So Jos
dos Campos (SP), e docente nas disciplinas de: Comportamento
do Consumidor Digital e Gesto do Contedo Digital. Professora
nos cursos de ps-graduao e graduao da Fundao Getlio
Vargas (RJ e SP), lecionando as disciplinas: Estratgia Empresarial, Gesto de Marketing, Marketing de Varejo, Trade Marketing,
Marketing de Servios, Comportamento do Consumidor, Estratgia de Marketing e Planejamento de Marketing, professora convidada no curso de ps-graduao em Comunicao Estratgica e
Relaes Pblicas na USP (SP) e professora na UNIFIEO no curso de Publicidade e Propaganda nas disciplinas de Comunicao
Digital, Economia e Interface Homem Mquina.
Currculo lattes: http://lattes.cnpq.br/5485083069058320
Janaira.franca@terra.com.br

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Josep M. Catal Domenech


Catedrtico de Comunicao Audiovisual
e doutor em Cincias da Comunicao
pela Universidade Autnoma de Barcelona (UAB), licenciado em Histria
Moderna e Contempornea pela Universidade de Barcelona e mestre em Teoria
do Cinema pela San Francisco State
Universityda California. Foi professor da
Faculdade de Cincias da Comunicao da Universidade Autnoma de Guadalajara, no Mxico, e instrutor do Departamento de
Cinema da San Francisco State University. Realizou diversos projetos em diferentes canais de TV espanhois. Prmio Fundesco de
Ensaio (1992) pelo livro La violacin de la mirada; prmio do XXVII
Certame Literrio da cidade de Irn (1966) pelo livro Elogio de la
paranoia; e meno especial do jri do II Premio da Fundacin
Arte y Derecho por Laberintos de pasin. El nuevo realismo melodramtico, publicado com o ttulo de Pasin y conocimiento (2009).
ainda autor, entre outros, de La puesta en imgenes: conceptos de
direccin cinematogrfica (2001); La imagen compleja (2005); La
forma de lo real (2008), publicado no Brasil com o ttulo A forma do
real: introduo aos estudos visuais (Summus, 2011); La imagen
interfaz. Representacin audiovisual y conocimiento en la era de la
complejidad (2010) e El murmullo de las imgenes (2012). Diretor
da Faculdade de Comunicao da UAB e do mestrado em
Documentrio Criativo da mesma instituio, leciona Narrativas
Audiovisuais e a Esttica da Imagem.
Jos Augusto Mendes Lobato
Doutorando em Cincias da Comunicao pela Universidade de So Paulo
(USP) e mestre em Comunicao na
Contemporaneidade pela Faculdade
Csper Lbero (FCL), jornalista profissional, graduado pela Universidade da
Amaznia (Unama). Pesquisa, atualmente, a construo de representaes de

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BIOGRAFIAS DOS AUTORES


alteridade na narrativa televisiva, tendo como objetos de estudo o
telejor-nalismo de grande reportagem e a fico seriada; porm,
tambm desenvolve trabalhos que abordam a linguagem fotogrfica e os processos narrativos no mbito do audiovisual em geral,
tendo como referncias principais as cincias da linguagem e os
estudos culturais e de recepo. Integrante do Grupo de Estudos
de Linguagem: Prticas Miditicas (MidiAto), da ECA/USP,
coautor dos livros Comunicao em cena (2013), Processos e Produtos Miditicos (2010) e Comunicao, Jornalismo e Compreenso
(2010).No campo profissional, atua como consultor de contedo
(editor) na agncia Report Sustentabilidade, especializada em comunicao corporativa voltada a temas socioambientais, e j atuou
por trs anos em redao de jornal dirio.
E-mail:gutomlobato@usp.br/gutomlobato@gmail.com.
Currculo Lattes:http://lattes.cnpq.br/8321743152267223
Jos Geraldo de Oliveira
Mineiro natural de Viosa, sempre trabalhou ligado rea de documentrio,
vdeos de treinamentos para a rea de
educao, alm de trabalhos de comunicao corporativa para empresas como
Usiminas ou Detran de Minas Gerais.
Formado em Publicidade e Propaganda
pela Unisa (Universidade Santo Amaro)
mestre em Comunicao pela Faculdade Csper Lbero, onde
defendeu, em 2012, a pesquisa Grafitecidade e viso travelar, comunicao visual e transgresso na metrpole contempornea, sob
orientao da professora Dr. Dulclia H. S. Buitoni. O trabalho
completo pode ser encontrado no Portal da Comunicao, da Universidade Autnoma de Barcelona, http://www.portalcomunicacion.
com/monograficos_det.asp?id=226.
Artista plstico e fotgrafo, tem diversos trabalhos publicados em revistas como Csper, Dilogos&Debates, GQ, Red, Viaje
Mais, Prazeres da Mesa, entre outras. Atualmente professor nos
cursos de Comunicao Social (Habilitaes: Jornalismo, Rdio e
TV, Publicidade e Jogos Digitais) do Centro Universitrio FIAM-

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A CIDADE E A IMAGEM
FAAM e FMU. Leciona as disciplinas Teorias da Comunicao e
Comunicao e Mdia.
Currculo lattes: http://lattes.cnpq.br/5339133866531303
Contato: zooliveira@uol.com.br

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Lucrcia DAlessio Ferrara


Professora e pesquisadora do Programa
de Ps-Graduao em Comunicao e
Semitica (PUC-SP), doutora em Literatura Brasileira pela Faculdade Sedes
Sapientiae (PUC-SP) e livre-docente em
Desenho Industrial pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP).
Coordenou o Departamento de Artes da
Faculdade de Comunicao e Filosofia (PUC-SP) no perodo de
1967-1977 e o Programa de Ps Graduao em Teoria Literria
(desde 1978, Comunicao e Semitica) no perodo de 1970 a 1984
(PUC-SP). Foi representante da rea de Comunicao e Artes junto
Capes (1985-1987) e presidiu a Comisso de Ps-Graduao da
FAU-USP no perodo de 1989 a 1991. Coordenadora do Grupo de
Pesquisa Espao/Visualidade-Comunicao/Cultura credenciado
junto ao CNPq, foi assessora da Capes, CNPq, Finep, Fapesp. Atual pesquisa sobre Mediao e Interao: por uma arqueologia dos
processos comunicativos, desenvolvida com o apoio do CNPq, atravs de Bolsa de Produtividade Cientfica. Entre seus principais trabalhos publicados esto: A Estratgia dos Signos (Perspectiva, 1981),
Leitura sem Palavras (tica, 1986), Ver-A- Cidade (Nobel, 1988),
Olhar Perifrico: informao, linguagem, percepo ambiental
(Edusp/Fapesp, 1993), Os Significados Urbanos ( Edusp/Fapesp,
2000), Design em Espaos (So Paulo: Rosari, 2002), Espaos
Comunicantes (So Paulo: Annablume, 2007, org.), Comunicao
Espao Cultura (So Paulo: Annablume, 2008), Os Nomes da Comunicao (So Paulo:Annablume, 2012), alm de captulos de livros e artigos publicados em peridicos cientficos.
Currculo lattes: http://lattes.cnpq.br/1606647058708790

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BIOGRAFIAS DOS AUTORES


Sonia Maria Bibe Luyten
Doutora em Cincias da Comunicao
pela Escola de Comunicaes da Universidade de So Paulo (ECA-USP), com
tese sobre mang, ali lecionou (19721984) criando o primeiro curso universitrio de Histrias em Quadrinhos no Brasil. Foi professora convidada da Universidade de Estudos Estrangeiros de Osaka,
de Tquio e Tsukuba, no Japo, lecionando ainda na Universidade
Real de Utrecht, Holanda, e na Universidade de Poitiers. Coordenou o curso de Ps-Graduao de Comunicao da Universidade
Catlica de Santos, ministrando uma disciplina sobre Histrias em
Quadrinhos. Autora dos livros Comunicao e Aculturao, Histrias em Quadrinhos Leitura Crtica; O que Histrias em Quadrinhos; Mang, o poder dos quadrinhos japoneses; e Cultura Pop japonesa: anim e mang. Obteve vrios prmios por sua pesquisa em
Quadrinhos como o HQMIX e o Mangacom (So Paulo), alm do
Prmio Romano Calise, em Lucca Itlia, e o Prmio ngelo
Agostini. Recebeu ainda a Honraria do governo japons pela atuao na divulgao e pesquisa da Cultura Pop Japonesa. Criou o
primeiro ncleo de estudos sobre mang no Brasil na dcada de
1970, na ECA-USP e presidiu o HQMIX. Atualmente preside a
Federation of Cartunists Organization-Brasil.
http://lattes.cnpq.br/3523112773488026
Slvio Henrique V. Barbosa
Doutor em Cincias da Comunicao
pela ECA-USP, mestre em Filosofia e
Teoria Geral do Direito pela Faculdade
de Direito da USP, graduado em Jornalismo pela Faculdade Csper Lbero e em
Direito pela PUC-SP. Professor Titular da
Faculdade Csper Lbero, lecionando as
disciplinas de tica e Legislao da Comunicao (RTV) e de Telejornalismo I e II (JO), professor do
curso de Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing

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ESPM (Documentrio), e do curso de ps-graduao em comunicao da FMU (Produo Executiva e Gesto de Televiso). Integrante do grupo de pesquisa Comunicao e Cultura Visual
(Csper). tambm consultor em media training e o jornalista responsvel pelo boletim informativo da ONG VivaPacaembu por So
Paulo. Foi editor chefe do telejornal Jornal da Gazeta (TV Gazeta/
SP), editor chefe do telejornal Jornal da CBS, em Miami (TV CBS/
EUA), editor executivo do Bom Dia Brasil (TV Globo), editor dos
telejornais Hoje, SPTV e Jornal da Globo (TV Globo), editor do
Jornal da Band (TV Bandeirantes), do Jornal da Record (TV
Record), editor executivo e editor de internacional do Telejornalismo
da TV Cultura, SP.
Cv:http://lattes.cnpq.br/6189660393475038#sthash. FJJ4Y
whh.dpuf

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